teoria conglobante zaffaroni

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    Revista Liberdadesn 1 - maio-agosto de 2009

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    Revista Liberdades - n 1 - maio-agosto de 2009 2

    EXPEDIENTEInstituto Brasileiro de Cincias Criminais

    DIRETORIA DA GESTO 2009/2010

    Presidente: Srgio Mazina Martins

    1 Vice-Presidente: Carlos Vico Maas

    2 Vice-Presidente: Marta Cristina Cury Saad Gimenes1 Secretria: Juliana Garcia Belloque

    2 Secretrio: Cristiano Avila Maronna

    1 Tesoureiro: dson Lus Baldan

    2 Tesoureiro: Ivan Martins Motta

    CONSELHO CONSULTIVO:

    Carina Quito, Carlos Alberto Pires Mendes, Marco Antonio Rodrigues Nahum,

    Srgio Salomo Shecaira, Theodomiro Dias Neto

    Publicao do Departamento de Internet do IBCCRIM

    DEPARTAMENTO DE INTERNET

    Coordenador-chefe:

    Luciano Anderson de Souza

    Coordenadores-adjuntos:

    Joo Paulo Orsini Martinelli

    Luis Eduardo Crosselli

    Regina Cirino Alves Ferreira

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    ARTIGO

    REFLEXES DOGMTICAS

    SOBRE A TEORIA DA

    TIPICIDADE CONGLOBANTE

    Alamiro Velludo Salvador Netto

    Sumrio:

    1. Resumo. 2. Introduo: A unicidade do delito e a analtica da compreenso e apli-

    cabilidade: a relao entre tipicidade e antijuridicidade. 3. O pensamento de Zaffaroni

    e a tipicidade conglobante. 3.1 Lei, norma e interesse (bem jurdico) 3.2 Tipicidade

    penal: tipicidade legal (formal) e tipicidade conglobante - 3.3 Antijuricidade e causas de

    justificao (tipos permissivos) 4. Concluses e crticas ao pensamento da tipicidade

    conglobante 5. Bibliografia citada no texto.

    1. Resumo

    O presente artigo possui como finalidade realizar algumas exposies, anlises e

    crticas a respeito do pensamento elaborador da teoria da tipicidade conglobante. No

    so muitos os escrito sobre o tema, o que, se por um lado dificulta a obteno de obras

    especficas, por outro possibilita um amplo e aberto debate no tocante s suas asserti-

    vas. Busca-se, assim, compreender a estruturao dos elementos da teoria do delito em

    conformidade com o pensamento de EUGENIO RAL ZAFFARONI. Alm disso, inten-

    ta-se um cotejo com outras modalidades de pensar a elaborao conceitual do crime,

    sempre com a finalidade precpua de aprimorar o potencial da dogmtica jurdico-penal

    para a resoluo de casos concretos. Mais do que concluses, indagaes e postula-es pontuais so feitas, de modo a divulgar a teoria e, ao mesmo tempo, critic-la e

    usufruir academicamente aquilo que tem de melhor e mais adequado nossa realidade

    penal contempornea.

    Palavras-chave:

    Direito Penal - Dogmtica Penal Teoria do Delito - Tipicidade Penal Tipicidade

    Conglobante.

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    2. Introduo: A Unicidade do Delito e a Analtica da

    Compreenso e Aplicabilidade: A relao entre Tipicidade e

    Antijuridicidade

    O conceito de delito, construdo ao largo do desenvolvimento jurdico penal, dotadode individualidade, ou seja, constitui um todo orgnico1. Isto quer dizer, acima de tudo,

    que o fato da dogmtica jurdica, de forte vis analtico, demonstrar a existncia de suas

    elementares estruturantes, no implica - como conseqncia - na desnaturao de um

    objeto nico e, por esta razo, divisvel to-somente no plano intelectual. O crime - no

    obstante seja integrado pela ao humana dotada de tipicidade, antijuridicidade e cul-

    pabilidade, ao menos na noo tripartida tradicional - tem o seu conceito resultante da

    integrao e principalmente da superao destas modalidades vistas em si mesmas.

    Assim, devem ser evitadas as idias que simplesmente definem o objeto criminal princi-

    pal como um mero aglutinado (adio) de todos estes consagrados elementos.A elaborao da infrao penal corresponde a uma maneira especfica de integrao

    destes mesmos elementos, de um sistema e de uma ordem, a fim de delimitar uma

    montagem determinada e engrenada que muito difere da simples juno aleatria de

    peas. Do mesmo modo, e a ttulo ilustrativo, o corpo humano no pode ser definido

    apenas pelos rgos que o compem e sem os quais no seria aquilo que realmente .

    Os componentes para formarem um todo devem estar estruturados de forma coerente,

    funcional, potencializando mutuamente uns aos outros em benefcio da globalidade. O

    todo no se resume ou mistura com as partes, as supera e se diferencia. Os estudos

    desta dinmica entre os componentes do delito e a sua respectiva superao so pre-cisamente os objetos cientficos da Teoria do Delito, um dos temas mais complexos e

    controvertidos de toda a Cincia do Direito.

    Ao contrrio da cincia que vislumbra meramente a observao, o Direito apresen-

    ta um complicador adicional. dogmtica jurdica no cabe apenas conhecer o delito

    como faz o botnico em relao flor. Ao estudioso do Direito o trabalho resulta na

    prpria constituio do conceito de delito. O conhecer, neste aspecto, confunde-se com

    o construir, outorgando os critrios e postulados necessrios para a percepo e, alm

    disso, operacionalizao das normas jurdicas como estruturas de sentido destinadas

    ao controle social. Estudar a Teoria do Delito impe a possibilidade de transform-la,

    vislumbrando a elaborao de um sistema e de uma ordem melhores e mais capazes

    de articularem a aplicabilidade concreta, no caso, do Direito Penal.

