issn 1676-3661 ano 14 - nº 172 - março/2007 publicaÇÃo

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Índice PUBLICAÇÃO OFICIAL DO INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS ANO 14 - Nº 172 - Março/2007 ISSN 1676-3661 EDITORIAL: MAIS UM CRIME BÁRBARO 1 AS POLÍTICAS DE JUSTIÇA E SEGURANÇA E O BEM-COMUM Marina Pereira Pires Oliveira 3 POLÊMICA SOBRE A REMISSÃO NA LEI Nº 8.069/90 André Del Grossi Assumpção 4 SISTEMA PENAL, POLÍTICA CRIMINAL E OUTRAS POLÍTICAS Cristina Zackseski 6 O DIREITO DE MORRER EM PAZ E COM DIGNIDADE Mário Roberto Hirschheimer e Clóvis Francisco Constantino 9 CORONÉIS, JUÍZES E ECONOMISTAS: É O PODER, ESTÚPIDO! Ivan César Ribeiro e Brisa Lopes de Mello Ferrão 12 A LEI Nº 11.435, DE 28.12.2006 E O “NOVO” ARRESTO NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL Gustavo Henrique R.I. Badaró 13 A RETENÇÃO DO PASSAPORTE COMO MEDIDA CAUTELAR ALTERNATIVA À PRISÃO PROVISÓRIA André Pires de Andrade Kehdi 15 A OTIMIZAÇÃO, AINDA TÍMIDA, DA ASSISTÊNCIA DE ADVOGADO AO PRESO Rogerio Schietti M. Cruz 17 LEI Nº 11.449/07: O PAPEL DA DEFENSORIA PÚBLICA NA PRISÃO EM FLAGRANTE Carlos Henrique Borlido Haddad 18 Caderno de Jurisprudência PROCESSO PENAL. PRINCÍPIO DA NÃO-CULPABILIDADE. PRISÃO CAUTELAR. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO 1065 EMENTAS 1068 MAIS UM CRIME BÁRBARO Editorial EDITORIAL: MAIS UM CRIME BÁRBARO Mais um crime bárbaro, o assassinato da criança João Hélio Fernandes Vieites, de seis anos, arrastado por quilômetros preso ao cinto de segurança de um carro, alimenta a ilusão de que basta aumentar o rigor da legislação penal para se for fim à crise da segurança pública. Como ocorreu em outras tragédias, a indigna- ção da sociedade se converteu em caldo de cul- tura para a proposição de medidas vingativas que, amplificadas por uma mídia ávida de audiência e por demagogos em busca de platéia, não pas- sam de respostas irracionais à irracionalidade da violência urbana e à escalada do crime. Sob a forma de tortura e outras formas de dor física e crueldade, tanto a violência quanto o desejo de vingança sempre estiveram presen- tes na trajetória da humanidade. Contudo, nun- ca é demais lembrar — e a história contempo- rânea está repleta de evidências nesse sentido — que a conjugação de intolerância e radica- lismo com maior rigor punitivo-repressivo em matéria penal costumam desaguar em trucu- lência; costumam agravar o esgarçamento do tecido social; mais precisamente, costumam cul- minar em experiências fracassadas, quanto aos propósitos de garantir segurança, e muitas vezes desastrosas para as instituições democráticas. A história também mostra que, quanto maio- res são a repressão e a vigilância, mais as garan- tias fundamentais e as liberdades civis tendem a ser ameaçadas. Quanto mais ilimitado é o poder dos órgãos de segurança, como se a im- portância dos fins justificasse o recurso de quaisquer meios para se assegurar a ordem, menor tende ser o respeito aos direitos mais elementares. Foi assim nos sombrios tempos do fascismo, na Europa. Foi assim na época das ditaduras militares, na América Latina. E infelizmente tem sido assim desde o início da atual década, principalmente após a tragédia do 11 de setem- bro, em Nova York, quando alterações legais votadas em cima dos fatos imediatos, sem dis- tanciamento crítico e sob forte comoção so- cial, abriram caminho para a chamada “legis- lação do pânico”. São respostas dadas às pres- sas, sem reflexão acerca das conseqüências que um Estado policial pode acarretar para as sal- vaguardas jurídicas, substituindo a segurança do direito pelo arbítrio e pela opressão. Por isso, neste momento de compreensível indignação da população brasileira com a ba- nalização da violência, com o aumento da de- linqüência juvenil, com a escalada do crime, com as diferentes formas de insegurança e com a impunidade, é fundamental discernir entre mitos e fatos, entre impulso e prudência, entre razão e emoção, entre propostas sérias que me- recem ser debatidas e soluções farisaicas, a fim de que a sociedade e o País não baixem a guarda do respeito à lei, ao direito de defesa e às liber- dades públicas. Quando se sabe que no Estado de São Paulo apenas 1% de jovens com menos de 18 anos se envolveu em homicídios, como levar a sério a proposta de tornar jovens acima de 16 anos res- ponsáveis por seus crimes. Até que ponto a pro- moção da emancipação judicial penal de ado- lescentes infratores aumenta, de fato, a segu- rança pública? Em que medida a “estadualiza- ção” da legislação penal, justificada como uma medida capaz de “responder às peculiaridades de cada região”, é compatível com a realidade e com as tradições institucionais do país? E se endurecimento penal significa mais gente na prisão, o que ocorrerá com um sistema prisio- nal que, além de saturado, oferece condições de vida cruéis, vergonhosas, desumanas e degra- dantes aos que nele vivem? Em termos comparativos, pesquisas realiza- das por investigadores conceituados sobre a re- lação entre taxa de encarceramento e taxa de criminalidade revelam por exemplo que, na In- glaterra, o acréscimo de 25% na primeira teve o pífio resultado de reduzir a segunda em somen- te 1%. Nos Estados Unidos, os estados com os maiores acréscimos nas taxas de encarceramen- to tiveram, em média, menores reduções em suas taxas de criminalidade. O grupo de esta- dos que mais investiu em repressão e em pri- sões aumentou sua taxa de encarceramento em 72%, mas obteve uma redução de somente 13% nos índices de criminalidade (1) . Esses números não deixam margem a dúvi- das e não podem ser desprezados no debate so- bre a reforma da legislação penal. Eles mos- tram que a relação custo/benefício da pena de prisão é absolutamente desfavorável. Ou seja, eles sinalizam que, apesar do endurecimento penal e do aumento das taxas de encarceramen- to não há a esperada redução da criminalidade, sobretudo nos crimes mais violentos. Além disto, o Levantamento Nacional do Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente em Conflito com a Lei — divulgado em 2006 pela Secretaria Especial dos Direitos Huma- nos da Presidência da República — aponta que o déficit de 3.396 vagas nas unidades de atendi-

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Índice

PUBLICAÇÃO OFICIAL DO INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

ANO 14 - Nº 172 - Março/2007ISSN 1676-3661

EDITORIAL:MAIS UM CRIME BÁRBARO 1

AS POLÍTICAS DE JUSTIÇAE SEGURANÇAE O BEM-COMUMMarina Pereira Pires Oliveira 3

POLÊMICA SOBRE AREMISSÃO NALEI Nº 8.069/90André Del Grossi Assumpção 4

SISTEMA PENAL,POLÍTICA CRIMINALE OUTRAS POLÍTICASCristina Zackseski 6

O DIREITO DE MORREREM PAZ E COM DIGNIDADEMário Roberto Hirschheimere Clóvis Francisco Constantino 9

CORONÉIS, JUÍZESE ECONOMISTAS:É O PODER, ESTÚPIDO!Ivan César Ribeiroe Brisa Lopes de Mello Ferrão 12

A LEI Nº 11.435, DE28.12.2006 E O “NOVO”ARRESTO NO CÓDIGODE PROCESSO PENALGustavo Henrique R.I. Badaró 13

A RETENÇÃO DOPASSAPORTE COMOMEDIDA CAUTELARALTERNATIVA ÀPRISÃO PROVISÓRIAAndré Pires de Andrade Kehdi 15

A OTIMIZAÇÃO, AINDATÍMIDA, DA ASSISTÊNCIADE ADVOGADO AO PRESORogerio Schietti M. Cruz 17

LEI Nº 11.449/07:O PAPEL DADEFENSORIA PÚBLICANA PRISÃO EM FLAGRANTECarlos Henrique Borlido Haddad 18

Caderno de JurisprudênciaPROCESSO PENAL.PRINCÍPIO DANÃO-CULPABILIDADE.PRISÃO CAUTELAR.NECESSIDADE DEFUNDAMENTAÇÃO 1065

EMENTAS 1068MA

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Editorial

EDITORIAL:

MAIS UM CRIME BÁRBARO

Mais um crime bárbaro, o assassinato dacriança João Hélio Fernandes Vieites, de seisanos, arrastado por quilômetros preso ao cintode segurança de um carro, alimenta a ilusão deque basta aumentar o rigor da legislação penalpara se for fim à crise da segurança pública.Como ocorreu em outras tragédias, a indigna-ção da sociedade se converteu em caldo de cul-tura para a proposição de medidas vingativas que,amplificadas por uma mídia ávida de audiênciae por demagogos em busca de platéia, não pas-sam de respostas irracionais à irracionalidadeda violência urbana e à escalada do crime.

Sob a forma de tortura e outras formas dedor física e crueldade, tanto a violência quantoo desejo de vingança sempre estiveram presen-tes na trajetória da humanidade. Contudo, nun-ca é demais lembrar — e a história contempo-rânea está repleta de evidências nesse sentido— que a conjugação de intolerância e radica-lismo com maior rigor punitivo-repressivo emmatéria penal costumam desaguar em trucu-lência; costumam agravar o esgarçamento dotecido social; mais precisamente, costumam cul-minar em experiências fracassadas, quanto aospropósitos de garantir segurança, e muitas vezesdesastrosas para as instituições democráticas.

A história também mostra que, quanto maio-res são a repressão e a vigilância, mais as garan-tias fundamentais e as liberdades civis tendema ser ameaçadas. Quanto mais ilimitado é opoder dos órgãos de segurança, como se a im-portância dos fins justificasse o recurso dequaisquer meios para se assegurar a ordem,menor tende ser o respeito aos direitos maiselementares.

Foi assim nos sombrios tempos do fascismo,na Europa. Foi assim na época das ditadurasmilitares, na América Latina. E infelizmentetem sido assim desde o início da atual década,principalmente após a tragédia do 11 de setem-bro, em Nova York, quando alterações legaisvotadas em cima dos fatos imediatos, sem dis-tanciamento crítico e sob forte comoção so-cial, abriram caminho para a chamada “legis-lação do pânico”. São respostas dadas às pres-sas, sem reflexão acerca das conseqüências queum Estado policial pode acarretar para as sal-vaguardas jurídicas, substituindo a segurançado direito pelo arbítrio e pela opressão.

Por isso, neste momento de compreensívelindignação da população brasileira com a ba-nalização da violência, com o aumento da de-linqüência juvenil, com a escalada do crime,

com as diferentes formas de insegurança e coma impunidade, é fundamental discernir entremitos e fatos, entre impulso e prudência, entrerazão e emoção, entre propostas sérias que me-recem ser debatidas e soluções farisaicas, a fimde que a sociedade e o País não baixem a guardado respeito à lei, ao direito de defesa e às liber-dades públicas.

Quando se sabe que no Estado de São Pauloapenas 1% de jovens com menos de 18 anos seenvolveu em homicídios, como levar a sério aproposta de tornar jovens acima de 16 anos res-ponsáveis por seus crimes. Até que ponto a pro-moção da emancipação judicial penal de ado-lescentes infratores aumenta, de fato, a segu-rança pública? Em que medida a “estadualiza-ção” da legislação penal, justificada como umamedida capaz de “responder às peculiaridadesde cada região”, é compatível com a realidade ecom as tradições institucionais do país? E seendurecimento penal significa mais gente naprisão, o que ocorrerá com um sistema prisio-nal que, além de saturado, oferece condições devida cruéis, vergonhosas, desumanas e degra-dantes aos que nele vivem?

Em termos comparativos, pesquisas realiza-das por investigadores conceituados sobre a re-lação entre taxa de encarceramento e taxa decriminalidade revelam por exemplo que, na In-glaterra, o acréscimo de 25% na primeira teve opífio resultado de reduzir a segunda em somen-te 1%. Nos Estados Unidos, os estados com osmaiores acréscimos nas taxas de encarceramen-to tiveram, em média, menores reduções emsuas taxas de criminalidade. O grupo de esta-dos que mais investiu em repressão e em pri-sões aumentou sua taxa de encarceramento em72%, mas obteve uma redução de somente 13%nos índices de criminalidade(1).

Esses números não deixam margem a dúvi-das e não podem ser desprezados no debate so-bre a reforma da legislação penal. Eles mos-tram que a relação custo/benefício da pena deprisão é absolutamente desfavorável. Ou seja,eles sinalizam que, apesar do endurecimentopenal e do aumento das taxas de encarceramen-to não há a esperada redução da criminalidade,sobretudo nos crimes mais violentos.

Além disto, o Levantamento Nacional doAtendimento Sócio-Educativo ao Adolescenteem Conflito com a Lei — divulgado em 2006pela Secretaria Especial dos Direitos Huma-nos da Presidência da República — aponta queo déficit de 3.396 vagas nas unidades de atendi-

BOLETIM IBCCRIM - ANO 14 - Nº 172 - MARÇO - 20072

mento socioeducativo chega a 22% dapopulação de internos, sendo que 685 jo-vens e adolescentes encontram-se reco-lhidos em cadeias. Os dados apontam ain-da um acréscimo de 34% na internaçãoprovisória, ao passo que o número de in-ternos em semiliberdade teria crescidoapenas 9%, o que sugere a prevalência docritério da suposta “periculosidade” dosadolescentes no atendimento. Tais parâ-metros devem ser ponderados quando secogita do aumento do tempo máximo deinternação dos adolescentes — estaria osistema preparado para as conseqüênciasdeste aumento? Mais do que isto: a quali-dade do tratamento não seria afetada?

Revoltada e indignada, a sociedadebrasileira tem todo o direito de cobrarrespostas do Estado. É imperioso discu-tir medidas legislativas que modifiquemos benefícios do regime semi-aberto, pe-nalizem o uso de celulares em estabele-cimentos prisionais, exijam o exame cri-minológico para autores de crimes he-diondos, proíbam contingenciamentode recursos orçamentários destinados àsegurança e tornem o processo penalmais dinâmico.

Há necessidade de medidas mais rigo-rosas para conter o avanço da violência ecriminalidade, não há dúvida. Mas, negaros valores do Estatuto da Criança e do

Adolescente e enfatizar a redução damaioria penal como solução para a crisede segurança é mais do que escamotear averdade. É iludir a opinião pública comfantasias e alimentar a hipocrisia. Acimade tudo, é um lamentável equívoco histó-rico, pois estigmatizar crianças como cri-minosos, penalizar adolescentes e crimi-nalizar jovens, é negar às novas geraçõeso direito de forjar seu projeto de socieda-de. É impedi-las de construir seu futuroem bases alicerçadas na idéia de inclusãosocial, no princípio da solidariedade e norespeito aos direitos civis.

Como o IBCCRIM já afirmou ante-riormente nestas colunas, o problema daviolência urbana e a contenção da escala-da do crime, seja ele difuso ou organiza-do, transcendem o âmbito das mudançaslegais e das reformas penas, exigindocomo condição necessária o enfrentamen-to das causas estruturais da delinqüênciajuvenil — e estas, como é sabido, estãorelacionadas à extrema desigualdade so-cial, à concentração de renda, à precarie-dade da educação básica, à ausência deredes de apoio às novas gerações e à faltade emprego. Esta não é e nunca foi uma“falsa questão”. Ao contrário, é um pro-blema decisivo para a própria efetividadeda ordem jurídica, em cujo âmbito todossão iguais perante a lei e podem ser pena-

lizados por suas transgressões.Portanto, é ilusório imaginar que o

problema da violência criminal tenha so-luções de curto prazo e que basta o vo-luntarismo dos defensores das políticasde “tolerância zero” e do “Direito Penalmáximo” para se por fim à crise da segu-rança pública. Enquanto milhões de jo-vens continuarem sem conseguir entrarno mercado formal de trabalho, porque opoder público lhes negou a escolaridadenecessária, eles permanecerão economi-camente excluídos e, por tabela, conde-nados a viver em uma cultura de margi-nalidade social e de criminalidade.

Ninguém discute a necessidade de seadotar providências para evitar novas tra-gédias, como a que levou o menino JoãoHélio a uma morte brutal. O que não sepode admitir, voltamos a enfatizar, é acharque basta reduzir a maioridade penal epassar a criminalizar jovens socialmenteexcluídos para se dar resposta ao clamorpor segurança.

Nota

(1) Roger Tarling, Analysing Offending Data, Mo-dels and Interpretations; e Marc Mauer e JenniGainsborough, Diminishing returns: crime andincarceration in the 1990’s, apud Julita Lem-bruger, “Controle da Criminalidade”, in ThinkTank, Rio de Janeiro.M

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Editorial

ELEITO O PRESIDENTE DOCONSELHO CONSULTIVO DO IBCCRIM

Foi eleito, em 15/02/07, presidente do ConselhoConsultivo do IBCCRIM, o dr. Márcio Bártoli.

A eleição contou com a presença de todosos conselheiros do Instituto Brasileiro

de Ciências Criminais.

CICLO DE PALESTRAS FAAP / IBCCRIM

Data: 14/03/2007Palestrante: Sérgio Salomão Shecaira

Tema: Responsabilidade Penal da Pessoa JurídicaHorário: das 11h10 às 13h00

Local: Fundação Armando Álvares Penteado - FAAPAuditório 1 - Rua Alagoas, 903Pacaembu – São Paulo - SP

Data: 10/05/2007Palestrante: Carlos Vico Mañas

Tema: Princípio da Intervenção MínimaHorário: das 11h00 às 13h00

Local: Fundação Armando Álvares Penteado - FAAPAuditório 2 - Rua Alagoas, 903Pacaembu – São Paulo – SPInformações e Inscrições:

Apenas para os alunos da FAAP.

