introduÇÃo (tese)

182
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MARIA JOSÉ DE ARAÚJO GADELHA REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE FORMAÇÃO CONTINUADA: COM A PALAVRA AS PROFESSORAS DO ENSINO FUNDAMENTAL DA REDE PÚBLICA DE NATAL RN NATAL/RN 2009

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CINCIAS SOCIAIS APLICADAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    MARIA JOS DE ARAJO GADELHA

    REPRESENTAES SOCIAIS DE FORMAO CONTINUADA: COM A PALAVRA AS PROFESSORAS DO ENSINO FUNDAMENTAL DA REDE

    PBLICA DE NATAL RN

    NATAL/RN 2009

  • MARIA JOS DE ARAJO GADELHA

    REPRESENTAES SOCIAIS DE FORMAO CONTINUADA: COM A PALAVRA AS PROFESSORAS DO ENSINO FUNDAMENTAL DA REDE

    PBLICA DE NATAL - RN

    Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao do Centro de Cincias Sociais Aplicadas, linha de pesquisa Formao e Profissionalizao Docente, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obteno do ttulo de Doutora em Educao.

    Orientadora: Prof. Dra. Maria do Rosrio de Ftima de Carvalho. Co-orientadora: Prof. Dra. Betnia Leite Ramalho.

    NATAL/ RN 2009

  • Catalogao da Publicao na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

    Diviso de Servios Tcnicos

    Gadelha, Maria Jos Fernandes.

    Representaes sociais de formao continuada: com a palavra as

    professoras do ensino fundamental da rede pblica de Natal-RN/ Maria Jos

    Fernandes Gadelha. - Natal, RN, 2009.

    180 f.

    Orientadora: Profa. Dra. Maria do Rosrio de Ftima de Carvalho.

    Tese (Doutorado em Educao) - Universidade Federal do Rio Grande

    do Norte. Centro de Cincias Sociais Aplicadas. Programa de Ps-

    Graduao em Educao.

    1. Educao - Tese. 2. Representao social - Tese. 3. Formao

    continuada - Tese. 4. Docente - Tese. I. Carvalho, Maria do Rosrio de

    Ftima de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Ttulo.

    RN/BS/CCSA CDU 37.026(043.2)

  • MARIA JOS DE ARAJO GADELHA

    REPRESENTAES SOCIAIS DE FORMAO CONTINUADA:

    COM A PALAVRA AS PROFESSORAS DO ENSINO FUNDAMENTAL DA REDE

    PBLICA DE NATAL - RN

    Aprovada em: 15/12/2009

    BANCA EXAMINADORA

    PROF. DRA. MARIA DO ROSRIO DE FTIMA DE CARVALHO ORIENTADORA - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

    PROF. DRA. BETNIA LEITE RAMALHO (CO-ORIENTADORA) EXAMINADOR INTERNO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

    PROF. DRA. MARILEIDE MARIA DE MELO EXAMINADOR EXTERNO - UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABA

    PROF. DRA. CLARILZA PRADO DE SOUZA EXAMINADOR EXTERNO - UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

    NEIDE VARELA SANTIAGO EXAMINADOR INTERNO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

    LUS CARLOS SALES SUPLENTE EXTERNO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAU

    MOISS DOMINGOS SOBRINHO SUPLENTE INTERNO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

    Natal/RN 2009

  • Aos meus pais, Josias e Rosa, maiores exemplos na minha vida, pelo esprito de renncia, sabedoria e confiana em Deus, que os tornam o meu permanente ancoradouro.

  • AGRADECIMENTOS

    Como em uma viagem nutica, uma pesquisa, para ser bem sucedida,

    necessita alm de faris, planejamento e tripulao, da colaborao de muitas

    pessoas, para que possamos embarcar e desembarcar com segurana e satisfao

    nos muitos ancoradouros existentes no percurso. Mas o maior ancoradouro

    invisvel, o apoio que vem da f. Eis o porqu do meu primeiro e principal

    agradecimento ser este:

    A Deus e a Nossa Senhora, presenas constantes em minha vida, fazendo-

    me renovar a cada dia.

    Aos meus filhos Kenia, Eugnio, Edmar e Edmara; a Renata, Tineza e

    Ronaldo (noras e genro, mas tambm filhos de corao); e minha neta querida

    Fernanda, pelo bem querer e compreenso durante essa trajetria.

    minha irm Regilane, amiga, pelo seu permanente e contagiante alto

    astral, bem como aos demais familiares.

    s professoras, companheiras imprescindveis nesse percurso, que

    contriburam com as suas vozes para a consecuo deste trabalho e que vivem o

    eterno desafio de aprender e ensinar.

    professora Maria do Rosrio de Ftima de Carvalho, orientadora

    comprometida em defender a autonomia acadmica e desafiar seus orientandos

    busca de faris que possibilitam navegar em mares nunca vistos, pela capacidade

    intelectual, afetiva, incentivo e amizade.

    professora Betnia Ramalho, coorientadora, pelo acolhimento e mediao.

    professora Marileide Maria de Melo, pela leitura cuidadosa nos seminrios

    doutorais I e II, recomendaes, apoio terico-metodolgico e disponibilidade em

    iluminar os caminhos para o conhecimento das nuances do EVOC e do ALCESTE,

    decisivos nas anlises aqui empreendidas.

    amiga Tarcimria, por haver favorecido as articulaes com o professor

    Accioly para o tratamento dos dados no ALCESTE, a quem estendo a minha

    gratido pela ateno que me dispensou.

  • s colegas dessa trajetria, pelas trocas e parcerias, Mrcia, Juliana,

    Valdeci, Vera Chalegre, Aldeci, Diva, Danielle, Nati, Evaldo e tantos/as outros/as que

    me ensinaram a ouvir, refletir, agir.

    Aos mdicos que contriburam para que eu chegasse saudvel ao trmino

    desta pesquisa, especialmente Dr. Natanael Luz (e minha grande amiga Grainha,

    sua esposa), Dr.Ricardo Maia, Dr. Daniel e Dra. Raimunda Silva, o meu

    reconhecimento pela assistncia e presena constantes.

    A Silvio Caldas que encheu a minha vida de alegria e me fez compreender

    que preciso viver intensamente cada momento da vida.

    Ao professor Ermerson Oliveira, coordenador da Assessoria de

    Planejamento e Avaliao da SME e s colegas Eliene, Anizia, Joslia, Sheila,

    Yusca, Danielle Kaline, Dayse, Palmira, Auxiliadora, Srlia, pela presena amiga e

    compreensiva nos momentos finais deste trabalho e especialmente a Regina que leu

    cuidadosa e criticamente as primeiras partes desta pesquisa, sugerindo

    complementaes.

    A Margarete, Andra, Cludia, Eden, Taisa, Leuzene, Maria Jos Santos e

    presidente da Comisso de Formao Continuada, Ensino e Pesquisa, Secretria

    Adjunta Pedaggica, Tnia Leiros, pelo coleguismo e parcerias na construo

    coletiva da poltica de formao continuada da Secretaria Municipal de Educao.

    A Dany e Karine, pelo inestimvel apoio na formatao e pelo trabalho nas

    ilustraes.

    professora Francisca Freire da Costa (Fef) pela competente reviso da

    Tese.

    Aos meus professores desde os primeiros ancoradouros, especialmente

    queles da ps- graduao, que nesses trs anos e meio contriburam para

    movimentar esta viagem nutica.

    A todas e a todos que habitam o meu mundo fraterno e afetivo, que, direta

    ou indiretamente, contriburam para que este trabalho possa ser defendido, meu

    MUITO OBRIGADA!

  • RESUMO

    A investigao metaforicamente apresentada como uma viagem nutica, tendo como objeto de estudo as representaes sociais de formao continuada de professores do Ensino Fundamental e como objetivo analis-las comparativamente em relao s participantes das redes estadual e municipal, situadas em Natal/RN, Brasil. Contriburam para o alcance desse objetivo as vozes de 158 professoras, a vasta literatura sobre formao em desenvolvimento profissional e as formulaes tericas propostas por Moscovici e colaboradores, com relevncia a Teoria do Ncleo Central defendida por Abric. O corpus decorrente das evocaes em torno de formao continuada e as justificativas das docentes foram submetidas a diferentes mtodos/tcnicas informatizados, por meio dos Programas EVOC e ALCESTE, respectivamente, oportunizando evidenciar uma rede de interconexes entre o provvel ncleo central e as produes discursivas. Embora os iderios pedaggicos que perpassam as representaes sociais das docentes da rede estadual sejam ancorados em concepes escolanovista e tecnicistas e as das professoras da rede municipal tendam a um iderio scio-interacionista, a opo por trabalhar com o campo simblico permitiu identificar o compromisso poltico-social dos grupos com os impactos da formao na aprendizagem de seus alunos. Palavras-chave: Representaes sociais. Formao continuada. Docente.

  • ABSTRACT

    Metaphorically, research is presented as a journey by sea, having as object of study the social representations of Continuing Education for teachers of elementary school and as aim, to analyze them in comparison of participants from state and municipal systems, located in Natal-RN, Brazil .They have contributed to the achievement of this objective the voices of 158 teachers, the vast literature on training in professional development and the theoretical formulations proposed by Moscovici and colleagues, with relevance to the Central Nucleus Theory advocated by Abric. The corpus resulting from evocations about continuing education, as well as teachers' justifications were submitted to different computer methods/techniques, through the EVOC ALCESTE Programs, respectively, providing the opportunity to highlight a network of interconnections between the likely core and the production of discourse. Although the educational ideologies that underlie social perception of the state teachers are anchored in New School and technicist concepts and the teachers in the city tend to an ideology of social interaction, the choice of working with the symbolic field identified the political-social commitment of groups with the impacts of training on learning of their students. key-words: Social representations. Continuing education. Teaching.

