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INTRODUÇÃO O presente trabalho foi inicialmente apresentado como tese de doutoramento defendida na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, em abril de 1998 1 . O objeto central deste estudo é a questão da informação na área de arte, das artes visuais, mais precisamente. A escolha deste tema não poderia ser diferente: vinte e cinco anos de minha vida foram dedicados à atividade profissional em bibliotecas e serviços de informação em arte. Ainda estudante, participei da fundação da Biblioteca da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo. Formada, assumi a direção da Biblioteca e consegui, com o apoio de uma equipe competente e interessada, e a colaboração dos mais respeitados professores da Escola, desenvolver, por certo tempo, um trabalho único em sua área, que ultrapassava as funções tradicionais de uma biblioteca universitária, à medida que seus produtos e serviços interferiam na produção e na circulação das informações nas diversas áreas das artes. O dinamismo e a importância da Biblioteca, tanto dentro quanto fora da Escola, incomodaram alguns dirigentes que não foram sequer hábeis para fazer uso político desse trabalho. Por essa razão, na gestão de José Marques de Melo, o projeto da Biblioteca foi desmontado, dentro de um programa que aquele diretor definia como de "reconstrução da ECA". O ‘desmanche’ foi muito bem feito. Iniciou-se pela rejeição do projeto de um novo prédio para a biblioteca que abrigaria seus vários acervos (as várias "tecas", como dizíamos) e funcionaria como um centro de integração da Escola, já naquela época tão grande e tão fragmentada. Esse

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Page 1: INTRODUÇÃO...INTRODUÇÃO O presente trabalho foi inicialmente apresentado como tese de doutoramento defendida na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo,

INTRODUÇÃO

O presente trabalho foi inicialmente apresentado como tese de

doutoramento defendida na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, em abril de 19981.

O objeto central deste estudo é a questão da informação na área de arte, das artes visuais, mais precisamente.

A escolha deste tema não poderia ser diferente: vinte e cinco anos de minha vida foram dedicados à atividade profissional em bibliotecas e serviços de informação em arte.

Ainda estudante, participei da fundação da Biblioteca da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo. Formada, assumi a direção da Biblioteca e consegui, com o apoio de uma equipe competente e interessada, e a colaboração dos mais respeitados professores da Escola, desenvolver, por certo tempo, um trabalho único em sua área, que ultrapassava as funções tradicionais de uma biblioteca universitária, à medida que seus produtos e serviços interferiam na produção e na circulação das informações nas diversas áreas das artes. O dinamismo e a importância da Biblioteca, tanto dentro quanto fora da Escola, incomodaram alguns dirigentes que não foram sequer hábeis para fazer uso político desse trabalho. Por essa razão, na gestão de José Marques de Melo, o projeto da Biblioteca foi desmontado, dentro de um programa que aquele diretor definia como de "reconstrução da ECA".

O ‘desmanche’ foi muito bem feito. Iniciou-se pela rejeição do

projeto de um novo prédio para a biblioteca que abrigaria seus vários acervos (as várias "tecas", como dizíamos) e funcionaria como um centro de integração da Escola, já naquela época tão grande e tão fragmentada. Esse

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projeto estava aprovado pela Universidade e já contava com recursos financeiros do BID para a sua execução e com um cronograma de implantação. Esse primeiro golpe, cuja gravidade poucos professores e alunos notaram (e, dos que notaram, poucos tiveram a coragem de se manifestar), foi seguido por outro: o desmontar da equipe. A maioria dos bibliotecários

que trabalhavam na Escola eram ex-alunos e apresentavam, ao lado de

grande competência profissional, alto grau de envolvimento com a ECA e comprometimento com o projeto que desenvolvíamos e com as áreas de comunicações e artes. Muitos deles, no entanto, foram gradualmente se afastando, pois a Biblioteca já não tinha mais um projeto. Os poucos funcionários que resistiram não puderam evitar o ‘desmanche’, cujo último grande golpe foi o descarte de coleções da mais alta relevância para a história da Escola e da Universidade e para a prestação de serviços a seus usuários; foi o caso da desativação do Serviço de Difusão de Partituras e da doação da coleção de recortes de jornais. Essa coleção era formada por artigos sistematicamente coletados, selecionados e indexados durante vinte anos, além de artigos mais antigos pertencentes à Escola de Arte Dramática, incorporada à Universidade em 1970 e que se constituíam em importante fonte de pesquisa, comprovada pelo número e pela qualidade de teses na área de Teatro que se fundamentaram nesse material. Por outro lado, movidos apenas pela necessidade de ‘fazer espaço’ (já que haviam obstruído a

construção do novo prédio), descartaram também todo o material - artigos,

publicações alternativas, folhetos, etc. - referente à história da Escola e aos

movimentos que envolveram a Universidade nos anos 70-80.

Pessoalmente, considerando-me impotente para impedir aquele

desmantelamento, procurei outros espaços profissionais. Ainda na área de arte e cultura, desenvolvi projetos para a

Secretaria de Estado da Cultura e para o Instituto Cultural Itaú, que serão descritos no decorrer desse trabalho, e que visavam a mudar o panorama dos serviços de informação em arte na cidade de São Paulo, por meio de esforços cooperativos.

Mais tarde, atuei no Centro de Documentação da Cinemateca Brasileira e, desde 1991, de volta à Universidade, estou envolvida no

1 Participaram da banca de defesa da tese os professores doutores José Teixeira Coelho Netto, orientador,

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desenvolvimento de um serviço de informação na área de preservação de bens culturais, que tem expressivos vínculos com as áreas de artes.

O conhecimento, que minha trajetória profissional me permitiu, das questões da informação das áreas de artes, aliado à minha formação, pesquisa e docência nas áreas de Administração e Planejamento levaram-me à escolha das bibliotecas e serviços de documentação em arte da cidade de São Paulo como tema de minha tese de doutoramento, com a intenção de

apresentar uma alternativa de solução para a precariedade - como se verá no

ao longo deste trabalho - do quadro atual.

O contexto

Os serviços de informação em arte constituem uma parcela,

ainda que pouco visível, do contexto cultural paulistano. Apresentam-se quer

sob a forma de equipamentos culturais e educacionais - bibliotecas, centros

de documentação, centros de referência, arquivos - quer como espaços

virtuais ou reais de informação, podendo, neste caso, integrar setores de museus ou universidades, ou projetos vinculados a instituições públicas ou privadas.

As bibliotecas e arquivos possuem acervos e, geralmente,

oferecem produtos e serviços, desenvolvendo-se suas atividades em duas

vertentes básicas: preservação e uso dos documentos. Normalmente, seu trabalho gira em torno do acervo; sua eficiência está ligada à qualidade de tratamento das informações desse acervo e sua eficácia, à capacidade de cumprir seus objetivos, o que significa atender às necessidades de seus usuários.

Teoricamente, os centros de documentação possuem acervos mais especializados e desenvolvem um trabalho mais cuidadoso de tratamento da informação, podendo igualmente oferecer produtos e serviços voltados à difusão dessa informação. Nesse caso, mais do que o acervo, é a especificidade do assunto o ponto central, o que enfatiza a preocupação

Annateresa Fabris, Domingos Tadeu Chiarelli, João Spinelli e Murillo Marx.

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dessas instituições também com o registro de manifestações, eventos, exposições, processos de trabalho, e com o processo de documentar a arte.

Apesar desta tentativa de se definirem fronteiras, na prática encontramos bibliotecas de arte desenvolvendo serviços de documentação e centros de documentação que se limitam, quase que exclusivamente, a coletar e armazenar acervo. Na cidade de São Paulo, por não haver rigor em

relação à terminologia adotada, esses serviços se confundem - encontramos bibliotecas rotuladas de centros de documentação, centros de documentação integrando bibliotecas, bibliotecas em serviços de documentação, e serviços típicos de documentação com nomes que sequer longinquamente lembram documentação ou biblioteca. Neste último caso, isto ocorre ora porque os dirigentes não sabem o que é documentação, ora porque não querem entregar o serviço às mãos do bibliotecário, já que o corporativismo garantiu que bibliotecas e centros de documentação fossem mantidos como ‘reservas de mercado’ do bibliotecário2.