MESA DE ESTUDOS E DEBATES

CyberCrimes – O Crime na Era da InformáticaData: 15 de março de 2007 às 10h00

Local: Auditório do IBCCRIMRua XI de Agosto, 52 - 2º andar - São Paulo/SP

Expositores: Augusto Rossini, promotor de Justiçae António Tavares, diretor presidente da Abranet

Vagas Limitadas!Inscrições e informações: (11) 3105-4607 - ramal 124

V ENCONTRO DO GRUPO DE ESTUDOSSOBRE A IMPLEMENTAÇÃO DO ESTATUTO DE ROMA

De 19 a 22 de março de 2007 será realizado o“V Encontro do Grupo de Estudos sobre a Implementação

do Estatuto de Roma” em Bogotá, Colômbia.

O evento é uma iniciativa da Pontifícia Universidade Javeriana daColômbia, do Departamento de Direito Penal Estrangeiro e

Internacional do Instituto de Ciências Criminais da Universidadede Göttingen/Alemanha e do Programa Estado de Direitoda Fundação

Konrad Adenauer. Participarão, representanto o IBCCRIM,a doutora Maria Thereza Rocha de Assis Moura, colaboradora

permanente do IBCCRIM, o doutor Marcos Alexandre Coelho Zilli,coordenador do Departamento de RelaçõesInternacionais

do IBCCRIM e a doutora Fabíola Monteconrado Ghidalevich,coordenadora regional da 2ª Região (AC, AM e RR)do Instituto.

Mais informações: [email protected]

BOLETIM IBCCRIM - ANO 14 - Nº 172 - MARÇO - 2007 3BOLETIM IBCCRIM - ANO 14 - Nº 172 - MARÇO - 2007 3

DIRETORIA EXECUTIVAPRESIDENTE:Alberto Silva Franco1ª VICE-PRESIDENTE:Sérgio Mazina Martins2º VICE-PRESIDENTE:Theodomiro Dias Neto1º SECRETÁRI0:Carlos Alberto Pires Mendes2ª SECRETÁRIA:Paula Bajer Fernandes Martins da Costa1º TESOUREIRO:Ivan Martins Motta2ª TESOUREIRA:Silvia Helena Furtado Martins

CONSELHO CONSULTIVO:Carlos Vico Mañas, Marcio Bártoli, MarcoAntonio Rodrigues Nahum, Maurício Zanoidede Moraes e Tatiana Viggiani Bicudo

COORDENADORES-CHEFES:Departamentos:BIBLIOTECA: Sergio Salomão SchecairaBOLETIM: Carina QuitoCURSOS: Cristiano Avila MaronnaCOMUNICAÇÕES: Renato Sérgio de LimaESTUDOS E PROJETOS LEGISLATIVOS:Guilherme Madeira DezemINICIAÇÃO CIENTÍFICA: Thais ArocaDatcho LacavaINTERNET: Heloisa EstellitaNÚCLEO DE PESQUISAS: JacquelineSinhorettoPÓS-GRADUAÇÃO: Helena ReginaLobo da CostaRELAÇÕES INTERNACIONAIS:Marcos Alexandre Coelho Zilli

Representantes do IBCCRIMjunto ao Olapoc: Flávia D’Urso,Glauber Callegari e Renata Flores Tybiriçá

REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIASCRIMINAIS: Juliana Garcia Belloque

COMISSÕES:Presidentes:CÓDIGO PENAL: Mariângela Gamade Magalhães GomesCONVÊNIOS: André AugustoMendes MachadoHISTÓRIA: Roberto Mauricio GenofreJUSTIÇA E SEGURANÇA: RenatoCampos Pinto de VittoMEIO AMBIENTE: Adilson PauloPrudente do AmaralMESAS DE ESTUDOS E DEBATES: PauloSérgio de OliveiraMONOGRAFIAS: Andrei KoemerNÚCLEO DE JURISPRUDÊNCIA: Rui StocoPOLÍTICA NACIONAL DE DROGAS:Maurides de Melo RibeiroSEMINÁRIO INTERNACIONAL: Carlos VicoMañasSISTEMA PRISIONAL: Alessandra Teixeira

INSTITUTO BRASILEIRODE CIÊNCIAS CRIMINAIS

- IBCCRIM -(FUNDADO EM 14.10.92)

DIRETORIA DA GESTÃO 2007/2008

Brasileiro deixa tudo para a últimahora. A máxima que explica as filas no úl-timo dia de entrega da declaração de im-posto de renda, nas papelarias na vésperada volta às aulas e nos cemitérios no finaldo dia de finados, infelizmente, tambémse aplica aos debates públicos sobre Se-gurança e Justiça. Quando a violência,com todas as suas cores, explode na nossacara no Jornal Nacional, com direito a sercomentada na novela das oito (que hoje édas nove), todos os poderes se mobilizampara falar da impunidade, das cadeias su-perlotadas, da “frouxidão” do Estatuto daCriança e do Adolescente (ECA).

O problema é que, quando o assunto éSegurança Pública e Justiça, essa histeriacoletiva, com direito a cenas de precon-ceito e clamor de vingança diante das câ-meras, não consegue passar de ato políti-co, e político na pior acepção da palavra— aquela que designa atos pensados paraimpressionar a platéia, completamentevazios de conteúdo.

Aqueles cidadãos com mandato e, por-tanto, responsabilidade para mudar essasituação, que deixaram para a última horao seu trabalho, aproveitam o clima parafugir do problema, para gritar bem alto epedir mais penas, mais cadeia, reduçãoda maioridade penal e outras panacéias.Recebem aplausos e, nas próximas elei-ções, votos de brasileiros reféns do medo.Mas nada muda no reino das políticaspúblicas e do acesso à Justiça. O Brasilestá perdido?! Não existe nada de novono horizonte?!

Muito antes pelo contrário, existem simexemplos interessantes mas ainda incipi-entes, em curso no país, na área da Justiça eda Segurança. Eles mostram que é possívelaliar interesses políticos — aí no sentidomais elevado do termo, o da capacidadede trabalhar em conjunto pelo bem de to-dos — à competência técnica para permi-tir ao Estado responder de forma mais efi-ciente e eficaz às demandas da sociedade.Puxando a brasa para a sardinha que co-nheço porque participei dos trabalhos,gostaria de fazer uma breve reflexão sobreo processo de elaboração da “Política Na-cional de Enfrentamento ao Tráfico dePessoas”, editada via decreto presidencialde número 5.948 de 26 de outubro de 2006.

Trata-se de um marco normativo cujaimportância ultrapassa o seu teor, mas estána própria construção do texto e na ma-neira como foi possível conduzir um pro-cesso político, sim, mas norteado pelo de-bate técnico qualificado de dentro do go-verno e também da sociedade civil.

Ninguém precisa escamotear a suaideologia para contribuir de forma positi-va na formulação de uma política pública.

AS POLÍTICAS DE JUSTIÇAE SEGURANÇA E O BEM-COMUM

Marina Pereira Pires Oliveira

Mas é preciso que haja responsabilidadecoletiva para decidir baseado em informa-ções, dados estatísticos, conhecimento enão apenas para satisfazer os interessesdeste ou daquele grupo, ou para impor anossa visão particular de mundo.

Só a razão nos aproxima do bem co-mum. Foi em cima dessa premissa que aRevolução Francesa inaugurou a democra-cia como a conhecemos hoje. Se os deba-tes forem pautados pela emoção, estare-mos sempre olhando para o nosso próprioumbigo e jamais conseguiremos sair delepara promover a sociedade como um todo.

O desafio de transformar princípios, di-retrizes e ações contidas na “Política Na-cional de Enfrentamento ao Tráfico de Pes-soas” em realidade concreta para quemprecisa do Estado para ser protegido, pre-cisa ser vencido cotidianamente. Ele co-meça na briga por mais recursos dentro doapertado orçamento da União, durante aelaboração do Plano Plurianual de Inves-timentos do governo (PPA) para os anosde 2008-2011. Uma batalha que será trava-da no segundo semestre de 2007.

Mas também passa por ter coragem dedefender os direitos humanos de pessoasconsideradas nem tão direitas assim, pelagrande maioria da população. Falamos deprostitutas, de transgêneros, de meninas emeninos explorados sexualmente, de peõesem frentes de desmatamento, sem docu-mento, de pele escura, sem dentes. De pes-soas que, tradicionalmente, são vistas comoperdidas. Fato é que vivemos numa socie-dade apavorada e por isso mesmo desespe-rada por “salvar” os cidadãos de bem ouaqueles que não caíram ainda na tentaçãodo crime, ou da carne, ou das drogas, ou detentar uma vida melhor no exterior...

No Brasil, entretanto, as questões de Se-gurança e Justiça estão tão misturadas coma desigualdade social que é impossível ata-car a violência, sem refletir sobre a manei-ra perversa como se estrutura nossa socie-dade. Então, teremos de recorrer à com-petência técnica para informar e justificaras nossas decisões políticas de investir sim,recursos preciosos, para garantir direitostambém para os que já “caíram” porqueeles fazem parte da sociedade e não existebem que possa ser comum a um grupo decidadãos completamente desiguais. E, ajulgar pelos números e histórias chocantesque lotam os jornais, a última hora para osbrasileiros encararem essa realidade defrente chegou.

Marina Pereira Pires OliveiraGerente de projetos da Secretaria Nacional

de Justiça e coordenadora das açõesde enfrentamento ao tráfico de

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BOLETIM IBCCRIM - ANO 14 - Nº 172 - MARÇO - 20074

A remissão prevista no artigo 126 daLei nº 8.069/90, Estatuto da Criança e doAdolescente, é instrumento de uso coti-diano na Justiça da Infância e da Juventu-de, mas a incompreensão dos limites desua aplicação, especialmente a vedaçãodo artigo 127, 2ª parte, da mesma lei (re-lativa às medidas privativas de liberda-de), tem gerado desacordo e incentivadoalternativas práticas que enfraquecem asgarantias constitucionais da ampla defe-sa e do contraditório.

Sem importar análise aprofundada domérito (razão pela qual não se prestacomo antecedente), a remissão é uma for-ma alternativa de exercício da pretensãosocioeducativa presente de forma expres-sa no Estatuto a partir da prática do atoinfracional. Exclui ou extingue o proces-so judicial já em curso e pode ser simples(reconhecendo a desnecessidade de inter-venção do Poder Público) ou cumuladacom medidas socioeducativas ou de pro-teção (ECA, artigos 101 e 112). Antes dainstalação do processo, a remissão é atodo Ministério Público em conjunto como jovem implicado e está sujeita à ho-mologação judicial (ECA, artigo 126,caput). Durante o processo, a iniciativada remissão cabe essencialmente à auto-ridade judiciária, sem prejuízo da pos-sibilidade de provocação pelo Ministé-rio Público (ECA, parágrafos únicos dosartigos 126 e 186).

Trata-se de instituto assemelhado àtransação penal estabelecida no artigo 76da Lei nº 9.099/95 (Flávio Américo Fras-seto. “Propostas de Lei de Diretrizes Só-cio-educativas. Comentários”, Associa-ção de Magistrados e Promotores de Jus-tiça da Infância e da Juventude. Internet.www.abmp.org.br, 06/09/2002), tendocomo característica em comum a exigên-cia de prova bastante da materialidade eindícios de autoria de infração penal, di-ferenciando-se dela, no entanto, com re-lação aos pressupostos objetivos e subje-tivos. Se, por um lado, a transação se per-faz apenas em infrações determinadas naprópria lei e desde que os antecedentesdo agente permitam, por outro, a remis-são pode ser aplicada ao adolescente aprincípio sem excluir nenhum ato infra-cional e mesmo que o jovem conte comoutros registros (incluindo remissão an-terior a qualquer tempo). Isto porque,embora atendendo às circunstâncias econseqüências do fato em concreto, aocontexto social, à personalidade do agen-te e à sua maior ou menor participaçãono ato infracional, a remissão será essen-cialmente vinculada à necessidade de in-tervenção do Poder Público para educa-

POLÊMICA SOBRE A REMISSÃO NA LEI Nº 8.069/90André Del Grossi Assumpção

ção do jovem. Deverá, de conseguinte, serconcedida sempre que a provocação do juí-zo mediante representação ou a completainstrução e o julgamento do mérito se mos-trarem impertinentes ou desnecessários.

Em que pese a possibilidade de remis-são simples mesmo em caso de materia-lidade comprovada e autoria confessa deato infracional de qualquer espécie, é umerro confundir a remissão prevista no Es-tatuto da Criança e do Adolescente como“perdão” (aproximando-a da figura cor-respondente ao artigo 120 do Código Pe-nal), justamente porque não diz respeitoao mérito, afastando a cognição aprofun-dada do tema. Por decorrência lógica, sóse perdoa uma falta que se conclui efeti-vamente praticada, conclusão esta de quese não cogita. Aquela “remissão” do Có-digo Penal, esta sim é o verdadeiro “per-dão judicial” e se refere à eventualidadede o juiz, embora perfeita a constituiçãodo crime, deixar de aplicar a pena, verifi-cadas determinadas circunstâncias previs-tas na própria lei. É uma causa de extinçãoda punibilidade, direito subjetivo do réu eque se opera independentemente de suaaceitação (Código Penal, artigo 107, incisoIX. PRADO, Luiz Regis. Curso de DireitoPenal Brasileiro: Parte Geral, 2ª ed., SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 562.)

O equívoco tão presente no dia-a-diado Judiciário brasileiro é explicado deforma curiosa por João Batista da CostaSaraiva, que aponta sua origem na tradu-ção imprópria da versão em castelhano“remisión” para a versão em portuguêsadotada pelo Estatuto, a partir do princí-pio nº 11 das Regras de Beijing, um dosdocumentos internacionais que derammolde à lei especial. O erro, segundo omesmo autor, é mais facilmente percebi-do quando comparadas as duas versõesacima indicadas com a versão em línguainglesa, que contém expressão bastantediversa: “Como se sabe, os documentos ofi-ciais da ONU são editados em inglês, espa-nhol, francês, russo e chinês. No documentoem inglês, o instituto chama-se diversion(que poderia ser traduzido para o portuguêscomo ‘encaminhamento diverso do original’.Cumpre observar que a palavra inglesaresimion, ato de remitting (significa per-doar, ou deixar de infligir uma pena) não foiutilizada na versão em inglês” (SARAIVA,João Batista da Costa. Adolescente e AtoInfracional: Garantias Processuais e Medi-das Socioeducativas. Porto Alegre: Livra-ria do Advogado, 1999, p. 56).

Ter em vista a natureza transacional eeventualmente sancionatória da remissãono Estatuto é importante porque, semanálise aprofundada do mérito não há ins-

trução completa em Juízo e, como de-corrência natural desse caráter sumário,há um sensível relaxamento dos princí-pios constitucionais da ampla defesa e docontraditório, conforme previstos no ar-tigo 5º, inciso LV, da Constituição da Re-pública. É justamente por força dessa res-trição aos princípios constitucionais queregem todo o processo judicial que existea restrição às medidas privativas (ECA,artigo 127, 2ª parte): poderão ser aplica-das, exclusiva ou cumulativamente, a ad-vertência; a obrigação de reparar o dano;a prestação de serviços à comunidade; e aliberdade assistida. Não é possível a apli-cação de inserção em regime de semili-berdade; e a internação em estabeleci-mento educacional.

O tema se torna crítico a partir domomento em que o adolescente benefi-ciado descumpre reiteradamente a medi-da que lhe foi aplicada em remissão e oórgão judiciário se vê tentado a converteraquela medida em meio aberto em semili-berdade ou internação (a chamada “regres-são”, como é denominada no dia-a-dia).

Autores como João Batista da CostaSaraiva (op. cit., pp. 59 e seguintes) defen-dem que o descumprimento reiterado damedida imposta na remissão permite simao juízo determinar a conversão em me-dida privativa de liberdade, porque, emsuma, a avaliação do comportamento doadolescente instaura um novo procedi-mento, assegurada ao adolescente a pos-sibilidade de justificar sua contumácia,não decorrendo a medida mais grave di-retamente da remissão (com amparo dosartigos 88 e 128 do Estatuto). No entanto,como adverte o mesmo autor, grande parteda doutrina se inclina pela negativa e ajurisprudência, embora seja simpática àregressão, há tempo costuma temperar amatéria com exigências preliminares (i.e.presença de advogado por ocasião da re-missão – I Encontro de Juízes e Promo-tores da Infância do Grande ABC, entre26 e 27 de agosto de 1993), o que entendenão ser o foco do problema.

Procurando esquivar-se da polêmica,há juízos que têm aplicado o texto secodo artigo 186, § 2º, somente instruindo ofeito quando houver previsão de que seráaplicada medida privativa de liberdade.Nesse sentido: “As Varas Especiais da In-fância e da Juventude da Capital (São Pau-lo) adotam a praxe de aplicar aos adolescen-tes acusados de envolvimento de ato infra-cional, nos casos em que somente temos arealização de audiência de apresentação e háconfissão, medidas socioeducativas em meioaberto, sem cumulação com a remissão, o queentendemos contraria o art. 186 do EstatutoP

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BOLETIM IBCCRIM - ANO 14 - Nº 172 - MARÇO - 2007 55BOLETIM IBCCRIM - ANO 14 - Nº 172 - MARÇO - 2007

COORDENADORES REGIONAIS:1ª REGIÃO (AP, MA e PA):João Guilherme Lages Mendes

2ª REGIÃO (AC, AM e RR):Fabíola Monteconrado Ghidalevich

3ª REGIÃO (PI, CE e RN):Patrícia de Sá Leitão e Leão

4ª REGIÃO (PB, PE e AL):Oswaldo Trigueiro Filho

5ª REGIÃO (BA e SE):Wellington Cesar Lima e Silva

6ª REGIÃO (RJ e ES):Marcio Gaspar Barandier

7ª REGIÃO (DF, GO e TO):Pierpaolo Bottini

8ª REGIÃO (MG):Felipe Martins Assis Pinto

9ª REGIÃO (MT, MS e RO):Francisco Afonso Jawsnicker

10ª REGIÃO (SP):Janaina Paschoal

11ª REGIÃO (PR):Jacinto Nelson de Miranda Coutinho

12ª REGIÃO (RS e SC):Rafael Braude Canterji

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da Criança e do Adolescente” (CASTRO, JoãoCésar Barbieri Bedran de. “Interpretaçãoconstitucional do artigo 186, §§ 1º e 2º doECA”, Boletim IBCCRIM, ano 13, nº 158,janeiro 2006, p. 5).