  • RESUM

    La Recherche est mtaphoriquement exprime (prsente) comme um voyage nautique, ayant par object dtude les reprsentations sociales de formation continuelle de professeurs dEnseignement Fondamental, ayant comme but de faire lanalise de cettes reprsentations par comparaison l gard des participants des rseaux dEtat et municipal, assises la ville de Natal-RN-Brsil Les voix de 158 professeurs ont contribu pour la russite de cet objectif, aussi que lempleur(vaste) littrature sur la formation en developpement professionnel et les formulations thoriques proposses par Moscovici et ses colaborateurs davantage, en relief, la Thorie du Noyau Central dfendue par Abric. Le corpus dcoulant des vocations autour de la formation continue et des vocations autour de la formation continue et des justificatifs des corps denseignants ont t soumises diffrentes mthodes/ tchniques informatises au moyen de programmes EVOC et ALCESTE, en mme temps que mets en vidance un rseau dinterconnections parmi Le probable Noyau Central et les productions discursifs.Bien que les ides pdagogiques, qui passent travers les reprsentations sociales de corps denseignant de la rseau de lEtat aient tabli en conceptions coleneuvistes et technicistes et les professeurs de la rseau municipal penchent a une ide social-interactiviste loption pour travailler avec le champ symbolique a permis didentificier le compromi politique-social des groupes avec les impacts de la formation dans lapprentissage de ses lves. Mots-cl: reprsentations sociales; formation continue; corps denseignants.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Fatores Determinantes Dos processos de desenvolvimento profissional

    dos professores. ........................................................................................................ 68

    Figura 2: Distribuio de frequncia decorrente da expresso indutora formao

    continuada (clculo para frequncia mdia e frequncia mnima das professoras

    vinculadas Seec) RANGMOT ............................................................................... 114

    Figura 3: Distribuio de frequncia decorrente da expresso indutora formao

    continuada (clculo para frequncia mdia e frequncia mnima das professoras

    vinculadas Sme) RANGMOT .............................................................................. 114

    Figura 4: Dendograma Das Classes Classificao Hierrquica Descendente Do

    Corpus Discursivo .................................................................................................. 126

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1: Nmero de professores dos anos iniciais do ensino fundamental,

    conforme o sexo, vinculados Rede Municipal de ensino de natal por regio

    administrativa Natal/RN/2008 ............................................................................... 100

    Tabela 2: Distribuio das professoras investigadas segundo faixa etria e vnculo

    empregatcio ............................................................................................................ 102

    Tabela 3: Distribuio das professoras da investigao segundo a qualificao

    profissional e vnculo empregatcio ......................................................................... 103

    Tabela 4: Distribuio das professoras conforme a quantidade de anos de

    experincia no magistrio e vnculo empregatcio ................................................... 104

    Tabela 5: Distribuio dos entrevistados segundo a quantidade de anos de

    experincia em sala de aula e vnculo empregatcio ............................................... 105

    Tabela 6: Demonstrativo de participao das professoras em cursos (formao

    continuada).............................................................................................................. 106

    Tabela 7: Distribuio dos cursos frequentados pelas participantes da pesquisa

    conforme o vinculo empregaticio ............................................................................. 107

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1: Distribuio das professoras da pesquisa segundo o vnculo empregatcio

    ................................................................................................................................ 101

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1: Evocao das professoras vinculadas SEEC com relao formao

    continuada............................................................................................................. 116

    Quadro 2: Evocao das professoras vinculadas SME com relao formao

    continuada ............................................................................................................ 118

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ALCESTE Analyse Lexicale par Context dun Ensemble de Segments de Texte

    BM Banco Mundial

    CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Ensino Superior

    CEPAL Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe

    CHD Classificao Hierrquica Descendente

    CNSN Colgio Nossa Senhora das Neves.

    COED Coordenadoria de Educao

    CPDE Centros de Pesquisa e de Desenvolvimento da Educao

    EEEB Escola Estadual Edgar Barbosa

    EEFIC Escola Estadual Francisco Ivo Cavalcante

    EFA Educations For All

    EPEN Encontro de Pesquisa Educacional do Nordeste

    EVOC Ensemble ds Programes Permettant lAnalyse des vocations

    FUNDEF Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e

    de Valorizao do Magistrio

    GMR Grupo Metodologicamente Representativo

    HB Habilitao Bsica

    IDE Instituto de Desenvolvimento de Educao

    IES Institutos de Ensino Superior

    IFESP Instituto de Formao de Educao Superior Presidente Kennedy

    IFP Instituto de Formao de Professores Presidente Kennedy

    LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao Brasileira

    MEC Ministrio da Educao

    NC Ncleo Central

    NURE Ncleo Regional de Ensino

    OME Ordem Mdia das Evocaes

    PAR Plano de Aes Articuladas

    PROMEDLAC Projeto de Educao para a Amrica Latina e Caribe

    PMN Prefeitura Municipal de Natal

    PNE Plano Nacional de Educao

    PPP Projeto Poltico Pedaggico

  • RS Representao Social

    SECD Secretaria de Estado da Educao, da Cultura e dos Desportos do Rio

    Grande do Norte

    SEEC Secretaria de Estado da Educao e da Cultura

    SME Secretaria Municipal de Educao

    TELP Tcnica de Associao Livre de Palavras

    TNC Teoria do Ncleo Central

    TRS Teoria das Representaes Sociais

    UNE Unidade de Contexto Elementar

    UCE Unidade de Contexto Elementar

    UCI Unidades de Contextos Iniciais

    UERN Universidade Estadual do Rio Grande do Norte

    UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

    UnP Universidade Potiguar

    ZDP Zona de Desenvolvimento Proximal

  • SUMRIO

    PARTE 1 .................................................................................................................. 16

    1 EVOCANDO OS PRIMEIROS ANCORADOUROS ............................................... 17

    1.1 TRAJETRIA COMO PROFESSORA: PRIMEIRAS INCURSES .................... 23

    1.2 OS PROCESSOS INVESTIGATIVOS NA FORMAO DOCENTE: AS

    PRIMEIRAS COORDENADAS .................................................................................. 29

    PARTE 2 ................................................................................................................... 39

    2 TRAANDO A ROTA: SITUANDO A INVESTIGAO ....................................... 40

    PARTE 3 ................................................................................................................... 53

    3 FAZENDO AS MALAS: SELECIONANDO OS APORTES TERICO-

    METODOLGICOS .................................................................................................. 54

    3.1 FORMAO CONTINUADA DE PROFESSORES: INFLUNCIAS E

    PROPOSIES ........................................................................................................ 55

    3.1.1 A etimologia como bssola dos sentidos e significados de formao

    continuada ............................................................................................................... 56

    3.1.2 Formao continuada: as provises do discurso pedaggico e do

    discurso econmico ............................................................................................... 68

    3.1.3 Formao continuada: a legislao educacional brasileira como lastro .. 76

    3.2 REPRESENTAES SOCIAIS COMO FERRAMENTA DE PESQUISA............ 82

    3.2.1 Teoria do ncleo central: abordagem estrutural das representaes

    sociais ...................................................................................................................... 88

    3.3 A TCNICA DE ASSOCIAO LIVRE DE PALAVRAS: A METODOLOGIA

    COMO ESTRATGIA DE COLETA DE DADOS ...................................................... 90

    3.4 TRATAMENTO DOS DADOS: UTILIZAO DOS SOFTWARES EVOC E

    ALCESTE .................................................................................................................. 95

    PARTE 4 .................................................................................................................. 96

    4 IDENTIFICANDO AS COMPANHEIRAS DE VIAGEM .......................................... 97

    4.1 FEMINIZAO NO MAGISTRIO ...................................................................... 98

    4.2 VINCULAO INSTITUCIONAL ...................................................................... 100

  • 4.3 FAIXA ETRIA ................................................................................................. 101

    4.4 QUALIFICAO PROFISSIONAL ................................................................... 102

    4.5 EXPERINCIA NO MAGISTRIO E EM SALA DE AULA ............................... 104

    PARTE 5 ............................................................................................................... 110

    5 CRUZANDO MARES E DESCOBRINDO HORIZONTES .................................. 111

    5.1 ANALISANDO PAISAGENS A PARTIR DO EVOC .......................................... 112

    5.2 INTERPRETANDO O ARRANJO ESTRUTURAL DAS PAISAGENS A PARTIR

    DO ALCESTE ......................................................................................................... 121

    5.2.1 Classe A: formao para o sucesso escolar do aluno............................. 126

    5.2.2 Classe B: aprimorando a prtica ............................................................... 128

    5.2.3 Classe C: troca de experincias ................................................................ 131

    5.2.4 Classe D: descompromisso institucional com o ensino e a aprendizagem

    ............................................................................................................................... 134

    5.2.5 Classe E: atualizao de conhecimentos .................................................. 137

    5.2.6 Classe F: conhecimento: abertura para novos horizontes ...................... 138

    PARTE 6 ................................................................................................................ 142

    6 UM BREVE DESEMBARQUE ............................................................................ 143

    REFERNCIAS ...................................................................................................... 148

    APNDICES .......................................................................................................... 162

    APENDICE A: FOLHA DE PROTOCOLO DA APLICAO DA TCNICA DE

    ASSOCIAO LIVRE DE PALAVRAS (TALP) ...................................................... 163

    APNDICE B: FOLHA DE IDENTIFICAO DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA

    ............................................................................................................................... 164

    APNDICE C: DEMONSTRATIVO DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA,

    CONFORME NMERO DE ORDEM, INSTITUIO, FAIXA ETRIA,

    QUALIFICAO, PARTICIPAO EM CURSOS E EXPERINCIA DOCENTE ... 165

    APNDICE D: DEMONSTRATIVO DAS PROFESSORAS, PRINCIPAIS

    RESPONSVEIS PELA PRODUO DAS UCE, CONFORME A CLASSE,

    ESCOLA, FAIXA ETRIA, QUALIFICAO E TEMPO DE EXPERINCIA EM SALA

    DE AULA ................................................................................................................ 171

  • PARTE 2

  • 17

    1 EVOCANDO OS PRIMEIROS ANCORADOUROS

    O desenvolvimento de vnculo social e das capacidades intelectuais e afetivas comea quando o indivduo vem a perceber que o outro tem uma significao no seu prprio mundo interior. (Serge Moscovici)

    Navego na minha incompletude, no percurso ininterrupto que se faz e se

    refaz. Por meio de diversos olhares, de diferentes faris, procuro estabelecer

    relaes entre a minha trajetria de vida acadmico-profissional - como estudante e

    professora formadora de professores dos primeiros anos do Ensino Fundamental da

    Educao Bsica com o meu objeto de estudo: as representaes sociais de

    formao continuada dos docentes dos primeiros anos do Ensino Fundamental,

    numa metafrica viagem nutica.

    O relato de uma viagem nutica evoca os pontos de partida, ancoradouros,

    provises, bagagem, enfim, uma preparao minuciosa e com antecedncia, caso

    contrrio no proporcionar os recursos interpretativos das diferentes paisagens e

    portos visitados.

    O meu primeiro ancoradouro nesta viagem so os meus pais, meus

    primeiros mestres. Como um navio, os humanos precisam de um porto e de pontos

    de referncia para embarcar e ancorar1, especialmente nos primeiros anos de vida.

