issn 1676-3661 ano 10 - nº 116 - julho/2002 boletim · eugenio raúl zaffaroni, ao palestrar...

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Publicação Publicação Publicação Publicação Publicação Oficial do Oficial do Oficial do Oficial do Oficial do INSTITUTO INSTITUTO INSTITUTO INSTITUTO INSTITUTO BRASILEIRO BRASILEIRO BRASILEIRO BRASILEIRO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DE CIÊNCIAS DE CIÊNCIAS DE CIÊNCIAS DE CIÊNCIAS CRIMINAIS CRIMINAIS CRIMINAIS CRIMINAIS CRIMINAIS ANO 10 - Nº 116 - Julho/2002 ANO 10 - Nº 116 - Julho/2002 ANO 10 - Nº 116 - Julho/2002 ANO 10 - Nº 116 - Julho/2002 ANO 10 - Nº 116 - Julho/2002 ISSN 1676-3661 Boletim Boletim Formao da Rede Latino-Americana de Poltica Criminal ANA PAULA ZOMER e LEONARDO SICA I. O 1º Fórum Latino-Americano I. de Poltica Criminal Como é sabido, o IBCCRIM realizou o “1º Fórum Latino-Americano de Política Crimi- nal”, na cidade de Ribeirão Preto/SP. Encer- rado o encontro, forçoso constatar o pleno êxito do projeto, até porque, em verdade, por se tratar de uma iniciativa absolutamente pioneira, pouco se imaginava no que poderia resultar. Também a receptividade que a pro- posta de formação da rede permanente de discussão teria entre os colegas da América Latina era incerta. Entretanto, tamanho foi o entusiasmo de- monstrado pelos participantes, que já existem propostas concretas para sediar o 2º Fórum vindas de México, Venezuela e Chile. A estrutura inovadora do fórum, com con- ferências pela manhã e grupos de estudos e debates à tarde, muitos deles com a presença dos respectivos conferencistas, se, por um lado permitiu a todos uma experiência rica de aproximação e intercâmbio, por outro, confir- mou a impressão inicial de que os problemas que afligem os diversos países latinos no campo da política criminal, salvo peculiari- dades regionais, têm as mesmas raízes e se manifestam de formas similares. Pior: a deslegitimação crescente e a inefe- tividade crônica do sistema penal são sinto- mas de dimensões continentais, vale dizer, “globalizadas”... Por essa razão, reafirmou-se no fórum a necessidade alertada por Zaffaroni, há mais de uma década, da busca de uma resposta marginal própria e relegitimante para os paí- ses latinos, apartada do discurso jurídico- penal dos países centrais e que enfrente as causas de deslegitimação de nossos siste- mas (1) ao invés de insistirmos nas recorrentes respostas simbólicas que, enfim, representam apenas uma fuga a problemas amplamente conhecidos. Também se ratificou não serem mais supor- táveis as soluções e provimentos emergen- ciais editados aqui e acolá, que, sob o pretexto de conferir efetividade ao Direito Penal, têm apenas redundado na supressão de garantias duramente consolidadas, reforçado a tendên- cia panpenalista da sociedade moderna e confirmando, enfim, o diagnóstico da “sín- drome de dinossauro” (2) nos sistemas pe- nais (3) . II. Algumas conclusões Apenas para ilustrar um pouco do que se passou no fórum e, principalmente, o ca- minho (ideológico) pelo qual vai se desen- volver a rede latino-americana, cabe delinear algumas conclusões extraídas das conferên- cias (4) e debates. O fórum iniciou-se com conferências so- bre o Controle Social na América Latina, em que Juan Pegoraro e Augusto Sanchéz San- doval traçaram importante e essencial enfo- que sociológico da questão, concluindo, o último, por elencar os chamados princípios do controle social penal moderno, tais como a incriminação por mera suspeita, a presun- ção de culpabilidade etc., todos antigaran- tistas que, em verdade, representam um retro- cesso no campo do Direito e do Processo Penal. Constatou-se, assim, a tendência auto- ritária e repressiva que, infelizmente, está marcando o controle social penal em nossa região marginal. Eugenio Raúl Zaffaroni, ao palestrar so- bre a influência da globalização nos sistemas penais latino-americanos, bem definiu a tão propalada “globalização” como um momen- to do poder planetário ou mesmo uma forma de exercício de poder que provém da revolu- ção tecnológica. Assim, definiu cinco níveis de impacto da globalização nos sistemas penais em nossa região, esquematicamente: a) nível da ma- crocriminalidade (impune); b) nível da po- larização da riqueza (maior conflituosida- de social = necessidade de neutralizar os excluídos); c) nível da legislação penal (ela- boração de leis promocionais); d) nível da legislação penal imposta (pelos países cen- trais); e) nível da teoria penal, requeri- da pelas agências judiciais para que, Maksoud Plaza Hotel So Paulo - SP INSCRIÇÕES ABERTAS! VAGAS LIMITADAS! 08/10/02 tera-feira Palestras manh “Meio Ambiente e Tutela das Gerações Futuras” - Antonio Vercher Noguera (Espanha); “A História do Direito Penal” - Carlos Petit (Espanha) Painéis 14h00 "Prisão Cautelar” - Maurcio Zanoide de Moraes (SP) e Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (PR) “Tóxicos” - Eduardo Reale Ferrari (SP) e Lênio Streck (RS) 16h30 “O Sistema Bancário e o Código do Consumidor” - Fernando Fernandes (MG) e Silvnio Covas (SP) “Crimes Políticos” - Maria Aparecida Aquino (SP) e Rosa Cardoso (RJ) 09/10/02 quarta-feira Palestras manh “Globalização e Criminalidade” - Luigi Ferrajoli (Itália) “Justiça Consensual” - Carlo Enrico Paliero (Itália) Painéis 14h00 “AspectosPenaisdasLicitaçõese ContratosAdministrativos” - Marco Aurélio Costa Moreira Oliveira (RS) e Carlos Pellegrino (DF) “A Mídia e a Dramatização do Crime” - Luis Francisco da Silva Carvalho Filho (SP) e Eugenio Bucci (SP) 16h30 “Habeas Corpus em 2ª Instância - Felipe Amodeo (RJ) e Celso Limongi (SP) “Direitos dos Presos na Execução Penal” - Ariosvaldo de Campos Pires (MG) e René Ariel Dotti (PR) Palestra 19h30 “Terrorismo de Estado e Violação de Direitos Humanos” a confirmar - Richard Wilson (EUA) 10/10/02 quinta-feira Palestras manh “A ONU e o Combate à Criminalidade Transnacional” - Vicenzo Ruggiero (Inglaterra) “Discussão em Torno do Internamento de Inimputável em Razão de Anomalia Psíquica” - Maria Joo Antunes (Portugal) (continua na pág. 8)

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PublicaçãoPublicaçãoPublicaçãoPublicaçãoPublicaçãoOficial doOficial doOficial doOficial doOficial doINSTITUTOINSTITUTOINSTITUTOINSTITUTOINSTITUTOBRASILEIROBRASILEIROBRASILEIROBRASILEIROBRASILEIRODE CIÊNCIASDE CIÊNCIASDE CIÊNCIASDE CIÊNCIASDE CIÊNCIASCRIMINAISCRIMINAISCRIMINAISCRIMINAISCRIMINAIS

ANO 10 - Nº 116 - Julho/2002ANO 10 - Nº 116 - Julho/2002ANO 10 - Nº 116 - Julho/2002ANO 10 - Nº 116 - Julho/2002ANO 10 - Nº 116 - Julho/2002ISSN 1676-3661

BoletimBoletim

Formao da RedeLatino-Americana de Poltica Criminal

ANA PAULA ZOMER e LEONARDO SICA

I. O 1º Fórum Latino-AmericanoI. de Poltica Criminal

Como é sabido, o IBCCRIM realizou o “1ºFórum Latino-Americano de Política Crimi-nal”, na cidade de Ribeirão Preto/SP. Encer-rado o encontro, forçoso constatar o plenoêxito do projeto, até porque, em verdade, porse tratar de uma iniciativa absolutamentepioneira, pouco se imaginava no que poderiaresultar. Também a receptividade que a pro-posta de formação da rede permanente dediscussão teria entre os colegas da AméricaLatina era incerta.

Entretanto, tamanho foi o entusiasmo de-monstrado pelos participantes, que já existempropostas concretas para sediar o 2º Fórumvindas de México, Venezuela e Chile.

A estrutura inovadora do fórum, com con-ferências pela manhã e grupos de estudos edebates à tarde, muitos deles com a presençados respectivos conferencistas, se, por umlado permitiu a todos uma experiência rica deaproximação e intercâmbio, por outro, confir-mou a impressão inicial de que os problemasque afligem os diversos países latinos nocampo da política criminal, salvo peculiari-dades regionais, têm as mesmas raízes e semanifestam de formas similares.

Pior: a deslegitimação crescente e a inefe-tividade crônica do sistema penal são sinto-mas de dimensões continentais, vale dizer,“globalizadas”...

Por essa razão, reafirmou-se no fórum anecessidade alertada por Zaffaroni, há maisde uma década, da busca de uma respostamarginal própria e relegitimante para os paí-ses latinos, apartada do discurso jurídico-penal dos países centrais e que enfrente ascausas de deslegitimação de nossos siste-mas(1) ao invés de insistirmos nas recorrentesrespostas simbólicas que, enfim, representamapenas uma fuga a problemas amplamenteconhecidos.

Também se ratificou não serem mais supor-táveis as soluções e provimentos emergen-ciais editados aqui e acolá, que, sob o pretextode conferir efetividade ao Direito Penal, têm

apenas redundado na supressão de garantiasduramente consolidadas, reforçado a tendên-cia panpenalista da sociedade moderna econfirmando, enfim, o diagnóstico da “sín-drome de dinossauro”(2) nos sistemas pe-nais(3).

II. Algumas conclusões

Apenas para ilustrar um pouco do que sepassou no fórum e, principalmente, o ca-minho (ideológico) pelo qual vai se desen-volver a rede latino-americana, cabe delinearalgumas conclusões extraídas das conferên-cias(4) e debates.

O fórum iniciou-se com conferências so-bre o Controle Social na América Latina, emque Juan Pegoraro e Augusto Sanchéz San-doval traçaram importante e essencial enfo-que sociológico da questão, concluindo, oúltimo, por elencar os chamados princípiosdo controle social penal moderno, tais comoa incriminação por mera suspeita, a presun-ção de culpabilidade etc., todos antigaran-tistas que, em verdade, representam um retro-cesso no campo do Direito e do ProcessoPenal. Constatou-se, assim, a tendência auto-ritária e repressiva que, infelizmente, estámarcando o controle social penal em nossaregião marginal.

Eugenio Raúl Zaffaroni, ao palestrar so-bre a influência da globalização nos sistemaspenais latino-americanos, bem definiu a tãopropalada “globalização” como um momen-to do poder planetário ou mesmo uma formade exercício de poder que provém da revolu-ção tecnológica.

Assim, definiu cinco níveis de impacto daglobalização nos sistemas penais em nossaregião, esquematicamente: a) nível da ma-crocriminalidade (impune); b) nível da po-larização da riqueza (maior conflituosida-de social = necessidade de neutralizar osexcluídos); c) nível da legislação penal (ela-boração de leis promocionais); d) nível dalegislação penal imposta (pelos países cen-trais); e) nível da teoria penal, requeri-da pelas agências judiciais para que,

Maksoud Plaza HotelSo Paulo - SP

INSCRIÇÕES ABERTAS!

VAGAS LIMITADAS!

