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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA A INTEGRAÇÃO DA LEI 12.846/13 AO SISTEMA BRASILEIRO DE COMBATE À CORRUPÇÃO: REFLEXÕES E ANÁLISES CRÍTICAS Por: Mychelle Martins Auatt Freitas Orientador Prof. Jean Alves Rio de Janeiro 2016 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

A INTEGRAÇÃO DA LEI 12.846/13 AO SISTEMA BRASILEIRO

DE COMBATE À CORRUPÇÃO:

REFLEXÕES E ANÁLISES CRÍTICAS

Por: Mychelle Martins Auatt Freitas

Orientador

Prof. Jean Alves

Rio de Janeiro

2016

DOCUMENTO PROTEGID

O PELA

LEI D

E DIR

EITO AUTORAL

2

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

A INTEGRAÇÃO DA LEI 12.846/13 AO SISTEMA BRASILEIRO

DE COMBATE À CORRUPÇÃO: REFLEXÕES E ANÁLISES

CRÍTICAS

Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada

como requisito parcial para obtenção do grau de

especialista em Direito e Processo Penal.

Por: Mychelle Martins Auatt Freitas.

3

AGRADECIMENTOS

Agradeço à _____ que engradeceu

sobremaneira esta monografia.

4

RESUMO

O presente trabalho realiza, inicialmente, uma análise sobre a evolução do

conjunto normativo brasileiro que busca tutelar a Administração Pública através da

construção de um Sistema Brasileiro de Combate à Corrupção. Assim, identificaremos,

primeiro, se esse Sistema existe e quais as principais leis que integram esse objetivo

estatal de prevenir e combater a corrupção no país, especialmente pelos mecanismos de

controle e responsabilização voltados para a defesa da moralidade administrativa.

Identificada a formação do Sistema Brasileiro de Combate à Corrupção e suas

respectivas leis, realizaremos uma análise crítica das inovações trazidas pela Lei

12.846/13 que complementa e consolida o conjunto de normas que tutelam a moralidade

administrativa.

Palavras-chave: Sistema Brasileiro de Combate à Corrupção. Moralidade

administrativa. Lei 12.846/13.

5

METODOLOGIA

O tratamento dos crimes relacionados à tutela da Administração Pública sofreu

uma grande evolução ao longo das últimas décadas, demonstrando uma especial

preocupação pelas sociedades em identificar e criminalizar condutas outrora ligadas

exclusivamente às esferas civil e administrativa.

Para a produção da presente monografia analisamos o histórico do

desenvolvimento do Sistema Brasileiro de Combate à Corrupção, bem como o conjunto

normativo que trata dessa evolução, de forma a permitir a efetiva análise da formação de

um sistema normativo específico.

Também, verificamos que a Lei 12.846/13 trouxe uma importante

complementação ao Sistema, estabelecendo um conjunto de tipificações de cunho

outrora eminentemente administrativo, trazendo a responsabilização administrativa e

civil das pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública.

Portanto, partindo-se da pesquisa histórica e do conjunto normativo que trata do

ordenamento da atividade estatal de combate à corrupção, pudemos levantar as

informações necessárias para realizar a análise da lei 12.846/13 e sua

complementariedade ao Sistema Brasileiro de Combate à Corrupção, com seus reflexos

e críticas, verificação desenvolvida, essencialmente, pela pesquisa bibliográfica e

posicionamentos jurisprudenciais relacionados ao tema.

6

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 07

CAPÍTULO I - O Sistema Brasileiro de Combate à Corrupção 9

CAPÍTULO II - A Integralização da Lei n.º 12.846/13 ao SBCC 37

CONCLUSÃO 47

BIBLIOGRAFIA 50

ÍNDICE 54

7

INTRODUÇÃO

A preocupação do legislador com a tutela patrimonial da Administração Pública

está presente no ordenamento jurídico brasileiro desde longa data, seja estabelecendo

regras e limites àqueles que atuam na gestão dos assuntos do Estado como, também,

criminalizando determinadas condutas realizadas contra a Administração que, se

concretizadas, podem trazer sérios prejuízos a todo corpo social.

A partir da assunção pelo Estado brasileiro de uma posição central no objetivo

de desenvolvimento econômico e social do país é possível observar o estabelecimento

constante e progressivo de um conjunto normativo de proteção da Administração

Pública.

Limitando-se a análise apenas ao período republicano, por exemplo, observa-se a

previsão de crimes contra a Administração Pública no Código Penal de 1940, bem como

em um amplo conjunto de leis específicas, como, por exemplo, a Lei n.º 1.079 de 1950,

que estabelece crimes de responsabilidade para gestores públicos, cujo intuito protetivo

para a Administração foi complementado pelo Decreto-lei n.º 201 de 1967, entre

diversas outras normas.

Assim, em razão das diversas leis criadas pelo Poder Legislativo, a tutela da

Administração Pública ultrapassou a esfera patrimonial, evoluindo para também

proteger a moralidade pública, com regras de conduta mais explícitas e estabelecidas em

razão de um extenso conjunto de valores explicitamente previstos na Constituição da

República.

Essas leis têm origem no esforço legislativo de conformar um conjunto

normativo de proteção à Administração Pública e, consequentemente, à própria

sociedade.

8

Especialmente após a Constituição da República de 1988, o Poder Legislativo

atuou de forma bastante efetiva e concreta no objetivo constitucional de garantir que o

agente público em sua atividade administrativa esteja cumprindo, sempre, a moldura

axiológica bem definida pela CRFB/88 voltada ao interesse público, à moralidade e à

probidade administrativa.

Mas essa resposta também se fundamentou em uma série de compromissos

internacionais que buscam dar efetividade ao combate à corrupção, fator que impede o

efetivo desenvolvimento de relações econômicas baseadas em critérios técnicos e

financeiros.

Até o século passado, países como Alemanha e Inglaterra permitiam que as

empresas privadas nacionais abatessem os valores despendidos com corrupção e propina

nos países estrangeiros, fato que demonstrava uma despreocupação com o padrão ético e

moral fora de seus territórios.

No entanto, a corrupção e especialmente os valores ilícitos obtidos com essa

grave mácula social acabam fomentando outros tipos de atividades ilícitas que, muitas

vezes, acabavam por atingir os países desenvolvidos. Essa constatação foi decisiva na

percepção de que a corrupção deveria ser combatida em sede internacional, evitando-se

a criação de conglomerados criminosos internacionais e a circulação de valores

ilicitamente obtidos no sistema financeiro mundial.

Dessa forma, pretendemos analisar a evolução legislativa que busca combater a

corrupção, bem como identificar a construção de um Sistema Brasileiro de Combate à

Corrupção, especialmente após a previsão da Lei n.º 12.846 de 2013, que estabeleceu,

pela primeira vez, a possibilidade de responsabilização objetiva das pessoas jurídicas

que atuem de forma contrária à Administração Pública, realizando uma análise crítica a

esta importante lei que complementa e consolida o Sistema Brasileiro de Combate à

Corrupção.

9

CAPÍTULO I

O SISTEMA BRASILEIRO DE COMBATE À

CORRUPÇÃO

1.1 - INTRODUÇÃO

A tutela penal da Administração Pública apresenta uma extensa abordagem

histórica, uma vez que podemos identificar esse objetivo desde quando, no direito

romano, se estabeleceu a diferença entre os delitos públicos e privados, originando,

dessa forma, a proteção da administração com a previsão dos delitos de perduellio1.

Ainda na antiguidade é possível identificar alguns instrumentos que remetiam à

ideia de que se estaria tutelando penalmente a Administração Pública, como no caso do

Código de Hamurabi, que previa no art. 6º a pena de morte para quem furtasse bens da

Corte2.

No entanto, a eventual proteção da Administração Pública na antiguidade se

confundia com a proteção ao rei soberano ou ao patrimônio do reino, com um forte viés

religioso, fundamento de várias das penas impostas àquele que realizava uma conduta

prejudicial ao Estado.

Também não se pode esquecer que a figura do rei, no período absolutista, se

confundia com a própria figura do Estado, o que justificava o estabelecimento de penas

1 ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal. Parte Geral. 7.

ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 166. 2 PRADO, Antonio Orlando de Almeida. Código de Hamurabi - Lei das XII tábuas - Manual dos

inquisidores - Lei do Talião. São Paulo: Paulistanajur, 2004. p. 10.

10

sem uma distinção clara quanto ao ataque ao patrimônio público ou à Administração

Pública.

A proteção que a estruturação do direito penal conferia ao Estado,

caracterizando o estabelecimento de delitos públicos, somente será observada de forma

mais contundente no período romano, mesmo que tenha havido certa banalização para

os crimes majestatis, que tipificavam condutas como desnudar-se diante da estátua do

imperador romano, utilizar-se de tecidos na cor imperial (cor púrpura) ou mesmo

questionar decisões tomadas pelo imperador3.

Nesse contexto de evolução da tutela à Administração Pública, o

estabelecimento desses crimes no Brasil teve profunda influência portuguesa,

especialmente o Código Criminal do Império, de 1830, que possuía títulos próprios em

que estabeleciam a proteção do Estado tipificando os “Crimes contra a boa Ordem, e

Administração Publica” e “Dos crimes contra o Thesouro Publico, e propriedade

publica”, respectivamente no Título V e VI4.