    A larga evoluo da teoria do delito sempre imps um problema significativo na re-

    lao entre tipicidade e antijuridicidade. Trata-se de um convvio tenso, no qual difcil

    estabelecer as margens de incio e fim diferenciadores de um e de outro conceito. Dito

    de outro modo, no de tranqila resoluo pontuar, cientificamente, as zonas de in-

    terao e separao dos conceitos, bem como sua perfeita distino dogmtica. No

    toa, alis, que o desenvolvimento da noo de tipicidade demarca-se pelos contatos1 A expresso do delito como um todo orgnico extrado da obra de ANTOLISEI, Francesco. Ma-nuale de Diritto Penal. 3 ed. Milano: Giuffr, 1957, p. 143.

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    desta categoria do crime com a antijuridicidade, ora situadas em planos dotados de plena

    ciso, ora totalmente integradas e unificadas. Exemplo da primeira vertente a teoria de

    BELING, denominada como fase da independncia do tipo penal. Demonstrao da se-

    gunda a postulao de MEZGER, o qual resta por fundir tipo e ilcito em nico momento

    de verificao analtica (ratio essendi).

    O que pode ser dito, porm, com certa dose de firmeza e independentemente da teoria

    correta, so os critrios pelos quais as teorias devem ser conferidas cientificamente como

    adequadas ou no. Uma primeira verificao ao se separar idealmente as partes de um

    todo dada exatamente em sua lgica e racionalidade. A logicidade, nestes termos,

    funciona como um via de mo dupla. A elaborao analtica apenas pode ser til na exata

    medida em que confere ao operador uma capacidade maior de articular os conceitos ju-

    rdicos com a finalidade de aplicao concreta do direito (rendimento). Os elementos do

    crime articulam-se como etapas pressupostas e necessrias, orientadoras do intrprete

    em sua construo social para o aperfeioamento do conceito de crime2

    . Ao mesmo tem-po, no podem apresentar contradies com os conceitos gerais estipulados pelo Direito,

    culminando em derivaes inteis ou pouco relacionadas com as perspectivas mais ge-

    rais da cincia jurdica em dado momento.

    Em segundo lugar, e diante da existncia de logicidade e no-contradio, os ele -

    mentos do delito devem ser capazes de facilitar o procedimento decisrio, ofertando um

    ferramental terico ao intrprete destinado diminuio das complexidades derivadas

    da variao concreta de casos (regras de deciso). A dogmtica, nesse sentido, busca a

    unidade na diversidade, preceito este exatamente coadunado com o decrscimo da va-

    riabilidade factual e concretizao da identificao terica.

    A construo de ZAFFARONI, denominada teoria da tipicidade conglobante, apresenta

    relevante importncia exatamente na preocupao apresentada pelo autor na resoluo

    das supostas contradies tericas entre o sistema penal e o sistema jurdico como um

    todo. A teoria, neste aspecto, vislumbra ser um corretivo de incongruncias, pautada nos

    mais basilares corolrios da lgica (princpios da identidade e no-contradio)3. O de-

    senvolvimento da tese, porm, parece apresentar problemas dentro de sua aferio atra-

    vs dos critrios acima enumerados, isto , racionalidade lgica e utilidade decisria para

    a resoluo de casos conflituosos dentro da esfera da dogmtica jurdico-penal. Neste

    sentido, curiosa a verificao se a teoria postulada resolve ou aprofunda o problema

    maior que pretende suplantar.

    2 Nesse sentido no h como discordar de HASSEMER em sua verificao dos elementos do crime

    como coletnea de indicaes metdicas de procedimentodestinadas apresentao da deciso por parte

    do operador do direito. HASSEMER. Winfried. Introduo aos Fundamentos do Direito Penal. Trad. Pablo

    Rodrigues Alflen da Silva. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2005, p. 275.

    3 Assim podem ser definidas estas duas leis da razo: Sob o ponto de vista ontolgico, como lei geral

    do ser, o princpio da identidade formula-se assim: toda coisa (ser) idntica a si mesma. O que , : o que

    no , no . a a, uma coisa o que ... O princpio de contradio tambm chamado no-contradio

    formula-se assim: do ponto de vista ontolgico: nenhuma coisa e no , simultaneamente e sob o mesmo

    aspecto ou relao. Do ponto de vista lgico: o mesmo predicado no pode ser afirmado e negado ao mesmo

    sujeito, ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto ou relao.... ALVES, Alar Caff. Lgica: pensamento

    formal e argumentao, elementos para o discurso jurdico. So Paulo: Edipro, 2000, p. 150-151.

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    o com a lei. Tipo penal, assim, nada mais do que a lei penal, isto , um tipo legal.

    Define-se como um instrumento legal, logicamente necessrio e de natureza predo-

    minantemente descritiva. Sua finalidade, ademais, a individualizao de comporta-

    mentos humanos penalmente relevantes. O conceito de tipo penal, aqui, significati-

    vamente esvaziado. Sua instrumentalidade est direcionada citada individualizao.

    Sua existncia deriva de seu necessrio aspecto lgico como ordenador racional da

    teoria do delito, entendida esta como o aparato racional (quase-tecnolgico) destinado

    compreenso de fatos e sua respectiva insero ou indiferena no universo do direito

    penal. Ser logicamente necessrio implica em ser uma etapa imprescindvel ao intr-

    prete, o qual sem o juzo de tipicidade no poder ultrapassar sua avaliao para as

    fases subseqentes da antijuridicidade e da culpabilidade. Sem tipicidade a qual no

    realizada sem o tipo legal - no h o que se questionar acerca dos demais elementos,

    restando prejudicada a aferio da existncia delitiva ou do injusto tpico6 (princpio da

    legalidade).

    Dentro desta contextualizao que equipara a lei ao tipo penal (ou tipo legal) no

    parece ser surpreendente o resgate de uma tipicidade basicamente descritiva. Se o tipo

    penal a lei, e se esta ltima possui como finalidade apontar o elenco de atitudes huma-

    nas proibidas em sociedade, o tipo penal, como conseqncia, vivenciaria a experincia

    de ser dotado de elementos notoriamente descritivos, com os quais o legislador conse-

    guiria legalmente realizar a leitura e descrio do universo social. Depois de quase um

    sculo, a teoria da tipicidade conglobante despejaria no tipo legal a mera natureza de

    descrio, resgatando, sob uma lgica um pouco diferente, a mesma concluso admiti-

    da por BELING em 1906. Todavia, se a concluso so as mesmas ainda que aqueleautor desconhecesse qualquer viso conglobante as crticas tambm devem - de al-

    guma forma - ser repetidas.