    Ao nascer encontram conceitos, preconceitos, esteretipos, enfim, representaes

    sociais que compartilham em suas relaes sociais, definidoras de atitudes. As

    representaes sociais se apresentam do ponto de vista dinmico [...] como uma

    rede de idias, metforas, imagens, mais ou menos interligadas livremente e por

    isso, mais mveis e fluidas que teorias. Moscovici (2003, p. 210). A esse respeito,

    Domingos Sobrinho (2003, p.66) reporta-se a Jodelet (2001, p. 34) que afirma:

    1 Ancorar, nesta parte do texto, assume o significado de lanar a ncora para com ela manter o navio

    seguro. (DICIONRIO NUTICO, 2009). O sentido de ancorar quando me reporto s representaes sociais transformar [...] algo estranho e perturbador, que nos intriga, em nosso sistema particular de categorias e o compara com um paradigma de uma categoria que ns pensamos ser apropriada. quase como que ancorar um bote perdido em um dos boxes (pontos sinalizadores) de nosso espao social. (MOSCOVICI, 2003, p.61).

  • 18

    partilhar uma idia ou uma linguagem tambm afirmar um vnculo social e uma

    identidade.

    Minha me cursou o 5 ano primrio e tornou-se professora na cidade de

    Frei Martinho, na Paraba, Nordeste brasileiro. O meu pai aprendeu a assinar o

    nome a fim de conseguir uma carteira de habilitao de motorista quando os seus

    filhos j eram adultos. Meus pais, fugindo das intempries da seca, como

    agricultores, vieram residir em Natal, no Rio Grande do Norte (RN), em 1953.

    Segundo eles, desejavam um futuro melhor para os seus filhos e at hoje repetem

    que queriam que seus filhos fossem gente. At h pouco tempo trabalhavam no

    comrcio, na Avenida Presidente Quaresma (Avenida Um), no Bairro do Alecrim, em

    Natal. Hoje, s portas dos seus 90 anos de idade, meus pais ainda fazem e vendem

    doce caseiro e falam s pessoas do orgulho de terem trs de seus quatro filhos

    formados. Exemplos de determinao, generosidade e perseverana. Tm como

    prtica e aconselham no falar sobre as adversidades, mas us-las como escadas

    para o crescimento espiritual e valorizao do pouco conseguido.

    Tentarei, nos limites desta narrativa, conforme prope Delory-Momberger

    (2008), destacar as conquistas e as influncias que possibilitam integrar, estruturar e

    interpretar as situaes e os acontecimentos vividos.

    Meu segundo ancoradouro foi uma escola pblica, em Natal/RN. O contato

    com professoras qualificadas ocorreu aos cinco anos de idade, no Grupo Escolar

    Joo Tibrcio. A professora Alzira e a professora Edilza haviam concludo a Escola

    Normal2. Com elas aprendi, no Jardim de Infncia, o valor do cumprimento dos

    horrios (pontualidade), assiduidade e a importncia do acolhimento aos alunos.

    Mesmo no Ensino Superior, nos dias atuais, quando assumo uma turma, aguardo

    ansiosa a chegada de meus alunos e procuro acolh-los, desenvolvendo a

    habilidade de ouvir e tambm posicionar-me quando percebo ser necessrio.

    Destaco ainda a importncia do zelo pelos registros escolares. At outro dia,

    guardava as minhas primeiras pinturas e cadernos para mostrar aos meus filhos

    como aprendi a pintar e como era o ensino no final da dcada de 1950.

    2 A Escola Normal fundada em 13 de maio de 1908, pioneira na formao de professores primrios

    no RN funcionou no incio no velho prdio do Atheneu Norte-rio-grandense. Posteriormente foi instalada em um prdio prprio e tinha como um dos seus objetivos: desenvolver e propagar os conhecimentos e tcnicas relativas educao da infncia (Decreto-lei 8.530), e em 1961 foi transformado em Instituto de Educao Presidente Kennedy. (OLIVEIRA, 1990).

  • 19

    No Jardim de Infncia aprendi a danar, a tocar pequenos instrumentos

    musicais, a ser espectadora, a apresentar as primeiras manifestaes populares,

    como Pastoril e Bumba meu Boi. A escola pblica tinha qualidade, mas era para

    poucos.

    Cursei o primeiro ano primrio no Colgio Sagrada Famlia. Era um colgio

    administrado por padres e a nfase maior era na aprendizagem da matemtica e da

    leitura. Sentia enorme dificuldade em decorar a tabuada e uma vez fiquei de castigo

    na diretoria do colgio at conseguir decorar uma tabuada e apreender que a

    operao de multiplicar era parecida com a adio. Memorizava com facilidade as

    msicas e poesias e por esse fato era convidada a declamar nas datas

    comemorativas, bem como pela entonao da voz. Hoje, sinto ainda a influncia da

    poesia na minha formao e relembro uns versos que recitei no Dia das

    Professoras, que conclua assim: [...] mestre que posso ainda fazer? para ser

    mestre preciso crer, para ser mestre preciso acreditar, para ser mestre preciso

    amar. (Autor desconhecido). No livro do quinto ano primrio, mesmo tendo

    apropriando-me de todo o contedo conhecimentos gerais, postos no manual

    bsico para concorrer ao exame de admisso3, fui reprovada no Instituto Padre

    Miguelinho (instituio da rede pblica estadual), muito requisitada na poca pelo

    nvel de exigncia e de qualificao dos docentes, mas tambm caracterizada pelo

    carter seletivo excludente, gerado pelas circunstncias histrico-sociais e polticas,

    expresso de um contexto onde se destacava a seletividade do ensino. Mesmo com

    a mdia exigida por aquele exame, no tive acesso escola pblica porque outros

    estudantes obtiveram notas mais altas. Assim cursei o ginasial no Colgio Nossa

    Senhora das Neves CNSN, instituio particular, onde a maioria das professoras

    3 At o final da dcada de 1960, o ensino secundrio brasileiro foi constitudo, em cada momento

    histrico, predominantemente de exames parcelados, destinados a poucos privilegiados, na maioria dos casos, em cidades prsperas das regies do Pas. Aps a chamada Reforma Francisco Campos instituda a seriao para todo o curso secundrio oferecido no Pas. Institudo pela Lei Orgnica do Ensino Secundrio: Decreto-Lei 4.244 de 9 de abril de 1942 organizou o curso secundrio, composto de um primeiro ciclo, com quatro sries, denominado de Ginasial, e de um segundo ciclo, composto pelo curso Clssico ou Cientfico, para uma opo ou para outra, de trs sries. Para matricular-se no ensino secundrio, ou seja, para ingresso no curso ginasial, necessitava apresentar prova de que no portava doena contagiosa, apresentar atestado de vacinao. Em seu artigo 32, constava que o aluno deveria: a) ter pelo menos onze anos, completos ou por completar at o dia 30 de junho e ter recebido satisfatria educao primria; b) ter revelado, em exames de admisso, aptido intelectual para os estudos secundrios; e no captulo VI Dos exames de admisso a lei instrua que esses exames poderiam ser realizados em duas pocas, dezembro e fevereiro. Exigia nos artigos 31 e 32 (anteriormente citados) nos pargrafos 2 e 3, respectivamente, que em caso de o aluno no ser aprovado em primeira poca, o mesmo poderia inscrever-se na segunda poca, mas no podia, na mesma poca, repetir os exames em outros estabelecimentos. (OLIVEIRA, 1990).

  • 20

    eram as irms Filhas do Amor Divino. Para efetuar o pagamento das mensalidades

    meus pais precisaram redobrar o trabalho acordando pelas madrugadas para servir

    lanche aos feirantes e assim honrar o compromisso de pagar o Colgio em dia.

    Aprovada, no mesmo perodo, no exame de admisso no CNSN, l

    permaneci com sucesso at o 1 ano cientfico. Reconheo que uma escola bem

    estruturada, com limites de tempo, respeito pelas possibilidades e limites do outro,

    espao com acervo bibliogrfico para os estudos, a firmeza de propsitos (sem

    perder a ternura) at hoje foram elementos apreendidos nessa etapa da minha vida

    estudantil, com reflexos no meu percurso familiar e profissional. Sou uma boa leitora

    graas ao acesso dirio biblioteca daquele colgio, onde pude selecionar os livros,

    nos intervalos de aula e lev-los por emprstimo para ler em casa.

    Ao trmino do primeiro ano cientfico, casei-me, constitui uma famlia com

    quatro filhos, um terceiro ancoradouro. Assumi a responsabilidade de acompanhar o

    processo evolutivo dos mesmos, nas mltiplas dimenses, seguindo a sabedoria do

    meu pai que diz sempre: [...] a maior herana que deixei para os meus filhos foi o

    saber e este ningum tira.

    Sempre aspirando ampliar os conhecimentos, aps sete anos de interrupo

    dos estudos sistemticos tornei-me autodidata4, submetendo-me aos exames do

    Supletivo 2 grau e seis meses depois ingressei no Curso de Pedagogia, na

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

    Procurarei centrar-me, a partir de agora, nos limites desta narrativa, nas fases

    de minha vida acadmica que considero meu quarto porto, relevante para o meu

    desenvolvimento profissional e pessoal. [...] preciso que se perceba que nas

    mltiplas articulaes destas esferas que se coloca a totalidade da formao dos

    profissionais da educao. (ALVES, 1998, p.63).

    Ao escrever primeiramente em um caderno, descobri vrios (re)encontros:

    comigo mesma, com os/as ex-alunos/as, ex-professores, com os companheiros

    4 Ao analisar como me tornei autodidata, reconheo a importncia da autoformao no

    desenvolvimento profissional docente. A aprendizagem do adulto difere do aprender da criana. H um desejo que move o adulto para buscar novos conhecimentos e geralmente com objetivos definidos (implcitos ou explcitos). Marcelo Garca afirma que [...] ainda que os adultos aprendam (conhecimentos, competncias, atitudes e disposies) em situaes formais, parece ser atravs da aprendizagem autnoma que a aprendizagem do adulto se torna mais significativa. (GARCA, 1999, p.52). Diante desse entendimento, reporta-se a Merrian e Caffarella (1991, p.41) ao afirmarem que [...] a aprendizagem autnoma o modo como a maior parte dos adultos adquire novas idias, competncias e atitudes [...] devido ao fato de serem aqueles que aprendem quem tem a principal responsabilidade na planificao, desenvolvimento e avaliao das suas prprias experincias de aprendizagem.

  • 21

    educadores, com os ciclos de vida ressignificados, enfim, com interlocutores que

    compartilharam saberes em trs dcadas da minha vida profissional e pessoal.

