eugenio raúl zaffaroni - crime organizado: uma categorização frustrada

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Uma publicação do INSTITUTO CARIOCA DE CRIMINOLOGIA

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DIREITO

l/Crime Organizado": uma categorização

frustrada EUGENIO RAÚL ZAFFARONI

1. Introdução

o crime organizado constitui deno­minação aplicada a número incerto de fenômenos delitivos por diversos espe­cialistas, pelos meios de comunicação de massa, pelos autores de ficção, pe­los políticos e pelos operadores de agências do sistema penal (especial­mente policiais, ainda que também juízes e administradores penitenciários), cada um deles com objetivos próprios.

Para facilitar a compreensão do fe­nômeno há que se estabelecer distin­ção básica: é necessário assinalar que não é o mesmo explicar a pretensão de destacar certos fenômenos com o nome de crime organizado - isto é, a explicação da categorização - e a explicação dos fenômenos que se as­pira categorizar.

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Ocupar-nos-emos aqui da primeira, porque - como o adiantamos desde o título - cremos tratar-se de tarefa infrutífera, pois a diversidade que aquela categoria pretende abranger continua dispersa e carente de uma análise particularizada, prescindindo de uma falsa classificação que, por não alcançar seus objetivos, obstacu­liza a compreensão dos fenômenos no campo científico.

2. Pluralidade de agentes e crime organizado

A pluralidade de agentes tem cha­mado a atenção de penalistas e cri­minólogos em todos os tempos e de diferentes maneiras. Assim, no sécu­lo passado e na Europa, particular­mente depois da Comuna de Paris, se produziu uma considerável literatura

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acerca do delito multitudinário, dan­do lugar a várias valorações das mul­tidões (1) e da responsabilidade pe­nai de seus líderes e condutores. (2)

Em temas mais recentes, e por cer­to vinculados à proibição de sindica­lização dos trabalhadores, generali­zou-se o conceito jurídico-penal de associação ilícita, de malfeitores ou para delinqüir - tipo hoje comumen­te encontrado nos códigos penais de tradição européia continental, ainda que existam dúvidas quanto a sua constitucionalidade. Todavia, este conceito pouco tem a ver com a ca­tegoria de crime organizado tal como se pretende na atualidade, entre ou­tras coisas porque esta última é pro­duto da tradição norte-americana.

Tampouco se vinculam ao concei­to de crime organizado as qualifica­doras tradicionais de alguns tipos pe­nais quando são cometidos em ban­do, quadrilha ou por três ou mais agentes. No caso da pilhagem rural, e, de modo geral, com relação ao bri­gantismo, também há antiga literatu­ra criminológica(3L assim como nos delitos políticos cometidos por orga­nizações(4L algumas das quais hoje chamaríamos terroristas, como a pre­ocupação dos positivistas com o anar­quismo.(5) Entretanto, a mais superfi­cial análise nos revela que todo este campo é alheio ao que hoje se pre­tende entender como crime organiza­do.

o organized crime como tentativa de categorização é um fenômeno de nosso século e de pouco vale que os autores se percam em descobrir seus pretensos precedentes históricos,

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mesmo remotos, porque entram em contradição com as próprias premis­sas classificatórias. É absolutamente inútil buscar o crime organizado na Antiguidade, na Idade Média, na Ásia ou na China, na pirataria etc.(6L por­que isso não faz mais que indicar que se há olvidado uma ou mais das ca­racterísticas em que se pretende fun­dar a categoria, como são a estrutura empresarial e, particularmente, o mer­cado ilícito.

Se nos ativermos a essas duas ca­racterísticas - a estrutura empresari­al e o mercado ilícito - é claro que quem fala de crime organizado não está se referindo a qualquer plurali­dade de agentes nem a qualquer as­sociação ilícita, senão a um fenôme­no distinto, que é inconcebível no mundo pré-capitalista, onde não ha­via empresa nem mercado na forma em que os conhecemos hoje. Remon­tar-se a essas antigas organizações delitivas não seria mais que mencio­nar formas anteriores de pluralidade de agentes ou de associações crimi­nais que não são úteis para precisar o pretendido conceito que se busca.

Reconhecer que todas as tentativas de conceitualização partem do fenô­meno da pluralidade de agentes, mas que o mesmo, por sua amplitude, não serve para este fim, corresponde men­cionar os diferentes caminhos que se tem ensaiado.

3. O panorama das conceitualizações

São muitos os autores que admi­tem com sinceridade a falta de defi­nição do chamado crime organizado,

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atribuindo-na, inclusive, ao domínio de uma concepção "popular". Esses mesmos autores advertem que os cri­minólogos não chegam a um acordo e que a fronteira entre o organized crime e o white col/ar crime não está clara pela falta de definição do pri­meiro.(7) No campo político tampou­co existe uma definição: o comitê assessor do governo dos Estados Uni­dos concluiu, em 1976, não existir "uma definição suficientemente abran­gente, que satisfaça as necessidades dos indivíduos e grupos muito dife­rentes que possam usá-Ia como meio para desenvolver um esforço contro­lador do crime organizado."(8)

No plano legal, a situação não é diferente, pois a Racketeer influenced and corrupt organizations, conhecida com a sigla R ICO, integra o capítulo 96 do Federal Criminal Code and Rules como instrumento legal especí­fico de luta contra o crime organiza­do nos Estados Unidos, contendo uma larguíssima lista de atividades de­litivas, mas nenhuma categoriza­ção.(9) Na Alemanha, a situação não é muito diferente, pois assinala-se com sinceridade o enorme déficit de conceitos teóricos e de base empíri­ca. (l O) O Brasil incorporou legalmen­te o conceito remetendo-o à tradici­onal associação ilícita(11), que o ex­cede notoriamente, mas que não faz mais que revelar a carência de outro mais adequado.

Desde um âmbito que lhe é estra­nho, a criminologia recebeu a tarefa de categorizar o crime organizado as­sinalado por uma referência ao mer­cado ilícito, pois desde a proibição alcoólica, e mesmo antes, o público

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norte-americano o associou com o mercado ilegal, ou seja, com "Ia prohibición de bienes e servicios prohibidos" ("com a proibição de bens e serviços proibidos/). (12) Este limite pré-científico do suposto con­ceito não deixa de ser saudável, por­que ao menos deixa fora de seu âm­bito atividades que, de outro modo, dariam lugar a uma confusão maior, como a inclusão do terrorismo, ban­dos de ladrões, vândalos urbanos etc.

Não obstante, este limite pré-cien­tífico abriu o debate acerca do eixo das tentativas de categorização, e desde então se discute se devem tentá-Ia partindo do tipo de organiza­ção ou do tipo de atividade criminal, sustentando outros que o correto é correlacionar ambos os tipos.(13)

Na década passada foram muitos os autores que se ocuparam destas di­ficuldades. Dentre eles citaremos dois, que fizeram um balanço das ten­tativas conceituais no plano teórico. Hagan revisou definições do crime or­ganizado compulsando treze autores, tendo observado consenso entre eles nos seguintes pontos: a) importa uma empresa permanente, que opera ra­cionalmente para obter benefícios mediante atividades ilícitas; b) susten­ta sua ação mediante violência real ou fícta; c) implica corrupção de fun­cionários públicos. Acerca de outras características, como monopólio de serviços, códigos secretos e fecha­mento do grupo, há muito pouco con­senso doutrinário.(14) Maltz, por sua vez, não avança muito a respeito do anterior, pois de sua pesquisa resulta apenas a abrangência de multiplicida­de de empresas, mas nega a necessi-

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dade do envolvimento em negócios ilícitos, a organização sobre paradig­

ma mafioso e a sofisticação das mes­mas.( 1 5 \ Bymun considera C\ue estes aportes clarificam a questão, ainda qUQ n5:o posso.m mai:; que reconhe­

cer a ambigüidade e a falta de con­senso que rodeiam o tema.(16)

4. O poder impõe à criminologia uma missão

.. - . -

impossível

o desconcerto dos criminólogos não é gratuito: eles têm de encontrar uma categoria que satisfaça os políti­cos, a polícia e, sobretudo, a impren­sa e, em certa medida, os autores de ficção.

o organized crime não é um con­ceito criminológico, mas uma tarefa que o poder impôs aos criminólogos. Há autores que reconhecem expres­samente a existência de quatro fon­tes conceituais para o crime organi­zado: a policial, a criminológica, a dos arrependidos" e a dos economistas (a estas acrescentaríamos a dos políti­cos, com base em diferentes comis­sões parlamentares). Mas os criminó­logos e os economistas (e os políti­cos) trabalham sobre as informações proporcionadas por policiais e "arre­pendidos", de modo que "este mono­pólio sobre as informações deu à po­lícia um poder proeminente no desen­volvimento de políticas e estratégias referidas ao crime organizado."(17) As agências policiais não permitem que os cientistas tenham acesso às informações.(18)

