tese dorival

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Universidade de São Paulo Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia PIPGE – EP/FEA/IEE/IF “Reformas na Indústria Elétrica Brasileira: A Disputa pelas ‘Fontes’ e o Controle dos Excedentes” Dorival Gonçalves Junior São Paulo – Setembro/2007

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  • Universidade de So Paulo Programa Interunidades de Ps-Graduao em Energia

    PIPGE EP/FEA/IEE/IF

    Reformas na Indstria Eltrica Brasileira:

    A Disputa pelas Fontes e o Controle dos Excedentes

    Dorival Gonalves Junior

    So Paulo Setembro/2007

  • ii

    Universidade de So Paulo Programa Interunidades de Ps-Graduao em Energia

    PIPGE EP/FEA/IEE/IF

    Reformas na Indstria Eltrica Brasileira:

    A Disputa pelas Fontes e o Controle dos Excedentes

    Autor: Dorival Gonalves Junior Tese apresentada ao Programa Interunidades de Ps-Graduao em Energia Instituto de Eletrotcnica e Energia/Faculdade de Economia, Administrao e Cincias Contbeis/Instituto de Fsica/Escola Politcnica da Universidade de So Paulo, para obteno do Ttulo de Doutor em Energia. Orientador: Professor Dr. Ildo Luis Sauer

    So Paulo Setembro/2007

    ii

  • iii

    Gonalves, Dorival Junior Reformas na Indstria Eltrica Brasileira: A Disputa pelas Fontes e o Controle dos Excedentes (So Paulo) 2007 416 p xv p 29,7cm (EPUSP- FEA- IEE-IF/USP, Dr., PIPGE,2007) Tese (Doutorado) Programa Interunidades de Ps-Graduao em Energia da Universidade de So Paulo 1. Reformas Indstria Eltrica 2. Anlise Histrico-Social 3. Organizao da indstria eltrica Mercado Mercado Regulado 4. Valor Trabalho Social 5. Indstria eltrica - Estado do Bem Estar Hegemonia Neoliberal 6. Mercadoria Eletricidade 7. Sistema Financeiro 8. Preo de Produo

    iii

  • iv

  • v

    RESUMO

    A indstria de infra-estrutura brasileira que produz, transporta e distribui a

    eletricidade, como parte integrante da cadeia da indstria eltrica, tem sido submetida,

    historicamente, a um movimento de permanente mudana em sua estrutura organizacional

    de produo. Estas, comumente, tm acontecido no interior de discusses realizadas nos

    meios empresariais, polticos inclusive com a participao das burocracias de estado e

    acadmicos. De um modo geral, a classe trabalhadora sempre esteve ausente e nunca foi

    convidada a participar dos debates de como organizar a indstria de eletricidade.

    Aparentemente, as idias vencedoras em cada poca, acabam determinando a estrutura

    organizacional para aquele perodo histrico. Sinteticamente comum caracterizar a

    evoluo desta indstria em trs grandes movimentos histricos. Primeiro, no princpio,

    quando organizada a partir de investidores privados. Segundo, o perodo de grande

    expanso, quando a indstria de eletricidade desenvolvida pelo Estado. Terceiro, o atual

    movimento de mudana, vem sendo reorganizada no sentido de retorn-la na totalidade ao

    controle privado.

    Em geral, estes movimentos de mudanas da indstria de eletricidade tm sido

    explicados, como resultado de tendncias externas ideais, manifestadas por novas

    concepes organizacionais que visam o aperfeioamento da indstria de eletricidade,

    enquanto um bem para toda a sociedade.

    Dentro deste cenrio, este estudo REFORMAS NA INDSTRIA ELTRICA

    BRASILEIRA: A DISPUTA PELAS FONTES E O CONTROLE DO TRABALHO

    EXCEDENTE tem a pretenso de compreender o passado e o presente das mudanas

    na indstria de eletricidade brasileira segundo a perspectiva da Economia Poltica em Marx.

    Os aspectos ligados natureza, as tcnicas e as tecnologias relacionadas indstria de

    eletricidade so abordados enquanto manifestaes da forma social da produo capitalista.

    A anlise das relaes e das contradies surgidas na produo/circulao em geral,

    manifestas em crises que se propagam para a quase totalidade da produo e no

    movimento de mudanas da indstria eltrica permite identificar, quais as principais foras

    econmicas atuantes e suas respectivas estratgias nos cenrios de luta/controle pelo

    trabalho excedente.

    v

  • vi

    ABSTRACT

    The industry of infrastructure that Brazil produces, transports and distributes

    electricity, as integrant part of the chain of the electric industry, has been submitted,

    historically, to a movement of permanent change in its organizational structure of production.

    These usually have happened in the interior of quarrels carried through in the enterprise

    ways, politicians - also with the participation of bureaucracies of states - and academics. In a

    general way, the working class always was absent and nor was invited to participate of the

    quarrels of as to organize the electricity industry. Apparently, the winning ideas at each time,

    finish determining the organizational structure for that historical period. Synthetically is

    common to characterize the evolution of this industry in three great historical movements.

    First, in the principle of industry, when it is organized from private investors. Second, the

    period of great expansion, when the electricity industry is developed by the State. Third, the

    current movement of change, comes being reorganized in the direction to return it in the

    totality to the private control.

    In general, these movements of changes of the electricity industry have been

    explained, as resulted of ideal external trends, revealed for new organizational

    conceptions that aim the improvement of the electricity industry, while a good for all

    the society. Inside of this scene, this study - REFORMS IN THE BRAZILIAN ELECTRIC

    INDUSTRY: THE DISPUTE FOR `SOURCES' AND THE CONTROL OF THE EXCEEDING

    LABOUR - the pretension has to understand the past and the present of the changes in the

    industry of according to perspective Brazilian electricity of the Economy Politics in Marx. On

    aspects to the nature, the techniques and the technologies related to the electricity industry

    are boarded while manifestations of the social form of the capitalist production. The analysis

    of the relations and the contradictions appeared in the production/circulation - in general,

    manifest in crises that if propagate almost for the totality of the production - and in the

    movement of changes of the electric industry allows to identify to which the main operating

    economic forces and its respective strategies in the fight scenes of control for the exceeding

    labour.

    vi

  • vii

    FIGURAS

    Figura 2.1 Investimentos Privados em Infra-estrutura (132 Pases - 1990/2001).........................24

    Figura 2.2 Privatizao no Brasil 1990-2002 / Participao Setorial.............................................25

    Figura 3.1 Estgios de desenvolvimento e consumo de energia..................................................43

    Figura 3.2 Modelo de organizao vertical...................................................................................51

    Figura 3.3 Modelo de organizao comprador nico.................................................................52

    Figura 3.4 Modelo de organizao distribuidores regionais......................................................53

    Figura 3.5 Modelo de organizao a escolha do consumidor...................................................54

    Figura 4.1 Sistema Eltrico Brasileiro: Interligado e isolado........................................................63

    Figura 4.2 Hidreltricas localizadas nas bacias dos rios Paranaba e Grande............................64

    Figura 4.3 Hidreltricas nos rios: Tiet, Paranapanema e Paran................................................65

    Figura 4.4 Integrao Eletro-energtica Interregional....................................................................68

    Figura 4.5 Curvas de Oferta e Demanda para Despacho e Formao da eletricidade................93

    Figura 4.6 Organizao da indstria eltrica brasileira no Governo FHC................................94

    Figura 4.7 Organizao da indstria eltrica brasileira no Governo Lula................................97

    Figura 7.1 Foto da hidreltrica de Itaipu com os vertedouros abertos....................................241

    Figura 7.2 Esquema de sada das linhas de transmisso que transportam a eletricidade

    produzida em Itaipu........................................................................................................244

    Figura 7.3 Sistema Eltrico Brasileiro: Suas dimenses em relao ao territrio

    Europeu.........................................................................................................................260

    Figura 8.1 Energia total consumida 1995-2006 e tipos de contratos de compra venda

    (Resoluo no 450, de 29 de dezembro de 1998)........................................................293

    Figura 9.1 Nmero de trabalhadores na indstria de eletricidade brasileira 1994-2004...........313

    Figura 9.2 Energia produzida no Brasil por ano de 1994 a 2004 (GWh/ano)..............................314

    Figura 9.3 Produtividade: Energia gerada/trabalhador (GWh/tra)...............................................315

    Figura 9.4 % da folha de pagamento bruta em relao a receita bruta......................................321

    Figura 9.5 Investimentos anuais na indstria de eletricidade brasileira em US$ bilhes.........327

    vii

  • viii

    Figura 9.6 Relao entre a Potncia Mdia Gerada Anual (MWmdios) e a Potncia Eltrica

    Total Instalada................................................................................................................330

    Figura 9.7 Evoluo do grau de endividamento de algumas empresas distribuidoras logo aps

    a privatizao..................................................................................................................344

    Figura 9.8 O circuito comercial na cadeia produtiva....................................................................345

    Figura 9.9 Quantidade em Km da rede Bsica do SIN e acrscimos anuais..............................347

    Figura 9.10 Preo da Eletricidade em US$/MWh.............................................................................355

    Figura 9.11 Preo da Eletricidade Residencial e Industrial (US$/MWh)........................................362

    Figura 9.12 Estrutura societria da CPFL Energia e suas empresas subsidirias......................364

    Figura 9.13 Estrutura Empresarial da NEOENERGIA.....................................................................366

    Figura 9.14 Receita/Lucros Liquido AES Tiet................................................................................368

    Figura 9.15 Fluxograma do Novo Modelo leis: 10.847/10.848-2004...........................................370

    Figura 9.16 Preos (geradoras e distribuidoras) e relao percentual.........................................373

    Figura 9.17 Volume de Negcios da indstria de eletricidade brasileira em milhes de Reais na

    CVM entre 1996-2006......................................................................................................376

    Figura 9.18 Preos mdios de eletricidade do EUA, perodo 1973 a 2005...................................380