O mesmo intuito protetor foi apresentado no Decreto n.º 847, de 11 de outubro

de 1890, que instituía o Código Penal da República5, pois no Título V do Livro II do

Código tratava “Dos crimes contra a boa ordem e administração publica” e no Título II

do mesmo Livro II “Dos crimes contra a segurança interna da Republica”.

Assim, em uma análise do conjunto de normas brasileiras, é possível afirmar

que até o Código Penal atualmente vigente, a tutela da Administração Pública esteve

presente, especialmente na tipificação de condutas criminosas que atentassem ora ao

patrimônio público ora aos próprios órgãos da Administração Pública ou ao seu regular

funcionamento.

3 ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Op. cit. p. 166-167. 4 CODIGO CRIMINAL DO IMPERIO DO BRAZIL. Lei de 16 de dezembro de 1830. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm>. Acesso em 14/04/2016. 5 CÓDIGO PENAL DA REPÚBLICA. Decreto n.º 847, de 11 de outubro de 1890. Disponível em

<http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66049>. Acesso em 14/04/2016.

11

Mas, especialmente após o Código Penal de 1940, inicia-se a construção de um

ordenamento jurídico mais robusto e especializado na tutela da Administração Pública,

ultrapassando a mera proteção patrimonial e inserindo uma série de valores e objetivos

voltados à moralidade administrativa e ao cumprimento da eficiência estatal.

Um dos elementos que mais degradam as relações sociais e prejudicam a

Administração Pública é a corrupção6. Termo utilizado para retratar a contrariedade aos

princípios éticos e morais estabelecidos por uma sociedade e que, caso concretizada,

prejudica a figura do próprio Estado e desvirtua os próprios valores que a sociedade

associa ao ser humano correto.

Com base nessa visão de como deve agir o cidadão comum, em uma conduta

ética e proba, a Administração Pública iniciou uma longa jornada na tentativa de afastar

esses atos de corrupção de suas relações jurídicas. Assim, estabelecendo regras e

valores, busca concretizar a atuação de seus agentes públicos e dos administrados que

com ela mantém relações jurídicas de forma íntegra e correta, sem a realização de atos

de corrupção.

Esse é o objetivo do presente estudo, verificar a criação de um Sistema

Brasileiro de Combate à Corrupção e como a Lei 12.846/13 se insere nesse sistema ao

trazer uma ampla gama de novidades relacionadas ao combate à corrupção.

1.2 - A Formação do SBCC

A corrupção está presente em nossa sociedade desde os tempos remotos. A

Bíblia já descrevia um primeiro caso de corrupção, quando a serpente do Éden corrompe

6 “Corrupção. s.f. 1. Ato ou efeito de corromper; decomposição, putrefação. 2. Devassidão, depravação,

perversão. 3. Suborno, peita.”, in FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 486.

12

Eva por meio de sua lustrosa maçã. Somente depois de consumado o fato é que Eva

perceberia que havia sido enganada7.

Já no período da Antiguidade, diversos autores apontavam em suas peças

teatrais a presença da corrupção na Grécia antiga8. Mas, um elemento importante

desponta no desenvolvimento das relações em sociedade, a partir do momento em que

Aristóteles9 identifica o cidadão ideal como aquele que preza a honestidade (agathón),

bem como Platão10 censura o recebimento de “presentes” na construção de sua cidade

idealizada.

A partir do desenvolvimento das sociedades e a interação entre os diversos

povos, os valores ético-morais acabam se transformando, sofrendo práticas

deformadoras daquele conjunto de valores idealizados outrora pelos pensadores gregos.

No entanto, o período histórico da Idade Média contribuiu sobremaneira para a

concretização da corrupção a partir do momento em que o patrimônio público e o

privado se confundiram na figura dos monarcas. O exemplo mais claro dessa

deterioração dos limites entre o público e o privado é dado por Luís XIV, que afirmou

de forma categórica que “L'État c'est moi”, isto é, em tradução livre “O Estado sou eu”.

Essa visão demonstra que as monarquias absolutistas, típico modelo de Estado

dos séculos XVI e XVII, trouxeram uma grave deturpação da separação entre as funções

do Estado e seu patrimônio, o que facilitou o surgimento de meios não oficias para

buscar o convencimento e a tomada de decisões por meio do oferecimento de benefícios

àqueles que eram detentores do poder.

7 Segundo o Capítulo 3, versículo 13 do Gênesis, Eva afirmou em seu diálogo com Deus que “A serpente

me enganou, por isso comi”. 8 VIEIRA, Ana Livia Bomfim. Algumas Considerações sobre Política e Corrupção na Grécia Antiga. In:

SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 24., 2007, São Leopoldo, RS. Anais do XXIV Simpósio Nacional de História – História e multidisciplinaridade: territórios e deslocamentos. São Leopoldo: Unisinos, 2007. CD-ROM.

9 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002. p. 240. 10 PLATÃO. A República. São Paulo: Editora Martin Claret, 2000.

13

Dessa forma, ante a conformação do exercício do poder, os interesses dos que

detinham o poder acabavam sobrepostos aos dos cidadãos, pois não havia nenhum

instrumento hábil ao questionamento desse exercício.

Quando o liberalismo é implantado como modelo econômico nos séculos

seguintes se observa uma preocupação por parte da sociedade de diminuição dos

espaços de controle da economia pelo Estado. O Estado é idealizado por Adam Smith

como a “mão invisível”11, representando a necessidade de uma menor intervenção nas

atividades produtivas.

Mas essa visão de Estado não é suficiente para afastar a burocratização das

atividades administrativas, prática que desde a modelagem do Estado Moderno

representou um maior conjunto de atos administrativos realizados sob o contexto do

interesse público.

O estabelecimento de leis que limitavam a atuação estatal e a crescente

burocratização foram fatores decisivos para que o Direito Administrativo recebesse

autonomia científica. As regras desse importante ramo do direito funcionaram, portanto,

como elementos de delimitação da atuação estatal nos assuntos afetos à sociedade e seu

interesse público.

Especialmente em razão da burocratização e da formação do Estado Moderno é

que a corrupção assume um papel de destaque no desenvolvimento das relações entre os

agentes públicos e os particulares.

Dentro dessa realidade, observada no desenvolvimento das relações com a

Administração Pública, se fundamenta a atuação do legislador na conformação de uma

série de leis voltadas a tutelar a regularidade dos atos administrativos, de forma que

estes sejam concretizados sem excessos, mas também sem desvios éticos e morais

provenientes de corrupção.

11 SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. 1 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

14

A evolução das leis brasileiras voltadas para este objetivo maior será analisada

para identificarmos, não somente o conjunto de leis que concretizaram esse objetivo,

mas a forma como isso ocorreu no período republicano brasileiro.

1.2.1 – O Código Penal de 1940:

O Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, estabeleceu o Código

Penal Brasileiro atualmente em vigor, havendo a previsão em seu Título XI de condutas

criminosas realizadas contra a Administração Pública.

Como já exposto, os anteriores Código Criminal do Império e Código Penal da

República previam, de forma bastante objetiva, a tipificação de determinadas condutas

que traziam prejuízo à Administração Pública e, dessa forma, tinham por objetivo

tutelar esse bem jurídico.

Apesar da previsão de tais crimes, não havia uma preocupação em se identificar

todas as possíveis condutas que pudessem trazer prejuízo à Administração Pública,

sendo previsto, em regra, condutas voltadas à proteção do patrimônio público e ao

exercício da atividade estatal, ainda que possamos identificar condutas específicas como

a advocacia administrativa12, a violação de sigilo de proposta de concorrência13 ou o

emprego irregular de verbas ou rendas públicas14.

12 CÓDIGO PENAL. Art. 321: “Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a

administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário. Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.” Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em 16/04/2016.

13 CÓDIGO PENAL. Art. 326: “Devassar o sigilo de proposta de concorrência pública, ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo. Pena - Detenção, de três meses a um ano, e multa.” Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em 16/04/2016.

14 CÓDIGO PENAL. Art. 315. “Dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei. Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.” Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em 16/04/2016.

15

No entanto, o Código Penal de 1940 representou um importante avanço na

sistemática da proteção à Administração Pública, pois além da previsão de novas

condutas típicas, trouxe uma nova sistematização para crimes que agora se

apresentavam de forma mais clara e objetiva.

Dessa forma, a proteção da Administração Pública não foi restringida ao

conjunto de seus órgãos ou competências, em verdade, a observação das condutas

tipificadas no Código Penal demonstra a preocupação com a atividade funcional estatal,

seja pelo viés da lisura da atuação da própria administração como por seu prestígio e

ordem na concretização de seus atos.

Também, não se pode afastar a verificação de que a tutela da Administração

Pública encontra-se estabelecida para o normal funcionamento dos órgãos públicos

pertencentes às três esferas de Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário), uma vez que

cada qual desempenha funções que interferem na coletividade e que devem almejar o

bem estar e o desenvolvimento social.

A tipificação de condutas que representam uma infração penal contra a

Administração Pública, portanto, devem cumprir os mesmos requisitos formais e

materiais para a responsabilização de um agente do fato típico. Deve estar presente uma

conduta realizada por uma pessoa física, o nexo de causalidade entre a conduta e o dano

causado a um bem jurídico tutelado pelo Código Penal. O resultado é a imputabilidade

do crime ao agente pelo cometimento de uma conduta ilícita realizada contra a

Administração Pública.

