terra livre 54

8
TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL BOLETIM Nº 54 FEVEREIRO DE 2013 Chapéus E ambientalistas Há muitos Pinhal da Paz aberto ao fim de semana Incineração e saúde Touradas e paz social

Upload: teofilo-braga

Post on 30-Mar-2016

213 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Boletim do CAES

TRANSCRIPT

TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL

BOLETIM Nº 54 FEVEREIRO DE 2013

Chapéus E ambientalistas

Há muitos

Pinhal da Paz aberto ao fim de semana

Incineração e saúde

Touradas e paz social

Terra Livre nº 54 ◊ Fevereiro de 2013 Página 2

Tal como “chapéus há muitos”, ecologistas

e ambientalistas é “fauna” que anda muito

longe de andar em vias de extinção. Do

mesmo modo, são mais do que muitas as

correntes de opinião existentes sob o

guarda-chuva do ecologismo e do

ambientalismo.

Nos últimos tempos, a corrente que mais

adeptos têm granjeado é a ambientalista que

tem proliferado sob a asa protetora dos

governos ou das empresas que prezam

muito a sua responsabilidade social e

ambiental e que, segundo se diz, investem

mais em publicidade para lavar a sua cara

do que em projetos concretos.

Os ambientalistas encartados que se julgam

parceiros sociais, mas que não passam de

jarras para enfeitar as salas de reuniões,

caracterizam-se por defenderem uma

ecologia para “ricos”, que pinta de verde o

selvagem capitalismo que comanda os

destinos do mundo, mas que aos olhos da

imprensa cor-de-rosa-alaranjada, como

dizia o temido e destemido escritor e

jornalista Manuel Ferreira, são portadores

de um discurso modernaço e tranquilizador.

Se o seu discurso é capaz de fazer chorar as

pedras de qualquer calçada, a prática é

confrangedora e caraterizada pelo silêncio

absoluto, ou quase, perante os mais

abomináveis atentados ambientais, pela

organização de encontros onde são apenas

um apêndice ou são falsos promotores, já

que se limitam a pagar as despesas com

verbas que os governos transferem para as

contas bancárias das suas organizações.

São, também, atividades prediletas dos

ambientalistas mencionados a promoção de

atividades periódicas que nada resolvem,

como campanhas de limpeza de praias,

portos ou marinas, campanhas de

erradicação de infestantes ou plantação de

endémicas.

Para atestar o afirmado acima, basta ver a

quantidade de lixos que são retirados, ano

após ano, nos mesmos sítios.

No caso do trabalho voluntário e gratuito

poderemos estar perante uma competição

com todas as pessoas que perderam o seu

emprego e que poderiam ser contratadas

para realizar os trabalhos em questão em

troca do pagamento de um salário justo. E

não me venham com a conversa do

costume, de que estamos em crise e não há

verbas suficientes para mais contratações

porque dinheiro para ser esbanjado em

inutilidades há muito. Façam a conta ao

dinheiro desbaratado em futebóis e outros

desportos profissionais, com equipas onde

mal entram os jovens açorianos ou em

touradas ou vacadas onde os animais são

mais ou menos vítimas de maus tratos,

sofrem ou morrem inutilmente e alguns

humanos aprendem a insensibilidade,

CHAPÉUS E AMBIENTALISTAS HÁ MUITOS

Terra Livre nº 54 ◊ Fevereiro de 2013 Página 3

outros são feridos e outros ainda acabam

por morrer, ficando toda a gente tranquila e

sem problemas de consciência pelo simples

facto das vítimas se encontrarem, depois de

ter sido dado o sinal costumeiro, dentro das

linhas que delimitavam o percurso.

Outros ambientalistas, mais

recatados, limitam-se a refletir não se sabe

sobre o quê, reduzindo o seu raio de ação à

área da sua casa e, por vezes, acrescentado

àquela a do seu quintal.

Uns convenceram-se de que a ciência e a

tecnologia são capazes de resolver os

problemas do mundo e outros, munidos de

outro tipo de fé, acreditam que se mudarem

a si mesmos o mundo, por inércia, também

fica melhor.