    Figura 9.19 Preo de Mdio de Eletricidade do Setor Residencial em US$/MWh........................382

    viii

  • ix

    TABELAS

    Tabela 4.1 Gerao Anual de Itaipu 1996 at 2005........................................................................66

    Tabela 4.2 Capacidade de produo e intercmbio por regio.....................................................68

    Tabela 5.1 Principais Membros da International Electrical Association (IEA), em 1936............148

    Tabela 5.2 Potncia Eltrica no Brasil de 1883 a 1895..................................................................152

    Tabela 5.3 Populao Brasileira em Atividade em 1920...............................................................153

    Tabela 5.4 Produo e Consumo Anuais de Energia por Habitante no Brasil 1990-1930.........154

    Tabela 6.1 Nmero de Empresas e Potncia Instalada por Regio.............................................188

    Tabela 6.2 Potncia Eltrica Instalada no Brasil (1900-1930) (MW..............................................189

    Tabela 6.3 Evoluo da Capacidade Instalada e a Variao Percentual/Ano Energia Vendida

    Light de So Paulo e Variao Percentual/Ano Perodo 1929 a 1945....................196

    Tabela 6.4 Comisso Mista Brasil EUA, Programa de Energia Eltrica (1952-1957)...............204

    Tabela 6.5 Evoluo da Capacidade Instalada (1952-1962) (MW e %).........................................215

    Tabela 7.1 Custo de Importao de Petrleo.................................................................................236

    Tabela 7.2 Indicadores de Desempenho Econmico....................................................................237

    Tabela 7.3 Evoluo do PIB Brasileiro no Perodo do Plano-90..................................................239

    Tabela 7.4 Produo de Energia Eltrica da UHE Itaipu 1984 2005...........................................240

    Tabela 7.5 Preos petrleo e alumnio entre 2002 -2006..............................................................248

    Tabela 7.6 Evoluo da demanda mdia do setor eletrointensivo (MWmdios) e Evoluo da

    potncia necessria instalada para atender a demanda do setor (MW)...................250

    Tabela 7.7 Evoluo da Capacidade Instalada do setor eltrico (Perodo Estatal)....................259

    Tabela 7.8 Empreendimentos do Setor Eltrico - Contratos Bilaterais.......................................264

    Tabela 7.9 Setor Eltrico: Distribuio da Receita do IUEE (Parcela Estadual) 1985 Em US$

    milhes............................................................................................................................266

    Tabela 7.10 Investimentos no Setor Eltrico 1981 1990..............................................................267

    Tabela 7.11 Taxas de Juros 1976-1982.............................................................................................268

    Tabela 7.12 Importaes Brasileiras por Categoria (US$ bilhes)................................................268

    ix

  • x

    Tabela 7.13 Balano de Pagamentos: BRASIL 1971-1983 (US$ bilhes)......................................269

    Tabela 8.1 Energia total consumida (TWh) e tipos de contratos de compra venda................293

    Tabela 8.2 Empresas Eltricas Distribuidoras Privatizadas.........................................................301

    Tabela 8.3 Empresas Eltricas Geradoras Privatizadas...............................................................302

    Tabela 9.1 CEMAT empresa privatizada 27/11/1997...................................................................316

    Tabela 9.2 Variaes no valor da Indstria eltrica brasileira - dcadas: 1980, 1990 e no Incio

    de 2000............................................................................................................................326

    Tabela 9.3 Preo da eletricidade Residencial e Industrial no Brasil (R$/MWh)..........................356

    Tabela 9.4 Preo da tarifa nacional, em 14 de dezembro de 1994, e de algumas empresas de

    distribuio, em 25 de abril de 1994.............................................................................358

    Tabela 9.5 Leiles das hidreltricas existentes (mais de 93% das estatais)..............................371

    Tabela 9.6 Preo de gerao (Furnas e CESP) e preo mdio das tarifas de distribuio.......372

    Tabela 9.7 Leilo de novos empreendimentos de gerao (hidreltricos e trmicos)..............374

    Tabela 9.8 Volume de Negcios na indstria de eletricidade brasileira em milhes de Reais na

    CVM entre 1996-2006......................................................................................................376

    x

  • xi

    SUMRIO BANCA EXAMINADORA RESUMO ABSTRACT FIGURAS TABELAS Captulo 1. Apresentao.................................................................................................01 Captulo 2. Uma Viso Impressionista das Reformas na Indstria Eltrica............08

    2.1 O cenrio das reformas...........................................................................08 2.2 Princpios da reforma na Europa...........................................................12

    2.3 Princpios da reforma no EUA................................................................15

    2.4 Princpios da reforma na Amrica Latina..............................................20

    2.5 Princpios da reforma no Brasil.............................................................25

    2.6 Notas.........................................................................................................29

    Captulo 3. Os Pressupostos do Pensamento Hegemnico Abordagem da

    Indstria Eltrica............................................................................................38 3.1 Alguns aspectos relacionados concepo de cincia da

    representao dominante.............................................................................38 3.2 A racionalidade hegemnica sobre a produo da energia................40

    xi

  • xii

    3.3 Situao paradigmtica do uso da racionalidade hegemnica na atualidade da indstria eltrica brasileira...................................................46

    3.4 O representado: tem que parecer real...................................................49 3.5 Notas.........................................................................................................57 Captulo 4. Caractersticas e Anlises da Reforma da Indstria de Eletricidade

    Brasileira: Mercado versus Mercado Regulado..........................................61

    4.1 Caractersticas da indstria de eletricidade brasileira........................62

    4.2 Quem organizou esta indstria de eletricidade?..................................69 4.3 As anlises do pensamento hegemnico em defesa da reforma da indstria de eletricidade...............................................................................70 4.4 A prtica da reforma sob os princpios do pensamento hegemnico....................................................................................................81 4.5 As anlises dos crticos da reforma e o cenrio de reestruturao conforme o pensamento hegemnico.........................................................86 4.6 A continuidade da reforma agora sob o domnio dos crticos da reforma....................................................................................................94 4.7 Notas.......................................................................................................101

    Captulo 5. Bases Fundamentais de uma Representao Enraizada na Realidade

    Social para Compreender a Indstria Eltrica..........................................109 5.1 A unidade contedo-mtodo nas representaes da realidade

    social.............................................................................................................109 5.2 A compreenso da produo/distribuio eletricidade exige a

    abordagem das relaes sociais de produo.........................................114

    xii

  • xiii

    5.3 As bases materiais da representao valor-trabalho-social.............119 5.4 O valor trabalho social, o movimento na produo e a noo

    fora..............................................................................................................127 5.5 O imprio das transformaes na produo capitalista e a noo

    energia..........................................................................................................134 5.6 O nascimento de um novo elemento de produo e os primeiros

    passos da indstria eltrica mundial.........................................................139 5.7 Indstria eltrica: uma cadeia produtiva intensiva em

    capital...........................................................................................................143 5.8 Os primrdios da indstria eltrica no Brasil.....................................150 5.9 A mercadoria eletricidade no Brasil....................................................158 5.10 Preo de produo da mercadoria eletricidade................................163 5.11 Notas.....................................................................................................172 Captulo 6. Anlise Histrico-Social do Desenvolvimento da Indstria de

    Eletricidade Brasileira.................................................................................178 6.1 A organizao da indstria eltrica.....................................................178 6.2 Os primrdios da disputa: os grandes centros de consumo e as

    bases naturais fontes de alta produtividade.............................................181

    6.3 A hegemonia poltica do capital nacional procura colocar limites explorao das empresas estrangeiras....................................................189 6.4 As tticas das empresas estrangeiras para manterem a lucratividade.................................................................................................201

    xiii

  • xiv

    6.5 Novos territrios de explorao econmica conjugam interesses para uma mudana radical na organizao da indstria de eletricidade...................................................................................................204 6.6 O caminho da estatizao e o confronto de projetos: capital nacional versus capital estrangeiro..........................................................................213 6.7 Notas.......................................................................................................224

    Captulo 7. A Indstria Eltrica Brasileira no Estado do Bem Estar do Capital....228

    7.1 O fim das divergncias e a consolidao de um sistema estatal de produo e distribuio de eletricidade....................................................228

    7.2 A crise energtica dos anos 1970....................................................235 7.3 O planejamento da indstria de eletricidade feito pelo Estado........237 7.4 A execuo dos projetos planejados..................................................239 7.5 Os beneficirios da implantao/expanso da indstria estatal......245 7.6 A organizao e o sistema de produo que se consolidou............255

    7.7 A disputa entre os beneficirios da produo engendram os limites reproduo da explorao..........................................................................259 7.8 Notas.......................................................................................................270

    Captulo 8. A Arquitetura de uma Nova Forma de Organizar a Produo

    Mundial.........................................................................................................274 8.1 O fim de um longo perodo de expanso............................................274 8.2 O cenrio hegemonia neoliberal na indstria de eletricidade....277

    xiv

  • xv

    8.3 As novas bases para acumulao reivindicam novas regras legitimadoras a serem aplicadas pelo Estado..........................................283

    8.4 A eletricidade como mercadoria: exige a reforma patrimonial do

    Estado...........................................................................................................295 8.5 Notas.......................................................................................................306 Captulo 9. Os Atuais Territrios de Disputas pelas Fontes e o Controle dos

    Excedentes da Indstria de Eletricidade Brasileira.................................311 9.1 As novas bases de explorao da fora de trabalho na indstria de

    eletricidade...................................................................................................311 9.2 A indstria de eletricidade intensiva em capital fixo - reivindica

    solues para diminuir o tempo de rotao do capital...........................322 9.3 Os vnculos da reforma da indstria de eletricidade com o sistema

    financeiro......................................................................................................334 9.4 O Preo de Produo Social da eletricidade: o objetivo da

    reforma.........................................................................................................355 9.5 Notas.......................................................................................................387 BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................403

    xv

  • 1

    Captulo 1. Apresentao

    A indstria de infra-estrutura brasileira que produz, transporta e distribui a

    eletricidade, como parte integrante da cadeia da indstria eltrica, tem sido submetida,

    historicamente, a um movimento de permanente mudana em sua estrutura organizacional

    de produo. Estas, comumente, tm acontecido no interior de debates realizados nos

    meios empresariais, polticos inclusive com a participao das burocracias de estado e

    acadmicos. De um modo geral, a classe trabalhadora sempre esteve ausente como

    tambm nunca foi convidada a participar das discusses de como organizar a indstria de

    eletricidade. Aparentemente, as idias vencedoras em cada poca, acabam determinando a

    estrutura organizacional para aquele perodo histrico. Sinteticamente comum caracterizar

    a evoluo desta indstria em trs grandes movimentos histricos. Primeiro, no princpio,

    quando organizada a partir de investidores privados. Segundo, o perodo de grande

    expanso, quando a indstria de eletricidade desenvolvida pelo Estado. Terceiro, o atual

    movimento de mudana, vem sendo reorganizada no sentido de retorn-la na totalidade ao

    controle privado.