No título próprio do Código Penal (Título XI, Dos Crimes contra a

Administração Pública), as condutas criminosas são estabelecidas levando em

consideração uma série de possíveis agentes. Estabeleceu-se condutas criminosas a

serem cometidas tanto por funcionários públicos quanto por particulares, não se

16

podendo esquecer que o conceito de funcionário público foi desenvolvido no art. 327 do

Código Penal15.

Assim, é possível afirmar que o Código Penal de 1940 representa o marco

inicial do conjunto normativo vigente para a proteção da Administração Pública,

especialmente por inaugurar a tipificação de novas condutas e prever um espectro de

proteção a um conjunto maior de bens jurídicos relacionados à atividade estatal, tais

como o interesse público e as relações públicas.

1.2.2 – A Lei 1.079 de 1950:

A Lei n.º 1.079, de 10 de abril de 1950, define os crimes de responsabilidade e

define outros elementos necessários para a responsabilização e julgamento por tais

condutas. No entanto, é necessário observar que embora possua a denominação de

crimes de responsabilidade, tais condutas não possuem natureza penal, pois são

enquadradas como infrações estabelecidas como sanções de natureza político-

administrativa.

Evidencia essa natureza extra-penal a ausência de condenação a pena restritiva

de liberdade16, bem como as previsões de sanções políticas, tais como a perda do cargo

exercido e a inabilitação para exercer outra função pública, pelo período de até cinco

anos, conforme previsão do artigo 2° da Lei n.º 1.079/50.

15 A redação original do art. 327 do Código Penal estabelecia “Art. 327 - Considera-se funcionário

público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.” Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em 16/04/2016.

16 As penas estabelecidas no art. 2º da Lei 1.079/50 são assim fixadas: “Art. 2º Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República ou Ministros de Estado, contra os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador Geral da República.” Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L1079.htm. Acesso em 17/04/2016.

17

A tutela à Administração Pública conferida pela Lei n.º 1.079/50 demonstra-se

mais ampla que a conferida pelo Código Penal, pois estabelece no rol dos crimes de

responsabilidade uma série de condutas17 que exigem do administrador tanto o

cumprimento da lei e da Constituição como a própria probidade na sua administração.

Dessa forma, a criação da Lei n.º 1.079/50 complementou a tutela da

Administração Pública pelo viés da responsabilização por infrações político-

administrativas, ultrapassando a seara penal e a aplicação de pena restritiva de liberdade.

Também, a preocupação com a moralidade administrativa está bastante

realçada na apontada lei, pois na definição dos crimes de responsabilidade observa-se de

forma destacada a preocupação com a probidade e a moralidade administrativa por parte

do administrador público.

Evidencia-se, portanto, a tutela da Administração Pública com o Código Penal

de 1940, com a importante complementação dessa mesma tutela pela previsão dos

crimes de responsabilidade pela Lei n.º 1.079/50. A tutela ultrapassa a simples esfera

penal para assumir contornos de responsabilização político-administrativa.

1.2.3 – A Lei 4.717/65:

A Lei 4.717, de 29 de junho de 1965, também conhecida como Lei da Ação

Popular, é considerada um instrumento de controle dos atos administrativos efetivado

pelo cidadão, tendo sido conceituada como:

17 Lei n.º 1.079/50: “Art. 4º São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que

atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra: I - A existência da União; II - O livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados; III - O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV - A segurança interna do país; V - A probidade na administração; VI - A lei orçamentária; VII - A guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos; VIII - O cumprimento das decisões judiciárias (Constituição, artigo 89).” Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L1079.htm. Acesso em 17/04/2016.

18

o meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão

para obter a invalidação de atos ou contratos administrativos -

ou a estes equiparados - ilegais e lesivos do patrimônio federal,

estadual e municipal, ou de suas autarquias, entidades

paraestatais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiros

públicos18.

A ação popular trouxe uma importante inovação ao ordenamento jurídico

brasileiro, especialmente pelo fato de ter por objetivo combater o ato ilegal ou imoral

que seja lesivo ao patrimônio público, sem exigir eventual esgotamento dos meios ou

recursos administrativos que eventualmente possam ser manejados pelo cidadão.

A primeira previsão do instituto se deu na Constituição de 1937, sem o atual

nomem iuris, que previa no artigo 113, inciso 38, a possibilidade de que qualquer

cidadão pudesse pleitear a declaração de nulidade ou anulação dos atos lesivos do

patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios19.

Apesar de sua inauguração no ordenamento jurídico ter ocorrido na

Constituição de 1934, o instituto da ação popular deixou de ser contemplado pela

Constituição de 1937 para ressurgir apenas na Constituição de 1946. Exatamente sob a

égide dessa Constituição é que a Lei 4.717 foi publicada, regulamentando de forma

efetiva o procedimento em que o cidadão poderia pleitear o afastamento de um ato

lesivo à Administração Pública.

O instituto jurídico da ação popular foi mantido ao longo do desenvolvimento

constitucional brasileiro, tendo sido contemplado pela Constituição de 1967 e sua

18 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. São Paulo: Editora Malheiros, 2004. p. 135. 19 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, de 16 de julho de 1934.

Art. 113: “A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: 38) Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou anulação dos atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios.” Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm>. Acesso em 15/04/2016.

19

emenda de 1969 apesar do longo período de carência democrática em tais documentos

constitucionais.

A Constituição da República de 1988 também manteve esse importante

instrumento posto à disposição do cidadão, inserindo-o no rol de direitos e garantias

fundamentais com uma previsão bastante robusta e ainda mais consentânea com a tutela

da Administração Pública20.

O texto da atual previsão em sede constitucional defende de forma efetiva os

interesses da sociedade no ponto em que estabelece um instrumento jurídico que

permite ao cidadão controlar a atividade estatal e que sejam, a priori, contrários ao

interesse público.

O grande destaque do estabelecimento da ação popular como instrumento de

controle de atos da Administração Pública é que a titularidade foi conferida ao cidadão,

elemento integrante do corpo social, e não a um órgão público específico. Tal forma de

se instrumentalizar a ação popular demonstra a preocupação estatal em afastar a forma

de tutela da Administração Pública pelos próprios agentes públicos, conferindo maior

isenção e efetividade no uso dessa garantia constitucionalmente estabelecida em prol da

sociedade.

Finalmente, deve ser observado que a ação popular acabou complementando de

forma bastante eficaz as primeiras previsões de condutas criminosas estabelecidas no

Código Penal de 1940, pois o espectro de proteção conferido pela ação popular tem

como objeto a tutela do Estado contra os atos ilegais e/ou lesivos à Administração

Pública.

20 A CRFB/88 trouxe a previsão da ação popular no art. 5º, inciso LXXIII nos seguintes termos: “qualquer

cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;” Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em 17/04/2016.

20

Dessa forma, a ação popular demonstra o início da formulação de um sistema

legislativo de tutela da Administração Pública mais robusto, atacando não apenas

determinados atos penalmente estabelecidos como criminosos, mas também atos que

por opção legislativa não foram elencados como condutas típicas mas demonstram-se

lesivos ou ilegais e que, portanto, devem ser afastados por meio da ação popular.

1.2.4 - O Decreto-lei n.º 201/67 - Crimes de Responsabilidade:

Assim, como a Lei n.º 1.079/50 estabeleceu os crimes de responsabilidade para

a administração superior da República, complementando, pela primeira vez, a tutela da

Administração Pública através de sanções político-administrativas, o Decreto-lei n.º

201, de 27 de fevereiro de 1967, dispõe sobre os crimes de responsabilidade dos

Prefeitos e Vereadores.

O intuito e conformação do DL n.º 201/67 é bastante similar à Lei 1.079/50,

pois estabelece um extenso rol de condutas que são caracterizadas como crimes de

responsabilidade. No entanto, diferente da Lei n.º 1.079/50 o Decreto-lei prevê a

aplicabilidade de pena privativa de liberdade para aqueles que realizarem determinadas

condutas tipificadas.

Analisando o Decreto-lei n.º 201/67 e, especialmente, o art. 1º que estabelece

em seus vinte e três incisos os crimes de responsabilidade do Prefeito e seus substitutos

legais, observa-se o julgamento pelo Poder Judiciário através de uma das Câmaras do

Tribunal de Justiça do Estado, independentemente da manifestação da Câmara dos

Vereadores.

Também, todos os crimes de responsabilidade dos prefeitos e seus substitutos

são dolosos, isto é, exigem que a conduta seja intencionalmente realizada dirigida a um

resultado, ou mesmo que este assuma o risco de produzi-lo.

21

Exatamente em razão da importância das funções exercidas pelo sujeito ativo

de uma dessas condutas estabelecidas na lei, bem como os graves danos que podem ser

realizados em detrimento da coletividade, o Decreto-lei n.º 201/67 realizou uma

importante complementação aos crimes de responsabilidade, pois o conjunto de agentes

públicos representados pelos prefeitos e seus substitutos é numericamente muito

superior aos agentes sob a égide da Lei n.º 1.079/50.

Independentemente do conjunto de punições estabelecidas pelo Decreto-lei, o

elemento-chave da lei é aumentar o conjunto normativo de proteção à Administração

Pública, uma vez que a Lei n.º 1.079/50 apresenta muitos elementos normativos vagos

na caracterização de um crime de responsabilidade. O Decreto-lei tratou a matéria de

forma mais objetiva, estabelecendo condutas mais bem individualizadas e de fácil

apuração.

