o trabalho como uma questão antropológica

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WARWICK RAMALHO DE FARIAS LEITE O TRABALHO EM UMA VISÃO ANTROPOLÓGICA: A SUA FALTA COMO POSSIBILIDADE UNIVERSIDADE DEL NORTE FACULTAD DE ESTUDIOS DE PORTGRADO Doutorado em Ciências da Educação

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Trata de uma visao antropologia do trabalho e a possibilidade de ficar sem trabalho na sociedade contemporea

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WARWICK RAMALHO DE FARIAS LEITE

O TRABALHO EM UMA VISÃO ANTROPOLÓGICA:

A SUA FALTA COMO POSSIBILIDADE

UNIVERSIDADE DEL NORTE

FACULTAD DE ESTUDIOS DE PORTGRADO

Doutorado em Ciências da Educação

ASSUNCAO

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2010

WARWICK RAMALHO DE FARIAS LEITE

O TRABALHO EM UMA VISÃO ANTROPOLÓGICA:

A SUA FALTA COMO POSSIBILIDADE

Texto produzido para a Disciplina Base Antropológica e Social da educação do Curso de Doutorado em Ciências da Educação da Universidade Del Norte, como requisito para aprovação pela Professora Doutora Elena Pane de Pérez.

UNIVERSIDADE DEL NORTE

FACULTAD DE ESTUDIOS DE PORTGRADO

Doutorado em Ciências da Educação

ASSUNCAO

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O Trabalho em uma visão antropológica: A sua falta como possibilidade

A Antropologia, sendo a ciência que estuda a humanidade e a cultura, tem os

estudos das sociedades organizadas como campo de investigação. Deste os primórdios

da humanidade o homem sentiu a necessidade de proteger a sua vida física (o corpo),

contra a ação e ataque de animais selvagens e portando passaram a sair, a realizar a

busca de comida na selva em grupos. Alguns homens saiam à busca da caça e outros

ficavam para a proteção das famílias. Claramente podemos apontar como o inicio do ato

de realizar trabalho e quando a caça sendo aprendida e trazida à aldeia era dividida entre

os foram a busca de comida e os que ficaram, pois estes últimos receberam alguns

alimentos como remuneração pela execução dos serviços de proteção das famílias dos

caçadores. Temos nesta ação o trabalho divido e cooperado. Em forma de organização.

Assim se justifica a importância de se estudar o tema trabalho sob sua perspectiva

antropológica e a sua falta como uma possibilidade na sociedade em que vivemos.

I- INTRODUÇÃO

Podemos iniciar com condicionante em aspectos históricos e materiais. Visto

que todo ser humano nasce em uma rede de relacionamentos. Começamos com uma

beva contextualização história e social sobre o trabalho na tentativa de entender a

natureza social do trabalho para o ser humano. Nos primórdios, no tempo em ocorreu a

formação das cidades, onde uns proclamam que estas surgiram na necessidade social da

sobrevivência do homem, que vivendo em coletividade facilitaria a busca por alimentos

e a proteção dos grupos familiares. Estas passaram a crescer e se organizarem com a

formação de Cidades-Estado. Daí surgiu os exércitos para a guerra, com a formação de

grupos de soldados organizados e estruturados em sua logística para a consecução da

conquista e do vencer. Neste aspecto pode ser visto como um exemplo de administração

e organização do trabalho. Remonta assim, desta época o trabalho e suas relações.

Neste contexto constitui a base para a identidade do homem a divisão e a organização

do trabalho

Provocado, estamos a expressar os aspectos antropológicos do trabalho na vida

moderna. Não poderíamos deixar de estudar o homem, em sua humanidade sob foco do

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trabalho como um dos elementos que constitui a identidade do homem no contexto de

vida e de exercício profissional. Neste sentido verifica-se no cotidiano, nas

comunidades, que vários de seus membros são chamados não pelo seu nome de família,

mas sim pelo seu oficio. Por exemplo: Professor, Padre, Doutor, Vaqueiro, etc... Em

outros localidades, o nome do exercício profissional, do trabalho é agregado ao nome,

sendo abandonadas as letras que indica a família e passa a tomar lugar à profissão como

sendo o sobrenome, assim: João Mecânico, Luiz Eletricista, Pedro Pedreiro, etc...

II- OBJETIVOS

Em foco aos objetivos definidos e interesses teóricos próprios, que se centram

no desejo do homem de conhecer a sua origem, a capacidade que ele tem de conhecer-

se, nos costumes e no instinto, adentrar a analisar as possibilidades de acesso ao

trabalho e a sua falta. Importante registrar que o trabalho possui interações com o

mercado consumidor, com os meios de produção e a empregabilidade como veiculo de

geração de renda para a sobrevivência do homem. Em nosso cotidiano a existência

humana é confrontada com o desafio da sobrevivência, ou seja, gerar dinheiro e

responder a esta necessidade como uma tendência vital. E muitas pessoas vivem o

problema desta sobrevivência auferindo poucos ou nenhum ganho.

O trabalho se situa como importante elemento para humanidade. Para muitos é

visto como um meio de sobrevivência, para outros como meio de realização pessoal e

até de auto-afirmação. Porém todos precisam ter um ofício e realizar o mister.

Vislumbra-se que de maneira totalizante, forma a identidade humana, abrangendo todas

as suas dimensões, compondo um patrimônio da sociedade. Também serve de

parâmetro para um equilíbrio (ou desequilíbrio) social, com foco em objetivos de

políticas publicas de muitos governos e nações – A busca pelo trabalho para todos e a

equidade de renda para os que realizam os mesmas funções e tarefas, independente de

sexo, raça, cor, religião ou condição física e social, são garantias e fundamentos na

composição dos Direitos Sociais Subjetivos.

A Republica Federativa do Brasil (1988) estatui princípios e instrumentos que

protege o trabalho, suas relações e condições de seu exercício. Onde é indica o pleno

emprego como uma política publica da nação brasileira e as Leis elencam vários

instrumentos e ações na expectativa de inserção de todos ao mercado de trabalho e de

consumo. Assim rege a Constituição do Brasil sobre o trabalho e suas relações:

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Dos Princípios Fundamentais

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

Poder Judiciário - Disposições Gerais Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário: IV - os Tribunais e Juízes do Trabalho;Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I - as ações oriundas da relação de trabalho, II - as ações que envolvam exercício do direito de greve;III - as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.§ 2º - Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.

Da Ordem Econômica e Financeira - Princípios Gerais da Atividade Econômica Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: VIII - busca do pleno emprego; (grifos nosso)

Muitos estudiosos proclamam o trabalho como necessidade humana básica. A

sua falta, o desemprego, a incapacidade, a inaptidão e outros nomes e conceitos que se

possa atribuir a alguém que fica na condição de sem trabalho é visto e sentido como um

homem ou mulher excluída dos meios do mercado consumidor e sem acesso a

melhorias de sua qualidade de vida. Normalmente, esta condição de sem trabalho induz

a ser excluído de rendas e ocasiona uma situação de terror, de aflição, de insegurança e

muitas vezes originando a falta dos meios vitais para a sobrevivência, como a moradia,

o alimento, dentre vários e muitos outros aspectos.

III - CORRENTES TEÓRICAS:

A análise com foco no indivíduo que exerce um oficio constitui o objetivo

central deste estudo e também a organização do trabalho na sociedade contemporânea,

que inclui, os seus múltiplos aspectos, desde as formas de gestão até a organização

temporal do trabalho e as relações inter-hierárquicas e interpessoais. Tenta se analisar

ainda as múltiplas interações existentes, por um lado, entre os componentes internos

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destas situações de trabalho e, pelo outro, as conexões destes componentes ao contexto

sócio-político e econômico. Pela dimensão cultural o trabalho vem recebendo grande

atenção, pela qual a antropologia delimitou uma área chamada de antropologia do

trabalho que examina valores, atitudes, crenças e hábitos, que permitem compreender,

muitas vezes, o sentido assumido pelo trabalho para aqueles que o realizam.

Vamos tentar a construção na visão antropológica e filosófica do tema que

abriga diversas correntes de pensamento. Podemos dizer que este assunto é bastante

polemico e controvertido. Alguns pensadores clássicos como Karl Max, por seus

seguidos e críticos, já debateram por muito este assunto e inclusive não podemos deixar

de trazer a necessidade que a humanidade sentiu de discutir o trabalho em um fórum

mundial e para tanto foi criado no início do século XX a OIT- Organização Mundial do

Trabalho.

Para Marx (apud Nogueira. 2005 p.03), o homem se constitui no processo de

trabalho do passado remoto e do presente, nesse processo produziu (e produz) a

sociedade e a si mesmo.

Para Frigotto (1998, p.28 apud Nogueira. 2005 p.03), na tradição marxista, a

categoria trabalho é compreendida em mediações de primeira e segunda ordem. A

mediação de primeira ordem coloca o trabalho como categoria central, pois é

considerado como um antecedente necessário para o entendimento do homem e da

sociedade. Nessa primeira ordem ou momento, o homem constituiu sua essência dentro

do processo histórico de trabalho, atendendo às necessidades de sobrevivência. Na

mediação de segunda ordem, o trabalho criador é transformado em alienação,

mercadoria, força de trabalho. Portanto, a mediação de primeira ordem é imperativa da

espécie humana e na mediação de segunda ordem o trabalho é redefinido pela

necessidade do capital, em outras palavras, ele passa a ser realizado em função das

prioridades do capital.

E assevera ainda sobre Marx que o trabalho é a chave da compreensão da

realidade. “Porque o homem, em sua prática, durante a realização da atividade do

trabalho, composta da referida mediação de segunda ordem, realiza trabalho hoje,

modifica a sociedade e a si próprio”.

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A dialética moderna sob os aspectos das pessoas que têm trabalho e as

condições para a inserção dos sem-trabalho no mercado de empregos e/ou de geração

de rendas. Destas condições surgiram e impulsionaram os vários e inúmeros

movimentos sociais em busca e pela defesa do trabalho. Poderíamos enumerar os

sindicatos de trabalhadores que lutam pela redução da jornada e melhorias de qualidade

na labuta diária. Movimentos de pessoas sem terras que combatem formas e meios de

produção e proclamam a busca da terra e seus valores como meio de realizar o trabalho

e gerar renda. Trabalhadores urbanos produzem ou lutam por espaços e melhores

condições de realizarem os seus sustentos e de suas famílias. Os camelos (pequenos

vendedores de rua) mantêm diálogos com os dirigentes municipais pela liberação de

espaços para pratica da comercialização seus produtos com o propósito de ganharem a

sua remuneração. Muitos outros segmentos e grupos combatem diariamente por dignas

condições de acesso e manutenção do trabalho em vista de sua sobrevivência.