    Consciente desta problemtica, a prpria teoria de ZAFFARONI, ao elaborar esta

    noo de tipo legal, refugia-se com a exceo, o que, a princpio, teria o condo de

    confirmar a regra. A afirmativa do autor realizada de modo a atribuir ao tipo uma

    caractersticapredominantemente descritiva, no obstante ... os tipos, s vezes, no

    so absolutamente descritivos, porque ocasionalmente recorrem a conceitos que re-

    metem ou so sustentados por um juzo valorativo jurdico ou tico.... 7 Parece aqui

    haver uma pequena confuso. No existem objees em se dizer que o tipo legal tem

    como funo descrever parte das relaes sociais. O equvoco reside em afirmar que

    esta mesma descrio feita atravs de elementos predominantemente descritivos em

    sentido estrito. Na medida em que o direito moderno apresenta-se com clara natureza

    auto-referencial, aqui colocada no sentido de normas possurem com constncia outras

    normas como categoria essencial de sentido, os juzos valorativos jurdicos j esto

    nsitos em qualquer descrio por mais singela que seja. No existe a defesa penal da

    6 ... la tipicidad es una condicin necesaria pero no suficiente de la antijuricidad (prohibicin) de

    una conducta..(BERDUGO GMEZ DE LA TORRE, Ignacio. Et all. Curso de Derecho Penal. Parte Gen-

    eral. Barcelona: Ediciones Experiencia, 2004, p. 195).7 ZAFFARONI, Eugenio Ral. PIERANGELI, Jos Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro...Ob. cit. p. 382.

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    propriedade sem uma srie de preceitos, tambm jurdicos, capazes de defini-la. Pensar

    de outra forma imaginar a propriedade em si mesma, deslocada de qualquer cons-

    truo social-jurdica que lhe outorgue suas feies primordiais. O mesmo estende-se

    administrao pblica, ao meio ambiente, ao sistema financeiro, e prpria vida, na

    medida em que o conceito jurdico apenas possui nas cincias naturais um importante

    referencial ou critrio, mas jamais uma colagem perfeita e irretocvel.

    As legislaes contemporneas, do mesmo modo, no sustentam a assertiva acerca

    das leis penais ocasionalmente se utilizarem de juzos valorativo e tico. Se assim fos-

    se, a preocupao atual do sistema penal no seria a problemtica com os tipos penais

    abertos, de perigo abstrato e concreto, as normas penais em branco, a responsabilidade

    penal da pessoa jurdica8. Tais formulaes legislativas so incapazes de sentido ou

    de interpretao se ficassem restritas a conceitos meramente descritivos na frmula

    que aqui parece ser explicitada. Alm disso, na crtica de RUSCONI, a elaborao de

    ZAFFARONI inconscientemente afirma um desprestigio dogmtico da categoria, sendoa atividade do intrprete muito mais importante do que aquela que lhe conferida pelo

    autor9. A interpretao da lei constitutiva de seu sentido, e no meramente declaratria

    de um suposto contedo inato10.

    No cerne da tese conglobante, tipo legal (lei) apenas transforma a norma em jurdica,

    outorgando-lhe uma sano penal em seu descumprimento. O tipo, lastreado em uma

    norma, qualifica o ente, sobre o qual recai o interesse social, como um bem jurdico.

    Dentro de uma perspectiva temporal, isto culmina no fato de tanto a norma quanto o

    prprio ente serem anteriores lei. Quando a lei adentra ao ordenamento esta, na ver-

    dade, j pressupe as duas categorias, sendo responsvel apenas por estabelecer o

    vnculo impositivo da sano jurdica e, mais do que isso, adjetivar um ente com a ca-

    racterizao do relevante valor social. Na medida em que o tipo est identificado com a

    lei, esta categoria do delito no contm a norma nem o bem jurdico (ente), os quais lhe

    so externos. O tipo, a rigor, permite apenas o conhecimento da norma, a qual, por sua

    vez, dirige-se proteo do bem jurdico.

    Esta posio estanque e externa entre uma e outra categoria exige uma aproximao

    separada s suas respectivas realidades. No tocante ao bem jurdico, a construo no

    foge muito da tradicional postura adotada pela doutrina penal tradicional, no sentido de

    serem entes protegidos pelo direito (jurisdicizados), na medida em que os cidados de-

    vem manter em relao a estes uma tranqila possibilidade de disposio. Entretanto,

    a dificuldade reside na admisso de uma normatividade externa ao direito, uma vez que

    tambm no se confunde com a antijuridicidade. Conforme a teoria, a antinormatividade

    e a antijuridicidade so dois momentos distintos, sendo certo que esta ltima sempre

    8 Sobre esta questo dos tipos penais e o direito penal contemporneo vide: SALVADOR NETTO,

    Alamiro Velludo. Tipicidade Penal e Sociedade de Risco. So Paulo: Editora Quartier Latin, 2006. SILVEI-

    RA. Renato de Mello Jorge. Direito Penal Econmico como Direito Penal de Perigo. So Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, 2006.

    9 RUSCONI, Maximiliano. Imputacin, Tipo y Tipicidade Conglobante. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2005,

    p. 24.10 Note-se que Zaffaroni posteriormente assume a caracterstica indiciria da tipicidade, resgatandoa elaborao inaugurada por MAYER, tambm adotada no finalismo welzeniano.

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    se relaciona e se esgota nas causas de justificao, ou seja, conceitos permissivos que

    pressupem uma vinculao sempre harmnica e coerente com outras determinaes

    legais de carter proibitivo.