    Nesse sentido, os registros revelam os progressos e reveses desse percurso, como

    ser histrico, poltico-social e idiossincrtico que constri conhecimentos, valores e

    posturas de forma interativa no meio cultural. Neles, percebo as influncias

    familiares, profissionais, culturais e acadmicas, os sentimentos de pertencimento a

    diversos grupos e movimentos sociais vivenciados em favor da incluso e sucesso

    escolar de todos, onde sempre procurei ocupar espaos de compartilhamento e

    envolvimento em aes comprometidas com as causas sociais e a promoo dos

    direitos humanos.

    Considero que os ancoradouros e mares navegados contriburam na minha

    formao, nas prticas cotidianas, no meu empenho, desempenho e nas minhas

    (re)descobertas existenciais, fundamentais no meu processo formativo contnuo.

    Nele vo se configurando e se constituindo a minha conscincia de mundo e o

    reconhecimento da importncia de um trabalho colaborativo e participativo, que visa

    contribuir com a humanizao da educao e da sociedade brasileira.

    Ao investigar como se constitui uma conscincia e suas manifestaes,

    identifiquei no Prefcio do livro do mestre Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido, a

    seguinte afirmao do professor Ernani Maria Fiore: [...] a conscincia emerge no

    mundo vivido, objetiva-o, problematiza-o, compreende-o como projeto humano. [...]

    essa misteriosa e contraditria capacidade que tem o homem de distanciar-se das

    coisas para faz-las presentes, imediatamente presentes. (FREIRE, 1987, p.14).

    Revelam-me essas palavras o meu assumir consciente, a postura avaliativa, os

    processos interativos, colaborativos e as problematizaes que emergem desse

    processo, presentes nas minhas aulas nos ltimos anos.

    Acredito que todos podem contribuir na re-elaborao do mundo,

    transformando-o e contrariando o que afirmam os grupos hegemnicos que cada

    um tem o que merece!. necessria a relativizao dessa viso meritocrtica, pois

    o mundo que humanizado pela maioria dos homens, no os humaniza. As mos

    que o fazem no so as que o dominam. Esse pensamento ilustrado pela msica

    popular brasileira, interpretada por Z Ramalho e por Z Geraldo, denominada

    Cidado, especialmente no verso que diz:

  • 22

    T vendo aquele colgio moo, eu tambm trabalhei l, l eu quase me arrebento, pus a massa, fiz cimento, ajudei a rebocar. Minha filha inocente vem pra mim toda contente: - Pai vou me matricular. Mas me chega um cidado: - criana de p no cho, aqui no pode estudar [...]. (RAMALHO NETO, 2005).

    Reflexes que encorajam qualquer um/a a tomar as rdeas de sua vida e

    decidir registr-las. Reporto-me conscientizao no como fanatismo, mas como

    uma necessidade que possibilita ao homem inserir-se efetivamente no processo

    histrico e social da humanidade e dele participar. Procuro desse modo assumir o

    timo do barco5 e navegar em algumas fases de minha vida, ancorando em dois

    novos portos: o primeiro denomino Trajetria como professora: primeiras incurses.

    O segundo, Os processos investigativos na formao docente: identificando as

    primeiras coordenadas.

    Tomo como referncia nesta parte do estudo a Temporalidade de Formao,

    defendida por Pineau (2003, p.13) [...] o aprendizado da vida, sem dvida, no

    acontece sem o aprendizado dos contratempos, condio importante para o acesso

    sua realidade dialtica, seu devir, sua formao permanente.

    sobre esse aprendizado na vida e com a vida que registro os momentos

    considerados formativos, na tentativa de ressignific-los. Utilizo, ainda, como aporte

    terico, os postulados de histrias de vida em Pineau (2003, 2006), Josso (2004),

    Passeggi (2003, 2006), dentre outros estudiosos que trabalham com histrias de

    vida, desde 1980, ampliando diuturnamente seus estudos, na perspectiva de

    pesquisa e formao no campo da profisso docente. Corrente que se inscreve em

    um movimento biorreflexivo, possibilita a construo de novos espaos conceituais e

    aos sujeitos apropriarem-se do poder de refletir sobre as suas vidas, projetar e agir

    conscientemente.

    Ento, procuro refletir sobre a minha formao inicial e o meu

    desenvolvimento profissional como docente, buscando na minha vida acadmica as

    experincias e as influncias na minha prtica pedaggica, com os seus sentidos.

    Processos formativos que ocorreram e ocorrem em um contexto concreto - em

    Natal/RN, no Nordeste brasileiro espao onde o ensino e a aprendizagem foram

    sendo configurados segundo caractersticas especficas, que merecem ser

    analisadas em razo do contexto educacional e poltico-social em que se situam.

    5 Expresso que associei, metaforicamente, direo dada pesquisa ora relatada, pois timo o

    leme que o timoneiro segura para controlar o rumo do barco. O leme o componente responsvel pela manobra da embarcao. (DICIONRIO NUTICO, 2009).

  • 23

    Para alm dessa perspectiva, enfatizo a necessidade do desenvolvimento

    profissional docente, fundamental ao exerccio docente, levando em conta os

    desafios do sculo XXI, tendo como referncias bsicas os estudos desenvolvidos

    por Nvoa (1991, 1992a, 1992b), Gauthier et al (1998), Garca (1999), Ramalho,

    Nuez e Gauthier (2003), dentre outros que consideram a formao como um dos

    instrumentos mais potentes para democratizar o acesso das pessoas cultura,

    informao e ao trabalho.

    Do exposto, posso dizer que analisarei a minha trajetria de vida acadmico-

    profissional nos portos j anunciados, como aprendiz e docente, compartilhada na

    prpria prtica pedaggica cotidiana com os meus pares e na perspectiva do

    desenvolvimento profissional com o outro e para o outro. Como estratgia, escolhi o

    mergulho nas histrias de vida na formao de professores, com o intuito de refletir

    em torno das seguintes questes: Por que importante o(a) professor(a) elaborar

    registros sobre a sua prpria vida, como aprendiz permanente e como docente? Que

    elementos evocados nas narrativas podem contribuir na construo de uma postura

    investigativa e avaliativa comprometida com a melhoria do desempenho dos

    estudantes? Esses questionamentos no sero respondidos neste trabalho. So

    reflexes que contribuem para eu rememorar fatos e vivncias, dar sentido s

    minhas experincias e aes formativas, perante o mundo e a outros seres

    humanos, processo efetivamente educativo.

    1.1 TRAJETRIA COMO PROFESSORA: PRIMEIRAS INCURSES

    [...] a renovao dos estoques mentais e culturais no passa apenas pela incorporao do novo, ou talvez no se detenha nela. Ela requer igualmente a transformao do familiar, sua transposio para novos quadros, em readequao ao presente, quando preciso tornar inditos estranhar elementos at ento familiares. [...] a busca do novo que reordenar o familiar, mesmo que isto signifique desorden-lo, num primeiro momento.

    (ngela Arruda)

    Nas relaes sociais e de interioridade (como pessoa, profissional, ser

    poltico scio-histrico e cultural), como o timoneiro de um barco, identifico nas

  • 24

    cartas nuticas e experincias formativas os rumos que devem ser seguidos,

    reconheo a importncia dos saberes apropriados e dos determinantes que

    influenciam os percursos. Nessa direo, as narrativas tornam-se mais uma

    reinterpretao que um relato. Percebo acontecimentos que possuam um

    significado no momento em que foram vivenciados e que hoje servem como

    coordenadas para alcanar novos horizontes.

    Dentre os faris que sinalizam os rumos a ser tomados, rememoro a minha

    primeira experincia como professora, em maro de 1979, na Escola Estadual

    Presidente Kennedy. Instituio considerada modelo de formao para os

    professores que lecionavam na pr-escola e nas sries iniciais do primeiro grau.

    Tive como parmetro bsico os bons professores, especialmente os que impuseram

    lies de civilidade como: saber ouvir (no sentido de silenciar quando o mestre

    falava ou um colega de turma); responsabilidade; pontualidade e assiduidade;

    amorosidade; e domnio do contedo.

    Fui indicada pelas minhas professoras para o ingresso no quadro do

    magistrio quando ainda estudante do Curso de Pedagogia, na UFRN, um dos

    critrios utilizados pela Escola na poca. Momento em que a Lei de Diretrizes e

    Bases LDB n 5692/71 regulamentava a educao em todo o territrio nacional e

    definia a formao mnima para o exerccio do magistrio, conforme o Captulo V,

    artigos 29 a 40. A poltica educacional brasileira influenciada pela tecnocracia,

    gestada no Ministrio de Planejamento pelos militares, tinha a finalidade de manter

    a ordem, garantir a paz social e assegurar a acelerao do desenvolvimento

    econmico e do progresso social. Dessa forma, os princpios da racionalidade,

    eficincia e produtividade eram transferidos da economia para a educao, com

    todos os equvocos e reducionismos possveis, tiveram reflexos na minha formao

    inicial e continuada, nesse perodo. Formao docente perpassada por um iderio

    tecnicista com uma viso puramente instrumental e pretensamente neutra tinha

    como referncia a coerncia interna, sem considerar o contexto histrico das

    produes cientficas, os estudos desenvolvidos pelos profissionais em seu

    cotidiano, a especificidade da educao escolar e suas implicaes. Poucas eram as

    professoras e professores, no Curso de Pedagogia da UFRN, que utilizavam

    abordagens libertadoras e me apresentaram o mestre Paulo Freire, como a

  • 25

    professora MS.c6 Leda Nunes, o professor MS.c Paulo de Tarso, a professora MS.c

    Dione Violeta, Dra. Neide Varela, dentre outros presentes nesse processo.

    Os efeitos da LDB 5692/71 contriburam para que o antigo Curso Normal

    cedesse lugar a uma Habilitao Bsica HB, em nvel de 2 Grau, entre as muitas

    disponveis no mbito de uma profissionalizao universal e compulsria para esse

    nvel de ensino. Assim, a HB em magistrio no oferecia os fundamentos

    necessrios ao exerccio da docncia, numa perspectiva emancipatria de ensino e

    nem os conhecimentos necessrios para o acesso dos estudantes ao terceiro grau.

    A dimenso institucional e a fora da LDB, em vigor, como maremotos7

    arrastaram os institutos de educao que aos poucos deixaram de existir; e a

    formao de professores para ministrar aulas, agora uma habilitao, tornou-se

    restrita aos pedagogos, que centravam suas prticas ao como ensinar nas sries

    iniciais do 1 grau, em detrimento do para qu ensinar e aprender. Nesse cenrio,

    como concluinte do Curso de Pedagogia, assumi no Kennedy trs disciplinas no

    Curso de Magistrio: Didtica Geral, Biologia Educacional e Psicologia Educacional.