"Aparte o sexo e as disputas do­mésticas, não há tema que promova

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maior entretenimento popular que o crime organizado" como o demons­

tram o êxito de Os intocáveis e de O poderoso chefão e o te\e\lisionamen­

to das audiências das comissões de investigdl,-dU UU Congresso norte­americano.(19) Tal fato está vincula­do ao sentido conspiratório com que se tem interpretado o fenômeno den­tro do paradigma mafioso. Ao gene­ralizar-se nos Estados Unidos a idéia

de grande conspiração mafiosa a ní­vel nacional, com organização secre­ta altamente sofisticada, a mesma passou a exercer no público a fasci­nação própria de toda conspiração. O atrativo das versões conspiratórias se explica, em parte, porque sempre se produz uma descarga de ansieda­de ao saber a quem atribuir a causa do mal, ao mesmo tempo em que se admira a quem pode reter um segre­do sem debilidades, porque esta pes­soa parece adquirir um enorme po­der de domínio.(20) Os tristemente famosos "Protocolos" são uma lamen­tável prova desta fascinação públi­ca,(21) da qual na literatura dá conta de forma magistral O pêndulo d e Foucault.(22)

Como é natural, tudo o que cha­ma a atenção pública move os políti­cos a usá-lo no campo do clientelismo e a polícia a lhe dedicar atenção pre­ferencial. Dessa maneira, a polícia ter­mina dando as fontes para a elabora­ção política e os políticos proporcio­nam documentos com que trabalha a

polícia.(23) Neste sistema de retro a­limentação se incluem várias comis­sões parlamentares e comitês de in­vestigação do Congresso norte-ame­ricano, como a presidida pelo Sena­dor Kefauver em 1951, o comitê

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McClillian em 1962 e a comissão de 1967. Os lucros políticos destes em­preendimentos não foram menores: Thomas Dewey, por duas vezes no­minado pelos republicanos como can­didato a presidente dos Estados Uni­dos, adquiriu fama com a perseguição a Lucky Luciano, enquanto E. Kefauver alcançou tal notoriedade com sua co­missão, que quase lhe valeu a nomi­nação a presidente pelos democratas em 1952.(22)

Como está claro, a criminologia teve muito pouco a ver com esta tentativa de conceitualização - como não fosse esta a recepção de uma tarefa enco­mendada pelo poder. Lamentavelmen­te não logrou cumpri-Ia, em que pese não lhe faltar boa vontade, porque "o crime organizado e os mercados ilegais têm sido largamente utilizados como fontes de mitos, enquanto a realidade é muito menos atraente."(25)

Os criminólogos não haviam se ocupado muito do tema até este sé­culo. Como é lógico, os primeiros tra­balhos importantes surgiram com a "escola de Chicago"(26), e Sutherland considerou que o crime organizado crescia em unidade e oposição à so­ciedade, por efeito da debilidade do estado.(27) Será Cressey, muito mais tarde e, quem se encarregará da ver­são oficial do organized crime.(28)

Todavia, ainda que a criminologia te­nha nascido muito vinculada ao poder e com grande permeabilidade ao mes­mo - pelo que sempre se pode dizer que é ciência "suspeita" - neste caso não alcançou fundar a tese oficial conspiratória, porque a sociologia esta­va demasiado desenvolvida para tolerar

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esse grau de servilismo e parcialidade.

Por fim, seguiram funcionando, por um lado, o uso assistemático do ter­mo pela polícia, pelos políticos, pe­los meios de comunicação e pelos au­tores de ficção; e, por outro, o des­concerto criminológico: mal se podià construir uma categoria com base em uma idéia conspiratória pouco crível.

5. Funcionalidade política da versão cons piratória

A idéia de que o organized crime é uma conspiração nacional nos Estados Unidos - apesar de exercer o sólido atrativo popular de todas as teses conspiratórias e de ser relativamente crível por parte de leigos, como tam­bém por ser impulsionada pelos própri­os delinqüentes, que desse modo apa­recem como mais poderosos e dignos de admiração (especialmente se em momentos de crise se acrescentam al­guns atributos de Robin Hood, reinvin­dicadores ou benfeitores sociais) -cumpriu uma dupla finalidade nos anos de sua consagração no pós-guerra: a) por um lado, sua consagração política naquele tempo (comissão Kefauver em 1951 ), em plena guerra fria, serviu para comparar o organized crime com os es­tados ou regimes autoritários e totalitá­rios; b) por outro, para atribuir a cons­piração antinacional a grupos étnicos externos e com conexões no exterior, ou seja, para colocar o mal em conspi­ração estrangeira. Se a primeira funcio­nalidade desapareceu com a circunstân­cia que lhe deu lugar, a segunda se mantém até a atualidade, com algumas variantes quanto aos grupos étnicos envolvidos.

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A idéia da conspiração com estru­tura totalitária, análoga a do comunis­mo ou do nazismo - que se manifes­ta nos informes de Kefauver e conti­nua nas conclusões das conferências de Oyster Bay, convocadas pelo go­vernador de Nova Iorque, Nélson Rockfeller, nos anos sessenta, (29) de onde se destaca o grande poder, a centralização do mesmo, um pequeno grupo diretor e até uma estrutura parami­litar, como o afirma Cressey(30) - era ideal para os tempos de MacCarthy.(31) Deste modo, a crença no controle centralizado dos mercados constitui o coração da doutrina e da política oficial na matéria.(32)

Esta versão tem perdido importân­cia política em nossos dias, mas era acompanhada em seu tempo com a idéia de conspiração estrangeira, da qual era complementar naquele mo­mento: Tanto o comunismo como o crime eram conspirações externas que atentavam contra a democracia e o american way of life. (33) Esta fun­cionalidade tem a vantagem política de pôr o mal fora dos Estados Uni­dos, ocupando-se do mesmo como um fenômeno invasor externo à sociedade norte-americana. Tal assertiva, contu­do, é quase tão grosseira em termos científicos como útil em termos polí­ticos, pois foram vários os autores que desde o começo apontaram que se devia encarar o crime organizado como um produto norte-americano e não como uma conspiração estrangei­ra,(34) sendo Be", por exemplo, quem, em 1953, por caminho próxi­mo ao funcionalismo mertoriano, des­tacou que se devia entendê-lo como uma via inovadora de acesso ao po­der por parte de minorias étnicas.(35)

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De alguma maneira, nesta explicação se pode visualizar um paralelo com a profecia auto-realizada dos judeus na Europa: reduziriam-lhes o espaço so­cial primeiro e logo lhes criticariam por fazer a única coisa que o espaço social reduzido lhes permitia, ilO mes­mo tempo em que isso reforçaria os argumentos redutores do espaço.(36)

Ainda que a versão oficial - que alguns criminólogos chamam de "or­todoxa" - do organized crime não tenha sustentação fática séria, pois todos destacam até hoje a insuficiên­cia de investigação empírica,(37) a mesma foi objeto de uma versão cri­minológica por parte de Cressey,(38) considerada a mais coerente em sua linha, em que pese reconhecer que a mesma não traz qualquer dado que a sustente.(39)

Não podemos deixar de observar, de passagem, que a atribuição do organized Crime aos grupos étnicos imigrados aos Estados Unidos combi­na muito bem com toda a ideologia racista que tinha a política imigratória desse país no período de entre-guer­ras, que fora elogiada pelo próprio Hitler em Mein Kampf (40) e que res­surge em nossos dias (41) até certo ponto apoiada financeiramente pelas mesmas fundações que sustentaram o racismo daqueles anos. (42)

6. A inconsistência criminológica do paradigma

mafioso

Em criminologia ninguém duvida da existência da máfia ou de máfias nos Estados Unidos, mas sim do que se pode chamar legitimamente de o

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paradigma mafioso na abordagem do crime organizado, ou seja: a) da afir­mação de que essas organizações têm uma estrutura tão sofisticada, centra­lizada, hierarquizada, nacional etc. quer dizer, tão fortemente conspira­tória, que seja compatível compará­las à bolchevique ou à nacional soci­alista; b) que respondam a fenôme­nos externos à sociedade norte-ame­ricana e, fundamentalmente, a deter­minantes culturais ou biológicas de grupos imigrados; e c) que se possa transferir o modelo máfia com essas características a toda criminalidade vinculada ao mercado ilegal de bens ou serviços.