    Surge, da, o conceito separado de antinormatividade, qual seja, a atribuio dada

    a um comportamento especfico que viola a norma que est sobreposta ao tipo legal eque , em conseqncia, aviltante do bem jurdico protegido. Nos dizeres de ZAFFA-

    RONI: A conduta adequada ao tipo penal do art. 121 do CP ser contrria norma no

    matars, e afetar o bem jurdico vida humana; a conduta adequada ao tipo do art. 155

    ser contrria norma no furtars, e afetar o bem jurdico patrimnio etc.. 11 Ao que

    tudo leva a crer, a conduta delitiva, assim, seria aquela que espelha uma contrariedade

    norma e, ao mesmo tempo, uma conformidade lei, relembrando, sobretudo, a velha

    posio espelhada por BINDING.

    A problemtica, todavia, persiste. Isto resulta da prpria assertiva do autor quando

    apregoa que: ... a conduta, pelo fato de ser penalmente tpica, necessariamente deve

    ser tambm antinormativa. 12 Ocorre que h uma especificidade no significado das

    palavras aqui empregadas. O fato ser penalmente tpico, neste contexto, no pode ser

    entendido como ser adequado tipicidade meramente legal, ou seja, lei. Se assim fos-

    se, a diviso estabelecida entre a norma, de um lado, e a lei, de outro, no faria qualquer

    sentido, tendo em vista que haveria sido feita uma separao que posteriormente no

    mais subsistiria. Dessa forma, surge a distino entre tipicidade legal e tipicidade penal.

    A primeira est encerrada na lei, com qualificaes puramente formais. A segunda, a

    tipicidade penal, o produto da conjugao da tipicidade legal com a tipicidade con-

    globante (material). Esta tipicidade penal (tipicidade legal mais tipicidade conglobante)

    sempre consistir na antinormatividade e, portanto, quando verificada in concreto, pode-

    r permitir o questionamento a respeito das demais categorias da teoria do delito.

    Dito de outro modo, a tipicidade legal tem o condo de selecionar descritivamente os

    comportamentos, tendo em vista a exigncia e respeito aoprincpio da legalidade. A sua

    existncia isolada, contudo, no permite o aperfeioamento essencial do juzo de tipici -

    dade, pois no capaz, por si s, de aferir a afetao, pela conduta analisada, da norma

    e do bem jurdico. A integrao destes dois ltimos aspectos ao instante da tipicidade

    legal (lei) apenas pode ser realizado pela chamada tipicidade conglobante (material).

    3.2. Tipicidade Penal: Tipicidade Formal (Legal) e Tipicidade

    Conglobante

    A tipicidade conglobante, neste universo, funciona como um corretivo da tipicidade

    legal, sem a qual haveria contradies insanveis com a ordem normativa. A finalidade

    11 ZAFFARONI, Eugenio Ral. PIERANGELI, Jos Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro...

    Ob. cit. p. 392.

    12 ZAFFARONI, Eugenio Ral. PIERANGELI, Jos Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro...Ob. cit. p. 392.

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    da tipicidade conglobante, assim, verificar o mbito de proibio da lei penal quando

    esta inserida no global ambiente normativo, ou seja, atravs do seu cotejo com todas

    as normas restantes de uma determinada ordem. A tipicidade legal dar-se- com a sim-

    ples subsuno da conduta ao modelo abstrato previsto em lei13. A tipicidade congloban-

    te, como segundo passo, realizar a conferncia deste aspecto formal com o restante

    do ordenamento normativo. Tal explicao pode ser visualizada com um exemplo14.

    A situao exemplificativa retrata a situao de um oficial de justia, o qual, devida-

    mente munido de ordem judicial de autoridade competente, tem o dever de realizar a

    apreenso de um objeto na residncia de seu proprietrio. Ao se apoderar do objeto,

    com a finalidade de executar a medida de seqestro determinada, a pergunta que per-

    manece exatamente em que medida o direito penal e a teoria do delito compreendem

    este acontecimento. Do ponto de vista formal h a existncia da hiptese modelo do

    artigo 155 do Cdigo Penal (furto), uma vez que, de fato, teria existido a inverso da

    posse em relao coisa alheia mvel. De acordo com o Cdigo Penal brasileiro, a ex-plicao mais plausvel para a resoluo da questo aquela que enxerga a ocorrncia

    de uma causa de excluso da ilicitude em razo do estrito cumprimento do dever legal,

    de forma com que a conduta do beleguim seria tpica, porm no antijurdica (artigo 23,

    inciso III). Para ZAFFARONI, com fundamento na necessidade de coerncia normativa,

    tal posio dogmtica no pode prosperar.

    Outro exemplo de necessria meno se refere ao mdico. Se o cirurgio atua para

    salvar a vida e efetua um corte em seu paciente, no h como afirmar, segundo o autor,

    a inexistncia de dolo, uma vez presentes os elementos volitivo (vontade) e cognitivo

    (conhecimento). Do mesmo modo ... dizer que o cirurgio age ao amparo de uma causa

    de justificao to pouco coerente como afirmar que o oficial de justia comete um

    furto justificado.. 15

    Estas questes, se resolvidas no mbito da licitude, estariam, segundo a teoria, crian-

    do contradies no ordenamento normativo. Na medida em que a tipicidade, aqui en-

    tendida em seu sentido material e no apenas legal, importa na antinormatividade, esta

    passa a ser a seara adequada para a resoluo do problema, afastando, desde logo,

    a existncia da chamada tipicidade conglobante. Dito de outro modo, a antijuridicidade

    apenas possui valia quando a conduta tpica est permitida diante de dadas situaes

    - pelo ordenamento jurdico, conferindo ao agente a faculdade de sua utilizao. Quan-

    do h, portanto, uma permisso excepcional. Nos dois casos analisados no se est

    diante de uma simples permisso, mas de uma ordem (no caso do oficial de justia) e de

    13 Figurativamente, poderamos exemplificar a tipicidade formal valendo-se daqueles brinquedos

    educativos que tm por finalidade ativar a coordenao motora das crianas. Para essas crianas, haveria

    tipicidade quando conseguissem colocar a figura do retngulo no lugar que lhe fora reservado no tabuleiro,

    da mesma forma sucedendo com a esfera, a estrela, o tringulo. Somente quando a figura mvel se adaptar

    ao local a ela destinado no tabuleiro que se pode falar em tipicidade formal; caso contrrio, no.GRECO,

    Rogrio. Curso de Direito Penal Parte Geral. 6 edio. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2006, p. 165.