    Em geral, estes movimentos de mudanas da indstria de eletricidade tm sido

    explicados, como resultado de tendncias externas ideais, manifestadas por novas

    concepes organizacionais que visam o aperfeioamento da indstria de eletricidade,

    enquanto um bem para toda a sociedade.

    Dentro deste cenrio, este estudo REFORMAS NA INDSTRIA ELTRICA

    BRASILEIRA: A DISPUTA PELAS FONTES E O CONTROLE DO TRABALHO

    EXCEDENTE tem a pretenso de compreender o passado e o presente das mudanas

    na indstria de eletricidade brasileira segundo a perspectiva da Economia Poltica em Marx.

    Os aspectos ligados natureza, as tcnicas e as tecnologias relacionadas indstria de

    eletricidade so abordados enquanto manifestaes da forma social da produo capitalista.

    A anlise das relaes e das contradies surgidas na produo/circulao em geral,

    manifestas em crises que se propagam para a quase totalidade da produo e no

    movimento de mudanas da indstria eltrica permite identificar, quais as principais foras

    econmicas atuantes e suas respectivas estratgias nos cenrios de luta/controle pelo

    trabalho excedente.

    Neste sentido, o Captulo 2 procura caracterizar que as atuais mudanas na indstria

    de eletricidade brasileira esto integradas e fazem parte do processo econmico de

    tendncia diminuio nas taxas de lucros, iniciado nos anos 1970, nos pases centrais do

    capitalismo mundial. A reduo da taxa de crescimento econmico mundial implicou a

    diminuio das taxas de expanso das indstrias de produo de bens e servios de infra-

    estruturas, e simultaneamente, inicia-se uma revoluo no sistema financeiro. Este

    1

  • 2

    amplifica sua capacidade de influenciar a produo e a circulao de bens e servios.

    Principia-se assim, uma radical reestruturao institucional da produo capitalista em geral.

    Um novo papel poltico passa a ser articulado para os Estados. A redefinio das

    finalidades sociais, econmicas e polticas retiram os Estados da gesto de inmeros

    segmentos produtores de bens e servios. dentro deste cenrio que a indstria

    eletricidade, que at o fim de 1980 e incio da dcada 1990 caracterizava-se como um ramo

    da produo estatal, na maioria dos pases, comea um longo processo de reforma. As

    palavras de ordem para a nova organizao industrial da eletricidade so muito semelhantes

    em muitos pases. Um novo marco regulatrio em relao s propriedades das empresas

    deve ser estabelecido. A razo da reforma se destina proteo dos consumidores.

    Compete aos estados promover um modelo competitivo, atraindo os investimentos privados

    para indstria de eletricidade atravs da privatizao, da reorganizao dos segmentos de

    gerao, transmisso e distribuio, visando concretizao de um mercado de

    eletricidade. Este paradigma tem seus princpios polticos de gesto defendidos pela

    totalidade das foras capitalistas. Os argumentos empregados para as reformas, como leis

    universais, guardam poucas diferenas entre os mais distintos pases:

    - o direito dos consumidores de poder escolher diretamente o seu provedor entre as

    diferentes empresas;

    - a liberdade s empresas de fornecimento de eletricidade de atuar em qualquer

    territrio no atendimento dos mais distintos consumidores;

    - o preo da energia eltrica determinada pelo mercado;

    - nenhum mecanismo regulador para os produtores de energia, isto , a gerao no

    deve ser regulada;

    - separao empresarial das atividades de gerao das atividades de transmisso e

    de distribuio;

    - estabelecer entidades independentes para operar os sistemas de transporte de

    energia eltrica;

    - os agentes reguladores devem estabelecer procedimentos que impeam o controle

    de mercados pelas empresas, bem como, evitar medidas que possam restringir a entrada de

    novos agentes de venda de energia eltrica.

    Colocados os princpios que esto norteando as reformas e com a constatao de

    que se trata de um movimento em nvel mundial, nos captulos subseqentes (3 e 4), busca-

    se compreender as bases ideolgicas de sustentao e defesa das atuais mudanas na

    indstria de eletricidade.

    O Captulo 3 caracteriza o modo de representar do denominado neste estudo

    pensamento hegemnico. Este se refere, a representao da organizao da indstria de

    eletricidade que tem dominado as instituies ideolgicas dos pases centrais do

    2

  • 3

    capitalismo, inclusive, em muitos da periferia. Este modo de pensar, transformado em

    estudos cientficos tem legitimado e respaldado o encaminhamento de reestruturao da

    indstria de eletricidade, na quase totalidade, dos pases. O enfoque central deste

    pensamento defende o estabelecimento de uma organizao industrial para eletricidade

    estruturado na economia de mercado. Onde, os vrios componentes e agentes de

    produo, consumo e regulao privados e/ou estatais, que compreendem este sistema de

    produo atuando em condies de livre concorrncia e/ou submetidos a mecanismos de

    regulao estatal que incentivam a concorrncia, so orientados em seus investimentos de

    produo/consumo pelos preos, da commodity eletricidade, institudos neste ambiente. As

    reformas, por essa concepo, procuram organizar a indstria atravs de instrumentos de

    competio e de restrio/impedimento de interveno dos governos nos mercados de

    eletricidade. Para isso, os investidores privados devem preferencialmente substituir os

    estatais na gesto da indstria. As empresas devem ser desverticalizadas gerao,

    transmisso, distribuio e comercializao para viabilizar o ambiente de competio. Ao

    Estado cabe articular um rgo regulador neutro, com autonomia em relao ao governo e

    aos agentes participantes, e ainda, com capacidade de estabelecer regras claras, para o

    funcionamento do mercado de eletricidade, e elaborar/institucionalizar modelos contratuais

    que repassem para o mercado os riscos assumidos pelos agentes econmicos.

    O captulo 4, inicialmente aponta as principais caractersticas da produo de

    eletricidade brasileira, destacando o seu processo de implantao. Em seguida, mostra que

    o processo de mudana na organizao da indstria de eletricidade brasileira tem

    acompanhando a tendncia mundial, isto , vem sendo concretizado em consonncia com

    os princpios de mercado. No restante do captulo a discusso transcorre sobre o debate

    travado entre as duas correntes principais de anlise para organizao da indstria de

    eletricidade brasileira colocada em epgrafe: Caractersticas e Anlises da Reforma da

    Indstria de Eletricidade Brasileira: Mercado versus Mercado Regulado. A primeira corrente

    de anlise a elaborada pelo pensamento hegemnico defende a reforma sob a gide

    dos instrumentos de mercado como forma de orientar a organizao da

    produo/distribuio da eletricidade. A segunda corrente os pertencentes a esta corrente

    so denominados crticos da reforma , enquanto rfos do Welfare State, parece,

    reivindicar uma nova sntese ao combinar iniciativas de governo com as de mercado. Estas

    duas correntes, apesar de aparentarem posies antagnicas sobre as reformas, em geral,

    esto enraizadas em pressupostos semelhantes, seja em termos dos elementos de lgica

    que empregam e/ou em relao aos ideais de reforma. Assim, ao perscrutar estas duas

    correntes de anlises, a inteno identificar e expor a semelhana presente nos seus

    principais elementos constituintes.

    3

  • 4

    Apresentado o contexto das reformas da indstria de eletricidade mundialmente, e

    especialmente, no Brasil com sua caracterstica fsica destacada concomitante o seu

    processo de implantao e com exposio do debate travado entre as duas concepes que

    esto justificando as reformas, nas quais esto patentes as abordagens desvinculadas dos

    aspectos polticos, histricos e sociais. Tem-se o incio, no captulo 5, da apresentao dos

    fundamentos para compreenso e desenvolvimento dos aspectos ligados natureza, as

    tcnicas e as tecnologias relacionadas indstria de eletricidade como manifestaes da

    forma social da produo capitalista.

    Aps mostrar a unidade contedo-mtodo e simultaneamente a refutao das bases

    que sustentam as representaes do pensamento hegemnico e crticos da reforma, busca-

    se demonstrar a importncia da noo modo de produo para a compreenso da indstria

    de eletricidade e concomitantemente, demonstra-se, a fragilidade das representaes que

    ignoram esta noo. Em seguida feita a apresentao das bases materiais da

    representao valor-trabalho-social. A partir da esto formulados os alicerces para a

    demonstrao dos contedos sociais intrnsecos s denominadas cincias naturais. Estas

    noes so desenvolvidas nos subttulos: O valor trabalho social, o movimento na produo e a noo fora e O imprio das transformaes na produo capitalista e a noo energia.

    Ato contnuo, apresentada a estria da eletricidade como mercadoria

    simultaneamente aos primeiros passos da indstria eltrica mundial. Ainda neste captulo,

    expe-se, porque a Indstria eltrica foi a precursora dos primeiros cartis. O aparecimento

    da indstria eltrica no Brasil enquanto bem de consumo. Os grandes centros urbanos

    casam interesses da indstria de mquinas e equipamentos e as primeiras iniciativas como

    indstria de rede: A mercadoria eletricidade no Brasil. Para complementar os

    fundamentos, em face da indstria de eletricidade apresentar bases produtivas naturais de

    elevada produtividade do trabalho feita a introduo da noo Preo de Produo da

    mercadoria eletricidade, com o destaque a contemporaneidade desta noo.