Dessa forma, há grande relevância no Decreto-lei n.º 201, de 1967, pois

apresentou um importante passo no sentido de modelar a atuação do administrador

público, especialmente nos pequenos municípios brasileiros, para o atendimento da

moralidade e legalidade de seus atos perante a sociedade.

1.2.5 - A Lei n.º 7.347/85:

A lei da ação civil pública representa a principal norma que tutela os direitos

coletivos, difusos e individuais homogêneos. A previsão do art. 1º da Lei n.º 7.347/85

elenca os bens jurídicos que encontram tutela na lei, mas, acima de tudo, acaba por

demonstrar que os bens tutelados por meio da ação civil pública representam bens

jurídicos de alta importância para a sociedade.

Diferente das demais leis até então criadas, com alto grau de especialização na

indicação dos bens jurídicos tutelados, a lei da ação civil pública representa uma grande

ampliação na forma de tutelar o interesse coletivo. O art. 1º acaba por listar de forma

22

bastante genérica o objetivo da lei, permitindo aos legitimados ativos à ação civil

pública propor demandas que busquem a responsabilização por danos morais e

patrimoniais que venham a atingir tais bens.

Como todos os bens elencados no art. 1º da Lei n.º 7.374/85 pertencem à

coletividade, observa-se que a norma acaba por tutelar um importante conjunto de

atividades realizáveis pela Administração Pública que, não obstante deva agir em

conformidade com os princípios típicos aplicáveis à sua atividade, como a legalidade,

no caso de extrapolação em determinada ação de um dos objetos tutelados, encontrará

na ação civil pública o instrumento apto a corrigir o desvio.

Assim, apesar de não se observar a tutela específica da Administração Pública,

os bens jurídicos tutelados pela norma são amplamente aproveitados na atuação estatal e

na conformação de sua regularidade, o que justifica a apresentação da lei n.º 7.347/85 ao

sistema protetivo da Administração Pública brasileira.

Em sua atual vigência, podemos afirmar que a ação civil pública representa um

instrumento processual adequado para o exercício do controle judicial sobre os atos da

Administração Pública, que tanto pode representar a reparação do dano causado ao

patrimônio público, quanto à aplicação das sanções do artigo 37, § 4°, da CRFB/88 ao

agente público, em decorrência de uma conduta irregular ou ilícita.

Também, a ação civil pública é o instrumento apto e adequado a reprimir ou

impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico,

estético, histórico, turístico e paisagístico e por infrações à ordem econômica,

protegendo, assim, diversos interesses difusos de titularidade da sociedade.

23

1.2.6 - A Lei 8.429/92 - Lei de Improbidade Administrativa:

A lei de improbidade administrativa representa um dos principais instrumentos

de defesa do patrimônio público e da moralidade administrativa na atividade dos

administradores públicos.

Criada em 2 de junho de 1992, a Lei n.º 8.429 concretizou medidas efetivas de

moralização e ética na atuação da Administração Pública, confirmando o desejo social

de combate à corrupção e de punição dos agentes públicos e particulares que venham a

atuar de forma contrária ao interesse público e causando prejuízos ao erário e à

efetividade da Administração Pública.

Como já exposto, a punição das condutas lesivas ao patrimônio público já

possuía um esboço legislativo representado desde o Código Criminal do Império e um

longo conjunto normativo criado ao longo do desenvolvimento de nosso país. No

entanto, como bem afirma José dos Santos Carvalho Filho21, a questão da improbidade

administrativa era tradada de forma tímida, prevendo, por vezes o sequestro e o

perdimento de bens daqueles responsáveis por condutas lesivas ao patrimônio público

ou geradoras de enriquecimento ilícito.

Assim, apenas com o advento da lei de improbidade administrativa, já sob a

ordem constitucional da Constituição de República de 1988 e de sua previsão no art. 37,

§4º da forma de punição dos atos de improbidade, o conjunto normativo que busca

tutelar a moralidade pública pode ser afirmado como consolidado, agora em uma

abordagem bastante completa e elevando a moralidade administrativa a um novo

patamar de importância na atuação da Administração Pública e seus agentes.

A Lei n.º 8.429/92 regulamentou a previsão constitucional e conferiu uma

grande efetividade à luta contra os atos de improbidade administrativa, pois a norma

disciplinou de forma categórica os atos de improbidade administrativa, também

24

elencando os sujeitos ativos e passivos desses atos ímprobos, além das pesadas sanções

aplicadas a esses agentes.

Uma importante observação a ser realizada quanto à Lei n.º 8.429/92 é que a

norma não conceituou o que seria improbidade administrativa, apresentando apenas as

espécies de atos administrativos que podem ser considerados como ímprobos,

agrupando-os em três grupos distintos nos artigos 9º, 10º e 11 da lei.

Outro ponto que merece destaque quanto à norma, é que diversas correntes

doutrinárias tiveram origem na diferenciação entre o conceito de moralidade e de

improbidade, pois a CRFB/88 tratou-os em artigos diferentes, apesar do mesmo objetivo

de tutelar a Administração Pública.

Uma primeira corrente considera a probidade administrativa um subprincípio

do princípio da moralidade, uma vez que se apresenta com um contorno próprio de

instrumentalizar a moralidade22 por meio da lei de improbidade administrativa. De outro

lado, formou-se uma corrente doutrinária23 que entende que a probidade administrativa é

um conceito mais amplo que o de moralidade, pois funciona como regra de submissão

dos atos administrativos à observância de todo o conjunto normativo incidente sobre tais

atos, incluindo, dessa forma, não apenas o princípio da moralidade, mas a todos os

demais princípios elencados na CRFB/88 dirigidos à Administração Pública.

Finalmente, há uma terceira corrente que afirma a inexistência de diferença24

entre a moralidade e a probidade tuteladas, de forma que essas expressões podem ser

utilizadas com o mesmo fim de preservar a moralidade administrativa.

Parece-nos despicienda a diferenciação do alcance entre a moralidade e a

improbidade na concretização dos atos administrativos levados a efeito, uma vez que a

21 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 18 ed. Rio de Janeiro: Ed.

Lumen Juris, 2007. p. 927. 22 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p.103. 23 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22 ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 805. 24 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit. p. 927.

25

conformação de um conjunto de leis claramente dirigido ao cumprimento do interesse

público e da atuação em conformidade com os princípios constitucionais vigentes

demonstra que a moralidade e a probidade são elementos essenciais que levam ao

cumprimento do interesse público.

Talvez esse tenha sido o fator decisivo para que o legislador tenha se

preocupado em especificar e definir o alcance do que representaria a figura do agente

público nos atos de improbidade. Outrossim, a norma não deixou de tratar dos terceiros

que também estão sujeitos às disposições da Lei n.º 8.429/92 pois, mesmo não sendo

agentes públicos, foram trazidos à órbita normativa em razão da possibilidade de

participação, induzindo ou concorrendo, em atos de improbidade administrativa.

Dessa forma, a Lei n.º 8.429/92 possui uma posição de destaque no conjunto

normativo de tutela da Administração Pública, pois trouxe um conjunto bem definido de

atos ímprobos, suas respectivas punições, além de estabelecer de forma clara os agentes

que estavam sob a sua égide.

O Sistema Brasileiro de Combate à Corrupção se consolida com esta lei, uma

vez que se estabeleceu uma série de punições efetivas e bem definidas àqueles que

realizarem condutas tipificadas na lei de improbidade.

1.2.7 - A Lei 8.666/93 - Lei de Licitações:

A partir da delimitação realizada neste trabalho quanto ao elemento temporal,

tomando-se no presente estudo a formação do Sistema Brasileiro de Combate à

Corrupção a partir do Código Penal de 1940, temos que a primeira previsão legal de um

crime contra a Administração Pública em seu ato de adquirir bens e serviços se deu no

Decreto┽lei 201/67.

26

No apontado Decreto-lei o artigo 1º, inciso XI estabelecia o crime de

responsabilidade cometido pelo Prefeito que adquirisse bens ou realizasse serviços e

obras sem a necessária concorrência ou coleta de preços “nos casos definidos em lei”.

Assim, estava presente a preocupação normativa de se estabelecer uma

proteção ao procedimento de concorrência nas aquisições por parte do Estado, buscando

não apenas o cumprimento da moralidade administrativa, mas também a oportunidade

econômica da Administração Pública adquirir bens em condições mais favoráveis.

No entanto, a evolução constitucional trazida pela Constituição da República

de 1988 elevou o procedimento de licitação a um novo patamar com a previsão do

artigo 37, inciso XXI, da CRFB/88, assim redigido após a Emenda Constitucional n.º

19, de 1998:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Com base nessa determinação constitucional foi publicada, em 21 de junho de

1993, a Lei n.º 8.666 trazendo uma série de regras para as licitações e os contratos da

Administração Pública e uma importante inovação ao estabelecer os chamados crimes

de licitações, ainda que haja doutrina afirmando que algumas condutas já estavam

presentes no Código Penal25.

25 LEONARDO, Marcelo. Crime de Responsabilidade Fiscal. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 45.

27

A licitação é um procedimento administrativo obrigatório, prévio, a ser

realizado toda vez que a Administração Pública necessitar a contratação de obras,

serviços, compras, alienações e locações com terceiros.