Embora essa prática afaste a dúvida so-bre a possibilidade de privação de liberda-de decorrente do descumprimento reitera-do das medidas em meio aberto (porque teráhavido sentença de mérito), o certo é que a“sumarização” da colheita de provas parajulgamento aprofundado da pretensão so-cioeducativa compromete com nulidadeabsoluta a validade do procedimento e dasentença então proferida, por ofensa aosprincípios constitucionais sobreditos.

Assim, por imperativo constitucional,toda sentença que julgar o mérito sobre atoinfracional deve ser precedida do devidoprocesso legal em sua inteireza, com aten-dimento aos princípios do contraditório eda ampla defesa, ouvindo-se as testemunhasem Juízo e assegurando-se a defesa técnica.Essa também é a opinião de pesquisador dogabarito de Wilson Donizeti Liberati: “Emface do preceito constitucional (art. 227, § 3º,IV) e estatutário (art. 111, III), o adolescente aquem se atribui a autoria de ato infracional

terá garantia de pleno e formal conhecimentoda atribuição da infração, igualdade na relaçãoprocessual e defesa técnica por advogado, ‘mesmoque o ato praticado não seja grave. Isso quer dizerque, não concedida a remissão, o juiz deverá veri-ficar se o adolescente está representado por advo-gado; em caso negativo, nomeará defensor, nemque seja só para aquele ato processual, indepen-dentemente da gravidade do ato praticado’” (LI-BERATI, Wilson Donizeti. Comentários aoEstatuto da Criança e do Adolescente, 7ª ed., SãoPaulo: Malheiros, 2003, p. 193.).

Concluindo, permanece a polêmica so-bre a conversão de medidas aplicadas emremissão; talvez sempre permaneça atémudança legislativa. No entanto, a busca dealternativas que evitem a discussão judicialtem levado a procedimentos nulos por ofen-sa a garantias constitucionais, exigindo daspartes e do Estado-juiz atenção para que a“sumarização” cotidiana dos processos deapuração de ato infracional não negue aoseducandos algumas das conquistas mais im-portantes que traduzem o Estatuto da Crian-ça e do Adolescente.

André Del Grossi AssumpçãoPromotor de Justiça em Iretama (PR)

IBCCRIM HOMENAGEADO EM PORTUGALNos dias 13 e 14 de abril de 2007 será realizado no Instituto de Direito Penal

Econômico e Europeu da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal,o evento Justiça Penal Portuguesa e Brasileira: Tendências de Reforma -Colóquio em Homenagem ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

Os professores brasileiros convidados são:Alberto Silva Franco (presidente do IBCCRIM),Édson Luís Baldan (doutor em Direiro Penal),

Fábio D’Ávila (doutor em Ciências Jurídico-Criminais)e Maria Thereza Rocha de Assis Moura

(professora doutora de Direito Processual Penal da USP).

PARCERIA IBCCRIMO Espaço Jurídico Bovespa acaba de fechar parceria com o Instituto Brasileiro deCiências Criminais (IBCCRIM) para seu público ter acesso a mais informações.O Instituto dará acesso direto ao Espaço Jurídico Bovespa por meio de um canal

disposto em seu site e os consultores também poderão ingressar na página da Internetpelo endereço eletrônico do IBCCRIM, que passa a fazer parte de um dos itens do

segmento instituições de nossa seção links.

LABORATÓRIO DE CIÊNCIAS CRIMINAISÚltimos dias para as inscrições para o Laboratório de Ciências Criminais,um programa de iniciação científica destinado a estudantes do 3º ao 5º ano

das faculdades de Direito. Ao longo do curso serão abordadas questões atuais deDireito Penal, Processo Penal, Criminologia e Política Criminal.

O Laboratório é gratuito para os alunos associados; os não-associados pagammensalidade equivalente àquela associativa do IBCCRIM para estudantes.

O regulamento para participar do Laboratório de Ciências Criminais já se encontra nosite do IBCCRIM. Mais informações podem ser obtidas no site do IBCCRIM

(www.ibccrim.org.br), pelo e-mail ([email protected])ou pelo telefone (11) 3105-4607, ramal 124.

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“Crime, sistema punitivo, percepção derisco e medo da criminalidade são noçõesque fazem parte de um contexto cultural

das vidas cotidianas. Verdadeiras políticaspúblicas de prevenção serão as que favore-

cerem o desenvolvimento de contextosculturais nos quais a temática do crime

e a do risco tenham um lugar diversodaquele que têm na atualidade”.(1)

A Criminologia Positivista tomava co-mo consensual a interpretação da socie-dade como um bem a ser preservado e odesvio criminal como um mal a ser ex-purgado. A política criminal, nesse senti-do, aparecia como “legítima e necessáriareação da sociedade para a tutela e a afirma-ção dos valores sobre os quais se baseia o con-senso da maioria”.(2) Dessa forma, o siste-ma repressivo se legitimou como defesasocial, através de uma ideologia que exer-ceu a função de justificar o controle so-cial em geral, e aquele repressivo em par-ticular, para que a sociedade se defendes-se do crime. Essa perspectiva foi supera-da pela Criminologia Crítica, com suapolítica criminal alternativa e hoje se en-contra diante de um novo modelo, queexcede os termos de política criminal.(3)

As estratégias de governo para uma se-gurança urbana, em termos democráticosnão repressivos, na visão do criminólogoitaliano Massimo Pavarini,(4) pertencemà cultura da Criminologia Crítica. No seuconvencimento, a Criminologia é umaciência que não existe somente numa di-mensão de reflexão acadêmica, pois cadateoria criminológica se traduz, de algu-ma forma, em uma política criminal.Não se trata, pois, de teorizar no vazio, esim de encontrar sua imagem refletidanas produções de política. Isso vale paraas tendências abolicionistas e as inten-ções de seus representantes de que elasfossem reflexões voltadas a produziruma política abolicionista; para as teo-rias reducionistas, ou do Direito PenalMínimo, e as projeções de políticas ga-rantistas, entre outras.

As políticas criminais que produzemmais impacto na atualidade permanecemdirecionadas ao controle social de tipopenal. Elas estão representadas por ques-tões que alternam, basicamente, a penali-zação e a despenalização. Em contrapar-tida, as novas políticas de prevenção(5)

desviam-se da ilusão do primado da leipenal (embora existam projetos no senti-do de estabelecer uma ordem jurídicacondizente com as novas perspectivas,mas que não ocupam o lugar central daspolíticas, nem recaem exclusivamentesobre a esfera penal), procurando firmar

SISTEMA PENAL, POLÍTICA CRIMINAL E OUTRAS POLÍTICASCristina Zackseski

a atenção sobre estratégias políticas, so-ciais, culturais e econômicas que possi-bilitem responder às necessidades de se-gurança da sociedade e que possam serutilizadas no futuro.

Como diz Pavarini: “Isso significa quea questão da afirmação histórica de uma re-dução do Direito Penal não possa ser perse-guida unicamente através de um DireitoPenal mínimo ‘nos códigos’, mas sobretudona determinação das condições para uma jus-tiça penal mínima ‘nos fatos’.(6)

Essa posição adquire relevo no mo-mento em que se pretende trabalhar comas novas demandas por segurança, consi-derando-se sempre as diferentes reaçõesda população em relação à criminalidadeou ao risco de vitimização, fortementevinculados ao sentimento de inseguran-ça.(7) No momento em que as pessoas sesentem inseguras, manifestam sua inse-gurança reclamando da oferta pública, namaioria das vezes relacionada ao modode “resolução” dos conflitos típico do Di-reito Penal — mais recursos para a polí-cia, mais vagas nas penitenciárias, maisrepressão, legislações severas e, obvia-mente, menos tolerância. Outras vezeselas reivindicam um espaço privado parasuprir as falhas da resposta pública, como recurso a empresas privadas de segu-rança ou com a instalação de toda umaparafernália tecnológica.

Quanto ao primeiro aspecto, é naturalque o reflexo da insegurança seja umademanda no sentido de satisfazer essanecessidade. O perigo está em hipervalo-rizar as ações repressivas, como preten-dem os movimentos de cunho autoritárioconhecidos como Movimentos de Lei eOrdem,(8) que apelam para o recrudesci-mento dos mecanismos penais de con-trole, alardeando sobre o aumento da cri-minalidade, o descumprimento da lei pe-los cidadãos desrespeitosos e sobre os“avanços do inimigo interno”. Busca-seo aumento de recursos repressivos nailusão de que estes, de maneira aindamais requintada, consigam resolver pro-blemas irresolúveis através do remédio(ou veneno) do Direito Penal, alimen-tando falsas esperanças na população deque com tais recursos os problemas se-jam eliminados, quando se sabe que nemcom estes ou com outros recursos issopossa acontecer, dado que a criminalida-de continuará existindo.(9)

Os problemas com que se trabalhapodem ser complexos, mas quanto maissão estudados e relativizados, mais se abreespaço na política. Quando são evitadasgeneralizações pode-se discutir a respei-to, e se há a possibilidade de intervenção,

os problemas vão se tornando solúveis.Assim, o que se pretende é a compreen-são dos fenômenos criminais difundidosna realidade, para que se possa reduzir asua agressividade. No entanto, no que serefere às questões criminais, ainda nãotemos no Brasil a cultura da pesquisa (nemmesmo a quantitativa) e do armazena-mento de dados,(10) o que torna excessiva-mente frágeis as afirmações sobre a ele-vação ou o decréscimo da violência. Tra-balhamos num universo precário até mes-mo no que tange aos dados oficiais, quenunca podem ser usados com segurançaem função da forma com que são feitos osregistros, quando existem.(11) Navegamosmais intuitivamente do que mergulhadosem um mar de cientificidade.

Segundo Pavarini, na Itália, até bempouco tempo, também se trabalhava comuma realidade sobre a qual, no plano em-pírico, não se sabia nada,(12) e hoje estásendo construído um quadro de referên-cia da criminalidade. Além disso, nin-guém deve se iludir pensando em deixaruma cidade segura, assim como fazendopolítica criminal ninguém se ilude emvencer a criminalidade: “Estas são duashipóteses utópicas e ingênuas, o problema éque se pode deixar mais segura uma cidadeou pode-se deixá-la mais insegura”.(13)

Com este grau de incerteza sobre a cri-minalidade conjugado ao aspecto políti-co e às diversas crises econômicas, corre-se o risco de que as demandas por segu-rança venham a ser entendidas como ne-cessidade de uma “nova legalidade”, rea-lizável por meio dos aparatos repressivosdo sistema penal. Ainda que fosse proje-tada uma alternativa aos recursos repres-sivos e se desenvolvesse um processo decontração do sistema de justiça criminal,através de reformas, essa solução perma-neceria inadequada como potencializa-dora de um novo processo construtor decondições de segurança. Essa medida nãoseria suficiente para produzir transforma-ções significativas na redefinição das fron-teiras sociais da legalidade. Por isso algu-mas das políticas de segurança européiase americanas da atualidade estão propen-sas a conjugar esforços e incidir, não so-mente do ponto de vista jurídico formal ede seus desdobramentos, mas a partir doponto básico que é a cidadania e todo oseu lastro de complexidade.

No Brasil, quando surpreendentementesão aventadas estratégias de segurança quenão sejam tipicamente repressivas, ime-diatamente vemos diversas tentativas dedesqualificá-las em sua capacidade decontribuírem para a segurança a partir daimposição do rótulo “políticas sociais”,S

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como se qualquer medida não repressivaou não jurídico-formal fosse incapaz decontribuir para a composição de um qua-dro de alívio do sentimento de insegu-rança e dela própria. É a concepção con-servadora de segurança que está sendoexposta nestes momentos.

Em relação à suplência das condiçõesde segurança realizada pela oferta nãopública ou não institucional, pode-sesentir hoje uma progressão que pode per-feitamente alcançar a oferta pública ouultrapassá-la. Esse aumento esteve vin-culado a processos sociais complexos naItália, e podemos observá-los tambémno Brasil.

O primeiro deles seria o aumento quan-titativo e qualitativo da percepção das si-tuações de risco, excedendo as possibili-dades de resposta pelas vias tradicionais.O segundo seria a tentação de dar respos-tas à insegurança através da militariza-ção. Por último, a visualização da segu-rança como um negócio. Isso conduz aoque Pavarini denominou “refeudalizaçãodo bem social segurança”, em que cada um,em razão do lugar que ocupa no merca-do, tornar-se-á mais ou menos protegido,ou mais ou menos desprotegido.(14)

Segundo o autor supracitado, na óticaprivatizadora neoliberal, a partir do mo-mento em que o Estado não tem maiscondições de atender às demandas sociaispor segurança, a sociedade civil assumea posição de provedora, regulando aquestão da segurança conforme as leisdo mercado. Essa tendência prejudica acondição de bem público da segurança— cuja demanda deveria ser suprida eeste bem distribuído de maneira unifor-me entre os seus destinatários — no queela passa a ser um bem escasso a ser des-frutado por aqueles que dispõem de fa-cilidades econômicas, deixando vulne-ráveis os demais.(15)

Uma análise semelhante pode ser ob-servada em um importante trabalho depesquisa sobre a juventude da periferiade Brasília: “Diante da incapacidade dopoder público de controlar a diversidade dassituações, difundem-se o pessimismo social,o temor e o sentimento de impotência da po-pulação que, por um lado, reduz suas expec-tativas e liberdades (circular por determina-das áreas, locais ou horários) e por outro,assume particularmente os riscos e/ou custosda defesa (armando-se, contratando empre-sas privadas de segurança etc.). Como conse-qüência, registra-se uma perda, por parte doEstado, do monopólio do uso legítimo da vio-lência. Esse monopólio começa a ser dispu-tado pela delinqüência territorializada (or-ganizações de traficantes, gangues delituo-

sas etc.) e pela segurança privada. Sem alter-nativas, os poderes públicos aceitam a nova‘normalidade’ imposta pelo crime e pela vio-lência. Por um lado, adotam políticas des-tinadas a otimizar os escassos recursos dis-poníveis para o controle e a repressão dodelito e, por outro, permitem a institucio-nalização e a legitimação da crescente pri-vatização das responsabilidades referentesà segurança dos cidadãos”.(16)

A segurança também pode ser reverti-da em mercadoria política, quando se tro-ca o consenso eleitoral por uma repre-sentação simbólica de segurança atravésde mais punição. Assim, enquanto a segu-rança material é oferecida pela esfera pri-vada, a oferta simbólica é promovida pe-los recursos penais, públicos por natureza.

As novas estratégias de segurança apon-tam para a resolução dos problemas apartir dos próprios cidadãos, sem que issorepresente uma “mercantilização” da se-gurança. Eles devem estar em condiçõesde se reapropriarem da gestão deste bem,contestando o monopólio estatal na me-dida em que se tornam sujeitos ativos,capazes de resolver seus próprios proble-mas de segurança,(17) guarnecidos por me-canismos estatais com influência local.(18)

Não se trata, porém, de preencher os es-paços ociosos deixados pelas instituições,e sim de envolver os diversos partícipesdos programas de segurança em uma es-tratégia conjunta, privilegiando as açõesde caráter preventivo. Esta é uma adver-tência no sentido de evitar iniciativas re-pressivas por parte da população ou degrupos organizados para este fim, comoos de extermínio, pois além de não havernovidade nenhuma nestas atitudes, a re-pressão não é um elemento de controleque deva ser compartilhado.

Infelizmente, no Brasil, ainda estamosem uma situação em que as pessoas ape-nas intuem sobre o fracasso da respostapenal, especialmente no que correspon-de à vertente “caos penitenciário”, masnão existe uma compreensão da violên-cia estrutural e institucional que poderiaesclarecer as reais dimensões daquele fra-casso,(19) pois guardam uma distância “se-gura” das políticas que lhes permite so-mente uma postura indignada quando fa-lha a repressão.

Tal situação mascara os sentidos, a for-ma e a própria compreensão das deman-das. Há, por exemplo, uma exigência depresença da polícia no ambiente urbano,enquanto, paradoxalmente, não podemosafirmar que as pessoas se sintam mais se-guras com a presença da polícia. Estadeve, ainda, tomar “medidas enérgicas pa-ra reprimir a violência”, se for a violência

dos outros, daqueles a quem é negada a con-dição humana por conhecidos políticos con-servadores que facilmente aderem e repro-duzem o discurso da Lei e da Ordem.

Para esclarecermos melhor o conteú-do deste paradoxo, vale a pena refletir-mos sobre o significado da tortura. Tal“procedimento” é consentido e muitasvezes incentivado quando dirigido a cri-minosos, apesar de extrapolar todos oslimites legais, ao passo que as formas depunir admitidas por lei são “suficiente-mente” violentas, momento em que po-demos voltar ao referido “caos peniten-ciário” e a todas as constatações relata-das por organismos internacionais e co-missões de Direitos Humanos nacionaissobre o caso brasileiro, cuja síntese é apior possível.(20)

Reclama-se, de outro lado, da impuni-dade e atribui-se a esta as falhas no fun-cionamento do sistema penal, o que jus-tifica as demandas explicitadas anterior-mente pelo melhor aparelhamento deste.Todavia, este sentido atribuído à palavraimpunidade em nada se aproxima da su-peração dos obstáculos que impedem acriminalização de condutas praticadas poragentes que não participem do estereóti-po de criminoso presente em nosso con-texto cultural, como é o caso dos crimi-nosos do colarinho branco, que perma-necem sempre à margem do sistema (enão da sociedade, como no caso dos cri-mes convencionais).

Portanto, a política de segurança nãopode mais ficar girando sobre este conhe-cido eixo repressor, dependendo de quemsomos ou quanto valemos. Assim comonão foi possível, no século XIX, a elabo-ração de um catálogo geral de crimes(Garófalo), ou de um rol de característi-cas que distinguissem o homem delin-qüente do normal (Lombroso), tambémhoje não poderemos pensar em “defen-der” a sociedade a partir de visões sim-plistas, deterministas e individuais que,durante todo o século XX, no Brasil, guia-ram a política criminal e que hoje nosapresentam um desastroso resultado.

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Notas

(1) BARATTA, Alessandro. “Filósofo de uma cri-minologia crítica”. In RAMOS, Sílvia. Mídia eViolência Urbana. Rio de Janeiro: FAPERJ,1994, p. 19.

(2) PAVARINI, Massimo. Control y Dominación,México: Siglo Veintiuno, 1988, p. 49.

(3) A Criminologia Crítica não se autodelimitapelo Direito Penal, tendo superado a funçãode auxiliar deste, uma vez que converte o pró-prio sistema penal em seu principal objeto deestudo. Assim, também as alternativas políti-cas para esta área não estão restritas às possi-bilidades internas daquele sistema.