    14 O exemplo tambm citado por PIERANGELI, Jos Henrique. O Consentimento do Ofendido na

    Teoria do Delito. 3 edio. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 45.15 ZAFFARONI, Eugenio Ral. PIERANGELI, Jos Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro...Ob. cit. p. 478.

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    uma atividade fomentada pelo direito (no caso do mdico cirurgio). Isto quer dizer que

    normativamente a conduta do oficial de justia no est excepcionalmente justificada

    pela ordem jurdica, mas, ao contrrio, est determinada pela ordem normativa com a

    qual aquela no se confunde. No bojo de um sistema normativo no se pode conceber,

    nas palavras de ZAFFARONI, que uma norma proba o que outra ordena ou aquela que

    outra fomenta. Se isso fosse admitido, no se poderia falar de ordem normativa, e sim

    de um amontoado caprichoso de normas arbitrariamente reunidas.. 16 Pelo que permite

    a compreenso, a idia transmitida que mesmo antes do advento da norma jurdica

    permissiva, o universo da antinormatividade j seria responsvel pela excluso de vio-

    laes nas espcies de cumprimento de dever, graas a impossvel situao de contra-

    dio na seara normativa. Diferente seria, por exemplo, a legtima defesa e o estado de

    necessidade, os quais se encontrariam no patamar do jurdico, no do normativo.

    Sempre que se estivar diante de um dever, o local dogmtico de soluo no a

    antijuridicidade, mas a prpria tipicidade conglobante (normatividade), haja vista a im-possibilidade de contradio normativa e, alm disso, a inexistncia de afetao ao bem

    jurdico (tipicidade material). Nesse aspecto, GRECO, aparentemente aceitando a tese

    do autor argentino, traduz os dois requisitos para a tipicidade conglobante, quais seja,

    (i) a conduta antinormativa do agente e (ii) a tipicidade material como critrio de seleo

    do bem a ser protegido. 17

    Esta excluso da antinormatividade e em conseqncia da tipicidade penal quando

    vinculada existncia de deveres tambm gera solues para as hipteses de conflito

    de deveres, nos quais, segundo os defensores da corrente, sempre haver um prepon-

    derante. Dois deveres jurdicos jamais obtero a mesma relevncia, existindo sempre a

    atitude que deve ser assumida em detrimento da outra, sendo tais colises de deveres

    apenas aparentes. A escolha da hiptese correta, isto , do dever preponderante, ex-

    cluir o prprio tipo penal, enquanto a opo equivocada lanar o debate para a seara

    do erro de proibio. Em suma, coliso de deveres resolvida corretamente problema

    de tipicidade conglobante; aquela resultante de deliberao errnea do agente remeter

    a situao aos rinces da culpabilidade18 (exemplo disso estaria sediado no estado de

    necessidade exculpante, situao em que o bem maior sacrificado em favor do bem

    menor).

    16 ZAFFARONI, Eugenio Ral. PIERANGELI, Jos Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro...

    Ob. cit. p. 472.

    17 GRECO, Rogrio. Curso de Direito Penal Parte Geral. Ob. cit. p. 166.

    18 Exemplo tradicional de coliso de deveres seria aquele do mdico que estivesse diante da situa-

    o de diagnstico de uma molstia grave. Assim, por um lado, verifica-se sua obrigao de alertar as auto-

    ridades sanitrias (Omisso de notificao de doena artigo 269 do Cdigo Penal). De outro, o dever de

    sigilo em face do paciente (Violao de segredo profissional artigo 154 do Cdigo Penal). Como razo de

    ordem pblica, a notificao da doena culmina na atipicidade conglobante da violao do sigilo, tendo emvista a escolha correta do valor normativo preponderante. Se, por outro lado, a mantena do sigilo importa

    na omisso quanto ao comunicado obrigatrio, poder haver a incidncia do erro de proibio previsto no

    artigo 21 do Cdigo Penal. Diferentemente seria a situao do pai que deve salvar seus dois filhos de uma

    casa em chamas, sendo que apenas possui a possibilidade de livrar um deles do fogo. Nesta circunstncia,

    o ... dever jurdico do pai diante do incndio ser salvar a qualquer um dos filhos, e nada mais, porque maislhe impossvel.... ZAFFARONI, Eugenio Ral. PIERANGELI, Jos Henrique. Manual de Direito PenalBrasileiro... Ob. cit. p. 474.

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    Como concluso desta ponderao, pode ser dito que a hiptese de estrito cumpri-

    mento do dever legalculminar sempre na incidncia ou no da tipicidade conglobante,

    existncia ou no da antinormatividade. Tais condutas amparadas pela ento considera-

    da causa de justificao (ao menos no Cdigo Penal brasileiro e tantos outros), portanto,

    so atpicas, no podendo recair sobre elas, inclusive, as excluses da ilicitude. Afinal,

    excluda a tipicidade no h o que se questionar acerca da ilicitude do comportamento.

    A tipicidade conglobante - conforme os exemplos citados - est excluda em razo

    de condutas que so ordenadas ou favorecidas por outras normas. Trata-se de ordens

    ou fomentos19que se opem apenas aparentemente - ao tipo penal e, portanto, so

    capazes de corrigira sua abrangncia pelo fato da ordem normativa no poder apre-

    sentar contradies. Alm disso, mais duas situaes tambm importam em causas de

    inexistncia de tipicidade conglobante: condutas que ficam fora do poder repressivo do

    Estado e as ofensas insignificantes. 20

    A idia da insignificncia penal foi elaborada por ROXIN, considerando, com altera-

    es e crticas dogmticas, a perspectiva de WELZEL acerca da adequao social. O

    conceito de adequao social na baliza ontolgica, segundo ROXIN, persegue o obje-

    tivo correto de eliminar dos tipos de delito as condutas que de fato no so relevantes

    no sentido de alcanarem um real grau de injusto. Porm a crtica de autor de Munique

    caminha no sentido de identificar na adequao social dois problemas significativos. Em

    primeiro lugar, a adequao no pode se entendida como um elemento especial de ex-

    cluso do tipo. Em segundo lugar, a construo no apresenta critrios precisos. Na vi-

    so do prprio lapidador, o princpio da insignificncia deve ser visto como uma mxima

    de interpretao restritiva orientada em direo ao bem jurdico protegido (traduo

    livre)21. Redunda da prpria postura do direito penal como ultima ratio de interveno,

    se comparado a todos os demais segmentos do sistema jurdico.