Um conceito apresentado já com base na Lei n.º 8.666/93 leva em consideração

exatamente o exposto no art. 3º da lei, assim exposto:

licitação é o procedimento prévio à celebração dos contratos administrativos, que tem por objetivo selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração, promover o desenvolvimento nacional e garantir a isonomia entre os licitantes26.

Exatamente em razão da Lei de Licitações elencar seus objetivos, acaba por

conformar de forma bastante objetiva a atuação da Administração Pública, justificando

o estabelecimento dentre as diversas regras para ao procedimento licitatório de condutas

criminosas que sejam contrárias ao correto desenvolvimento dessa importante atividade.

A definição dos crimes relacionados às licitações e contratos administrativos

concretiza o objetivo constitucionalmente imposto pela CRFB/88 de estabelecer uma

política de moralidade administrativa27 a ser aplicada a todo o corpo social em suas

relações.

Os crimes licitatórios confirmam e privilegiam os princípios típicos

relacionados à Administração Pública, como os princípios do caput do art. 37 da

CRFB/88 e o princípio almejado da probidade administrativa. Essa ampla tutela

pretendida fundamenta e concretiza a tipificação adotada pela Lei n.º 8.666/93 ao

estabelecer os crimes de licitação.

Também deve ser observado que o combate aos crimes realizados em

procedimentos licitatórios corresponde a uma necessidade pública, pois produzem

diversos efeitos danosos à sociedade e ao erário:

26 DI PRIETO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 373. 27 BITENCOURT, Cezar Roberto. Direito Penal das Licitações. 1 ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2012. p. 94.

28

Lamentavelmente, os processos licitatórios têm se prestado ao perverso papel de veículos de corrupção e de fraudes no setor público, na medida em que as informações privilegiadas parecem constituir o principal instrumento de trabalho de empresas especializadas em assessorar terceiros que competem em certames licitatórios. Estes, por sua vez, passam a cumprir tarefas de blindagem formal de responsabilidades. (...) Nem seria necessário recordar dos editais que direcionam vantagens e fecham o certame a determinados atores28.

Um eventual questionamento seria a necessidade de tipificação de condutas

criminosas aos agentes que integram um procedimento licitatório, uma vez que eventual

prejuízo causado ao erário poderia ser sanado por meio de outras leis, especialmente as

já existentes e que tutelam o patrimônio público.

No entanto, essa questão perde sentido no momento em que se observa o

conjunto normativo que concretiza a opção constitucional de exigir e fomentar a atuação

do agente público de forma a respeitar as leis, a probidade e a moralidade

administrativa. De forma a delimitar a atuação estatal, a Lei n.º 8.666/93 realizou uma

importante adição ao conjunto normativo, pois protege a lisura dos procedimentos

licitatórios e o interesse público exigido nesses procedimentos.

1.2.8 - A LC 135 - Lei da Ficha Limpa

Em 2010 um importante passo à moralidade foi dado pela Lei Complementar

n.º 135, de 4 de junho de 2010, que tinha por objeto incluir determinadas hipóteses de

inelegibilidade que visavam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no

exercício do mandato.

28 OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da Improbidade Administrativa. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2013. p. 288.

29

A probidade e a moralidade já estavam presentes em nosso ordenamento

jurídico, sendo tuteladas por inúmeras leis que tratavam e estabeleciam diversas

condutas caracterizadas como criminosas.

No entanto, com base na permissão do art. 14 da CRFB/88, a sociedade civil

apresentou projeto de iniciativa popular29 pretendendo limitar a possibilidade de

participação em eleições de candidatos com ficha limpa para diminuir a corrupção no

Brasil. É inafastável o contexto entre a criação da Lei da Ficha Limpa e a sua relação

com o princípio da moralidade administrativa.

O projeto de iniciativa popular tinha por objetivo imediato propor uma lei que

combatesse a corrupção nos meios políticos e reduzisse a impunidade daqueles que

realizavam condutas contrárias ao interesse público nas eleições. O resultado prático da

norma, em tese, exigiria que o candidato aspirante a cargo público eletivo tivesse que

possuir um comportamento ilibado, sem o cometimento de crimes eleitorais ou outras

condutas contrárias ao erário em eventuais administrações públicas anteriores que

tivesse exercido.

Observa-se, portanto, o cumprimento da previsão do art. 14, §9º da CRFB, que

determinava:

§9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

29 A Lei n.º 9.709/98 regulamenta a iniciativa popular, em conformidade com o art. 14 da CRFB/88: “Art.

14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular.”. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em 18/04/2016.

30

Resta evidente que a Lei Complementar n.º 135 de 2010 cumpriu com essa

importante regra moralizadora das eleições, estabelecendo a necessidade de um

comportamento ético no exercício da soberania popular.

A partir do momento em que um cidadão é diplomado e, portanto, inicia a sua

atividade legislativa, determinados efeitos relacionados ao exercício dessa importante

atividade que realiza poderiam trazer grave prejuízo à apuração de crimes ou condutas

que tenham sido realizadas em detrimento da Administração Pública.

Com o objetivo de limitar o uso de mandatos legislativos como forma de

prejudicar a aplicação da justiça, a Lei Complementar n.º 135 limitou os casos em que

uma pessoa pode pleitear a participação em uma eleição por meio de lançamento de sua

candidatura.

O artigo 1º da Lei Complementar n.º 64, que estabelece os casos de

inelegibilidade e foi profundamente alterada pela LC n.º 135, afirma que são inelegíveis

“os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão

judicial colegiado” listando diversos crimes que tornam inelegíveis os cidadãos para

qualquer cargo eletivo tratado na norma.

Assim, foi concretizado um importante instrumento de manutenção da

moralidade administrativa, pois ergue-se para o pretendente a um cargo eletivo a

exigência de que mantenha uma conduta adequada ao interesse público, cumprindo com

a necessária probidade em seus atos e a moralidade em suas atividades.

1.2.9 - A Lei 12.846/13:

A Lei n.º 12.846, de 1º de agosto de 2013, ficou conhecida como Lei

Anticorrupção, por dispor sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas

31

jurídicas em razão da prática de atos contra a administração pública, entre outras

providências que estabelece.

Como restou evidente no presente estudo, o conjunto normativo que define

crimes e infrações administrativas praticados contra a Administração Pública é bastante

extenso.

No entanto, a grande maioria das condutas infracionais que tutelam a

Administração Pública apresentam como sujeito ativo pessoas físicas, o que muitas

vezes afasta ou prejudica a possibilidade de responsabilização das pessoas jurídicas.

A Lei n.º 8.249/92, que estabelece os atos de improbidade administrativa, pune

as pessoas físicas, no caso dos agentes públicos e terceiros que atuem em atos de

improbidade, mas apenas algumas figuras típicas são aplicáveis à pessoas jurídicas. A

Lei n.º 8.666/93, que define ilícitos administrativos e crime licitatórios já possui uma

aplicação mais ampla no tocante aos sujeitos ativos da conduta, pois permite a aplicação

de sanções, administrativas e criminais, a pessoas físicas e jurídicas.

Com o intuito de ampliar a possibilidade de responsabilização das pessoas

jurídicas que venham a cometer ilícitos, a Lei n.º 12.846/13 amplia a responsabilização

administrativa e civil, inclusive estabelecendo a responsabilização objetiva das pessoas

jurídicas, independentemente se a responsabilização se deu por dolo ou culpa30.

Portanto, a lei representa a efetivação do princípio constitucional da moralidade

administrativa e busca evitar que, tanto pessoas físicas quanto jurídicas, venham a

praticar atos de corrupção, cumprindo a exigência da sociedade brasileira de combate à

corrupção.

Tratando-se de uma importante lei, criada como resposta do Estado brasileiro à

demonstração pela sociedade civil de que devem ser adotadas medidas eficazes e

32

concretas para limitar a corrupção no país, ela deve ser entendida como uma efetiva

complementação ao conjunto normativo de combate à corrupção, agora não mais

limitado às esferas administrativa e criminal ou a pessoas físicas. As pessoas jurídicas

que venham a praticar atos contra a administração pública serão responsabilizadas de

forma objetiva por esses atos lesivos, sem que se exclua a responsabilidade das pessoas

naturais.

Como última contribuição legislativa ao Sistema Brasileiro de Combate à

Corrupção, a lei será estudada em seus diversos pontos, enumerando-se as principais

críticas e as expectativas que essa importante contribuição trouxe para a moralidade

administrativa e a proteção ao patrimônio público.

1.3 – A CONSOLIDAÇÃO DO SISTEMA BRASILEIRO DE

COMBATE À CORRUPÇÃO

A contundente evolução legislativa brasileira relacionada à tutela da

Administração Pública, como estudada no item anterior, não é fruto da intenção do

legislador brasileiro em construir um sistema brasileiro para a moralidade e probidade

na Administração Pública isolado em relação aos demais países.

Em verdade, especialmente ao longo das últimas décadas, diversos

compromissos internacionais têm sido concretizados, fruto de um momento econômico

de intensa globalização e interdependência entre as economias dos diversos países.

A conexão entre os mercados internacionais trouxe, como necessidade urgente,

a redução dos atos de corrupção, pois percebeu-se que tais atos prejudicavam a livre

concorrência e a circulação de bens, pessoas e riquezas entre os diversos países.

