tematizaÇÃo antropolÓgica a partir de andersen

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  • 8/6/2019 TEMATIZAO ANTROPOLGICA A PARTIR DE ANDERSEN

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    Universidade Federal de Rio Grande FURGFaculdade de Direito

    Disciplina de Antropolgia Filosfica

    TEMATIZAOANTROPOLGICA A PARTIR

    DE HANS ANDERSEN

    Aluno: Pedro da Cunha TrassantesMatrcula n 47372 Turma C

  • 8/6/2019 TEMATIZAO ANTROPOLGICA A PARTIR DE ANDERSEN

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    Sobre o Autor Hans Christian Andersen

    Eis o autor que reinventou o conto de fadas para a contemporaneidade. Seu primeiro livro

    de literatura infantil foi publicado em uma poca na qual as crianas j eram objeto de preocupao

    por parte dos adultos. A sociedade que passou a valorizar a infncia atentava para a construo da

    vida de cada indivduo, considerando seus pensamentos, convices, desejos e particularidades. A

    literatura, por sua vez, tambm sofreu transformaes, as personagens no eram mais estereotipadas

    e as aventuras incluam aspectos relativos a tenses subjetivas.

    Andersen colocou muitos conflitos emocionais modernos, incluindo o sofrimento subjetivo

    dos personagens, dentro de um formato que se beneficiou dos recursos dos contos fantsticos.

    Assim, recriou os contos de fadas para as necessidades de um tempo em que a sociedade passava a

    contar com novas demandas e se apresentava num formato bem diverso de outrora, com surgimento

    de alguns valores e sucumbncia de outros.

    Dentre as peculiaridades de Andersen, vale salientarmos a mistura entre o maravilhoso e o

    realismo presente em sua matria literria. Nas narrativas, no h fadas, exceto uma presente em

    Os Cisnes Selvagens, fato que no impede a onipresena do maravilhoso em seu universo. A

    maioria dos contos apresenta personagens, espaos e problemticas presentes na realidade.

    Seguindo a dualidade maravilhoso e real, v-se o dueto entre a ternura e violncia, em que suashistrias tem grande nmero de finais em que o personagem-foco sai derrotado e os finais

    negativos superam os finais felizes.

    Consideraes antropolgicas presentes no conto O patinho feio, de Hans andersen

    O conto faz parte da coleo lanada em 1844, poca em que Andersen j criava suasprprias histrias. Assim, o patinho feio que se consolidou e se perpetuou atravs de geraes na

    literatura ocidental, fruto exclusivo da imaginao do autor. O conto, j bastante conhecido entre

    crianas do mundo todo, narra a trajetria do patinho que, por ser diferente dos irmos, rejeitado

    pela me e pelos outros. Aps um perodo de maus-tratos, o patinho decide fugir, e essa fuga uma

    sucesso de agresses e sofrimentos at que ele encontra os cisnes e se descobre como sendo um

    deles.

    Naquele momento, as crianas j despertavam preocupaes tanto nas famlias, quanto na

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    sociedade como um todo. A literatura vivia uma fase de revolues e transfomaes, bem como a

    toda sociedade, por conta das recentes revolues (industrial e francesa), onde houveram mudanas

    de paradigmas, valoraes morais e sociais. Aspectos relativos a tenses subjtivas passavam a

    figurar entre as temticas literrias, logo, atravs dessa perspectiva, o Patinho Feio um dos

    primeiros heris modernos escritos para crianas, cujo drama se baseia em um profundo sentimentode rejeio, no qual poucas histrias infantis foram capazes de uma empatia to forte e duradoura

    com o pblico, certamente por traduzir muito bem a angstia da criana pequena.

    O patinho, diminudo perante os outros e em busca de sua identidade, sintetiza o mundo

    infantil, uma vez que a criana vista como um ser menor na sociedade dominada por valores do

    mundo adulto. Da leitura do conto, observa-se claramente os perodos de transio que ocorrem na

    vida de qualquer ser humano, ou seja, os ritos de passagem, e esto presentes em O Patinho Feio,e a ocorrncia deles na estrutura narrativa pode propiciar criana o reconhecimento e a valorizao

    desses momentos de transio inerentes condio humana. Vale ressaltar que os ritos de passagem

    so momentos de mudana que ocorrem na vida de todas as pessoas, nos mbitos biolgico,

    religioso e social, como o nascimento, a morte, o casamento, a adolescncia, o autoconhecimento, a

    descoberta do novo. Certamente seja esse o grande trunfo do conto e o seu elo de ligao com o

    saber antropolgico, haja vista que na infncia que se consolida boa parcela de nossa

    personalidade e da nossa prpria noo de ser, de existir.