Em realidade, esse paradigma ca­rece de dados sérios de sustentação empírica, (43) por mais que sejam muitos os documentos e autores que falam dos capos e dos capos de to­dos os capos e que o mesmo tenha sido adotado e difundido pelo comi­tê Kefauver (1951), pelas conferênci­as de Oyster Bay, pela comissão de Law Enforcement and Administratian af justice de 1967, por J. Edgar Hoover, pela comissão de 1976 etc., (44) e - ainda - por mais que o mes­mo seja a descrição do crime organi­zado que, formada na temporada pós­guerra, influi desde então nas atitude públicas daquele país e se introduz como substrato ideológico dos manu­ais de criminologia. (45) A principal fonte de alimentação deste paradig­ma são os testemunhos de "arrepen­didos", tendo havido grande reper­cussão o prestado por um deles -­Joseph Valachi -- perante o comitê McClellan do Senado em 1963 - pois os aportes de dados da comissão Kefauver foram mínimos (46) -- em

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que pese o fato de que muitos auto­res o criticaram seriamente, em espe­cial porque muito poucas persecu­ções penais se puseram em funciona­mento a partir dos dados proporcio­nados, enquanto outros observaram que o mesmo era quase coincid.ente com as versões correntes na impren­sa e entre os policiais. (47) Em 1969 tratou-se de reforçar este testemunho com registros magnetofônicos toma­dos clandestinamente nos escritórios de um renomado mafioso (De Caval­cante).(48)

Dados tão escorregadios não po­dem fundamen�r seriamente um pa­radigma com o qual se pretende en­globar conceitualmente o crime orga­nizado em sua totalidade, se por tal se entende toda a criminalidade vin­culada ao mercado ilícito. Posteriores investigações empíricas têm sustenta­do que o FBI não pode trazer nenhu­ma prova sobre sua costumeira afir­mação de que o jogo proibido seja a principal fonte de apoio político e econômico da máfia, uma vez que tanto no jogo como na usura (ativi­dades típicas da categoria que se pro­jeta) em muito poucas circunstâncias é possível usar a violência para supri­mir a competição e que, em geral, a máfia está menos centralmente coor­denada do que a lenda e a ideologia popular nos podem fazer crer. (49)

As conclusões de Reuter a este res­peito são sumamente importantes, pois para aquele autor a imprensa e a polícia se alimentam reciprocamen­te de um modo que assegura a sus­tentação da reputação da máfia. "Des­de que o crime organizado é tratado amplamente nos jornais como diver-

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são, estes informam sobre os bandos delitivos conhecidos pelos leitores, o que levanta a máfia. As agências pe­nais, compreensivelmente desejosas de chamar a atenção da imprensa so­bre suas atividades, são impulsiona­das a preferir a máfia a outros ban­dos menos conhecidos. Deste modo, a proeminência da máfia aumenta." (50) Para este autor, a máfia é a "mão visível" no mercado ilegal, mas con­sidera que também opera a "mão in­visível"-- que são os interesses pes­soais e a tecnologia que modela os mercados de bens e serviços legais -e freqüentemente existe uma tensão entre as duas mãos nos mercados ile­gais. Conclui que nos três mercados investigados em seu trabalho (apos­tas em cavalos, loteria e usura) não é verdade que sejam monopolizados nem controlados centralmente, com o que sai vitoriosa a "mão invisível", considerando que há argumentos te­óricos que permitem supor que ela é típica de toda a criminalidade do mercado ilegal.(51) "Em resumo -acrescenta - a ortodoxia está debil­mente fundamentada. Afirmações so­bre o domínio dos mercados pela máfia e a importância do poder da máfia não se baseiam em nenhum esforço de verificação sistemático­acadêmica nem oficial. A literatura acadêmica proporcionou algum sus­tento isolado ex post, mas nunca se desenvolveu bem a teoria nem esta foi submetida à verificação rigorosa. Os melhores documentos disponíveis levantam sérias dúvidas acerca de toda a ortodoxia."(52)

Além de todo o assinalado, a indes­cutível funcionalidade política do re­ferido paradigma é muito mais que

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significativa: todos os autores são acordes no sentido de que o crime organizado existia nos Estados Unidos com anterioridade ao V o/stead Act de 1920, ou seja, a 18ª emenda consti­tucional ou "lei seca", "proibição" ou the noble experiment,(53) mas.não ti­nha as características e o volume que adquiriu a partir de então.(54) Não podemos olvidar que o paradigma mafioso nasceu com essa experiência e só se consolidou oficialmente no segundo período pós-guerra (duran­te a chamada "guerrà-fria"). Este pa­radigma se mantém sem alterações importantes até o presente, e, ainda, até tempos muito recentes, nem se­quer havia mudado o estereótipo ita­liano ou ítalo-americano, alimentado com detalhadas histórias da máfia, de suas famílias e homicídios,(55) distin­guindo a máfia siciliana, a camorra napolitana e a h o n o r ata società calabresa - quer dizer, toda a imigra­ção do sul italiano (que é a imigra­ção italiana predominante naquele país),(56) Oll seja, uma das mais nu­merosas minorias latinas ou não puri­tanas, pertencentes à cultura da taber­na, contra a qual se orientava a pro­paganda anti-alcoólica do primeiro pós-guerra.(57) Do mesmo modo, toda a luta contra tóxicos dos Esta­dos Unidos sempre esteve vinculada publicamente a algum grupo imigra­do em particular.

7. Crime organizado ou desorganizado?

As atividades que, de modo geral, os criminólogos consideram manifes­tações do crime organizado são a ex­torsão e outros atentados à liberda­de de trabalho pelos sindicatos, to-

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das as formas de jogo proibido, a usu­ra, o tráfico de drogas, a corrupção política, o tráfico de escravas brancas e de estrangeiros e, mais recentemen­te, os delitos eletrônicos.(58)

Temos visto que, com diversas me­todologias de campo (observador par­ticipante, entrevistas, averiguações etc.), tornou-se manifesto que nos Estados Unidos estas atividades nor­malmente são organizadas em forma subcultural e local, e não têm a orga­nização rígida ou burocrática que pre­tende a versão difundida pelos políti­cos, pela polícia e pelos autores de ficção.(59) Sem embargo, na posição exatamente contrária parece encon­trar-se a Câmara de Comércio dos Es­tados Unidos, que afirma que o orga­nized crime é um poder nacional, que opera impunemente e livre de todo limite constitucional, indagando se não se trata do Fifth State.(60)

Entre estas duas posições antagô­nicas, em princípio, não parece haver nada em comum, mas, aprofundando­se a discussão, há algo que as une por baixo da superfície: a partir da análi­se detalhada da primeira é possível encontrar a razão da segunda. Com efeito: a segunda reclama contra algo que parece ser uma concorrência des­leal ou com vantagem e não se dife­rencia muito do tom dos protestos do comércio formal contra o informal em muitas cidades latino-americanas.

A classe de atividades que se preten­de categorizar como organized crime se vincula ao mercado e, neste sentido, apresentam-se mais claras as aproxima­ções dos economistas ou as criminoló­gicas que apontam ao econômico, do

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que aquelas que se afastam desta di­mensão ou a subestimam. Não se deve pensar que essas aproximações se en­quadram em teorizações marxistas acer­ca destes fenômenos - se bem que as tenham havido e que desde sua pers­pectiva tenham considerado o crime organizado como um aliado do establishment, assegurando a hegemo­nia social e contribuindo para a manu­tenção da subordinação proletária.(61) Todavia, a grande maioria das aborda­gens econômicas do crime .organizado não se enquadra neste marco teórico.

Uma boa parte daqueles enfocam a questão privilegiando a perspectiva eco­nômica consideram-na atividades que implicam continuação das práticas co­merciais ilegais do século XIX (os cha­mados "barões do roubo"), que se infiltram e florescem em indústrias com excessiva competição, penetrando se­tores pequenos da economia, onde rei­na a desordem e a instabilidade. O cri­me organizado trata de neutralizar ou destruir a competição mediante amea­ças e corrupção política e com isso traz estabilidade econômica através de um monopólio ou oligopólio que discipli­na o mercado, distribuído inclusive ter­ritorialmente.( 62)

Deste modo, o crime organizado seria o conjunto de atividades ilícitas que operam no mercado, disciplinan­do-o quando as atividades legais ou o estado não o fazem. Em termos mais preciosos, sua função econômica se­ria a de abranger as áreas de capita­lismo selvagem que carecem de um mercado disciplinado.