(4) Entrevista concedida à autora em 23/03/96,Instituto Gramsci - Bolonha.

(5) Sobre este assunto ver ZACKSESKI, Cristi-na. “Da prevenção penal à ‘nova prevenção’”,in Revista Brasileira de Ciências Criminais -Temas Atuais de Criminologia, ano 8, nº 29, ja-neiro/março, São Paulo: RT, 2000, pp. 167-191.

(6) PAVARINI, Massimo. “Produrre le condizionimateriali della sicurezza”, Sicurezza e Territo-rio, Bologna, nº 3, 1994, p. 16.

(7) Sobre este assunto ver ZACKSESKI, Cristi-na. “Considerações sobre a violência o medoe a insegurança”, in CONSELHO FEDE-RAL DA OAB. Cidadania e Segurança: Supe-rando o Desafio. Brasília, 1999, pp. 16-20.

(8) Segundo Vera Regina Pereira de Andrade,esses movimentos, que ela chama de “con-tra-reforma ressocializadora”, “(...) respondemao problema da criminalidade violenta, sejaindividual ou organizada e da ‘segurança pú-blica’ (‘alarme da criminalidade’), especial-mente nos grandes centros urbanos, com a de-manda pela radicalização repressiva. Que vai,se acrescente, desde um incremento do discursoda retribuição e prevenção geral negativa (au-mento do quantum das penas, restrição de ga-rantias processuais, maximização do aparelhopolicial etc.) até o apelo à prevenção especialnegativa (neutralização e incapacitação doscriminosos mediante prisão de segurança má-xima, prisão perpétua e pena de morte, ondeinexistem).” Dogmática e Sistema Penal: EmBusca da Segurança Jurídica Prometida. Flo-rianópolis, 1994. Tese (doutorado em Di-reito) - Curso de Pós-Graduação, Univer-sidade Federal de Santa Catarina, p. 448.

(9) “Sempre foi uma marcante característica do pen-samento autoritário (...) acalentar a populaçãocom a cantiga da ‘sociedade isenta do crime’. Oreverso da medalha (...) consiste na obstinaçãoem produzir esta ‘purificação da sociedade’ me-diante iterativos arrochos dos parafusos do con-trole social (que não terão fim, já que a metajamais será alcançada)” (HASSEMER, Win-fried. Três Temas de Direito Penal, Porto Ale-gre: ESMP, 1993, p. 78).

(10)Para dar apenas um exemplo, segundo EricLotke, nos EUA existem dados sobre en-carceramentos desde 1860. (“A dignidade hu-mana e o sistema de justiça criminal nosEUA”, in Revista Brasileira de Ciências Cri-minais, nº 24, p. 39).

(11)Não podemos perder de vista as considera-

ções sobre a cifra oculta da criminalidade,que é a diferença entre a criminalidade real(todas as violações da lei penal) e a crimina-lidade aparente (aquela parte mínima doscrimes que tiveram registro, pelo menos napolícia, que são as referências oficiais, quan-do tomadas a sério).

(12)“— Então qualquer um que se levantasse pelamanhã podia dizer o que queria. Vai você ve-rificar o que é verdade e o que não é! Nãohavia nenhuma verificação empírica” (en-trevista em 23/03/96).

(13)Idem.(14)“Bisogni di sicurezza e funzioni di polizia”, Si-

curezza e Territorio. Bologna, nº 5, 1992, p. 9.(15)Além das desigualdades sociais acentuadas

pela oferta privada de segurança, HASSE-MER também alerta para outras conseqüên-cias da privatização deste campo, que con-sidera o “cerne do Estado”, como a perda dasujeição à lei, da proteção dos Direitos Hu-manos e do controle do Estado de Direitono combate ao crime. (Três Temas..., op.cit.,1993, p. 77).

(16)ABRAMOVAY, Miriam; WAISELFISZ, Ju-lio Jacobo; ANDRADE, Carla Coelho; RUA,Maria das Graças. Gangues, Galeras, Chega-dos e Rappers: Juventude, Violência e Cidadanianas Cidades da Periferia de Brasília, Rio de Ja-neiro: Garamond, 1999, p. 17.

(17)Idem, p. 13.(18)Como exemplo desta reapropriação pode-

mos citar programas como a “vigilância debairro”, nos quais a comunidade envolvida édesencorajada a agir, cabendo-lhe comuni-car a autoridade policial da área quando dosurgimento de problemas na vizinhança.

(19)BARATTA, Alessandro. “Direitos humanos:entre a violência estrutural e a violência pe-nal”, Fascículos de Ciências Penais. Porto Ale-gre, nº 2, abr./maio/jun., 1993.

(20)Como exemplo, podemos citar o relatóriosobre a situação penitenciária brasileira, pu-blicado pela Human Rights Watch em 1998,intitulado “O Brasil Atrás das Grades”.

Cristina ZackseskiDoutoranda do Centro de Pesquisa

e Pós-Graduação sobre as Américas,disciplina Reforma do EstadoS

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BOLETIM IBCCRIM - ANO 14 - Nº 172 - MARÇO - 2007 9

Dor e sofrimento não são a mesmacoisa. A dor está relacionada com ex-tremo desconforto físico, enquanto osofrimento relaciona-se a um estadomental de desconforto, opressão, medoe ansiedade.(1-2)

O alívio da dor e do sofrimento é umdos mais antigos deveres do médico, mas,mesmo com a existência de um amploarsenal terapêutico para aliviar a dor, osofrimento que acompanha a doença éfreqüentemente negligenciado, mesmoquando percebido.

Tentar evitar a morte também é um dosobjetivos da Medicina, mas há a necessi-dade de um equilíbrio que aceite a mortecomo o destino de todos os seres huma-nos e que os médicos estejam preparadospara possibilitar uma morte com digni-dade, sem considerá-la como inimiga. AMedicina moderna faz isto não só ao daràs doenças potencialmente fatais priori-zação nas pesquisas, mas ao postergar amorte para além de qualquer benefício,negligenciando o cuidado humano dosque estão morrendo.(3-4) Pratica, assim, adistanásia, ao priorizar a quantidade davida, investindo muitos recursos para pos-tergar a morte ao máximo, postura ligadaa paradigmas não só científicos, mas tam-bém comerciais.(5-6)

Atribuir valor à vida não significa op-tar por resistir à morte até as últimas con-seqüências, com uma obstinação que vaialém de qualquer esperança de beneficiaro paciente. É imprescindível compreen-der o que significa saúde, redefinida pelaOrganização Mundial de Saúde, nãocomo mera ausência de doença, mascomo bem-estar físico, mental e social dapessoa. Quando a estes três elementos seacrescenta o bem-estar espiritual, cria-seuma estrutura de pensamento que per-mite uma abordagem adequada ao pacien-te terminal.

O critério para avaliar o atendimentomédico é se ele vai beneficiar ou não asaúde do paciente (art. 2º do Código deÉtica Medica - CEM). Assim, o com-promisso com a promoção do bem-es-tar do paciente permite desenvolver oconceito de ortotanásia — a morte semdor, em paz, digna e na hora certa. Istoinclui rejeitar toda forma de mistanásia— a morte miserável, fora e antes dahora, como ocorre com grande massa dedoentes que, por motivos estruturais,econômicos, sociais ou políticos, nãochegam a ser pacientes, por não conse-guirem ingressar no sistema de saúde, ou

O DIREITO DE MORRER EM PAZ E COM DIGNIDADECONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA RESOLUÇÃO CFM Nº 1.805/2006(Publicada no Diário Oficial da União, em 28 de novembro de 2006, Seção I, p. 169)

Mário Roberto Hirschheimer e Clóvis Francisco Constantino

que o conseguem, mas se tornam víti-mas de sua má-prática. Inclui, também,rejeitar a eutanásia, que provoca a mor-te antes da hora, de modo suave e semdor — alternativa atraente para muitaspessoas, por tirar da morte o sofrimento,não sacrificando pessoas em nome deprincípios morais restritivos que nãovalorizam a autonomia das pessoas e aliberdade que as dignificam. Entretan-to, se o objetivo é proteger a dignidadeda pessoa, eliminando o sofrimento, oquestionável é que esta forma de com-paixão leva a um ato que mata o pa-ciente, tirando da pessoa não apenas apossibilidade de sofrer, mas, também,qualquer outra possibilidade existenci-al. Isto torna a eutanásia ativa condená-vel (art. 42 do CEM).

A promoção do bem-estar físico dodoente terminal não consiste na sua cura,mas nos cuidados necessários para asse-gurar seu bem-estar global. Garantir obem-estar físico é o primeiro passo paramanter sua saúde enquanto morre, mas éo mal-estar mental que leva o doente ter-minal a pedir a morte antes da hora. Poristo, uma estratégia importante para per-mitir a pessoa repensar seu pedido de eu-tanásia é ajudá-la a recriar o equilíbrio eo bem-estar mental, componentes funda-mentais da saúde do doente terminal. Damesma forma, o bem-estar social e o es-piritual agregam às outras formas de bem-estar uma condição que permite à pessoaviver plenamente dentro de suas possibi-lidades e aguardar com tranqüilidade amorte enquanto ela não vem.

A ortotanásia permite ao doente que jáentrou na fase final de sua doença, e àque-les que o cercam, enfrentar seu destinocom certa tranqüilidade porque, nestaperspectiva, a morte não é uma doençaevitável, mas algo que faz parte da vida.Uma vez aceito este fato, que a culturaocidental contemporânea tende a escon-der e a negar, abre-se a possibilidade detrabalhar a distinção entre cuidar e curar,entre manter a vida, quando isto for o pro-cedimento correto, e permitir que a pes-soa morra, quando sua hora chegar.

O desafio que se impõe é integrar osconhecimentos tecnocientíficos e a sen-sibilidade ética e humanitária numaúnica abordagem. O respeito pela au-tonomia do doente terminal é funda-mental. Ele tem o direito de: saber tudoa respeito de sua doença; decidir sobresi mesmo; não ser abandonado; rece-ber tratamento para amenizar seu so-

frimento e não ser tratado como objetocuja vida pode ser encurtada ou pro-longada.(5-6)

A dificuldade é que se insiste em tratara morte como um fenômeno puramentebiológico. Aspectos institucionais, jurí-dicos, sociais, culturais e religiosos se in-trometem e complicam a situação, rei-vindicando o direito de seus agentes in-terferirem, negligenciando o direito daspessoas à autonomia e à dignidade. Édesta forma que o receio de um processojurídico por omissão (art. 13, § 2º do Có-digo Penal - CP) contribui para o exces-so terapêutico, que leva o médico a de-sempenhar o máximo de sua competên-cia, sem considerar se isto beneficia ob-jetivamente o paciente. Outras vezes, aganância é o motivo desta obstinação, queidentifica no paciente terminal oportu-nidades para realizar procedimentos quepostergarão sua morte, mas pelos quaisse pode cobrar.

Uma avaliação sistemática das impli-cações de uma conduta médica requerconsideração de pelo menos quatro dosprincípios básicos da Bioética: beneficên-cia, não maleficência, autonomia e pre-servação da vida.

Beneficência (fazer o bem) enão maleficência (não fazer o mal)

Fazer o bem ao paciente é agir em seumelhor interesse. Isto não significa usartoda tecnologia médico-científica parapreservar a vida a qualquer custo (arts. 6ºe 57 do CEM). Deve-se considerar a rela-ção entre riscos e benefícios fundamen-tada em estimativas de resultado para osprocedimentos que melhor se adequarempara cada situação e, assim, obter um equi-líbrio entre não maleficência e beneficên-cia, no melhor interesse do paciente (arts.5º e 21 do CEM).(7)

São estes princípios que devem ser apli-cados quando é necessário decidir quan-do se vai usar procedimentos terapêuti-cos de prolongamento da vida, ou adotarprocedimentos paliativos, excluindo autilização de recursos que só irão provo-car desconforto e postergar a morte.

AutonomiaEste princípio confere às pessoas o di-

reito de escolher livremente seu própriodestino. O modelo paternalista, onde ape-nas o médico assume a decisão, é repro-vável (arts. 46, 48 e 56 do CEM).

Problema maior surge nos casos en-volvendo adultos inconscientes, criançasO

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e adolescentes. No caso destes últimos,como ambos os pais são os defensores dosinteresses de seus filhos, a priori, são elesque decidem (art. 21 do Estatuto daCriança e do Adolescente - ECA), maseste princípio não se aplica quando a de-cisão dos pais conflita com o melhor in-teresse destes pacientes. Neste caso, deve-se recorrer à decisão judicial.

A participação de menores nas deci-sões deve ser considerada. Seu direito àautonomia deve ser preservado. Idade,capacidade intelectual, cognitiva e emo-cional estão envolvidas na sua habilidadede contribuir para as decisões (arts. 15 e16 do ECA). A capacidade de compreen-der a conseqüência de seus atos é um pro-cesso que se inicia a partir dos seis anosde idade e que vai amadurecendo até ofinal da adolescência.(8) Desta forma omenor tem o direito de fazer opções rela-tivas a seu tratamento, embora, em situa-ções de risco, seja sempre necessário oconsentimento dos pais ou responsáveis.

Sempre deve haver uma relação deconfiança, boa comunicação e respeitomútuo entre o médico e o paciente e seusresponsáveis, considerando os aspectosculturais, legais, morais e religiosos dafamília.(9) Detalhes sobre a doença e seuprognóstico e sobre as opções terapêuti-cas devem ser explicados claramente àfamília para que esta lide com a situaçãode forma racional, pois decisões de paismuito ansiosos e angustiados, ou comsentimentos de culpa, podem ser o resul-tando de julgamentos intempestivos eemocionais.

Preservação da vidaApesar de ser inquestionável a atitude

de tentar preservar a vida (DeclaraçãoUniversal dos Direitos do Homem; De-claração de Genebra; Código Internacio-nal de Ética Médica; art. 4º do ECA; art.6º do CEM), podem surgir dúvidas a res-peito de determinados tratamentos quepoderiam só estar postergando a morte eprolongando a agonia.

A interpretação do art. 57 do CEM, queveda ao médico “deixar de utilizar todos osmeio disponíveis de diagnóstico e tratamen-to a seu alcance em favor do paciente” geracontrovérsias. Permite questionar se uti-lizar meios para postergar a morte são dointeresse do paciente terminal, ou se “uti-lizar todos os meio disponíveis” em seu fa-vor é lhe oferecer alívio através de cuida-dos paliativos que lhe proporcionem umamorte em paz e digna.(7-8-9)

O art. 135 do CP conceitua o crime deomissão de socorro como: “Deixar de pres-tar assistência, ..., à criança abandonada ou

extraviada, ou a pessoa inválida ou ferida,ao desamparo, ou em grave e iminente peri-go; ...”. Muitos entendem que suspenderou não indicar medidas de suporte de vidacaracteriza, em qualquer circunstância,omissão de socorro. Estimula tal atitudeo que diz o art. 13 do CP: “O resultado, deque depende a existência do crime, somente éimputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o re-sultado não teria ocorrido.”

Partindo da premissa de que pacientesterminais estão em processo inexorávelde morte e não há como salvar suas vidas,é permitido entender que o art. 135 do CPnão se aplica a estes casos. Prestar assis-tência na forma de atenções para o bem-estar físico, social, mental e espiritual dopaciente, com apoio, informações e es-clarecimentos apropriados a ele e a seusfamiliares não significa “deixar de prestarassistência”.(7-8-9)

A Lei nº 10.241/99, que estabelece osdireitos dos usuários dos serviços desaúde no Estado de São Paulo, entre eleso de recusar tratamentos dolorosos ouextraordinários para tentar prolongar avida, representa um amparo legal a maispara não aplicar medidas de suporte devida quando não adequadamente indica-das.(7-9-10) Projeto de lei federal com con-teúdo equivalente tramita atualmente noCongresso Nacional.

O grande valor que várias religiõesatribuem à preservação da vida não sig-nifica, no caso de pacientes terminais,utilizar sempre todos os recursos dispo-níveis. O Papa João Paulo II esclarece opensamento da Igreja Católica nos se-guintes termos: “Distinta da eutanásia é adecisão de renunciar ao chamado excessoterapêutico, ou seja, a certas intervençõesmédicas já inadequadas à situação real dodoente, porque não proporcionadas aos re-sultados que se poderiam esperar ou aindaporque demasiado gravosas para ele e paraa sua família. (...) A renúncia a meios ex-traordinários ou desproporcionados nãoequivale ao suicídio ou à eutanásia; expri-me, antes, a aceitação da condição humanadefronte à morte”.(11)

É oportuno lembrar o conceito demorte encefálica.(12) Nestes casos não maisse aplicam os conceitos de preservaçãoda vida, pois não se pode manter vivoquem já morreu. Tentar fazê-lo seria ocul-tar o diagnóstico de óbito.

Decisões conflitantes namanutenção do suporte à vida

Conceituar paciente terminal é umatarefa ingrata e só tem importância dis-cutí-lo em função da conduta que se vai

adotar. Procuramos conceituá-lo aquicomo o portador de uma doença em umestágio que evoluirá inexoravelmentepara o óbito, que causa grande sofrimen-to, sem possibilidades terapêuticas decura ou controle. É imprescindível a aná-lise caso a caso. O conceito jamais pode-rá ser estático, na medida em que os avan-ços contínuos da Medicina modificam osprognósticos, que são os pontos meritó-rios desta conceituação.

Enquanto se considerar que o pacien-te poderá se recuperar, o princípio de pre-servação da vida prevalecerá. Em outrassituações, o princípio do alívio do sofri-mento preponderará, exigindo a imple-mentação de cuidados paliativos, ou seja,a canalização das atenções para o bem-estar global do paciente e de sua família(art. 12 do ECA).

Todos os componentes da equipe desaúde (médicos, enfermeiros, psicólogos,fisioterapeutas, assistentes sociais) queatende o paciente devem participar doprocesso de decisão. Se houver consensoa respeito da indicação de cuidados pali-ativos, a família deve ser esclarecida quan-to às justificativas de tal orientação e par-ticipar da decisão quanto às condutas aimplementar. Identificar as expectativasda família em relação aos resultados dotratamento e conscientizá-la quanto àssuas reais potencialidades é fundamentalno processo de decisão.