Se precisamos ser tolerantes em relação à terminologia adotada, devemos ser inflexíveis em relação às funções desses sistemas de informação. Esses serviços só fazem sentido se acompanhados pelo tratamento de toda a informação relevante coletada e produzida na área, esteja ou não reunida em um só espaço, e pela sua divulgação, colocando acervo e serviços à disposição dos usuários.

A informação e o conhecimento na área de arte repousam sobre três fundamentos básicos: a própria arte (as obras, os objetos, as manifestações artísticas), a documentação da arte e a documentação sobre a arte. A documentação da arte pode ser definida como sendo toda a atividade desenvolvida para registrar e descrever a obra de arte, bem como os produtos decorrentes dessa atividade (catálogos, listagens, bases de dados). A documentação sobre arte inclui qualquer tipo de registro que tenha a arte e o artista como assunto, produzido sob os mais diversos suportes. Assim, a

2 Essa questão não é privilégio nosso, conforme se pode depreender de um trecho do então diretor da Biblioteca Centro de Documentación do Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, de Madrid: “La vieille polémique entre documentation et bibliothéconomie est à l’origine de notre nom. Personnellement, je crois que la distinction entre centre de documentation et bibliothèque spécialisée est plus scolastique que réelle et tient plus à une question d’image qu’à des différences techniques. De ce point de vue la Bibliothèque Centre de Documentation ne se dédouble pas en deux organismes pour chacun des aspects: simplement elle ne distingue pas ces tâches ni ne renonce à les réaliser.” (VALLE INCLAN, 1993, p.37)

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análise da questão da informação na área de arte deve, obrigatoriamente, passar pela definição de documento, deixando claras suas finalidades e sua relação com a obra de arte. Essa reflexão também é fundamental ao bibliotecário de arte, à medida que necessita definir critérios para a formação e desenvolvimento de acervos, tarefa especialmente complexa nesse momento

em que, embora disponhamos dos meios para se registrar tudo - a arte em

movimento, o processo de produção artística, o contexto - temos consciência

de que não faz sentido documentar tudo, exaustiva e indiscriminadamente, como se isso garantisse a permanência da obra de arte.

Para VALLIM (1992, p.1-2) o documento deve ter um valor de

prova e, por essa razão, só deve ser incorporado a um acervo desde que, na

relação com a obra de arte, tenha como função reproduzí-la, localizá-la,

identificar sua autoria ou contextualizá-la.

A reprodução, para a referida autora, é a tentativa de produzir outra vez os traços que remetem à obra, e contém, por sua própria natureza, elementos interpretativos. Devido às diferenças entre as várias manifestações artísticas e à subjetividade inerente a cada leitura da obra de arte, são inúmeras as formas de se reproduzir a mesma obra. Por essa razão, a

definição de critérios e padrões de documentação impõe-se aos responsáveis

pela formação e desenvolvimento de acervos documentais na área. Por outro lado, considerando que as reproduções ajudam na leitura da obra de arte e que o documento deve ter valor de prova, é fundamental que se definam quais os tipos de registro que podem captar melhor a obra e, desta forma, oferecer melhores condições de leitura da mesma.

Essas questões foram observadas nas diversas instituições analisadas, com o objetivo de se tentar identificar normas e procedimentos para o trabalho de documentação da arte em nosso meio, bem como a eventual necessidade de se atualizarem instrumentos teóricos e materiais para um serviço de documentação mais adequado e eficaz.

Os demais sistemas de informação que podem ser encontrados na área englobam as unidades que desenvolvem serviços voltados a acesso, tratamento e difusão de informação, e se caracterizam pela ausência ou quase ausência de acervo, representado, neste caso, por uma pequena coleção de obras de referência destinada a dar apoio a suas atividades de

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pesquisa. Incluem-se nessa categoria os centros de referência, as bases de

dados e os centros de informação.

Antecedentes

A cidade de São Paulo foi escolhida como base para o estudo de campo da tese pelo fato de representar, talvez melhor que qualquer outra cidade do país, a diversidade de serviços existentes na área. Um diagnóstico que elaboramos em 1985 (e, depois, atualizamos, em 1988 e 1995), serviu como mapeamento inicial para esta pesquisa e ajudou na formulação das hipóteses de trabalho. Esse diagnóstico envolveu inicialmente dezoito

instituições, incluindo-se bibliotecas e serviços de documentação de

universidades, de museus ou de outras instituições públicas ou privadas ligadas às artes, bibliotecas públicas gerais com setores especializados, além de centros de documentação especializados e outros serviços de documentação.

A partir desse diagnóstico, que apresentou um quadro muito

precário desses serviços, apontaram-se as seguintes características básicas das

bibliotecas estudadas:

• insuficiência de recursos humanos;

• insuficiência de recursos físicos e materiais;

• insuficiência de recursos financeiros;

• desatualização dos acervos;

• atraso no processamento técnico dos acervos

Analisando-as como um conjunto, identificaram-se os seguintes pontos frágeis e comuns:

• falta de diretrizes na formação das coleções e conseqüente dispersão do acervo;

• falta de racionalização de procedimentos técnicos;

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• necessidade de modernização do trabalho, pela adoção de novos enfoques profissionais e pela utilização das novas tecnologias.

Em relação à formação dos acervos, verificou-se que, de maneira

geral, cada biblioteca foi-se formando em volta de sua instituição, crescendo

desordenadamente em função de demandas internas de caráter imediatista ou de doações recebidas e automaticamente incorporadas ao acervo. Não havia, na maioria dessas bibliotecas, uma política de seleção, o que evitaria esse crescimento desordenado, arbitrário, acrítico e incontrolável, que incha o acervo sem lhe dar personalidade própria, com o decorrente malbaratamento e desperdício de recursos já escassos. Não havia, tampouco, uma política de aquisição que garantisse recursos sistemáticos e periódicos destinados à aquisição de material para o acervo. Disso decorreu o ‘envelhecimento’ das coleções, traço encontrado na quase totalidade das bibliotecas analisadas.

Os livros na área de arte, especialmente os que contêm imagens, são, via de regra, muito caros, fator que colabora para o agravamento dessa situação.

Por essas razões, visto como um todo, o acervo de livros e revistas de arte disponível nas bibliotecas de arte da cidade era, aparentemente, muito rico. No entanto, vistos isoladamente, o que se encontrou foram acervos desatualizados, fragmentados, descaracterizados e pouco representativos.

Por outro lado, embora a maioria das bibliotecas possuísse coleções de outros tipos de documentos, principalmente de fotos, slides, vídeos e cartazes, tais coleções apresentavam os mesmos problemas das

coleções bibliográficas - fragmentação, dispersão, desatualização e falta de

representatividade. Em muitos casos, essa ausência de uma política de formação e

desenvolvimento de coleções refletia a falta de política da própria instituição. A indefinição da vocação da biblioteca, se, por um lado, tornava arbitrário o crescimento de seu acervo, por outro, provocava, no quadro geral dos diversos acervos da cidade, grandes duplicações. Além disso, a grande diversidade de assuntos presente na maioria das nossas bibliotecas de arte

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também contribuía para dificultar o acesso à informação. O tratamento temático da informação pressupõe uma certa especialização do bibliotecário, o que certamente não ocorre quando ele se vê à frente de uma biblioteca constituída por muitas áreas de especialidade e que, além do tratamento do

acervo, demanda-lhe ações e decisões decorrentes de todos os encargos

administrativos e técnicos pertinentes à função. Com isto, o acervo acaba sendo subutilizado, por falta de tratamento técnico adequado.