Ambos seguem a cartilha dos grandes

grupos económicos que convenceram, os

mais incautos ou os subservientes, que a

responsabilidade pela situação de crise em

que todos vivemos é dos indivíduos,

desviando, assim, a atenção dos verdadeiros

culpados que são eles próprios e os seus

agentes nos diversos estados.

É baseado nesse falso pressuposto, que

também considera que as alterações se

conseguem se as pessoas mudarem os seus

comportamentos, que funcionaram alguns

projetos de educação ambiental

dinamizados pelas antigas ecotecas e pelos

clubes escolares ou que funcionam as eco-

escolas que, com atividades rotineiras e

circunscritas a um número limitado de

alunos e com dinamizadores socialmente

apáticos, são no meu entender uma grande

farsa que se mantem apenas para enfeitar as

estatísticas dos relatórios do estado do

ambiente.

Esquecem-se, ou não querem ver, que os

problemas ambientais têm as suas raízes em

problemas sociais e que, como muito bem

escreveu Récio “acreditar que as ações

individuais são capazes de gerar mudanças

estruturais é um mito” pelo que se torna

imprescindível uma ação politica e social.

O pai da ecologia social, o americano

Murray Bookchin também manifestou

opinião idêntica, tendo afirmado que

“nenhum dos problemas ecológicos que

hoje defrontamos se pode resolver sem uma

profunda mutação social”.

A grande falha do movimento ecológico

está precisamente no facto de nunca ter

assimilado aquela ideia.

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, nº 27341, 30 de

Janeiro de 2013, p.13)

Terra Livre nº 54 ◊ Fevereiro de 2013 Página 4

Exmo. Senhor

Secretário Regional dos Recursos Naturais,

Considerando que o Pinhal da Paz é uma

área que pela sua riqueza florestal

proporciona condições ímpares para a

educação ambiental informal;

Considerando que o Pinhal da Paz é uma

área que oferece aos seus utentes momentos

de lazer tão necessários à qualidade de vida

e bem-estar de todos;

Considerando que o Pinhal da Paz é um

recurso que deve estar à disposição das

populações que têm o direito de o usufruir

durante os seus tempos livres;

Os signatários, solicitam a V. Excelência a

abertura do Pinhal da Paz todo o ano,

nomeadamente no Outono e Inverno,

durante os fins-de-semana com um horário

que permita o seu usufruto, não só por

residentes, mas também por quem nos

visita.

Os signatários

Assine aqui:

http://peticaopublica.com/PeticaoVer.aspx?

pi=P2013N35260

OPINIÃO

“Após ter ouvido várias pessoas

lamentar-se pelo facto de se terem

deslocado ao Pinhal da Paz ao fim de

semana e de terem batido com o nariz na

porta, decidi ver com os meus próprios

olhos e confirmei a presença de uma

placa informativa a transmitir que no

chamado horário de inverno o mesmo

estava encerrado.

Não vou propor nenhum horário

alternativo, pois os responsáveis por

aquele espaço com certeza terão a

capacidade e o bom senso de

apresentarem um, mais de acordo com a

disponibilidade dos visitantes, mas não

resisto em transcrever a reflexão bem-

humorada sobre o mesmo que

apresentou Manuel Moniz, no Diário dos

Açores, no passado dia 2 de Fevereiro:

“…Porque aparentemente não faz sentido

que o Parque abra às 8 horas, quando

podia perfeitamente abrir às 10 ou às 11

horas. Assim como não se compreende que

não feche para a hora de almoço, pelo

menos entre as 12 horas e as 14 horas! E

também acho que devia estar fechado no

mês de Agosto, para férias do pessoal!””

TB (Correio dos Açores, 6 de Fevereiro

de 2013)

PETIÇÃO: PINHAL DA PAZ ABERTO AO FIM DE SEMANA

Terra Livre nº 54 ◊ Fevereiro de 2013 Página 5

Un estudo revela maior risco de cancro

perto de incineradoras

Ecoloxistas en Acción reclama inspeccións

exhaustivas de plantas de residuos que

liberan sustancias tóxicas.