    Na postura de ZAFFARONI a insignificncia no propriamente uma ferramenta de

    interpretao, mas uma constatao derivada da finalidade geral que oferta o sentido

    ordem normativa. A noo da insignificncia, neste aspecto, produto da comparao

    que se faz da norma (tipo penal) com todo o ordenamento, no sendo possvel a per-

    cepo da existncia da relevncia se for submetida anlise apenas a lei penal iso-

    ladamente. Mais do que um critrio de anlise, o tema aqui encetado como resultado

    da anlise. O seu diagnstico exclui a tipicidade22, evidentemente que em sua faceta

    conglobante.

    O acordo, na construo do autor argentino, tambm tem o condo de afastar a tipi-

    cidade conglobante, traduzindo-se como caso particular distinto do cumprimento do de-

    19 Um exemplo que dado como fomento normativo o corte de barba e cabelo, tendo em vista as

    regras de higiene.... PIERANGELI, Jos Henrique. O Consentimento do Ofendido na Teoria do Delito. Ob.cit. p. 46

    20 PIERANGELI, Jos Henrique. O Consentimento do Ofendido na Teoria do Delito. Ob. cit. p. 47.

    21 ROXIN, Claus. Derecho Penal Parte General Tomo I: fundamentos. A estrutura da teoria do

    delito. Trad. Diego-Manuel Luzn Pena et all. 2 ed. Madrid: Thomson Civitas, 2003, p. 296-297.22 ZAFFARONI, Eugenio Ral. PIERANGELI, Jos Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro...Ob. cit. p. 483.

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    ver. Tal postulao depende da aceitao de uma premissa fundamental: todos os bens

    jurdicos so disponveis, ainda que existam alguns - como a vida - nos quais as disposi-

    es so cercadas por maiores garantias e impedimentos de formas de acordo 23. Sen-

    do o acordo o exerccio da disponibilidade de um bem jurdico prprio, a sua utilizao,

    evidentemente, ser responsvel pela configurao de uma causa de atipicidade24.

    Todas estas hipteses, at agora verificadas, esto enumeradas dentro do ambiente

    da tipicidade penal em seu segundo momento, o qual j consignou a existncia de sua

    faceta formal e submete agora a conduta dinmica conglobante. De acordo com tal

    posio, a tipicidade conglobante esvazia os dois extremos que lhe tocam na cadeia

    intelectiva de percepo de um fato como criminoso. Por um lado, esvazia a tipicidade

    propriamente dita, tendo em vista a prpria caracterizao descritiva e formal que lhe

    outorga a teoria. Por outro lado, a teorizao suprime da antijuridicidade algumas hi-

    pteses, tais como o estrito cumprimento do dever legal, absorvidas que passam a ser

    pela categoria diferenciada da antinormatividade. Uma vez sendo a ordem normativa(conglobada ao tipo) no identificada plenamente com a ordem jurdica, imprescindvel

    passa a ser a atividade ora exercida por esta ltima modalidade, ou seja, a antijuridici -

    dade.

    3.3. Antijuridicidade e Causas de Justificao (Tipos

    Permissivos)

    A antijuridicidade, dentro da dinmica da teoria da tipicidade conglobante, possui um

    contedo diferenciado daquele visto com mais freqncia. Se a tipicidade pressupe

    a antinormatividade, ambas indiciam a antijuridicidade, demarcando o tipo penal como

    ratio cognoscendi, de acordo com a reconhecida construo de MAYER. Esta posio,

    alis, da relao entre tipo e antijuridicidade no se desvia do seguido pela dogmtica

    finalista mais ou menos tradicional. (traduo livre).25 Como visto, a tipicidade carac-

    teriza-se pela violao da ordem normativa. A antijuridicidade, por sua vez, destaca-se

    pelos itens permissivos que impedem, em certos casos, a violao da ordem jurdica.

    Dito de outro modo, aqui reside um juzo claramente negativo, lastreado na inexistncia

    da justificante. Conclui-se, assim, a possibilidade de violao da ordem normativa sem

    a violao sucessiva da ordem jurdica, no sendo o inverso, porm, verdadeiro.

    23 H formas de acordo que so inadmissveis, o que tem sido mal entendido, levando a que um

    setor da doutrina fale de bens jurdicos disponveis e de bens jurdicos indisponveis, com a ltima expres-

    so referindo-se s hipteses em que o acordo no admitido sob certas formas. Na realidade, no se trata

    de indisponibilidade de bens jurdicos o que uma contradio e sim de bens jurdicos cuja disposio

    cercada de certas garantias, que impedem o reconhecimento de algumas formas de acordo, particular-

    mente quando no so racionalmente compreensveis. ZAFFARONI, Eugenio Ral. PIERANGELI, Jos

    Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro... Ob. cit. p. 476-477.

    24 Neste aspecto h uma distino fundamental entre o acordo (excludente da tipicidade) e o con-

    sentimento em sentido estrito, o qual se aplicaria somente s causas de justificao. A existncia do con-

    sentimento, assim, teria apenas o condo de permitir ao agente a utilizao de uma causa de excluso da

    ilicitude. Adota-se, portanto, uma teoria dualista, contrria s posies funcionais de ROXIN e JAKOBS(tese monista).