    No Captulo 6, analisado aquele que pode ser considerado o primeiro ciclo

    (implantao, expanso, incio de descenso) da indstria de eletricidade brasileira.

    Inicialmente, neste captulo, feita uma abordagem geral sobre a cadeia produtiva da

    indstria eltrica, feito o destaque sobre a cadeia produtiva da eletricidade indstria de

    eletricidade , procurando indicar os principais movimentos de mudanas na organizao

    industrial da eletricidade, desde o princpio at o presente.

    Com estas consideraes, inicia-se a anlise dos primeiros grandes embates

    travados pela grande indstria eltrica mundial no territrio brasileiro, aqui, expresso pelo

    confronto AMFORP versus LIGHT. A concorrncia pelo mercado de equipamentos acontece

    concomitante expanso da indstria de eletricidade. A primeira grande crise do mundo

    4

  • 5

    capitalista (1929-1933) e seus desdobramentos na indstria de eletricidade brasileira. O

    fortalecimento das foras capitalistas nacionais manifesta como poder poltico que procura

    pr limites a indstria de eletricidade estrangeira. A reao das empresas implica a

    degradao da qualidade dos servios, os racionamentos passam a fazer parte da rotina

    dos servios de eletricidade. Contudo, muitos so os interesses atingidos, atenuam as

    divergncias entre capital nacional e internacional quanto aos servios de eletricidade. O

    caminho a estatizao no Brasil integra a tendncia que se vislumbra como o novo modo de

    organizao da indstria eltrica mundialmente. A discusso passa a ser: qual o modelo

    organizao para indstria eltrica sob a gide do estado? Novamente capital nacional e

    internacional tem projetos distintos.

    O captulo 7 anuncia em ttulo os anos dourados da indstria de eletricidade no

    Brasil. Quando as classes trabalhadoras se uniram terminaram as divergncias entre as

    foras capitalistas, e por meio do golpe militar, estas desencadeiam a modernizao

    conservadora. Neste perodo o estado constitui a unidade poltica das classes dominantes.

    Inmeros instrumentos so criados para expanso da indstria de eletricidade nacional. A

    crise energtica mundial dos anos 1970 e o desenvolvimento industrial brasileiro atuam

    como vlvula de escape. O planejamento da indstria de eletricidade brasileira parece

    ignorar a crise. A execuo dos projetos planejados, as cadeias produtivas mobilizadas e

    seus beneficirios so aspectos que so abordados com a profundidade necessria para

    entender as principais contradies que vo sendo forjadas. Estas passam a esboar no

    horizonte o esgotamento deste modelo de explorao.

    O Captulo 8 tem a finalidade de abordar as bases materiais do denominado

    pensamento neoliberal. A crise de reproduo do capital apresenta contradies que

    reivindicam novos arranjos para explorao do trabalho. A dificuldade abertura de novos

    espaos de explorao no cessam, a crise de lucratividade reinante diminui o bolo de

    mais valor em disputa. Novos arranjos para a produo requerem foras poltica e

    ideolgica, so estas as principais questes abordadas em parte deste captulo. Reunidas

    as foras para as mudanas inmeras contradies afloram e exigem complexas solues:

    como organizar uma indstria to intensa em capital fixo aos pressupostos da produo de

    valor? Depois de um longo perodo de desvalorizao, quais as medidas deveriam ser

    articuladas para a revalorizao do parque industrial de eletricidade brasileira? Como

    reorganizar a indstria de modo a oper-la sob gesto privada? Como realizar a transio

    produo estatal para privada? Quais os papis a serem desempenhados pelo Estado em

    termos da regulamentao da cadeia produtiva; dos servios realizados na cadeia; e no

    ordenamento dos preos? Todas estas questes so abordadas nos subttulos: As novas

    bases para acumulao reivindicam novas regras legitimadoras a serem aplicadas pelo

    Estado e a A eletricidade como mercadoria: exige a reforma patrimonial do Estado.

    5

  • 6

    Com esta viso de totalidade do atual contexto da reforma da indstria de

    eletricidade brasileira, procura-se ao final demonstrar a fora capitalista que detm a

    hegemonia, bem como, delimitar os principais cenrios das disputas pelo controle do

    trabalho excedente, na atualidade.

    O primeiro tema abordado diz respeito aos encaminhamentos da reforma voltados ao

    resgate da subordinao direta da fora de trabalho empregados nesta indstria ao

    controle das foras capitalistas. Os resultados da realidade mostram os nveis de explorao

    impostos classe trabalhadora deste segmento da produo, quer pela intensificao do

    trabalho proporcionado pela maior quantidade de trabalho por jornada, quer pelo aumento

    do trabalho excedente imposto pela diminuio do trabalho necessrio na mesma jornada.

    Demonstra-se, ainda, que o fortalecimento das foras de explorao tem determinado um

    novo tempo de trabalho socialmente necessrio.

    Outra questo levantada a relacionada ao capital fixo mobilizado pela indstria de

    eletricidade. Da anlise desta questo, demonstra-se que a recente crise de racionamento

    (Junho de 2001-Fevereiro de 2002) teve suas razes nas solues forjadas pelos agentes

    de produo para resolver o problema relacionado intensidade de utilizao das

    instalaes da indstria de eletricidade (diminuio do tempo de rotao do capital)

    existente no perodo imediato a privatizao. Mostra-se, tambm, que esta uma questo

    que no deve sair de cena. As medidas elaboradas para sua soluo carregam sempre

    muitas contradies, pelo menos o que se procura evidenciar com as medidas que esto

    sendo tomadas atravs dos instrumentos financeiros.

    Outro aspecto destacado, neste estudo, diz respeito ao papel do sistema financeiro

    na reforma da indstria de eletricidade. Esta fora, no atual estgio de desenvolvimento

    capitalista, alm de exercer o poder de comandar a distribuio dos resultados da produo

    nesta indstria, tem conquistado, cada vez mais, o poder de organizar diretamente a

    produo da eletricidade, subordinando, e praticamente, controlando todas as outras foras

    econmicas, segundo os seus interesses de acumulao. Com a finalidade de evidenciar

    esta afirmao realizada a anlise da atual configurao da indstria de eletricidade,

    cotejado-a, aos modelos de negcios arquitetados pelo sistema financeiro, e atravs de

    dados empricos da realidade demonstra-se este novo patamar de poder alcanado pelo

    sistema financeiro, neste caso, na indstria de eletricidade brasileira.

    Por ltimo, fundamentando-se na representao do Preo de Produo - de Marx -,

    enquanto expresso quantitativa do processo social verificado nas relaes de produo

    contraditrias entre capital/trabalho e o movimento de concorrncia entre capital/capital,

    realiza-se extensa investigao sobre o preo da eletricidade. Esta retoma o incio das

    reformas a atualidade dos leiles na gerao e das tarifas reguladas das distribuidoras,

    acompanhando-as, em suas relaes com a arquitetura da reforma, em nvel local, e com o

    6

  • 7

    que vem sucedendo em outros pases, demonstrando que se encontra em curso a

    construo do Preo de Produo da eletricidade, considerado o estgio das reformas no

    Brasil e em outros pases.

    7

  • 8

    Captulo 2. Uma Viso Impressionista das Reformas na Indstria Eltrica1

    2.1. O cenrio das reformas Os setores de produo de bens e servios de infra-estrutura, especialmente os

    denominados servios pblicos do Brasil, desde meados dos anos 1990, vem sendo

    submetido a profundas transformaes em suas estruturas organizacionais. Os principais

    eixos das mudanas so institucionais e patrimoniais. O novo papel atribudo ao Estado

    tem implicado uma completa redefinio das finalidades sociais, econmicas e polticas

    destes ramos da produo. Este processo tem produzido, sobretudo, no campo da

    simbolizao, uma completa ruptura com os instrumentos tericos e de anlise que

    justificavam e validavam a chamada organizao da produo regulada e/ou estatal.

    Neste sentido, o cenrio, a seguir descrito, sobre as mudanas nas estruturas de

    produo e distribuio das indstrias de bens e servios, adverte que estas guardam

    similaridades, mundialmente. Este fato permite demonstrar que elas no so resultados de

    imperativos externos como a maioria das representaes procura designar, ao atribu-las: as

    limitaes nos recursos naturais energticos; s inovaes tcnicas e tecnolgicas

    autnomas - como em Schumpeter: produto do indivduo empreendedor -; as novas

    concepes das foras econmicas para organizao da produo, por exemplo, a ideologia

    neoliberal; entre outras. Para este estudo, o atual movimento de reforma empreendido, aqui

    especificamente, na indstria de eletricidade, compreende um conjunto de medidas

    polticas; econmicas e ideolgicas , que so forjadas como respostas, necessrias s

    contradies geradas internamente nas relaes sociais estabelecidas na produo

    capitalista2 de energia eltrica, na atualidade.

    Todas estas mutaes - sem pretender formular uma hipstase3 no sentido dado por

    Plotino - esto ocorrendo nos espaos4 econmico-poltico-ideolgico, os quais, se

    apresentam em relaes interdependentes, simultneas e, em muitas situaes, de modo

    contraditrio. certo que o permanente estado de transformao nas estruturas de

    produo intrnseco ao modo de produo capitalista. Contudo, na atualidade, o que existe

    de novo est na escala de poder alcanado pelos agentes financeiros e pelos grandes

    grupos industriais e de servios mundiais. Os objetivos de acumulao de capital destes

    grupos econmicos tm criado uma extensa rede de organizaes multilaterais capazes de

    influenciar diretamente no interior das instituies dos Estados para o estabelecimento de

    formas regulamentares que esto determinando a nova ordem econmica mundial.

    Os fundamentos econmicos do denominado Estado do Bem-Estar, que na esfera

    do Estado buscava, atravs de polticas pblicas realizar e/ou indicar os encaminhamentos

    da vida nacional, esto sendo substitudos por um processo de conduo poltica que, cada

    vez mais, retira das administraes das naes o poder de planejar e conduzir suas

    8

  • 9

    economias territoriais, como tambm, direciona e submete a quase totalidade das

    instituies estatais a uma orientao poltica para o mercado.