08/10/02 tera-feiraPalestras — manh•“Meio Ambiente e Tutela dasGerações Futuras” - AntonioVercher Noguera (Espanha);

•“A História do Direito Penal”- Carlos Petit (Espanha)

Painéis — 14h00•"Prisão Cautelar”- Maurcio Zanoide de Moraes(SP) e Jacinto Nelson deMiranda Coutinho (PR)

•“Tóxicos” - Eduardo RealeFerrari (SP) e Lênio Streck (RS)

— 16h30•“O Sistema Bancário e o Códigodo Consumidor” - FernandoFernandes(MG) e Silvnio Covas (SP)

•“Crimes Políticos” - MariaAparecida Aquino (SP) e RosaCardoso (RJ)

09/10/02 quarta-feiraPalestras — manh•“Globalização e Criminalidade” -Luigi Ferrajoli (Itália)

•“Justiça Consensual” - CarloEnrico Paliero (Itália)

Painéis — 14h00•“Aspectos Penais das Licitações eContratos Administrativos” -Marco Aurélio Costa MoreiraOliveira (RS) e Carlos Pellegrino (DF)

•“A Mídia e a Dramatização doCrime” - Luis Francisco da SilvaCarvalho Filho (SP) e EugenioBucci (SP)

— 16h30•“Habeas Corpus em 2ª Instância- Felipe Amodeo (RJ) e CelsoLimongi (SP)

•“Direitos dos Presos naExecução Penal”- Ariosvaldo de Campos Pires(MG) e René Ariel Dotti (PR)

Palestra — 19h30•“Terrorismo de Estado eViolação de DireitosHumanos” – a confirmar -Richard Wilson – (EUA)

10/10/02 quinta-feiraPalestras — manh•“A ONU e o Combate àCriminalidadeTransnacional”- Vicenzo Ruggiero(Inglaterra)

•“Discussão em Tornodo Internamentode Inimputávelem Razão deAnomaliaPsíquica” - MariaJoo Antunes(Portugal)

(continua na pág. 8)

Julho - 2002Julho - 2002Julho - 2002Julho - 2002Julho - 2002

Boletim Boletim Boletim Boletim Boletim IBCCRIMIBCCRIMIBCCRIMIBCCRIMIBCCRIM - Ano - Ano - Ano - Ano - Ano 10 - nº 11610 - nº 11610 - nº 11610 - nº 11610 - nº 116

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NDICEBoletim IBCCRIM - Julho/2002 - nº 116• Formao da Rede Latino-Americana

de Poltica Criminal- Ana Paula Zomer e Leonardo Sica ........ 01

• Competência em Caso de Conexoou Continência Entre Infrao PenalComum e de Menor Potencial Ofensivo- Rômulo de Andrade Moreira ................. 03

• No Caminho das ndias Estava o Brasil- Marcos Alexandre Coelho Zilli ................ 04

• O Mito da Eficácia- Ana Cláucia Bastos de Pinho ................ 05

• Os Miseráveis e o Princpio da Insignificncia- Fernando Célio de Brito Nogueira ......... 07

• Quebra de Sigilo ou Quebra da Constituio?- Uadi Lammêgo Bulos ........................... 08

• Um Paladino da Crtica Penal eSocial: Alessandro Baratta (1933-2002)- Ana Lucia Sabadell- e Dimitri Dimoulis ................................. 09

• Com a palavra, o estudante:Habeas Corpus e Pessoa Jurdica:Interpretao à Luz doPrincpio da Igualdade- Rodrigo Baptista Pacheco ..................... 10

Caderno de Jurisprudência• O Direito Por Quem o Faz:

Responsabilidade da PessoaJurdica nos Crimes Ambientais .......... 621

• O Direito Por Quem o Faz:Priso Preventiva. Requisitospara sua Decretao ........................... 623

• Supremo Tribunal Federal ...................... 624• Superior Tribunal de Justiça .................. 625• Tribunal Regional Federal ..................... 626• Tribunal de Justiça ................................ 627• Tribunal de Alçada Criminal .................. 628Núcleo de Pesquisas do IBCCRIMFluxogramas dos Processos de Execuo Penal

Procedimento para Regresso de Regime .......................... 01 Procedimento para concesso de Livramento Condicional - LC .............. 02 Procedimento para revogao obrigatória ou facultativa de Livramento Condicional - LC .............. 02 Procedimento para concesso de Indulto / Comutao ..................... 03 Procedimento da Remio ................. 03 Concesso de benefcios/direitos .......... 04 Refluxos .............................................. 04

tanto quanto possível, não tenhanenhum contato com a realidade.

Assim, voltamos ao normativismo radicalcomo forma de oferecer um discurso neu-tro para o Judiciário, facultando-lhe deci-dir os processos criminais ao arrepio dosproblemas sociais. A realidade não impor-ta, só vale o que reforça o sistema: o fatode punir.

Valendo-se da visão acima exposta,Juarez Tavares aprofundou a análisedesse impacto na teoria do crime, identi-ficado pelo reforço do modelo de crimesomissivos tentados e de perigo abstrato,no aumento das bases de incriminação,na substituição da tarefa de proteção debens jurídicos pela proteção de funções,pela alteração na culpabilidade, que pas-sa a ser apenas um juízo de compatibili-dade com certa norma jurídica etc. Apena assume uma única e própria finali-dade: a reafirmação do prestígio da or-dem jurídica, o que incrementa sua seve-ridade, sua duração e suas possibilidadesde aplicação.

Na discussão sobre crime organizado,Juarez Cirino dos Santos apontou, comcontundência, a falsidade desse conceito,erigido apenas para encobrir outras maze-las e reforçar a idéia do “inimigo comum”.Revelou, assim, a função encobridora dosistema penal. Bem por isso, FernandoAcosta propôs a desconstrução de mitos(como “criminalidade transnacional” ou“organizada”) que de nada servem , nãofavorecem nem auxiliam a busca de res-posta ao fenômeno do crime, demonstran-do, pois, a necessidade da criação de no-vos espaços para o enfrentamento dessasnovas formas de criminalidade.

A administração da Justiça foi temapalpitante nos grupos de debates e, comosublinhado por Ana Messuti, deve deixarde ser encarada como problema meramen-te burocrático ou ligado às carências es-truturais dos países marginais.

A indagação a responder é “que justiça(ainda) estamos administrando no 3º mi-lênio?”, continuaremos satisfeitos comuma justiça retributiva e nos esquivandoda responsabilidade primária de todospara com a administração da justiça? Defato, esse retributivismo apenas nos exi-me de enfrentar tal responsabilidade,como, desafortunadamente, foi constata-do pelos participantes dos debates que,ademais, ressaltaram a indispensável par-ticipação do defensor na administraçãoda Justiça a despeito de estarem na magis-tratura as grandes atribuições nesse cam-po. Cabe lembrar, aqui, a crítica de Luiz

Flávio Gomes ao modelo brasileiro deindicação dos ministros para as CortesSuperiores.

E, como não poderia deixar de ser,todos esses problemas desembocam deforma dramática na questão das prisões,onde o desrespeito aos direitos humanos,o abuso e o desvio de poder e a “(ir)racio-nalidade” paleorepressiva dos sistemaspenais de nossa região se manifestam maisintensamente, conforme bem demonstrouLuiz Fernando Niño.

III. A formao daIII. Rede Latino-AmericanaIII. de Poltica Criminal

Paralelamente à inclusão do IBCCRIMna rede do Centro de Estudos de Justiçapara as Américas (CEJA), cuja principalpreocupação consiste na análise dos pro-blemas ligados à administração da Justi-ça, foi criada a Rede Latino–Americanade Política Criminal, batizada de “Alter-nativa”.

A rede, gerenciada por meio doIBCCRIM, se ocupará da discussão detemas ligados à dogmática penal, Crimi-nologia, Processo Penal, Sociologia, ouseja, de todas as disciplinas que com-põem a reflexão acerca da estruturação deuma nova e autêntica política criminal.

Nasce, com ela, um espaço permanentede debate e intercâmbio que esperamosseja capaz de encurtar as distâncias entreas perplexidades vividas e as soluçõesadotadas por nossos países irmãos .

Todas as instituições que, com estepropósito, pretenderem integrar a rede,foram convocadas, e o são novamente,para, no prazo de trinta dias, solicitaremsua filiação junto ao IBCCRIM.

Projetos e conquista de espaços fazemparte desta nova “alternativa”.

NOTAS

(1) "Em Busca das Penas Perdidas", Rio de Janei-ro: Revan, 1991.

(2) “(...) que por crescer desmedidamente alcan-ça dimensões tais que não lhe permitem maiso movimento e, por conseqüência, morre.”SERGIO MOCCIA, "La Perenne Emergen-za", Nápoles: Scientifiche Italiane, 1997, p. 52.

(3) Idem.(4) Aqui, com o perdão dos conferencistas, fez-se

apenas uma síntese esquemática de algumaspalestras que, oportunamente, serão publica-das na íntegra na Revista do IBCCRIM.

Ana Paula Zomer é procuradora do Estado eLeonardo Sica é advogado em São Paulo.

É com satisfação que anunciamos a assinatura do Convênio deCooperação entre o Max-Planck - Institute for Foreign and InternationalCriminal Law e o IBCCRIM, pelo prazo de cinco anos. Mais informações

com o Departamento de Relações Internacionais do IBCCRIM.

ATENDIMENTO DIGITAL

O IBCCRIM conta agora com umnovo sistema de atendimentotelefônico. As chamadas podemser transferidas diretamentepara o departamento desejado,conforme a gravação eletrônica.Seguem os canais deatendimento por departamento.DepartamentosDepartamentosDepartamentosDepartamentosDepartamentos:Administrativo Financeiro: 22222Comunicação e Marketing: 33333Biblioteca: 44444Diretoria / Presidência: 55555Internet: 66666Secretaria Executiva: 77777Núcleo de Pesquisas: 88888

Boletim IBoletim IBoletim IBoletim IBoletim IBCCRIMBCCRIMBCCRIMBCCRIMBCCRIM - Ano 10 - nº 116 - Ano 10 - nº 116 - Ano 10 - nº 116 - Ano 10 - nº 116 - Ano 10 - nº 116

Julho - 2002Julho - 2002Julho - 2002Julho - 2002Julho - 2002 3

Competência em Caso de Conexo ou Continência EntreInfrao Penal Comum e de Menor Potencial Ofensivo

RÔMULO DE ANDRADE MOREIRA

uestão que avulta de suma impor-tância é concernente à competênciapara o julgamento em caso de cone-

xão ou continência envolvendo duas infra-ções penais ou dois ou mais agentes, sendouma de menor potencial ofensivo(1) e outraque não o seja. Neste caso, Damásio deJesus, por exemplo, entende que deve pre-valecer o "Juízo Comum"(2), ao passo queoutros, como nós, possuem entendimentodiverso, como mostraremos a seguir.