Verificou-se, ainda, que a diversidade de assuntos -

característica das coleções analisadas - não significava, infelizmente,

representatividade de acervo. Pelo contrário, em algumas bibliotecas, a amplitude de assuntos e o acúmulo de obras dela decorrente, acabou por prejudicar a formação de acervos representativos, ficando o material especializado e relevante, muitas vezes, diluído em meio a um acervo de generalidades.

Além da falta de recursos para o desenvolvimento adequado dos acervos, a dificuldade de acesso aos documentos era agravada pelo grande número de obras não catalogadas ou pelo processamento técnico inadequado. No primeiro caso, o problema era resultante, quase sempre, de crônica falta de recursos humanos aliada à inexistência de um trabalho cooperativo na área, que evitaria que uma obra fosse catalogada mais de uma

vez, duplicando esforços para o mesmo fim. No segundo caso, deve-se

ressaltar a falta de formação especializada do bibliotecário, acarretando falhas na indexação e, conseqüentemente, na recuperação de informações. Por essa razão, muitas coleções, embora valiosas, não estavam disponíveis ao usuário por falta de tratamento técnico adequado de seu acervo.

Observou-se, também, que poucas bibliotecas possibilitavam o

acesso à totalidade dos documentos de suas coleções e, por não terem consciência de suas limitações ou por não estarem envolvidas com as necessidades informacionais de seus usuários, só algumas recorriam a acervos de outras bibliotecas (por meio do empréstimo ou comutação bibliográfica, por exemplo) para o atendimento das solicitações de seus usuários.

Os documentos audiovisuais e a diversidade de suportes documentários normalmente encontrados nas bibliotecas de arte acentuaram

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ainda mais o problema do acesso às coleções, por exigirem processamento técnico e armazenamento especiais, que dependiam de recursos humanos capacitados e de recursos físicos e materiais que garantissem as condições mínimas de arquivamento das coleções.

Outro problema que se observou nas bibliotecas de arte de São Paulo foram as más condições de preservação de seu acervo, tanto bibliográfico quanto audiovisual. Ao contrário das bibliotecas nas áreas de ciências exatas e biológicas, as bibliotecas de ciências humanas e de artes raramente se tornam obsoletas, dado o interesse pela pesquisa retrospectiva. Por essa razão, a preservação do material bibliográfico se impõe, no sentido de garantir a sua integridade física, mormente em clima subtropical e úmido como é o da Capital.

A questão da preservação é particularmente grave nas bibliotecas universitárias em que o uso rotineiro do xerox tem deixado os acervos em precárias condições. Os livros de tamanhos especiais, muito

comuns nas bibliotecas de arte, encontram-se em lastimáveis condições nas

estantes. Além disso, encontramos bibliotecas com importantes coleções de obras raras que, por não receberem a atenção que merecem, pareciam verdadeiras "rendas portuguesas", na feliz expressão de Murillo Marx, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

Com exceção das bibliotecas universitárias, cuja finalidade

básica - apoio ao estudo, ao ensino e à pesquisa - é indiscutível, em função da

própria natureza da instituição, as demais nem sempre ostentavam com clareza suas finalidades e o universo de usuários a serem atendidos, comprometendo a definição dos assuntos a serem abrangidos e dos tipos de suportes documentários que devem compor seu acervo.

Alguns desses serviços de informação encontravam-se

estreitamente vinculados às instituições que os abrigavam, estando seu acervo e suas atividades integrados aos projetos dessas instituições. Outros, no entanto, eram organismos totalmente desvinculados dos objetivos das instituições de que faziam parte: seus acervos não eram pertinentes às áreas de interesse dessas instituições, seus serviços não estavam integrados às linhas de trabalho ou às prioridades das mesmas, seus horários de

funcionamento eram inadequados e, por essas razões, seu público - quando

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possuíam público - não era o público que freqüentava outros espaços da

instituição, nem pertencia a seu quadro funcional. Com tal configuração, esses serviços constituíam espaços paralelos, isolados dentro da instituição, como flores nascidas em terreno baldio. Isto contribuiu para que, dentro da política velada da instituição, fossem geralmente tratados como dispensáveis, supérfluos. Não sendo partes vitais para o funcionamento dessas instituições, eram marginalizados. Daí a precariedade de seus acervos e serviços.

Entre esses dois extremos - a unidade de informação integrada à

instituição mantenedora e a unidade de informação isolada - encontrava-se a

maioria das bibliotecas e dos serviços de documentação em arte analisados na cidade de São Paulo que, embora tivessem maior ou menor pertinência dentro de suas instituições, não conseguiam, pelas razões mais diversas, o reconhecimento, pela alta administração daquelas, da importância de seus serviços. Conseqüentemente, não eram situados como setores prioritários dentro da instituição, o que restringia suas ações e influências. Prova disto é o fato de que o bibliotecário raramente fazia parte dos órgãos decisórios dessas instituições, o que lhe permitiria intervir mais diretamente na formulação de diretrizes, na distribuição de verbas e, paralelamente, colaborar em projetos

atinentes a outros setores, tornando-se parte verdadeiramente ativa e

integrada à instituição. Essa situação decorre, em primeiro lugar, da visão funcional das

pessoas. Da parte dos dirigentes, o que se nota é que, muitas vezes, eles não têm noção da amplitude e da importância do papel da biblioteca ou dos centros de documentação, em função de opiniões formadas a partir de estereótipos, de eventuais experiências negativas em bibliotecas, ou mesmo da falta dessa experiência. Da parte dos bibliotecários, o que se encontra, com muita freqüência, é a falta de consciência de seu papel social, decorrente de formação profissional e especializada deficientes, da falta de compreensão política de seu papel dentro da instituição e dos espaços que deve ocupar e, até, da falta de cultura geral.

Alguns bibliotecários, por esforço próprio e por estímulo ou favorecimento das instituições onde trabalham, ingressaram em cursos de arte e procuraram uma aproximação com a área para compreender melhor seu conteúdo e seu vocabulário, o que os capacitou a um trabalho de melhor

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qualidade, tanto no tratamento da informação quanto no atendimento ao usuário. A sensibilização para a arte, ao lado do desenvolvimento cognitivo, também é importante para o trabalho do documentalista de arte. Apreciar arte é fundamental para o bibliotecário, cuja função também inclui o estímulo à produção e ao consumo de arte.

No entanto, o que amiúde se encontrou nas bibliotecas foram profissionais que possuíam apenas a formação básica do curso de graduação e que, talvez por esse motivo, exerciam sua função como técnicos não especializados, distanciados de seu objeto de trabalho. O distanciamento da parte substantiva de sua atividade vedava ao bibliotecário a possibilidade de interferência real na área e, conseqüentemente, de participação efetiva na instituição.

O diagnóstico também apontou que os bibliotecários de arte não estavam organizados, a exemplo dos de outras áreas ou de outros setores, em

grupos de trabalho inter-bibliotecas, destinados à discussão de problemas

comuns e à busca de soluções integradas. As bibliotecas trabalhavam de forma muito isolada, o que não é mais viável em função do excesso de informações e documentos em circulação hoje em dia, bem como da carência generalizada de recursos materiais e humanos e da necessidade de racionalização.

Por outro lado, em decorrência da carência crônica de recursos ou da própria falta de planejamento nessas bibliotecas, grande parte das coleções não estava organizada, prejudicando a qualidade dos serviços

prestados e colaborando para a imagem negativa da biblioteca - ineficiente,

morosa, pouco ágil - e do bibliotecário: um passivo e ineficiente guardador de

livros. Todos esses fatores contribuíam para que, vistos como um todo,

os recursos informacionais das bibliotecas e centros de documentação em arte existentes na cidade de São Paulo se encontrassem dispersos e fragmentados, distribuídos, sem muita lógica, em várias instituições. Essa dispersão e a falta de preocupação ou a falta de conhecimento do conjunto dessas coleções certamente acarretaram muitas duplicações e grandes lacunas.