Em uma linha parecida e de certa forma complementar a esta explica-

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r

ção, move-se o que poderíamos cha­mar de paradigma empresarial, próxi­mo ao funcionalismo sociológico. Partindo de que qualquer empresa se organiza para obter benefícios, Smith sustenta a teoria do espectro empre­sarial, em cujos extremos se encon­tra�iam as atividades legais e as ile­gais, mas as diferenças seriam prefe­rencialmente matéria de grau e não de qualidade. Conclui que qualquer explicação - como a conspiração e a etnicidade - se tem alguma relevân­cia na interpretação do crime organi­zado, será sempre subordinada à te­oria da empresa.(63) Bynum observa, com toda a razão,(64) que este enfo­que pode remontar a Merton, que sustenta não ser possível distinguir economicamente entre o crime orga­nizado e a corrupção política e os negócios ilícitos.(65)

Em definitivo, seja porque no mer­cado existem áreas não disciplinadas ou porque estas se criam em razão de que a proibição interfere no mes­mo elevando desmesuradamente a renda, o certo é que se abrem espa­ços que, como em todo o mercado, são ocupados empresarialmente por uma atividade que se apresenta em forma de espectro - como bem a des­creve Smith - em cujos extremos es­tão o lícito e o delitivo, mas que apa­recem tão confundidos e dispersos que se torna muito difícil distinguir as matizes ou graus que se inclinam para um ou outro extremo. Por isso, res­tam milhares de perguntas sem res­posta: até que ponto do circuito de capitais o dinheiro é negro ou desde que ponto começa a ser branco? Uma empresa lícita que ocasionalmente laya dinheiro pratica crime organiza-

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do? O suborno continuado, que favo­rece uma empresa em uma atividade ou indústria lícita, é crime organiza­do? É crime organizado a atividade de uma indústria lícita que emprega mas­sivamente imigrantes clandestinos para pagar salário menor? O seria se os emprega em menor quantida·de ou porcentagem do total de seu pesso­al? Um bando de seqüestradores é crime organizado? Um banco que oca­sionalmente toma dinheiro sem preo­cupar-se com sua origem o constitui?

Em síntese, tem-se a sensação, ao menos do ângulo econômico, de que, o crime organizado é um fenômeno de mercado desorganizado ou não disciplinado, que se abre à disciplina produzida pela atividade empresarial lícita ou menos lícita. É óbvio que es­tas aberturas ou furos na disciplina do mercado são muito diferentes, instá­veis e variáveis, pois como todo mer­cado é dinâmico, existem espaços que se obstruem e outros que se abrem. Daí que a conceitualização re­sulte impossível e as tentativas se ve­jam frustradas e que, ademais, os es­paços mesmos não possam suprimir­se, porque implicaria parar a dinâmi­ca do mercado, ou seja, fazê-lo desa­parecer.

Sem dúvida existem máfias e ban­dos, há atividades lícitas e ilícitas, mas não há um conceito que possa abran­ger todo o conjunto de atividades ilí­citas que podem aproveitar a indisci­plina do mercado e que, no geral, apa­recem mescladas ou confundidas de forma indissolúvel com atividades lí­citas.

Logo, a categorização que se v.em

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tentando não pode se coroar, pois constitui a pretensão de prender em um conceito criminológico a dinâmi­ca do mercado. A empresa resulta tanto mais inalcançável quando se pretende buscar uma categoria que se transfira à lei penal.

Por tudo isso, há um conjunto de atividades e fenômenos econômicos, dentre os quais alguns são incontes­tavelmente criminais, mas não há uma categoria capaz de abrangê-los no campo criminológico e menos ainda no legal.

É natural que a questão se tenha estabelecido nos Estados Unidos de forma prioritária, surgindo no perío­do de entre guerras, e que as tendên­cias políticas tenham tentado sua ca­tegorização no segundo pós-guerra. Explica-se porque a guerra de 1914-18 teve conseqüências que os políticos europeus nunca haviam imaginado. Acreditaram empreender uma guerra relativamente breve, mas não previ­ram que a tecnologia os levava a uma contenda em que o vencedor seria o que durante mais tempo pudesse es­gotar seu potencial industrial.(66) Daí que, na Europa, praticamente os que ganharam, ganharam pouco, ficando tão destruídos como os vencidos, en­quanto os Estados Unidos alcançaram posição privilegiada, atraindo uma massa enorme de capital e de imigra­ção que não via perspectivas imedia­tas e seguras em uma Europa destruí­da por uma guerra com conseqüênci­as jamais imaginadas. Esse foi o espa­ço que permitiu aos Estados Unidos implementar uma política imigratória racista em meio a uma verdadeira fes­ta de concentração de capitais e es-

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peculação, que terminou com a gran­de recessão de 1929.(67) A desordem desse mercado e sua interferência com a 18ª emenda ("lei seca") pro­porcionaram as condições ideais para a penetração de atividades ilegais mescladas com as legais e, como .é habitual naquele país, surgiram polí­ticos que viram aberta a via ao clien­telismo, ganhando fama com suas fa­mosas "guerras" através do sistema penal, como também corporações po­liciais que adotaram seus lemas e seus discursos, e criminólogos que se dei­xaram levar por uma opinião pública imbuída do estereótipo mafioso e, também, com certo narcisismo, pró­prio de quem se sente possuidor do saber - chave para a solução de to­dos os problemas que acarretam a in­disciplina do maior mercado do pla­neta.

Passada a depressão e o New Oeal, restando os Estados Unidos depois da segunda guerra como o país mais poderoso do mundo, as atividades ilí­citas no mercado haviam adquirido características e volume diferentes, adequados à nova situação econômi­ca, enquanto os políticos seguiam ganhando clientela com os mesmos métodos, e, por fim, o fenômeno per­mitiu a ascensão de alguns do mes­mo modo que a guerra fria brindou MacCarthy com a oportunidade de ter em xeque a administração de Truman e a primeira de Eisenhower.

8. A extensão de uma categoria frustrada

A categoria frustrada do organized crime, associada ao estereótipo mafi­oso, se estendeu pelo mundo muito

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antes dos tempos atuais. Ante qual­quer manifestação mais ou menos grave de organização criminosa, es­pecialmente quando envolvendo es­trangeiros, surgia a categoria frustra­da nas atitudes mais insólitas. A re­forma penal aprovada pelo senado ar­gentino em 1933 respondia à mesma, até o ponto de implantar a pena de morte por eletrocução.(68)

Sem embargo, não se pode negar que a exportação massiva desta cate­goria desde os Estados Unidos tem lugar em tempos muito mais recen­tes e por efeito da chamada global i­zação do mercado. Qualquer que seja a opinião que se tenha acerca da na­tureza, alcance e perspectivas deste fenômeno, não se pode negar que a circulação de bens e serviços através das fronteiras tem adquirido uma fle­xibilidade nunca conhecida, favoreci­da de forma extraordinária pela que­da do chamado "socialismo real", tecnologia, mercados regionais, sur­gimento dos novos países industriali­zados no extremo oriente e indiscutí­vel presença do Japão como potên­cia mundial.

Ao se globalizar desta maneira, o mercado mundial não se limitou ape­nas a exportar seus âmbitos de indisciplina, mas possibilitou novos e nunca imaginados espaços de indis­ciplina, prontamente aproveitados pela atividade empresarial, legal ou ilegal. É claro que se tem gerado ver­dadeiras economias complementares parcialmente ilícitas, como o caso da cocaína, mas, em geral, pode-se afir­mar que, dado o volume da atividade ilegal mesclada com a legal, nos en­contramos ante uma nova forma de

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acumulação de capital, antes desco­nhecida: o dinheiro sujo proveniente de negócios ilícitos e evasões fiscais, o tráfico de bens e serviços proibidos, a especulação financeira etc. Parece que a economia cresce sem bens, ao menos em seu aspecto tradicional.

Ante a desordem que provoca a globalização e que é própria do mer­cado - somada a das interferências proibitivas e às características que as­sume na periferia do poder mundial, onde impera uma corrupção maior ou mais manifesta - era natural que se exportasse também a tecnologia de controle ou que, ao menos, se ten­tasse fazê-lo. Trata-se de uma lei que se repete: quando se transfere um problema social, segue-se a transfe­rência da ideologia de controle. O transplante em massa de população, especialmente do sul da Europa, ao cone sul da América,(69) entre 1880-1914, com a transferência do anar­quismo, do socialismo e dos protes­tos por reivindicações sociais, fez com que o positivismo criminológico racista europeu (70) e particularmen­te italiano (71) chegasse rapidamen­te, chamado pelas elites governantes que o assumiram como próprio.(72)

Os operadores políticos da perife­ria do poder não encontram qualquer inconveniente em assumir hoje como próprio o discurso do organized cri­me, entre outras coisas porque o con­sideram inócuo para limitar seu po­der arbitrário, fundam esta crença em: a) que resulta tão deslocado de seu contexto genético, que sua incapaci­dade controladora é notória até para os menos avisados; b) que confiam, com razão, na forma com que con-

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trolam todo o poder e em sua limita­da capacidade para prostituir qualquer instituição e na de seus escribas para racionalizá-Ia, e c) em não menor medi­da, na ignorância própria do problema, que para os operadores políticos peri­féricos sempre é secundário e somente merece atenção quando urge implan­tar alguma manobra clientelista e neu­tralizar algum problema desacreditador.