A família que tem acesso a informa-ções, através da Internet, por exemplo,pode, às vezes, sugerir o uso de recursosirreais e fantasiosos e não aceitar limitesterapêuticos. Situações em que a famíliaquer fazer de tudo para salvar o pacientepelo uso de procedimentos inúteis, me-recem que o médico pacientemente es-clareça aos mesmos suas expectativas enão utilize um tratamento sem finalida-de (arts. 33 e 157 do ECA; art. 42º doCEM). É importante esclarecer que nãoexiste boa ou má tecnologia, mas seu bomou mau uso.

O paciente adulto tem o direito de de-cidir como deseja ser tratado (arts. 48 e 57do CEM).(10) No caso de menores, o mé-dico não está obrigado a acatar os desejosdos pais quando estes são claramente ine-ficazes (art. 42 do CEM). Nestes casosdeve-se avaliar a relação entre benefíciose sofrimentos impostos ao paciente e evi-tar que o estresse psicológico ou finan-ceiro determine a indicação ou não dedeterminado tratamento.

Os profissionais de saúde, quando fren-te a um paciente em situação de final devida, além de questionar sua competên-cia profissional, costumam apresentarO

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uma mistura de sentimentos que incluemesgotamento, impaciência e impotência.Alguns relutam em indicar-lhes condu-tas só paliativas, em parte, por sentiremque estarão desistindo deles e pelo des-conforto em lidar com assuntos que en-volvem a vida e a morte. A eles é impor-tante assegurar o direito de receber supor-te emocional para trabalhar no melhor in-teresse do paciente. Igualmente importan-te é assegurar o direito do médico de atuarsegundo sua consciência e afastar-se do casoquando não se sentir confortável com asdecisões tomadas pelo paciente e sua famí-lia (arts. 20 e 28 do CEM).(13)

Comentários finaisCuidar é mais que curar e deve ser o

objetivo principal da atuação médica,mesmo quando não é possível curar.(13)

Cuidar inclui controlar os sintomas (me-didas de alívio), definir o local onde oscuidados serão ministrados (domicílio,hospital ou serviços de cuidados paliati-vos) e quem irá efetuá-los (familiares ouequipe de instituição). Isto não significaabdicar de tecnologias que, em algumassituações, podem ser utilizadas com fina-lidade paliativa de alívio.

Todos os serviços deveriam estabe-lecer protocolos de cuidados paliativoscom embasamento ético, que evitem autilização imotivada e fútil de recursosterapêuticos, priorizando medidas debem-estar e buscando proporcionarcuidado integral ao paciente e à sua fa-mília durante todo o processo de finalde vida, sendo importante assegurar odireito a acompanhamento familiar, es-piritual e psicológico na medida em queo paciente e sua família necessitarem emaximizar o tempo com os familiares eamigos.(13)

O aparato tecnológico existente vem

exigindo dos profissionais da saúde umaconduta equilibrada quanto à sua apli-cação no cuidar dos pacientes terminais,considerando que valores sociais, cren-ças, cultura, religiosidade tendem a pre-dominar sobre a legislação existente,mostrando a necessidade de elaboraçãode leis e normas a partir de valores eprincípios morais e éticos, que sofrem ainfluência não só dos usos e costumestransmitidos de geração em geração, mastambém dos avanços científicos e damídia, e não baseada em opiniões pes-soais. É importante, portanto, estenderesta discussão para todos os segmentosda sociedade, com a participação inter-profissional, para atingir o objetivo co-mum à ortotanásia, definida como mor-te digna, de evolução natural, sem pro-longamento artificial e em paz.

Notas

(1) PESSINI, L. Distanásia: Até Quando Prolon-gar a Vida?, São Paulo: Ed. Loyola, 2001.

(2) PESSINI, L. Eutanásia: Por Que Abreviar aVida? São Paulo: Ed. Loyola, 2004.

(3) KÜBLER ROSS, E. Sobre a Morte e o Morrer,10ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 2001.

(4) LEPARGNEUR, H. Lugar Atual da Morte -Antropologia, Medicina e Religião, São Paulo:Paulinas, 1986.

(5) MARTIN, L.M. A Ética Médica Diante do Pa-ciente Terminal, Aparecida/SP: Santuário, 1993.

(6) MARTIN, L.M. “Eutanásia e Distanásia”, inCOSTA, S.I.F.; OSELKA, G.; GARRAFA, V.(coords). Iniciação à Bioética, Brasília: Conse-lho Federal de Medicina, 1998: 171-192.

(7) HIRSCHHEIMER, M.R.; CONSTANTINO,C.F.; KOPELMAN, B.I. “Bioética em terapiaIntensiva Pediátrica”, in CARVALHO, W.B.;HIRSCHHEIMER, M.R.; MATSUMOTO,T. (eds.). Terapia Intensiva Pediátrica, 3ª ed.,São Paulo: Liv. Atheneu Ed., 2006: 87-97.

(8) DEPARTAMENTOS DE BIOÉTICA E DECUIDADOS INTENSIVOS DA SOCIEDA-DE DE PEDIATRIA DE SÃO PAULO.

“Dilemas éticos no tratamento intensivo pe-diátrico - ressuscitação cardiopulmonar”, RevPaul Pediatria, 18(4), 2000: 186-190.

(9) KOPELMAN, B.I.; CONSTANTINO, C.F.;TORREÃO, L.A.; HIRSCHHEIMER, M.R.;CIPOLOTTI, R. & KREBS, V.L.J. “Bioéticae Pediatria”, in LOPEZ, F.A.; CAMPOS JÚ-NIOR, D. (eds.), Tratado de Pediatria, São Pau-lo: Ed. Manole, 2007: 15-25.

(10)GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAU-LO - Lei nº 10.241. Diário Oficial do Estado deSão Paulo de 18/03/1999.

(11)IOANNES PAULUS, P.P. II. Evangelium vi-tae - Capítulo III: Não Matarás - A Lei Santa deDeus, em 25/03/1995. Internet: http://www.vatican.va/edocs/POR0062/__PO.HTM,acessado em fev/2007.

(12)CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA:Resolução nº 1.480/97, Diário Oficial da Uniãode 21/08/1997.

(13)GUTIERREZ, P.C. “A ética e o atendimentoao paciente terminal”, Menino Jesus Notícias(17), maio-junho 2005: 2.

Mário Roberto HirschheimerSupervisor médico do Hospital Municipal

Infantil Menino Jesus da PMSP, responsávelpela UTI do Pronto Socorro Infantil Sabará

(São Paulo/SP), secretário-geral daSociedade de Pediatria de São Paulo e

membro dos Departamentos de Bioéticada Sociedade Brasileira de Pediatria e da

Sociedade de Pediatria de São Paulo

Clóvis Francisco ConstantinoCoordenador do Curso de Ética e Bioéticado Conjunto Hospitalar do Mandaqui (SãoPaulo/SP), membro do Conselho Regional

de Medicina do Estado de São Paulo(Cremesp), 3º vice-presidente do ConselhoFederal de Medicina (CFM), ex-presidente

da Sociedade de Pediatria de São Paulo,presidente do Departamento de Bioética

da Sociedade Brasileira de Pediatria emembro do Departamento de Bioética da

Sociedade de Pediatria de São PauloO D

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13º SEMINÁRIOINTERNACIONAL DO IBCCRIM

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Em breve divulgaremos aprogramação que se encontra

em fase de elaboração.Para mais informações acesse o

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11º CONCURSO DE MONOGRAFIASJURÍDICAS DO IBCCRIM

Em breve serão abertas as inscriçõespara o 11º Concurso de

Monografias Jurídicas do IBCCRIM.O regulamento estará à disposição dosinteressados no site www.ibccrim.org.br

e no Departamento de Cursos eEventos do IBCCRIM, a partir de

meados de março de 2007.O trabalho premiado será conhecidono 13º Seminário Internacional doIBCCRIM, que será realizado no

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A preocupação com o aumento do in-vestimento público e privado, como es-tratégia para promover o crescimentoeconômico, tem estado na pauta das dis-cussões em tempos recentes. Um dos as-pectos considerados é o da necessidade deum ambiente que garanta os investimen-tos, assegurando os direitos de proprieda-de e o cumprimento dos contratos, tarefaque cabe principalmente ao Judiciário.

A reforma do Judiciário tem comopremissa, portanto, melhorar este am-biente de investimentos. As reformas, ini-ciadas na legislação processual há maisde dez anos e que resultaram em umaemenda constitucional, combatem a len-tidão e a ineficiência do Judiciário, pro-curando eliminar as distorções que esteprovocaria na economia. Algumas dasreformas atacam os supostos efeitos deuma politização do Judiciário, tese sus-tentada por diversos economistas e algunsdos reformadores. Os juízes, segundo eles,não dariam garantia ao cumprimento doscontratos, preferindo violar a lei e proferirdecisões em favor das partes mais fracas.Este ativismo judicial teria como objetivomitigar as agudas diferenças sociais, e te-ria como resultado espantar o investimen-to e atravancar o desenvolvimento eco-nômico, com conseqüências para todos.

A idéia de um juiz ativista, entretanto,causa espécie aos que militam na profis-são e aos que freqüentaram cursos jurídi-cos. O processo de seleção dos juízes esua forma de carreira faz com que apenasos mais ciosos da declinação perfeita dolatim e os mais orgulhosos do conheci-mento pormenorizado do Direito esco-lham a carreira. Difícil imaginar este juizque põe a ideologia à frente de seu conheci-mento jurídico e orgulho profissional. Deonde viria esta idéia de um ativismo judi-cial, que tanto diverte aos economistas?

Na realidade, encontramos, de temposem tempos, movimentos como o uso alter-nativo da justiça, proposta de um grupo dejuízes, advogados e militantes do Direitoda Região Sul, ou ainda o direito livre deHermann Kantorowicz. Todos têm emsua base a idéia de garantir maior liberdadeao juiz para decidir sem tanto apreço pelalei, podendo até mesmo decidir contra ela.As propostas são revolucionárias e seusdefensores ruidosos, mas o impacto sobreo dia-a-dia das decisões judiciais é pífio.

Também não ajuda muito a postura damaioria dos juízes que, quando pergun-tados, garantem terem preocupações so-ciais e ainda que manifestariam essa preo-cupação na análise de ações judiciais queenvolvem contratos. Em dois estudos di-ferentes, Bolívar Lamounier e ArmandoCastelar Pinheiro colocam estes juízesfrente a um dilema: em um extremo man-terem um contrato independente de to-

CORONÉIS, JUÍZES E ECONOMISTAS: É O PODER, ESTÚPIDO!Ivan César Ribeiro e Brisa Lopes de Mello Ferrão

das as suas conseqüências sociais, no ou-tro extremo ignorarem o contrato comoforma de alcançar justiça social. Os juízes,envergonhados de seu papel de aparatoneutro em uma sociedade tão injusta, ten-dem a concordar com a segunda posição.É uma resposta que diz tanto sobre a for-ma como decidem quanto pesquisas queperguntam sobre hábitos de filantropia daspessoas: responde-se o que parece social-mente certo, não o que realmente se faz.

Para entender o fenômeno é necessárioolhar o que acontece nas decisões judiciais.Esta análise de casos, de pouca tradição noBrasil, deve pautar-se por rigorosos méto-dos de pesquisa e estatísticos, tarefa árduapara os acadêmicos de Direito. As hipóte-ses e resultados devem ser submetidos aoescrutínio da comunidade científica, sen-do apresentados em congressos, para dis-cussão não apenas entre pesquisadores doDireito, mas também entre economistas,estatísticos, sociólogos e antropólogos.

Foi este o percurso feito por nós emdois anos de pesquisas, resultando atéagora em dois trabalhos: “Os juízes favo-recem a parte mais fraca?” e “Robin Hoodversus King John: Como os juízes locaisdecidem casos no Brasil”. Os testes são,em síntese, bastante simples. A segurançajurídica adviria da manutenção dos con-tratos por seus próprios méritos. Vale oque está escrito, pouco importando se ocontrato favorece ao rico, ao pobre ou aopapa. Se quando o contrato favorece aopapa temos uma chance maior de que eleseja mantido pela Justiça, temos um viésdanoso para a sociedade. O resultado des-tas pesquisas é surpreendente.

Quando a cláusula contratual favore-ce a parte mais fraca, ela tem menos chan-ce de ser mantida. O fenômeno ocorretanto se o teste é feito apenas em São Pau-lo quanto quando se inclui outros esta-dos. Também não faz diferença se anali-samos diversas áreas do Direito ou se nosconcentramos apenas nos contratos decrédito e comerciais (segundo Arida, Ba-cha e Lara-Resende, estas seriam as áreasonde o suposto viés em favor do hipossu-ficiente prejudicaria mais o desempenhoeconômico). Em todos os casos, a partemais forte tem uma vantagem entre 39% e45% em relação à parte mais fraca.

Quando a cláusula contratual favore-ce os “novos coronéis”, na expressão cria-da por Victor Leal e renovada por Barbo-sa Lima Sobrinho, este se dá melhor ain-da. Não apenas ganha do hipossuficiente,mas também leva de goleada as grandesempresas nacionais ou as multinacionais.Empresas familiares, de propriedade dechefes políticos ou membros da elite lo-cal têm entre 26% e 38% mais chances deter uma cláusula contratual em seu favormantida do que empresas do porte da Pe-

trobrás, Citibank e outras. Quanto maiora desigualdade social, maior o poder dos“novos coronéis”. É o que chamamos desubversão paroquial da justiça.

O que salta aos olhos é a ampla des-vantagem do pequeno contratante, do pe-queno investidor e consumidor. Não ésuficiente ter apenas os contratos que fa-vorecem grandes investidores sendo ga-rantidos, mas é necessário assegurar aqualquer um que decida contratar que osacordos serão respeitados. Existem gran-des obstáculos quando se trata de prote-ger os direitos do pequeno contratante eisso pode ser igualmente danoso ao de-senvolvimento econômico. Ilustrativodessa situação é a pesquisa que o Supre-mo Tribunal Federal conduziu no Rio deJaneiro em 2004, mostrando que 49,5% dasações em matéria de responsabilidade ci-vil nos Juizados Especiais Cíveis foramajuizadas contra apenas 16 companhias.Estas empresas foram condenadas a pa-gamentos totais equivalentes a 2,3 bilhõesde dólares, e ainda persistem nas práticasque levaram às condenações. Neste con-texto, uma pessoa que percebe que seusdireitos não serão assegurados evitarácontratar com uma parte mais poderosa,deprimindo o mercado de crédito, dimi-nuindo o valor das marcas comerciais(pois a suposta garantia oferecida pelasmarcas não teria credibilidade) e aumen-tando o tamanho do mercado informal.

Também não se trata de dizer que ajustiça não favoreça ao devedor de má-fé.A simples demora dos procedimentos ju-diciais torna muito vantajosa a posiçãode devedor. Também enseja comporta-mentos oportunistas de quem não desejacumprir obrigações contratuais. Porém,as políticas públicas para contornar essesproblemas são bem diferentes das que seaplicaria no caso de um viés em favor dohipossuficiente. A reforma do Judiciárionecessita um estudo profundo e cuidado-so de suas premissas, sob pena de se in-correr em alterações legislativas tumul-tuárias e inócuas para a melhora do am-biente de investimentos.

Ivan César RibeiroGraduado pela FEA/USP e pela FD/USP,mestre em Economia de Empresas pela

FEA/USP, editor-chefe da Review ofEconomic Development, Public Policy andLaw e pesquisador em Direito e Economia

Brisa Lopes de Mello FerrãoGraduada pela FD/USP, mestranda em Direito

pela mesma instituição, editora-associadada Review of Economic Development,

Public Policy and Law, membro-fundador daT&D - The Young Researchers’ Worldwide

Network on Economic Development,Public Policies and Law e pesquisadora doIDCID/Ford Foundation e da EDESP/FGV

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As medidas cautelares patrimoniais pe-nais previstas no Código de Processo Pe-nal eram o seqüestro, a inscrição da hipo-teca legal(1) e o seqüestro prévio à inscri-ção da hipoteca legal, por muitos tambémdenominado arresto.(2)

Especificamente com relação ao se-qüestro, o Código de Processo Penal apre-sentava quatro modalidades distintas deseqüestros: (1) o seqüestro de bens imó-veis que fossem proventos da infração penal(CPP, art. 125 a 132); (2) o seqüestro dosbens móveis que fossem proventos da in-fração penal e não pudessem ser objeto debusca e apreensão (art. 132); (3) o seqües-tro dos bens imóveis, prévio à inscrição dahipoteca legal (CPP, art. 136); (4) o seqües-tro dos bens móveis, prévio à inscrição dahipoteca legal (CPP, art. 137). Além dessasquatro modalidades de seqüestro do CPP,há quem entenda que ainda subsiste o se-qüestro do Decreto-lei nº 3.420/41.

A Lei nº 11.435, de 28 de dezembro de2006, alterou o Código de Processo Penalpara fazer uma correção terminológica. Adoutrina já destacava uma inadequação nadenominação seqüestro, sobre bens imó-veis e sobre bens móveis, prévio à inscri-ção da hipoteca legal (CPP, art. 136 e 137,respectivamente). Muitos, inclusive, adespeito da terminologia legal, já deno-minavam tal medida de arresto.(3)

A nova lei modificadora alterou osnomes dos institutos para adequar o CPPao que já proclamavam a doutrina e a ju-risprudência. Os seqüestros prévios à ins-crição da hipoteca legal passaram a serdenominados arrestos. Além disso, corri-giu-se um erro evidente na parte final do art.137 do CPP, que se referia à hipoteca legaldos móveis, quando o correto seria imóveis.

De qualquer forma, não se deve menos-prezar o significado da lei. Seria equivoca-do dizer que a nova lei só alterou nomes ouque foi uma mera correção terminológica.Corrigir erros no emprego de vocabuláriotécnico não é pouca coisa. Como adverteCândido Rangel Dinamarco, “mede-se ograu de desenvolvimento de uma ciência, pelorefinamento maior ou menor de seu vocabu-lário específico. Onde os conceitos estão maldefinidos, os fenômenos ainda confusos e in-satisfatoriamente isolados, onde o método nãochegou ainda a tornar claro ao estudioso dedeterminada ciência, é natural que ali tam-bém seja pobre a linguagem e as palavras seusem sem grande precisão técnica”.(4) Portan-to, aclarar ou aprimorar conceitos não dei-xa de ser um objetivo significativo de umalei, mesmo que desta distinção ou depura-ção conceitual não decorra uma conseqüên-cia prática direta ou imediata, como nopresente caso. Não se constrói uma ciênciasem rigor terminológico e conceitual.