O acesso do jovem ao trabalho é outra problemática da humanidade, pois estes

vêm sempre junto com as aspirações de obter e trabalho e encontram o estigma da falta

de experiência na oportunidade de obter o primeiro emprego e têm que se adaptarem as

das organizações.

O trabalhador fica obrigado a se manter atualizado ao progresso cientifico e ao

avanço tecnológico. Um ambiente em seja justo o acesso e a permanência, protegido da

exploração desumana, com manutenção de qualidade e em numero suficiente a atender

a renda necessária a sobrevivência é um desafio para a humanidade. Conforme pensa

Edith Seligmann-Silva:

As transformações organizacionais e técnicas do trabalho vêm se acelerando e assumindo configurações novas não apenas em decorrência do progresso científico e dos avanços tecnológicos. No bojo da globalização intensificada nas últimas décadas, poderosas forças econômicas e políticas presidem a estas transformações e ao modo diferenciado pelo qual estão tendo lugar nas várias regiões e países do mundo. (Edith Seligmann-Silva. 1997, p. 02)

Sobre a problemática da falta de trabalho temos o pensamento do sociólogo

argentino Jorge Werthein, representante da Unesco (órgão ligado à Organização das

Nações Unidas - ONU) no Brasil ele assim se expressa: “.... em época de desemprego,

falar em lazer e tempo livre é problemático”. E ele se mostra esperançoso quando

declara que "o tempo livre que decorre do trabalho digno não pode ser visto como

condenação ao desemprego".

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O Sociólogo Werthein ainda assevera sobre o trabalho e os modelos de

desenvolvimentos da nossa atualidade, conforme:

“O declínio do emprego, por causa do avanço da ciência e da tecnologia e dos modelos de desenvolvimento da globalização – que concentram decisões tecnológicas e lucros, começa a abalar os padrões da livre concorrência. E o tempo livre também pode ser visto como um produto do sistema capitalista, como objeto de exploração capitalista. Pela propaganda de valores que tenham efeitos positivos no aumento da produção e do consumo.. ( Jorge Werthein em entrevista Revista Sesc n° 18)

III - CONSIDERAÇÕES

Para pensar as sociedades humanas, a antropologia preocupa-se em detalhar,

tanto quanto possível, os seres humanos que as compõem e como elas se relacionam,

seja nos seus aspectos físicos, na sua relação com a natureza, seja na sua especificidade

cultural. Para o saber antropológico o conceito de cultura abarca diversas dimensões:

universo psíquico, os mitos, os costumes e rituais, suas histórias peculiares, a

linguagem, valores, crenças, leis, relações de parentesco, entre outros tópicos, neste

sentido tentaremos entender o “trabalho e a falta de trabalho” como um cultura vital

para a nossa sociedade moderna.

Neste sentido nos mostra a Profª Drª Elena Pane de Pérez em sua exposição em

sala de aula no Curso de Doutorado em Ciências da Educação da Universidade Del

Norte – Assunção/Py em 12 de Janeiro de 2010 conforme:

“Nas relações de trabalho em nosso cotidiano, o trabalhador é um instrumento usado na maneira que realize produção. Este homem para auferir a remuneração deve se qualificar. Além disso, suas condições de vida estão sujeitas as oscilações que o mercado impõe como forma padrão de renda. O trabalhador muitas vezes é inserido em concorrência uns com os outros, os mecanismos de promoção, táticas de pressão e chantagem, criar a atmosfera da subserviência diariamente. Há condições de trabalho que fazem o homem ao meio, que acabam por escravizar essas condições”. ( Profª Drª ElLena Pane de Pérez. 2010)

Neste mesmo rumo tem o pensamento o Dr° Werthein, a saber:

“As conquista dos trabalhadores permitiu o desenvolvimento de uma cultura do lazer. As pessoas comuns passaram a ter acesso a determinados bens da civilização antes reservados apenas às camadas dominantes da sociedade. Ao mesmo tempo, surgiram inúmeras instituições sociais promotoras do lazer que imprimiram uma dimensão cultural ao tempo livre. Mas essa dimensão do lazer começa a sofrer os primeiros reveses, pois o processo de globalização aumenta sua velocidade, os modos de produção mudam e a crise do desemprego aumenta e se universaliza.”. (Jorge Werthein em entrevista Revista Sesc n° 18)

Parece-nos que a crise não age ou atua da mesma forma e perversidade para

trabalhadores e patrões. Senão vejamos o que Jorge Werthein nos mostra: “Na crise,

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enquanto os trabalhadores só pensam em não perder o emprego, alguns patrões

consideram que o melhor aproveitamento do tempo livre traz como conseqüência,

melhor rendimento no trabalho”.

IV – CONCLUSÃO:

Podemos dizer que em relação ao trabalho e a sua falta, se apresenta duas sobre

as seguintes condicionantes:

1. Os que têm trabalho – que estão trabalhando, e possuem renda;

2. Os que não têm trabalho – os que estão a busca de trabalho, e não tem renda.

Assim, pode ser dito que ter trabalho é um processo de humanização e não ter

trabalho, estar desempregado é um processo de desumanização. Sobre a questão do

homem no cotidiano, devemos estar cientes de que a única pessoa que pode negar a sua

humanidade é o homem. O processo de degradação do homem é o animal, é sua

desumanidade. Neste sentido se deve identificar a desumanização em situações

extremas.

O homem que humaniza é o mesmo que facilita o processo de desumanização.

Na atualidade, vivemos a crise financeira mundial que em seu acontecimento

proporciona a existência de grandes desequilíbrios que em geral cai sobre as relações de

trabalho gerando sempre grande volume de demissões de trabalhadores, que sem renda

e giro econômico propaga em termos sociais a desumanização. O homem no seu

processo de humanização tende a gerir sua consciência crítica para, propor formulas e

condicionantes para evitar seguir a corrente de desumanização.

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V - BIBLIOGRAFIA

1.SELIGMANN-SILVA, Edith. Saúde mental e automação: a propósito de um estudo de caso no setor ferroviário. Cadernos de Saúde Pública.  vol.13 .Rio de Janeiro  1997. Disponível em www.scielosp.org/scieloOrg/php/similar.php?text acesso em 11/jan/2010.

2.WERTHEIN, Jorge. Lazer X Crise Econômica. Revista Sesc n° 18. disponível em http://www.eja.org.br/cadernosdeeja/tempolivreetrabalho /tlt_txt31.php Acesso em 11/Jan/2010.

3.NOGUEIRA, R. M S. O Trabalho do Professor. Disponível em http://www.ie.ufmt.br/semiedu2006/GT10-Forma%E7%E3o%20de%20 Professores/Comunicacao/comunicacao%20Messa-Texto%20completo. htm#_ftn1> acesso em 11/Jan/2010.

4.BRASIL. Constituição da Republica Federativa. Congresso Nacional. 1988. Disponível em http://www.4shared.com/get/63744499/6e8d3b71/Constituicao FederalComentadape.html;jsessionid=15A1D02F1B10BD9C3F52FB2067496305.dc137 Acesso em 13/Jan/2010.

5.PANI DE PÉREZ, Eleni. Notas de Aula da Disciplina Bases Andrológicas e a Educação. Curso de Doutorado em Ciências da Educação. Uninorte. Assunção. 2010. (copiado em sala de aula).

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Acesso em 15 Jan 2010, disponível em http://www.webartigos.com/articles/14995/1/uma-antropologia-do-trabalho/pagina1.html

Uma antropologia do trabalho*

Neri de Paula Carneiro

O homem aceita o trabalho para conquistar o ócio. E hoje, quando pela técnica e pelo progresso social e político, atingimos a era em que, no dizer de Aristóteles 'os fusos trabalham sozinhos', o homem deixa a sua condição de escravo e penetra de novo no limiar da idade do ócio. Oswald de Andrade

Introdução

Por que o homem tem que trabalhar? Esta é uma das indagações que tem angustiado a humanidade. De um lado alguns pensadores tem apresentado uma resposta que prioriza o homem como ser que nasceu para o prazer da vida. Para a auto-realização que se dá pela ociosidade. De outro lado há aqueles que defendem a trabalho como sendo uma das poucas coisas que realizam a vida humana, pois mediante o resultado do trabalho o homem pode construir aquilo que sonha. Onde está a verdade? O homem existe para trabalhar ou para "curtir" a vida? Ou haveria uma alternativa mediana, afirmando que o homem está no mundo para superar as limitações que lhe são impostas e que a superação é o que lhe dá prazer. Mesmo que essa superação seja superar a tarefa que seu trabalho lhe impõe cotidianamente?

É isso que se discute neste pequeno artigo muito mais fruto de reflexões que de análise bibliográfica.Trata-se de um artigo que pretende colocar uma questão, mais do que respondê-la.

1- O homem

Uma primeira discussão deve ser feita – como já o fizemos em outras oportunidades – diz respeito à indagação sobre quem é o ser humano: o homem, que realidade é essa? Várias ciências se ocupam dessa indagação. Vejamos o que afirma um dos grandes pensadores que se debruçou sobre a questão da busca de explicação para o ser humano, dizendo que "somos inevitavelmente centro de perspectiva em relação a nós mesmos" (CHARDIN, 1986, p. 25). Isso implica dizer que não importa de que estejamos falando, o ponto de partida para qualquer discussão será sempre o ser humano. Podemos falar sobre as galáxias, ou sobre o trabalho, mas sempre será uma indagação humana e a resposta será sempre para satisfazer uma expectativa humana.