Deste modo, o discurso abrangen­te da categoria frustrada do organi­zed crime se estende pelo mundo, é recolhido pelos políticos de todas as latitudes, se traduz em leis penais, é difundido pelos meios de massa, dá lugar a novos estereótipos etc.

9. Uma política criminal intervencionista em uma

economia de mercado

o discurso que incorpora o orga­nized crime não é tão inofensivo como pode crer a maioria dos opera­dores políticos dos países periféricos do poder mundial, ao menos quanto a suas conseqüências econômicas. Se­ria demasiado simplista crer em sua total ineficácia com respeito a suas funções manifestas, uma vez que lhe restam funções latentes, nas quais não se parece reparar-se seriamente, pois se limita à discussão das primeiras.

Em princípio, trata-se de uma cate­goria frustrada, ou seja, de uma tentati­va de categorização que acaba em uma noção difusa. Quando este é o marco de intervenção punitiva, à arbitrarieda­de seletiva de qualquer destas interven­ções se agrega uma cota suplementar.

Nestas condições, as proibições in-

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terferem no mercado, gerando um crescimento desmesurado da renda do proibido (serviços ou bens), o que se traduz em raro protecionismo, pois trata-se de protecionismo baseado nos critérios da seletividade penal, e não nos de seletividade econômica. Do ponto de vista econômico ess'e protecionismo é completamente irra­cional e sua arbitrariedade pode ser totalmente disfuncional.

Por outro lado, a intervenção pu­nitiva sempre é arbitrária. (seletiva) mas, como o legal e o ilegal apare­cem mesclados de forma indivisível, uma noção nebulosa como idéia fun­damentai da intervenção não faz mais que somar maior arbitrariedade à elei­ção intervencionista penal, o que se traduz em uma cota de insegurança para a inversão em atividades legais, que, de alguma maneira, se manifes­ta em forma de abstenção (não inver­são ante a perspectiva de inseguran­ça) ou em exigência de uma renda desproporcional com a magnitude do investimento, como preço da insegu­rança.

A seletividade punitiva não é de todo arbitrária, pois em geral se ori­enta pelos padrões de vulnerabilida­de dos candidatos à criminalização, que neste caso são as empresas mais débeis, presas mais fáceis da extor­são. Com isso, o sistema penal, mais corrupto na periferia, se intromete no mercado como monopolizador da ati­vidade mafiosa extorsiva do empr'e­sariado mais vulnerável por sua debi­lidade, que, ao passar do tempo, ante a dificuldade de competir frente às grandes corporações e ao custo agre­gado da proteção extorsiva, termina

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por ser excluído do mercado. Desta maneira, o sistema penal se converte num fator de concentração econômi­ca, que não necessariamente impor­ta a exclusão das atividades ilegais do mercado, senão somente sua concen­tração junto às atividades legais.

Tudo isso seja dito sem contar que, junto com a competição entre gran­des corporações, o sistema penal tam­bém pode ser usado -- e normalmen­te o é -- como fator que interfere nas disputas do poder hegemônico, sub­traindo proteção àquele que é derro­tado na pendenga: os raros casos em que o sistema penal cai sobre alguém invulnerável se devem a que este per­deu sua invulnerabilidade em uma luta hegemônica com outro competi­dor de quase igual poder.

Em síntese, e contra o que usual­mente se pode crer, a intervenção punitiva no mercado é um fenômeno que se introduz em todos os mutan­tes e instáveis buracos de indiscipli­na que este vai abrindo, sem uma ca­tegoria reitora e sem que possa dei­xar de interferir também nas ativida­des legais. Termina sendo um conjun­to de medidas de protecionismo irraci­onal ou arbitrariamente selecionado, que com demasiada freqüência aumen­ta as próprias atividades ilícitas, a cor­rupção (particularmente nos países pe­riféricos), destrói a competividade do empresariado mais débil e o elimina do mercado, podendo tomar partido como elemento decisivo nas disputas entre os mais fortes. Poucos intervencionismos podem ser mais negativos para uma economia de mercado.

Este suposto remédio de atividade

58

que atentam contra a competição se traduz em uma das maiores ameaças que pode ter o mercado, muito mais irracional e destrutiva que as medidas protecionistas inconsultas e erradas que, ao menos, são discutíveis em termos econômicos, enquanto as in­tervenções penais, por regra >geral, ocultam seu caráter econômico por baixo de um discurso de absolutismo ético. (73)

10 . A criminalização mediante uma categoria frustrada: o

direito penal autoritário

o transporte de uma categoria frus­trada ao campo da lei penal não é mais que uma criminalização que ape­Ia a uma idéia difusa, indefinida, ca­rente de limites certos e, por fim, uma lesão ao princípio da legalidade -­

isto é, à primeira e fundamental ca­racterística do direito penal l iberal ou de garantias.

Ainda que desde a lógica científi­ca o fracasso da categorização deves­se determinar que a mesma não pas­sasse de uma tentativa no campo cri­minológico, a lógica política opera de outra maneira e, por fim, o crime or­ganizado fez sua entrada na legisla­ção penal, com a previsível conse­qüência de introdução de elementos de direito penal autoritários. O con­ceito fracassado em criminologia foi levado à legislação para permitir me­didas penais e processuais penais ex­traordinárias e incompatíveis com as garantias liberais.

Não é nossa intenção resenhar aqui o tortuoso caminho da legisla­ção penal e processual criada com

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base nesta categorização fracassada no campo científico e exitosa no po­lítico. Nos limitaremos a assinalar as principais conseqüências que comu­mente se associam a seu uso nas di­versas legislações que a têm adotado ou nos projetos legislativos que pos­tulam sua adoção, tanto no penal como no processual.

A. Em matéria penal

(a) A impunidade de agentes enco­bertos e dos chamados "arrependi­dos" constitui uma séria lesão à eticidade do estado, ou seja, ao prin­cípio que forma parte essencial do estado de direito: o estado não pode se valer de meios imorais para evitar a impunidade.

Não se deve confundir a ação es­tatal, tendente a descobrir e conde­nar um culpado, com a que este deve empregar para salvar uma vida huma­na ou outro bem jurídico importante que está sendo agredido ou que se encontre em perigo iminente de agressão. Neste último caso nos de­paramos com uma medida policial e não penal (74) e os bens jurídicos que entram em colisão são a vida ou a in­tegridade física ou a liberdade de uma pessoa inocente e a administração da justiça, devendo sempre inclinar­se pela primeira em razão da conhe­cida ponderação de bens jurídicos (ou ponderação de males) do estado de necessidade. E'sta ameaça concre­ta que dá lugar à medida policial não tem nada a ver com a lesão já sofri­da, ou com o perigo de uma nova le­são no caso em que o autor ou outro realize uma nova conduta análoga. Esta é a diferença substancial entre a

59

coação penal e a policial, que comu­mente se passa por alto na hora de racionalizar o uso de meios imorais por parte do estado ou do sistema penal.

Confundindo ambas situações, Q

estado autoriza o cometimento de de­litos a seus funcionários -- às vezes com um âmbito ou extensão ainda mais inadmissíveis ou escandalosos -, o que dá lugar a situações ambíguas em que é possível que permaneçam encobertos casos de corrup'ção invo­cando o estado de necessidade etc.

Quanto ao chamado "arrependi­do", nada tem a ver com a tradicio­nal desistência voluntária. Esta clássi­ca ' ''ponte de ouro" -- como a chama von Liszt (75) -- tem lugar antes da consumação, enquanto o "arrependi­do" realiza uma ação posterior à mes­ma. Por outro lado -- e isto é mais determinante -- o que desiste deve ser um verdadeiro arrependido, pois sua desistência deve ser completa­mente voluntária e livre, enquanto este falso "arrependido" não é mais que um deliqüente que negocia um benefício em troca de informação, ou seja, é um delator. O estado está se valendo da cooperação de um delin­quente, comprada ao preço de sua impunidade para "fazer justiça", o que o direito penal liberal repugna desde os tempos de Beccaria (76).

Nada há em termos de direito pe­nai ordinário e conforme os princípios que regem a quantificação da pena que permita mitigar a pena de um deliqüente por sua delação induzida com um benefício, o que tampouco significa um melhor prognóstico de

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conduta da pessoa. Desde o ponto de vista ético, a delação não é um ele­mento que melhore o juízo sobre um comportamento anterior e, em geral, degrada ainda mais a pessoa.