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Pela situação acima descrita, pode-se avaliar o caminho que

precisava percorrer aquele que buscasse uma informação ou um documento específico. Era um périplo, de biblioteca em biblioteca, que, presumivelmente, possuísse o documento ou a informação. Busca sujeita à

não-existência do documento na cidade, ao desconhecimento de sua

existência por falta de registro ou de divulgação, ou - caso ele existisse - à falta de acesso, pela impossibilidade de empréstimo ou dificuldade de consulta.

Conforme exposto acima, há uma ampla faixa de usuários de

documentos atinentes às artes - o estudante, o professor, o pesquisador, o artista, o agente cultural e outras pessoas interessadas, mas sem formação adstrita à área. Existe, assim, potencialmente, ampla gama de demanda. Entretanto, face ao contexto apresentado, as pessoas se sentiam desestimuladas em proceder às buscas e acabavam se contentando com uma ou outra indicação bibliográfica conseguida por acaso, por freqüência a

livrarias ou por sugestão de amigos ou professores - a aleatoriedade alçada à condição de sistema, em suma.

Por todos esses motivos, grande parte da informação existente nas bibliotecas de arte, nos centros de documentação e nos arquivos especializados era subtilizada porque, na prática, estava inacessível a seu usuário. O conceito de informação precisa ser vinculado à sua disponibilidade e acessibilidade, uma vez que, a rigor, só pode ser considerado informação aquilo que cumpre seu objetivo de informar, aquilo

que atinge seu público - tautologia que precisa ser sempre ressaltada. A preocupação com a inacessibilidade da informação em arte na

cidade de São Paulo levou-nos à proposta de criação de um Centro de Referência em Arte que seria alimentado pelas instituições que possuíssem acervos documentários disponíveis ao público.

Essa proposta foi a retomada de um projeto anterior, que elaboramos entre 1984 e 1985, a pedido da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, que se denominava Rede de Informação em Arte e cuja

coordenação estaria no Centro Cultural Três Rios - hoje Oficinas Culturais Oswald de Andrade. Apesar de ter sido encomendado e pago, o projeto não teve qualquer repercussão nem desdobramento.

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Durante os três anos que se haviam passado (entre 1985 e 1988), a situação da informação na área de arte não se modificou. Esforços isolados de algumas bibliotecas eram insuficientes para transformar o estado de precariedade da informação e da documentação na área2. Por essa razão, reelaboramos a idéia da Rede de Informação em Arte, então amadurecida, revista e ampliada, e, em 1988, apresentada ao Instituto Cultural Itaú (ICI), que fez dela um de seus mais importantes programas,

denominando-a, erroneamente, a meu ver, Centro de Referência Bibliográfica.

Esse Programa previa a implantação de uma rede automatizada de informações na área de arte, a partir do cadastro de documentos existentes nas bibliotecas cooperantes numa base de dados central, possibilitando o acesso dos interessados a quaisquer tipos de documentos referentes às áreas de artes localizados nas bibliotecas participantes da rede.

Poderiam participar da rede, inicialmente, as bibliotecas de arte da região metropolitana de São Paulo, incluindo tanto as bibliotecas e centros de documentação especializados como também as coleções de arte de grandes bibliotecas. Mais tarde, bibliotecas com acervos especializados e localizadas em outras cidades ou em outros estados poderiam, gradualmente, integrar o programa.

O programa procurava basicamente divulgar informações na área de artes plásticas e fotografia e tornar acessíveis os acervos das bibliotecas. O Instituto Cultural Itaú não pretendia ser órgão mantenedor das bibliotecas de arte, nem desenvolver atividades assistenciais, embora fosse sensível a seu papel de estimulador do desenvolvimento dessas bibliotecas, não só pela introdução das novas tecnologias que, em muitos casos, de outra

forma ser-lhes-iam inacessíveis, mas também pela amplitude de serviços que

poderiam ser prestados ao usuário e pela nova imagem das bibliotecas que poderia veicular.

A participação das bibliotecas no programa efetivar-se-ia por intermédio de convênios do ICI com as várias instituições interessadas e previa direitos e obrigações de cada uma das partes e a participação ativa das bibliotecas na rede, para que se sentissem estimuladas a colaborar e promover o seu desenvolvimento. A participação no programa pressupunha

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um treinamento do pessoal das bibliotecas colaboradoras, tanto para garantir a padronização das informações a serem fornecidas, quanto para a manipulação dos terminais e atendimento às consultas. À medida que o programa fosse se desenvolvendo, grupos de trabalho seriam formados para estudar questões específicas.

O Centro de Referência Bibliográfica abrangeria, numa

primeira etapa, os seguintes assuntos: Artes Plásticas, Arquitetura, Arte-Educação, Escultura, Pintura, Gravura, Desenho e Fotografia, além de História, Teoria e Crítica da Arte e Estética.

A base de dados comportaria não apenas registros de documentos impressos (livros, teses, artigos de periódicos, folhetos, catálogos de exposições de arte, programas de teatro, etc.), como também documentos iconográficos (fotos, ilustrações, gravuras, postais, slides, etc.) disponíveis nas bibliotecas participantes.

O primeiro módulo seria integrado por documentos bibliográficos e, dentro dessa categoria, seria dada prioridade a livros, teses e catálogos de exposições de arte. Quanto aos periódicos, bibliotecários e especialistas deveriam decidir, em conjunto, que títulos deveriam ser repertoriados, levando em consideração fatores como serviços de indexação já existentes e acessíveis por meios impressos e eletrônicos, importância de determinados títulos, existência de demanda, títulos de periódicos nacionais ainda não incluídos em serviços bibliográficos internacionais. Os demais tipos de suportes seriam gradualmente incluídos no Centro de Referência.

Os registros seriam compostos por uma parte descritiva e uma parte temática. Foi desenvolvido um estudo para a representação da parte descritiva dos diversos suportes documentários e para a definição de seus campos básicos, o que resultou em cuidadoso manual de serviço que seria utilizado por todos os participantes do programa.

Para o controle da parte temática dos documentos elaboramos o Vocabulário Controlado de Arte. Esse trabalho foi desenvolvido no período de 1989 a 1991, por um grupo de bibliotecários especializados em arte, representando as bibliotecas da Escola de Comunicações e Artes e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, do Museu Lasar Segall, do

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MASP e do próprio ICI, além da Seção de Arte da Biblioteca Mário de Andrade3.

Os trabalhos do grupo partiram inicialmente do material fornecido pelas próprias bibliotecas e se apoiaram no RILA Subject Headings4, no Thesaurus Experimental de Arquitetura da FAU/USP e em dicionários e enciclopédias especializadas, além de consultas a especialistas em Arte.

Finalmente, confrontou-se o vocabulário estruturado com os cabeçalhos de assunto da 11a edição da Library of Congress Subject Headings, o que

implicou a revisão de cada um dos descritores, acrescentando-se-lhes termos,

ou adaptando-os, conforme o caso.

Tratava-se de uma iniciativa pioneira, numa área em que, até então, no Brasil, nada havia sido feito. No entanto, apesar do elevado potencial de inovação do projeto, a experiência não foi bem sucedida.

O objetivo do projeto foi bem definido e estava dentro das linhas

de atuação do Instituto no momento em que foi iniciado - prova disto é que o

projeto não lhe foi oferecido; o ICI procurou-me, entusiasmou-se com a idéia

e solicitou o desenvolvimento do projeto. Na época, 1988, o ICI estava no início de implantação de seus

programas e buscava idéias que garantissem uma atuação na área de arte e cultura que o diferenciasse de outros centros de cultura já existentes; por outro lado, como já desenvolvia outros programas nas áreas de pintura brasileira, viu nesse projeto uma possibilidade de atuação complementar.