Como se sabe, a competência dos Juiza-dos Especiais Criminais é ditada pela nature-za da infração penal, estabelecida em razãoda matéria e, portanto, de caráter absoluto,ainda mais porque tem base constitucional(art. 98, I da Constituição Federal); nestesentido, Mirabete e Ada, respectivamente:

"A competência do Juizado Especial Cri-minal restringe-se às infrações penais demenor potencial ofensivo, conforme a CartaConstitucional e a lei. Como tal competên-cia é conferida em razão da matéria, é elaabsoluta, de modo que não é possível quesejam julgadas no Juizado Especial Crimi-nal outras infrações, sob pena de declara-ção de nulidade absoluta."(3)

"A competência do Juizado, restrita àsinfrações de menor potencial ofensivo, é denatureza material e, por isso, absoluta. Nãoé possível, portanto, que nele sejam proces-sadas outras infrações e, se isso suceder,haverá nulidade absoluta."(4)

Igualmente pensa Cezar Roberto Biten-court, para quem “a competência rationemateriae, objeto de julgamento pelos Juiza-dos Especiais Criminais, apresenta-se daseguinte forma: crimes com pena máximacominada não superior a um ano e contra-venções penais."(5)

O professor Sidney Eloy Dalabrida tam-bém já escreveu:

"A competência do Juizado Especial Cri-minal foi firmada a nível constitucional (art.98, I, CF), restringindo-se à conciliação(composição e transação), processo, julga-mento e execução de infrações penais demenor potencial ofensivo. É competênciaque delimita o poder de julgar em razão danatureza do delito (ratione materiae), e, sen-do assim, absoluta. Logo, na ausência de dispo-sição legal permissiva, é inadmissível a submis-são a processo pelo Juizado Especial Criminalde outras infrações penais, sob pena de nulida-de absoluta" ( grifo nosso).(6)

Observa-se que a competência da qual orafalamos tem índole constitucional, posto tersido prevista no art. 98 da Carta Magna.

Sequer lei estadual que estabelecer o sis-tema dos Juizados Especiais Criminais pode-rá ampliar a competência estabelecida pelalei federal.

A esse respeito, o já citado Cezar Roberto

Bitencourt, afirma que "as infrações que nãose caracterizarem como de menor potencialofensivo, ainda que estejam dentro do limiteprevisto no artigo 89, não poderão recebera suspensão do processo através do JuizadoEspecial, posto que a competência será daJustiça Comum"(7) (grifo nosso).

Como se disse, a competência da qualfalamos é ditada ratione materiae e, comotal, tem caráter absoluto (mesmo porque de-limitada pela Constituição, secundada pelalei federal), sendo nulos todos os atos porven-tura praticados, não somente os decisórios,como também os probatórios, "pois o proces-so é como se não existisse"(8).

Ora, se assim o é, ou seja, se a própriaConstituição estabeleceu a competência dosJuizados Especiais Criminais para o julga-mento das infrações penais de menor poten-cial ofensivo, é induvidoso, ainda que este-jamos à frente de uma conexão ou continên-cia, não ser possível o simultaneus processuscom a aplicação da regra contida no art. 78 doCódigo de Processo Penal, norma, aliás, in-fraconstitucional e anterior à Constituiçãode 1988. Ademais, ressalva-se que o próprioCPP, no art. 80, permite a separação de pro-cessos mesmo sendo o caso de conexão oucontinência, quando, por exemplo, "o juizreputar conveniente a separação por motivorelevante". Assim, ainda que a separação nãofosse ditada pelo art. 98, I da Constituição,deveria sê-lo por força do art. 80 do Código,por ser conveniente a separação, pois o ritonos Juizados Especiais Criminais, além de sermais rápido e desburocratizado, permite acomposição civil dos danos e a transaçãopenal, institutos despenalizadores e de apli-cação obrigatória, pois são de Direito Mate-rial e benéficos.(9)

Eis a lição da doutrina:"Havendo conexão ou continência, deve

haver separação de processos para julga-mento da infração de competência dos Jui-zados Especiais Criminais e da infração deoutra natureza. Não prevalece a regra doart. 79, caput, que determina a unidade deprocesso e julgamento de infrações conexas,porque, no caso, a competência dos Juiza-dos Especiais é fixada na Constituição Fe-deral (art. 98, I), não podendo ser alteradapor lei ordinária".(10)

Sidney Eloy Dalabrida assim entende:"Havendo conexão ou continência entre

infrações de menor potencial ofensivo eoutras de natureza diversa, via de regra,impõe-se a disjunção de processos, devendo opromotor de justiça, portanto, oferecer denún-cias em separado perante os respectivos juízoscompetentes, face à inaplicabilidade do art. 78,II do CPP, por importar sua incidência emafronta à Constituição Federal."(11)

Observe que devemos interpretar as leis

ordinárias em conformidade com a CartaMagna, e não o contrário!

É bem verdade que a própria Lei nº 9.099/95 prevê duas hipóteses em que é afastada asua incidência (arts. 66, parágrafo único e 77,§ 2o), mas este fato não representa obstáculoao que dissemos, pois se encontra dentro dafaixa de disciplina possível para a Lei nº9.099/95, permitida pelo art. 98 da Constitui-ção. Em outras palavras: ao delimitar a com-petência dos Juizados poderia a respectivalei, autorizada pela Lei Maior, estabelecer,ela própria, exceções à regra, como o fez. Oque não se pode é se utilizar o Código de 1941para afastar a competência dos Juizados, cons-titucionalmente ditada.

Este entendimento prevalece mesmo emse tratando de delito de menor potencialofensivo conexo com um crime contra avida, hipótese em que ao Tribunal do Júricaberá exclusivamente o julgamento dodelito contra a vida, posição que não fere emabsoluto o art. 5º, XXXVIII, d da Carta Magna,pois ali não há exigência do Júri em julgartambém os crimes conexos àqueles.

NOTAS(1) Sobre o conceito de infração penal de menor

potencial ofensivo, atentar para a nova disposi-ção contida na Lei nº 10.259/2001 (art. 2º,parágrafo único) que criou os Juizados EspeciaisCriminais Federais, modificadora, a nosso ver,do art. 61 da Lei nº 9.099/95. A respeito doassunto, conferir, entre outros, os artigos de LuizFlávio Gomes, Damásio de Jesus e CezarRoberto Bitencourt, todos publicados no sitewww.direitocriminal.com.br.

(2) "Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada",4ª ed., São Paulo: Saraiva, 1997, p. 41.

(3) "Juizados Especiais Criminais", São Paulo: Atlas,1997, p. 28.

(4) "Juizados Especiais Criminais", 2ª ed., São Pau-lo: Editora Revista dos Tribunais, p. 69.

(5) "Juizados Especiais Criminais e Alternativas àPena de Prisão", 3ª ed., Porto Alegre: Livrariado Advogado Editora, p. 59.

(6) Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Cri-minais - IBCCRIM, nº 57, agosto/1997.

(7) Ob. cit., p. 58.(8) TOURINHO FILHO, Fernando da Costa,

"Processo Penal", Vol. II, 12ª ed., São Paulo:Saraiva, p. 503.

(9) Conferir a respeito do que escrevemos sobresucessão das leis penais.

(10) GRINOVER, Ada Pellegrini e outros, "Juiza-dos Especiais Criminais", 3ª ed., São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, p. 65.

(11) Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Cri-minais - IBCCRIM, nº 57, agosto/1997.

O autor é promotor de Justiça, coordenador doCentro de Apoio Operacional das PromotoriasCriminais do Ministério Público do Estado da

Bahia, professor de Direito Processual Penal daUniversidade Salvador (Unifacs) e pós-

graduado, lato sensu, pela Universidade deSalamanca/Espanha.

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Julho - 2002Julho - 2002Julho - 2002Julho - 2002Julho - 2002

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DIRETORIA DA GESTÃO 2001/2002

PRESIDENTE: Roberto Podval

1º VICE-PRESIDENTE: Alberto Silva Franco

2º VICE-PRESIDENTE: Adriano Salles Vanni

1º SECRETÁRIO: Geraldo Roberto de Souza

2º SECRETÁRIO: Cecília Souza Santos

3º SECRETÁRIO: Paola Zanelato

TESOUREIRO: Tatiana Viggiani Bicudo

TESOUREIRO-ADJUNTO: MariângelaMagalhães Gomes

DEPARTAMENTO DE BIBLIOTECA:Silvia Helena Furtado Martins, Adriana HaddadUzum e Adilson Paulo Prudente do Amaral Filho

DEPARTAMENTO DE BOLETIM:André Gustavo Isola Fonseca, Celso EduardoFaria Coracini e Fernanda Velloso Teixeira

DEPARTAMENTO DE CURSOS:Marco Antonio Rodrigues Nahum,Fábio Delmanto, Flávia D'Urso Rocha Soares,Antonio Sergio A. Moraes Pitombo, Ana LúciaMenezes Vieira, Cecília Souza Santose Heloisa Estellita Salomão

DEPARTAMENTO DE ESTUDOSE PROJETOS LEGISLATIVOS:Maurício Zanoide de Moraes, Adauto Suannese Carlos Alberto Pires Mendes

DEPARTAMENTO DE INTERNET:Sergio Rosenthal, Rogério Marcolinie Renato de Mello Jorge Silveira

DEPARTAMENTO DE RELAÇÕESINTERNACIONAIS:Ana Paula Zomer, Ana Lúcia Sabadelle Olga Espinosa Mavila

DEPARTAMENTO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA:Leonardo Sica, Theodomiro Dias Netoe Lauren Paoletti Stefanini

REVISTA BRASILEIRADE CIÊNCIAS CRIMINAIS:Maria Thereza Rocha de Assis Moura,Cleunice Valentim Bastos Pitomboe Sylvia Helena de Figueiredo Steiner

NÚCLEO DE PESQUISAS:Eneida Gonçalves de MacedoHaddad, Luci Gati Pietrocollae Alessandra Teixeira

INSTITUTO BRASILEIROINSTITUTO BRASILEIROINSTITUTO BRASILEIROINSTITUTO BRASILEIROINSTITUTO BRASILEIRODE CIÊNCIAS CRIMINAISDE CIÊNCIAS CRIMINAISDE CIÊNCIAS CRIMINAISDE CIÊNCIAS CRIMINAISDE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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ais uma vez os debates que suce-deram os recentes exemplos dan-tescos de desrespeito da autori-

dade estatal, mantiveram-se impregnadospela fragilidade dos discursos demagógi-cos que pouco acrescentaram para umasolução sólida, elevada e responsável doproblema que se convencionou denomi-nar de violência.

O agravamento quantitativo e qualita-tivo da criminalidade é fato incontrover-so. Todavia, as visões, reiteradamentemonocromáticas, mantidas por especia-listas de plantão e, rotineiramente, divul-gadas pelos meios de comunicação, pou-co ou nada contribuem para a questão,prestando-se, apenas, para o fomento demaiores equívocos. Basta observar, paratanto, a histeria legiferante que assolouo país nos últimos anos impulsionadapor uma análise puramente emocional edesesperada. A estratégia, produto de umlegítimo estelionato publicitário noqual a opinião pública foi impelida àfalsa crença de que a exasperação do sis-tema punitivo, por si só seria suficiente,em verdade não se mostrou apta a impe-dir o recrudescimento dos índices de cri-minalidade.

Diversamente, o legado recebido foi odo retalhamento irresponsavelmente as-sistemático, tanto do ordenamento jurí-dico penal, quanto do processual penal.E, nesse quadro, assistimos incrédulosaos sucessivos exemplos de inventivida-de jurídica, alimentados pela ideologiade que os fins justificariam os meios. Ve-dação da concessão da liberdade provi-sória, cumprimento da pena privativa in-tegralmente em regime fechado e aumen-to, sem critérios, do rol dos delitos he-diondos são apenas algumas das tristespinceladas dadaístas de nossa pobre cul-tura jurídica.

Na verdade, a questão é por demaisséria a ponto de se coadunar com pronun-ciamentos messiânicos. E, nesse sentido,a conscientização quanto à necessidadede uma mudança radical da postura esta-tal é mais do que emergencial. Não se estáatacando e, tampouco preconizando, oabandono do ideal de modernização eco-nômica do Estado brasileiro. Pelo contrá-rio, esta se faz indispensável pondo-sefim a um provincialismo cultural de todoultrapassado.