    A maneira como so narrados os ritos de passagem em O Patinho Feio um atrativo

    para as crianas. O conto j se inicia pelo nascimento do Patinho Feio e de seus irmos:

    Finalmente, um aps o outro, os ovos foram estalando: Pip, pip! diziam, e as gemas adquiriam

    vida e botavam a cabecinha de fora. Em seguida, ocorre o que podemos entender como o primeiro

    dos ritos de passagem, que a fuga do patinho do convvio familiar, que aps um perodo de

    rejeio e maus-tratos, o patinho decide ir embora, e isso acarreta vrias mudanas em sua vida,

    promovendo a descoberta do novo, como o encontro com os gansos selvagens no brejo, a chegada

    na casa da velha senhora, o momento na casa do campons. Ao encontrar os gansos selvagens no

    brejo, pela primeira vez a personagem se depara com a morte, pois presencia o assassinato dos

    animais pelo caador: Bang, bang! ouviu-se nesse momento acima deles, e os dois gansos

    selvagens caram mortos entre os juncos e gua tingiu-se de vermelho... Alm disso, o

    personagem sente medo ao deparar-se com aquela situao: Juncos e bambus deitaram-se para

    todos os lados; foi um horror para o pobre patinho, que enfiou a cabea embaixo da asa... O

    patinho enfrenta muitas dificuldades desde que sai de perto de sua famlia at seu encontro com os

    cisnes, o que permite sua identificao com um grupo que o aceita como um igual. Assim, o

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    momento em que Patinho Feio se transforma em cisne marca sua chegada maturidade e configura,

    portanto, outro rito de passagem: (...) mas o que ele viu na gua cristalina? Ele viu debaixo de si

    sua prpria imagem, mas no era mais um pssaro cinzento, grosseiro, feio e sem graa, era um

    cisne. O reconhecimento com o novo grupo separa a vida do patinho da vida anterior, algo como o

    ser humano adulto que encontra seu caminho, seja profissionalmente ou mesmo ao constituir suaprole, onde o fator identidade se traduz no convvio com pessoas que compartilhem afinidades,

    sejam essas sentimentos ou objetivos comuns para obteno de algo.

    Outro aspecto decisivo do conto, advm do significado que ele assume para o leitor. A este

    cabe assumir o papel do patinho, vtima da rejeio dos outros por razes variadas, algumas

    irracionais, outras fruto do comodismo que leva marginalidade os que recusam incorporar papis

    sociais convencionais. Nesse sentido h o aprofundamento da ideia do conto, visto que o serhumano tem largas dificuldades em lidar e aceitar a rejeio, seja qual seja. Ainda dentre aspectos

    contundentes do conto, v-se o posicionamento do patinho como seria o da criana, ou seja, no h

    representaes diretas de cunho moral, social ou religioso em toda a narrativa, e Andersen deixa

    aberta uma lacuna invisvel (e talvez no to intencional) uma interpretao mais acurada e

    profunda, de modo que todo o conto pode ser trazido para a esfera do mundo adulto em busca de

    anlises e reflexes sobre algumas questes da personalidade e comportamento humanos.

    Conclusivamente, verifica-se que o patinho o personagem representao da criana. Sua

    aventura consiste na busca da prpria identidade e do lugar que ir localiz-lo perante os demais.

    Dessa forma, ao encontrar essa identidade, o patinho se localiza e aceito. O conto fala da

    autodescoberta e da descoberta da prpria identidade, onde ambas condies so imprescindveis

    para a construo do indivduo e essa auto-aceitao pedra fundamental para obteno do que

    convencionamos chamar felicidade, alm que todos esses fatores conjugados, constituem o que

    compreendemos por crescimento.