As primeiras dificuldades para o desenvolvimento do projeto

foram observadas já no momento do diagnóstico - a grande maioria das

bibliotecas de arte não estavam informatizadas e muitas não apresentavam seus acervos inteiramente processados; além disso, as que estavam processadas não apresentavam a padronização que um trabalho em rede exigiria. Esse primeiro problema se transformou no grande desafio que a

implantação do projeto exigiria - formar a rede e, ao mesmo tempo,

organizar e informatizar as bibliotecas. Em decorrência da falta de

organização da maioria das bibliotecas, ampliava-se o papel do Grupo de

3 Diversos profissionais participaram do grupo que tive oportunidade de coordenar; dentre eles, alguns foram constantes e tiveram papel fundamental no desenvolvimento dos trabalhos. São eles: Angela Marques, Maria Cecília Soubhia, Isabel ... 4 Trata-se da lista de cabeçalhos de assunto do Répertoire International de la Littérature d’Art.

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Trabalho que já vinha desenvolvendo o vocabulário controlado: assumiu também o desenvolvimento de instrumentos padronizados para a catalogação de todos os tipos de materiais.

Outro problema encontrado foi a falta de infraestrutura, no ICI, para o desenvolvimento do programa, ou seja: falta de recursos humanos com a qualificação necessária à implantação e ao acompanhamento do

programa. Conforme exposto acima, foi dado início ao programa contando-se apenas com uma consultora e um grupo de trabalho formado por bibliotecários de outras bibliotecas de arte que, em trabalho árduo e com exigüidade temporal, discutiam as linhas gerais do programa e desenvolviam o vocabulário; só mais tarde é que foram contratados e deslocados outros bibliotecários para atuar diretamente no desenvolvimento do programa.

Um terceiro problema foi a inadequação do programa

informatizado - o ICI escolheu o STAIRS, da IBM, porque, à época, já era utilizado para outros programas do Instituto. A Diretoria do ICI foi alertada sobre a inadequação do STAIRS principalmente pelo fato de não permitir a

emissão de relatórios impressos: esperava-se que a rede pudesse fornecer

saídas bibliográficas que seriam uma das vantagens oferecidas às bibliotecas participantes, e que significaria um benefício relevante, principalmente porque a maioria das bibliotecas não possuía seus acervos organizados.

Concordou-se em utilizar o STAIRS sob a condição de que fossem

desenvolvidos programas complementares que permitiriam a emissão de listagens capazes de atender às necessidades das unidades de informação. A escolha de programas apresenta sempre um componente político, porque reflete a questão do poder dentro da organização. Por essa razão, muitas vezes, o bibliotecário não consegue convencer os dirigentes apenas com

argumentos técnicos, e foi o que ocorreu. Acreditou-se que, aos poucos, a

mudança far-se-ia sem traumas, o que, no entanto, não ocorreu, pois faltou

maior participação dos bibliotecários do ICI na fase inicial de implantação do

projeto-piloto. Para os analistas de sistemas, que não eram do ICI, mas do Banco Itaú, o programa não era prioritário, embora o fosse, naquele momento, para o ICI.

O quarto problema se referia ao custo de aquisição e manutenção de equipamentos. A maior preocupação do ICI ao firmar

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convênios com as bibliotecas que participariam da rede era articular modelos econômicos e jurídicos para a cessão e manutenção dos equipamentos. O Instituto não estava disposto a assumir todos os encargos daí decorrentes, o que era muito compreensível.

O quinto problema foi a falta de interesse das bibliotecas em

participar da rede em função do trabalho adicional que certamente teriam - a

divulgação dos acervos a um número maior de pessoas certamente implicaria em maior uso do material e instalações, o que acarretaria uma série de problemas no cotidiano de algumas bibliotecas, sempre com recursos insuficientes. Esse temor dos bibliotecários também decorre da falta de experiência em trabalharem em cooperação e à forte resistência à mudança própria de instituições que atuam isoladamente, com baixo nível de inovações em seus processos e rotinas. Na verdade, naquele momento, não se havia ainda incorporado às bibliotecas de arte uma cultura que reconhecesse a importância e privilegiasse o trabalho cooperativo das instituições da área, embora, em outras áreas, como a de saúde, isto já fosse uma realidade, com resultados altamente relevantes.

Além disso, houve alguns erros estratégicos em nossa atuação. Em que pese ter sido, desde o início, reconhecido como importante contribuição à área, o programa precisava apresentar resultados imediatos.

Preocupado em implantá-lo corretamente, o Grupo de Trabalho que

inicialmente coordenava o programa falhou na apresentação de resultados - chegou a definir áreas prioritárias, mas não montou uma estratégia que concentrasse todos os esforços no sentido de levar a público, como primeira fase do projeto, o que já estava pronto. Por outro lado, assumindo a mentalidade da empresa e, desta forma, deixando de lado missões filantrópicas dos bibliotecários, o alvo inicial do programa deveria ter sido as bibliotecas já organizadas, focalizando, em um segundo momento, as

bibliotecas não organizadas. Empenhei-me em desenvolver um projeto

paralelo de organização do acervo de arte da Biblioteca do MASP, em função

da qualidade desse acervo e de sua inacessibilidade e, com isso, desviaram-se recursos da rede para esse projeto, que poderia ter sido implantado em outro momento. A experiência do MASP se, por um lado, permitiu testar e aperfeiçoar os instrumentos desenvolvidos pelo grupo e até os programas

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informatizados, por outro lado, foi inquietante para a Direção do ICI, que passou a acreditar que todas as bibliotecas dariam o mesmo trabalho e teriam custos igualmente altos. Em todo caso, não foram poucos os dividendos

políticos do ICI com a organização do acervo do MASP - prova disto é que o

Diretor-Superintendente do ICI acabou ganhando assento no Conselho do

MASP e indicado como Diretor de honra da Biblioteca. A experiência do MASP, portanto, em que pesem a competência

da equipe envolvida, os benefícios para o Museu e para os pesquisadores de arte e os ganhos políticos que trouxe para o ICI, talvez tenha sido fatal para a rede. A Direção do Instituto contabilizava os custos de processamento do

acervo, considerando-os muito altos em relação ao retorno em termos de

marketing institucional para o ICI. Ao mesmo tempo, comparava com outros

programas que se estavam desenvolvendo no Instituto - como o de produção

de vídeo - e avaliava que, neste caso, o retorno do investimento em termos de

visibilidade era mais rápido e mais simples. Além disso, ao contrário do Programa do Centro de Referência, a produção de vídeos apresentava a vantagem de não exigir a formação de um quadro de pessoal no Instituto, o que não era interessante em momentos de incerteza e de enxugamento de despesas.

Com isso, o Programa do Centro de Referência Bibliográfica deixou, pouco a pouco, de ser prioritário no ICI, que, naquele momento,

estava também empenhado na construção de sua sede - um grande centro cultural na Avenida Paulista, em São Paulo.

O fato é que, por mais que se tentasse montar estratégias para a implementação do programa, os projetos da área de biblioteconomia e documentação normalmente são, por sua natureza, de longo alcance e não apresentam grande visibilidade, embora possam trazer benefícios sociais mais duradouros e irreversíveis. No entanto, o que se tem visto com mais freqüência, tanto em entidades públicas como nas empresas privadas, é a cultura do evento, do efêmero. Por essa razão, para competir com tal quadro, os projetos de informação devem ser marcados com etapas que possam ser eventos. Não é uma questão de concessão, mas de viabilidade, procurando ganhar visibilidade a cada estágio alcançado.

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Embora o ICI tenha “congelado” o projeto do Centro de

Referência Bibliográfica, de acordo com as palavras de seu Diretor-Superintendente à época, continuou investindo em atividades de documentação sobre arte brasileira, conforme exposto no capítulo 4 do presente trabalho.