A LEI Nº 11.435, DE 28.12.2006 E O“NOVO” ARRESTO NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró

Mas faltaria à Lei nº 11.435/06 uma maiorrelevância prática. Todavia, devemos pro-curar ler as entrelinhas e tentar decifrarseus significados ocultos. Nos últimos anos,cresceu muito a utilização das esquecidasmedidas cautelares patrimoniais que, atébem pouco tempo, não tinham relevânciaprática. Procurou-se atingir criminosos eorganizações criminosas no fim específi-co de suas atividades: o lucro.

Eis que o patinho feio se transforma nobelo cisne da persecução penal. As bom-básticas e midiáticas operações policiais,em especial da Polícia Federal, além deinterceptações telefônicas e prisões tem-porárias e preventivas, também incluembuscas e apreensões de bens móveis, parafins de seqüestro de “todos” os bens dosinvestigados. Prendem-se os investigadose seqüestra-se todo seu patrimônio. Aimprensa — que já sabe de tudo o que correnos autos sigilosos do intitulado “procedi-mento criminal diverso” — não se contentamais em mostrar o investigado sendo presoe algemado... tem que exibir as mansõescinematográficas e os caríssimos carrosimportados que serão seqüestrados.

Partindo desse novo interesse nas me-didas cautelares patrimoniais penais é quesurge a alteração do Código de ProcessoPenal. A mudança tem o grande mérito dedestacar duas classes de medidas cautela-res patrimoniais: o seqüestro, de bensimóveis ou móveis, incidente sobre deter-minado e específico bem, provento dainfração; o arresto, de bens imóveis oumóveis, prévio à inscrição da hipoteca legalque, em tese, pode incidir sobre todo equalquer bem do investigado ou acusado.

O seqüestro de bens imóveis está dis-ciplinado nos arts. 125 a 131 do CPP, tendopor objeto o produto do crime. Embora oart. 125 se refira aos “proventos da infra-ção”, tem-se admitido que eles abrangemtanto o produto direto da infração (p. ex.:um imóvel cuja propriedade foi obtidamediante um estelionato) quanto seu pro-duto indireto ou proveito do crime (p. ex.:uma fazenda comprada com o dinheiro docontrabando),(5) desde que existam “indí-cios veementes da proveniência ilícita dosbens” (CPP, art. 126). O mesmo regime seaplica ao seqüestro de bens móveis (CPP,art. 132), caso não seja possível a medidacautelar de busca e apreensão.

Fica claro, portanto, que o seqüestro sópode recair sobre bem ligado à atividadecriminosa. Ou seja, somente são passíveisde seqüestro os bens que tenham sido ili-citamente incorporados ao patrimônio doacusado ou investigado, seja porque fo-ram adquiridos após a prática da infração,seja porque dela são o produto direto.Conseqüentemente, os bens adquiridos

antes da prática delitiva jamais poderãoser seqüestrados.(6) Mais do que isso, sen-do a medida cautelar um instrumentodestinado a assegurar a utilidade e eficáciade uma provável sentença penal condena-tória, obviamente o seqüestro somentepoderá incidir sobre bens que tenham re-lação com o próprio crime objeto da in-vestigação ou da ação penal. Não se podeseqüestrar bens que integrem o patrimô-nio ilícito do acusado, mas que tenhamsido obtidos pela prática de um crime di-verso daquele que é objeto do inquéritopolicial ou da ação penal em que se reque-reu a medida cautelar.

Estes seqüestros dos arts. 125 a 132 doCPP permaneceram inalterados. E, em-bora a expressão seqüestro não seja unívo-ca, seu emprego se mostra adequado, pos-to que se trata de medida incidente sobrebens determinados,(7) mesmo que não se-jam litigiosos, no sentido do art. 822 doCódigo de Processo Civil. Ou seja, sãomedidas cautelares patrimoniais que têmpor objeto bens específicos e individuali-zados sobre o patrimônio de alguém.

Já no caso do “novo” arresto prévio àinscrição da hipoteca legal, previsto no art.136 do CPP, poderão ser arrestados, em tese,todos os bens que integrem o patrimônio doacusado: bens adquiridos antes ou depoisda prática delitiva, bens adquiridos lícitaou ilicitamente, enfim, bens relacionadosou não com o crime objeto da ação penal.

Importante observar, porém, que amedida não deve recair sobre todo o patri-mônio, mas apenas sobre a parte dele quepoderá vir a ser especializada, segundo aestimativa da responsabilidade e do valordos imóveis sobre os quais incidirá a hipo-teca legal. Todos os bens imóveis do acu-sado estão sujeitos à hipoteca legal e, porconseguinte, ao arresto prévio à inscriçãoda hipoteca legal. Assim, para definir oque poderá ser arrestado é necessário sa-ber o que pode ser hipotecado.

A hipoteca legal deverá incidir, concre-tamente, sobre os bens na exata medida doque seja necessário para garantir a futurareparação do dano causado pelo delito. Po-derá bastar um ou alguns bens. O ofendidoou o Ministério Público não poderão exor-bitar, fazendo inscrever mais bens do queos necessários, cabendo ao juiz verificar seo valor dos bens especializados não excedeo valor estimado da responsabilidade.

Na especialização e inscrição da hipo-teca legal não se deve confundir o valor daresponsabilidade (aquilo pelo qual é res-ponsável o obrigado à hipoteca legal) como valor do bem ou dos bens sobre os quaisrecairá a hipoteca. No requerimento deespecialização haverá duas operações: umapara estimar o valor da responsabilidadeA

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civil, e outra, para estimar o valor dosimóveis (CPP, art. 135, caput). Depois,durante o procedimento de especializa-ção e inscrição, um avaliador judicial ou,na sua falta, um perito nomeado pelo juiz,deverá fazer o “arbitramento do valor daresponsabilidade e a avaliação dos imóveisdesignados” (CPP, art. 135, § 2º).

A especialização e a “inscrição” da hi-poteca legal têm por objetivo assegurar efazer valer o direito real de garantia (CC,art. 1.489, inc. III), visando resguardar partedo patrimônio do indiciado ou acusadopara a reparação do dano causado pelodelito e, em caráter secundário, para opagamento da pena de multa e das despe-sas processuais (CPP, art. 140).

Se o arresto do art. 136 é um arrestoprévio à especialização e inscrição da hi-poteca legal, seu escopo tem que estar li-gado ao daquele. A finalidade do arrestodo art. 136 é evitar o perigo que advirá coma demora da especialização e inscrição dahipoteca legal.(8) Assim, na petição em quese requer o arresto do art. 136 já deve serestimado o valor da responsabilidade e ovalor dos bens. O juiz não poderá, aindaque com base em uma cognição sumária,decretar o arresto do art. 136 do CPP semque haja tal estimativa, nem em relação abem ou bens cuja estimativa de valor sejasuperior ao prognóstico do valor da res-ponsabilidade civil ex delicto.

Não havendo bem imóvel ou sendo estesinsuficientes, poderá haver o arresto debens móveis suscetíveis de penhora, pre-visto no art. 137 do CPP.

Em suma, a segunda conclusão parcialé que os antigos seqüestros prévios à hipo-teca legal, previstos nos artigos 136 e 137 doCPP, tiveram a sua denominação alteradapara arresto. Não houve mudança quantoao conteúdo dos institutos, mas a altera-ção de seu nomen iuris indica a necessida-de de se atentar para o fato de que se tratamde medidas a incidir sobre bens determi-nados e individualizados, na estrita medi-da do necessário para assegurar futuraresponsabilidade civil que, desde logo,deverá ser estimada.

Não se pode deixar de observar, porfim, que já existiu outro seqüestro no pro-cesso penal brasileiro. O Decreto-lei nº3.240, de 8 de maio de 1941, anterior aoCPP, tratava de um seqüestro de bens emfavor da Fazenda Pública. A doutrina já semanifestava pela ab-rogação do decretocom o início de vigência do CPP.(9) A ques-tão, contudo, não é pacífica, havendo acór-dãos recentes do STJ reconhecendo a vi-gência do instituto. Todavia, a nova leideixou ainda mais evidente que o referidoinstituto não mais subsistia. Primeiro,porque se ainda estivesse em vigor, a preo-cupação terminológica a ele também de-veria ter se estendido, passando a ser deno-

minado arresto. Segundo, porque o seqües-tro de imóveis previsto no Decreto-lei nº3.420/41 era um “seqüestro prévio à inscri-ção da hipoteca legal”, que passou a serintegralmente regulado pelo CPP, e queagora passou a se chamar “arresto”. Oseqüestro do Decreto-lei nº 3.420/41 po-dia “recair sobre todos os bens do indicia-do” (art. 4º, caput), desde que houvesse“indícios veementes da responsabilidade” doacusado (art. 3º, caput), por crime de queresulte prejuízo para a Fazenda Pública(art. 1º). Uma vez operado o “seqüestro”dos imóveis, o juiz deveria determinar, ex-officio, “a averbação do seqüestro no registrode imóveis”, e o Ministério Público pro-movia “a hipoteca legal em favor da fazendapública” (art. 4º, § 2º, nºs 1 e 2, respectiva-mente). Já no caso dos bens móveis, o juizdeveria nomear depositário (art. 4º, §1º),a quem incumbiria a guarda e conserva-ção do bem, sendo o mesmo regime queatualmente está disciplinado no CPP, noart. 137 c/c art. 139. Fica claro, portanto,que não se tratava de um seqüestro sobreos proventos da infração, nos moldes doprevisto nos arts. 125 a 132 do CPP, mas simde um “seqüestro prévio à inscrição da hipo-teca legal”, nos termos dos arts. 136 e 137 doCPP. A finalidade desse seqüestro era as-segurar o futuro perdimento em favor daFazenda Pública, dos produtos e proveitosdo crime (art. 8º), bem como o ressarci-mento do prejuízo causado à FazendaPública (art. 9º), não satisfeito pela perdados produtos ou proveitos do crime.

Em conclusão: no CPP havia o seqües-tro dos bens imóveis e móveis que fossemproventos da infração penal e integravamilicitamente o patrimônio do acusado(CPP, art. 125 a 132), que continua com omesmo nome e disciplina legal. Somentepoderão recair sobre bens que sejam pro-duto direto ou indireto da infração, nãopodendo atingir outros bens do indiciadoou acusado. Já os seqüestros sobre imóveisou móveis, prévios ao requerimento deespecialização e inscrição (rectius: aver-bação) da hipoteca legal, que poderiamrecair, em tese, sobre quaisquer bens dopatrimônio do acusado, inclusive aquelesadquiridos licitamente e, mesmo que an-teriormente à prática do delito (CPP, art.136 e 137), passaram a ser chamados dearrestos. Neste caso, porém, será necessá-rio especializar o bem ou bens, somentepodendo ser arrestados tantos quantosbastem para garantia a futura reparação dodano, conforme estimativa feita pelo re-querente da medida. Por fim, não é demaisressaltar, o antigo seqüestro do Decreto-lei nº3.420/41 foi ab-rogado pelo CPP de 1941.

Notas

(1) Melhor analisando a questão, concluímos que

o requerimento de especialização e “inscri-ção” da hipoteca legal não é uma medida cau-telar, mas um procedimento de jurisdição vo-luntária, tal qual ocorre no processo civil(CPC, art. 1.205 a 1.210), promovido peranteo juiz penal. A hipoteca legal de imóveis, emsi, é um direito real de garantia que existe oplegis (CC, art. 1.489, inc. III), mas para ser efe-tivado deve ser requerida a especialização dosbens (CPP, art. 135, caput) — para se sabersobre quais recai o direito — e a sua inscriçãono registro de imóveis (CPP, art. 135, § 4º).

(2) Embora haja respeitáveis posicionamentos emcontrário, entendemos que a restituição decoisa apreendida não é medida cautelar. Parauma análise mais profunda da questão, cf.:Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró “Tu-tela cautelar no processo penal e a restituiçãode coisa apreendida”, Revista Brasileira deCiências Criminais, São Paulo: Revista dosTribunais, nº 59, pp. 260-286, mar./abr. 2006.

(3) Em sentido contrário, Rogério Lauria Tucci(“Seqüestro prévio e seqüestro no CPC: Dis-tinção”, in Revista Brasileira de CiênciasCriminais, nº 5. São Paulo, p. 145) nega que amedida prevista no art. 136 consista em arres-to, posto que não poderia ser “dirigido indiscri-minadamente a todo e qualquer bem integrantedo patrimônio do indiciado ou acusado”, deven-do ser indicado “expressamente, o bem ou osbens sobre os quais ele deva recair”.

(4) “Vocabulário de Direito Processual”, in Fun-damentos do Processo Civil Moderno, 3ª ed., SãoPaulo: Malheiros, 2000. v. I, p. 136.

(5) Nesse sentido, cf.: Roberto Lyra. Comentáriosao Código Penal, Rio de Janeiro: Forense, 1942,v. II, p. 462; José Frederico Marques. Tratadode Direito Penal, 2ª ed., São Paulo: Saraiva,1966, v. III, p. 300; Sérgio Marcos de MoraesPitombo. Do Seqüestro no Processo Penal Bra-sileiro, São Paulo: Bushatsky, 1973, p. 11; Tuc-ci, “Seqüestro prévio ...”, p. 143.

(6) Na jurisprudência: STF, RExt. nº 40.253/MG,rel. min. Cândido Lobo, j. 12.05.1959, RTJ12/111; STF, RExt. nº 26.068, rel. min. Ha-hnemann Guimarães, j. 21.11.1961, RTJ 24/427; TJSP, Ap. nº 1.071-3, 1ª C. Crim, rel. des.Ítalo Galli, j. 07.04.1980, RT 544/350; TJSP,MS nº 25.916-3, 4ª C. Crim., rel. des. Gonçal-ves Sobrinho, j. 27.02.1984, RT 594/333.

(7) Sérgio Marco de Moraes Pitombo. Do Se-qüestro no Processo Penal Brasileiro, São Paulo:Bushatsky, 1973, p. 128.

(8) Hélio Tornaghi. Comentários ao Código deProcesso Penal, Rio de Janeiro: Forense, 1956,v. I, t. I, p. 378.

(9) Cf.: Pitombo, Do Seqüestro ..., p. 107; Tucci,“Seqüestro prévio ...”, p. 138. Na jurisprudência,embora minoritária: STJ, RMS nº 6.728/RS, 6T., rel. min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j.26.08.1996, v.u., RT 738/578. Aliás, não se podedeixar de observar que a chamada “Lei de Lava-gem de Dinheiro”, Lei nº 9.613/98, ao disciplinara apreensão e o seqüestro de bens, em seu art. 4º,na disciplina do modo de efetivação de tais me-didas, determina que se proceda “na forma dosarts. 125 a 144 do Decreto-lei nº 3.689, de 3 deoutubro de 1941 - Código de Processo Penal”. Porque não houve referência ao Decreto-lei nº 3.420/41? Certamente porque tal diploma foi ab-roga-do pelo Código de Processo Penal.

Gustavo Henrique Righi Ivahy BadaróProfessor doutor de Direito Processo Penal

da Faculdade de Direito da USP e daUniversidade de Taubaté e advogadoA

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Ao julgar o HC nº 86.916, o STF, emdecisão relatada pelo o min. SepúlvedaPertence (1ª T., j. 02.05.06, m.v., DJU08.09.06), cassou a ordem de prisão pre-ventiva existente contra os pacientes. Con-dicionou suas solturas, contudo, ao de-pósito dos passaportes em juízo.

Agora tomada pela nossa SupremaCorte, essa medida há tempos é adotadanos mais variados processos como formade cautela, a fim de impedir que, viajandopara o exterior, possam os acusados furtar-se à eventual aplicação da lei penal.

Por imbricar com a liberdade indivi-dual, entretanto, a (i)legalidade dessa prá-tica está a merecer maior reflexão.

Como enfatiza José Cretella Júnior,(1)

o “Preâmbulo costuma dar a altura ideoló-gica, numa fórmula imperativa, à Consti-tuição.” Exprime, por outras palavras, ospropósitos a que a Carta se presta.

Não é por acaso, portanto, que TextosConstitucionais outorgados no Brasil porregimes autoritários como os de 1937, 1967e 1969 (EC nº 1) não dirigiram uma pala-vra sequer nos seus prefácios à aspiraçãode se garantir, ao povo, a liberdade.

Nessa linha, revela-se muito significa-tiva a abertura da Constituição Federalde 1988. Nela, registrou-se que intençãodo povo brasileiro foi instituir “um Esta-do Democrático, destinado a assegurar o exer-cício dos direitos sociais e individuais, aliberdade, a segurança, o bem-estar, o de-senvolvimento, a igualdade e a justiça comovalores supremos de uma sociedade fraterna,pluralista e sem preconceitos, fundada naharmonia social e comprometida, na ordeminterna e internacional, com a solução pací-fica das controvérsias.”

A nação, traumatizada com a repres-são imposta pela ditadura militar, buscoudar redobrada atenção à liberdade. Mes-mo consciente de que ela está incluída no“exercício dos direitos sociais e individuais”,houve por bem o Constituinte Originá-rio referi-la separadamente. E mais: men-cionou-a como o primeiro dos direitosindividuais, de modo a deixar inequívocaa sua relevância para a ordem normativahoje imperante.

Num Estado Democrático de Direito,que se traduz na “experiência imemorial deque o poder tende ao abuso, e que este só éevitado, ou, ao menos, dificultado, quando opróprio Estado obedece à lei e está enquadra-do num estatuto jurídico a ele superior”,(2) éimprescindível, como enfatiza Canoti-lho,(3) o princípio da legalidade, “instru-mento mais apropriado e seguro para definiros regimes de certas matérias, sobretudo dosdireitos fundamentais e da vertebração demo-crática do Estado (daí a reserva de lei)”.

Nesse sentido, não espanta que à li-

A RETENÇÃO DO PASSAPORTE COMOMEDIDA CAUTELAR ALTERNATIVA À PRISÃO PROVISÓRIA

André Pires de Andrade Kehdi

berdade, decorrência direta do basilarprincípio da dignidade da pessoa huma-na (art. 1º, III, CF), tenha dedicado a Cartade 1988, em várias de suas facetas, diver-sos e específicos dispositivos, a começarpor aquele que prevê que “ninguém seráobrigado a fazer ou deixar de fazer algumacoisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II).