30 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense,

2015. p. 828.

33

Dessa forma, os países iniciaram uma série de protocolos visando o

estabelecimento de normas internacionais de combate à corrupção, demonstrando tanto

a necessidade desse combate como a criação de um cenário internacional voltado para o

combate à corrupção e seus nefastos efeitos nas economias regionais e nos

empreendimentos globais.

1.3.1 – O Cenário Internacional de combate à Corrupção

A corrupção nem sempre foi considerado um fato negativo para a economia de

um país. Alguns economistas já estabeleceram que a corrupção é um instrumento apto a

promover um maior grau de liberdade ao comércio do país31, pois a corrupção permitiria

burlar os diversos regulamentos impostos pelo sistema burocrático das economias

subdesenvolvidas, o que favoreceria o crescimento econômico.

No entanto, essa corrente de pensamento não evoluiu em razão da percepção de

que a corrupção prejudica o crescimento econômico32 dos países, especialmente aos

países subdesenvolvidos, por gerar injustiças em função do favorecimento de alguns em

detrimento de outros, além de transferências de renda indesejáveis e o desestímulo ao

investimento por parte daqueles que não detém acesso aos agentes corruptos.

Assim, vencida a visão de que a corrupção pode trazer algum benefício ao

desenvolvimento de uma sociedade, diversos instrumentos de controle sobre os agentes

públicos foram sendo criados.

O enfrentamento à corrupção pelos governos e pelas organizações

internacionais se mostra algum relevante e urgente, pois a corrupção surge como um

31 LEFF, Nathaniel H. Economic development through bureaucratic corruption. American Behavioral

Scientist, Volume n.º 8. 1964. p. 8-14. 32 MAURO, Paolo. Corruption and Growth. Quarterly Journal of Economics, volume n.º 60, MIT Press,

1995. p. 681-712. Disponível em http://homepage.ntu.edu.tw/~kslin/macro2009/Mauro%201995.pdf . Acesso em: 22/04/2016.

34

elemento que enfraquece as instituições políticas, atentando contra o Estado

Democrático de Direito e a própria democracia, além de criar sérios entraves ao

crescimento econômico, pois favorece a má gestão dos bens públicos, causa distorções

no mercado local e internacional ao interferir na concorrência entre as empresas.

Como resposta, diversas convenções internacionais trataram da prevenção e do

combate à corrupção, com diversas delas ratificadas pelo Estado brasileiro, como a

Convenção Interamericana contra a Corrupção da OEA33, de 1996, a Convenção sobre o

Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações

Comerciais Internacionais da OCDE34, de 1997, e a Convenção das Nações Unidas

contra a Corrupção, de 2003.

Uma grande evolução ocorreu com o estabelecimento do sistema anticorrupção

dos Estados Unidos, denominado de “Foreign Corrupt Practices Act”, e, posteriormente,

da Inglaterra, chamado de “UK Bribery Act” que trouxeram a preocupação com a tutela

do Estado frente aos casos de corrupção a um novo patamar jurídico.

1.3.2 – A Influência Internacional na adoção pelo Brasil de Medidas Legislativas

O Brasil adotou, em razão do cenário mundial de combate à corrupção, uma

série de medidas de forma a se adequar a esta conjuntura internacional, assumindo

compromissos, com organizações internacionais e com diversos países para punir os

responsáveis por atos de corrupção.

A integração econômica entre os diversos mercados em razão da globalização e

da interdependência econômica trouxe à luz os problemas entre os Estados e seus

particulares, pois se observa negociações entre pessoas e entre Estados com os mais

33 Organização dos Estados Americanos é o mais antigo organismo regional do mundo, tendo como

origem a Primeira Conferência Internacional Americana, realizada em Washington, D.C., em outubro de 1889. A OEA foi fundada em 1948 com a assinatura, em Bogotá, Colômbia, da Carta da OEA que entrou em vigor em dezembro de 1951.

34 Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos.

35

diversos padrões culturais e sociais, cada qual com seus problemas estruturais e suas

políticas públicas de gestão, mas cada qual trazendo repercussões e impactos nas

diversas economias.

Também, a extraterritorialidade dos sistemas anticorrupção norte-americano e

inglês repercutiu nos atos empresariais levados a cabo no Brasil por empresas

estrangeiras. O “Foreign Corrupt Practices Act”, de 1979, se aplica às empresas norte-

americanas ou que estejam localizadas nos Estados Unidos e que tenham capital no país

ou registro na “Securities and Exchange Commission”, mesmo que não haja filial em

território americano. No caso da norma inglesa, o “UK Bribery Act”, de 2010,

estabelece a responsabilidade de companhias que realizem operações comerciais com

empresas britânicas ou com empresas internacionais que mantenham operações no

Reino Unido.

Dessa forma, diversos instrumentos legais foram estabelecidos ao longo das

últimas décadas visando o combate às práticas ilícitas nas relações comerciais, além de

uma tentativa de controle jurídico do comportamento ético dos agentes públicos e

particulares que negociam nas mais diversas atividades econômicas pelo planeta.

Nessa realidade, o Brasil inicia sua caminhada rumo à participação nas

convenções internacionais com a assinatura do Decreto n.º 3.678, em 30 de novembro

de 2000, que promulga a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários

Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, instrumento

internacional criado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

– OCDE, concluído em Paris no dia 17 de dezembro de 1997.

36

Em 7 de outubro de 2002 é promulgada a Convenção Interamericana contra a

Corrupção, de 29 de março de 1996, pelo Decreto n.º 4.410, tratando sobre a corrupção

transnacional, tanto da forma ativa quanto passiva.

Finalmente, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela

Assembleia Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003, assinada pelo Brasil

em 9 de dezembro de 2003, é promulgada pelo Decreto nº 5.687, em 31 de janeiro de

2006.

Apesar dos atrasos entre a assinatura dos acordos internacionais e a efetivação

dessas regras no Brasil, fruto de um procedimento específico mais demorado. O país

tem participado de forma ativa nos principais acordos internacionais voltados ao

combate à corrupção, não apenas pelo controle do comportamento ético da

Administração Pública, mas também pela instituição de importantes instrumentos de

controle e punição sobre os atos de corrupção praticados.

Portanto, o legislador brasileiro tem concretizado a tutela da Administração

Pública ao longo das últimas décadas, mas esse importante combate à corrupção tem

sido uma realidade mundial, somando-se o conjunto normativo brasileiro aos esforços

dos principais países atuantes na economia globalizada e interdependente entre os

diversos agentes econômicos.

Nessa realidade o Sistema Brasileiro de Combate à Corrupção se mostra uma

realidade concreta e efetiva como instrumento de controle jurídico do comportamento

ético tanto da Administração Pública como dos agentes econômicos atuantes em nosso

país.

37

CAPÍTULO II

A INTEGRAÇÃO DA LEI N.º 12.846/13 AO SISTEMA

BRASILEIRO DE COMBATE À CORRUPÇÃO

2.1 – Considerações Preliminares

Como estudado no capítulo anterior, até o advento da Lei n.º 12.846, em 1º de

agosto de 2013, a lei brasileira já previa diversos crimes contra a Administração

Pública, além de enumerar os atos de improbidade e inúmeras infrações administrativas

como instrumentos de controle sobre os atos administrativos e sobre a própria

Administração Pública e seus agentes.

No entanto, o conjunto de normas do Sistema Brasileiro de Combate à

Corrupção não previa de forma clara e contundente a responsabilização das pessoas

jurídicas, encontrando-se a responsabilização apenas excepcionalmente em

determinadas normas, como no artigo 3º da Lei de Improbidade Administrativa35 (Lei

n.º 8.429/92), assim disposto:

Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

A “Lei Anticorrupção”, como ficou conhecida a Lei n.º 12.846/13, trouxe um

tratamento jurídico bastante específico acerca da responsabilização das pessoas jurídicas

em atos danosos realizados contra a Administração Pública.

35 A Lei de Improbidade estabelece a responsabilidade de pessoas físicas e jurídicas diversas do agente

público causador do dano no apontado artigo 3º da norma.

38

Nesse ponto cumpre ressaltar que a Lei n.º 8.666/93, conhecida como “Lei de

Licitações”, também define e estabelece alguns ilícitos administrativos e penais,

especificamente sobre irregularidades e crimes nas relações contratuais em matéria de

licitações levadas à cabo pela Administração Pública, prevendo penalidades para

pessoas físicas e jurídicas.

Mas, a Lei n.º 12.846/13 ampliou a responsabilização das pessoas jurídicas na

esfera administrativa, inclusive prevendo o alcance da norma às pessoas jurídicas

nacionais ou estrangeiras, independentemente da forma de organização ou modelo

societário adotado e ainda que constituídas de fato ou de direito.

Percebe-se, portanto, a preocupação do Estado brasileiro com a corrupção

empresarial que atenta contra a Administração Pública, cumprindo com o objetivo de

efetivar a moralidade administrativa e afastar a prática de atos de corrupção.

Assim, cumpre analisar o conjunto de inovações trazidas pela Lei

Anticorrupção e as eventuais críticas a mais nova contribuição legislativa ao Sistema

Brasileiro de Combate à Corrupção.