A bibliografia

Este trabalho é interdisciplinar. Desta forma, necessitou, para o seu desenvolvimento, além de apoio bibliográfico na área de Biblioteconomia e Documentação, de literatura na área de Arte e de fundamentação teórica fornecida pelas mais variadas disciplinas das áreas de Humanidades. Envolveu, inicialmente, a análise da bibliografia sobre bibliotecas e serviços de informação em arte. Como não há muitas monografias publicadas sobre o

assunto, o trabalho fundamentou-se sobretudo em artigos de periódicos. Dois

títulos de periódicos merecem especial destaque - Art Libraries Journal e Art

Documentation - pois são bibliografia básica quando o assunto diz respeito a bibliotecas de arte. As questões referentes às novas tecnologias foram

analisadas à luz de uma literatura especializada, destacando-se os seguintes

títulos: The Electronic Library, Information Technology and Libraries e ASLIB Proceedings.

Outros títulos também merecem destaque, como Museum, da Unesco, e Museum News, dentre outros, que, esporadicamente, trazem artigos de interesse referentes às atividades de bibliotecas de museus e perfis de seu público. Como se supôs que o público das bibliotecas de arte era

também o público da arte (o freqüentador de museus, galerias, etc.) - suposição só em parte correta porque o grande usuário da biblioteca de arte,

como de todas as bibliotecas no Brasil, é o estudante - considerou-se de

fundamental importância para esta pesquisa textos relativos a pesquisas de público de instituições culturais. O grande problema desses textos é sua dificuldade de acesso, uma vez que, geralmente, constituem pesquisas internas, algumas publicadas para circulação reduzida, fora do circuito comercial, outras existentes apenas como relatórios internos. Dentre as obras

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citadas na bibliografia, encontram-se alguns dos trabalhos que ofereceram

contribuição importante a esta pesquisa. Dada a escassez de literatura e a inexistência de pesquisa sobre a

área de informação em arte no Brasil, gostaríamos que este trabalho, além de contribuir para a melhoria dos serviços de informação em arte no Brasil, servisse de estímulo à pesquisa e à produção de novos conhecimentos na área.

A tese

Infelizmente, nos últimos nove anos, não houve grandes modificações no panorama geral das bibliotecas de arte de São Paulo, com exceção da incorporação lenta e gradual das novas tecnologias, que ainda não chegaram a causar grande impacto. Por essa razão, o Diagnóstico, elaborado em 1988, não foi totalmente refeito, mas apenas atualizado no que se refere à automação. No entanto, para os estudos de caso apresentados nos capítulos que se seguem, não só foram atualizados os dados daquele Diagnóstico, mas também levantados outros aspectos de particular interesse na tese.

Esses estudos de casos, embora se refiram à cidade de São Paulo, geraram reflexões mais amplas sobre a questão da documentação e da organização da informação na área de arte, que talvez possam ser aplicadas, com as necessárias adaptações, a um amplo conjunto de serviços de informação em arte existentes no Brasil. Por isso, esperamos que as conclusões e recomendações apresentadas neste trabalho possam ser úteis para a compreensão da questão da documentação da arte, bem como para fundamentar ações que estimulem a busca de novos caminhos para a organização e o acesso à informação na área de arte.

Naturalmente, as bibliotecas, por serem mais numerosas em nosso meio e, em alguns casos, por conterem bases de dados e serviços de informação especializados, acabaram por ocupar um espaço privilegiado no

presente estudo. Em torno delas estabeleceu-se uma tipologia, cuja

classificação em categorias, em função da natureza, missão e objetivos das

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respectivas instituições mantenedoras, acaba por lhes imprimir uma determinada ‘cara’ que, em alguns casos, poderia se estender a outros serviços de informação.

Assim, as unidades de informação de instituições de ensino e

pesquisa - que englobariam bibliotecas, centros de documentação ou

arquivos ligados a escolas de arte, ou a universidades com departamentos de

arte, ou a instituições de pesquisa - têm, como objetivo principal, atender às

necessidades de ensino e pesquisa de alunos, professores e pesquisadores. O tamanho e a natureza das coleções dessas unidades de informação geralmente dependem do número, do nível e do interesse dos alunos, da natureza dos cursos oferecidos e das disciplinas de arte lecionadas, bem como do envolvimento de professores e alunos com a pesquisa.

No caso das bibliotecas, algumas são ligadas diretamente às unidades de ensino, outras são centrais; algumas restringem seu uso a seus alunos e professores, outras são abertas a toda a comunidade.

No Brasil, nem todas as instituições de ensino possuem bibliotecas, com exceção de faculdades e universidades, em que sua

existência é pré-requisito para o reconhecimento do curso. No entanto, as

bibliotecas de faculdades particulares de arte normalmente não se comparam às das universidades públicas, seja quanto à amplitude, à diversidade e à qualidade de seu acervo, seja quanto à infraestrutura geral de funcionamento.

As atividades do bibliotecário nas bibliotecas de instituições de ensino vão desde a definição de políticas, o planejamento, a administração e gerenciamento do acervo e dos serviços, até o desenvolvimento de coleções, o tratamento das informações e o serviço de referência, incluindo orientação bibliográfica individual ou em grupo. É certo, entretanto, que, se as

instituições particulares, de um lado, caracterizam-se pela relativa autonomia na definição de políticas de constituição e administração do acervo, de outro,

encontram-se tolhidas por restrições de ordem orçamentária. A recíproca, entretanto, não é verdadeira, quando se observam instituições públicas, onde,

à restrição orçamentária, soma-se, via de regra, a interferência de escalões

superiores da hierarquia universitária na definição de políticas de

constituição, administração - e mesmo de preservação (ou destruição) de

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acervos - como mencionei acima, referindo-me a caso concreto há poucos

anos ocorrido na ECA.

Em algumas dessas instituições podem-se encontrar serviços de

documentação especializados, arquivos e bases de dados que servem de apoio às atividades de ensino e pesquisa, além de se configurarem, em alguns casos, como serviços de extensão à comunidade.

Ao contrário das bibliotecas de escolas de arte e de universidades com atividades de ensino e pesquisa em arte, que apresentam um público relativamente homogêneo, as bibliotecas públicas apresentam um público completamente heterogêneo. Em outros países, essas bibliotecas têm acesso a bases de dados, recolhem periódicos locais, programam exposições e outras atividades culturais e procuram manter arquivos de informações sobre a arte e os artistas locais ou regionais, evitando duplicação de serviços já desenvolvidos por outras instituições. Em muitos casos, chegam a montar importantes arquivos com a documentação de artistas e arquitetos locais e a desenvolver significativas coleções especializadas, geralmente provenientes de doações da comunidade, funcionando como verdadeiros centros de pesquisa. É o caso, por exemplo, das bibliotecas públicas das cidades de Nova York, Boston e Chicago, que, por seu acervo e por seus serviços, podem ser consideradas centros de formação do gosto pela arte e de desenvolvimento das práticas artísticas.

As bibliotecas de empresa geralmente são encontradas em escritórios de arquitetura ou design, ou em antiquários, casas de leilões e galerias de arte. Seu objetivo principal é dar apoio às necessidades de informação voltadas à geração de produtos e serviços da empresa, e seu usuário é geralmente um grupo homogêneo. Como traços principais,

destacam-se o fato de demandarem rapidez e precisão de informações e de,

geralmente, possuírem coleções pequenas e especializadas, exigindo, por essa razão, que os bibliotecários responsáveis mantenham contatos freqüentes com outras bibliotecas para suprir suas necessidades de informação. Suas coleções variam de acordo com o tipo de empresa, podendo incluir itens como patentes, catálogos de produtos, catálogos de leilões, amostras de materiais, etc. Nessas bibliotecas, releva destacar a importância do desenvolvimento de serviços de informação personalizados dirigidos aos

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usuários, da manutenção de arquivos de projetos da instituição e do contato com outras bibliotecas para que o profissional não fique muito isolado.