    Sob a orientao da supervisora pedaggica Maria do Socorro Freire, iniciei

    as atividades em cada uma das quatro turmas, fazendo o teste de sondagem com as

    alunas. O teste visava identificar os conhecimentos prvios das estudantes, de modo

    a adequar o plano de ensino, elaborado na Secretaria de Estado da Educao, da

    Cultura e dos Desportos do Rio Grande do Norte SECD/RN8. Havia, dessa forma,

    uma dicotomia entre quem planejava os programas do Curso e quem os executava,

    em nvel escolar. Os contedos eram transmitidos de forma explicativa, o que exigia

    o domnio das teorias, com o apoio dos livros,9 organizados por Piletti (1975) e Turra

    et al (1975). Assim prevalecia o qu e o como ensinar importantes na relao

    contedo e mtodo.

    6 MS.c a abreviatura Master of Sciense utilizada para designar a titulao das pessoas que

    concluram o curso de ps-graduao em nvel de mestrado. 7 O maremoto uma espcie de terremoto que ocorre na superfcie da terra coberta pelas guas de

    mares e oceanos. Pode ser provocado por um deslocamento de placas tectnicas ou outro tipo de abalo ssmico. A energia liberada no abalo ssmico forma ondas gigantes (at 30 metros) e at tsunamis. So extremamente perigosos para embarcaes em funo da alta agitao que ocorre nas guas dos mares ou oceanos afetados. Tambm podem provocar destruio em cidades litorneas situadas prximas ao epicentro do abalo ssmico. 8 Esta denominao dada pela Lei Complementar Estadual n 163 de 5/2/1999 foi alterada pela Lei

    Complementar Estadual n 340 de 31/01/2007 que passou a ser denominada Secretaria de Estado da Educao e da Cultura (SEEC), transferindo os desportos para outra pasta. 9 Os livros so importantssimos em minha vida, ferramenta bsica para estabelecer a unidade

    indissolvel teoria e prtica, em uma perspectiva crtica.

  • 26

    Analisando a minha prtica docente inicial, identifico fortes traos da

    tendncia tradicional, reflexos das situaes formativas vivenciadas. Pretendia

    desenvolver a arte de ensinar tudo a todos preconizada por Comenius (2006, p.9)

    que explicita em sua obra A Didtica Magna o que significa ensinar [...] com solidez,

    segurana e prazer. O seu conceito de educar, no sentido de ocupar a alma com

    coisas teis e no com contedos vs, levava-me a alguns impasses quando ainda

    no sabia distinguir o que seria til na formao dos futuros professores do primeiro

    grau10.

    Assim eu primava para dar a melhor aula possvel, revisando e ensaiando

    previamente a forma/ o como11 iria apresentar os contedos aos alunos/as, dando

    mais nfase metodologia. Geralmente recorria a esquemas explicativos com base

    em livros tcnicos, apresentados em cartazes, lbum seriado e/ou no quadro de giz.

    Nesse modelo, o professor reconhecido como um executor/reprodutor e consumidor de saberes profissionais produzidos pelos especialistas das reas cientficas, sendo, portanto, o seu papel no processo de construo minimizado, uma vez que ele ocupa um nvel inferior na hierarquia que estratifica a profisso docente. (RAMALHO; NUEZ; GAUTHIER, 2003, p.21).

    A participao nos estudos coletivos realizados na Escola, aos sbados, a

    participao nos treinamentos promovidos pela SECD/RN e as consultas aos

    manuais orientadores da poca contribuam para eu assumir princpios pedaggicos

    assentados na pedagogia tecnicista. Importantes na poca e necessrios enquanto

    conhecimentos instrumentais, meios para assumir posteriormente uma prtica

    pedaggica mais consciente. As crticas racionalidade instrumental na formao

    docente, utilizadas como fim em si mesmo, impulsionaram debates e produes no

    meio acadmico.

    Destaco como decorrncia desse movimento, o Projeto O Ensino da

    Didtica na UFRN e nos Cursos de Magistrio: uma proposta de atualizao.

    Planejado, desenvolvido e acompanhado por uma equipe de professores do

    Departamento de Educao, no perodo 1987 a 1989, contribuiu com a reviso

    10

    Apesar dessas indefinies terico-metodolgicas eu tinha saberes sobre o que ser um bom professor. Trazia a imagem dos professores/as, significativas em minha vida, aqueles exemplos que contriburam em minha formao humana que favoreceram o compromisso com a aprendizagem de todos/as os/as meus/minhas alunos/as. 11

    A discusso de como fazer alguma coisa desligada de o que fazer, para que e para quem conduz a um equvoco terico-prtico grande, pois os estudantes (futuros professores) poderiam aprender o caminho que conduziria a algum lugar, sem saber para onde ir.

  • 27

    crtica dos contedos curriculares das disciplinas consideradas instrumentais

    (Didtica Geral, Metodologia, Prtica de Ensino). Inicialmente coordenado pela

    Professora MS.c Celina Santa Rosa teve a sua continuidade sob a coordenao da

    Dra. Marta Maria de Arajo. Participei do referido Projeto no perodo abril/91 a

    dezembro/92 que culminou com um Curso de Extenso, com uma carga horria de

    360 horas, proporcionando aos participantes a descoberta das limitaes e novos

    caminhos terico-metodolgicos, na perspectiva Histrico-Crtica12.

    Momento em que criticvamos tudo, mas no assumamos uma postura

    propositiva e qualquer proposta oficial, mesmo sendo apresentada por grupos de

    estudos compostos por educadores progressistas e comprometidos com a melhoria

    da formao docente, era combatida. O Curso contribuiu para a reflexo sobre as

    ligaes entre o qu, para qu, para quem, como fazer, na unidade dialtica

    teoria e prtica, enfim, superar a fragmentao de atividades didtico-pedaggicas,

    como se estas no compusessem um todo orgnico. As dificuldades e as

    possibilidades docentes eram problematizadas e postas em discusso, mediante

    leituras recomendadas nas reflexes em torno das temticas e em exposies

    pertinentes, assumindo uma dimenso poltica.

    Esses relatos tornaram-se possveis pelos registros em meus cadernos e na

    memria corporificada, vivida. Nessa linha de entendimento, Barbosa e Passeggi

    (2006) recorrem a Pineau (2003) o qual considera que: a prtica das histrias de

    vida permite a reordenao pessoal do tempo, o estabelecimento de uma coerncia

    12

    A Pedagogia Histrico - Critica, perspectiva terica adotada neste trabalho, considera o homem como sujeito das relaes sociais e a sua formao tida como um processo histrico, dinmico que lhe possibilita apropriar-se da realidade e a constri de acordo com o seu sistema de significao pessoal (sentido) e social (significado), processo indissocivel. Considera os professores como profissionais da educao, intelectuais necessrios construo de um projeto social emancipador que oferece as condies necessrias educao bem sucedida de crianas, jovens e adultos. As discusses iniciais dessa Pedagogia comearam a ser delineadas no livro Escola e Democracia, quando Dermeval Saviani prope uma nova teoria crtica de educao, na busca de respostas pergunta: possvel encarar a escola como uma realidade histrica, isto , suscetvel de ser transformada intencionalmente pela ao humana? (SAVIANI, 2001b). Como uma tendncia pedaggica derivada da teoria dialtica do conhecimento deve ser assumida enquanto totalidade, ou seja, trabalhada com conhecimentos humanos, tcnicos, cientficos e polticos em prol de uma sociedade comprometida com a emancipao econmica, poltica e social de sua coletividade. Tendncia pedaggica que vem sendo elaborada progressivamente por educadores como Libneo (1994, 2004) e assume nomes como Pedagogia histrico-cultural, scio-histrica, rumo ao que Marx defendia que era [...] denunciar as desigualdades sociais contra a falsa idia de igualdade poltica e jurdica proclamada pelos liberais. (apud COSTA, 2005, p. 114) e viabilizar a educao [...] como prtica cultural intencional de produo e internalizao de significados para, de certa forma, promover o desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos indivduos. [...] a razo pedaggica est tambm associada, inerentemente, a um valor intrnseco que a formao humana, visando a ajudar os outros a se educarem, a serem pessoas dignas, justas, cultas, aptas a participar ativa e criticamente na vida social, poltica, profissional, cultural. (LIBNEO, 2004, p.1).

  • 28

    especfica dos acontecimentos e espaos que marcaram a profissionalizao.

    Barbosa e Passeggi (2006, p.81). Assim, cada momento vivenciado e recordado

    adquire o seu sentido de acordo como a pessoa a representa para si mesmo e

    tambm exterioriza. Os sentidos que damos nossa autobiografia, nossa trajetria

    projetam-se no dever ser e na relao com o outro. As autoras prosseguem

    (BARBOSA; PASSEGI, 2006, p. 90) destacando um pensamento de Delory-

    Momberger (2000) ao mostrar que:

    A histria de vida na formao no prioritariamente um instrumento do passado, nem mesmo do modo como o narrador representa sua vida. [...] um objeto construdo que tira sua realidade de sua prpria existncia. [...] e oferece, em compensao, um quadro metodolgico e experimental para pensar o modo como o sujeito se reconstri como projeto.

    Reflexo que remete minha experincia como vice-diretora da Escola

    Estadual Francisco Ivo Cavalcante Ensino de 2 grau, seguida da experincia

    como gestora da Escola Estadual Edgar Barbosa Ensino de 2 grau. (EEEB)

    Fui vice-diretora por um ano no perodo em que os dirigentes escolares eram

    escolhidos pelos polticos e/ou indicados pela SECD/RN). Momento histrico em que

    o governador era binico, ou seja, indicado pelo governo militar, incio da dcada de

    80, do sculo passado. A diretora era sobrinha de um deputado federal e fui indicada

    pela ex/ professora Dione Violeta, coordenadora da Coordenadoria de Educao

    (COED/SECD) que havia me apresentado livros, numa tendncia histrico-crtica

    como Uma escola para o povo de Maria Teresa Nildecoff e Lies do prncipe e

    outras lies de Neidson Rodrigues.

    A formao e experincia da diretora da EEFIC eram fundamentadas numa

    administrao centralizadora de carter burocrtico, controlador, permeada de

    princpios tayloristas, que se chocaram com os encaminhamentos e comunicaes

    horizontais dados por mim numa tendncia ao compartilhamento e trabalho em

    equipe, no sentido de relacionar a teoria com a prtica, como professor povo. No

    aceitando reduzir as minhas funes como administradora escolar ao mero

    gerenciamento de recursos humanos e materiais e sim articular os vrios segmentos

    escolares e coordenar situaes propcias aprendizagem de todos fui devolvida ao

    1 Ncleo Regional de Ensino (I NURE). Ao tomar conhecimento do meu desejo de

    retornar sala de aula, a professora Dione aconselhou-me a no retornar ao

    Kennedy (conforme eu manifestara o desejo) e indicou-me como diretora da EEEB.