    Os governos, temerosos de contrariar os interesses das foras econmicas do

    mercado mundial, parecem abdicar do direito de administrar as suas economias nacionais.

    Restam-lhes acompanhar as orientaes das instituies multilaterais. Estas encaminham

    as regulamentaes tendo como perspectiva as atividades econmicas em escala global. O

    argumento central, em todos os lugares, afirma que: as polticas voltadas ampliao da

    liberdade dos agentes de mercado aumentam a eficcia de organizao da produo em

    geral.

    Assim, resultado das dimenses e a mobilidade alcanada pelos agentes financeiros

    e industriais internacionais, os princpios keynesianos aplicados aos territrios nacionais

    revelam-se insuficientes para a garantia da expanso econmica concomitante garantia

    das taxas de acumulao. Oliveira demonstra os elementos estruturais destas mudanas:

    O rompimento do circulo perfeito do Estado-providncia em termos Keynesianos, devido, em primeira

    instncia, internacionalizao produtiva e financeira da economia capitalista. A regulao keynesiana

    funcionou enquanto a reproduo do capital, se circunscreveram aos limites relativos, por certo , da

    territorialidade nacional dos processos de interao da renda e do produto. Deve-se assinalar, desde

    logo, que aquela circularidade foi possvel graas ao padro de financiamento pblico do Welfare State,

    um dos fatores, entre outros alis, que levaram crescente internacionalizao. Ultrapassados certos

    limites, a internacionalizao produtiva e financeira dissolveu relativamente a circularidade nacional dos

    processos de retro-alimentao. Pois des-territorializaram-se o investimento, e a renda, mas o padro de

    financiamento pblico do Welfare State no pde nem pode, at agora des-territorializar-se.5

    Este novo arranjo patrimonial e institucional articula a retirada do Estado da produo

    e da comercializao dos servios de infra-estrutura, colocando-os, sob domnio privado ou

    regime de propriedade privada, respectivamente pelas Parcerias Pblico-Privado e atravs da privatizao6. Suas conseqncias imediatas so na direo da diminuio do controle

    interno de setores estruturais das economias nacionais, esvaziando, ainda mais, o poder

    poltico dos governos dos pases da periferia do capitalismo, mas principalmente, encaminha

    uma maior subordinao das foras de trabalho, ao recolocar a organizao do trabalho nas

    empresas privatizadas e nas Parcerias Pblico-Privado sob comando direto da classe

    capitalista, resgatando assim, um dos principais elementos de controle da acumulao de

    capital.

    Assim, contrariando o que apregoam, ideologicamente, o fim da interveno

    poltica de grupos de interesse no mbito do Estado as foras econmicas atuam direta e

    indiretamente para mudar leis e retirar as barreiras regulatrias, estabelecendo uma nova

    regulamentao com a finalidade de converter em mercadorias os servios e produtos que,

    ainda, se encontram submetida gesto estatal. A estratgia para aumentar os espaos de

    9

  • 10

    mercado converter os direitos, historicamente conquistados pela luta da classe

    trabalhadora, em bens e servios comercializveis. Recente relatrio do Banco Mundial7

    evidencia este cenrio. Pois, mesmo diante do agravamento dos ndices de qualidade de

    vida para as maiorias da Amrica Latina resultado de duas dcadas de transformaes

    polticas; administrativas e sociais segundo os interesses das foras econmicas mundiais -,

    defende os mecanismos de mercado para a organizao e a proviso de todos os

    servios, inclusive os direitos a - sade e educao destinadas s populaes mais

    pobres do continente. Este iderio defendido pelas elites: econmica; poltica e ideolgica

    dos pases centrais, e fortemente apoiadas pelas elites da periferia, tm atuado como

    paradigma, em escala mundial, nos domnios da produo, comercializao e finanas.

    A Organizao Mundial de Comrcio (WTO) em seu Relatrio de 2004, ao fazer a

    apologia de que os Estados devem continuar adotando medidas de garantia de poder as

    livres foras de mercado, estabelece um novo conceito, o qual, denomina coerncia

    ttulo da segunda parte de todo o relatrio, apresentado como a principal informao do ano:

    WTO-20048 . O conceito Coerncia enuncia que os governos devem selecionar polticas

    de Estado que desenvolvam relaes de interdependncia e que na execuo se

    apresentem em harmonia. Combinando-as, estrategicamente, em sinergia que apontem

    para uma direo mais eficiente. Isto : a coerncia uma questo de grau e os benefcios

    de uma poltica comercial bem fundada sero maiores se houver mais coerncia, ou seja, se

    forem adotadas polticas complementares em outras esferas.9. Assim, dissimulado como

    um resultado cientfico, os Estados so convocados a planejar e executar polticas

    coerentes para a sua gesto macro-econmica; para os servios de infra-estrutura e para

    a administrao de seus mercados internos. O receiturio extenso. Contempla a totalidade

    dos temas relacionados gesto de Estado voltado ao exerccio da poltica para o mercado.

    Versa desde a Poltica Fiscal at a Pesquisa e Desenvolvimento nacional. Classifica as

    boas instituies e um bom governo quando agem - diminuindo as assimetrias de

    informao, quando desempenham o papel de difusores sobre as condies dos mercados,

    dos produtos e dos participantes; - reduzindo os riscos ao definir e fazer respeitar o direito

    de propriedade e os contratos; e - restringindo as intervenes dos polticos e grupos de

    interesse10.

    Assim, depois do arcabouo terico do Consenso de Washinghton11 renova-

    se a ideologia, que captura a poltica dos Estados em favor das foras de mercado

    mundiais, com a Teoria da Coerncia. certo que o vocbulo no foi escolhido por

    acaso, seu sentido em alemo, francs, italiano, espanhol e portugus corresponde

    ordem, conexo e harmonia de um sistema de conhecimento. Kant atribua aos

    conhecimentos a priori a funo de dar ordem e coerncia e os idealistas ingleses

    10

  • 11

    consideravam a coerncia como critrio de verdade12. A categoria, como empregada no

    relatrio, est impregnada de ideologia. Aqui, ideologia, tem o significado dado por Eagleton:

    ... o conceito clssico de ideologia, no se limita, de maneira nenhuma, ao discurso interessado ou

    produo de efeitos persuasivos. Refere-se mais precisamente ao processo pelo qual os interesses de

    certo tipo so mascarados, racionalizados, naturalizados, universalizados, legitimados em nome de

    certas formas de poder poltico, e h muito a perder politicamente quando essas estratgias discursivas

    vitais so dissolvidas em alguma categoria indiferenciada e amorfa de interesses.13

    Este processo, que submete os estados nacionais a um sistema e/ou modelo nico

    de gesto econmica segundo os interesses das foras de mercado mundiais, no tem

    significado o fim das naes, nem a diminuio das relaes de dominao e

    dependncia14. Mas, implicam o aprofundamento na hierarquizao entre os denominados

    pases centrais e os da periferia. Amplia as relaes de subordinao e dependncia dos

    ltimos diante dos primeiros, uma vez que a reestruturao da produo acompanhada de

    intensa reforma patrimonial, principalmente, no interior dos Estados da periferia, com a

    transferncia iniciativa privada de praticamente a totalidade das atividades de produo; e,

    a formao de uma elite econmica nacional, estreitamente ligada e em muitas situaes

    diretamente controlada ou associada aos processos de produo das grandes empresas

    de bens e servios dos pases centrais. O caso brasileiro ilustrativo. Entre as 500 maiores

    empresas mundiais cerca de 400 tm filiais no territrio brasileiro. Os dados da CEPAL so

    inequvocos quanto ao ndice de internacionalizao da economia brasileira.

    Suas atividades esto concentradas em seis setores principais:

    - energia eltrica (AES Corporation, Endesa, Electricidade de Portugal (EDP), Electricit de France

    (EDF) e Tractebel)

    - telecomunicaes (Telefnica, Telmex, Portugal Telecom, Telecom Italia e Amrica Mvil),

    - petrleo (Royal Dutch/Shell, ChevronTexaco e Repsol- YPF),

    - automotivo (Fiat, Volkswagen, Ford, General Motors, Pirelli, Bosch, Renault, Mahle e Dana),

    - alimentos e bebidas (AmBev, Bunge, Nestl, Cargill, Unilever, Louis Dreyfus, Kraft Foods e Doux), e

    - comrcio varejista (Carrefour, Sonae e Wal Mart).

    - exceo de dois grupos mexicanos (Telmex e Amrica Mvil) e de dois grupos asiticos (Toyota

    e LG Electronics), as sedes desses grupos esto na Europa ou nos Estados Unidos.15

    Este novo modo de organizar a produo de bens e servios se sobressai pela

    liberdade concedida s grandes empresas, de todo e qualquer ramo de produo de bens e

    servios: agricultura, indstria, comrcio e finanas, dos pases centrais do capitalismo de

    poderem comprar, vender, emprestar e produzir onde quiserem, como quiserem; quando

    quiserem, pelo tempo que quiserem e, de preferncia, sem qualquer compromisso ou

    11

  • 12

    restrio social, econmica e ambiental do Estado territrio onde realizam a produo16. Por

    isso, este processo de mudanas se apresenta como uma tendncia mundial.

    A indstria eletricidade na maioria dos pases do mundo, at o fim da dcada de 1980

    e incio da de 1990, caracterizava-se como um ramo da produo cuja estrutura de

    organizao, comumente, era constituda de empresas verticalizadas uma nica empresa

    produz, transporta e distribui a eletricidade e ou semi-verticalizadas. Esta concepo

    industrial, nos pases onde a demanda exigiu a implantao de complexos sistemas de

    gerao, transmisso e distribuio de energia eltrica, expandiu-se atravs de empresas

    com dimenso nacional, regional e local de propriedade estatal, com poucas da iniciativa

    privada, e sob o regime de monoplio para o atendimento aos usurios finais, isto , um

    nico prestador do servio. No entanto, a reduo da taxa de crescimento econmico

    mundial trouxe a diminuio das taxas de expanso da demanda de energia eltrica, porm

    os gestores estatais deram continuidade expanso dos sistemas de produo.