O princípio da legalidade ali instituí-do implica, entre outras imposições, que“nenhuma autoridade pode tomar decisãoindividual, obrigando alguém a fazer oudeixar de fazer alguma coisa, que não secontenha nos limites fixados por uma dis-posição ou regra geral, ou seja, por uma leiformal ou material”.(4)

Embora seja sabido que “só a lei poderestringir direitos, liberdades e garantias”,(5)

há casos específicos nos quais a Consti-tuição Federal, demonstrando zelo redo-brado por determinado tema, impôs ex-pressamente o princípio da reserva de lei.

É a hipótese da liberdade de locomoção(art. 5º, XV, CF), uma das vertentes da liber-dade amplamente assegurada a todos osque estejam no nosso país: “é livre a locomo-ção no território nacional em tempo de paz,podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, neleentrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.

Determinou o Constituinte, assim, quesó a lei, “entendida como decisão emergentede um procedimento onde participaram for-ças sociais e políticas, maioritárias e mino-ritárias, representadas no parlamento, e aidéia de lei como acto de consentimento(auto-ordenação) dos cidadãos relativamen-te às medidas nela previstas”,(6) pode esta-belecer restrições à entrada e saída do país.

Nesse caso, fora das hipóteses expres-samente nela previstas, a liberdade de lo-comoção — parcela desse direito funda-mental que, como se viu, é consagradocomo um dos mais relevantes pela Carta— não pode ser de forma alguma cercea-da, sob pena de inconstitucionalidade.

No âmbito do processo penal, essanorma deve emergir obrigatoriamente daFunção Legislativa da União, nos termosdo que dispõe o art. 22, inciso I, da Cons-tituição. Lei Federal, portanto.

Analisando-se a legislação pátria, po-rém, verifica-se que a retenção do docu-mento de identidade internacional não estáprevista entre as medidas restritivas de li-berdade aplicáveis contra o imputado.

De fato, considerando que a liberdadeé a regra democrática, e como vige entrenós o princípio da presunção de não cul-pabilidade (art. 5º, LVII, CF), “regra detratamento que impede o Poder Público deagir e de se comportar, em relação ao suspei-to, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu,como se estes já houvessem sido condenadosdefinitivamente por sentença do Poder Judi-

ciário”,(7) se não for o caso de responder oréu ao processo preso por força das hipó-teses excepcionais do art. 312 do CPP,qualquer restrição somente poderá ser-lhe imposta se estiver em liberdade pro-visória, com ou sem fiança. Ainda assim,dependerá de taxativa previsão legal.

E, nesses casos, quando concedida acontracautela nos termos do art. 310 doCPP, basta ao acusado comparecer a to-dos os atos do processo, sob pena de re-vogação do benefício. Quando libertadomediante fiança — a forma mais intensade vinculação do defendente solto ao pro-cesso hoje existente em nosso ordena-mento — prevê o art. 328 do CPP que nãopoderá o réu “mudar de residência, sem pré-via permissão da autoridade processante, ouausentar-se por mais de 8 (oito) dias de suaresidência, sem comunicar àquela autorida-de o lugar onde será encontrado”.

Assim, só se exige autorização judicialpara a mudança de residência. No mais,pode ausentar-se dela o réu (leia-se: ir aoutro bairro, cidade, estado ou país...) poraté oito dias sem nada comunicar ao juí-zo. Essa providência só se fará necessáriase tal prazo for superado.

É por isso que o STJ, no julgamentodo HC nº 42.994 (5ª T., rel. min. José Ar-naldo da Fonseca, j. 18.10.05, v.u., DJU21.11.05), deixou assentado que nem oacusado em liberdade provisória pode serimpedido de viajar ao exterior.

O que dizer, então, daquele que nãofoi preso em flagrante e que responde aoprocesso em liberdade plena?

O que dizer, então, se tivermos em con-ta que a vetusta previsão do art. 369 doCPP(8) — que impunha aos réus nessa si-tuação o dever de comunicar ao juiz, casofosse ausentar-se de sua residência pormais de 8 dias ou dela mudar-se, o localonde poderia ser encontrado ou o novoendereço — não mais vige entre nós?

Mesmo que referida norma não tives-se sido revogada pela Lei nº 9.271/96, ain-da assim seria ilícita a retenção do pas-saporte!(9)

Nessa linha, tendo em mente que “ashipóteses de cerceamento ao exercício do di-reito de liberdade são prefixadas em lei. Obede-cem, ademais, ao critério numerus clausus”(10)

e, outrossim, a advertência de Thorna-ghi,(11) para quem a “lei processual protegeos que são acusados da prática de infraçõespenais, impondo normas que devem ser se-guidas nos processos contra eles instaura-dos e impedindo que eles sejam entregues aoarbítrio das autoridades processantes”, nãotememos em dizer, com Alberto Zacha-rias Toron,(12) que “revogado o art. 369 doCPP, soa odioso impor àquele que respondeao processo em liberdade e não está sob fian-A

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ça, tratamento mais rigoroso do que o dis-pensado ao réu afiançado”.

E nem se diga que seria possível, porforça do art. 3º do CPP, impor tal medidacom base no poder geral de cautela dojuiz, previsto no art. 798 do Código deProcesso Civil. Afinal, é “inadmissível res-trição ao direito de ir e vir por interpretaçãoextensiva, ou aplicação analógica do dispositi-vo legal, bem como com base em princípios ge-rais do direito”,(13) pelo que a “autorização derestrição à liberdade individual tem que cons-tar de texto expresso de lei. É o que deflui dediversos dispositivos da Carta Magna”.(14)

Não por outra razão, está o CongressoNacional preocupado em prever expres-samente no Código de Processo Penal amedida em discussão.

De fato, consta da exposição de moti-vos do Projeto de Lei nº 4.208/01 (um da-queles que compõe o projeto de reformado Código processual), após a afirmativade que, entre as alterações pretendidas,está “o aumento do rol das medidas cautela-res, antes [atualmente] centradas essencial-mente na prisão preventiva e na liberdadeprovisória sem fiança do artigo 310, pará-grafo único”, a conclusão de que o “gran-de avanço pretendido no sistema resulta daampliação do leque de medidas cautelares di-versas da prisão cautelar, proporcionando-seao juiz a escolha, dentro de critérios de legali-dade e de proporcionalidade, da providênciamais ajustada ao caso concreto (artigo 319)”.

Se e quando aprovado o projeto, a teordos seus arts. 319, IV e 320,(15) será lícita amedida. Por ora, todavia, afigura-se ma-nifestamente ilegal, sendo passível de cor-reção pela via do habeas corpus, já que cer-ceia nitidamente o direito de locomoçãodaquele a ela submetido.

Bem por isso, nossos Sodalícios têmrepelido reiteradamente tal constrangi-mento ilegal. A propósito, ao julgar o HCnº 2006.03.00.047907-0 (j. 15.08.06, v.u., DJ05.09.06), tratou o relator do sensível temada fuga do paciente que, na hipótese apre-ciada, afirmou expressamente seu intuitode voltar a residir no seu país de origem, aSuíça. Após mencionar copiosa jurispru-dência em seu respaldo, pontuou o rela-tor, juiz convocado Luciano Godoy, umadas expressões do TRF da 3ª Região:

“Deixo consignado que não escapa a esterelator a suposição de o paciente, cidadãosuíço, não mais retornar ao Brasil, o queensejaria a frustração de eventual persecu-ção penal.

Contudo, tal hipótese não se mostra bas-tante para a limitação ao direito de ir e virde cidadão estrangeiro. Se assim o fosse, todoestrangeiro suspeito de envolvimento comcrime estaria fadado a aguardar no Brasil oencerramento tanto de inquérito policialcomo de processo-crime.

A medida, ainda, acaba por gerar situa-

ções díspares, em evidente afronta ao princí-pio da igualdade insculpido no artigo 5º, daConstituição Federal. Os brasileiros investi-gados no mesmo procedimento administra-tivo detêm seus passaportes, podendo sair dopaís a qualquer momento.

Como mais um elemento de convicção,leva-se em conta que o Estado brasileiro po-derá ser responsabilizado na hipótese de re-tenção de estrangeiro em seu território se omesmo não for nem indiciado nem denuncia-do criminalmente.

Por fim, impõe-se considerar que o pa-ciente encontra-se em liberdade e, indepen-dentemente da necessidade de autorizaçãojudicial para viajar, se assim quisesse, pode-ria empreender fuga.”

Nessa ordem de idéias, não obstante arecente decisão do STF mencionada noinício deste artigo, é de se frisar que tantoo STJ(16) como as demais Cortes pá-trias,(17) têm entendido de forma diversa— a nosso ver, com toda razão.

Além disso, também no Excelso Pre-tório o min. Marco Aurélio — que, nãoobstante tenha ficado vencido para soltartambém outro paciente naquela ordem dehabeas corpus (86.916), acabou por acom-panhar o voto do min. Sepúlveda Pertencequanto ao tema aqui tratado —, já manifes-tou posicionamento diametralmente opos-to nos autos do Inquérito nº 1.959 (decisãomonocrática de 08.06.03, DJU 01.08.03).

Nessa medida, até que entre em vigoro projeto de Reforma do CPP — que ésalutar em todos os sentidos, e reflete astendências mais modernas do direito pro-cessual penal, em consonância com le-gislações estrangeiras — afigura-se ilegala medida tomada nos autos do HC nº86.916 pela Suprema Corte,(18) como tam-bém o é a costumeira imposição de proi-bição de viajar sem autorização judicial,substancialmente análoga à retenção dopassaporte.(19)

Notas

(1) Comentários à Constituição Brasileira de 1988,Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988, v.1, p. 75.

(2) FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. ADemocracia Possível, São Paulo: Saraiva, 1972,p. 34.

(3) CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direi-to Constitucional, 6ª ed., Coimbra: LivrariaAlmedina, 1993, p. 371.

(4) CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários...,op. cit., p. 196.

(5) CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direi-to Constitucional..., op. cit., p. 793.

(6) Ibid., pp. 790/791.(7) STF, HC nº 80.719, 2ª T., rel. min. Celso de

Mello, j. 26.06.01, v.u., DJU 28.09.01.(8) “Art. 369. Ressalvado o disposto no art. 328 [hipó-

tese de fiança], o réu, depois de citado, não poderá,sob pena de prosseguir o processo à sua revelia,mudar de residência ou dela ausentar-se, por maisde oito dias, sem comunicar à autoridade proces-

sante o lugar onde passará a ser encontrado.”(9) [13] Como se vê pela sua redação, não se tratava

de um pedido de autorização sujeito ou não aodeferimento, mas sim de uma simples comuni-cação, o que demonstra que estava plenamenteassegurado o direito subjetivo à locomoção.

(10)STJ, HC nº 4.252, 6ª T., rel. p/acórdão min.Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 05.03.96, v.m.,DJU 24.02.97

(11)Instituições do Processo Penal, 2ª ed., São Pau-lo: Saraiva, 1977, v. 1, p. 75.

(12)“Retenção do passaporte do acusado : cons-trangimento ilegal”, in Boletim IBCCRIM,São Paulo, nº 88, mar. 2000, p. 15. Tanto ojulgado a que se refere a nota de rodapé nº14, quanto a citação a que alude a de nº 15foram também tirados deste artigo de Toron.

(13)TRF2, HC nº 97.02.41744-9, 3ª T., rel. juizValmir Peçanha, j. 11.02.98, v.u., DJU 31.03.98.

(14)Idem.(15)“Capítulo V - Das Outras Medidas Caute-

lares. Art. 319. As medidas cautelares diversas daprisão serão as seguintes: ... IV - proibição deausentar-se do país em qualquer infração penalpara evitar fuga, ou quando a permanência sejanecessária para a investigação ou instrução;”“Art. 320. A proibição de ausentar-se do país serácomunicada pelo juiz às autoridades encarregadasde fiscalizar as saídas do território nacional, inti-mando-se o indiciado ou acusado para entregar opassaporte, no prazo de vinte e quatro horas.”

(16)Verbi gratia: RHC nº 12.575, 5ª T., rel. min.Jorge Scartezzini, j. 12.11.02, v.u., DJU16.12.02 e RHC nº 1.944, 6ª T., rel. min. Pe-dro Acioli, j. 09.06.92, v.u., DJU 24.08.92.

(17)No TJSP: HC nº 289.581-3/0-00, 6ª Câm. Crim.,rel. des. Barbosa Pereira, j. 05.08.99, v.u. NoTRF1: RHC nº 94.01.29169-1/GO, 3ª T., rel.des. fed. Fernando Gonçalves, v.u., DJ19.12.94. No TRF2, entre muitos outros: HCnº 97.02.18978-0, 4ª T., rel. juíza conv. SimoneSchreiber, j. 24.09.97, v.u., DJU 13.11.97; HCnº 97.02.41744-9, 3ª T., rel. des. fed. ValmirPeçanha, j. 11.02.98, v.u., DJU 31.03.98; HCnº 98.02.09314-9, 2ª T., rel. des. fed. Paulo Es-pírito Santo, j. 02.06.98, v.u., DJU 15.09.98;HC nº 98.02.46106-7, 2ª T., rel. juiz conv. LuizAntônio, j. 03.03.99, v.u., DJU 29.07.99; HCnº 1999.02.01.058420-4, 3ª T., rel. des. fed. MariaHelena Cisne, j. 25.04.00, v.u., DJU 04.07.00.

(18)É digno de nota que esse acórdão parece sótê-la imposto porque sua concessão se deupara estender os efeitos de HC que, julgadono TRF da 4ª Região, libertou acusados nomesmo processo sob a condição de entregados passaportes. Não entrou o STF, portan-to, na discussão sobre o tema. Não nos pare-ce, contudo, que, a teor do art. 654, § 2º, doCPP, não pudesse (na verdade devesse) o Tri-bunal Constitucional, tomando com ela con-tato, extirpá-la do cenário jurídico.

(19)Por essas e por outras, aquele que tem apego àliberdade, apego, enfim, à nossa Carta Maior,deve aplaudir em pé decisões como a do TRF da1ª Região que, no notório caso relativo ao aci-dente com o Boeing da GOL, que custou a vidade 154 pessoas, reafirmou seu firme posiciona-mento sobre o tema (HC nº 2006.01.00.043351-1, 3ª T., rel. des. fed. Cândido Ribeiro, j.05.12.06, v.u., pendente de publicação).

André Pires de Andrade KehdiAdvogado em São Paulo, especialista em

Direito Penal Econômico pela Universidadede Coimbra/IBCCRIMIBCCRIMIBCCRIMIBCCRIMIBCCRIM e membro do IDDD- Instituto de Defesa do Direito de DefesaA

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A recente entrada em vigor da Lei nº11.449/07 — que alterou o artigo 306 doCPP — supre antiga omissão do legisla-dor brasileiro em prover a grande cliente-la da justiça criminal de assistência judi-ciária em momento de completa sujeiçãoao poder punitivo e cautelar do Estado.

A mudança é positiva, sobretudo por-que abranda a seletividade do sistemapunitivo brasileiro, o qual, mais do queem outras terras, exala forte “cheiro deDireito Penal de classe”,(1) como pareceresultar claro da leitura de duas disserta-ções de mestrado defendidas recentemen-te na Universidade de Brasília, ambas fru-to de notável pesquisa. Na primeira de-las, de autoria de Marina Grosner, ana-lisaram-se 3.249 HCs e RHCs julgadospelo STJ, de 1989 até 2004, envolvendo“trancamento” de inquérito policial e deação penal. Em uma das dezenas de con-clusões constatou-se que, perante aque-la corte, houve um número bem maiorde writs impetrados por advogados cons-tituídos do que por defensores públicos.No outro estudo, realizado por FabianaOliveira a partir de dados coletados naJustiça Criminal de algumas capitaisbrasileiras, entre os anos de 2000 e 2004,demonstrou-se que os réus representa-dos por advogado particular saíram maiscedo da prisão se comparados aos queforam patrocinados pela defesa pública,(2)

o que parece confirmar a boutade existen-te no foro criminal, de que “o advogado doréu pobre é o juiz”.

No tocante ao tema da assistência ju-rídica ao preso, vale lembrar que até bempouco tempo chegava-se a admitir a rea-lização de interrogatório judicial sem apresença de advogado. “E isso porque —como ironicamente mencionado porAdauto Suannes — a Constituição diz queo advogado é indispensável. Imagine-se seela dissesse ser ele dispensável!”.(3) A despei-to do mérito da nova lei, continua-se aadmitir o interrogatório do preso, emDelegacia de Polícia, sem a presença deum profissional do Direito.

Daí porque se mostra elogiável a in-tenção, manifesta na Justificativa do PLque deu origem à nova lei, de “conferirmaior celeridade à defesa do preso, assegu-rando-lhe, destarte, o regular exercício dosdireitos subjetivos constitucionais do contra-ditório e da ampla defesa. A rápida atuaçãoda Defensoria, nos casos de réu preso, possi-bilitará ao acusado, logo na fase investiga-tória, ter conhecimento claro da imputação,poder apresentar alegações contra a acusa-ção, poder acompanhar a prova produzida efazer contraprova, ter defesa técnica elabo-rada por advogado, cuja função, aliás, é es-sencial à Administração da Justiça e poder

A OTIMIZAÇÃO, AINDA TÍMIDA,DA ASSISTÊNCIA DE ADVOGADO AO PRESO

Rogerio Schietti M. Cruz

recorrer da decisão que decretou a prisão.”Com esse norte, reproduz-se na nova

cabeça do artigo 306 do CPP a letra doartigo 5º, LXII, da Constituição da Re-pública, determinando-se a comunicaçãoda prisão e do local em que a pessoa presase encontre ao juiz competente e à famí-lia ou a pessoa por ela indicada. Saliente-se que a comunicação — que pode, a meujuízo, ser efetivada por diversos meios (te-lefone, fax, e-mail ou qualquer outra for-ma idônea a dar notícia do ato) — deveser imediata, a fim de que todos tenhamnotícia do paradeiro de determinada pes-soa e sob que condição ela se encontraem uma delegacia.

A novidade mais importante está naparte final da redação dada ao § 1º domesmo dispositivo, onde se determina oencaminhamento — até 24 horas conta-das da prisão — do auto de prisão emflagrante não só ao juiz competente (e aoMinistério Público, ex vi art. 10 da LC nº75/93), como também à Defensoria Pú-blica, “caso o autuado não informe o nomede seu advogado”.