( b ) O sistema de penas fixas (mandatory sentencing) do direito norte-americano recente ou as penas mínimas elevadas do direito escrito de tradição continental européia -­normalmente invocados no combate ao crime organizado -- lesionam os princípios de racionalidade, propor­cionalidade e humanidade das penas, ao tempo em que pretendem reduzir os juízes ao simples papel de máqui­nas computadoras que carecem de qualquer capacidade valorativa.

O sistema de penas fixas desapa­receu no século passado, depois de ter estabelecido códigos como o re­volucionário francês (77) e o imperi­al brasileiro, (78) mas ressurge no fi­nal deste século, seja por causa das regras de penas fixas norte-america­nas, tachadas de inconstitucionais por vários juízes federais norte-america­nos, (79) seja por causa das penas mí­nimas altíssimas em algumas legisla­ções latino-americanas, que todavia ninguém se atreveu a tachar de i n constitucionais. (80)

Não menos violadoras da mais ele­mentar racionalidade são as penas máximas absurdas, que ultrapassam os quarenta e cinco anos de prisão. A estas realmente falta seriedade, porque é inaceitável que os cárceres se convertam em asilos de anciãos com o corrrer dos anos. Somente nos Estados Unidos - de onde se ensaia uma política penal que �e encontra

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em vias de uma catástrofe total e se ufanam em ter um milhão e meio de presos, (8 1 ) se pode crer em seme­lhante absurdo: no resto do mundo sabemos que dentro de quarenta ou cinqüenta anos os governos terão ou­tras preocupações mais importantes e os cárceres quiçá tenham sido su­perados por outra tecnologia de con­trole mais barata, ainda que por isso não menos perigosa.(82)

Tão perigoso quanto a anterior é ape­lar ao usual "embuste das etiquetas" e trocar de nome as penas, chamando-as "medidas de segurança" ou outro nome qualquer: não se trata de voltar ao ve­lho estratagema consistente em violar todos os limites do direito penal liberal por via do velho recurso de chamar a pena de outro modo, permitindo assim a aplicação retroativa, a desproporção, a irracionalidade, a crueldade etc., como freqüentemente se intenta nes­tas leis e projetos.

(c) Há muitas maneiras de violar a legalidade sem abandonar as tradicio­nais formas de fazê-lo no direito pe­nai de tradição européia continental. Em não conformidade com este, po­rém a exportação da nebuloda idéia de organized crime tem querido tra­zer a nossas legislações uma das mais conhecidas, criticadas e formas claras de violá-lo que conhece o direito pe­nai anglo-saxão: o conceito de cons­piracy. (83) Ao invés do cientificamen­te correto, ou seja, adotar as institui­ções de outra tradição que sirvam para melhorar a nossa, se adotam das que são suscetíveis de piorá-Ia.

Conspiracy é um dos conceitos mais difusos e discutíveis do direito

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penal anglo-saxão. Os historiadores do direito inglês precisam que nasceu há séculos como delito independen­te para falsas acusações e que logo se foi estendendo a todos os delitos, à medida que se estendia a rule of law ou legalidade. Em outras palavras: à medida que se reduzia a faculdade dos tribunais para criar novos delitos, por império da legalidade, a conspiracy ia se estendendo, como recurso judi­cial para violá-Ia.

Com efeito: fixados claramente al­guns delitos pelo common law e cria­dos outros pelo statute law (por leis do parlamento), sem que as cortes pu­dessem ampliar o catálogo de uns nem de outros, estas apelaram a um suposto tipo penal difuso, no qual se pode arbitrariamente introduzir qual­quer ação imaginável e que definem de modo original: agreement to do an unlawful act or a lawfu l act b y unlawful means. (84) Para completar o panorama de incerteza, importa escla­recer que a palavra unlawful não se entende somente como o ilícito, mas também como o "imoral".

Não tem nada a ver com associa­ção ilícita do direito continental, por­que basta que haja uma proposição dirigida a uma pessoa, ainda que não a admita; porque é suficiente que se proponha um só delito em particular; e porque o meio pode ser lawful. Não é raro que esta curiosa fórmula tenha sido utilizada para perseguir o sindi­calismo e certas forças políticas e que sua história não seja nada elogiosa quanto ao serviço que prestou às li­berdades públicas.(8S)

Além da introdução da conspiracy,

61

não é menos grave a tendência geral a criminalizar atos preparatórios atípicos desde o ângulo das tradicio­nais fórmulas da tentativa.

B . Em matéria processual penal

( a ) Em quase todas as leis que se amparam na idéia de organized crime ampliam-se as faculdades preventivas da polícia, com a qual sofre um sério detrimento o princípio de judicialida­de, constituindo uma das formas mais idôneas para estender rapidamente o uso da tortura e as oportunidades de corrupção.

( b ) Ao mesmo tempo, tende-se a limitar o direito de defesa em várias formas, sendo uma das mais usuais o segredo do procedimento, estendido indeterminadamente, a incomunicabi­lidade do acusado, a proibição ou di­ficuldade para comunicar-se com seu defensor, o segredo acerca da identi­dade dos juízes, fiscais, testemunhas etc.

(c) O caráter conspiratório que se atribui ao crime organizado leva qua­se sempre a restringir o princípio da publicidade do processo.

( d ) Com generosidade se autoriza a interceptar correspondências, cha­madas (telefônicas) e outras comu­nicações, de forma que afeta seria­mente a reserva e a privacidade.

( e ) Sem sombra de dúvida, todas vêm acompanhadas de limitações à excarceração, de modo que se inver­te a presunção de inocência.

(f) Admite-se provas de duvidosa

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procedência e, dentre elas, a manifes­tada pelos famosos agentes encober­tos e os delatores, o que não se re­solve com a pretensão de que devem vir acompanhadas de provas objeti­vas. Em nosso direito os delatores não são testemunhas, de modo que po­dem falsear os fatos à vontade.

(g) Na expansão pelo mundo do conceito difuso de crime organizado, não é raro vê-lo acompanhado de re­gras que estabelecem competências especiais, às vezes comissões especi­ais de muito duvidoso caráter judici­al, violações ao princípio do juiz na­tural etc.

Em geral, pode-se afirmar que o transporte à lei de uma categoria cri­minológica frustrada, que trataram de inventar os criminólogos norte-ame­ricanos por pressão dos políticos, das corporações policiais e dos meios de massa, não tem outro efeito que lesionar de forma plural a legalidade no direito penal e o acusatório no di­reito processual penal, o que é expli­cável, posto que em realidade consti­tuem as duas faces do direito penal liberal.(86} O direito penal autoritá­rio ou antiliberal tem fixado suas ca­racterísticas desde há muitos séculos, especialmente através das obras fundacionais como o manual de inquisidores,(87) e é o mesmo que voltamos a encontrar cada vez que, em casos como o presente, se que­bra o direito penal liberal.

Sempre que se produzem estes fe­nômenos na história, o fazem como marca de uma guerra contra um ini­migo cósmico ou quase cósmico, em que se personifica o próprio mal. Os

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-- -------� --

pol íticos norte-americanos são muito propensos ao clientelismo político por este meio, de modo que não é a primeira vez que se empreende uma guerra contra um problema social ou de natureza econômica pela via pe­nai -- e por desgraça, tampoucq será a última -- com o sabido resultado de que perderam todos essas guerras (88) e puseram em perigo as institui­ções democráticas, sem contar com o triste e negativo exemplo que pro­porcionam essas fábulas ao mundo, dada a capacidade reprodutora do que se faz naquele país.

1 1 . Conclusões

( a ) Não há duvida acerca da exis­tência de associações ilícitas, socie­dades para delinqüir, quadrilhas ou bandos.

( b ) Em toda a economia de merca­do aparecem e desaparecem setores indisciplinados, como resultado da sua própria dinâmica, que são ocupa­dos por empresas, do mesmo modo que os setores disciplinados, mas es­tas empresas muito poucas vezes são associações ilícitas, posto que na ge­neralidade dos casos combinam ati­vidades lícitas e il ícitas em diferente medida.

(c ) Fora dos casos de verdadeiras associações ilícitas, não há um limite claro e nem sequer aproximado que permita distinguir, entre uma empre­sa "legal" e outra "ilegal", porque sempre combinam atividades, sendo inclusive muito raro que uma empre­sa "lícita" não incorra em alguma ati­vidade ilegal. A tentativa de categori­zar a atividade ilícita como "crime or-

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ganizado" fracassou no plano cientí­fico, pois tudo o que se pode provar é a existência de um fenômeno de mercado.