    Simultaneamente - neste perodo aconteceu uma revoluo no sistema financeiro que

    amplificou sua capacidade de influenciar a produo e a circulao de bens e servios,

    muito mais pelos novos instrumentos criados do que pelo poder que passou a centralizar em

    suas instituies17. Inicia-se assim, uma radical reestruturao institucional da produo

    capitalista em geral.

    2.2. Princpios da reforma na Europa Na Europa, a partir de 1988, resultado da concorrncia intercapitalista entre as

    grandes empresas do capitalismo mundial encaminhada implantao do Mercado

    Europeu nico. Neste, procura-se estabelecer procedimentos regulamentares de

    intercmbio de bens e servios com vistas a aumentar o poder de competio das indstrias

    da regio. Entre os servios colocados na pauta para reviso, destaca-se com especial

    ateno na Comisso Europia, a discusso e criao de instrumentos institucionais entre

    os pases para viabilizar a integrao e liberalizao do mercado de eletricidade. Esta

    deciso associada reforma implementada na indstria de energia eltrica da Inglaterra

    paradigma de reforma da indstria eltrica mundial sob os princpios de mercado,

    implantada no final dos anos 1980 e incio dos anos 1990, no governo Tatcher criou a

    condio para desencadear a articulao de um regime de regulao para a indstria de

    energia eltrica objetivando a integrao fsica e comercial do sistema eltrico europeu.

    Ressalta-se que, neste perodo, a maioria dos sistemas de eletricidade, no continente

    europeu, estava restrita aos territrios nacionais e a integrao proposta implicava ganhos

    em eficincia tcnica e econmica.

    Desta maneira, a proposio combinava os interesses de pelo menos dois grupos

    econmicos. Em primeiro lugar, os grandes consumidores ligados produo de bens e

    12

  • 13

    servios vislumbrando aumentar a competitividade tinham na poltica de integrao fsica

    dos sistemas de energia eltrica a possibilidade de ampliar a confiabilidade do fornecimento

    com menores investimentos, fato que poderia, seno diminuir, pelo menos conter a

    tendncia de elevao de preos verificada desde a denominada crise do petrleo de

    meados dos anos 1970; e, em segundo lugar, assentava-se nos interesses das foras

    econmicas do capitalismo mundial que agregava a discusso da integrao fsica

    necessidade de incorporar a reestruturao da organizao da produo segundo os

    princpios de mercado. Suscitando assim, mais uma alternativa para atenuar a grave crise

    de lucratividade que se arrastava desde os anos 1970. Tal como atesta Brenner:

    Em fins da dcada de 1970, o setor manufatureiro em escala internacional estava em impasse, assim

    como o programa Keynesiano de gesto da demanda que fora implementado para revitalizar a

    economia mundial. Os sempre crescentes estmulos governamentais haviam sido incapazes de impedir

    uma queda adicional da lucratividade no setor de manufaturados em todo o sistema. 18

    Nestes mais de vintes anos de reforma da indstria eltrica, apesar da resistncia da

    classe trabalhadora europia manifestada nas controvrsias entre governos, empresas de

    eletricidade, organizaes patronais e sindicatos de trabalhadores. os resultados tm

    mostrado que as foras econmicas esto paulatinamente alcanando os seus objetivos. A

    produo da energia eltrica est sendo estruturada segundo os princpios estabelecidos na

    Diretiva de Eletricidade da Comunidade Europia19. Nesta, alm da integrao fsica, est

    prevista a abertura dos mercados nacionais em regime de competio definindo os

    seguintes critrios para a organizao da indstria eletricidade nos pases europeus:

    - livre concorrncia na gerao de energia eltrica, isto , a nova capacidade de

    gerao deve ser alcanada a partir de licitao ou autorizao. Este princpio supe que o

    preo da eletricidade resultante da lei da oferta e procura;

    - abertura gradual de mercado de fornecimento aos consumidores finais, isto ,

    admite que o consumidor final capaz de maximizar o seu benefcio no ato de compra, pois

    ele o comprador livre para escolher o seu provedor o vendedor ;

    - transparncia nas tarifas de acesso a rede de transmisso e distribuio, critrio

    que atende aos interesses dos consumidores livres so agentes econmicos que podem

    realizar contratos de compra de energia eltrica diretamente dos agentes geradores , que

    deste modo podem tirar vantagens da sazonalidade da demanda de energia, realizando

    contratos que combinam os seus interesses com o de distintos fornecedores, como tambm

    podem acessar fontes prprias privilegiadas de produo de energia eltrica;

    - separao da contabilidade das empresas verticalmente integradas, tendo como

    pressuposto a transparncia nos custos de cada etapa da produo. A real inteno

    13

  • 14

    facilitar a criao de novos produtos, oriundos da indstria eltrica, a serem

    transacionados pelo sistema financeiro;

    - critrios para a aplicao da noo de servio pblico, isto , regulao dos

    servios para os consumidores residenciais. Medida considerada transitria, pois a

    concepo de mercado tem-se mostrado hegemnica enquanto processo de organizao

    das indstrias de bens e servios de infra-estrutura. Impera a premissa de que as empresas

    ofertantes de eletricidade so capazes de estabelecer relaes comerciais de mercado com

    todos os segmentos de usurios. A liberdade de poder escolher em qualquer momento

    o seu provedor ser estendida a todos os usurios, inclusive o residencial.

    Assim, apesar das idas e contra-vindas vide os resultados em 2005 dos plebiscitos

    (Frana e Holanda) negando a implantao da Constituio Europia , os monoplios

    pblicos horizontalmente e verticalmente integrados dos servios de energia eltrica da

    Europa, sob forte presso das associaes e redes empresariais europias, esto sendo

    reestruturados no sentido de reorganiz-los segundo os princpios de mercado. Na Frana,

    onde a luta dos trabalhadores ao longo de sua histria terminou forjando um ideal de Estado

    centrado na capacidade de catalisar e representar todos os interesses coletivos, fato que

    permitiu neste pas alm da construo da noo de bens e servios pblicos como

    direito para todos a expanso do Estado como provedor direto de bens e servios

    considerados pblicos, a exemplo da energia eltrica, que desde 1946 foi nacionalizada e

    colocada sob gesto do Estado Francs atravs da Eletricit de France. Mesmo assim, at

    esta empresa, que um cone do setor estatal de produo de eletricidade, mundialmente,

    fornecedora de um quarto de toda a energia eltrica da Europa, vem sendo reorganizada na

    direo da ordem de mercado como mostram as matrias a seguir relacionadas.

    Privatizao da EDF - O ministro da Economia da Frana, Herve Gaymard, anunciou no fim de

    semana que planeja privatizar parcialmente a companhia de eletricidade EDF at o final deste ano,

    segundo a Reuters.(...)O governo francs est vendendo partes de vrias empresas para obter recursos

    para seu caixa.20 EDF espera cortar 6 mil empregos at o fim de 2007 - A EDF eliminar de 6 mil a 6,5 mil empregos

    nos prximos dois anos com o no preenchimento de algumas das vagas deixadas pelos trabalhadores

    que se aposentaro. A notcia foi conhecida trs semanas depois de a empresa de energia da Frana

    estrear em bolsa.21

    A realidade atual substancialmente diferente do perodo em que predominava a

    concepo Estado do Bem Estar. Na maioria das empresas verifica-se a separao

    jurdica entre atividades, em particular, no que se refere s atividades de redes. De igual

    modo, em algumas atividades, nomeadamente as de fornecimento e aquisio de energia

    eltrica est sendo introduzida concorrncia. O argumento : como existem vrias

    14

  • 15

    empresas a exercer esta atividade, podem os consumidores escolher livremente o seu

    fornecedor de energia eltrica. A ideologia de mercado procura relacionar a produtividade

    competio na circulao, e desse modo, dissimula a realidade, pois, por um lado, no

    associa a produtividade ao trabalho social, e por outro, ignora os obstculos competio

    interpostos pelas grandes empresas que atuam predominantemente em arranjos

    monopolistas e/ou oligopolistas.

    A ao poltica prossegue. A Diretiva 2003/54/CE do Parlamento Europeu e do

    Conselho, j estabeleceu regras comuns para o mercado da eletricidade, impondo que a

    abertura do mercado a todos os consumidores deve estar concretizada at Julho de 2007.

    Atualmente, na ustria, Dinamarca, Finlndia, Alemanha, Espanha, Sucia e Reino Unido

    as aes institucionais requeridas organizao de mercado esto implementadas: todos

    os consumidores podem mudar livremente de fornecedor. E ainda, nos restantes pases da

    Unio Europia comemora o relatrio da Comisin de las Comunidades Europeas22

    cerca de um tero dos consumidores podem escolher o seu fornecedor e conclui ao final

    sobre o atual estgio de reforma da indstria eltrica:

    A Europa est em processo de criao de uma grande comunidade de energia que ultrapassa as

    fronteiras da unio, baseada em normas e prticas comuns. Os Estados membros necessitam manter

    os compromissos para alcanar este objetivo respeitando as decises para a reestruturao do setor

    previstas, com a aplicao das Diretivas. Somente desta forma poder ser atingido o objetivo de

    mercado competitivo e seguro. Cumprindo isto, a questo dos investimentos em infra-estruturas e o

    funcionamento correto dos sistemas, em favor do mercado competitivo, segue sendo um ponto crucial.

    Ainda que, algumas questes tenham sido abordadas, as inquietudes expostas, em comunicaes

    anteriores na proposta de Diretiva sobre infra-estrutura energtica seguem sendo pertinentes e

    necessrio avanar, de uma maneira ou de outra, nesta questo.