O padre Batista Mondin (1982) apresenta o que chama de fenomenologia do

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homem, descrevendo rapidamente, dez de suas características. Começa com a "dimensão corpórea" do homem (Homo somaticus); descreve a "Vida Humana" (Homo vivens), buscando as origens da vida humana. Passa, a seguir, a discorrer sobre o "Conhecer Sensitivo e Intelectivo" (Homo sapiens) e a capacidade humana de conhecer as realidades. À discussão sobre "vontade – Liberdade – Amor" (Homo volens) o padre italiano apresenta o argumento da centralidade da vontade. O "Problema da Linguagem" (Homo loquens) se insere no centro da filosofia da linguagem e da capacidade humana de comunicação. Analisa, ainda a dimensão "social e política do homem" (homo socialis), analisa "a cultura e o homem" (Homo culturalis). Faz um histórico do "Trabalho e Técnica" (Homo faber), discutindo as concepções de trabalho ao longo da história. Termina analisando o "jogo e o divertimento" (Homo ludens) e a relação do "homem e a religião" (Homo religiosus).

E nós poderíamos continuar a lista de caracterizações: o homem é uma teia de relações, é um ser que depende do seu meio, é um ser inquieto, inconformado, assentado no mundo físico, O homem é um animal terrestre e o mundo físico é uma condição síne qua non para sua sobrevivência. (MELLO, 1982, p. 37), mas perscrutando o infinito. Talvez em razão disso o padre T. Chardin tenha dito que "encontramo-nos colocados num ponto singular, sobre um nó, que domina toda a fração do Cosmo atualmente aberta à nossa experiência. Centro de perspectiva, o Homem é simultaneamente centro e construção do Universo." (CHARDIN, 1986, p. 26).

Em síntese é o homem que dá sentido a todas as realidades. Dá sentido à existência dos existentes. Caracteriza-se como esse emaranhado de aspectos e dimensões. Não se esgota ou limita-se a esta ou àquela dimensão, mas é um emaranhado rizomático de capacidades e possibilidades. Em razão disso podemos dizer que o Homem não é, mas constrói-se cotidianamente a partir de um elemento que lhe é essencial: a cultura ou as manifestações culturais. Mas permanece, ao mesmo tempo que trabalhando, buscando o sentido de sua própria existência.

2- O sentido da existência

O ser humano pode ser visto, analisado e entendido a partir dessas e de várias outras concepções e perspectivas. Mas elas ainda não dão conta de resolver um dos seus principais, mais antigos e mais angustiantes problemas que é o do sentido da existência. Em função disso é que se pode afirmar: "homem não se contenta em permanecer fechado em si mesmo, reconhece que lhe corresponde profundamente viver por um ideal, por uma finalidade última" conforme as palavras de Sílvia Regina R. Brandão (2005). Isso corresponde às mais antigas indagações norteadoras da vida humana: De onde vim? Para onde vou? E a mais intrigante de todas as indagações: O que

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estou fazendo aqui?

Olhando a partir de um ponto de vista religioso fica aparentemente mais fácil responder à questão do sentido da existência. Mas na realidade a resposta não é assim tão simples. Pois teríamos que saber a partir de qual segmento religioso dar a resposta. Falando a partir do cristianismo a resposta é uma; se a partir das atitudes religioso-filosóficas orientais (budismo, hinduismo...), a resposta já seria outra. O espiritismo, por sua vez tem outra postura.

Para o cristão o homem está no mundo em busca do seu fim último que é glorificar a Deus; mas por ser impuro (portador do pecado original e de outros) deve, então, purificar-se com a finalidade de voltar para Deus. Assim se a tendência é voltar significa que veio Dele. E com isso já fica resolvido o problema não só do fim como da origem. E o existir ganha uma conotação angustiante, pois não lhe coube escolha nem em nascer e por ter nascido já se manifesta pecaminoso. Lhe é concedida a vida como um presente, mas esse presente vem com defeito de fabrica: trás a mancha do pecado... além disso, há um outro elemento a ser considerado na perspectiva cristã: afirma-se que o ser humano é criatura, e que, como tal deve prestar culto ao seu criador. Mas seria esse o sentido da existência humana? O ser humano existe para prestar culto ao seu criador? Mas isso não seria diminuir o criador, que necessitaria de sua criatura para receber louvores?

A partir de uma postura hindu-budista o homem tem outra finalidade de estar no mundo. Trata-se, também, de um processo de purificação, com a finalidade não de voltar, mas de "mergulhar" no absoluto, a partir da meditação. Assim o homem não "iria" para outro mundo, encontrar-se com o absoluto, mas a partir da meditação e da entrega encontraria sua realização no próprio aqui e agora re-significado pela contemplação e pela meditação. Esse processo de meditação deveria conduzir a pessoa a um alheamento em relação às realidades até chegar ao ponto supremo da completa indiferença a si mesmo e às exigências do cotidiano. A questão que se coloca, neste caso, diz respeito justamente a esse processo de esvaziamento que se assemelha a uma espécie de despersonalização. Seria esse o sentido da existência? Viver para não ser?

Olhando de uma postura espírita o ser humano está em processo de aperfeiçoamento. Dependendo de suas atitudes – boas ou más – pode evoluir ou regredir. Então a finalidade da permanência do homem no mundo é a purificação. Os atos bons o elevam e os maus provocam declínio, num processo que se pode dizer infindo. Pode ser visto como ascendente, mas se olhado do ponto de vista filosófico, pode-se dizer que esse é um processo infinito, pois sendo limitado será sempre imperfeito, sendo que a perfeição só existe no criador incriado. O questionamento a ser feito refere-se, justamente, a esse processo de transmigração: admitindo que ele ocorra, quando termina? Como encaixar o livre arbítrio nesse processo, pois o ser humano pode

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permanecer eternamente fazendo escolhas que não o levem à perfeição?

Note-se que todas estas atitudes religiosas dão respostas pré-estabelecidas para o sentido da existência. Refletem sobre o destino humano, mas não discutem a razão do estar no mundo. Daí os questionamentos: Se o homem está no mundo para se purificar, significa que é impuro, ou está impuro. Mas como chegou a essa impureza? Por que se tornou impuro? Se sua origem é uma divindade, por que essa divindade o cria, ou o coloca no mundo como ser impuro? Não poderia tê-lo já criado sem pecado? Por que nasce pecador, se a finalidade é a purificação e libertação do pecado? Ou o homem é apenas um marionete nas mãos de uma divindade que gosta de se divertir às custas dos dramas humanos? Que divindade é essa que, aparentemente, se diverte com os dramas e sofrimentos humanos, para, só depois de muito sofrimento, leva-lo à perfeição? Olhando deste ponto de vista não tem sentido o ser humano ter sido colocado num mundo adverso, viver e sofrer as conseqüências da vida para, só depois de sua morte, poder encontrar a realização – isso se tiver vivido de acordo com os planos secretos de seu criador... Portanto, do ponto de vista religioso parece que seria muito mais sensato o homem já ter nascido puro! E como ser puro poderia mais facilmente manter-se em contato com a fonte de sua pureza.

Com isso se verifica que a dimensão puramente religiosa não explica o sentido da existência humana. Mas o homem sabe, de alguma forma não racional, que sua vida não se resume a esta existência material e cotidiana. Por tradição ou por motivação própria, crê em uma vida pós-vida. E, embora sem saber como nem o porquê dirige-se para a morte, que é o caminho ou a entrada na outra dimensão que acredita existir. E que, de alguma forma, dá algum sentido ao existir. Ou seja, o homem existe para morrer. "O caminho da vida é a morte" como afirma a letra da música de R. Seixas. Mas qual o sentido da vida? E agora, também, da morte? Ou é a morte que dá sentido à vida, como ensina Paulo de Tarso: "viver é bom, mas morrer é lucro"

Mas, e se o homem olhar para si de um ponto de vista material?

Também aí precisa de um sentido para sua existência. Mesmo admitindo não haver nada após a morte, permanece a busca pelo sentido do existir. E aqui entra uma questão complementar: se o homem existe para morrer, por que viver?

Se a vida, tendendo para o transcendente, já é um problema, mais problemática ainda é a existência sem uma perspectiva de pós-existência. Uma vida pós-vida terrestre...

O período que se convencionou chamar de Helenista foi um dos que mais deu ênfase a essa reflexão e à questão do sentido da existência. Um exemplo cabal disso pode ser visto no Cinismo, corrente que pode ter se originado em Sócrates, (REALE; ANTISERI, 1990), mas que teve seu maior expoente em Diógenes que durante o dia andava pelas ruas de Atenas, com uma tocha

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acesa, procurando um homem. Também os estóicos e os epicuristas (hedonistas) se colocaram essa mesma indagação. Para os estóicos o sentido da existência era a superação, a constante vigilância e esforço para vencer as paixões (MONDIN, 1991). Essa superação podia ser feita mediante a reflexão e busca do conhecimento. Por outro lado os epicuristas viviam para e pelo prazer (daí seu epíteto de hedonistas). Também buscavam a sabedoria, mas a sabedoria que gerasse prazer; um prazer que não fosse o carnal, mas o da posse do saber.

Em todos os casos a finalidade da existência era a superação de limitações. A razão de ser do homem, portanto poderia ser entendida como uma vida voltada para a superação das limitações. Tanto das limitações físicas como intelectuais; e mesmo das limitações impostas pelas convenções sociais. E em função disso pode-se entender tanto esforço que as pessoas fazem para atingir pequenos ou grandes objetivos; pode-se entender os esforços hercúleos para a superação ou para a auto-superação.

A razão da existência pode ser vista como um colocar-se e superar desafios. Numa corrida constante contra as limitações. Uma das faces dessa luta contra os desafios, em busca da superação é o que se chama de trabalho. E, à sensação de vitória, após esse esforço é a possibilidade de gozar momentos de lazer e de ociosidade. É o momento de retro-alimentação para a nova batalha, em busca do novo objetivo... numa constante evidenciação de que o homem é insatisfeito... E também inacabado?

3- Aspiração por lazer e ociosidade

Cristãos, materialistas, capitalistas e todos as outras cosmovisões defendem a idéia de que o homem tem que trabalhar. Para quê? Com que objetivo? Para continuar existindo, diz SAVIANI (2003, p. 152): "O homem, para continuar existindo, precisa estar continuamente produzindo sua própria existência através do trabalho. Isso faz com que a vida do homem seja determinada pelo modo como ele produz sua existência". A afirmação de Saviani é um reflexo da explicação marxista, dizendo que o ser humano necessita, constantemente construir sua existência material pelo trabalho. De acordo com essa concepção o homem existe pelo e para o trabalho.