(d ) O "mito mafioso" estendido a todas as atividades ilegais do merca­do é uma teoria conspiratória cienti­f icamente falsa, sustentada pelos mei­os de comunicação, pela ficção, pelo clientelismo político e pelas polícias, que a criminologia se esforçou em elaborar, mas não pode fazê-lo, em que pese ser do agrado de muitos cri­minólogos.

(e) A pretensão de levar o "mito mafioso" à lei penal implica uma in­terferência totalmente arbitrária na economia de mercado que pode con­duzir a efeitos econômicos catastró­ficos: concentração econômica, elimi­nação da pequena e média empresa, corrupção nas corporações por con­centração da atividade ilegal, prote­cionismo despropositado, alterações irracionais de alguns bens e serviços com conseguinte aumento da ativida­de ilegal em razão da absurda renta­bi li·dade.

( f) No plano jurídico penal, esta in­tervenção punitiva com base em um conceito falso e ilimitado implica re­trocesso muito grave do direito pe­nai liberal e o conseqüente restabe­lecimento do direito penal autoritá­rio (inquisitorial), lesionando as garan­tias constitucionais e internacionais e aumentando a corrupção das agên­cias do sistema penal.

Notas (*) ( tradução de Rogério Marco l in i )

63

( 1 ) V. por exemplo as d iferentes valorações

das mult idões por autores como H. Ta ine,

Les origines de la France contemporaine, La

Revolution, tomo I , Paris, 1 8 78; G . Tarde.

Essais et mé/anges sociologiques, Lyon-Paris,

1 900; Scipio S ighele, I delitti de lia folia,

Torino, 1 9 1 0; G. Le Bon, Psychologie des

foules, Paris, 1 895 . Sobre esta época em ge­

rai, Jaap van G inneken, Folia, psicologia e

politica, Roma, 1 99 1 .

( 2 ) Em geral, quase todos os autores da época

buscam a pena para o l íder, em quem bus­

cam encontrar s i n a i s degenerat ivos . Por

exemplo, C Lombroso - R . Laschi, Le crime

politique et les revolutions pour rapport a u

droi!, à I'anthropologie criminelle et à la

science du gouvernement, Paris, 1 892, es­

pecia lmente o tomo 1 1 ; Pascual Rossi, L os

sugestionadores y la muchedumbre, Barce­

lona, 1 906; a pr imeira edição de La folia

delinquente de Sighe/e, Torino, 1 89 1 .

(3 ) Em castelhano se pode recordar o trabalho

pioneiro de Constancio Bernaldo de Quiróz

na Espanha, logo estendido ao México; em

português, Chrysol ito Chaves de Gusmão,

O banditismo e associações para delinqüir,

Rio de Janei ro, 1 9 1 4 .

(4) Menciona-se toda a classe de organizações,

i n c l u i n d o a s p o l í t i c a s e, d e n t r e e l a s ,

f re q ü e n t e m e n te s e faz refe r ê n c i a a o s

carbonários. Sobre esses: Indro Montanel J i ,

L '/talia giacobina e carbonaria ( 1 789- 1 83 1 ),

Rizzol i , Mi lano, 1 9 78.

( 5 ) P o r ex., C. Lom broso, Gli anarchici, To rino,

1 894 .

(6 ) Por ex . August Bequai, Organized Crime, The

Fifth State, Lexington Books, 1 979, p. 9.

(7) Timothy S . Bynum, Controversies in the Study

of Organized Crime, em "Organized Crime

Page 21: Eugenio Raúl Zaffaroni - Crime organizado: uma categorização frustrada

in America: Concepts and Controversies" ,

edi ted b y T.S.Bynum, New York, 1 98 7, p . 4 .

( 8 ) National Advisory Committes on Crime

justice Standards and Coais, Report on the

Task Force on Organized Crime, Washing­

ton, 1 9 76.

(9 ) 7 993 Edition, Federal Criminal Code a n d Rules,

as amended to February 7, 1 993, St. Paul,

M inn., West Publishing Co., p. 665.

( 1 0) C f. Mar ion Bo gel , Strukturen und

Systemanalise der organisierten Kriminalitat

in Deutschland, Berl in, 1 994.

( 1 1 ) Ass im, a Lei nO 9.034, de 3 de maio de 1 995,

"dispõe sobre a ut i l ização de meios opera­

c iona is para a p revenção e repressão de

ações praticadas por organizações cr imino-

sas",

( 1 2 ) Pe te r Reuter , Disorgan ized Crime. Th e

Economics of the Visible Hand, The MIT

Press, 1 983 .

( 1 3 ) Michael Maltz. Toward Defining Organized

Crime, em "The Politics anel the Economics

of Organized Crime" edi led by H. Alexander

and C. Caiden, Lexington Books, 1 985, p. 2 1 .

( 1 4) F r a n k H a g a n . T h e O r g a n i z e d C r i m e

conti uum : A Further Specification o f a New

Conceptua l Model, em "Cr imina l J usl ice

Review", 1 983.

( 1 5 ) Ma ltz, op. c i t . , p . 7.

( 1 6) Bynum, op. cit., p .7 .

( 1 7 ) Bequai , op. cit . , p .2 .

( 1 8) Reuter, op. c i t . , p . 8.

( 1 9) I dem, p.9.

64

(20) Cf . J e a n C h e v a l i e r - A l a i n C e e r b r a n t,

Dizionario dei Simboli, B ib . Univ. R izzo li,

1 986, t. ii, p . 3 5 4.

(2 1 ) V. Norman Cohn, EI mito de la conspiración

mundial. Los Protocolos de los Sabios de

Sión, Madrid, 1 98 3 : Ceorge L. Mosse, 1I

razzismo in E u ropa, Da lle o rigine a li

Olocausto, Laterza, 1 992, p. 1 2 7.

( 2 2 ) U m ber lo Eco, 1 1 p e n d o l o di F o u c a u /t,

Bompiani , Mi lano, 1 988.

(23) Reuter, op. c i t . , p .8 .

(24 ) I dem, p. 7 .

(25) Idem, p . 5 .

(26 ) O trabalho de campo com os d iários de John

Landesco, Organized Crime in Chicago,

1 92 9 (reimpresso pela Ch icago Univers i ty

Press em 1 968 ) se inscreve na pr imeira tra­

d ição desta classe de trabalhos da escola

de Ch icago. Sobre ela em geral, Mart ins

Bulmer, The Chicago School o f Sociology,

Institutionalization, Diversity, and the Rise Df

Sociological Research, The U niversity Df Chi­

cago Press, 1 984, especia lmente pp. 1 0 1 -

1 02 . Uma seleção d e le i turas que inc luem

textos da época de diferentes tendências em

Cus Tyler, Organized Crime in America, A

Book o f R e a dings, T h e U n i v e r s i t y o f

Michigan Press, 1 962 .

( 2 7) Edwim H . S u th e r l a n d , Cri m i n o l o g y,

Lippincott Co., 1 9 78, p. 2 70.

( 28 ) Donald R. Creessey, Theft Df the Nation: The

Structure and Operations of Organized Cri­

me in America, New York, 1 969.

( 29 ) Cf. Bequa i , op. c i t., p . 3 .

(30) Cressey, op. c i t . , p . 3 1 4.

Page 22: Eugenio Raúl Zaffaroni - Crime organizado: uma categorização frustrada

(3 1 ) V. R i ch a rd H . Rovere , EI Senador joe

N/acCarthy, FCE, México, 1 98 7.

( 3 2 ) Cf. Reu ter, op. ci t., p .9 .

(33 ) Cf. Bynum, op. cit., p. 7 .

(34 ) Cf . Reu ter, op. ci t., p .3 .

( 3 5 ) Dan ie l Bel l , Cr ime as an American Way of

L ife, em "Antioch Review", j unho de 1 95 3 .

( 3 6 ) Esta profecia auto-real izada é i l ustrada mui ­

to documentada mente pela clássica obra de

León Pol iakov, Historia dei antisemitismo,

Raices, Buenos Aires, 1 989 .

( 3 7 ) Mar ion Bogel reconhece o mesmo para a

Alemanha em op. c i t .

(38) Cressey, op. c i l .

(39) Cf . Reuter, op. ci t., p . 9 .

(40 ) Adolf H i tler, N/ i lucha, Santiago do Chi le, de­

zembro de 1 939, p. 1 26 : "Allis se niegan a

aceptar la inmigración de elementos nocivos

desde el punto de vista de la salud social y

prohiben en absoluto la naturalización de

ciertas y determinadas razas, dando asi a/gunos

tímidos pasos en dirección a un modo de con­

templar las cosas que se parece muchisimo ai

concepto dei Estado Nacional."

( 4 1 ) Nos refer imos ao best-se l ler de Richard J .

Herrnstein e Charl es M urray, The Bell Cur­

ve, I n telligence a n d Class Structure in

American Life, New York, 1 994.