    A funo das autoridades reguladoras independentes continua sendo um componente essencial da

    introduo da competio e de suas decises relativas as tarifas das redes e outras importantes regras

    de mercado, para dar prosseguimento ao desenvolvimento do modelo de mercado.

    Neste contexto segue sendo importante garantir que as autoridades disponham de suficientes recursos

    e competncias. Resta ver se as melhoras realizadas em virtude das Diretivas so adequadas para

    alcanar os objetivos de mercado, especialmente se os Estados membros adotam um enfoque

    minimalista na incorporao de legislao para o ordenamento jurdico do setor. Uma coisa segura: no

    novo contexto mundial de preos mais altos para a energia primria, mais importante que nunca que a

    Comunidade esteja a altura de seu compromisso em favor de um mercado competitivo.23

    2.3 Princpios da reforma no EUA A forma como est institucionalizada a indstria eltrica no EUA compreende um

    vasto e complexo sistema, cujas bases combinam leis e instituies federais, estaduais e

    municipais, acrescenta-se ainda, a interao destas instituies, com os Agentes de Estado

    ligados a energia nuclear e a questo ambiental. Composta por mais de 3.100 prestadores

    15

  • 16

    de servios pblicos e privados, sendo que na atualidade, a organizao industrial

    dominante continua a ser o de uma nica empresa com estrutura verticalizada. Uma nica

    empresa autorizada a gerar; transportar, e distribuir a energia eltrica para todos os

    usurios de um determinado territrio. Os preos so regulados atravs dos agentes

    reguladores dos Estados, segundo a tradicional metodologia custo de servio24.

    Contudo, desde The Energy Policy Act of 199225, a meta do Federal Energy

    Regulatory Comission (FERC), em acordo com os princpios de mercado, tem sido de

    implementar a desregulamentao para a venda no atacado e no varejo de eletricidade. As

    bases fundamentais para promover a mudana analogamente a da Diretiva de

    Eletricidade da Comunidade Europia so:

    - o direito dos consumidores de poder escolher diretamente o seu provedor entre as

    diferentes empresas;

    - a liberdade s empresas de fornecimento de eletricidade de atuar em qualquer

    territrio no atendimento dos mais distintos consumidores;

    - o preo da energia eltrica determinada pelo mercado;

    - nenhum mecanismo regulador para os produtores de energia, isto , a gerao no

    deve ser regulada;

    - separao empresarial das atividades de gerao das atividades de transmisso e

    de distribuio;

    - estabelecer entidades independentes para operar os sistemas de transporte de

    energia eltrica;

    - os agentes reguladores devem estabelecer procedimentos que impeam o controle

    de mercados pelas empresas, bem como, evitar medidas que possam restringir a entrada de

    novos agentes de venda de energia eltrica26.

    Em 1996 a Federal Energy Regulatory Comission (FERC) editou as normas

    regulamentando a transmisso de energia eltrica27. Nesta ficou estabelecido que as

    empresas de servio pblico no podem impedir o acesso de outras empresas as suas

    instalaes para o transporte de energia. A partir dessa data, alguns estados tomaram a

    iniciativa de iniciar um processo de desregulamentao dos servios de energia eltrica. Um

    exemplo marcante foi o estado da Califrnia que articulou uma reforma radical em sua

    indstria eltrica segundo os princpios enunciados pela The Energy Policy Act of 1992.

    Este Estado, at 1996, tinha sua indstria de servios de energia eltrica,

    praticamente, concentradas em trs grandes empresas privadas com organizao da

    produo verticalizada (geravam, transmitiam e distribuam). Elas concentravam cerca de

    75% da demanda sendo os 25% restantes supridos por empresas municipais. Ao final de

    1996, a California Public Utility Comission (CPUC) o agente regulador do estado da

    Califrnia prope, e os legisladores californianos aprovam, a implantao de um programa

    16

  • 17

    de reforma para a indstria eltrica. As diretrizes das reformas tinham as seguintes aes

    organizativas: viabilizar a desverticalizao das empresas de energia eltrica;

    desregulamentar a produo objetivando estabelecer um mercado competitivo de oferta de

    eletricidade no segmento de gerao; garantir a todos os usurios de energia eltrica,

    inclusive os residenciais, a liberdade de poder escolher o seu fornecedor, e ainda, promover

    o livre acesso s linhas de transmisso e distribuio. Isto , - semelhana da reforma

    inglesa dos anos 1990 o direito a todos os consumidores ao mercado de gerao de

    eletricidade.

    A lei aprovada Assembly Bill n 1890 trouxe as seguintes normas institucionais

    para a organizao da produo e distribuio de eletricidade na Califrnia:

    - liberdade de escolha ao comprador. Todos os usurios, independente do segmento

    de consumo residencial; industrial e comercial ficaram livres para escolher o seu

    fornecedor electricity service provider (ESP) para o provimento de suas necessidades

    de eletricidade;

    - as trs grandes empresas de eletricidade que tinham uma estrutura de produo

    verticalizada foram transformadas em empresas de distribuio de energia, e podiam

    continuar comprando das geradoras, resultantes da desverticalizao, por um perodo de,

    no mximo, quatro anos;

    - as empresas de transporte de eletricidade tinham que providenciar o livre acesso as

    suas linhas de transmisso e distribuio para o estabelecimento do mercado competitivo na

    gerao, sendo o preo do transporte determinado pela CPUC ou FERC, segundo suas

    jurisdies;

    - criao de dois agentes operadores independentes: um responsvel pela de rede

    de transmisso e outro pelo mercado de gerao, respectivamente a: Califrnia Independent

    System Operator (CAISO) e Califrnia Power Exchange (CALPX);

    - a operadora fsica do sistema (CAISO) aos moldes do Operador Nacional do

    Sistema Eltrico Brasileiro (ONS) uma instituio responsvel pela coordenao e

    operao de grande parte do sistema de transmisso da Califrnia. Sua tarefa combinar a

    gerao e o transporte de eletricidade segundo as necessidades dos usurios e a

    regulamentao de suas atividades so expedidas pela CPUC e a FERC. Para a operao

    do mercado a CALPX a instituio responsvel pelo mercado de eletricidade da day-

    ahead e hour-ahead.28

    Assim, estava institucionalizada a lei da oferta e procura para a determinao do

    preo da energia eltrica. O encontro dos vendedores e dos compradores de eletricidade

    estabeleceria os preos em tempo real. O resultado desta poltica para a California foi um

    desastre como caracterizou o The Economist, em 20 de janeiro de 2000:

    17

  • 18

    As vendas negociadas no mercado atacadista de energia eltrica para o dia seguinte alcanou mais de

    500% entre o segundo semestre de 1999 e o segundo semestre de 2000. E nos quatro primeiros meses

    de 2001, os preos no mercado atacadista continuaram aumentando at alcanar um preo mdio de

    US$ 300,00/MWh, atingindo aproximadamente 10 vezes o preo de 1998 e 1999. Em conseqncia, o

    custo anual se elevou de US$ 8 bilhes em 1999 e em 2000 a elevao atingiu a cifra de US$ 28

    bilhes. Segundo Gray Davis, governador da Califrnia, os principais beneficirios do aumento das

    receitas eram as geradoras, as quais ele qualificou de piratas e saqueadoras.29

    O saldo das reformas na Califrnia colocou em xeque a credibilidade da Teoria da

    Desregulamentao pelos menos para a organizao da indstria eltrica do EUA que

    afirma a melhor soluo para obter o ajuste entre a oferta e a demanda de um dado produto

    deixar que as foras de mercado atuem livremente, pois deste modo, o equilbrio no preo

    ser alcanado naturalmente. Mas apesar dos resultados da reforma californiana a ideologia

    do livre mercado no arrefeceu. Muitos so os estudos cientficos que fazem a anlise do

    que aconteceu na Califrnia. Alguns so risveis pelos argumentos que utilizam para explicar

    as causas da elevao assimetria de informaes entre os indivduos vendedores e os

    indivduos consumidores dos preos de energia eltrica vendida pelas geradoras, e

    tambm, pelas propostas implantar tecnologias que dissemine a informao que

    apresentam para defender a reforma instituda:

    Ambos os lados devem ver o preo de mercado.

    A Califrnia criou um mercado unilateral. Pois, os pequenos e grandes no percebiam as flutuaes

    dos preos no mercado de entrega imediata. Obviamente, os consumidores no respondem aos

    aumentos de preos se nunca os vem. Por outro lado, se os consumidores finais no enxergam os

    preos pagos em seu nome, mais fcil para as companhias geradoras abusar do poder latente de que

    gozam no mercado.

    Num estudo realizado pelo U. S. Electric Power Research Institute se calculou que, se tivesse sido

    oferecido um mecanismo de fixao de preos em tempo real e do tipo voluntrio a clientes comerciais

    e industriais, poderia reduzir os nveis de demanda em cerca de 2,5% e os preos em quase 25%.

    Isto indica que em qualquer programa de reforma no qual se cria um mercado de entrega imediata

    dever ser assegurada a instalao de medidores em tempo real nos edifcios dos principais clientes

    para que possam ver e responder ante as flutuaes dos preos da eletricidade em tempo real 30

    A denominada crise de energia na Califrnia, alm das conseqncias provocadas

    pela elevao exorbitante dos preos de gerao, havia tambm levado a uma crise de

    oferta, produzindo uma srie de cortes de energia eltrica pelos nmeros da California

    Public Utility Comission (CUPC): 17 blackouts e 32 emergncias, em 2001. , mais as

    irregularidades na atuao das geradoras, como verificado nas atividades da ENRON31

    (proprietria da Distribuidora ELEKTRO de So Paulo, da Termeltrica de Cuiab, e de

    parte do Gasoduto Brasil-Bolvia, entre os seus principais empreendimentos no Brasil) que

    18

  • 19

    foi desligada do mercado por ter agido de modo fraudulento. Assim, a reunio destes fatos,

    independente dos esforos do conjunto das foras que defendem as reformas do setor

    eltrico no EUA ramo de produo dominantemente privado, 72% das receitas so

    captadas pelas empresas privadas32 , acabou congregando muitos segmentos sociais e

    econmicos a terem uma posio de relutncia aos encaminhamentos que vinham sendo

    feitos no sentido de regulamentar a indstria eltrica, exclusivamente, segundo os princpios

    de mercado.