Mas discussões econômicas à parte, atão propalada modernidade há de viracompanhada pelo fim do paradoxo deum Estado que exige justiça e, ao mesmotempo, dissemina injustiças. Afinal, a rou-pagem democrática de direito não podepermanecer restrita a formalismos e diva-gações abstratas. Justiça e igualdade nãosão apenas compossíveis mas, sobretudo,

MMMMMMMMMMinvariavelmente interdependentes, demodo que a ausência de uma inviabiliza-ria a realização da outra.

Mas afinal, que igualdade é esta? Ora,se por um lado a igualdade iluministapermaneceu restrita ao campo do meroreconhecimento formal, aquela de índolemarxista revelou-se, além de utópica, fal-sa. Na verdade, somente um Estado asse-gurador de meios, modos e instrumentosreais e efetivos de redução dos níveis in-toleráveis das desigualdades é que me-lhor se adequará à roupagem “democráti-ca de direito”.(1)

E nesse novo roteiro, não há mais es-paço para omissões e desídias. Ao con-trário, incumbe ao Estado um papel es-sencialmente ativo e não reativo, perse-guindo, por vias democráticas, a reduçãoe o extermínio dos hiatos sociais por elecausados. E acaso assim não proceda,acabará promovendo ou endossando ainjustiça, protagonizando, enfim, umaviolência. Disseminará, ainda, o descré-dito quanto a sua capacidade de catalisaruma harmonia social, perdendo-se, dessaforma, todo e qualquer parâmetro de or-dem pública.

Nesses termos, a ausência completa deperspectivas de redução dos níveis into-leráveis de desigualdade é o principal fa-tor para a formação das desestruturas hu-manas, familiares e sociais. A sociedadeacaba se desagregando e se decompondoem “regressões geométricas”, ao mesmotempo — e em igual proporção —, que oEstado se descredencia como o único entecapaz de reunir e conjugar esforços sob omanto de uma ordem pública e democrá-tica. E o vácuo formado acabará sendopreenchido por estruturas paralelas depoder que estabelecerão a sua própria “or-dem” com o seu particular, senão pecu-liar, sistema de coerção. São os guetossociais ou zonas de exclusão estatal.

Não se está justificando, por óbvio, osatos diários de barbárie que diminuem onível coletivo de sensibilidade, em umfenômeno de projeção subjetiva da bana-lização da violência. Pelo contrário. Bus-ca-se compreender, apenas, o mecanismoda equação e seus fatores desencadeantes.Afinal, a repressão dos atos socialmenteindesejáveis é lógica e necessária, masserá insuficiente, inócua e perniciosa quan-do desacompanhada de qualquer avalia-ção de suas causas. Mas o raciocínio na-cional insiste em atacar, apenas os efeitos,olvidando-se do enfrentamento concomi-tante das causas. E é justamente nessemomento que os discursos incentivadoresda prisão perpétua, da pena de morte oude outros malabarismos processuais pe-nais voltam a ganhar espaço.

O que parece importar, no mo-

No Caminho das ndias Estava o BrasilMARCOS ALEXANDRE COELHO ZILLI

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mento, é o enfrentamento da se-guinte indagação: que sociedade

se pretende construir? E qualquer queseja a possível resposta, uma constata-ção apresenta-se inevitável: será ela pro-duto direto da postura estatal implemen-tada. Vale dizer: onde o Estado for inep-to na redução das desigualdades (querpor errôneas ações, quer por simplesomissões), cultivar-se-ão injustiças e,por conseguinte, reações de seus inte-grantes, mesmo porque, o parâmetro ofi-cial imprimido será o da injustiça.

Certamente não é isto que se deseja. Aexigência estatal de cumprimento de umaordem democraticamente estabelecidanão está isolada. Ao contrário, é o contra-ponto da obediência, pelo próprio Esta-do, também de uma ordem. Trata-se, to-davia, de uma ordem que não compactuacom desigualdade e injustiça. Ao contrá-rio, persegue a redução dos níveis intole-ráveis destas.

Este, reconheçamos, é apenas o pontode partida. A efetiva tomada de consciên-

cia quanto ao funcionamento desta equa-ção é que abrirá o caminho para a necessá-ria mudança na forma de atuação do Esta-do que, por certo, deverá vir acompanha-da de tantas outras medidas indispensá-veis para a revitalização humana e mate-rial de todos os órgãos encarregados dapersecução penal.

A crença na suficiência do enfrentamentodos efeitos, pouco importando os meiosutilizados, já demonstrou, a exaustão, seuerro histórico. Resta apenas saber até quan-do os discursos e os debates estarão per-meáveis a crendices. De qualquer modo, decrenças em crenças caminha e tropeça ahumanidade. Afinal, quem poderia acredi-tar que a Terra seria redonda e que nocaminho das Índias estaria o Brasil? Decerto, alguma coisa haveremos de desco-brir, ainda que seja o óbvio.

NOTA(1) Há inúmeras obras que tratam sobre a igualda-

de e que aqui poderiam ser referidas. Entretan-to, parece-nos mais apropriado transcrever

pequeno trecho daquela recentemente escritapor Paula Bajer Fernandes Martins da Cos-ta, "Igualdade no Direito Processual PenalBrasileiro", São Paulo: Revista dos Tribunais,2001, p. 24: “A igualdade constitucional visa,até mesmo, a produzir desigualdades. Para sealcançar igualdade é preciso, muitas vezes,tratar desigualmente. Caso contrário, não sealcançará a dignidade, justiça ou solidarie-dade. Porém, paradoxalmente, a igualdade é,e sempre será, relação. Isso porque, abando-nada a concepção da igualdade como rela-ção, não haverá igualdade. Ter-se-á repre-sentação vazia, conceito do qual se terá retira-do a característica essencial. A igualdade sig-nificando relação é imprescindível como instru-mento de trabalho. A dificuldade será combinaressa relação com sujeitos envolvidos, e comvalores desejados. Mas o fundamento dessacombinação será sempre a relação de propor-cionalidade entre os sujeitos e os bens e interes-ses desejados ou atribuídos. Em síntese, o resul-tado da combinação equilibrada entre sujeitose bens pode ser denominado justiça.”

O autor é juiz de Direito e mestrando emProcesso Penal pela USP e em Direito

Comparado pela Samford University, USA.

"La sociedad, amenazada por laviolencia y el delito, se ve puesta contrala pared. En su percepción, ella non sepuede dar el lujo de un derecho penal

entendido como proteción de laliberdad, como 'Carta Magna

del delincuente', lo necesita como 'CartaMagna del ciudadano', como arsenal de

lucha efectiva contra el delito y represiónde la violencia.

El delincuente se conviertetendencialmente en enemigo,

y el derecho penal en'derecho penal del enemigo'"

Winfried Hassemer(2)

m tempos de violência incontida, édesafiador sustentar a legitimidadee a viabilidade de uma política cri-

minal centrada no modelo de Direito PenalMínimo, advogar em prol da necessidadede se reduzir consideravelmente as hipó-teses de cabimento da pena de prisão, lutarpela adoção de um processo penal real-mente acusatório, discursar em favor dosdireitos constitucionais do acusado, pre-gar uma praxis judiciária compromissadade fato com o garantismo e, enfim, acredi-tar, com Ferrajoli(3), que é possível atin-gir um nível ideal de racionalidade noexercício do poder estatal.

Na verdade, o que temos hoje é umasociedade cada vez mais aterrorizada e inse-gura (não sem razão) que — graças à interfe-rência perniciosa dos meios de comunica-ção — espera do sistema penal soluçõesdrásticas e severas contra os "responsáveis"pela criminalidade aparente, legitimando a

adoção do chamado "Direito Penal da Eficá-cia", característico de um paradigma de Es-tado preocupado e decidido a implementaruma luta sem freios contra o crime, garantin-do a punição dos "culpados" a qualquerpreço, para restaurar a "paz social" incessan-temente almejada.

Em breve, seremos brindados com a refor-ma do Código Penal, notadamente na parterelativa à teoria da sanção penal, através deum projeto de lei já encaminhado ao Con-gresso Nacional. Logo na exposição demotivos do referido projeto, fica bastanteclara a opção do Poder Executivo pela ado-ção do chamado Direito Penal Eficaz.

Nessa esteira, o regime aberto e a suspen-são condicional da pena são extintos, sob oargumento de serem medidas "faz-de-conta"que, por sua total inexeqüibilidade prática— quer por falta de vontade política doEstado em construir casas de albergado,quer pelo advento da Lei nº 9.714/98 queesvaziou o sursis — acabaram por se trans-formar em ícones da tão temida impunidade.

Ainda sob a falácia do combate à impu-nidade, o projeto propõe uma preocupanterevisão no instituto da suspensão condicio-nal do processo (o art. 89 da Lei nº 9.099/95fica, portanto, expressamente revogado),estabelecendo como requisito para o cabi-mento do benefício a cominação da penamáxima de prisão não superior a dois anos.Hoje, como é sabido, o sursis processual é,em tese, indiciado às infrações cuja penamínima cominada não exceda a um ano, oque permite um espectro de incidência mui-to maior do que o proposto pela reforma.Assim, crimes patrimoniais sem violência

(v.g. furto simples, apropriação indébita sim-ples, estelionato, entre outros) atualmentepassíveis da festejada medida, voltam —com o projeto — aos tempos da ação penalpública obrigatória, sem disponibilidade,sem consenso.

Não só a vindoura reforma apresenta-secalcada nesse mito da eficácia(4), mas o arca-bouço das leis penais hoje em vigor demons-tram, claramente, a mesma tendência.

Com efeito, basta voltar os olhos para aquantidade de tipos penais de perigo, para osnovos bens jurídicos tutelados pela normapenal (criminalidade difusa), para antecipa-ção do momento consumativo de váriosdelitos (crimes de mera conduta), numa pro-va inequívoca de que os princípios da neces-sidade e da lesividade — irrenunciáveisnum Estado Democrático de Direito — nãovêm merecendo a devida atenção.

Eficácia, por óbvio, todos queremos. Maseficácia para quem e para quê?

A grande questão posta em destaque éque a confusão entre eficácia e punição —fruto de uma propaganda espetacular pro-veniente do próprio poder público — jáestá sedimentada e incorporada no imagi-nário coletivo. Ou seja, para a sociedademoderna — assustada e descrente — Di-reito Penal eficaz é sinônimo de puniçãocerta, rápida e rigorosa.

Mas, para garantir esse nível de retribui-ção, o Estado precisa negociar princípioscaros ao Direito Penal, o que poderá levar,inexoravelmente, a sua perda de legitimidade.

Nesse sentido, pondera Hassemer, comprecisão: "Pero, ante todo, se debetener em cuenta que no es posible

EEEEEEEEEE

O Mito da Eficácia(1)

ANA CLÁUDIA BASTOS DE PINHO

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tener un derecho penal fuerte comcostos nulos. Se paga caro, com prin-

cipios que fueron logrados políticamente,y que siempre son atacables por la políti-ca. No existe una prescindencia parcialdel principio de culpabilidad o de la pro-tección de la dignidad del hombre; si estosprincipios ya no son de ponderación firmetambién em los 'tiempos de necesidad',peirden su valor para nuestra culturajuridica (...). Por último, hay que pergun-tarse si un derecho penal disponible ypolíticamente funcionalizado aún puedeconservar el lugar que debe tener dentrodel sistema total de control social. Si susprincipios son disponibles según el caso,perderá — a largo plazo también ante losojos de la población — su fuerza de con-vicción normativa e su distancia moralfrente al quebrantamiento del derecho. Elderecho penal no puede sobrevivir comoun instrumento estatal de solución de pro-blemas más o menos idóneo entre otorsmás"(5) (destaques nossos).