É bastante comum que se ouça a expressão: o trabalho dignifica o homem. Como isso pode acontecer? Qual é o trabalho que pode dignificar, quando se vê, cotidianamente os trabalhadores maldizerem a escravização a que são submetidos pelo trabalho? Como pode ocorrer a dignificação quando o trabalhador não recebe os frutos do seu trabalho ou não pode dispor de seu tempo para realizar as obras de que tem vontade ou necessidade? Como se sentir dignificado se percebe seu trabalho como uma limitação às suas aspirações? Como dizer que o trabalho é dignificante se os frutos do trabalho estão produzindo a riqueza de outro e o ato de trabalhar é um momento de escravização?

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É neste ponto que entra em discussão uma dimensão da vida humana, ou uma das aspirações básicas do homem: a ociosidade (LAFARGUE, 2000). Entendendo a ociosidade não como aquela situação de deixar de fazer algo movido pela preguiça, mas a situação em que a pessoa se dá tempo para atividades a serem desenvolvidas além do trabalho; aquelas atividades que se realizam pelo puro prazer de realizá-las, nos momentos de lazer ou no cotidiano. Tendo assim o trabalho como instrumento de sobrevivência e a ociosidade como meio de vida.

Entra aqui a dimensão lúdica da vida humana. Entram aqui as atividades dos jogos, individuais ou grupais, sendo esta mais uma característica própria do homem, que "inventa jogos e diverte-se como nenhum outro animal sabe fazer" (MONDIN, 1982, p. 209). Para ser mais preciso pode-se dizer que o homem busca a satisfação e a alegria nos jogos e demais divertimentos. Vence os obstáculos para sentir-se vitorioso pois isso lhe dá prazer. Participa de atividades laborais, não só para receber o justo pagamento, mas porque no ato de fazer seu trabalho sente prazer. A busca e a realização de obras prazerosas acabam sendo um dos motivos e sentidos da existência humana. Não importando se esse fazer é trabalho ou são os jogos; não importa se é atividade laboral ou lúdica, desde que feita por e pelo prazer.

E assim pode-se dizer que qualquer atividade, pode ser lúdica, prazerosa. Inclusive o trabalho, pode ser visto como uma atividade prazerosa – embora não se possa dizer que seja lazer. Como se pode caracterizar uma atividade lúdica? MONDIN (1982, p. 212) dá uma indicação: "Para que uma atividade mereça ser considerada lúdica, o divertimento, o prazer, a satisfação não devem entrar nela somente como ingredientes, mas devem constituir seu objetivo primário". Na atividade lúdica, portanto o que conta não é a forma como a pessoa se diverte, mas a vontade de se divertir. O ato é lúdico não por que provoca alegria, mas por que é buscado pela sua capacidade de ser prazeroso e gerar prazer.

E a ociosidade?

Quando a atividade prazerosa não é o trabalho em si mesmo, o homem busca o prazer nos momentos de ociosidade. Naqueles momentos em que está se dedicando a fazer somente o que lhe proporciona prazer. E ao fazer isso estará se realizando, pois estará se sentindo feliz, sabendo que, como diz BRANDÃO (2005): "a felicidade está vinculada à autenticidade da vida humana, à possibilidade de relacionar e integrar cada aspecto parcial com um ponto unitário, na busca da realização total, da plenitude do viver humano". Ou seja, o ser humano atinge a felicidade na ociosidade porque estando ocioso pode dedicar-se exatamente àquilo que não lhe causa aborrecimento, ou que não lhe é imposto; ao que realiza por iniciativa e impulso próprio, sabendo que a execução disso que está realizando não lhe dará outra recompensa além da felicidade e do contentamento. Essa atividade pode ser de lazer ou de trabalho, mas será uma atividade prazerosa.

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Vale destacar, que muito do progresso humano se deve aos homens e mulheres que se dedicaram ao ócio. Pois o ócio, além de prazeroso é criativo: de mentes ociosas e não atribuladas é que nascem as novidades.

4- Necessidade de trabalho para o lazer

Tendo o prazer, a felicidade, como princípios para o sentido da existência, cabe a pergunta sobre a estruturação da sociedade para chegar a esse objetivo. Ou seja, a atual sociedade fundamenta-se e se estrutura em função desses objetivos? Quais são os valores que se pode dizer que fundamentam a sociedade atual? Não é exagerado dizer que o mundo atual, mais do que nunca, sonha com esses objetivos, mas, contraditoriamente, caminha a passos largos afastando-se deles. O corre-corre frenético em busca do "tempo perdido" e que será utilizado na tentativa de produzir mais, está afastando, cada vez mais, o ser humano da edificação de uma sociedade do prazer.

Entre outras o mundo atual pode ser caracterizado como uma sociedade de proprietários. Ou uma sociedade do ter. Mesmo o operário ou qualquer outro trabalhador, possui algo: sua força de trabalho. Diz SAVIANI (2003, p. 155), sobre a atual sociedade: "É uma sociedade de proprietários livres. Considera-se o trabalhador como proprietário da força de trabalho e que vende essa força de trabalho mediante contrato celebrado com o capitalista". Assim temos de um lado o dono da empresa e do outro o dono da força de trabalho. Estabelece-se, então uma relação de troca ou de compra e venda. Mas acaba sendo uma relação desigual, pois o trabalhador permanece sendo proprietário apenas de sua força de trabalho. "Ele fica exclusivamente com sua força de trabalho, obrigado, portanto a operá-la com os meios de produção alheios" (SAVIANI, 2003, p. 155). Dessa forma, o trabalhador produz, mas não é proprietário do produto de seu trabalho. Essa relação de troca desigual tem como conseqüência uma desmotivação do trabalhador em relação ao seu trabalho. Passa o trabalhador a realizar sua obra não mais com o prazer de quem produz, mas com a obrigação de quem é submetido. Assim sendo executa sua tarefa desmotivado porque sabe e sente que não nasceu para a submissão.

Mas seria essa a função do trabalho na vida do trabalhador? Parece que não. Como já ficou acenado, acima, o trabalho deve ser não uma manifestação do sofrer, mas um elemento de prazer e realização. Sobre isso podemos ler os três parágrafos seguintes:

"O trabalho é um aspecto fundamental da vida por atender às necessidades humanas, tanto do ponto de vista material como espiritual, já que através das tarefas concretas o homem se sustenta e, ao mesmo tempo, expressa seu modo original de realizar valores em um determinado tempo e lugar.

A descoberta do valor de sua contribuição pessoal para a vida em sociedade é fundamental para o homem contemporâneo que vive em

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uma sociedade onde é valorizado o individualismo, o isolamento e a competitividade.

O trabalho pode constituir-se em uma oportunidade privilegiada para o homem atual redescobrir a possibilidade de autêntica relação eu-mundo – onde o pessoal não seja negado, esquecido ou dissolvido – na medida em que o trabalhar se torne ocasião de encontro." (Brandão, 2005)

Só faltou a autora afirmar que é a partir do trabalho que o homem adquire os meios para, não só se auto-sustentar, como também se dar prazeres através do lazer e ociosidade. Principalmente por que na caracterização da sociedade atual nem sempre o trabalho tem sido o espaço ou o ambiente de prazer e de realização. Cada vez mais se evidenciam valores contrários a isso; daí a afirmação da autora dizendo que nossa sociedade se caracteriza pela valorização do individualismo, do isolamento e da competitividade.

Essa acaba sendo a dura situação contraditória e paradoxal do trabalho e da vida humana, dentro da sociedade contemporânea. O ser humano que se humaniza pelo trabalho não pode ser feliz no trabalho – pois este lhe é imposto como obrigação e meio de sujeição –, mas não pode ser feliz sem o trabalho – pois sem ele não consegue o suficiente e necessário para sobreviver. Por isso, de modo geral, a sociedade atual é formada por homens e mulheres infelizes dentro dessa realidade contraditória. E a origem dessa infelicidade, do stress e de inúmeras outras doenças da sociedade moderna está não no trabalho que – como dizem muitos – é exaustivo, mas na injusta distribuição dos frutos do trabalho. O que estressa e enfarta não é a carga de trabalho, mas a crescente certeza da não acessibilidade aos frutos do trabalho.

Após a II Guerra Mundial, o processo de industrialização, os inegáveis avanços tecnológicos deram a impressão de que brevemente a sociedade mundial desfrutaria de um bem estar inigualável e nunca antes imaginado. Pregava-se a era do Welfare State, ou a "Era de Ouro", para usar uma expressão de Eric HOBSBAWM (2001). Mas esse "estado do bem estar social" se acabaria nos anos de 1980 e 1990 nas "Décadas de Crise". No período pós-guerra havia a expectativa de reconstruir o mundo esmigalhado pelas bombas e ódios. Era de se esperar, portanto que se desenvolvesse na população um clima de expectativa positiva, confirmada, inicialmente pela expansão econômica. Havia a longínqua ameaça da guerra-fria mas "a situação mundial se tornou razoavelmente estável pouco depois da guerra, e permaneceu assim até meados da década de 1970, quando o sistema internacional e as unidades que o compunham entraram em um período de extensa crise política e econômica" (HOBSBAWM, 2001, p. 225). E uma crise que se revelou não só política e militar, mas também econômica. E por essa razão trouxe consigo o clima e perspectiva de desânimo. Passou-se a constatar que "a Era de Ouro pertenceu essencialmente aos países capitalistas desenvolvidos", afirma Hobsbawm, (2001, p. 255). E essa talvez tenha sido a principal causa do descrédito em relação ao trabalho e à

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visão de que ele não traz aquilo que é a grande aspiração humana: condições de viver feliz.

E, o que é pior de tudo isso é que, ainda concordando com HOBSBAWM, o que se sucedeu, a partir dos anos de 1980 foi uma fase de crescente desemprego. "A tendência geral da industrialização foi substituir a capacidade humana pela capacidade das máquinas, o trabalho humano por forças mecânicas, jogando com isso pessoas para fora dos empregos" (2001, p. 402). Ou seja, o avanço tecnológico que deveria gerar bem estar social, gerou desemprego, pois as indústrias que contratavam pessoas começaram a dispensa-las, utilizando, em seu lugar, equipamentos robotizados. Os avanços científicos que deveriam ter gerado melhores condições de vida e subsistência, geraram concentração de renda e de poder. Os novos conhecimentos não foram socializados e disponibilizados, mas permaneceram à disposição das empresas, instituições ou pessoas que os financiaram. Houve inigualável crescimento e desenvolvimento científico e tecnológico, mas que permaneceu concentrado em poucas mãos; ou se foi disponibilizado foi com a preços proibitivos. E, nas últimas décadas, cada vez mais associa-se a mecanização robotizada e a informatização. E o drama, na atualidade não é só o desemprego, mas a não existência de emprego. "Os empregos perdidos nos maus tempos não retornariam quando os tempos melhoravam: não voltariam jamais" (2001, p. 403). O que levam muitos a dizer que a sociedade atual encaminha-se para ser uma sociedade sem empregos.