    25 RUSCONI, Maximiliano. Imputacin, Tipo y Tipicidade Conglobante. Ob. cit, p. 24.

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    Para admitir esta concluso necessrio, de acordo com o apreendido pelo autor

    argentino, que a ordem normativa esteja contida na ordem jurdica, mas com ela no se

    confunda. Em suma: a ordem jurdica composta pela ordem normativa completada

    com os preceitos permissivos26. Isto resulta dizer que a ordem jurdica tem a capaci-

    dade de neutralizar os mandamentos normativos. Seu contedo, alm disso, no deriva

    apenas do direito penal, mas de todo o ordenamento jurdico, ressaltando, aqui, a inte-

    gralidade do direito. Exemplo desta situao seria o hoteleiro que, ao no receber do

    hospedeiro os valores devidos pelas despesas e consumos no estabelecimento, pode,

    de acordo com o artigo 1.470 do Cdigo Civil, realizar o penhor legal independente de

    recorrer autoridade judiciria, dando ao devedor comprovante dos bens (bagagens,

    mveis, jias ou dinheiro) que se apossar. A homologao do penhor legal ser pos-

    teriormente realizada na forma do artigo 874, 875 e 876 do Cdigo de Processo Civil.

    Tal espcie, de natureza civil, impede a antijuridicidade do comportamento tipificado no

    artigo 168 do Cdigo Penal.

    A permissividade adstrita antijuridicidade, todavia, sempre deve ser vista, de acor-

    do com a posio do elaborador, na legislao, no havendo sentido, por exemplo,

    a distino entre uma antijuridicidade formal (jurdica) e material (sociolgica). A su-

    perao da diviso do conceito determina que a antijuridicidade no possa ter outro

    fundamento alm da lei. Prossegue o autor: No cremos que, no plano dogmtico, se

    possa falar de uma antijuridicidade material oposta formal: a antijuridicidade una,

    material porque invariavelmente implica a afirmao de que um bem jurdico foi afetado,

    formal porque seu fundamento no pode ser encontrado fora da ordem jurdica..27 A

    antijuridicidade, aqui, est restrita ao direito posto. A admisso de causas supralegais deexcluso conduziria, na posio reproduzida, possibilidade de politizao do conceito,

    perda da objetividade e da segurana jurdica. Parafraseando GRACIA MARTN28,

    estar-se-ia diante de um discurso de resistncia s avessas, talvez inapto a manusear

    dogmaticamente as situaes complexas e imprevisveis da modernidade.

    Se a posio legalista, e somente pode neutralizar a antinormatividade por via da

    antijuricidade aquilo que est previsto em lei, coerente a preocupao de investigao

    dos tipos permissivos, ainda que tais construes no ganhem a enorme importncia

    que possuem na teoria dos elementos negativos do tipo29. A condio de incidncia de

    um tipo permissivo reside na demarcao lgica anterior da tipicidade. Sem tipicidadeno h o que se perguntar a respeito da antijuridicidade. As etapas so necessariamen-

    te sucessivas. aferio das causas de justificao corresponde um estado analtico j

    completo e idealmente irreversvel.

    26 ZAFFARONI, Eugenio Ral. PIERANGELI, Jos Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro...Ob. cit. p. 487.

    27 ZAFFARONI, Eugenio Ral. PIERANGELI, Jos Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro...Ob. cit. p. 490.

    28 GRACIA MARTN, Lus. Prolegomenos para la Lucha por la Modernizacin y Expansin del Dere-

    cho Penal y para la Critica del Discurso de Resistencia. Valencia: Tirant lo Blanch, 2003.29 BUSTOS RAMREZ, Juan J. MALARE, Hernn Hormazbal. Lecciones de Derecho Penal vo-lumen II. Valladolid: Editorial Trotta, 1999, p. 19.

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    Na posio de ZAFFARONI e PIERANGELI os tipos permissivos possuem elementos

    objetivos e subjetivos, porm a sua realizao depende to-somente de uma verificao

    de existncia de seus elementos, desconsiderando, em conseqncias, as reflexes

    (segundas intenes) que pertencem ao agente, com destaque para a conscincia da

    licitude do comportamento que executa. Nas palavras dos autores: ... para que o um

    sujeito possa agir em legtima defesa, basta que reconhea a agresso de que objeto

    e o perigo que corre, agindo com a finalidade de defender-se. (...) deve ficar bem claro

    que aquele que se defende, para faz-lo legitimamente, no tem por que saber que est

    agindo conforme o direito. Por mais que acredite ter agido contra o direito e que fuja e

    se mantenha foragido, supondo que atou antijuridicamente, isto no assume qualquer

    relevncia..30 Isto quer dizer que por mais que a tipicidade permissiva tambm possua

    elementos subjetivos, o juzo de valor sobre a globalidade da conduta por parte daquele

    que atua desnecessria, ou seja, no se exige uma reflexo sobre o prprio compor-

    tamento.

    No sistema brasileiro tanto a legtima defesa quanto o estado de necessidade trazem

    em seu bojo a finalidade do agir, que poderia ser considerada uma espcie peculiar de

    dolo permissivo. No estado de necessidade atua o agente para salvar de perigo atual.

    Na legtima defesa age para repelir a agresso. Tais elementos so necessrios no sen -

    tido do agente reconhecer corretamente a realidade, porm no existe aqui uma avalia-

    o positiva do tipo de culpabilidade. Dessa forma, pode-se afirmar a plena incidncia

    do erro de tipo nas causas de justificao, a denominada discriminante putativa, uma

    vez que nesta hiptese falta a congruncia entre o dolo e a realidade. O autor, nestas

    circunstncias, representa equivocadamente a dinmica existencial que est ocorren-do, pois imagina o perigo atual ou a injusta agresso iminente quando, de fato, estes

    inexistem. Outra hiptese aplicvel o erro quanto a existncia ou limite da causa de

    justificao, o que ocasionaria um erro de proibio capaz de abalar a culpabilidade.

    Todavia, o erro de proibio apenas faz sentido quando o agente equivoca-se do no

    autorizado para o autorizado, ou seja, quando atua desautorizado pelo direito acreditan-

    do que estaria sustentado por ele. O inverso no existe. O sistema jurdico no trabalha

    o erro de no-proibio, imaginvel naquela situao em que o agente atua balizado

    pelo direito pensando que no est. Esta hiptese irrelevante, principalmente em face

    da perspectiva objetiva que se da s causas de justificao.