Un estudo científico, publicado

recentemente na revista “Environment

International”, detectou riscos significativos

para as poboacións españolas situadas perto

de incineradoras e plantas de tratamento de

residuos perigosos. Existe unha

probabilidade maior de cancro, segundo

conclúen os autores. Ecoloxistas en Acción

considera que este informe demostra a

inadecuada xestión de residuos perigosos e

reclama inspeccións exhaustivas.

“Hai estatisticamente máis risco, tanto para

homes como para mulleres, de morte por

cancros (estómago, pulmón, pleura, ril e

ovario) en cidades situadas perto de

incineradoras e plantas de tratamento de

residuos perigosos”, conclúe o estudo

realizado por un grupo de investigadores do

Instituto de Saúde Carlos III de Madrid, un

centro punteiro de investigación biomédica.

O estudo revela que a posibilidade de

morrer por cancro é maior para os que

viven perto de vertedoiros (5 quilómetros) e

se as instalacións de tratamento de residuos

son incineradoras. Foron 33 os tipos de

cancro analizados. A hipótese de que un

exceso de mortalidade por cancro pode ser

debida á exposición da poboación á

contaminación industrial, queda

confirmada. Así mesmo, as incineradoras

revélanse como potentes emisores de

carcinóxenos como dioxinas, arsénico,

cromo, benceno, hidrocarburos aromáticos

policíclicos, cadmio, chumbo,

tetracloroetileno, hexaclorobenceno, níquel

e naftaleno.

INCINERAÇÃO E SAÚDE

Terra Livre nº 54 ◊ Fevereiro de 2013 Página 6

O estudo abrangue 8.098 poboacións

españolas e realizouse en base a datos

recollidos entre 1997 e 2006. O traballo non

considerou aquelas instalacións que

entraran en funcionamento recentemente e

cuxa posíbel influencia no

desenvolvemento dos tumores sería

discutíbel.

Analizáronse 129 instalacións, entre elas

incineradoras, plantas de xestión de

vehículos ao final da súa vida útil, de

tratamento físico-químico, de residuos

oleaxinosos, de reciclaxe de envases, de

recuperación de disolventes usados ou de

baños acedos esgotados). Só en 2007, as

instalacións analizadas liberaron 525.428

toneladas de sustancias tóxicas ao aire e

4.984 toneladas á auga.

Ecoloxistas en Acción coida que os

resultados obtidos confirman a inadecuada

xestión que teñen os residuos perigosos en

España, ademais de demostrar a

incompatibilidade da incineración de

residuos coa salvagarda da saúde da

poboación. Carcinóxenos probados deben

ser corrixidos e minimizados. A produción

limpa e a prevención da contaminación son

dous instrumentos imprescindíbeis para

reducir o perigo.

Os Ministerios de Medio Ambiente e de

Sanidade, conxuntamente coas

Comunidades Autónomas, deben someter a

estas 129 instalacións a unha inspección en

profundidade, detectar as deficiencias no

seu funcionamento, trasladar toda a

información á cidadanía e implementar as

mellores prácticas dispoñíbeis para que a

xestión de residuos deixe de ser unha

ameaza.

http://www.ecologistasenaccion.org/article2

4781.html

Terra Livre nº 54 ◊ Fevereiro de 2013 Página 7

Sabendo-se que o argumento da tradição

não colhe, que o do contributo para a

promoção turística é falso e que até hoje

nunca ninguém provou que as touradas

contribuíssem positivamente para a criação

de riqueza nos Açores, os adeptos das

touradas alegam o seu importante papel

social, nomeadamente no fomento do

convívio entre as populações e no

esbatimento das diferenças entre as classes

sociais.

Não é a venda de vídeos que ninguém bem

formado pode apreciar e que só nos

envergonha perante os visitantes mais

cultos e sensíveis ao sofrimento do animal

(forçado a participar) e ao sofrimento

humano (ainda que participante voluntário);

não é a venda de gelados, nem de favas ou

de amendoins; não é a venda de cerveja,

que nem açoriana é; e muito menos as taxas

pagas pelos promotores das touradas que

contribuem para uma economia regional

sustentável. Por acaso, já alguém teve o

cuidado de fazer o balanço entre as receitas

e as despesas das touradas de todos os

tipos?