Sem embargo, a novel legislação, em-bora mostrando inaudita preocupaçãocom o preso economicamente desfavo-recido, poderia ter avançado um poucomais e exigir duas outras providênciaspor ocasião desse momento de substan-cial importância para o desenvolvimen-to da persecução penal e para o destinoda pessoa presa.

Primeiramente, para efetivamentecumprir a Constituição — quando asse-gura ao preso “a assistência da família e deadvogado” (art. 5º, LXIII) — seria mis-ter não apenas o encaminhamento do autode prisão em flagrante ao defensor públi-co, mas a obrigatoriedade de manterem-se profissionais do Direito disponíveispara prestar assistência jurídica ao presoantes mesmo da lavratura do auto de pri-são em flagrante e, principalmente, antesde ser formalmente interrogado. A medi-da permitiria ao indivíduo privado de sualiberdade contar com a indispensávelorientação sobre seus direitos e deveres,bem assim lhe protegeria a integridadefísica e moral, servindo como instrumen-to de controle da legalidade e da correçãopolicial, no trato do encarcerado.

Outra providência correlata que po-deria ter sido albergada pelo legisladordiz respeito ao direito do preso de ser“conduzido sem demora à presença de umjuiz”, conforme já incorporado ao siste-ma normativo brasileiro (Decreto nº 678/92, o qual reproduz a Convenção Ame-ricana sobre Direitos Humanos), cir-cunstância que, todavia, não torna írritanorma similar mais explícita e detalha-

da, constante de diploma legal commaior carga de aceitação, o Código deProcesso Penal.

A relevância da medida é manifesta,visto que o indivíduo preso permanecenessa condição por vários dias — quasesempre sem contar com a assistência deum profissional do Direito — até que seconclua o inquérito policial, se ofereçadenúncia e seja ele judicialmente inter-rogado. Na hipótese de prisão temporá-ria, a situação é muito pior, porquantoa Lei nº 7.960/89 prevê a possibilidadede perdurar a custódia por até 60 dias,sem prejuízo da substituição do títuloda prisão ante tempus. Além do prejuí-zo que essa longa demora em ter a as-sistência de um advogado ou defensorpúblico acarreta para a defesa do futu-ro acusado, a longa demora de ser con-duzido à presença do juiz faz desapare-cer eventuais vestígios de outra grandechaga nacional, a tortura, que certamen-te é inibida se o policial sabe que o pre-so, horas após a prisão, vai avistar-secom um juiz de Direito.

Essas duas providências — (1) assis-tência efetiva de advogado, em regime deplantão, nas delegacias de polícia e (2) con-dução, sem demora, do preso à presençado magistrado (o próprio juiz plantonista)— foram sugeridas, por ofício da Procura-doria-Geral de Justiça do MPDFT à Pre-sidência do Tribunal de Justiça, à OAB eà Defensoria Pública do Distrito Fede-ral, em novembro de 2004, e, posterior-mente, aos órgãos congêneres de outrasunidades federativas, na expectativa deque, mesmo sem a edição de nova lei, se-jam tais medidas implementadas, pormeio dos instrumentos legais já disponí-veis e suficientes, otimizando a raciona-lidade e a dignidade da justiça criminal.Afinal, “se boas são as leis, melhor o bom usodelas” (Antônio Ferreira).

Notas

(1) Lênio Streck. “A dupla face do princípio daproporcionalidade e o cabimento de manda-do de segurança em matéria criminal: supe-rando o ideário liberal-individualista-clássi-co”, Revista da Ajuris, ano XXXII, nº 97, mar-ço/2005, p. 180.

(2) Outras conclusões a que chegaram ambas aspesquisas são referidas em Rogerio SchiettiM. Cruz (Prisão Cautelar: Dramas, Princípios eAlternativas, RJ: Lumen Juris, 2006).

(3) Aduato Suannes. “O ativismo judicial”, Re-vista Brasileira de Ciências Criminais, ano 7,nº 27, jul-set 1999, p. 349.

Rogerio Schietti M. CruzProcurador de Justiça (DF), mestre e

doutorando em Processo Penal (USP)A O

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O processo penal brasileiro não conhe-ce a figura do acusado dissociada do de-fensor. “Vivem, acusado e defensor, em ver-dadeira simbiose”.(1) Qualquer que seja oprocedimento, previsto na legislação co-mum ou especial, qualquer que seja a in-fração praticada, crime ou contravenção,qualquer que seja o acusado que a come-teu, o acompanhamento por profissionalhabilitado é imperativo. A Lei nº 11.449/07, seguindo a diretriz principiológicaque se extrai do Código de Processo Pe-nal, pretendeu tornar inequívoca a neces-sidade de assistência de defensor antesmesmo de iniciado o processo, na fase pré-cautelar da prisão em flagrante. A novaregulamentação legal procurou estendero papel da defesa além do processo judi-cial, ao exigir a comunicação à Defenso-ria Pública acerca da prisão em flagrante,caso o autuado não informe o nome deseu advogado, in verbis:

“Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e olocal onde se encontre serão comunicadosimediatamente ao juiz competente e à famí-lia do preso ou a pessoa por ele indicada.

§ 1º Dentro em 24h (vinte e quatro ho-ras) depois da prisão, será encaminhado aojuiz competente o auto de prisão em fla-grante acompanhado de todas as oitivas co-lhidas e, caso o autuado não informe o nomede seu advogado, cópia integral para a De-fensoria Pública.

§ 2º No mesmo prazo, será entregue aopreso, mediante recibo, a nota de culpa, assi-nada pela autoridade, com o motivo da pri-são, o nome do condutor e o das testemunhas.”

A Constituição Federal, no art. 5º,LXII, prevê a comunicação da prisão emflagrante ao juiz competente, à família dopreso ou a pessoa por ele indicada, nosexatos termos da nova redação do art.306, caput do CPP, dada pela Lei nº 11.449/07. Assim como as comunicações a se-rem realizadas pela autoridade policial,a fixação do prazo de 24 horas para a la-vratura do auto de prisão em flagrantepouco inovou o ordenamento jurídico,seja porque a Charta Magna já dispunhasobre a cientificação da detenção a de-terminadas pessoas, seja porque se infe-ria do prazo de entrega da nota de culpaqual seria o lapso de tempo em que de-veria finalizar a lavratura do auto de pri-são e operar-se a comunicação da captu-ra à autoridade judiciária.

Posto que pouco se alterou o panora-ma jurídico atinente às comunicações eprazos a que deve subordinação a autori-dade policial, verdadeira inovação verifi-cou-se na necessidade de informar a De-

LEI Nº 11.449/07: O PAPEL DADEFENSORIA PÚBLICA NA PRISÃO EM FLAGRANTE

Carlos Henrique Borlido Haddad

fensoria Pública sobre a prisão efetuada.O autuado pode ser atingido nos seus

direitos pessoais e reais logo que a prisãose efetiva. A presença do defensor é ne-cessária, pois a defesa não começa com aacusação formal. É do conhecimento ge-ral que entre o início do inquérito poli-cial e o começo da instrução criminalmedeiam dias, semanas ou meses. Se odefensor não atuar na fase inquisitória,muitos elementosde interesse paraa defesa não che-garão à fase con-traditória e, mes-mo confiando naautoridade poli-cial, cujos atospresumem-se re-vestir de legalida-de, não seria exa-gero imaginar, aomenos, o uso decritério seletivode provas. Sãoessas as razõespelas quais seconferiu ao autu-ado o direito degozar de patrocí-nio da Defensoria Pública, a fim de quetenha tutelado, quanto antes, seus inte-resses, especialmente os concernentesà liberdade.

A remessa à Defensoria Pública dacópia do auto de prisão em flagrante, emrelação ao autuado que não tenha indica-do advogado constitui medida indispen-sável à manutenção da detenção. A omis-são da autoridade policial não importaem nulidade do auto de prisão, desde queobedecidas as demais formalidadesexigidas nos artigos 304 e 305 do CPP. Aconseqüência da falta de comunicação àDefensoria Pública não afetaria o autode prisão lavrado, perfeito e acabado,mas teria repercussões sobre a manuten-ção da prisão provisória do autuado, quepassaria a ser ilegal em virtude de se ne-gar efetiva assistência de advogado, co-mo determinada no art. 5º, LXIII daConstituição de 1988.

A obrigatória presença do defensordurante o interrogatório judicial foi de-terminada pela Lei nº 10.792/03. Mas aregulamentação não apenas exigiu a pre-sença do defensor em juízo. Em combi-nação com o art. 6º, V do CPP, a audiçãodo indiciado na fase extrajudicial passoua reclamar a presença do defensor, por-que, ao procedimento administrativo, são

aplicáveis, no que for cabível, a disci-plina do interrogatório judicial. A in-quirição realizada em sede extrajudi-cial não é diferente da efetivada em juí-zo, salvo pelas autoridades que as pre-sidem e pelo momento procedimentalem que ocorrem.

Não basta reconhecer o direito inscul-pido no art. 5º, LXIII da Constituição daRepública na esfera judicial. É imensa-

mente mais raroo juiz cometer al-gum abuso du-rante o interroga-tório, realizadoem audiênciaspúblicas e acessí-vel a todas as pes-soas, do que a au-toridade policialem sede extraju-dicial. Tomadode surpresa e sema presença de de-fensor, torna-se ointerrogatório,cuja publicidadeda consecução érestrita, palco dedeclarações nem

sempre proferidas com plena liberdadede autodeterminação.

A efetividade da defesa técnica, quedeve ser garantida ainda na fase extraju-dicial, não se perfaz com a mera indaga-ção se o acusado deseja comunicar suaprisão a advogado. Há de ser garantida aconcreta assistência, a começar pela pre-sença do defensor ao ato de inquirição,salvo manifestação em contrário do pró-prio autuado. A preocupação com a as-sistência técnica durante o procedimentoextrajudicial é necessária em face da mi-serável freguesia de nosso sistema penal.

Por esse motivo, pecou a Lei nº 11.449/07 ao impor a comunicação da Defenso-ria Pública sobre a prisão em flagrante doautuado após lavrado o respectivo auto econtrariou, em certa medida, o que dis-põe o art. 185, caput e § 2º c/c art. 6º, V,ambos do CPP, de acordo com os quais ointerrogatório, qualquer que seja, reali-za-se na presença do defensor, após pré-via entrevista. Em sua tentativa de ade-quar-se às disposições da Constituição de1988, o Código de Processo Penal sofresucessivas alterações que, se por um ladoapresentam aspecto positivo na concate-nação de normas constitucionais e ordi-nárias, por outro lado eliminam a sua es-trutura sistêmica e conferem ao diploma

A presença do defensor durante ointerrogatório em nada pode

melhorar a condição processual doautuado se não lhes foi permitido

prévio contato, capaz de integrar adefesa técnica à autodefesa.

Às vezes, por mais que o defensortente afastar ou diminuir a

responsabilidade assumida por eleno interrogatório, baldam-se osesforços. A prova já se tornou

maciça e contundente, não maisinfirmável por qualquer outra.

LEI

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BOLETIM IBCCRIM - ANO 14 - Nº 172 - MARÇO - 2007 19BOLETIM IBCCRIM - ANO 14 - Nº 172 - MARÇO - 2007 19

Entidades queassinam o Boletim:

AMAZONASAMAZONASAMAZONASAMAZONASAMAZONAS• Ministério Público do Amazonas

CEARÁCEARÁCEARÁCEARÁCEARÁ• Associação Cearense de

Magistrados• Associação Cearense do

Ministério Público

DISTRITO FEDERALDISTRITO FEDERALDISTRITO FEDERALDISTRITO FEDERALDISTRITO FEDERAL• Associação dos Magistrados do

Distrito Federal e Territórios -Amagis/DF

• Defensores Públicos do DistritoFederal - ADEPDF

GOIÁSGOIÁSGOIÁSGOIÁSGOIÁS• Associação dos Magistrados do

Estado de Goiás - Asmego

MATO GROSSO DO SULMATO GROSSO DO SULMATO GROSSO DO SULMATO GROSSO DO SULMATO GROSSO DO SUL• Associação dos Delegados de

Polícia de Mato Grosso do Sul -Adepol/MS

• Sindicato dos DefensoresPúblicos do Mato Grosso do Sul

MINAS GERAISMINAS GERAISMINAS GERAISMINAS GERAISMINAS GERAIS• Curso A. Carvalho Sociedade

Ltda. - Belo Horizonte• Instituto de Ensino, Pesquisa e

Atividades de Extensão emDireito Ltda. - Praetorium

P A R ÁP A R ÁP A R ÁP A R ÁP A R Á• Associação do Ministério

Público do Estado do Pará

PARANÁPARANÁPARANÁPARANÁPARANÁ• Associação dos Delegados de

Polícia do Estado do Paraná

RIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRO• Fundação Escola Superior da

Defensoria Pública do Estado doRio de Janeiro - Fesudeperj

RIO GRANDE DO SULRIO GRANDE DO SULRIO GRANDE DO SULRIO GRANDE DO SULRIO GRANDE DO SUL• Associação dos Delegados de

Polícia do Rio Grande do Sul -ASDEP/RS

SÃO PAULOSÃO PAULOSÃO PAULOSÃO PAULOSÃO PAULO• Associação dos Delegados de

Polícia do Estado de São Paulo- ADPESP

• Associação Nacional dosDelegados de Polícia Federal -Rg. SP - ADPF

• Associação Paulista deMagistrados - Apamagis

• Curso C.P.C.• Ordem dos Advogados do Brasil

- OAB/SP

A VARA DE EXECUÇÕES CRIMINAIS DE SÃO PAULO E O JUIZ NATURAL

No dia 1º de fevereiro último, representantes do IBCCRIM e de diversas entidades (entreelas a Associação Juízes para a Democracia – AJD, a Pastoral Carcerária, o Conselho Esta-dual de Defesa da Pessoa Humana – Condepe) compareceram ao Tribunal de Justiça/SP parauma audiência junto ao Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, órgão compostopelo presidente, vice-presidente do TJ/SP e pelo corregedor-geral de Justiça, com o fim de sereiterar antiga postulação da sociedade civil no sentido de prover a Vara das Execuções Cri-minais da Capital com um cargo de juiz titular, em atenção ao princípio constitucional do juiznatural, garantia do jurisdicionado, que vem sendo ferido há pelo menos duas décadas peloJudiciário paulista. Na ocasião, os representantes das entidades reafirmaram os termos darepresentação formulada oito anos atrás pelo IBCCRIM e pela AJD, tendo referidos desem-bargadores se mostrado favoráveis ao encaminhamento da questão junto ao Órgão Especialdo TJ em caráter prioritário.

aspecto de colcha de retalhos.A comunicação da prisão deve ser feita

imediatamente, desde que o autuado não seoponha a aconselhar-se com advogado. Con-quanto a comunicação posterior à lavraturado auto de prisão em flagrante atenda as re-centes exigências normativas do Código deProcesso Penal, não satisfaz o direito consti-tucionalmente assegurado de assistência dedefensor ao preso, por se tratar de tardia me-dida. O direito constitucional somente estaráassegurado se fornecida a assistência por de-fensor antes de se prestar declarações perantea autoridade policial, sobretudo em relaçãoaos presos pobres, que encontram maioresdificuldades em obter auxílio técnico. Casocontrário, o autuado, informado sobre a pos-sibilidade de assistência do defensor e de serinquirido em sua presença, mas sem condi-ções materiais de providenciar a defesa téc-nica, seria capaz de produzir elementos pre-judiciais a si mesmo, sem que a posterior re-messa de cópia do auto de prisão em flagran-te à Defensoria Pública elidisse a situaçãogravosa eventualmente criada.

Se a prova coletada no auto de prisão emflagrante é ordinariamente trazida, de ma-neira integral, para dentro do processo e seas condenações são calcadas nos atos de in-vestigação, conquanto disfarçadas no discur-so do “cotejamento com” ou da “corrobora-ção pela” prova judicial, mostra-se indis-pensável assegurar ao preso as mesmas ga-rantias de que dispõe quando formalmenteacusado em juízo.

Não apenas a presença do defensor no in-terrogatório, mas também a possibilidade deentrevista com o autuado previamente à in-quirição é medida a ser observada em cadaprocesso. Suannes já afirmava a necessida-de de o magistrado assegurar ao acusado ocontato com o defensor antes mesmo dealertá-lo do direito ao silêncio.(2) A presen-ça do defensor durante o interrogatório emnada pode melhorar a condição processual

do autuado se não lhes foi permitido préviocontato, capaz de integrar a defesa técnica àautodefesa. Às vezes, por mais que o defen-sor tente afastar ou diminuir a responsabili-dade assumida por ele no interrogatório,baldam-se os esforços. A prova já se tornoumaciça e contundente, não mais infirmávelpor qualquer outra.

À parte as indefectíveis críticas e os inde-fectíveis elogios à Lei nº 11.449/07, deixou-seentrever a renovada preocupação do legisla-dor ordinário com a defesa do acusado antesmesmo da instauração da ação penal. Ela teveo grande mérito de, em nível infraconstitu-cional, estender à fase pré-judicial da perse-cução penal a assistência do defensor ou, aomenos, cientificar a instituição apta a postu-lar em favor do preso sobre a ocorrência deuma restrição à liberdade, para ensejar a tu-tela de interesses dele. Entretanto, preocu-pou-se mais em garantir a comunicação daprisão em flagrante do que fornecer meiospara que o preso contasse com efetiva assis-tência técnica quando interrogado durante aconfecção do auto de prisão. A extensão quese pretendeu conferir à atuação da Defenso-ria Pública foi curta quanto um monossíla-bo, porque deixou de estabelecer a assistên-cia da defesa técnica durante a lavratura doauto de prisão em flagrante, com base no qual,conforme a experiência revela, não poucascondenações são sustentadas.

Notas

(1) AZEVEDO, Vicente de Paulo Vicente de. Cursode Direito Judiciário Penal. São Paulo: Saraiva, v. 1,1958, p. 92.

(2) SUANNES, Adauto Alonso S. “O interrogatóriojudicial e o art. 153, §§ 15 e 16, da ConstituiçãoFederal”, Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 572,jun., 1983, p. 289.

Carlos Henrique Borlido HaddadJuiz federal, mestre e doutor em

Ciências Penais pela UFMGLEI

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