    Seja como for, neste quadro as causas de justificao ou hipteses de aes lci-

    tas limitam a efetivao do aperfeioamento delitivo diante de certas condutas anti-

    normativas. O posicionamento, na construo da tipicidade conglobante, fundamenta

    as excees com a idia de fim de coexistncia humana. A ciso dogmtica ente a

    normatividade e a licitude exige que a segunda seja responsvel pela concesso de di-

    reitos realizao de condutas antinormativas, os quais tm por limite o prprio fim de

    que emergem. 31 No mago do problema, percebe-se que antijuridicidade permanece

    30 ZAFFARONI, Eugenio Ral. PIERANGELI, Jos Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro...

    Ob. cit. p. 493.31 ZAFFARONI, Eugenio Ral. PIERANGELI, Jos Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro...Ob. cit. p. 494.

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    restrita quelas situaes em que atua o cidado a favor do direito, porm atravs de

    um procedimento no aceito em padres normais de convvio. No instante em que o

    Estado, aqui compreendido como jurisdio, no pode atuar, a legislao concede ao

    cidado o poder de agir em sua proteo ou de terceiro, legitimando situao excepcio-

    nal de conflitos pela via da autotutela.

    4. Concluses e Crticas ao Pensamento da Tipicidade

    Conglobante

    4.1 - Pensamento legalista e, ao mesmo tempo, ontolgico - O pensamento exposto

    do autor argentino parece partir de duas perspectivas diferentes. Embora no sejam

    conflitantes em princpio, restam dificultadas as variaes de anlises de cunho ontol-

    gico e legalista feitas simultaneamente. Afinal, se a lei deriva do ser, o critrio deve ser o

    da preponderncia de um sobre outro ou, no mnimo, de conferncia recproca. Admitira lei como fonte primria ou exclusiva do direito faz com que o universo ontolgico sirva

    apenas como referencial indireto e, nesse sentido, incapaz de, por si s, vincular impe-

    rativamente. Por outro lado, se o ser deve ser visto com maior relevncia, a lei passa

    a ter sua imperatividade relativizada, haja vista que o critrio primacial de atualizao

    jurdica o mundo tal como se coloca, independentemente do quanto positivado pelo

    ordenamento.

    3.2 - crtica a adequao social e imputao objetiva (defensor da causalidade)

    Durante o desenvolvimento da teoria da tipicidade conglobante, o apego ao direito

    positivado por parte do autor no permite que realize a admisso de critrios normati-

    vos adstritos aplicao concreta do direito e especificao do tipo penal incriminador

    e seu mbito de proteo. Assim, no admite a teoria da adequao social como um

    instrumento apto limitao da abrangncia da norma (ou tipo), afastando-se, neste

    ponto, das hipteses suscitadas por WELZEL. Ainda que a teoria do autor alemo seja

    tambm criticada pelos funcionalistas em face de sua falta de preciso, esta elaborao

    significou, para alguns, um importante foco embrionrio para a nova Poltica Criminal

    posteriormente desenvolvida, uma vez que diminua o apego literalidade da lei exata -

    mente para inclu-la dentro de um universo interdisciplinar. De todo modo, a refutao

    expressa incluso de contedos no previsto em lei, afasta, de uma vez por todas, as

    importantes contribuies dogmticas do direito penal moderno, com destaque para a

    imputao objetiva do resultado e do comportamento.

    3.3 - ciso de dois aspectos jurdicos Conforme o j explicitado no texto, a autor,

    como forma de atribuir tipicidade conglobante a caracterstica de corretivo da tipicida-

    de penal, culmina em separar dois conceitos que parecem em nada contribuir de forma

    cindida resoluo de casos concretos. De um lado, o autor define a antinormatividade,

    de outro, a antijuridicidade. Ao mesmo tempo, afirma que a primeira estaria contida na

    segunda, enquanto esta ltima se resumiria ao previsto em lei, isto , s causas de

    justificao (excluso da ilicitude propriamente dita). Ocorre que o conceito de anti-

    normatividade no auxilia em nada a atividade do intrprete, ao contrrio, redunda em

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    confundi-lo, principalmente em face do tratamento diferenciado que exige das causas

    de justificao que espelham atividades ordenadas ou fomentadas pela tal ordem nor-

    mativa. Contraditria a relevncia, especificamente para fins jurdicos e diante de

    um pensamento legalista expresso pelo autor, do conceito de normatividade, eis que a

    norma apenas se coloca para o direito na medida em que jurisdicizada. Do mesmo

    modo, se h a previso legal, seguindo a postura de ZAFFARONI, j se est diante do

    antijurdico, sendo despicienda a antinormatividade.

    3.4- conflito de normas na verdade aparente (condio de possibilidade da proibi-o espaos distintos) Por fim, sobre a existncia de normas contraditrias no orde-

    namento, bem traada a crtica de RUSCONI, o qual questiona a existncia da prpria

    motivao que levou ZAFFARONI a desenvolver toda a sua teoria. Assim, a tipicidade

    conglobante careceria de sentido exatamente por tentar resolver um problema que, de

    fato, inexiste. No h o que se falar em normas contraditrias, porm em possibilidades,

    topicamente diferenciadas, de proibio. O exagero analtico resultante da distinoentre antinormatividade e antijuricidade ofuscou o contedo das normas jurdicas em

    si, as quais muitas vezes no so expressas por um nico e exclusivo enunciado. A se-

    parao das partes, neste aspecto, acabou por desvirtuar o todo, outorgando-lhe uma

    aparncia que no condiz com a essncia das proibies. Apenas possvel verificar o

    contedo integral do permitido e proibido com a anlise de todo o ordenamento e suas

    regras de aplicao, existente na parte geral e especial do sistema penal, bem como

    dos demais segmentos do direito.

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    Professor Doutor de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de SoPaulo. Mestre e Doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de

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