Estou convencido que este balanço por ser

negativo para a Região nunca será feito.

Com efeito, a vinda de touros, cavalos,

toureiros do continente português ou do

estrangeiro para as touradas de praça é uma

saída de dinheiro que muito bem poderia

ser investido em atividades produtivas nos

Açores. No caso das touradas à corda,

algum comércio que se faz de certeza não

compensa o que não é feito noutras áreas

comerciais, o tempo de trabalho que é

perdido para a criação de riqueza, as

despesas com os cuidados de saúde

derivados dos feridos que vão acontecendo

e as vidas que se perdem não farão com que

o “crime” não compense.

Relativamente ao convívio que anda

associado às touradas à corda acho que o

mesmo poderá continuar a existir sem haver

a necessidade de ter estar associado à

presença de um animal. Basta imaginação e

criatividade e estas os terceirense têm

quanto baste para fazerem evoluir as suas

festas e senão a possuíssem bastava

seguirem o exemplo do Boi-de- mamão que

segundo alguns é “uma brincadeira típica

do folclore da ilha de Florianópolis,

envolvendo diversas personagens e músicas

com ritmos açorianos”.

Por último, o outro argumento que é por

demais difundido é o de que as touradas,

sobretudo as à corda, permitirem o

esbatimento das diferenças de estatuto

social e tornarem possível a

confraternização entre as várias classes

sociais.

Eu que nunca acreditei que as classes

sociais, tal como a luta de classes, já

haviam sido abolidas, também não acredito

TOURADAS E PAZ SOCIAL

Terra Livre nº 54 ◊ Fevereiro de 2013 Página 8

que com as touradas haja uma

confraternização entre ricos e pobres e entre

exploradores e explorados. O que há e

sempre houve, ao longo dos tempos, são

alguns populistas que oferecem touradas e

vacadas ao zé-povinho a troco de votos e de

outros favores, sabendo que estão a dar-lhe

o ópio que o insensibilizará face ao

sofrimento animal e o anestesiará para a

luta pelos seus direitos.

Sobre o assunto, Paulo Silveira e Sousa, no

texto “As elites, o quotidiano e a construção

da distinção no distrito de Angra do

Heroísmo durante a segunda metade do

século XIX”

(http://hdl.handle.net/10400.

3/399) publicado na revista Arquipélago

História, em 2004, referindo-se às touradas

à corda na segunda metade do século XIX,

escreve:

“As touradas eram um palco para

demonstrações de força, de destreza, e

para as relações entre classes segundo o

velho modelo paternalista e hierárquico.

Apesar de serem frequentadas por todos

os grupos sociais, tanto urbanos como

rurais, não podemos daqui inferir

apressadamente a conclusão de que

estas eram uma espécie de espaço

igualitário. Só aparentemente a tourada

era um espaço sem distinções de classe.

A marca do ganadeiro que apresentava

os touros, a presença das suas equipes,

dos seus pastores, ou a sua própria

presença pessoal criavam logo

diferenças, dando-lhe visibilidade e

notoriedade.”

A corroborar a afirmação anterior o mesmo

autor, no texto referido, um pouco mais

adiante afirma:

“Entre os senhores de gravata da

cidade, as suas esposas e filhas, que de

um balcão seguro observavam o touro, e

os camponeses descalços que corriam

fugindo das investidas do animal, as

diferenças estavam novamente bem

claras. Alguns notáveis podiam estar

presentes por serem ainda donos de uma

antiga casa de família, reproduzindo-se

assim a deferência com que os

camponeses tratavam os senhores das

vilas e cidades, ou podiam ser apenas os

convidados de um proprietário influente

da freguesia. Outros ainda eram os

representantes, igualmente, falidos, do

velho mundo marialva.”

Hoje, depois de muitas voltas ao Sol dadas

pela Terra, depois de muitas ditaduras, a

última das quais a partidocrática, a situação

não se alterou significativamente. Com

efeito, continuam as touradas a alimentar

uns poucos à custa dos dinheiros que são de

todos.

Mariano Soares