Essa sociedade do desemprego está produzindo uma outra realidade. Produz a afirmação de que se vive não uma crise de desemprego, mas de emprego, sendo que o lado bom dessa crise é que se manifestam oportunidades para as mentes criativas, que reinventam as possibilidades de trabalho, pois mais do que procurar emprego, o homem atual é desafiado a ser empreendedor, criando as próprias oportunidades. E, com isso, se acentua a característica da competição, presente na sociedade atual. Uma sociedade que tende a valorizar a propriedade e a capacidade de produzir para o outro. Mesmo o empreendedor não empreende em nome de sua auto-realização, mas para vender e se manter vivo e na angustia.

Mas foi ainda na década de 1980 que se chegou ao mais dolorido cenário, descrito por HOBSBAWM, referindo-se à segunda metade do século XX: "Mesmo os países pré-industrializados eram governados pela lógica férrea da mecanização, que mais cedo ou mais tarde tornava até mesmo o mais barato ser humano mais caro que uma máquina capaz de fazer o seu trabalho" (2001, p. 403). Isso tudo para dizer que o trabalho humano, que é executado para produzir a felicidade de quem o realiza, tem gerado inquietação e apreensão ante o crescente do desemprego. A mecanização e todos os demais avanços técnico-científicos, que foram apregoados como anunciadores de uma sociedade de bem estar, de lazer e ociosidade, produziram o desemprego e o drama da marginalidade. Mesmo que se admita que o trabalho é indispensável para a vida e a dignificação humana, ele não tem sido esse espaço. E parece que isso foi o que levou o poeta a cantar:

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"Um homem se humilha, se castram seus sonhosSeu sonho é sua vida e vida é trabalhoE sem o seu trabalho, o homem não tem honraE sem a sua honra se morre, se mata"

Como o sonho está sendo morto? Pelo não acesso ao trabalho; pela crescente onda de programas governamentais de auxílio; pela institucionalização da esmola como meio de vida. O ser humano atual não tem a oportunidade de escolher o que e como produzir sua existência; cabe-lhe receber as migalhas dos auxílios governamentais. E outra vez é o poeta que nos recorda:

"uma esmola

pra um homem que é são,

ou lhe mata de vergonha,

ou vicia o cidadão"

5- Encerrando

Para encerrar cabe uma última pergunta, invertendo a que se fez na abertura desta reflexão: Que é o trabalho, para o ser humano? A essa indagação poder-se-ia responder que é o meio através do qual as pessoas adquirem não só seu sustento mas também e, principalmente, as condições de lazer. Poder-se-ia dizer que através do trabalho é que se realiza o sonho da humanidade, de permanecer não só trabalhando, mas executando atividades prazerosas; não só trabalhar, mas usufruir dos resultados do trabalho e com isso ser e se transformar em pessoa feliz, fazendo do trabalho motivo de alegria e realização. Não só ter oportunidade de trabalho, como, e principalmente, desfrutar da ociosidade, pois está sim é espaço criativo.

E assim, todo trabalhador poderia cantar como canta Zeca Pagodinho:

"Se eu quiser fumar eu fumo

se eu quiser beber eu bebo

pago tudo que eu consumo

com o suor do meu emprego"

Pois a finalidade da vida humana não é o trabalho para a acumulação, mas a busca da ociosidade de onde podem nascer grandes criações; e o prazer de viver a vida com a única preocupação de ser feliz, realizando-se plenamente e criativamente.

Cabe, ainda, lembrar que a busca dessa felicidade passa não só pelo ambiente de trabalho como por todas as dimensões da vida humana.

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Talvez por isso os homens tenham inventado a escola e o processo educativo para fazer dessa instituição e desse processo um dos mecanismos usados para transmitir às novas gerações aquilo que é o mais importante para a vida das pessoas: a busca da realização. A busca da superação dos medos. A busca daquilo que lhe falta, como na música "Comida", cantada pelos Titãs:

"A gente não quer só comer

A gente quer comer e quer fazer amor

A gente não quer só comer

A gente quer prazer pra aliviar a dor

A gente não quer só dinheiro

A gente quer dinheiro e felicidade

A gente não quer só dinheiro

A gente quer inteiro e não pela metade"

E, se quisermos um passo a mais poderemos acenar para o sentido da existência humana. Conforme já vimos trata-se de uma existência sem sentido em si mesma. Entretanto e já que ela não tem sentido, cabe ao ser humano, em seu processo de trabalho, produzindo cultura, produzir, também o sentido da existência. Já que a existência não tem sentido cabe ao ser humano dar-lhe um sentido...

7- Referências

A BIBLIA DE JERUSALÉM. 4 reim. São Paulo: Paulinas, 1989

ANTROPOLOGIA, disponível em <http://www.fflch.usp.br/da/vagner/antropo.html> acesso: 18/10/2008

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Viver de criar cultura, cultura popular, arte e educação. In. SILVA, René Marc da Costa (Org). Cultura popular e educação. Brasília: Salto para o futuro/TV Escola/SEED/MEC, 2008.

BRANDÃO, Sílvia R. Rocha A Vocação Humana: uma Abordagem Antropológica e Filosófica disponível em <http://www.hottopos.com/vidlib7/sb.htm> acessado em 15 de janeiro de 2005

CARNEIRO, Neri P. As Múltiplas Inteligências e Inteligência Musical. Disponível em <http://www.webartigos.com/articles/6198/1/as-multiplas-

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CHARDIN, P. Teilhard. O fenômeno humano. São Paulo: Cultrix, 1986

COUCEIRO, Sylvia. Os desafios da história cultural. In. BURITY,Cultura e Identidade: perspectivas insterdisciplinares. Rio de Janeiro: DP&A, 2002

DA MATTA, Roberto. Carnaval, Malandros e Heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6 ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: breve história do século XX (1914-1991) 2 ed. São Paulo: Cia das Letras. 2001.

HOMERO A Ilíada, São Paulo: Europa-América. [1980?]

LAFARGUE, Paul. O Direito à preguiça. 2 ed. São Paulo: Hucitec, 2000

LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. 12 reimp da 1 ed, (1988), São Paulo: Brasiliense, 2000.

MELLO, Luiz Gonzaga de. Antropologia Cultural iniciação, teoria e temas. Petrópolis: Vozes, 1982

MONDIN. Batista.O Homem, quem é ele? Elementos de antropologia filosófica. 2 ed. São Paulo: Paulinas, 1982

MONDIN. Batista. Introdução à filosofia. Problemas, sistemas, autores e obras. São Paulo: Paulinas, 1981

NIETZSCHE, F. Além do bem e do mal. São Paulo: Escala, [2005] (a)

NIETZSCHE, F. Crepúsculo dos Ídolos. São Paulo: Escala, [2005] (b)

RABUSKE, E. A. Antropologia filosófica 7 ed. Petrópolis: Vozes, 1999

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia. (v 1) São Paulo: Paulinas, 1990

SAVIANI, D. O Trabalho como princípio educativo frente às novas tecnologias. In. FERRETTI, Celso João, et ali (org) Novas Tecnologias, trabalho e Educação, 9ª ed. Petrópolis: Vozes, 2003

SILVA, René Marc da Costa (Org). Cultura popular e educação. Brasília: Salto para o futuro/TV Escola/SEED/MEC, 2008.

TITIEV, Mischa. Introdução à Antropologia Cultural. 9ª ed. Lisboa:

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Fundação Calouste Gulbenkian. 2002.

Notas:

Mestre em educação (UFMS). Especialista em educação (UNESC e UNIR). Especialista em Leitura Popular da Bíblia (CEBI) Graduado em Filosofia (UNOESTE). Bacharel em Teologia (ITESC) Graduado em História (UNIR). Professor de Filosofia e de ética na FAP. Professor de História e Filosofia da rede pública estadual, em Rolim de Moura. Colaborador em jornais da região.

<http://www.webartigos.com/authors/1189/Neri-de-Paula-Carneiro>; <www.brasilescola.com.br>; <http://www.artigonal.com/authors_51301.html>; <http://www.webartigos.com/articles/6198/1/as-multiplas-inteligencias-e-inteligencia-musical/pagina1.html>; <http://www.webartigos.com/articles/12481/1/o-sentido-da-existencia-sem-sentido/pagina1.html>

As estrofes citadas, numa feliz coincidência, reuniu pai e filho na mesma análise. Gonzaguinha compôs "Guerreiro menino" e Luiz Gonzaga, em parceria com Zé Dantas, "Vozes da Seca". A letra da música de Luiz

Gonzaga pode ser acessada em <http://letras.terra.com.br/luiz-gonzaga/47103/ > e a de Gonzaguinha está disponível em <http://letras.terra.com.br/fagner/203645/>.

A letra da música "Maneiras", cantada por Zeca Pagodinho está disponível em: <http://cifraclub.terra.com.br/cifras/zeca-pagodinho/maneiras-thsm.html >

A letra da música "Comida" cantada pelos Titãs está disponível em: <http://www.cifras.com.br/cifra/titas/comida>* Artigo preparado para as aulas de Educação e Trabalho, para o 8º período do curso de pedagogia, na Faculdade de Pimenta Bueno, durante o primeiro semestre de 2005. Reformulado foi usado como proposta de reflexão dentro do curso de especialização em Ensino de História, para a disciplina "O mundo do século XX e XXI", ministrado no primeiro semestre de 2008, pelo departamento de pós-graduação da Faculdade de Pimenta Bueno.