As bibliotecas de museus, a seu turno, devem conter material pertinente às coleções de arte do museu. São seus usuários primeiros o corpo

de funcionários do museu - administradores, curadores, educadores,

conservadores, etc, além de membros do conselho. Usuários também freqüentes são os pesquisadores e os estudantes universitários. Algumas bibliotecas de museus de arte também atendem o público em geral,

dependendo da natureza do museu - público ou privado - do espaço, do

acervo, e dos recursos humanos disponíveis e, principalmente, das políticas do museu.

O acervo, se é aberto ao público, o é apenas para consulta, circulando no âmbito do pessoal da casa e é, quase sempre, constituído por obras de referência, catálogos de exposição, obras relativas aos assuntos e às coleções do museu (para apoio à pesquisa); catálogos de leilões; pastas de artistas; obras sobre conservação, espaço físico e administração de museu. Há, freqüentemente, uma coleção que fornece apoio didático à área de educação do museu e que, quase sempre, inclui coleções audiovisuais.

Na maioria dos casos, a biblioteca não tem acesso direto à documentação relativa ao acervo de arte, sob a responsabilidade de outra área do museu, geralmente denominada área de acervo ou documentação. Esta área, apesar da coincidência dos nomes, na maioria dos casos nada tem a ver com a biblioteca ou com o centro de documentação do museu,

constituindo-se num serviço à parte, que não conta com a participação do

bibliotecário. Desta situação decorre a fragmentação das atividades de documentação e informação e a falta de sistemas de informação integrados. Lato sensu, todos são serviços de informação, quer sejam elaborados por museólogos, bibliotecários ou outros profissionais, e só haveria benefícios para o museu e para seu público se essas atividades resultassem de projetos integrados, como veremos no capítulo 3.

A maior parte do acervo das bibliotecas de museus é obtida por meio de intercâmbio com outras instituições, ou por doações de editoras, artistas ou pesquisadores. Outras informações, tais como dados sobre artistas

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locais, são geralmente coletadas a partir de convites, folhetos, cartazes, recortes de jornais e revistas e arquivadas para consulta.

A biblioteca do museu de arte talvez constitua, em comparação com as demais bibliotecas de arte, o objeto mais interessante de pesquisa e, em princípio, o mais aberto a novas propostas. Isentas de programas pedagógicos, ao contrário das bibliotecas de instituições de ensino, livres de preocupações com rentabilidade, ao contrário das bibliotecas de empresa, livres da diversidade de assuntos das bibliotecas públicas, e tendo como estímulo e facilidade a proximidade com a própria arte e os artistas, as bibliotecas de museus têm condições de se voltarem mais diretamente às questões da documentação da arte, ao mesmo tempo em que podem desenvolver projetos integrados a outros profissionais e outras áreas da instituição, já que o aprimoramento e a fluidez da informação e da comunicação são estratégias fundamentais para o museu hoje.

Quase todos os museus possuem também seu arquivo, às vezes vinculado à biblioteca, outras, não. Geralmente contêm documentos textuais e imagens relacionados à história do museu, mas alguns possuem também

arquivos pessoais - de artistas, colecionadores, pesquisadores e críticos - ou

de grupos ou movimentos artísticos. Pretendemos demonstrar que a informação não se restringe ao

que circula nas unidades de informação e que seu papel principal é o de

interagir com outros setores dentro da instituição - seja ela um museu, uma

escola ou uma empresa - e fora dela, criando um amplo sistema que garanta

a seus usuários - atuais ou potenciais - o maior acesso possível à informação e ao conhecimento. Temos plena consciência de que a informação não pode ser confinada burocraticamente em nenhum setor. Sua produção, circulação e uso se caracterizam por um constante movimento e pela contínua inversão de papéis (o produtor de informação também pode ser seu consumidor e

vice-versa), constituindo um permanente desafio aos que desejam organizá-

la, encontrá-la, utilizá-la, seja em atividade profissional ou por mera fruição.

Embora a biblioteca de arte desenvolva os mesmos processos básicos de qualquer outra biblioteca especializada, há algumas características que a diferenciam das demais e que justificam o seu tratamento

especializado. Dentre esses aspectos, destacam-se a heterogeneidade e a

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amplitude de seu acervo e de seus usuários, estes tão diversificados quanto os materiais que procuram. Essas características serão analisadas ao longo deste trabalho.

O primeiro capítulo trata da arte na biblioteca pública, focalizando, principalmente, o trabalho desenvolvido por um grupo de intelectuais paulistas à direção da Biblioteca Municipal e os serviços e

atividades decorrentes de sua ação inovadora, à época. Essa ação - numa

cidade então menor e mais simples, é certo - influiu na produção artística, na

circulação de informações sobre arte, na formação de público, no desenvolvimento da crítica especializada e no surgimento dos primeiros museus de arte na cidade.

O segundo capítulo trata dos serviços de informação em arte dentro da Universidade, especialmente nas unidades de ensino e pesquisa da Universidade de São Paulo, tentando, a partir de um panorama histórico inicial e da análise do quadro atual de uma das maiores universidades brasileiras, discutir o papel das bibliotecas universitárias e dos serviços de documentação em relação à organização, difusão e acesso à informação na área de arte.

Destaque especial será dado, no capítulo 3, às bibliotecas e serviços de informação em museus de arte, devido, não apenas à diversidade de suas coleções e de seus usuários, mas, particularmente, à sua possibilidade de integração a outras atividades de informação e documentação dentro do museu, bem como a unidades de informação de outras instituições.

Dentre as bibliotecas analisadas em São Paulo, as dos museus são as que se encontram em situação mais precária. É uma situação paradoxal: as estatísticas assinalam que os museus têm sido dia a dia mais visitados; no

entanto, suas bibliotecas não parecem participar desse processo, alijando-se

dele. Isto é ainda mais preocupante por ser o museu um espaço de informação privilegiado, onde há amplas possibilidades de se desenvolver um trabalho integrado que o valorize em suas funções de informação, lazer e

cultura. Agrava-se tal quadro pela óbvia convergência de objetivos e de

práticas relacionadas à documentação e que, entretanto, são desenvolvidas compartimentadamente pelo museu e pela biblioteca do museu.

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A partir do estudo de cinco museus de arte da cidade, procuramos analisar o processo de formação e desenvolvimento da instituição, bem como as áreas que produzem informação no museu, a fim de avaliar o fluxo de informação e o papel da biblioteca e dos demais setores do museu nesse sistema, como também o nível de integração existente para a difusão da informação produzida internamente.

O quarto capítulo decorreu da análise do estado atual das bibliotecas e museus de arte e reflete um outro tipo de inquietação: qual o papel da biblioteca e do bibliotecário de arte no momento em que as bibliotecas e os museus virtuais já são uma realidade e que a Internet, rede

global de redes de informação, está-se tornando, como afirma BROWN (1994, p.16) tão fundamental quanto o telefone?

Embora essa questão não seja exclusiva da biblioteca de arte, certamente a atingirá com maior impacto, sobretudo em razão da importância da imagem como fonte de pesquisa nesse tipo de biblioteca: já

existem infinitas possibilidades de digitalização de imagens, tornando-as muito mais acessíveis.

Em todos os campos do conhecimento, as bases de dados passaram a desempenhar importante papel no registro e na difusão de dados e informações. Também no campo das artes já existem algumas bases de dados em funcionamento e uma série de experiências de registros de imagens

em meios eletrônicos, tanto em CD-ROM quanto em rede. É fundamental que essas experiências sejam analisadas, discutidas e avaliadas no contexto informacional da área, levando em conta o uso que dela fazem os especialistas da área e as perspectivas futuras.

Esta questão e outros temas relacionados às novas tecnologias nas bibliotecas de arte serão analisados na literatura específica e confrontados com a prática dos bibliotecários da área, bem como dos estudantes, pesquisadores, historiadores e críticos de arte e também dos artistas, a fim de avaliar até que ponto o mundo virtual começa a dominar o cenário da informação em arte e quais as perspectivas para os serviços de informação em arte no Brasil.