A partir disso, pergunta-se: queremospagar esse custo tão alto para satisfazer ailusão coletiva? Estamos dispostos a nego-ciar a responsabilidade penal subjetiva e adignidade da pessoa humana para garantirum Direito Penal "forte"?

Certamente, o jurista comprometido coma sedimentação do Estado Democrático deDireito e com a validez da ConstituiçãoFederal não pode ser flexível com os direitosfundamentais.

Ao contrário, é nos próprios direitos fun-damentais que se deve fulcrar toda a questãorelativa ao exercício do ius puniendi, funcio-nando como limite do poder estatal. Sem aobservância desses parâmetros, o poder doEstado resta ilimitado e, por conseguinte,irracional e incerto.

Poder ilimitado, por seu turno, compati-biliza-se com um modelo de Direito PenalMáximo, com a visão da eficácia defendidae sustentada nos dias de hoje.

Vale transcrever a lição de Luigi Ferra-joli a respeito: "El modelo de derecho pe-nal máximo, es decir, incondicionado eilimitado, es el que se caracteriza, ademásde por su excesiva severidad, por la incer-tidumbre y la imprevisibilidad de las con-denas e de las penas; y que consiguiente-mente, se configura como un sistema depoder non controlable racionalmente porausencia de parámetros ciertos y raciona-les de convalidación e de anulación"(6)

(grifos nossos).E conclui, com brilhantismo, o mestre de

Camerino: "La certeza perseguida por elderecho penal máximo está en que ningúnculpable resulte impune, a costa de laincertidumbre de que también algún ino-cente pueda ser castigado. La certeza per-seguida por el derecho penal mínimo está,al contrario, en que ningún inocente seacastigado, a costa de la incertidumbre deque también algún culpable pueda resultarimpune"(7) (grifos nossos).

Como se vê, o paradigma centrado na idéia

de Direito Penal Mínimo nutre-se de certeza eracionalidade, na medida em que o exercíciodo poder é limitado e condicionada a suavalidade à obediência irrestrita das garantiasfundamentais constitucionalizadas.

Eficácia, portanto, é preciso, mas não àscustas dos direitos fundamentais, historica-mente consagrados. O perigo da retórica daeficácia é cair no chavão da impunidade e,sob o argumento imperioso de combatê-la,abrir-se mão das garantias.

O Direito Penal será tanto mais eficazquanto mais se aproximar das garantias cons-titucionais, quanto mais assegurar — comodiz o professor italiano — o direito do maisfraco (da vítima, na hora da prática do crime;do acusado no momento do processo neces-sariamente acusatório e do sentenciado porocasião da execução da pena).

E nesse sentido, institutos como a sus-pensão condicional do processo, ao invés derestrições, necessitam de ampliações, poisem crimes patrimoniais sem violência oque se espera de um sistema verdadeira-mente eficaz é a reparação do dano causa-do, e não a aplicação de uma sanção penala quem praticou o delito, resposta essa quenão atende a nenhum interessado na rela-ção jurídico-penal (nem ao Estado, nemao réu, nem à vítima).

É ilusório pensar que o recrudescimen-to de penas, a busca de culpados, a delimi-tação de medidas alternativas à prisão, acriação de novos e simbólicos tipos pe-nais, signifique a construção de um Direi-to Penal forte e eficaz.

A eficácia precisa ser, inicialmente,desmistificada e obtida, passo a passo, apartir de medidas racionalmente projeta-das e do respeito inflexível às garantiasconstitucionais, buscando sempre retirarda consciência jurídica geral o que a socie-dade realmente necessita, abstraindo aimagem nefasta propagandeada pelosmeios de comunicação. O Direito Penal, naverdade, deve se imunizar contra essa sedede vingança pública, sob pena de perdersua própria identidade.

Não se pode permitir que a dramatizaçãoda violência — para usar a expressão deHassemer(8) — justifique a flexibilizaçãodas garantias constitucionais e a negocia-ção do Direito Penal democrático, até suaperda de legitimidade.

Como dito acima, o custo a pagar é muitoelevado, somente para dar uma respostafictícia a quem, irracionalmente, clama poruma "justiça" sem freios. As execuções clan-destinas, os linchamentos nas ruas, as mani-festações em prol da pena de morte estão ademonstrar o nível de desespero (e, portanto,irracionalidade) da coletividade.

O discurso tem que mudar. Ao invés deluta incontida contra o crime, luta incansá-vel em favor dos direitos fundamentais detodos (vítima e autor do delito). Ao invésde dramatizar a violência, racionalizar ocontrole da violência. Ao invés, enfim, deum Direito Penal de eficácia, um Di-reito Penal de garantias.

CONVITE ÀCOMUNIDADE JURDICA

A Comissão Especial instituídapelo Ministério da Justiça com aatribuição de realizar avaliaçõesdos Juizados Especiais Criminaisconvida a comunidade jurídicae o público em geral, paracomparecer a audiênciapública que realizará nodia 26 de julho, às 13 horas,na Associação dosAdvogados de São Paulo,R. Álvares Penteado, 151

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BOLETIM IBCCRIM— ISSN 1676-3661 —

EDITOR DO BOLETIM: André GustavoEDITOR DO BOLETIM: I. Fonseca

JORNALISTA: Gisele Vieira (MTb. 25.414)

CONSELHO EDITORIAL: Andréa CristinaD'Angelo, Carlos Alberto Pires Mendes,Celeste Leite dos Santos Pereira Gomes,Celso Eduardo Faria Coracini, Cesar MattaIde, Daniela Carvalho Almeida Costa, Eder ClaiGhizzi, Fábio Machado de Almeida Delmanto,Fernanda Velloso Teixeira, Helena Regina Loboda Costa, Humberto Monteiro da Costa,Janaina C. Paschoal, Ludmila Vasconcelos Leite,Luiz Felipe Azevedo Fagundes, Marcos Araguaride Abreu, Maria Emília Nobre Bretan,Maria Fernanda Baptista Cepellos Daruiz,Mariângela Lopes Neistein, Mariângela MagalhãesGomes, Marina Pinhão Coelho, Paula KahanMandel, Renato de Mello Jorge Silveira,Renato Spaggiari, Rogério Marcolinie Vinícius Toledo Piza Peluso.

DIAGRAMAÇÃO, COMPOSIÇÃO,MONTAGEM E FOTOLITO:Ameruso Artes Gráficas -Tel. (11) 215-3596 - Fax (11) 6591-3999E-mail: [email protected]

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NOTAS

(1) Escrito em 3 de novembro de 2001.(2) HASSEMER, Winfried, "Crítica al Derecho

Penal de Hoy", traducción de Patricia S. Ziffer,Universidad Externado de Colombia. Centro deInvestigaciones de Derecho Penal y Filosofiadel Derecho, p. 48.

(3) O tema é exposto com maestria por LuigiFerrajoli em "Derecho y Razón - Teoría delGarantismo Penal", Editorial Trotta.

(4) Aliás, é bom que se diga que o projeto traz, de

outro lado, valiosas contribuições. Para citaralgumas: a retirada da reincidência comoagravante genérica, a substituição da condutasocial e personalidade do agente como cir-cunstâncias judiciais por condições pessoaisdo acusado e oportunidades sociais a ele ofe-recidas (deixando um manifesto sinal da pos-sibilidade de se invocar a teoria da co-culpa-bilidade), a inclusão do princípio da propor-cionalidade como minorante genérica a fa-cultar ao juiz a redução da pena quando hou-ver desproporção entre a pena mínima comi-nada e o fato concreto, nos crimes cometidos

sem violência ou grave ameaça à pessoa, den-tre outras.

(5) In op. cit., p. 61.(6) In op. cit., p. 105.(7) In op. cit., p. 106.(8) In op. cit., p. 46.

A autora é promotora de Justiça e professorade Direito Penal da Universidade Federal

do Pará, da Escola Superior da Magistraturae da Escola Superior do Ministério Público

do Estado do Pará.

Os Miseráveis e o Princpio da InsignificnciaFERNANDO CÉLIO DE BRITO NOGUEIRA

França de 1830, respirando os arestrazidos pela ainda recente Revo-lução Francesa, uma das mais ferre-

nhas investidas contra o absolutismo mo-nárquico de que se tem notícia em todahistória da humanidade, inspirou VictorHugo a escrever seu principal romance,"Os Miseráveis", obra publicada em 1862.

A obra é um retrato da alma e da misériahumana, em seu sentido material e espiri-tual. João Valjean, por ter furtado um pãonuma noite, pretendendo com isso saciar afome de uma criança, um sobrinho, filho deuma irmã viúva que com ele morava, pas-sou muitos anos nas galés, em razão dacondenação pelo furto e pelas várias tenta-tivas de fuga que se seguiram àquela con-denação e que implicavam acréscimos àsua pena inicial. Foi perseguido ao longode quase toda sua vida pelo obstinadoinspetor de polícia Javert.

João Valjean teve que renunciar atémesmo ao próprio nome, pois o passapor-te de ex-condenado era um atestado depericulosidade que lhe fechava todas asportas, tendo obtido a fama de perigosopor conta da descomunal força física queostentava na prisão. Chegou a concluirque “libertação não é liberdade”, pois con-tinuava escravo e prisioneiro da condena-ção, pecha que o rotulava onde quer quefosse ou se encontrasse.

Sob outra identidade, tornou-se prefei-to, industrial próspero, deu novo coloridoà vida do povo de uma cidade da França.Mas a consciência, certo dia, fez com quese apresentasse à Justiça quando alguém,confundido com ele, o temível foragidoJoão Valjean, estava prestes a ser conde-nado pelo furto de algumas cidras. E acondenação seria editada com base nopassado desse indivíduo, confundido comJoão Valjean, o temido fugitivo.

Além da subtração do pão, numa noite,depois de arrombar uma vitrine, João Val-jean cometeu outros dois delitos: depoisque todas as estalagens lhe recusaram tetoe comida, pelo temor inspirado por seupassaporte de ex-condenado, subtraiu al-guns utensílios de prata da casa de mon-senhor Benvindo, padre justo e bondoso

que o acolheu; subtraiu, ainda, uma moe-da de Gervásio, jovem saboiano (de Sa-bóia, região da França).

Depois dessa última subtração, a re-denção operou-se em João Valjean. Lem-brou-se de que, quando levado à presençado monsenhor Benvindo por policiais queo acusavam de ter furtado a prataria dacasa, o bom padre não somente convali-dou a inverdade contada por João Val-jean, no sentido de que tudo aquilo haviasido de fato um presente, como disse ain-da que o donatário havia se esquecidodos castiçais, peças que João Valjean guar-dou com estima por toda a vida.

E ao final, João Valjean morreu ilumi-nado pelo par de castiçais, ao lado deCosette e Mário, criaturas que salvou pes-soalmente do perecimento, com a força deseus braços e de seu caráter. Os castiçaisque o iluminaram na vida, materializandoa bondade do padre que não lhe recusou odireito a uma nova oportunidade, foramos mesmos castiçais que o iluminaram emseu derradeiro instante.

A obra é atual porque atual é a misériahumana. Em plena era do Iluminismo,quando o homem passou a ser posto comocentro do universo, em contraposição aosdogmas da Idade Média, o sistema prega-va a perseguição dos miseráveis por pe-quenos crimes, infrações que segundo amoral vigente não eram leves e justifica-vam, por isso, severas penas.