Partes deste artigo estão publicadas em

<http://www.webartigos.com/authors/1189/Neri-de-Paula-Carneiro>; <http://www.artigonal.com/authors_51301.html>; <www.brasilescola.com.br>

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Antropologia e educação: Origens de um diálogo Id. 513702

Idioma portugués

Titulo Antropologia e educação: Origens de um diálogo

Autor(es) Gusmão,Neusa Maria Mendes de

Localización http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-32621997000200002

Versión 1.0

Estado Final

DescripciónAntropologia e educação constituem hoje, um campo de confrontação em que a compartimentação do saber atribui à antropologia a condição de ciência e a educação, a condição de prática. Dentro dessa divergência primordial, profissionais de ambos os lados se acusam e se defendem com base em pré-noções, práticas reducionistas e muito desconhecimento. Muitas coisas separam antropólogos e educadores, mas muitas outras os une. Neste texto, busca-se ressaltar o que há de comum e de diferente em ambas as áreas com base na existência de um diálogo do passado que possibilite um diálogo futuro. Considera-se assim, a possibilidade de superação dos preconceitos e, neste sentido, apontar para um avanço do conhecimento.

Tipo text/html

Palabras clave Antropologia

Tipo de recurso journal article

Tipo de Interactividad

Expositivo

Nivel de Interactividad

muy bajo

Audiencia Estudiante Profesor

Autor

Estructura Atomic

Coste no

Copyright sí

Formatos text/html

Requerimientos técnicos

Browser: Any

Fecha de contribución

22-may-2005

Contacto

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Cadernos CEDES

Print version ISSN 0101-3262

Cad. CEDES vol. 18 n. 43 Campinas Dec. 1997

doi: 10.1590/S0101-32621997000200002 

Antropologia e educação: Origens de um diálogo

Neusa Maria Mendes de Gusmão*   

Resumo: Antropologia e educação constituem hoje, um campo de confrontação em que a compartimentação do saber atribui à antropologia a condição de ciência e a educação, a condição de prática. Dentro dessa divergência primordial, profissionais de ambos os lados se acusam e se defendem com base em pré-noções, práticas reducionistas e muito desconhecimento. Muitas coisas separam antropólogos e educadores, mas muitas outras os une. Neste texto, busca-se ressaltar o que há de comum e de diferente em ambas as áreas com base na existência de um diálogo do passado que possibilite um diálogo futuro. Considera-se assim, a possibilidade de superação dos preconceitos e, neste sentido, apontar para um avanço do conhecimento. Palavras-chave: Antropologia, educação, etnografia, culturalismo, etnocentrismo, cultura, relativismo.   A alteridade, terra prometida da antropologia, é um tema difícil, principalmente quando consiste numa ambição de disciplinas diferentes, que põem por terra a divisão clássica, diz Darnton (1996, p. 9), referindo-se às relações entre antropologia e história. No diálogo entre antropologia e educação, a questão parece ser a mesma: a aventura de se colocar no lugar do outro, de ver como o outro vê, de compreender um conhecimento que não é o nosso. Nessa "encruzilhada, os não-antropólogos buscam "um olhar antropológico" pelo qual se guiarão nos mistérios da pesquisa de campo. Por sua vez, a antropologia e os antropólogos se vêem em grandes dificuldades, quando são chamados a tratar dessa realidade cujo nome é educação, seja por não conhecerem, ou ainda, por desligitimarem um certo percurso do passado da antropologia. No entanto, é sabido que uma ciência não se faz a partir do nada; além de ser fruto de necessidades fundamentais postas pelo movimento das sociedades humanas, nasce comprometida com seu tempo, sem ser jamais verdade absoluta. A ciência como conhecimento é movimento que se constrói, define-se e redefine-se vinculada ao contexto histórico que a origina. Nada mais legítimo, portanto, do que buscar conhecer os caminhos trilhados pela antropologia para dimensionar os caminhos em constituição em face de diferentes campos. Antropologia e educação parecem constituir, hoje, um campo de confrontação, em que a compartimentação do saber atribui à antropologia a condição de ciência e à educação, a condição de prática. Dentro dessa divergência primordial, os profissionais de ambos os lados se acusam e se defendem com base em pré-noções, práticas reducionistas e muito desconhecimento. Se há muitas coisas que nos separam - antropólogos e educadores -, há muitas outras que nos unem. Neste texto, pretende-se ressaltar o

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que há em comum, já que o que nos separa só pode ser compreendido com base nesse mesmo patamar . O que nos une é, portanto, anterior ao que nos separa, e nele se inscreve o diálogo do passado, tanto quanto a possibilidade do diálogo do futuro. O diálogo entre antropologia e educação, percebido por muitos como uma "novidade" que se instaura com as transformações da década de 1970, neste século, é mais antigo que isso e reporta-se a um momento crucial da história da ciência antropológica. No âmbito deste artigo, não se poderá dar conta da totalidade dessa história; pretende-se, no entanto, chamar a atenção para alguns pontos fundamentais. Antes de mais nada, é necessário que se adentre no pensamento antropológico, em suas bases epistemológicas como ciência e como ciência aplicada, com seus alinhamentos teóricos, avanços e limites. Aqui parece residir a importância do passado para nosso presente, pois somente nesse percurso parece ser possível vencer uma certa instrumentalização da antropologia pela educação, propiciadora de muitos equívocos, e onde, certamente, se terá, como ganho, a superação de estigmas e preconceitos que grassam de ambos os lados dessa fronteira ou desse divisor de águas - a antropologia como ciência, a pedagogia como prática. Avaliar a questão das diferenças, tão cara à antropologia e tão desafiadora no campo pedagógico justamente por sua característica institucional homogeneizadora, não é uma tarefa simples. Desde sempre, a antropologia e a educação têm se defrontado com universos raciais, étnicos, econômicos, sociais e de genêro, entre tantos outros, como desafios que limitam ou impedem que se atinjam metas, engendrando processos mais universalizantes e democráticos. No tempo presente, com tantas mudanças numa sociedade que se globaliza, estas questões não só não se encontram resolvidas, como renascem com intensidade perante os contextos em transformação. O interesse central é trazer o aluno da pedagogia para uma aproximação no campo teórico da antropologia, que lhe é inteiramente desconhecido. Por outro lado, o aluno de ciências sociais, campo onde o antropólogo é formado, no caso brasileiro, também desconhece o itinerário da antropologia no campo da educação. A razão é simples: a educação não tem sido um dos campos privilegiados pela antropologia, da mesma forma que certas abordagens teóricas, que estão na origem deste diálogo, também não se constituem em objeto de conhecimento e análise, em particular, lembro aqui, o culturalismo americano, representado por Franz Boas e as gerações formadas por ele. Poderíamos elencar um número significativo de razões para que isto ocorra, mas importa chamar atenção para uma certa distorção de visão de que somos todos acometidos e que nos leva a considerar aprioris e ou críticas insuficientes, deixando de entender a constituição da ciência de que somos herdeiros. Ser herdeiros não nos torna culturalistas, acríticos ou conservadores, mas exige que reconheçamos que o conhecimento, como ciência, não nasce e morre dentro de um tempo determinado, senão que se alimenta do que existe antes dele e fornece alimento ao que lhe sucede, sem nunca deixar de existir como referência. Defendo, ainda, a importância desse resgate, se quisermos cobrar alguma coerência no fazer de outros campos, quando se utilizam do referencial da antropologia na abordagem de temas singulares, particularmente na educação. Essa é a razão pela qual esta reflexão, ainda iniciante, parte da negação imediata de um tempo mágico - a década de 1970-,1 como referência para as pesquisas educacionais de tipo etnográfico e também para as pesquisas no campo das ciências humanas, ditas pós-modernas, que, negando

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todo o passado, tornam-se reificadoras de muitos limites. O pioneirismo do diálogo entre antropologia e educação, relatado por Galli (1993),2 mostra que, já ao final do século XIX, a antropologia tentava compreender uma possível cultura da infância e da adolescência. Eram temas de suas pesquisas e de seus debates os processos interculturais infantis e os sistemas educativos informais, dentro de uma concepção alargada de educação. Antropólogos participavam em processos de revisão curricular e continuaram a participar no transcorrer do presente século, nesse e em outros movimentos ligados à escola e à educação. Entre os anos 20 e 50 deste século, muitos antropólogos envolvidos nesses debates travaram celeumas com os pensamentos de Freud e Piaget. O que se sabe ou se conhece desses debates no Brasil? Pouco ou nada. No entanto, entre os anos 30 e 40, os antropólogos tiveram uma atuação importantíssima no vasto programa de reforma curricular promovida nos EUA. Deles não se fala nem se ouve falar entre nós. No entanto, importantes aspectos para a compreensão de nossa visão da escola estão aí contemplados, pelo fato de que muitos antropólogos que atuaram no processo vinham de uma linha tradicional, e mesmo axial, na antropologia, posto que eram discípulos de Boas, tais como Margareth Mead (que dedicou toda sua vida ao estudo da educação) e Ruth Benedict. Nomes que certamente não soam estranhos aos ouvidos do estudante de antropologia, mas que certamente nunca são pronunciados nos corredores de uma Faculdade de Educação. Por que ser discípulo de Franz Boas importa? Antes de mais nada, por ser ele mesmo um aluno de Morgan - outra referência axial na antropologia -, que, rompendo com o mestre, abre as portas para a fecundidade e as multiplicidades de pensamentos que orientarão novas abordagens teóricas que alimentam a antropologia do século XX. Os discípulos de Boas, neste início de século, dão continuidade ao próprio Boas, quando este nos alertava para o fato de que tínhamos um modelo pedagógico ocidental que iria nos conduzir a uma pedagogia da violência. Hoje, quando vemos as dificuldades das escolas, em particular, das escolas públicas de periferia, o fato de a escola como valor não fazer eco entre os estudantes, a indisciplina violenta, a evasão escolar e sua face mais cruel, a exclusão social, só para citar alguns problemas de nosso tempo, cabe perguntar qual a natureza dos riscos de que falava Boas. Qual a natureza dos riscos de hoje? Para ele, a realidade de seu tempo apontava um risco para os povos do futuro e para o futuro da própria civilização. A razão era que, historicamente, a nossa sociedade e a escola que lhe é própria não desenvolviam - e não desenvolvem - mecanismos democráticos, perante as diversidades social e cultural. A propriedade e a atualidade da inquietação de Boas revelam que o diálogo foi iniciado, mas não foi concluído. A breve síntese de um processo vasto e intenso que se desenvolveu na primeira metade do século, e que não termina aí, está exigindo olhares mais profundos na história da intersecção entre antropologia e educação. A pergunta que muitos podem fazer é: Por que seria importante conhecer tais processos? Não estariam eles superados pela dinâmica de um mundo moderno que se transforma continuamente e de modo acelerado? Na relação entre antropologia e educação abre-se um espaço para debate, reflexão e intervenção, que acolhe desde o contexto cultural da aprendizagem, os efeitos sobre a diferença cultural, racial, étnica e de genêro, até os sucessos e insucessos do sistema escolar em face de uma ordem social em mudança. Nesse sentido,