  • 29

    Por quatro anos, vivenciamos planejamentos aos sbados, tivemos o

    acompanhamento dos professores Antnio Cabral e Rosrio Cabral que

    monitoraram a elaborao do Projeto Pedaggico da escola, construdo

    coletivamente. Contvamos com a colaborao da equipe pedaggica constituda

    pelas professoras Maria Abigail Azevedo, Mrcia Maria Gurgel, Leila Oliveira Dantas,

    dentre outras que dinamizavam o planejamento participativo, a biblioteca e os

    movimentos de lideranas estudantis. Em substituio ao toque estridente da sirene,

    a cada semana uma turma assumia o alerta do tempo e espao dos horrios de aula

    com as suas produes culturais que culminaram com a formao de grupos

    culturais, musicais e o Jornal Sentinela. Ao trmino do quarto ano de gesto

    compartilhada (colegiada) tive meu terceiro filho e no retorno da licena gestante

    retomei a sala de aula, por no necessitar de uma dedicao exclusiva em trs

    expedientes. E foi na Escola Estadual Presidente Kennedy que, por mais duas

    dcadas vivenciei a funo com a qual me identifico mais: professora de

    professores/as.

    Registro a seguir os primeiros passos definidores dos processos

    investigativos, reconhecendo a importncia dos instrumentos de navegao, as

    coordenadas o as evidncias que nos permitem refletir sobre as mudanas que

    devem ser estimuladas e os rumos para uma formao que beneficie o conjunto de

    professores e estudantes. Tais processos desenvolvi na continuidade de estudos,

    em nvel institucional e na Ps-Graduao na UFRN.

    1.2 OS PROCESSOS INVESTIGATIVOS NA FORMAO DOCENTE: AS

    PRIMEIRAS COORDENADAS

    Fala-se hoje, com insistncia, no professor pesquisador. No meu entender o que h de pesquisador no professor no uma qualidade ou uma forma de ser ou de atuar que se acrescente de ensinar. Faz parte da natureza da prtica docente a indagao, a busca, a pesquisa. O de que se precisa que, em sua formao permanente, o professor se perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador.

    (Paulo Freire)

  • 30

    A conscincia que nenhuma teoria esgota a complexidade do real e as

    motivaes decorrentes da minha vivncia formativa contriburam para eu frequentar

    um Curso de Especializao em Administrao Escolar, oferecido pela UFRN.

    Frequentei o Curso, no perodo de 1992 a 1994, com uma carga horria de

    765 horas. Tive o privilgio de ter como professoras: Dra. Maria Luiza Ribeiro, Dra.

    Maria Doninha, MS.c Ana Lourdes Menezes Magalhes, MS.c Maria do Socorro de

    A. Borba, Dra. Roslia de Ftima e Silva e Dra. Jomria de M. Alloufa. Esta orientou

    o trabalho monogrfico. Todas nos motivaram a estabelecer relao dos contedos

    abordados nos componentes curriculares do Curso com o objeto de estudo

    selecionado e a assumir atitudes cientficas na prtica docente.

    Desenvolvi uma investigao em duas escolas pblicas, uma municipal e

    outra estadual, durante um semestre, cujo ttulo Prtica pedaggica X Formao

    docente (GADELHA, 2003).

    Como professora da disciplina Prtica de Ensino, acompanhando

    sistematicamente o estgio supervisionado, levantava a hiptese que a formao

    permanente dos professores seria um dos fatores que contribui para o

    aperfeioamento do fazer pedaggico do prprio professor. A reviso bibliogrfica,

    presente em todas as etapas de pesquisa permitiu ampliar a minha viso de

    docncia, conforme a anlise posterior. A investigao procurou responder as

    seguintes questes: o professor das sries iniciais do 1 grau que possui curso de

    licenciatura plena apresenta uma prtica pedaggica mais competente que o

    professor egresso do 2 grau habilitao magistrio? Que determinante (s)

    contribui (em) para a melhoria da prtica pedaggica?

    Assim, o objeto de estudo foi a prtica docente dos professores das sries

    iniciais do Ensino Fundamental, estabelecendo uma relao com as formaes

    acadmicas dos mesmos. O primeiro grupo de sujeitos possua o Curso Magistrio,

    em nvel de segundo grau e o segundo grupo o Curso de Pedagogia, nas duas

    escolas investigadas. A anlise dos dados revelou que a formao inicial, tanto em

    nvel mdio, como em nvel de terceiro grau, no determinante para uma prtica

    pedaggica transformadora, consciente e consistente e nem para a oferta de um

    ensino de qualidade.

    Revelou ainda a existncia de outros determinantes que contribuem para o

    sucesso da prtica pedaggica e para o xito na aprendizagem de todos, dentre

    eles, a formao continuada dos professores, que, mesmo no sendo os nicos

  • 31

    atores dos quais depende o sucesso na aprendizagem dos alunos, preciso admitir,

    so reconhecidamente essenciais [...] dentro desses processos de inovao

    educativa, como produtores de saberes, razo pela qual ns reconhecemos que o

    docente faz a diferena. (RAMALHO; NUEZ; GAUTHIER, 2003, p.19). Nessa

    direo preciso formar o professor, na perspectiva de seu desenvolvimento

    profissional, em suas mltiplas dimenses, superando o modelo formativo

    hegemnico, tendo em vista uma prtica docente consciente e transformadora.

    A conscientizao aqui entendida como a capacidade que tem o homem

    de distanciar-se das coisas para presentific-las e melhor compreend-las. Freire

    (1987) evidencia a importncia do compromisso e da deciso em colaborar na

    construo do mundo comum, humanizado, por meio de uma atitude dialgica que

    pressupe o reconhecimento do outro, em suas potencialidades e possibilidades e o

    reconhecimento de si, no outro. Define o mundo comum como lugar de encontros,

    de descobertas e redescobertas de sujeitos, em todo o processo histrico da cultura.

    Outra experincia que merece registro no processo de formar-me

    pesquisadora foi uma investigao vivenciada, em grupo, com colegas no Seminrio

    Saberes e Profisso Docente do Ncleo de Estudos e Pesquisas em Educao

    Bsica do Departamento de Educao, coordenada pelos professores Dr. Isauro

    Nuez Beltran e Dra. Betnia Ramalho, no segundo semestre de 1996. Cursava

    essa disciplina como mestranda. Procurvamos identificar os motivos que levavam

    os professores e professoras de primeira a quarta srie do Ensino Fundamental a

    frequentarem um curso de Pedagogia, com vrios anos de experincia no

    magistrio. O objetivo bsico foi constatar se os saberes disciplinares e curriculares

    constituam-se ou no problema para o seu agir profissional, tomando como base as

    suas formaes para a docncia, em nvel de segundo grau. O estudo caracterizou-

    se como exploratrio e descritivo desenvolvido em uma abordagem quanti-

    qualitativa. O instrumento de coleta de dados constou de um questionrio do tipo

    misto, adequado natureza da problemtica do trabalho, que foi respondido por

    vinte professores que cursavam Pedagogia no Instituto de Formao de Professores

    Presidente Kennedy IFP, no ano de 1997. A anlise dos dados permitiu-nos

    identificar que os saberes disciplinares e curriculares constituam problemas para os

    professores investigados que buscaram, no Curso, superar as suas deficincias.

    Nessa direo sugeriram que as agncias formadoras e empregadoras investissem

    em formaes contnuas e em servio, visando formao global da pessoa, alm

  • 32

    da dimenso profissional. A comunicao oral foi apresentada no XIII Encontro de

    Pesquisa Educacional do Nordeste XIII EPEN, em 1997, realizado em Natal/RN.

    Experincias dessa natureza levaram-me a dar voz e vez aos professores

    nas minhas pesquisas, considerando a parcela significativa de contribuio que

    esses atores sociais vm ofertando, direta ou indiretamente, nas pesquisas e nas

    necessrias transformaes educacionais no sculo XXI onde a diversidade tnica,

    cultural e social assume dimenses nunca vistas e o desenvolvimento da tecnologia

    revoluciona os processos de trabalho e as formas de gesto escolar.

    Diante da anlise atual, os dados apresentados no meu primeiro trabalho

    monogrfico revelam que as representaes sociais de prtica docente estavam

    permeadas de um iderio pedaggico tecnicista, presente na minha formao e nos

    primeiros anos de docncia. A afirmativa vai ao encontro do que assegura Moscovici

    (1978) sobre a representao social: funciona como uma antropologia do mundo

    contemporneo, lida com as formas como os grupos atribuem sentido ao real,

    elaborando-o e explicando-o para si mesmos, para se comunicarem e agirem no dia

    a dia.

    Entretanto, considero que os estudos e leituras compartilhadas, a relao

    teoria e prtica, permitiram uma transio da representao da prtica docente na

    perspectiva tecnicista para uma viso mais ampla de ensino, numa tendncia

    pedaggica histrico-cultural. Ao confrontar a hiptese inicial com as consideraes

    finais, no trabalho monogrfico, retomei as reflexes sobre a natureza

    multidimensional do ato educativo, apresentando as indicaes dos participantes da

    pesquisa e a necessidade da formao permanente que deve sinalizar para o

    saber, saber ser e saber fazer docente que contribua para a superao dos atuais

    nveis de ineficincia do sistema educacional. (GADELHA, 1993).

    A experincia, acima relatada, foi uma motivao para eu dar continuidade

    aos estudos. Nessa direo, cursei disciplinas, como aluna especial no mestrado em

    educao, pela necessidade sentida em aprofundar os conhecimentos, como

    professora de Psicologia Educacional, no Curso de Pedagogia do Instituto de

    Formao de Professores Presidente Kennedy - IFP. A transformao da Escola

    Estadual Presidente Kennedy em IFP, estava ocorrendo com o assessoramento do

    professor Michel Brault, representante do governo francs, com o objetivo de formar

    professores para o Ensino Fundamental e Pr-escolar. Teve, desse modo, como

    primeira misso realizar um curso de Licenciatura em Pedagogia, Habilitao em

  • 33

    Magistrio, em convnio com a Universidade Estadual do Rio Grande do Norte

    (UERN).