2.2 – As inovações trazidas pela Lei n.º 12.846/13

A lei em comento trouxe uma série de novidades relacionadas ao combate à

corrupção. Observa-se, de seu conjunto normativo, um certo foco relacionado às pessoas

jurídicas que realizam atos contrários à Administração Pública, inclusive com previsões

específicas de tutela de Administrações Públicas estrangeiras.

Trata-se, como já observado ao longo do presente trabalho, de uma lei voltada

à responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas, ainda que estas e seus

respectivos sócios já estivessem sujeitos à responsabilidade por atos de corrupção em

outras normas, como a Lei de Improbidade Administrativa.

39

Cumpre lembrar que a Lei n.º 8.429/92 prevê uma ampla gama de atos

contrários aos interesses da Administração Pública enquadráveis como corrupção, bem

como estabelece a norma que as pessoas físicas e jurídicas responderão por esses atos,

ainda que a lei esteja voltada à punição do agente corrompido e não apenas àqueles que

utilizem seu poder econômico ou de persuasão para corromper o agente estatal.

Assim, a Lei n.º 12.846/13 dispõe, categoricamente, “sobre a responsabilização

objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a

administração pública, nacional ou estrangeira”, como expresso em seu artigo 1º.

O foco da Lei Anticorrupção é, portanto, diferente da Lei de Improbidade

Administrativa, pois dirigida aos particulares (leia-se empresas e seus agentes e

membros) que venham a utilizar práticas ilícitas contra a Administração Pública, e não,

apenas, punir administrativa e civilmente os agentes públicos corruptos.

Fixada essa diferença essencial quanto à Lei n.º 8.429/92, deve ser elencada

mais uma particularidade, pois observa-se desde o seu primeiro comando a fixação da

responsabilidade objetiva dos agentes corruptores, afastando a necessidade de

demonstração de algum elemento subjetivo para permitir a punição da pessoa jurídica

por seu ato de corrupção.

Dessa forma, torna-se despicienda a necessidade de demonstrar qualquer

elemento de cunho subjetivo para que a pessoa jurídica venha a ser punida pelo ato de

corrupção que pratique em detrimento da Administração Pública. Essa disposição da

norma concretiza a responsabilidade ainda que a pessoa jurídica não seja a responsável

direta pelo ato de corrupção, no caso de dolo, ou mesmo por não ter realizado as

condutas necessárias para evitar que a corrupção ocorra, caracterizando, portanto, a

culpa.

40

Presente o ato de corrupção e a identificação da pessoa jurídica responsável por

este ato haverá a responsabilização nos termos do artigo 2º da Lei n.º 12.846/13,

independente, portanto, de dolo ou culpa na conduta.

Destaca-se, também, que a responsabilidade individual dos dirigentes,

administradores ou demais pessoas naturais responsáveis pela pessoa jurídica que esteja

envolvida no ato ilícito nocivo à Administração Pública não terão sua responsabilidade

excluída em razão da imputação da prática à empresa.

A lei também trouxe novidades na opção das penalidades aplicáveis aos

infratores, distanciando-se, de certa maneira, das penalidades da Lei 8.666 e 8.429 ao

estabelecer a fixação de multa pecuniária com base no faturamento bruto da empresa36,

na dissolução37 da pessoa jurídica de forma compulsória, a publicação extraordinária da

decisão que venha a condenar a pessoa jurídica38, entre outras.

Cumpre observar que a imputação da multa à pessoa jurídica não exclui a

obrigação da mesma em reparar integralmente os eventuais danos que tenha causado à

Administração Pública.

Apesar de algumas previsões da Lei 12.846/13 não serem propriamente

inovações, houve uma especial preocupação em consolidar alguns conceitos e

determinadas ferramentas, o que permite uma aplicação sistemática da lei e sua

integração ao Sistema Brasileiro de Combate à Corrupção.

36 Art. 6º, I da Lei n.º 12.846/13: “Art. 6º Na esfera administrativa, serão aplicadas às pessoas jurídicas

consideradas responsáveis pelos atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes sanções: I - multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; e”

37 Art. 19, III da Lei n.º 12.846/13: “Art. 19. Em razão da prática de atos previstos no art. 5o desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras: III - dissolução compulsória da pessoa jurídica;”

41

O primeiro ponto a ser observado é a definição de quais atos seriam

enquadráveis como corrupção. Apesar de algumas das previsões já estarem previstas em

normas diversas, como a Lei de Improbidade, o legislador teve uma especial

preocupação em identificar de forma objetiva e clara quais seriam os atos que

caracterizariam a conduta lesiva à Administração Pública no artigo 5º da lei, assim

descrito:

Art. 5º Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1o, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos: I - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; II - comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei; III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; IV - no tocante a licitações e contratos: a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público; b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público; c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública; V - dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive

38 Art. 6º, II da Lei n.º 12.846/13: “II - publicação extraordinária da decisão condenatória.”

42

no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.

A Lei Anticorrupção também criou uma importante ferramenta para o combate

à corrupção com a previsão do acordo de leniência39, quando o infrator deixa de ser

meramente um infrator e permite que o mesmo colabore com as investigações em curso

recebendo, em troca, determinados benefícios, normalmente isenção ou redução da

pena.

Como os crimes que envolvem corrupção são, geralmente, crimes realizados

por diversas pessoas dentro de uma hierarquia funcional, a possibilidade da celebração

do acordo de leniência permite à Administração Pública identificar, por meio da

colaboração, a efetiva cadeia de corrupção bem como seus agentes e responsáveis.

É certo que o acordo de leniência não é uma novidade no conjunto normativo

brasileiro, pois nas infrações contra a ordem econômica a Lei 12.529/2011 previu no

artigo 86 e seguintes a possibilidade de celebração de acordos de leniência pelo Cade.

Também, a Lei 7.347/85 (lei da Ação Civil Pública) permite a realização de Termos de

Ajuste de Conduta que também autorização a celebração de ações voltadas à

colaboração em eventuais investigações.

De qualquer forma, o acordo de leniência da Lei n.º 12.846/13 trouxe uma

importante ferramenta para a Administração Pública, bem como complementa de forma

bastante efetiva a busca por solucionar atos de corrupção mais complexos ou que

envolvam estruturas mais desenvolvidas estruturalmente.

Outro interessante elemento trazido pela Lei Anticorrupção está previsto no

inciso VIII do artigo 7º da lei, assim redigido:

39 Art. 16 da Lei n.º 12.846/13: “Art. 16. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios

poderão, no âmbito de suas competências, por meio de seus órgãos de controle interno, de forma isolada ou em conjunto com o Ministério Público ou com a Advocacia Pública, celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos e pelos fatos investigados e previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e com o processo administrativo, de forma que dessa colaboração resulte: (...)”

43

Art. 7º Serão levados em consideração na aplicação das sanções: (...) VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica;

O inciso VIII trouxe a possibilidade de as pessoas jurídicas estabelecerem

programas de “compliance”40 voltados para garantir o cumprimento das exigências

legais, de modo a prevenir, detectar e combater infrações às leis e regulamentos,

observando os princípios da ética e integridade necessários à atividade corporativa.

No entanto, a existência de “compliance” em uma estrutura empresarial

funciona como um importante elemento incentivador da atuação regular no

desenvolvimento da atividade empresarial, trazendo ganhos, ainda que indiretos, tanto

para as próprias empresas como para a Administração Pública.

O fato de existir um departamento ou programa de “compliance” não afasta a

responsabilidade da pessoa jurídica infratora, mas serve de redução da sanção a ser

aplicada à empresa infratora da lei.

Finalmente, uma novidade trazida pela lei é a criação do Cadastro Nacional de

Empresas Punidas – CNEP, cuja previsão no artigo 22 da Lei n.º 12.846/13 estabelece

que o Cadastro reunirá e dará publicidade às eventuais sanções aplicadas pela

Administração Pública às empresas com base na lei.

A publicidade alcançada com os Cadastros de eventuais penalidades aplicadas

funciona, por si só, como uma forma de sanção, pois leva ao conhecimento da sociedade

a situação da empresa e demonstra como esta se porta perante o mercado e a própria

sociedade. Um exemplo claro da força que a confecção de um cadastro público de

40 O termo em inglês compliance tem origem no verbo “to comply”, que significa um agir de acordo com

uma regra ou instrução e se relaciona à ideia de agir em conformidade com regras, normas e leis, voltados para garantir o cumprimento das exigências legais ou corporativas.

44

penalidades possui é o Cadastro de Empregadores do Ministério do Trabalho e

Emprego, que contém infratores flagrados submetendo trabalhadores a condições

análogas à de escravo41.

Portanto, está posta mais uma ferramenta à disposição do ente público lesado

no combate a ilicitudes e irregularidades por empresas envolvidas e, práticas nocivas ao

patrimônio público e à moralidade administrativa.

Finalmente, o conjunto da norma sob análise trouxe um importante

complemento ao Sistema Brasileiro de Combate à Corrupção, pois ultrapassou as

punições na esfera penal e nas leis administrativas específicas, alcançando os atos de

corrupção praticados por particulares, pessoas naturais ou jurídicas, concretizando o

foco em quem pode corromper não apenas ser corrompido.