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como ciência e, em particular, como ciência aplicada, antropologia e antropólogos estiveram, no passado e no presente, preocupados com o universo das diferenças e das práticas educativas. Se, como diz Galli, tais questões fazem convergir os estudos da cultura, no caso da antropologia, e dos mecanismos educativos, no caso da pedagogia, possibilitando a existência de uma antropologia da educação - tema e produto de uma grande conversa do passado -, isto também ocorre no presente, posto que a antropologia e a educação estabelecem um diálogo, do qual faz parte, também, o debate teórico e metodológico das chamadas pesquisas educativas, relacionadas às diversas e diferentes formas de vida que, neste final de século, estão ainda a desafiar o conhecimento. Em jogo, as singularidades, as particularidades das sociedades humanas, de seus diferentes grupos em face da universalidade do social humano e sua complexidade através dos tempos e, em particular, num mundo que se globaliza. Resta, pois, conhecer um pouco dessa história.  Caminhos cruzados: Educação, cultura e relativismo

O fato mais curioso nesse encontro de culturas de que resultou a conquista da América foi provavelmente a surpresa de ambos, espanhóis e indígenas, ao se depararem. Uns jamais suspeitaram da existência dos outros. Para se livrarem do incômodo desse assombro, ambas as partes mergulharam nas suas tradições míticas, a fim de encontrarem indícios reveladores ou presságios que os ajudassem a identificar e esconjurar os espectros com que haviam topado. Que estranha tribo desgarrada dos filhos de Israel seriam esses gentios, perguntavam os espanhóis? Que pavorosos deuses vingadores eram aquela gente barbada, toda revestida de metal e montada em veados gigantes, clamavam os indígenas? (Nicolau Scevcenko. Folha de S. Paulo/Ilustrada, domingo 2/2/1985, p. 53)

O que tem a ver com antropologia e educação o texto acima? O texto conta a história do contato entre espanhóis e indígenas (astecas, maias, incas) na conquista da América. É um fato real, histórico e concreto, em que dois povos e duas culturas distintas mostram o espanto do olhar - do europeu e do indígena, ambos envolvendo de imediato a percepção de um sobre o outro. Trata-se de um olhar etnocêntrico, fruto, como diz Azcona (1989), da experiência do agir humano, segundo um modelo explicativo do conhecimento e também como realidade da cultura, entendida como o sentir, o pensar, o agir do homem em coletividade. Qualquer experiência vivida, referida a objetos, situações, fatos, são, diz o autor, intersubjetivos, porque vivemos no mundo da cultura "como homens entre outros homens, ligados a eles por influências e trabalhos comuns, compreendendo os outros e sendo objeto de compreensão para outros" (p. 49). A antropologia como ciência desenvolve-se preocupada em superar o mundo intersubjetivo, de modo a superar o etnocentrismo que, resultando do encontro entre a civilização ocidental e outros povos, implicou em violência, distorções sobre estes povos e suas culturas. O texto "Todos Nós Somos Loucos por Ti, América", de Scevcenko, fala desse encontro/desencontro e situa para nós o papel de uma ciência preocupada com as diferenças e seu movimento. A antropologia preocupada, antes de tudo, em superar a cultura própria do mundo que lhe dá origem - o

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mundo europeu em expansão - para poder conhecer a realidade do outro, faz disso seu grande desafio. O desafio de ver-se e ver aos outros homens, para, então, estabelecer as bases do conhecimento. Como diz Scevcenko, "os europeus representando uma civilização mais pragmática e que lançava nesse momento as bases da ciência positiva moderna, logo passaram a utilizar-se dos mitos indígenas a seu favor (...) os espanhóis não tiveram escrúpulos em se aproveitar das crenças indígenas (...) para depois da conquista destruir os seus deuses e impor-lhes o cristianismo a ferro e fogo" (op. cit., p. 53). A partir daí, segundo o autor, o que se tem é um trágico processo de invasão, conquista e extinção da cultura indígena. Compreende-se, então, que o mundo da cultura e seu movimento, como parte da história de um povo, de uma tradição e herança, ao ser confrontado com outros universos, pressupõe interesses diversos postos numa relação de alteridade (o eu e o outro em relação) mais que de diversidade (o eu e o outro). Resultam, daí, processos de manipulação da realidade, segundo diferentes formas de percepção e conhecimento. A experiência de contato entre povos diferentes e culturas diversas coloca em questão um espaço de encontro, de confronto e de conflito, marcado pelo diverso, pelo diferente. Esta tensão é essencial à constituição e ao desenvolvimento da antropologia como ciência e como prática. Assim, a antropologia nasce de relações historicamente constituídas entre os homens e, por sua natureza, busca compreender o outro diferente de si - de seu mundo de origem, a Europa do século XIX - dialogando com outras formas de conhecimento, tendo por base e pressuposto central o mundo da cultura, as relações entre os homens e a construção do saber. O que é o saber? Segundo Galli, é uma dimensão social holística3

que vai do caos à ordem, para outra ordem; que se desconstrói com bases em pressupostos construtivos, postos em movimento pela experiência e pela vivência. Trata-se da fruição da cultura, que gera um fazer reflexivo e crítico, por vezes chamado educação. O objetivo é assimilar o indivíduo à ordem social propiciadora do nós coletivo e que, ao mesmo tempo em que integra buscando homogeneizar, diferencia cada um por suas características pessoais, por gênero, por idade, garantindo o equilíbrio da vida em sociedade. A educação realiza-se, então, no interior da sociedade, composta por diferentes grupos e culturas, visando um certo controle sobre a existência social, de modo a assegurar sua reprodução por formas sociais coletivamente transmitidas. A educação, nessa forma primeira, é uma modalidade de ajustamento psicossocial que resulta numa forma de controle social, com base na organização social e no horizonte cultural partilhado por um grupo. Um aspecto a considerar é que a cultura é, aí, entendida como técnica social de manipulação da consciência, da vontade e da ação dos indivíduos, com a finalidade de modelar as personalidades humanas dos membros do grupo social, tal como afirma Florestan Fernandes, ao tratar da educação entre os Tupinambás (1966). Para exemplificar que todas as sociedades possuem técnicas para estimular e corrigir seus membros da infância à idade adulta, via transmissão de conhecimento, valores e normas, Melatti (1979) relata o processo educativo de uma criança marubo. Diz ele: "Durante o tempo em que o indivíduo é uma criança de colo, sem dúvida já se inicia sua formação como marubo". Ela pressupõe desde o contato com os alimentos até outros hábitos como amarrar os pulsos, os braços, os tornozelos e as pernas para que

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engrossem, fazendo dele um bom trabalhador no futuro. À medida que cresce, está sujeito a tapas, empurrões ou ainda a punições quando faz algo de errado. Uma punição comum é a urtiga que é passada no corpo para que a criança deixe de ter preguiça e torne-se aplicada no trabalho. Da mesma forma, quando maiores, tomam a "injeção de sapo", uma espécie de queimadura em pele viva, que espanta a preguiça e o panema (azar) (op. cit., pp. 291-301). Este e outros exemplos entre grupos tribais como os Arapesh, estudados por Mead, ou os japoneses, estudados por Ruth Benedict, revelam a existência de um sistema de interpretação de um modo de vida, mas também uma pedagogia, como diz Galli, que se formaliza como técnica e ritual educativo, criando sistemas especializados nessas técnicas e ritos. Nesse sentido, cultura e educação são termos que se invocam e se concitam mutuamente, como afirmam Cazanga M. e Meza (1993). Segundo esses autores, "permanentemente envolvido no processo educativo e pelo simples fato de estar vivendo, o homem está aprendendo na sociedade pela cultura; a sociedade é o meio educativo próprio do homem, ainda que a todo momento não tenha consciência disso" (p. 82).4

Isto não quer dizer que os indivíduos sejam produtos mecânicos de uma linha de montagem. O homem como ser variável, mutável no temperamento e no comportamento, não fica à mercê de sua natureza e de sua cultura, mas sim está sujeito a condições históricas determinadas e determinantes do universo em que está inserido. No pano de fundo da história, os processos culturais revelam-se arbitrários, posto que objetivam não apenas a produção e a reprodução da sociedade em que se está e se vive, mas objetivam, também, interesses e metas que, indo além da própria sociedade, envolvem outras sociedades, outros grupos sociais, outras culturas. Tal como aconteceu com a expansão colonial na América e, portanto, com as relações entre europeus e indígenas. É comum entre antropologia e educação, portanto, tal como afirma Galli, a existência real e concreta de diferentes grupos humanos. Uma existência que, segundo Lara (1990), mostra o mundo cultural marcado por uma luta de interesses, com tudo o que ela implica: a dominação, a espoliação, entre outras coisas. Para esse autor, os caminhos da produção cultural de um povo foram, muitas vezes, obstruídos, "enquanto memória negada ou recalcada, enquanto memória distorcida ou mesmo completamente deturpada por aqueles que têm a força para se impor. A história cultural de um povo, na maioria dos casos, fica sendo a história das dimensões hegemônicas dessa cultura" (p. 104). Retomando pois, o caso dos espanhóis e dos indígenas, fica clara a imposição das crenças dos valores dos conquistadores em nome de um domínio que nega ao outro a própria existência de seu mundo. Diziam alguns sábios astecas: "Somos gente simples/ somos perecíveis, somos mortais,/ deixai-nos, pois, morrer,/ deixai-nos perecer,/ pois nossos deuses já estão mortos" (Scevcenko op. cit., p. 53). O processo político que impõe a cultura do outro à revelia dos sujeitos sociais conduz à violência que mata o corpo (genocídio), como também mata a alma, preservando o corpo físico (etnocídio). Os indígenas não são, assim, indiferentes às condições vividas, aprendem com elas, e se os espanhóis foram: "adorados inicialmente como deuses, temidos depois como demônios e desprezados por fim apenas como bárbaros", é porque os indígenas perceberam a "cupidez dos europeus e na sua obsessão proselitista, a raiz de todo o sofrimento em que submergiram (...) esse sentimento (...) transformou-se numa pulsação de resistência e é até os nossos dias revivido