Uma das máximas de Beccaria, suge-rindo o que no futuro passou a ser deno-minado princípio da insignificância, em"Dos Delitos e das penas", ainda não ha-via ecoado: “a exata medida dos crimes éo prejuízo causado à sociedade”.

E ainda hoje o princípio da insignifi-cância encontra sérias resistências por par-te daqueles que nele vêem um estímuloao descumprimento das leis penais e aodesrespeito de valores fundamentais. Emcontrapartida, o desprezo a esse princípionão raras vezes compromete valores tam-bém importantes, contidos no binômioliberdade-dignidade humana, visto que oprocesso penal, por sua mera instauração,encerra constrangimento tanto contra a

AAAAAAAAAAliberdade, como contra a dignidade hu-mana, ainda que legal e necessário atéesse constrangimento.

Bem por isso, numa visão mais huma-nizada do Direito Penal, o princípio dainsignificância não pode ser desprezadoou desconsiderado a pretexto de fomen-tar a impunidade. O que fomenta a impu-nidade e o recrudescimento da criminali-dade são muito mais a ausência de res-posta estatal efetiva aos grandes desman-dos e ilicitudes da Nação, condutas quenão raras vezes sangram os cofres públi-cos e o bolso dos cidadãos que traba-lham e pagam impostos, bem como onão-atendimento das necessidades bási-cas das pessoas.

O princípio da insignificância, bemaplicado, é realidade impostergável doDireito Penal da atualidade. O que dizer,por exemplo, de uma ação penal por so-negação de tributo de R$ 0,68, em valo-res atuais? De uma ação penal por subtra-ção de um feixe de sorgo avaliado em R$0,60? De outra ação penal por subtraçãode um feixe de cana-de-açúcar avaliadoem R$ 2,00? Condutas tais, não continu-adas ou reiteradas, sem violência ou gra-ve ameaça contra a pessoa, não foramcapazes de atingir o fisco ou de diminuir opatrimônio das pessoas e nem tampoucode externar nocividade social maior deseus autores, não justificando, portanto, amovimentação do aparelho jurisdicionale nem mesmo o custo de uma ação penal.

A aplicação criteriosa do princípio dainsignificância, por certo, contribui inclu-sive para atenuar essa impressão que osenso comum tem da justiça penal e que énão de todo falsa, no sentido de que osistema judiciário penal, no mundo, é mui-to mais apto e eficaz para perseguir peque-nos crimes e seus miseráveis autores.

Ou será que estamos condenados a pro-duzir e inspirar, sempre, histórias como ade João Valjean, em nome de algo quenão se confunde com rigor e nem tampou-co com justiça?

O autor é promotor de Justiça em Barretos (SP).

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e algum estudioso resolvesse ana-lisar a vida institucional pátriatomando como ponto de partida a

produção legislativa brasileira dos últi-mos dez anos detectaria aquilo que osjuristas alemães chamam de quebramentoconstitucional. Significa dizer: o legisla-dor ordinário, numa só canetada, colocaabaixo todo um comando de normas supre-mas, corroendo as vigas mestras que sus-tentam o arcabouço jurídico do Estado.

Pelo espírito e pela letra da ConstituiçãoFederal, a quebra do sigilo bancário é daalçada exclusiva do Judiciário. Nenhumoutro Poder ou órgão da República poderádesempenhar idêntica atribuição. O mono-pólio da primeira e da última palavra, nessahipótese, pertence aos juízes. Por isso, auto-ridades administrativas estão proibidas depraticarem atos afetos à esfera de competên-cia material da judicatura.

E por que é assim? É assim, porque a partirdo momento em que as constituições distri-buem as competências entre os órgãos dopoder têm em vista a eliminação do arbítrio.Não é diferente com o sigilo bancário, poisnão é o Estado-administração que diz odireito, que garante as liberdades públicas.A tutela dos direitos do homem, aqui ampla-mente tomada, é missão conferida ao Judi-ciário, ainda mais no que tange ao controledos atos ligados à privacidade. Entregar avida bancária dos outros aos desígnios daReceita Federal, permitindo o livre acesso àscontas dos contribuintes, e até a reaberturade processos já encerrados, é consagrar oretorno dos tribunais inquisitórios, que in-vestigavam, acusavam, julgavam e conde-navam ao mesmo tempo. Ora, como fica oduplo grau de jurisdição, a inafastabilidadedo controle jurisdicional e o princípio dojuiz natural, assegurados pelo Texto de 1988?

Alguns poderiam dizer que esse argu-mento peca pelo formalismo. Porém, o res-peito à privacidade humana está acima dequalquer rótulo. No momento em que olegislador possibilita a quebra do sigilobancário sem o devido controle judicialestá, na realidade, quebrando as garantiasfundamentais do cidadão, porquanto o sigi-lo bancário constitui uma projeção do direi-to à privacidade que não tolera ingerênciasde órgãos governamentais. A conta bancáriaé lídima expressão da personalidade. Daí aConstituição brasileira ter considerado pri-vativos os dados pessoais, que só podemsofrer ruptura mediante mandado judicial.

Não estamos defendendo a total impossi-bilidade de quebra do sigilo bancário, mes-mo porque nenhuma liberdade pública éabsoluta. Tanto é assim que a Constituiçãobrasileira em nada impede o combate à sone-gação fiscal. Apenas impõe critérios para adevassa do segredo: necessidade de autori-

SSSSSSSSSS

Quebra de Sigiloou Quebra da Constituio?

UADI LAMMÊGO BULOS

zação judicial e impossibilidade da criaçãode normas com efeitos retroativos.

De outra parte, se é certo que o sigilobancário pode e deve ser quebrado, desdequando esteja configurada a justa causapara o seu rompimento, mais exato ainda éque existe um devido processo legal a serobservado para a tomada de quaisquerprovidências. Essa exigência irmana-secom outra, qual seja a necessidade de semotivar a sentença em que se autoriza aquebra. Deliberações destituídas de moti-vação, mostram-se despojadas de efeitosjurídicos, pois nenhuma medida restritivade direitos pode ser adotada, sem que o atoque a decreta seja devidamente fundamen-tado pela autoridade jurisdicional, preci-samente para ficarem demarcados a fuma-ça do bom direito e o perigo da mora.

Mas a inconstitucionalidade formal ematerial do decreto, que permite funcioná-rios governamentais terem amplo acesso àsinformações bancárias de investigados, envol-ve múltiplos questionamentos de natureza fá-tica. Será que temos a maturidade democráticapara permitir a possibilidade de quebra desigilo por aqueles que não integram o Judiciá-rio? que segurança (jurídica) e certeza nasrelações teremos a partir de agora? qual o graude imparcialidade das decisões emanadas deautoridades administrativas?

Deixemos essas questões para a medita-ção de todos. Seja como for, não resta dúvi-da: os corifeus do “direito globalizado”estão fulminando a Constituição. Dessa vez,a investida ficou por conta do Decreto nº3.725/01 que, ao regulamentar preceito daLei Complementar nº 105/01, permitiu aReceita Federal quebrar o sigilo bancário.Quer dizer, um ato normativo primário, ine-rente à competência exclusiva do Congres-so Nacional, não sujeito à sanção nem veto,discutido por maioria simples, passou porcima da Carta Magna, ferindo prerrogativascomezinhas de pessoas físicas e jurídicas.

Finalmente, espera-se que o SupremoTribunal Federal, em linha de princípio,reconheça a inconstitucionalidade formale material da espécie em causa. É que osigilo bancário está submetido à reservade jurisdição. Por este postulado somentemagistrados podem praticar atos ineren-tes à função judicante, pois há assuntosque devem ser submetidos à esfera únicade apreciação dos juízes. Terceiros nãopodem interferir em matérias que a CartaPolítica, explicitamente, deixou a cargodo veredito jurisdicional.

O autor é doutor e mestre em Direito doEstado da PUC/SP e professor de Direito

Constitucional da Comissão Permanente deDireito Constitucional do Instituto dos

Advogados Brasileiros.

Painéis — 14h00•“Políticas de Segurança:Projetos para o Brasil”- José Alberto Cunha Couto(DF), Benedito DomingosMariano (SP) e Cláudio Beato (MG)

•“Acesso à Justiça e Construçãoda Cidadania” - Amilton Buenode Carvalho (RS), Mônica LabutoMachado (RJ) e JacquelineSinhoretto (SP)

10/10/02 quinta-feira

— 16h30

•“Defensoria Pública: AlternativasInovadoras” - Carlos Weis (SP)e Pedro Strozenberg (RJ)

•“Flexibilização das Relações Trabalhistase Direito Penal: Trabalho Escravo eInfantil" - José Vicente Tavares dosSantos (RS), Liliana Tojo (PE)e Joo Hilário Valentim (RJ)

Palestra — 19h30•“Jurisdição Penal Internacional”– a confirmar - Jan-Michael Simon– (Alemanha)

11/10/02 sexta-feira

Palestras — manh

•“Legalidade e ‘Flexibilidade’ daIntervenção Penal” - Sérgio Moccia (Itália)

•“Os Princípios da Teoria do Crimeno Estado Democrático de Direito”- Santiago Mir Puig (Espanha)

Painéis — 14h00•“Tolerância Zero” - Tulio Kahn (SP)e Cel. José Vicente da Silva Filho (SP)

•“Crimes Econômicos” CláudioBrando (PE) e Joyce Roysen (SP)

— 16h30•“Clonagem” - Francesca PuigPelat(Espanha) e Volnei Garrafa (DF)

•“Crimes Societários (Nova Lei de S.A.)”- Joo Mestieri (RJ) e Nélio Machado (RJ)

Formas de Pagamento:

1) Até 30/08/02

Pagamento parcelado em até 5 vezes(somente com cheque)

R$450,00 – profissional sócioR$500,00 – profissional não-sócioR$250,00 – estudante sócioR$300,00 – estudante não-sócio

2) De 01/09/02 até o evento

Pagamento parcelado em até 3 vezes(somente com cheque)

R$500,00 – profissional sócioR$550,00 – profissional não-sócioR$300,00 – estudante sócioR$350,00 – estudante não-sócio

Informaões e Inscriões:Depto. de Com. e Marketing– tel: (11) 3105-4607ou 3105-0109 – E-mail:[email protected] -www.ibccrim.org.br

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Um Paladino da Crtica Penal e Social:Alessandro Baratta (1933-2002)

ANA LUCIA SABADELL e DIMITRI DIMOULIS

o dia 25 de maio de 2002, umagrande figura do Direito deixoude existir. Alessandro Baratta foi

um herético que atuou no mundo confor-mista do Direito Penal. Baratta nuncadeixou de repetir que a repressão penalnão é um sinônimo da justiça nem doexercício de um “poder legítimo”.

Nos anos 60 Baratta fez uma primeiraaproximação crítica ao Direito Penal atra-vés da filosofia do Direito. O jovem posi-tivista se propõe a analisar o desenvolvi-mento do Direito Penal alemão na épocado nacional-socialismo. Em uma dasobras deste período Baratta sustenta ecomprova uma tese que adquire particu-lar relevância no atual debate sobre ahermenêutica jurídica, dominado pelomoralismo jurídico: cada vez que oslegisladores e doutrinadores se propõema introduzir valores “éticos” no Direi-to, na realidade, querem “legalizar” suaprópria ética, ou seja, impor como de-ver jurídico aquilo que corresponde àsua ideologia e interesse.