    Nesta poca, fui aprovada em um processo seletivo para lecionar a

    disciplina Psicologia da Infncia e Adolescncia, que teve como critrios:

    disponibilidade para exercer a docncia em dois turnos; anlise do Curriculum Vitae;

    entrevista, com base no perfil do professor formador; e a participao em um ciclo

    de estudos realizado em um perodo de seis meses, com a professora MS.c Maria

    Iolanda, da UFRN, tendo como base a abordagem gentica de Piaget e a

    perspectiva scio-histrica de Vygotsky (1998, 1991). O ciclo de estudos

    intencionava uma espcie de nivelamento e processo seletivo para docentes, em

    nvel de ensino superior, culminando com a elaborao de um projeto para o

    desenvolvimento de uma pesquisa em duas escolas e um projeto de trabalho para o

    desenvolvimento da referida disciplina.

    Participei de momentos formativos com os meus pares, com a mediao do

    professor Michel Brault, mas sentia certa inquietao e incompletude. Concordo com

    o mestre Paulo Freire, ao afirmar que o investimento no processo autoformativo

    assume um diferencial, por levar a conscincia do inacabamento, pois na medida em

    que o/a professor/a torna-se consciente do seu papel, amplia o seu olhar [...]

    captador, apreendedor, transformador, criador de beleza e no espao vazio a ser

    enchido por contedos. (FREIRE, 1996, p.51).

    Nesse caminho, integrei um grupo de estudos, no IFP, coordenado pelo

    professor Dr. Moiss Domingos Sobrinho, tendo como referencial bsico a Teoria

    das Representaes Sociais - TRS, originalmente desenvolvida por Serge Moscovici

    em sua obra A representao social da psicanlise (1978). Versa sobre as

    representaes sociais da psicanlise construdas pelos parisienses na dcada de

    1950. Define os parmetros de uma anlise cientfica do senso comum atribuindo

    uma lgica a esse tipo de conhecimento na contemporaneidade, no mais visto

    como algo catico e fragmentado. A esse respeito tivemos acesso s proposies

    de Denise Jodelet, pesquisadora que corrobora esse pensamento afirmando:

  • 34

    Se ns queremos fazer a cincia dos fenmenos mentais nas sociedades, necessrio identificar o conhecimento produzido em comum e reconhecer a legitimidade de suas propriedades relativas teoria. No se deve denegri-lo enquanto popular, pr-cientfico, pois longe de ser uma pura e simples imagem desprovida de funo, ele joga um papel essencial contribuindo para determinar o gnero de argumentos e de explicaes que ns aceitamos. (JODELET, 1989, p. 14)

    A autora nos inspira a estabelecermos relaes das representaes sociais

    com as ondas do mar, em sua dinamicidade e em conformidade com os ventos e os

    movimentos de rotao e translao terrestres. As representaes se movimentam e

    se recompem, revelando uma plasticidade que a TRS ainda no explorou

    suficientemente.

    A Teoria apresenta-se como uma nova perspectiva de estudo dos fenmenos

    sociais, sendo o principal farol que ilumina e valoriza o carter processual do

    conhecimento, histrica e culturalmente produzido na rede de relaes sociais onde

    vivem os indivduos, redefine os conceitos da Psicologia Social, numa abordagem

    psicossocial, superando, portanto, os reducionismos das tendncias psicologizantes

    e/ou sociologizantes.

    As representaes sociais so conhecimentos que no se caracterizam por

    uma contraposio ao saber cientfico. Diferenciam-se dos mesmos pelos modos de

    elaborao e funo a que se destinam e pela sua especificidade. Como afirma

    Moscovici (2003, p. 94-95, grifo do autor):

    [...] durante o processo de transformao que os fenmenos so mais facilmente percebidos. Por isso nos concentramos na emergncia das representaes sociais, provenham elas de teorias cientficas seguindo suas metamorfoses dentro de uma sociedade e a maneira como elas renovam o senso comum ou originem-se de acontecimentos correntes, experincias e conhecimento objetivo que um grupo tem de enfrentar a fim de constituir e controlar seu prprio mundo.

    Essas consideraes iniciais estiveram presentes no Grupo de Estudo,

    coordenado pelo professor Dr. Moiss Domingos Sobrinho e subsidiaram as

    definies para a pesquisa Formao de Professores: uma avaliao psicossocial,

    concluda em 1997 no Curso de mestrado13. O interesse pela temtica surgiu

    durante o acompanhamento sistemtico s prticas dos professores-alunos, nas

    13

    Orientada pelo Dr. Moiss Domingos Sobrinho nos trs primeiros semestres e concluda sob a orientao Dra. Margot Campos Madeira (GADELHA, 1997).

  • 35

    observaes em sala de aula e nas redaes dos memoriais produzidos pelos

    concluintes, no IFP. Momentos em que eu identificava a criao, gradual, de ncleos

    de estabilidade e maneiras habituais de desenvolverem aes, perpassadas por

    muito entusiasmo. Ao escreverem os memoriais de formao, no ltimo perodo do

    Curso os (as) alunos (as) atribuam ao Curso as mudanas qualitativas no ensino e

    na aprendizagem de seus alunos, nas sries iniciais do Ensino Fundamental. Optei,

    ento, por apreender as articulaes que 20 egressos do Curso estabeleciam entre

    os princpios presentes na Proposta Pedaggica do Curso, o processo formativo e

    sua atuao, enquanto docentes, tendo como suporte terico a TRS.

    Estabeleci um critrio de contraste, nesse grupo, aps seis meses de

    concluso do Curso: alguma forma de continuidade de estudos pelos sujeitos.

    Critrio julgado importante para a seleo dos participantes da investigao, haja

    vista o processo de formao encetado ter como um dos objetivos despertar o

    formando para investir, permanentemente, no mesmo. Por esse critrio, a

    composio da populao dessa pesquisa considerou a existncia de trs grupos de

    sujeitos, constituindo um Grupo Metodologicamente Representativo (GMR): o

    primeiro composto por aqueles que concluram o Curso e optaram pela formao

    continuada oferecida no IFP (atravs de minicursos e oficinas pedaggicas); o

    segundo grupo, caracterizado por no haver participado de nenhum programa de

    formao; e o terceiro grupo que estava cursando outras graduaes.

    Os sujeitos da pesquisa lecionavam em escolas estaduais ou municipais, na

    rede pblica em Natal. Era invariante, nos seus discursos que haviam aprendido

    muito. A anlise dos dados permitiu identificar trs vertentes, atravs das quais

    essa aprendizagem assumia gradual concreticidade, indicando os polos subjacentes

    a esse aprender que se refletiam, segundo os sujeitos, na modificao de suas

    atitudes: o sujeito frente a si prprio; o sujeito frente ao aluno e o sujeito frente sua

    prpria atividade profissional.

    No conjunto da nova representao de si professor e de si aluno perpassava

    a renovao da prtica, haja vista que a representao no uma abstrao, mas

    um esforo do sujeito que conhece e descobre formas de se comunicar e de agir.

    (GADELHA, 1997).

    Nas entrevistas gravadas e posteriormente transcritas, assim como nos

    momentos de conversas informais (registradas em dirio de campo), os professores

    verbalizavam o desejo de formarem grupos de estudo na escola, pela necessidade

  • 36

    de sistematizarem as suas prticas. Afirmavam que desistiam pela apatia e

    pessimismo de alguns colegas que, segundo eles, conseguiam contagiar os demais.

    A anlise dos resultados da pesquisa permitiu reiterar a importncia da

    formao continuada que possibilita ao docente tornar-se sujeito ativo e autnomo

    de sua prtica.

    O reconhecimento da importncia de atividades formativas e cooperativas fez-

    me vivenciar uma experincia em formao continuada na Escola Municipal Antnio

    Campos e Silva. Coordenada pelo Instituto de Desenvolvimento de Educao - IDE,

    o Projeto Ide Cidadania teve como parceiros: a Prefeitura Municipal de Natal -

    PMN, por meio da Secretaria Municipal de Educao SME e Universidade Potiguar

    UnP. Esta assegurou a certificao do Curso de Aperfeioamento em Projeto

    Poltico Pedaggico PPP aos docentes e equipe de apoio pedaggico.

    A minha participao ocorreu como pedagoga e professora formadora, em

    encontros intensivos, no incio do semestre letivo e em estudos semanais

    sistemticos, s sextas-feiras, nas duas ltimas horas de cada turno, de forma a

    propiciar a participao de todos os docentes e equipe tcnico-administrativa e

    pedaggica em seus respectivos turnos.

    Os estudos objetivaram a construo coletiva do PPP e partiam da

    problematizao, anlise dos problemas apresentados no cotidiano escolar e na sala

    de aula, estimulando atitudes reflexivas e investigativas. Tive o acompanhamento da

    professora Dra. Cludia Santa Rosa, Coordenadora Pedaggica do Projeto que

    envolveu todos os segmentos da comunidade educativa: pais, familiares,

    funcionrios, equipes administrativas e de apoio pedaggico, com vistas a que

    assumissem o protagonismo do PPP. Estivemos atentas para no nos determos em

    problemas pontuais e sim utiliz-los como elementos basilares nas aes propostas

    no referido Projeto, (re) elaborado nos variados encontros, referendados em uma

    Assembleia.

    A experincia me moveu para uma investigao em nvel de doutorado,

    objetivando identificar todo o campo de representaes envolvido com a formao

    continuada, em sua complexidade, na Rede de Ensino Estadual e Municipal,

    apresentada em sua gnese, definidora do objeto de estudo que hoje se concretiza

    em tese.

  • 37

    Como afirma Pineau (2006, p.341) O modelo interativo ou dialgico trabalha

    uma nova relao de lugar entre profissionais e sujeitos por uma co-construo de

    sentido.

    Considero as histrias de vida como um dos dispositivos de formao docente

    que possibilita contribuir no processo emancipatrio profissional, pessoal e na busca

    da sua prpria autonomizao. No entanto, optei por uma perspectiva quanti-

    qualitativa com relao aos sujeitos da investigao ora apresentada.

    Nessa perspectiva, a elaborao dessa narrativa contribuiu para um processo

    de metamorfose pessoal e cultural. A leitura crtica permitiu que os momentos

    fossem, gradualmente, interrelacionando-se e ajustando-se s aspiraes do

    presente. Mais que um exerccio autorreflexivo, possibilitou desvelar representaes

    e traos de subjetividade, caracterizados pelo processo social, histrico-cultural

    vivenciado.

    A possibilidade de compartilhamento da narrativa faz dela uma obra aberta.

    Temos clareza que a sua incompletude apoia-se na plenitude do sentido e em sua

    profuso ilimitada, haja vista que cada trecho narrado suscita outras histrias.