Nesse contexto, caracterizado por um presente ainda precário, apesar de um futuro promissor, como fica o usuário da informação artística?

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Percorre bibliotecas, museus, centros de documentação, bases de dados e arquivos em busca da informação de que necessita? Ou será que desiste e se contenta com uma ou outra indicação conseguida por acaso, por freqüência a livrarias ou sugestão de amigos e professores?

Esta pesquisa não faria sentido se dela estivesse excluído o público, o usuário real ou potencial da documentação da arte, personagem que permeia todos os capítulos desta obra, mas que ganhou um espaço especial no capítulo 5.

Constatamos, pelo Diagnóstico a que já nos referimos anteriormente, que, salvo algumas exceções, as bibliotecas e serviços de documentação da arte da cidade de São Paulo são subutilizados, quer por atingirem pouco público, quer por não proporcionarem acesso a toda a documentação existente. Verificamos que, muitas vezes, os acervos são subutilizados até pelos usuários cuja atividade profissional depende da informação, como é o caso dos pesquisadores, professores, jornalistas, historiadores, críticos e estudantes de arte. Por outro lado, o uso da informação não é estimulado pelas bibliotecas e serviços de documentação e estudos relativos aos usuários potenciais desses serviços são praticamente inexistentes. O atraso em relação às novas tecnologias da informação, que poderiam trazer uma nova dinâmica aos serviços e maior facilidade de acesso à informação, também pode ser responsável pelo pouco uso das bibliotecas de arte.

Acrescente-se a isso a falta de definição do objeto da

documentação - não há consenso em relação aos tipos de suportes

documentais que devem fazer parte dos acervos das bibliotecas e centros de documentação e falta clareza na compreensão da relação desses registros

documentais com a obra de arte - o que dificulta o desenvolvimento das

atividades de documentação e dá lugar a decisões arbitrárias que, muitas vezes, são verdadeiros obstáculos à pesquisa.

No diagnóstico elaborado em 1989, o usuário não estava presente. Na verdade, não se sabia com precisão quem era o público das bibliotecas e serviços de documentação da arte, quais eram as suas necessidades e seus desejos. A pesquisa desenvolvida para a tese trouxe esse

público ao centro da discussão, tornando-o participante do processo de

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avaliação das unidades de informação em arte da cidade. Por outro lado,

procurou abranger também o ‘não-público’, o usuário em potencial da

documentação artística, dando prioridade ao público especializado na área.

O estudo dos usuários especializados baseou-se em dados

qualitativos levantados por meio de entrevistas com artistas, historiadores, pesquisadores, estudantes e críticos de arte, museólogos, conservadores, curadores e marchands. Essa pesquisa teve como objetivo definir a importância da biblioteca e dos centros de documentação em sua atividade profissional, identificar bibliotecas/centros de documentação de maior significado, identificar suas fontes de informação; saber, enfim, como trabalham e em que medida usam os serviços de informação estruturados e as novas tecnologias, além de colher sugestões sobre a questão da documentação da arte e sobre o papel que devem desempenhar as bibliotecas e os serviços de informação da arte hoje, em nosso meio. É preciso investigar se este público está chegando à informação pelos serviços de informação institucionais e, caso contrário, investigar as razões pelas quais isto não está acontecendo.

Entretanto não será deixado de lado o público não especializado

- o estudante, o professor, o pesquisador, o agente cultural ou qualquer

pessoa interessada nas várias modalidades de arte - que também constitui

uma faixa considerável da demanda potencial. Ampliar o público da informação sobre arte é também uma

maneira de formar novos públicos para as artes, favorecendo a compreensão da arte, estimulando a criação, a atividade artística e a pesquisa na área, e fornecendo elementos para a apreciação artística.

Formar o apreciador de arte é, justamente, dar elementos para que o indivíduo possa se apropriar dos bens culturais, numa tentativa de combater a privação imposta pela instrução deficiente e pela origem social. Essa apropriação se inicia pelo domínio do código. E isso se pode aprender. Esse conhecimento implica a formação de um patrimônio cognitivo, de uma competência artística, que complementa a recepção puramente estética, “potencializando a fruição ao abrir, para o receptor, diferentes caminhos de aproximação à obra de arte” (COELHO NETTO, 1997, p. 95). A competência artística, de acordo com o Dicionário Crítico de Política Cultural, é

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constituída por informações sobre elementos estilísticos, históricos, biográficos e outros que possibilitam a determinado indivíduo ou grupo “identificar uma obra no interior do universo artístico em que se encaixa” (COELHO NETTO, 1997, p.95). A informação artística tem, portanto, um papel a desempenhar no desenvolvimento da competência artística dos indivíduos e na formação de público para as artes. Desta forma, nesse espaço devem atuar, dentre outras, as instituições que cuidam da informação e da documentação da arte.

A pesquisa sobre documentação da arte e seu público também se justifica num momento em que se está retomando a política de incentivos à cultura, em âmbito municipal, estadual e federal. Significa a valorização da instituição, sempre concorrendo com a ‘cultura de eventos’, aquela representando o durável e esta, por ser efêmera, mais voltada para o consumo, para o entretenimento e, por essa razão, possibilitando ganhos políticos e/ou econômicos imediatos a seus promotores. A pesquisa procurará demonstrar a importância de se investir na estruturação e aprimoramento dos serviços de informação em artes em São Paulo e no desenvolvimento de instrumentos que favoreçam a circulação da informação artística e o acesso aos documentos sobre arte.

O último capítulo apresenta propostas para uma ‘nova ordem’ nas bibliotecas e serviços de documentação ou informação em arte da cidade de São Paulo, a partir da redefinição da vocação, ou da missão dessas bibliotecas ou serviços de documentação, tanto em relação à instituição mantenedora e a seus usuários, quanto em relação ao conjunto dos serviços de documentação existentes na cidade, situando os esforços cooperativos como condição de sobrevivência desses serviços.

Na discussão dessas questões, fundamentais para a compreensão dos serviços de informação em arte e para o direcionamento das mudanças que se fazem necessárias para se colocar a biblioteca de arte no seu tempo, foram estudadas as instituições (seus objetivos, seu acervo e seus serviços) e os usuários (particularmente aqueles que ‘vivem’ da arte), mas não se descuidou de um elemento fundamental: o bibliotecário de arte. De sua compreensão do papel da biblioteca de arte no quadro atual da cultura e da informação e de sua participação ativa na rearquitetura desse quadro, em decorrência tanto dos debates culturais contemporâneos quanto das novas

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tecnologias, dependerá não apenas a qualidade do desempenho da biblioteca de arte, como também a inserção da arte nas políticas nacionais e internacionais de informação.

Ao caracterizar a área da informação em arte e tentar conceituar o objeto de trabalho da documentação da arte, ao discutir critérios para a seleção do que deve ser armazenado, ao analisar as formas viáveis de registro documental, ao propor projetos de informação integrados tanto a setores da própria instituição, como a outras instituições, e ao alertar para a necessidade de incorporação das novas tecnologias pelos sistemas de informação em arte, esperamos que este trabalho possa contribuir para a valorização da área de informação em arte, que ainda é considerada supérflua e mal resolvida. Esta reflexão sobre as questões fundamentais de sistemas de informações em arte, além de estimular a pesquisa e a atividade profissional na área, poderá trazer subsídios para a tomada de decisões quanto a projetos de instituições ligadas às artes e quanto a seu direcionamento, além de colaborar para a sua inserção no quadro cultural e informacional da cidade.

Os tempos são difíceis e os recursos financeiros sempre insuficientes. Em épocas de crise, quase inexistentes. Por isso é preciso não dispersar recursos e esforços com projetos inviáveis, inadequados ou inúteis. Ao definir uma estratégia global para os serviços de documentação da arte, este trabalho procurará estimular o surgimento de projetos adequados, viáveis, bem dimensionados e, portanto, eficazes em nosso meio.