Anos depois Baratta se tornaria umferoz crítico do Direito Penal clássico edo eficientismo moderno. O autor de-monstrou que os aparelhos repressivosgeram violência e opressão e perpetuam,ao invés de dissolver, o círculo de vio-lência social e as estruturas de explora-ção e de opressão. Em inúmeros traba-lhos sobre questões fundamentais e pro-blemas concretos, Baratta sustenta queo Direito moderno — e particularmenteo Direito Penal — fracassou por doismotivos: primeiro, por ser ineficaz e,segundo, por produzir “efeitos perver-sos”, isto é, conseqüências sociais con-trárias às pretendidas.

Baratta pesquisou as causas desta du-pla falência, demonstrando que a impos-sibilidade em atingir as metas declaradasé devida à existência de funções latentes.Os sistemas jurídicos não objetivam al-cançar as finalidades declaradas (liberda-de, igualdade, justiça etc.), mas cumpremfunções latentes, que, por sua vez, permi-tem explicar a perenidade de sistemas apa-rentemente fracassados.

Os trabalhos que analisam o fracassodo sistema penal demonstram que o Di-reito moderno discrimina as camadas so-ciais desfavorecidas e reproduz o círculovicioso da violência social, tornando-seinstrumento de dominação e injustiça. Assucessivas desilusões não impedem a mo-bilização em torno de programas de se-

gurança pública, “tolerância zero” ou “re-cuperação dos presos”, com um entusias-mo que testemunha uma estranha ceguei-ra: parece que todos se esquecem que,nos últimos dois séculos, os mesmos pro-gramas mostraram-se incapazes de garan-tir a proteção dos bens jurídicos da maio-ria da população.

Nascido em Roma em 1933, Barattaestudou Direito na Itália e na Alemanha efoi considerado um dos “gênios precoces”da Filosofia do Direito. Seus primeirosestudos sobre o positivismo jurídico e so-bre a obra de Gustav Radbruch lhe deramparticular renome. Após ter trabalhadocomo assistente e professor universitáriovisitante naqueles dois países, foi nomea-do, em 1968, professor extraordinário deFilosofia do Direito na Universidade deCamerino. Em 1971 assumiu a cadeira deSociologia do Direito e Filosofia Social naUniversidade do Saarland, na Alemanha,sendo, em paralelo, diretor do prestigiosoInstituto de Filosofia e Sociologia do Di-reito da mesma universidade.

A grande ruptura no pensamento deBaratta ocorreu no começo dos anos 70.O autor se distanciou teórica e ideologi-camente das abordagens clássicas da Fi-losofia do Direito e se dedicou ao estudodo Marxismo e da Criminologia Crítica.Em 1975 fundou, junto a Franco Bricola,a prestigiosa revista “La Questione Cri-minale” que teve um importantíssimo pa-pel na introdução e no desenvolvimentoda Criminologia Crítica. A partir de 1983a revista passou a ser editada sob a exclu-siva direção de Baratta, com o título “DeiDelitti e Delle Pene”, constituindo-se emuma das maiores referências da Crimino-logia Crítica e da crítica do Direito Penalno cenário europeu.

Baratta acusa os juristas de ocultar ofato de que o sistema jurídico contribuipara a reprodução das desigualdades so-ciais. Os aparelhos estatais de controlesocial exercem violência no sentido derepressão das necessidades humanasreais que, apesar de poderem ser satisfei-tas, deixam de sê-lo por causa da confi-guração injusta do sistema de produção.

Em textos escritos nos últimos anos,em parte em co-autoria com ChristinaGiannoulis, Baratta realiza análises epropostas diretamente políticas sobre osproblemas mundiais que se encontram eminteração com a violência penal e os fra-cassos das políticas criminais. Uma mu-dança radical não pode ser realizada sem

o protagonismo dos cidadãos, que de-vem apoderar-se da política, praticando ademocracia direta. Isto pressupõe resti-tuir ao conceito de democracia seus títu-los de nobreza popular; inventar novasformas de política, fundamentadas naatuação da “sociedade civil” e reconhe-cer os cidadãos e as comunidades locaiscomo “protagonistas” da política.

Baratta criou desde cedo vínculos decolaboração científica e de amizade commuitos colegas latino-americanos, tendolecionado e participado em inúmeroscongressos em quase todos os países daAmérica Latina. Tornou-se, assim, um dosmaiores incentivadores do pensamentocrítico nas áreas do Direito Penal e daCriminologia.

Falando português com um charmo-so sotaque italiano, Baratta veio inú-meras vezes para o Brasil, onde minis-trou cursos, participou em congressos eorientou trabalhos acadêmicos. Amigodo IBCCRIM desde sua criação, Barat-ta publicou trabalhos na Revista Brasi-leira de Ciências Criminais e participoudos congressos internacionais e de ou-tros eventos do instituto.

Sua obra tornou-se uma referência cen-tral para o debate brasileiro sobre a polí-tica do Direito Penal e a Criminologia.Como bem apontou Massimo Pavariniem sua homenagem a Baratta, publicadano site do IBCCRIM, a força da Crimino-logia crítica nos países de língua italia-na, espanhola e portuguesa não seria ex-plicável sem a persistência de Barattaem manter acesa a chama da crítica nocampo da política criminal.

A mais conhecida obra de Baratta,“Criminologia crítica e crítica do direi-to penal”, foi traduzida para o portuguêspelo professor Juarez Cirino dos Santose já está em sua segunda edição pela edi-tora Freitas Bastos.

Os amigos e alunos brasileiros publi-caram recentemente estudos em homena-gem a Alessandro em dois volumes orga-nizados pela professora Vera Regina Pe-reira de Andrade. O título da coletâneaé: "Verso e Reverso do Controle Penal.(Des)aprisionando a sociedade da cultu-ra punitiva" (Universidade Federal deSanta Catarina, Fundação José ArthurBoiteux, 2002).

O apêndice bibliográfico indica que oleitor brasileiro tem acesso a uma signifi-cativa parte da obra de Baratta.Mesmo assim, alguns trabalhos fo-

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Entidadesconveniadasao IBCCRIMque recebemmensalmenteo Boletim:

— AMAZONAS AMAZONAS AMAZONAS AMAZONAS AMAZONAS• Associação dos Magistrados do Amazonas• Ministério Público do Estado do Amazonas

— CEARÁ CEARÁ CEARÁ CEARÁ CEARÁ• Associação Cearense de Magistrados• Associação Cearense do Ministério Público

— DISTRITO FEDERAL DISTRITO FEDERAL DISTRITO FEDERAL DISTRITO FEDERAL DISTRITO FEDERAL• Associação dos Juízes Federais do Brasil - AJUFE• Associação dos Magistrados do Distrito Federal• Associação do Ministério Público do

Distrito Federal

— GOIÁS GOIÁS GOIÁS GOIÁS GOIÁS• Associação Goiana do Ministério Público• Associação dos Magistrados do Estado de

Goiás - (Asmego)

— MARANHÃO MARANHÃO MARANHÃO MARANHÃO MARANHÃO• Associação do Ministério Público

do Estado do Maranhão• Centro Unificado do Maranhão - CEUMA

— MATO GROSSO MATO GROSSO MATO GROSSO MATO GROSSO MATO GROSSO• Associação Matogrossense do Ministério Público

— MATO GROSSO DO SUL MATO GROSSO DO SUL MATO GROSSO DO SUL MATO GROSSO DO SUL MATO GROSSO DO SUL• Associação dos Delegados de Polícia de Mato

Grosso do Sul• Associação Sul-Matogrossense do Ministério Público• Sindicato dos Defensores Públicos do

Mato Grosso do Sul

— MINAS GERAIS MINAS GERAIS MINAS GERAIS MINAS GERAIS MINAS GERAIS• Curso A. Carvalho Sociedade Ltda. - Belo Horizonte

— PARÁ PARÁ PARÁ PARÁ PARÁ• Associação do Ministério Público do Estado do Pará

— PARANÁ PARANÁ PARANÁ PARANÁ PARANÁ• Ministério Público do Estado do Paraná

— RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO• Fundação Escola Superior da Defensoria Pública

do Estado do Rio de Janeiro - FESUDEPERJ

— RIO GRANDE DO SUL RIO GRANDE DO SUL RIO GRANDE DO SUL RIO GRANDE DO SUL RIO GRANDE DO SUL• Associação dos Delegados de Polícia do

Rio Grande do Sul - ASDEP/RS• Instituto Transdisciplinar

de Estudos Criminais-ITEC

— SANTA CATARINA SANTA CATARINA SANTA CATARINA SANTA CATARINA SANTA CATARINA• Associação Catarinense do Ministério Público

— SÃO PAULO SÃO PAULO SÃO PAULO SÃO PAULO SÃO PAULO• Associação Nacional dos Delegados de Polícia

Federal - Rg. SP - ADPF• Associação Paulista do Ministério Público• Associação dos Delegados de Polícia do

Estado de São Paulo• Curso C.P.C.• Curso Forensis - Ribeirão Preto• Ordem dos Advogados do Brasil• Secretaria de Estado da

Administração Penitenciária• Sistema Educacional Sorocaba Ltda.• Veredicto Curso de Preparação às

Carreiras Jurídicas - Campinas

— PERU PERU PERU PERU PERU• Departamento de Dignidade

Humana da Comisión Episcopalde Acción Social - CEAS

ão obstante o polêmico tema dapossibilidade de uma pessoa jurí-dica cometer delitos permanecer

candente nos embates doutrinários, afigu-ra-se-nos necessária, diante da Lei nº9.605/98, a abordagem de questões pro-cessuais que começam a surgir, por oca-sião da concretização do comando conti-do na lei ambiental.

Desta forma, exsurge o debate sobrea possibilidade de uma pessoa jurídicafigurar como paciente em um habeascorpus.

Grande parte dos estudiosos define ohabeas corpus como sendo uma açãoconstitucional destinada a prevenir oucessar violência à liberdade de loco-moção (art. 5º, inc. LXVIII). No rastro

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COM A PALAVRA, O ESTUDANTE

ram publicados em periódicos hojedificilmente acessíveis e importan-

tes textos do autor não foram ainda pu-blicados em português. Cumprindo comuma promessa feita ao mestre ainda emvida, esperamos finalizar e publicar ain-da neste ano uma coletânea que inclui-rá estes textos sob um título que lhe eraparticularmente caro: “O Direito PenalMínimo”.

Tivemos a sorte de conviver por quasedez anos com Baratta, que orientou nos-sas teses de doutorado e deu a ambos aoportunidade de trabalhar como pesqui-sadores e professores na Faculdade de Di-reito da Universidade do Saarland.Conhecemos assim um homem genial,generoso e cordial, sem nenhum traçodo formalismo e da arrogância tão co-muns no mundo jurídico. Baratta erapara os amigos e colaboradores o queri-do “Sandro”, um amigo sempre prontoa escutar, orientar e ajudar.

Na Alemanha o orientador de tese échamado de Doktorvater, “pai do dou-tor”. Na enorme tristeza de ter perdidoaquele que foi para nos um pai espiri-tual, nos consola a sorte de ter conheci-do este homem maravilhoso e este ím-par professor. Sua obra continuará viva.Constitui para todos os estudiosos doDireito Penal e da Criminologia umainestimável herança de honestidade ede consciência crítica.

Textos de Alessandro Barattadisponveis em português

— "Marginalidade Social e Justiça". Revista deDireito Penal, nº 21/22, 1976, pp. 5-25.

— "Criminologia Crítica e Política Alternativa".Revista de Direito Penal, nº 23, 1976, pp. 7-21.

— "Criminologia e Dogmática Penal: Passado eFuturo do Modelo Integral da Ciência Penal".Revista de Direito Penal, v. 31, 1981, pp. 5-37.