(42) V. John Sedowick, Ins ide the Pioneer Fund;

Adam Mi l ler, Professors of H ate; ambos em

"The B e l l C u rve D e b a t e . H i s t o ry,

Documents, Opin ions", ed i ted by Russel l

J a coby and N a o m i G l a u berman , T i m e s

Books, 1 995, p p . 1 44 Y 1 62 .

65

(43 ) Bequai, op. c i t ., p. 7 .

(44) V. Francis lann i - E l izabeth Reuss lann i, A

Family Business: Kinship and Social Control

in Orga nized Crime, N e w York , 1 9 7 2 ;

P r e s i d e n t ' s C o m m i s s i o n o n L a w

Enforcement a n Admin istration o f J ustice,

The Challenge of Crime in a Free Society:

Washington, 1 967 .

( 45 ) Cf. John Gall iher-James Cain, Citation Support

for the Mafia Myth in Criminology textbooks,

em "American Sociologist", 1 9 74.

(46) Jay Albanese, Organized Crime in A merica,

Cincinnat i , 1 98 5 .

( 47 ) Cf. Bynum, o p . cit . , p . 6 ; Reuter, o p . cit ., p .9 .

(48) Cf. Bequai, op . cit . , p .4 .

(49) Cr. Reu ter, op. ci t., p . 3-4.

(50) I dem, p . 4.

( 5 1 ) I dem, p . 7.

(52) Idem, p . 1 0 .

( 53 ) Sobre este período, B i l l Severn, The End of

the Roaring Twenties, Prohibition and Repeal,

New York, 1 969 .

(54 ) Cf . Bequai, op. c i t . , p . 34 .

(55 ) Por ex . a h istór ia relatada por Bequa i , op .

cit., p. 1 2 .

( 56 ) V. Ercole Sori, Las causas económicas de la

emigración i ta l iana entre los s ig los X IX y XX,

em Devoto-Rosoli, "La i n migración I ta l iana

en la Argentina", Buenos Aires, 1 985, p . 1 5 .

( 57 ) Cf. J oseph R. G u sfield, EI paso moral : el pro­

cesso s im ból ico en las designaciones púb l i-

Page 23: Eugenio Raúl Zaffaroni - Crime organizado: uma categorização frustrada

cas de la desviación, em " Est igmatización y

conducta desviada", compilação de Rosa dei

O lm o, Un ivers idad dei Zul ia , s . d ., p. 73 .

( 58 ) Por ex . Bequai .

(59) A s s i m : A l b a n e s e , o p . c i t . ; A n n e l i s e

Anderson, The Business o f Organized Crime,

S t a n fo rd , 1 9 7 9 ; H o w a r d A b a c:! i n s ky,

Organized Crime, Boston, 1 98 1 .

(60) C i t . por Bequai , op . c i t .

( 6 1 ) Wil l ian J . Chambl iss, Functional and Confl ict

Theories of Crime, em "Whose Law, What

Order", edited by Chambl iss-Mankoff, New

York, 1 9 76, p . 8 ; do mesmo, Exploring

Criminology, Macmil lan, New York, 1 988,

p . 86 .

( 62 ) Cf . Bequai, op. c i t . , p . 6 .

(63 ) Dwight Smith, Paragons, Pariahs and Pirates :

A Spectrum Based Theory of En terprise, em

"Cr ime and Del inquency", 1 980, p . 3 5 8.

(64) Bynllm, op. cit., p. 8.

(65) R o b e r t K. M e r t o n , Teoria y estructura

sociales, FCE, México, 1 9 70, p. 1 5 2 .

(66) V. Marc Ferro, La Gran Guerra ( 1 9 1 4- 1 9 1 8),

Buenos Aires, 1 98 5 .

(67 ) C f . Maurice N iveall, Historia de los hechos

económicos contemporâneos, Barcelona,

1 9 77 .

(68 ) V. José Peco, La reforma penal en el Senado

de 1 933, B uenos Aires, 1 936.

(69) V. Devotto-Rosol i , op . c i t .

( 70 ) Em geral, todo o posit iv ismo cr iminológico

operava dentro do paradigma racista da épo-

66

ca, part icularmente na versão de Herbert

Spencer (Principes de Sociologie, trad. de M.

E. Cazel les, Paris, 1 883 ) .

( 7 1 ) É notór ia a tendência racista no posit ivismo

i ta l ia no, em especial em La Criminologia de

Rafael Garofalo (traducción de P. Dorado,

Madrid, s .f. ) .

( 72 ) Pode se ver a produção em br ionár ia d o

positivismo argent ino: Luis Maria Drago, Los

hombres de presa, 2' ed. , B uenos Ai res,

1 888 ; l ' b ib l iograf ia i n dicada por H u g o

Vezzetti, L a locura e n la Argentina, Buenos

Ai res, 1 98 3 .

( 73 ) Para a recente crítica ao fundamenta l i smo

ético, Luig i Manconi, L im i ta re la sofferenza.

Per u n programma d i r iduz ione dei dann i,

em " Lagal izare la droga", Feltr inel l i , 1 99 1 ;

D o u g l a s N . H u sak, Drugs a n d R ig h ts,

Cambridge U nivers i ty Press, 1 99 2 .

( 74 ) A esse respeito, l ii a k i Agirreazkuenaga, L a

coacción a dministrativa directa, Civ i tas ,

Madrid, 1 990.

( 7 5 ) Franz von Liszt, Lehrbuch des Deutschen

Strafrechts, Berl i n, 1 89 1 , p . 2 1 6 .

( 76 ) V. Opere diverse dei March ese Cesare

8eccaria bonesana, Patrizio milanese, Parte

Prima, Prima Edzione Napoletana, Napol i,

1 7 70, I , p. 1 1 7; Dei delitti e delle pene, a

cura di Franco Venturi, E inaudi , 1 98 1 , p. 89 ;

trad. de Laplaza, Buenos Aires, 1 955, p . 288 .

( 7 7 ) Code Pénal. Des 25 Septembre - 6 Octobre

1 79 1 .

( 78) Sancionado em 1 83 1 , ver ed. d e Jos ino do

Nascimento e S i lva, Código Criminal do Im­

pério do Brasil, Rio de Jane i ro, 1 863; Code

Criminel de l'Empire du Brésil, trad. de Victor

Foucher, Paris, 1 834.

Page 24: Eugenio Raúl Zaffaroni - Crime organizado: uma categorização frustrada

( 79 ) A esse respei to : G .M. Weiteka mp-5can ia

Herberger, Amerikanische 5trafrechtspolit ik

auf dem Weg in die Katastrophe, em "Neue

Kr imina lpol i t ik", 1 995, cuaderno 2.

( 80) A Corte Suprema a rgentina havia declara­

do a i nconst ituciona l idade da pena m ín ima

por roubo de automóvel à mão a rmada, que

é superior ao mín imo do homicídio s imples.

Poster iormente, com outra composição,

mudou de cr i tério com argumento que im­

p l ica uma renúncia ao poder controlador da

const i tuciona l idade das penas, o que não

deixa de ser lamentável.

( 8 1 ) Cf. Wei twkamp-Herberger, op. cit.; Marc

M a u er, The F ra g i l i ty o f C r i m n a l J u st ice

Reform, em "Socia l Justice", 25 , nO 3 : N i ls

Chistie, Crime Contrai as Industry, Towards

Gulags Western Style?, Routledge, 1 993.

(82) v . D i ego M a n u e l Luzón Pena, C o n t ro l

e le t rón ico y sanc iones a l ternat ivas a la

pr i s ión , em "VI I I Jornadas Peni tenciár ias

Andaluzas", Sevil la, 1 994.

(83 ) A Lei nO 24 .424 introduziu na Argent ina a

"confabulación", que é Lima má tradução da

conspiracy, a inda que, dada a forma em que

a legis la, é c laro que o legis lador não sabia

do que se tratava.

(84) Cf. Smith and Hogan, Criminal Law, Londres,

1 992, p. 269.

(85 ) E l is abetta Grande, A ccordo criminoso e

"consp ira cy ". Tipicitá e stretta lega litá

nell'analisi comparata, C EDAM, 1 99 3 .

( 8 6 ) A a p rofu n d a de modo a d i m i rável L u i g i

F e r r a j o l i , D i r i t to e r a g i o n e . Teoria dei

garantismo penale, Laterza, 1 989.

(87 ) Malleus Maleficarum Translated with an

Introduction, Bibl iography and notes by the

: d

67

Rev. Montagne Summers, Londres, 1 9 5 1 .

(88 ) Cf. W e i t o k a m p- H e r b e rger, o p . c i t . e n

"Kr imina lpol i t i k", 1 9 95 .