    Outro evento marcante que tambm influenciou a velocidade da reforma da indstria

    eltrica no EUA, refreando-a, foi o blackout de 14 de agosto de 200333. Este acontecimento,

    em face de suas dimenses, fez levar a discusso da estrutura de produo de energia

    eltrica para amplos setores organizados da sociedade. Pois, o fornecimento de eletricidade

    foi suprimido para uma grande rea do Nordeste e Leste do EUA e a regio de Ontrio no

    Canad em conseqncia de um desligamento que afetou diretamente mais de 50 milhes

    de pessoas, interrompendo o atendimento de uma carga de 61.800 MW, distribuda nos

    estados de Ohio, Michigan, Pennsylvania, New York, Vermont, Massachusetts, Connecticut,

    New Jersey observa-se que, a exceo de Vermont, os outros (sete) estados estavam

    com o seu setor eltrico sendo reformado na direo do modelo implantado na Califrnia.

    e a Provncia de Ontrio do Canad. Este desligamento foi to grave, pois algumas reas

    nos EUA levaram cerca de quatro dias para o retorno da energia, e no Canad, esta

    situao chegou a alcanar mais de uma semana - em algumas localidades - para que a

    eletricidade fosse completamente restabelecida a sua normalidade de atendimento. Estima-

    se que o desligamento produziu um prejuzo econmico ao EUA entre 4 a 10 bilhes de

    dlares e de cerca de 2,3 bilhes de dlares (canadenses) ao Cand.

    A comisso instituda pelo governo do EUA e do Canad, para levantar as causas do

    desligamento, identificou uma srie de fatores, nos quais se destacam: sobrecarga nas

    linhas de transmisso; ausncia de investimentos adequados em sistemas de proteo;

    necessidade de implantao de um sistema de comunicao verstil e eficiente;

    necessidade de capacitao dos trabalhadores para operao e deciso em situaes de

    emergncia; manuteno preventiva das linhas; entre outros fatores relacionados. Todos os

    destaques, potenciais causadores do desligamento, de um modo geral, podem ser

    atribudos a gesto econmico-financeira que as empresas executam. Pois estas, voltadas

    s suas finalidades exclusivamente lucrativas, adiam ao mximo os investimentos que

    providenciariam uma maior segurana na qualidade do fornecimento de energia eltrica34.

    Este cenrio determinado pela crise da Califrnia, pelas fraudes e pelo blackout de

    2003, tem influenciado o andamento das reformas no EUA. Segundo relatrio oficial do

    governo do EUA, ao final de 2003, entre os 50 estados, apenas 20 tinham iniciado o

    processo de mudana35. Sendo que os que se encontravam em meio s reformas

    19

  • 20

    pressionados por expressivos segmentos sociais estavam revisando suas legislaes

    como forma de escapar dos fatos ocorridos na Califrnia. Alguns como o Texas, por

    exemplo. , que tinham data marcada para iniciar a operao da indstria eltrica sob

    critrios exclusivos de mercado, decidiram adiar a implementao sob o argumento de

    estabelecer melhores solues para o setor. Um dado que mostra o atual estgio das

    reformas no setor eltrico o relativo a quantidade de energia vendida, sob o princpio da

    liberdade de escolha ao comprador electricity service provider (ESP), anlogo ao

    consumidor livre36 no Brasil que alcanou apenas 6,5% de toda a energia eltrica

    vendida do EUA37.

    Deste modo, os defensores da reforma no EUA foram obrigados a ter uma postura

    crtica, pelo menos nos termos do discurso, em relao reforma. Esta tem se

    manifestado como: necessidade de maior cautela para a implementao das mudanas;

    elaborao de instrumentos prvios reestruturao para o dimensionamento dos

    recursos existentes de gerao e transmisso, a fim de evitar a condio de escassez

    energtica imediata; formulao de metas e objetivos no marco regulatrio; permitir, nas

    regras de mercado, contratos de compra de longo prazo como meio de estabelecer menor

    volatilidade nos preos; estabelecer regras claras que impeam manipulaes de mercado e

    aes ilegais e mercado spot associado compra de hedge38

    Os argumentos so sempre no sentido de que os problemas surgidos com a reforma

    foram resultados de erros na implantao. Ento, promovendo as correes, os resultados

    prometidos sero alcanados. Ou seja, tal como na teoria de mercado quando os

    prognsticos da teoria no se verificam, estes so atribudos as falhas de mercado, isto

    , a realidade que est equivocada por no acontecer segundo a teoria. Por isso, ao

    associar estes argumentos s dimenses da receita da indstria de energia eltrica do EUA

    em 2003, foi prxima a 314 bilhes de dlares39 pode-se admitir que a reestruturao da

    indstria eltrica, neste pas, est apenas comeando e a tendncia mantida a atual

    correlao de foras entre agentes econmico-financeiros e os agentes do trabalho

    seguir na direo preconizada pelas foras econmicas hegemnicas encaminhando a

    indstria eltrica para uma regulao sob a gide do mercado.

    2.4 Princpios da reforma na Amrica Latina Por isso, este movimento de reforma na indstria eltrica, que h mais de duas

    dcadas vem se desenvolvendo mundialmente, contempla uma srie de encaminhamentos

    que guardam muitas semelhanas, na maioria dos pases. Comumente, costuma-se indicar

    que esta estrutura organizacional teve sua origem na reforma inglesa contida no manifesto -

    do Partido Conservador - de 1987, em defesa de mudanas institucionais para este ramo. O

    Partido Conservador, frente ao quadro recessivo da economia inglesa, preconizava a venda

    20

  • 21

    dos ativos pblicos como estratgia central para resolver o problema das finanas pblicas e

    como meio de resgatar a eficincia produtiva nos setores de produo sob a posse estatal.

    Assim, para o Governo Conservador ingls, o processo de transferncia do

    patrimnio pblico iniciativa privada, concomitante ao estabelecimento de uma nova

    estrutura organizacional de produo, tinha sua justificativa centrada na incapacidade de

    financiamento e na ineficincia de gesto do Estado. Desta posio resultou na Inglaterra,

    em 1989, o Electricity Act que estabeleceu, em primeiro lugar, a reestruturao do setor

    eltrico em empresas desverticalizadas: gerao, transmisso e distribuio; concorrncia

    na gerao; livre acesso s linhas de transmisso; diviso das empresas de distribuio e

    instaurao de liberdade aos consumidores de escolher o seu provedor. E, em segundo

    lugar, aps a definio institucional das regras adequadas reorganizao industrial,

    encaminhou o processo de privatizao das empresas.

    Este modelo de organizao da indstria de energia eltrica segundo os princpios

    de mercado no comeou na Inglaterra. A gnese deste modelo, enquanto encaminhamento

    poltico, teve seu primeiro exemplar desenvolvido no Chile durante o governo Pinochet.

    Aquele que foi uma das mais violentas ditaduras da Amrica Latina contempornea. Esta

    observao necessria, pois na atualidade costuma-se associar princpios de mercado

    como condio democracia. Cabe recuperar que a indstria eltrica do Chile - fundada nos

    princpios: de economia de escala; do longo tempo de recuperao do capital investido; da

    importncia estratgica para o desenvolvimento nacional; e de indstria prestadora de

    servio pblico. tinha este ramo da produo concentrada em uma empresa estatal, a

    ENDESA40, que por essa poca no tinha problemas financeiros e nem problemas tcnicos

    que influenciasse a qualidade dos seus servios, como tambm, no apresentava qualquer

    questo relacionada a sua eficincia de gesto.

    Contudo, aps a deposio e assassinato do governo democrtico do presidente

    Allende Salvador Allende Gossens, o primeiro marxista eleito democraticamente

    presidente da repblica na Amrica Latina , a ditadura militar Pinochet, alm de

    empreender violenta represso contra os democratas e partidrios das foras de esquerda

    do Chile, instituiu, tambm, um processo de reorganizao da produo, pautada nas

    recomendaes do Banco Mundial de incentivo a implementao de reformas estruturais

    visando estimular o estabelecimento de uma economia social de mercado. neste cenrio

    no Chile que a reestruturao financeira e administrativa das empresas estatais,

    particularmente as do setor eltrico, so apontadas como medidas necessrias para

    alcanar a racionalizao dos preos da eletricidade e dos energticos de um modo geral.

    Surgem ento os argumentos justificadores para retirada do estado dos servios de energia

    eltrica. Os utilizados no Chile foram: o intenso e substantivo comprometimento do estado

    para o financiamento do setor eltrico reduzindo-lhe a capacidade do exerccio de outras

    21

  • 22

    funes; o monoplio desempenhado pelo estado inviabilizando a entrada de outros agentes

    necessrios ao estabelecimento da prtica de mercado; a necessidade de restabelecer ao

    estado o papel de regulador deixando o papel empresarial aos agentes privados e a

    ausncia de critrios economicamente eficientes para a definio dos preos da eletricidade,

    uma vez que, estes refletiam os custos passados, sendo por isso, independente da

    eficincia nos gastos.41

    Assim, pautada nestes elementos ideolgicos, a ditadura militar do Chile

    assessorada pela escola monetarista de Chicago sob a regncia de Milton Friedman

    consultor do Banco Mundial no denominado milagre chileno, num contexto poltico e

    econmico completamente distinto dos pases que impulsionaram, posteriormente, as

    reformas, deu incio reestruturao de sua indstria eltrica. E, em 1982, atravs do

    Decreto con Fuerza de Ley no1, implementou os pressupostos organizadores para o

    desenvolvimento de uma nova indstria eltrica, os quais, estavam associados liberao

    do sistema financeiro, atravs da abertura do mercado de capitais e o estmulo ao

    surgimento de novos agentes, como os fundos de penso. Deste modo, a ditadura chilena,

    sob a liderana do Banco Mundial, definiu novas estruturas de funcioname