— "Sobre a Criminologia Crítica e Sua Funçãona Política Criminal". Documentação e di-reito comparado, nº 13, 1983, pp. 145-166.

— "Fundamentos Ideológicos da Atual PolíticaCriminal Sobre Drogas". In GONÇALVES,Odair Dias e BASTOS, Francisco Inácio(orgs.). "Só Socialmente...", Rio de Janeiro:Relume Dumará, 1992, pp. 35-49.

— "A Atual Política Sobre Drogas: Uma VisãoCrítica. In GONÇALVES, Odair Dias e BAS-TOS, Francisco Inácio (orgs.). "Só Social-mente...", Rio de Janeiro: Relume Dumará,1992, pp. 109-111.

— "Direitos Humanos: Entre a Violência Estru-tural e a Violência Penal". Fascículos deCiências Penais, v. 6, nº 2, 1993, pp. 44-61.

— "Filósofo de uma Criminologia Crítica. InMídia e Violência Urbana. Rio de Janeiro:FAPERJ, 1994, pp. 13-24.

— "Funções Instrumentais e Simbólicas do Di-reito Penal: Lineamentos de uma Teoria doBem Jurídico". Revista Brasileira de CiênciasCriminais, 5, 1994, pp. 5-24.

— "Ética e Pós-Modernidade". In KOSOVSKY,Éster (org.). Ética na Comunicação. Rio deJaneiro: Mauad, 1995, pp. 113-131.

— "Defesa dos Direitos Humanos e Política Cri-minal". Discursos Sediciosos: Crime, Direitoe Sociedade, v. 2, nº 3, 1997, pp. 57-69.

— Prefácio. In ANDRADE, Vera Regina Pe-reira de. "A Ilusão da Segurança Jurídica".Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997,pp. 7-15.

— Prefácio. In MALAGUTI, Vera. "DifíceisGanhos Fáceis. Drogas e Juventude Pobreno Rio de Janeiro". Rio de Janeiro: FreitasBastos, 1998, pp. 8-26.

— "O Paradigma do Gênero: Da Questão Cri-minal à Questão Humana". In CAMPOS,Carmen Hein de (org.). "Criminologia e Fe-minismo". Porto Alegre : Sulina, 1999, pp.19-80.

— "Os Direitos da Criança e o Futuro da Demo-cracia". In "Perspectivas do Direito no Iníciodo Século XXI". Coimbra: Coimbra ed., 1999,pp. 61-91.

— "Criminologia Crítica e Crítica do DireitoPenal". Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999.

Os autores são doutores em Direito pelaUniversidade do Saarland e professores do

curso de Mestrado da Unimep.

Habeas Corpus e Pessoa Jurdica:Interpretao à Luz doPrincpio da Igualdade

RODRIGO BAPTISTA PACHECO

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deste entendimento, concluem que apessoa jurídica, possuindo, neste

caso, capacidade postulatória, poderia,apenas, impetrá-lo em favor de outrem. To-davia, a falta de liberdade ambulatória,inerente ao ser humano, inviabilizaria apossibilidade de ser paciente.(1)

Seguindo essa linha de raciocínio, oremédio adequado para combater uma ile-galidade no curso do processo penal, vio-ladora de um direito líquido e certo dapessoa jurídica, seria o mandado de segu-rança, previsto no art. 5º, LXVII, da Consti-tuição. Por outro lado, a revisão criminalseria o instrumento hábil a atacar a coisajulgada formada em processo penal comvício de legalidade, encontrando-se disci-plinada no Código de Processo Penal, noart. 621 e seguintes.

No entanto, tal não parece ser a soluçãomais satisfatória, por violar o princípio daigualdade, consagrado no art. 5º, caput, daConstituição. Com o escopo de melhordelinear o problema, apresentamos duassituações e as respostas de acordo com adoutrina tradicional:

1) Denúncia do Ministério Público emface de pessoa física e de pessoa jurídica, érecebida pelo juiz, sendo certo que a con-duta descrita é atípica.

2) Pessoa física e pessoa jurídica sãocondenadas, com decisão trânsita em jul-gado, porém entre o recebimento da de-núncia e a prolação da sentença transcor-rera lapso prescricional não reconhecidopelo juiz.

Na primeira hipótese, qualquer pessoa,inclusive o paciente, poderá impetrar ha-beas corpus em favor da pessoa física, nãohavendo necessidade de constituir advo-gado, dado que a capacidade postulatória,nesta sede, é ampla e genérica. Ademais,contará com a celeridade do rito e a mitiga-ção dos rigores formais,(2) ínsitas ao proce-dimento do writ. A pessoa jurídica, por suavez, a fim de combater a ilegalidade, deve-rá impetrar mandado de segurança, com aobrigatória constituição de advogado, alegitimidade ativa restrita à própria pessoajurídica e o preenchimento mais exigentedos requisitos formais.

Com relação à segunda hipótese, oremédio adequado para combater o nãoreconhecimento da prescrição, quandocondenada a pessoa física, será, igual-mente, o habeas corpus, já que essa viase presta a rescindir o julgado manifesta-mente ilegal, consoante exegese do art.648, inc. VII, do Código de Processo Pe-nal.(3) Quanto à condenação da pessoajurídica, não restará outro remédio senãoa revisão criminal, instrumento hábil adesconstituir, na esfera penal, a coisa jul-gada. Não há que se falar em mandado desegurança, por lhe faltar aptidão rescisó-ria, razão pela qual consideram-no inca-bível, em princípio, contra decisão judi-

cial transitada em julgado, a teor da Sú-mula 268 do Supremo Tribunal Federal("Não cabe mandado de segurança con-tra decisão judicial com trânsito em jul-gado").(4)

Diante de tal quadro, forçoso concluirque, em ambas as hipóteses, restará atingi-do o princípio da igualdade, obstativo detodo e qualquer tratamento discriminató-rio injustificado.

Inegável que a legitimação ativa amplae genérica, a maleabilidade das exigênciasformais, assim como o rito célere, fazem dohabeas corpus um remédio muito maiseficaz, frente ao mandado de segurança e àrevisão criminal, na eliminação de qual-quer ilegalidade do processo penal. Porque, então, restringir o remédio heróico aoexclusivo benefício da pessoa física, sob oargumento de que não há direito de loco-moção da pessoa jurídica a ser tutelado?

O tratamento discrepante ministrado àpessoa física e à pessoa jurídica, quandoambas estão na mesma situação de fato,qual seja a acusada em um processo penal,não encontra acolhida se cotejado com osditames constitucionais.

Por outro lado, é assente na doutrinaque os tratamentos normativos diferencia-dos só são compatíveis com a ordem cons-titucional, se minimamente proporcionaisao fim visado. In casu, não vislumbramosquais seriam os fins razoáveis aptos a justi-ficar o impedimento da via do habeas cor-pus ao ente coletivo.

Neste passo, merece ser revisto o con-ceito de ir e vir, a fim de adequá-lo à pessoajurídica criminosa e compatibilizá-lo como princípio da isonomia. Assim, entende-mos que, toda vez que a liberdade de dis-por sobre a sua vida econômico-financeiraestiver ameaçada ou atingida, por ilegali-dade ou por abuso de poder, conceder-se-áhabeas corpus à pessoa jurídica. E talpode ocorrer com a possível aplicação dapena de multa, restritiva de direitos e pres-tação de serviços à comunidade, todas pre-vistas e especificadas no extenso rol danova lei ambiental.

Finalmente, não se diga que, dado opoderio econômico da pessoa jurídica,permitindo a contratação de advogados deescol, a distinção restaria justificada. Seassim fosse, deveríamos vedar a via dohabeas corpus à pessoa física aquinhoada,reduzindo o acesso aos que comprovas-sem a situação de pobreza, o que, por ób-vio, ninguém ousaria defender. De outrasorte, poderemos, no processo penal, estardiante de uma microempresa ou de umasociedade anônima em processo de falên-cia, bem distantes daquele aludido pode-rio econômico.

Corroborando com as incógnitas quecircundam este espinhoso tema, encontra-mos decisões, do mesmo órgão judicante,oscilantes, ora entendendo cabível habeas

corpus, ora entendendo que a via do man-dado de segurança é a mais adequada. Des-tarte, a 3ª Câmara do Tribunal de AlçadaCriminal do Estado de São Paulo já deci-diu pelo cabimento de habeas corpus emfavor de paciente que seja empresa, sobfundamento de que se pode ser denuncia-da na condição de pessoa jurídica, poderáser objeto de defesa na livre disponibilida-de de sua administração e seu patrimônio(HC nº 351.992/2). Porém, a mesma 3ª Câ-mara, em outra oportunidade, entendeuque o remédio adequado é o mandado desegurança, tendo em vista que as sançõesprevistas são de multa e restritivas de direi-to, razão pela qual não haveria direito de ire vir ameaçado (MS nº 349.440/8).

Em síntese, face ao princípio da isono-mia, propugnando a igualdade de todosperante a lei, e apenas permitindo trata-mentos diferenciados quando plenamentejustificáveis, toda e qualquer proibição àpessoa jurídica de se valer do writ estaráfulminada de inconstitucionalidade.

Assim, a fim de evitar discriminaçõesviciadas, mister a reformulação do conceitode ir e vir, adequando-o à estrutura da pessoajurídica. Supera-se a idéia de liberdade am-bulatorial para abranger a liberdade de dis-por da sua vida econômico-financeira, am-pliando, conseqüentemente, a via eficaz ecélere do habeas corpus a toda pessoa, sejafísica, seja jurídica.

NOTAS(1) Entendendo ser incompatível a pessoa jurídica

com a figura do paciente: MORAES, Alexan-dre de. "Direito Constitucional", 7ª ed., SãoPaulo: Atlas, 2000; BARROSO, Luís Rober-to. "Direito Constitucional e a Efetividade desuas Normas", 5ª ed., Rio de Janeiro: Renovar,2001; TOURINHO FILHO, Fernando daCosta. "Processo Penal", vol. 4, 22ª ed., SãoPaulo: Editora Saraiva, 2000, p. 539.

(2) Basta citar, a título de exemplo, que o STF e oSTJ admitem a impetração do writ via fax,assim como há notícias de que no Tribunal deAlçada Criminal do Estado de São Paulo épossível impetrá-lo através do correio eletrô-nico. In: MORAES, Alexandre de. "DireitoConstitucional", 7ª ed., São Paulo: Atlas, 2000.Sobre habeas corpus via e-mail, consultar apágina do IBCCRIM (www.ibccrim.org.br).

(3) Neste sentido: TOURINHO FILHO, Fernan-do da Costa. "Processo Penal", vol. 4, 22ª ed.,São Paulo: Editora Saraiva, 2000, p. 606.

(4) DIREITO, Carlos Alberto Menezes. "Ma-nual do Mandado de Segurança", 3ª ed., Riode Janeiro: Renovar, 1999. Vale destacar queo autor, citando alguns julgados, admite aforça rescisória do mandado de segurançaimpetrado por terceiro atingido pela decisão,mas que não fizera parte da relação processual,o que, no processo penal, afigura-se poucoprovável de ocorrer.

O autor é estudante do 10º períododa Universidade do Estado do Rio de Janeiro

(UERJ) e estagiário da Procuradoriada República do Rio de Janeiro.

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Boletim Boletim Boletim Boletim Boletim IBCCRIMIBCCRIMIBCCRIMIBCCRIMIBCCRIM - Ano - Ano - Ano - Ano - Ano 10 - nº 11610 - nº 11610 - nº 11610 - nº 11610 - nº 116

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