    Como afirma Josso (2004, p.44) [...] a histria da nossa formao e a

    compreenso dos nossos processos de formao e de conhecimento podem ser

    transformadas e enriquecidas quando narradas. O dilogo travado comigo mesma

    articulou-se com os discursos e testemunhos de outros ao revisitar as imagens do

    passado, significativas na produo de ser professora de professores dos anos

    iniciais do Ensino Fundamental, indicando representaes de como eu me vejo e

    como desejo ser vista no futuro prximo: contribuindo para que a escola torne-se um

    ambiente verdadeiramente educativo e centro de desenvolvimento profissional.

    Como afirma Nvoa (2007, p.201):

    O que eu quero perceber so os processos de mudanas, que se definem muitas vezes na longa durao das coisas humanas e, outras vezes, se inscrevem na curta durao das rupturas e das polticas. Percebermos o passado enquanto processo de mudana a melhor maneira de nos dotarmos de um patrimnio de experincias e de idias que pode nos ajudar a compreender melhor os dilemas do presente.

    Mais que um ponto de chegada, desejo que as questes sinalizadas nesta

    parte do trabalho e nos demais momentos sejam perspectivadas como possveis

  • 38

    pontos de partida para investigaes futuras, com vistas ao aprofundamento de

    estudos que se pretende interventores de uma sociedade mais humana, uma melhor

    qualidade de vida para todos e a ampliao de movimentos sociais comprometidos

    com o fortalecimento da escola pblica e com a aprendizagem bem sucedida das

    crianas, jovens, adultos e idosos das classes populares.

  • PARTE 2

  • 40

    2 TRAANDO A ROTA: SITUANDO A INVESTIGAO

    Se temos uma concepo do mundo como histrico-social, as instituies tambm o seriam, por isso em boa parte so a histria que as precedem. Assim como ns somos as instituies que nos precedem. Inclusive nos pontos de conflito de uma sociedade, as possibilidades e as opes potenciais esto determinadas por essa sociedade; os movimentos dos sujeitos esto estabelecidos pelos limites das comunidades nas quais atuam. (Wolfgang Wagner)

    Ao evocar os primeiros ancoradouros que possibilitaram constituir-me como

    pessoa e como profissional, na busca do meu desenvolvimento profissional, percebo

    as influncias das escolhas terico-metodolgicas dos momentos histricos vividos

    que nos levaram busca de estudos em torno do tema, gestando o problema desta

    pesquisa, o seu objeto, objetivos e questes norteadoras.

    A rpida revoluo tecnolgica das ltimas dcadas vem provocando

    mudanas na estruturao da sociedade, no nvel econmico, social e

    organizacional. Os sistemas de transporte e de comunicao aproximam e conectam

    os indivduos, modificando o estado anterior das coisas, num processo dinmico de

    acelerao da mobilidade fsica e da comunicao. Os seus efeitos se fazem sentir

    na esfera produtiva e na educao/formao. As pessoas se relacionam com

    facilidade por meio de uma multiplicidade de fontes de informao, de comunicao

    e de conhecimento, ultrapassando os limites do espao e tempo formalizados, como

    escolas, instituies de ensino superior, universidades.

    As mudanas no ficam limitadas s formas de comunicao. Do origem a

    novas formas de pensamento, por meio da ideia de redes de conhecimentos que

    supera a uniformizao e a massificao, caractersticas da sociedade at o sculo

    passado, com fortes reflexos nos processos educativos e na formao de

    professores. (ALVES, 2004).

    A autora se reporta a um estudo por ela desenvolvido em 1982 quando j

    indicava que a formao da professora no ocorria apenas na instituio formal, mas

    [...] em mltiplos espaostempos: o acadmico, o da prtica pedaggica

    cotidiana, o da ao governamental, o da prtica poltica coletiva, o das pesquisas

    em educao. (ALVES, 2004, p.20, grifo da autora).

  • 41

    Nessa direo, a escola passa a ser um dos espaos formativos privilegiado,

    um centro de agregao do coletivo humano para a sistematizao do conhecimento

    circulante, articuladora de outros canais de ao educacional ligados com o mundo,

    devendo incrementar a sua potncia com os novos recursos e parcerias para a

    explorao e produo do conhecimento.

    A educao escolar, enquanto um processo complexo, encontra na Lei de

    Diretrizes e Bases da Educao Nacional - LDB 9394/96, em seu artigo primeiro, um

    conceito amplo: A educao abrange os processos formativos que se desenvolvem

    na vida familiar, na convivncia humana, no trabalho, nas instituies de ensino e

    pesquisa, nos movimentos sociais e organizaes da sociedade civil e nas

    manifestaes culturais.

    Essa desafiadora concepo de educao impe a (re)viso dos conceitos

    de ensino e aprendizagem, no mais restritos ao professor e nem ao mbito escolar.

    Vo alm dos muros escolares, onde lderes, dirigentes, profissionais, familiares,

    amigos, mdia, entre outros, contribuem no processo formativo humano.

    Diante desse novo cenrio, o mestre Paulo Freire nos leva a ampliar a

    compreenso do que a atividade ensinante, educativa e a importncia de

    percebermos como se d a aprendizagem no processo de ensinar. Evidencia o

    papel das interaes e prticas sociais para a aprendizagem:

    No fundo, passa despercebido a ns que foi aprendendo socialmente que mulheres e homens, historicamente, descobriram que possvel ensinar. Se estivesse claro para ns que foi aprendendo que percebemos ser possvel ensinar, teramos entendido com facilidade a importncia das experincias informais nas ruas, nas praas, no trabalho, nas salas de aula das escolas, nos ptios dos recreios em que variados gestos de alunos, de pessoal administrativo, de pessoal docente se cruzam cheios de significao (FREIRE, 1996, p.44).

    Reflexo que torna presente o ausente, levando-nos a presentificar os

    exemplos dos nossos pais, familiares, professores, enfim, dos que contriburam em

    nossa formao ao longo da vida. Com certeza os nossos valores, conceitos,

    preconceitos, esteretipos, prticas, crenas, mitos, histrica e socialmente

    compartilhados, constituem as representaes sociais e contribuem para darmos um

    sentido social aos objetos dos quais nos apropriamos (MOSCOVICI, 1978, 2003).

    Os exemplos das professoras e professores com os quais convivi foram

    significativos. Nessa direo, Freire (1996, p.44) complementa: A eloquncia do

  • 42

    discurso pronunciado na e pela limpeza do cho, na boniteza das salas, na higiene

    dos sanitrios, nas flores que adornam. H uma pedagogia indiscutvel na

    materialidade do espao.

    Reconhecemos a importncia dos vrios espaos educativos extraescolares

    para a aprendizagem de crianas, jovens, adultos e idosos, que podem favorecer

    repercusses necessrias melhoria de vida das pessoas e grupos sociais mais

    vulnerveis s lgicas da explorao e da acumulao capitalista. No entanto,

    interessa-me a educao escolar, especialmente a que ocorre nos espaos

    institucionais pblicos. Justifica a escolha do objeto de estudo desta investigao

    haver dedicado toda a minha vida profissional para o fortalecimento e melhoria dos

    processos formativos docentes e aprendizagem dos que circulam nas instituies

    que oferecem educao formal, tendo presente que papel e dever do Estado

    garantir o [...] ensino fundamental, obrigatrio e gratuito, assegurada, inclusive, sua

    oferta gratuita para todos os que a ela no tiveram acesso na idade prpria, em

    escolas pblicas, direito consagrado na Constituio Federal de 1988, em seu artigo

    208, inciso I (BRASIL, 2004). A referida Constituio acolhe, ainda, em seu artigo

    206, os princpios da universalidade do ensino, da igualdade, da liberdade, do

    pluralismo, da gratuidade do ensino pblico, da valorizao dos profissionais do

    ensino, da gesto democrtica da escola e o padro de qualidade. Integram em

    seus objetivos valores antropolgico-culturais, polticos, profissionais, princpios

    doutrinrios e organizativos do sistema escolar.

    A educao escolar assume, assim, uma concepo multidimensional. Os

    direitos fundamentais da pessoa humana, tutelado e garantido pela fora da

    organizao e controle social caractersticas prprias do Estado de Direito, que

    prima pela obedincia lei - concede educao escolar mais uma atribuio:

    estabelecer e reforar a democracia, promover o desenvolvimento humano

    sustentvel e contribuir para novas formas de relacionamento, baseadas no respeito

    mtuo e na justia social. Assim, a escola precisa assegurar o acesso ao

    conhecimento sistematizado e a apropriao/reelaborao deste, com qualidade, o

    que se constitui como um direito participao ativa na vida, como presena

    consciente no mundo, o que requer responsabilidade tica em mover-se no

    mundo. (FREIRE, 1996).

    Nessa linha de pensamento, Freire (1992) contempla a necessria leitura

    da palavra que precede e requer a contnua leitura de mundo. Conforme o mestre,

  • 43

    ler e re-ler o mundo, como seres inacabados, pressupe uma postura crtica [...]

    malvadez neoliberal, ao cinismo de sua ideologia fatalista e a sua recusa inflexvel

    ao sonho e utopia. (FREIRE, 1996, p.14). um convite ao exerccio

    corresponsvel, tico e poltico-social o que pressupe uma formao contnua. Agir

    no restrito sala de aula, pois sendo uma produo humana multidimensional,

    consciente, livre de preconceitos deve ser compartilhada com outros atores sociais,

    contribuindo na luta contra qualquer forma de discriminao ou manuteno de

    desigualdades sociais.

    A diversificao do ambiente escolar, crescentemente complexo, portanto,

    requer a implantao e implementao de rgos colegiados, responsveis pela

    elaborao e acompanhamento sistemtico do Projeto Pedaggico da Escola, pela

    organizao escolar, dentre outras competncias. Instituies que abrem passagem

    a valores profissionais mais colaborativos, abertos participao com o pblico, a

    assegurar os direitos sociais da criana e do adolescente e os fins da educao.

    Movimento que leva o professor a tomar assento como um dos membros do

    colegiado, representante dos seus pares, devendo desenvolver um papel formativo

    na composio poltico-social e cultural, em um processo democrtico, participativo e

    salutar. Como afirma (ENGUITA, 1995, p.96):

    medida que o aparato educativo trata, com maior ou menor fortuna, de responder a essa complexidade, a educao das crianas, includas as mais novas [...] passa a depender cada vez menos de um professor (seu professor-tutor) e cada vez mais de um conjunto deles. [...] o importante j no somente o mestre ou o professor, mas tambm e cada vez mais, a organizao da qual faz parte.

    Nessa perspectiva, a docncia passa a ser vista como um espao