2.3 – Análise crítica da Lei n.º 12.846/13

Uma primeira crítica que se pode realizar quanto à Lei n.º 12.846/2013 é o

fundamento de sua criação. Se inicialmente a justificativa para a criação da lei se deu

em razão da necessidade de se harmonizar a legislação brasileira com os tratados e

convenções internacionais de combate à corrupção, o momento histórico vivido pelo

país com as manifestações da população de junho de 2013 clamando por um Estado

mais ético acabou ofuscando o fundamento internacional e consolidando a criação da

Lei Anticorrupção como uma tentativa do Estado em responder aos anseios da

população.

Assim, mais do que o estabelecimento de mais uma ferramenta a ser agregada

ao Sistema Brasileiro de Combate à Corrupção, a criação da Lei n.º 12.846/2013 acabou

41 O cadastro é regulamentado pela Portaria Interministerial n.º 2 de 2011. Disponível em

http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A2E7311D1012FFA7DD87E4E75/p_20110512_2.pdf. Acesso em 19/05/2016.

45

sendo reconhecida como uma resposta do Estado brasileiro às manifestações de 2013

que contaram com uma grande adesão da população.

No entanto, não se pode afastar a relevância do tema e justificativa da criação

da lei apenas como uma resposta estatal à população, pois a Lei Anticorrupção tem

como inspiração duas leis internacionais muito importantes já citadas ao longo do texto:

a lei norte-americana denominada de “Foreign Corrupt Practices Act”, de 1979, e a lei

inglesa denominada de “UK Bribery Act”, de 2010.

Outra crítica que pode ser feita à lei é o estabelecimento pelo legislador de

conceitos próprios, mas sem definir exatamente o espectro de abrangência desses

conceitos. Um exemplo é previsão de tutela da administração pública estrangeira, pois a

norma apresenta a tutela a este ente, mas não define quais serão os elementos que

servirão de guia para o aplicador da lei poder definir se está diante de uma

administração pública estrangeira ou apenas uma empresa estatal estrangeira.

Interessante notar, inclusive, que a conceituação sobre o que seria uma empresa

controlada por um Estado estrangeiro deve partir não da lei brasileira, mas da própria lei

estrangeira que estabeleceu aquele ente, bem como as suas regras e esferas de atuação.

A tentativa de utilizar um conceito de administração pública estrangeira sem buscar o

que comporia esse conceito enfraquece a aplicação da lei a casos de corrupção que

envolvam mais de um Estado, isto é, o Estado brasileiro e um Estado estrangeiro.

Um ponto importante das inovações trazidas pela Lei Anticorrupção também

pode ser objeto de críticas, pois a responsabilização objetiva das pessoas jurídicas

estabelecida no artigo 2º da lei poderia ensejar a responsabilização por ato de terceiro,

isto é, qualquer pessoa, como um fornecedor ou mesmo um parceiro comercial.

Assim, se eventualmente esse terceiro vier a agir ilicitamente em benefício ou

interesse da pessoa jurídica, caso esta receba algum benefício desse ato praticado pelo

46

terceiro, como procurador, empregado ou representante, ainda que sem o conhecimento

da pessoa jurídica poderá sofrer as sanções previstas na Lei Anticorrupção.

Como a lei estabelece pesadas sanções, como, por exemplo, multa de até 20%

(vinte por cento) do faturamento bruto da pessoa jurídica, a análise da responsabilidade

por atos irregulares e ilícitos praticados por terceiros deve ser feita com ponderação,

analisando-se, de forma mais detida, os eventuais benefícios obtidos pela pessoa jurídica

em razão dos atos praticados por esse terceiro.

Ainda no tocante à responsabilização das pessoas jurídicas houve o

estabelecimento do regime de responsabilidade solidária em relação à cadeia de

sociedades empresárias que integram a cadeia de sociedades, como se depreende do

parágrafo segundo do artigo 4º da Lei n.º 12.846/13, assim escrito:

Art. 4º Subsiste a responsabilidade da pessoa jurídica na hipótese de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária. (...) § 2º As sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, as consorciadas serão solidariamente responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei, restringindo-se tal responsabilidade à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado.

Dessa forma, as sociedades controladoras, controladas, coligadas ou

consorciadas são responsáveis solidárias quanto aos atos lesivos eventualmente

praticados em detrimento da Administração Pública.

No entanto, a lei não deixa claro até que ponto uma empresa que integra uma

cadeia de sociedades empresárias poderá ser chamada a responder por atos de corrupção

praticados por uma empresa coligada, por exemplo. Compreende-se a inexistência de

limites objetivos a essa responsabilização sob o viés da necessidade de se buscar o

ressarcimento aos prejuízos causados, mas o fato de não se encontrar balizamentos ou

47

limites na lei pode trazer um determinado nível de insegurança jurídica às empresas que

integram grupos de sociedades.

Por certo, a norma deve ser interpretada de forma a se evitar excessos, o que

justificaria, por exemplo, a necessidade de a Administração Pública ter que demonstrar

que o ato de corrupção praticado trouxe algum benefício para a empresa coligada, por

exemplo, ou que algum interesse do grupo foi atendido.

48

CONCLUSÃO

O desenvolvimento das sociedades e o papel que o Estado atualmente

desempenha na busca do bem-estar comum trouxe uma importante exigência para a

esfera administrativa: a conduta ética pela a Administração Pública e seus agentes.

Apesar de outros princípios constitucionais reguladores da atividade estatal se

fazerem presentes, como a atuação dentro dos limites constitucionalmente estabelecidos,

a eficiência e o interesse público, a população passou a exigir do Estado e dos

particulares que com este realizam negócios uma conduta proba e dentro do padrão

ético-moral esperado por aqueles que atuam pelo interesse comum.

Assim, a expectativa da sociedade quanto a esta forma de conduta da

Administração Pública exigiu um aprimoramento legislativo das leis com o

estabelecimento de uma série de punições àqueles que venham a atuar em

desconformidade com a expectativa da sociedade quanto à uma Administração Pública

ética e proba.

Como resultado da atuação do Poder Legislativo, a tutela da moralidade

administrativa e do patrimônio público possui um conjunto normativo bastante

desenvolvido, seja pelo estabelecimento dos primeiros crimes contra a Administração

Pública brasileira pelo Código Penal até o advento da Lei n.º 12.846/2013, também

chamada de Lei Anti-corrupção, observa-se a conformação de um Sistema Brasileiro de

Combate à Corrupção.

Esse conjunto normativo recebeu uma série de evoluções, agregando-se novas

normas que serviam para determinadas áreas específicas das atividades realizadas pela

Administração Pública, como a Lei de Improbidade Administrativa, a Lei de Licitações,

entre outras, com cada uma estabelecendo crimes ou responsabilidades para os agentes

públicos e os particulares envolvidos em atos ilícitos ou irregulares.

49

No entanto, até o advento da Lei Anti-corrupção o Sistema apresentava um

foco nos agentes públicos corrompidos e nas pessoas naturais que se lançavam a

empreitadas criminosas em detrimento da Administração Pública. A responsabilidade

criminal das pessoas jurídicas era apenas residualmente prevista, especificamente na Lei

de Improbidade Administrativa e na Lei de Licitações, por exemplo.

Com a publicação da Lei n.º 12.846, em 1º de agosto de 2013, esse panorama

foi radicalmente alterado, pois a lei estabeleceu a responsabilidade objetiva das pessoas

jurídicas que venham a realizar ou se beneficiar de atos de corrupção lesivos à

Administração Pública.

Outros elementos também contribuirão sobremaneira para a efetividade da Lei

Anti-corrupção, como a previsão de pesadas multas levando em consideração fatores

como a receita bruta da empresa, a possibilidade de se realizar acordos de leniência, a

redução de eventuais penalidades pela existência de programas de compliance e a

criação de cadastros de empresas penalizadas pela lei.

Esses mecanismos trazidos pela lei devem colaborar de forma determinante

para o sucesso da lei e sua efetiva integração ao Sistema Brasileiro de Combate à

Corrupção, especialmente por seu foco naquelas pessoas jurídicas ou naturais que

utilizam a corrupção como elemento de sua atividade.

O foco que a Lei n.º 12.846/13 confere à punição daqueles que corrompem

complementa o conjunto normativo do Sistema Brasileiro de Combate à Corrupção e

servirá, sobremaneira, como elemento de melhoria do Sistema e do cumprimento pelos

particulares e pela Administração Pública de uma conduta ética, moralmente relevante e

dentro dos princípios e regras constitucionalmente estabelecidos pela moldura

axiológica da CRFB/88.

50

BIBLIOGRAFIA

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51

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53

54

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTOS 3

RESUMO 4

METODOLOGIA 5

SUMÁRIO 6

INTRODUÇÃO 7

CAPÍTULO I

O SISTEMA BRASILEIRO DE COMBATE À CORRUPÇÃO 9

1.1 - INTRODUÇÃO 9

1.2 - A FORMAÇÃO DO SBCC 11

1.3 - A CONSOLIDAÇÃO DO SISTEMA BRASILEIRO DE COMBATE À

CORRUPÇÃO 32

CAPÍTULO II

A INTEGRALIZAÇÃO DA LEI N.º 12.846/13 AO SBCC 37

2.1 - CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES 37

2.2 - AS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI N.º 12.846/13 38

2.3 - ANÁLISE CRÍTICA DA LEI N.º 12.846/13 44

CONCLUSÃO 47

BIBLIOGRAFIA 50

ÍNDICE 54