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cerimonialmente como na periódica dramatização da morte de Atahualpa" (idem; ibidem). Assim, num processo inverso ao da homogeneização proposta pelo campo político das relações entre povos e culturas distintas, renasce a diferença, celebra-se a alteridade. A realidade vivida implica um fazer e refazer constantes, via processos culturais que, no dizer de Lara, produzem e veiculam projetos de vida humana, com propostas tidas como válidas e como tais transmitidas. Daí que o processo de ver-se e ver a outros homens, só pode ocorrer em contextos históricos concretos, seja em termos do senso comum, seja em termos do conhecimento científico. A compreensão das diversas sociedades humanas, em seus próprios termos, através de questionamentos dos valores e das convicções de nossa sociedade, como diz Novaes (1992), permite o conhecimento através da crítica "ao etnocentrismo, à intolerância e à não aceitação da diferença" (p. 128). A superação do etnocentrismo, a apreensão do diverso para compreendê-lo em relação, significa relativizar o próprio pensamento para construir um conhecimento que é outro. Alargado, como diria Merleau Ponty. Um conhecimento como ciência, ou seja, a realidade como realidade vivida e experimentada pela compreensão de outras sociedades e da própria cultura. Nesse movimento de tensão e compreensão reside a natureza do diálogo entre antropologia e educação, já que ambas são devedoras científicas do processo de imposição de si ao outro, posto pelo desenvolvimento do mundo colonial e do colonialismo ocidental, cuja meta visava suprimir toda e qualquer alteridade, em nome de um modelo de vida cultural e pedagógico de tipo etnocêntrico, autocentrado e homogeneizador. O diálogo revela como ponto comum a cultura, entendida como instrumento necessário para o homem viver a vida, distinguir os mundos da natureza e da cultura e, ainda, como lugar a partir do qual o homem constrói um saber que envolve processos de socialização e aprendizagem. No primeiro caso trata-se de diferentes formas de transmissão de conhecimento, de habilidades e aspirações sociais; no segundo, trata-se das formas de transmissão de herança cultural, através de gerações implicando processos de apropriação de conhecimentos, técnicas, tradições e valores. Tudo em acordo com a criação dos homens em situações sociais, concretas e historicamente determinadas. Situações essas, segundo Galli e outros autores, tipicamente pedagógicas e diversas. Aqui seria possível citar inumeráveis exemplos de diversidade social e de múltiplas situações pedagógicas que precisariam ser relativizadas para ser melhor compreendidas. No entanto, a dominação política e historicamente determinada nas relações entre diferentes grupos e, principalmente, na história do mundo ocidental, revela o colonialismo como negador da diversidade humana. Centrado num modelo cultural único e na necessidade de colocar sob controle o diferente, a sociedade ocidental constrói uma prática pedagógica também única e centralizadora. O movimento deste mundo, de que fazemos parte, caminha da diversidade para a homogeneidade, eixo em que também se inscreve a história da antropologia, como ciência, e da pedagogia ocidental, como prática. Vinculadas e determinadas pela lógica impositiva dessa história comum, defrontam-se ambas com o desafio de resgatar e redimensionar o universo das diferenças, da diversidade que, como diz Carvalho (1989), referindo-se aos antropólogos, exige renovar a visão de mundo e das coisas (p. 20).  Antropologia e educação: O diálogo do passado

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As origens da antropologia e do fazer antropológico como ciência, ou melhor dizendo, de um modo de fazê-la, tem a ver com a expansão do mundo colonial que conduz o mundo europeu a defrontar-se com outros povos e outras culturas - nas Américas e na África. O defrontar-se com o diverso, com o desconhecido, implicou fazer perguntas, cujas respostas permitiram a constituição de um saber legítimo e reconhecido como ciência. Entre o século XIX e o atual século XX, as perguntas e suas respectivas respostas organizaram-se em diferentes formas de interpretação da realidade. Assim, afirma-se que o "olhar antropológico" não é um único olhar, mas qualquer que seja ele, é dependente de pressupostos que orientam as perguntas que são feitas e indicam caminhos de busca das possíveis respostas. Isto quer dizer que, dependendo de onde se parte, têm-se configurados modos diversos de fazer uma mesma ciência, no caso, a ciência antropológica com base em diferentes teorias que a sustentam. A primeira dessas teorias, que nasce junto com a própria ciência antropológica, foi o evolucionismo. As idéias de evolução e progresso, inspirados em princípios da biologia e, portanto, das ciências naturais do século XIX, conduzem a que se pensem as diferenças entre grupos e sociedades numa escala evolutiva que toma o mundo europeu como modelo único de humanidade. A concepção etnocêntrica de mundo vê o "outro" a partir de si mesma e estabelece um fazer científico de base discriminatória e racista, já que entende que branco, europeu e cristão constituem a superioridade da condição humana, enquanto os demais povos e culturas representam um atraso, uma sobrevivência do passado do homem e, como tal, uma condição inferior da própria humanidade. Um evolucionista importante, no século XIX, foi L. Morgan, inspirador de muitos pensadores, entre eles seu aluno Franz Boas. Franz Boas vivencia todas as descobertas de seu tempo e chega ao presente século trazendo para debate, agora, através de seus próprios alunos, importantes antropólogos da primeira metade do século XX, uma crítica contundente ao pensamento de seu mestre L. Morgan. Boas considera a idéia de que cada grupo, cada cultura têm uma história singular, própria, que depende do que é a vida do grupo, no aqui e agora de sua existência. Não se trata, portanto, de olhar as diferenças próprias do modo de ser do "outro" como sobrevivência de um momento já superado pela evolução da humanidade e, como tal, exemplo vivo de atraso social e cultural. A possibilidade de que a história da humanidade não tenha seguido um único caminho e direção faz do pensamento de Boas uma condição revolucionária na compreensão das realidades humanas. Como história múltipla e variada, elimina o viés do pensamento evolucionista etnocêntrico. Com este princípio, Boas mostra a imensa riqueza do social humano e a natureza da cultura como não determinada biologicamente. A cultura, e não a biologia, torna-se referência para pensar as diferenças e compreendê-las em suas bases constitutivas. O pensamento de Boas, ao investir contra o evolucionismo de Morgan, possibilita também a crítica aos valores liberais e de igualdade postos pelo campo político do século XIX, como modelo autocentrado para as sociedades humanas e suas instituições, entre elas, a escola e seu modelo pedagógico ocidental. Boas será um crítico atuante diante do sistema educativo americano, denunciando, entre outras coisas, a ideologia que lhe serve de base, centrada na idéia de liberdade, e sua prática educativa de cunho conformista e coercitivo, visando criar sujeitos sociais adequados ao sistema produtivo, segundo um modelo ideologizado de cidadão. Demonstra, através de estudos diretos obtidos no campo educacional, que a escola inexiste como

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instituição independente e, como tal, não possibilita independência e autonomia dos sujeitos que aí estão. A meta da escola centra-se num aluno-modelo que desconsidera a diversidade da comunidade escolar e, para contê-la, atua de forma autoritária. Boas revela como a diversidade do social é desrespeitada no modelo político de desenvolvimento americano, já que diferenças sociais ou culturais, de gênero, raça ou etnia, são ainda pensadas a partir das idéias evolucionistas. Com isso, Boas influencia muitos outros a pensarem a questão da diferença como parte de mecanismos culturais, referidos a pequenos grupos ou regiões, que exigem um intenso trabalho de campo junto a esses grupos, para que seja possível compreendê-los. O fazer científico que se instaura nessa concepção particularista da história humana, chamada também de história cultural ou culturalismo, tem por significativo o fundamental dessa ciência chamada antropologia, o trabalho de campo, e elege como central, para pensar as sociedades humanas, o conceito de cultura. Por outro lado, cabe dizer que esta é a vertente americana de desenvolvimento da antropologia, a antropologia cultural. Mais centrada nos conceitos de sociedade e de estrutura, elaborada por Radcliffe-Brown e outros, constitui-se a vertente da antropologia social, na Inglaterra, da qual emergirá uma segunda e fundamental corrente teórica da antropologia, o funcionalismo, cujo representante maior será B. Malinowski. Boas e Malinowski, segundo Laplantine (1987), são os pais fundadores da etnografia, na medida em que percebem e sistematizam os caminhos pelos quais "o pesquisador deve ele mesmo efetuar no campo a própria pesquisa" (p. 75). Com eles, o trabalho de campo se torna a própria fonte de pesquisa e a condição modular da antropologia como ciência da alteridade que, segundo Laplantine, se dedica ao estudo das lógicas particulares de cada cultura. A corrente americana terá maiores preocupações com a questão educacional, cuja continuidade se fará com os alunos de Boas. Ruth Benedict e Margaret Mead dedicam-se aos estudos do campo educativo e trazem à tona a questão da diversidade das culturas, vista por diferentes ângulos: as formas operativas da cultura dentro dos processos educativos nos primeiros anos de vida; os ciclos de desenvolvimento da infância à idade adulta e o papel da educação formal e informal; a questão do controle social e o campo das emoções e do sexo; as dificuldades educativas e os relacionamentos entre grupos dentro dos estados nacionais e deles com os outros, como por exemplo, a América e a África, o mundo ocidental e o oriental; a adolescência e a formação da personalidade, entre tantos outros temas que se podem elencar na produção culturalista do início do século até os anos 50. Outros antropólogos que também discutem a escola e a educação nesse período são M. Herskovits, R. Redfield e C. Kluckholn, que apontam para a questão da escolha cultural, do papel da cultura e das experiências vividas que marcam e constituem um universo centrado no relativismo. São parte da discussão: a negação dos chamados "testes de inteligência", tão em voga nos anos 30/40; as dificuldades de integração cultural do diferente, em face da visão etnocêntrica da organização escolar; a questão da tarefa do educador perante as experiências pessoais e a herança cultural e, ainda, a questão dos valores de cada grupo em face dos conflitos entre grupos e perante as diferenças. A relativização dos saberes e as conexões entre saberes diversos só se fizeram possíveis em razão das experiências vividas e da integração no mundo e na cultura de cada um. A exigência, portanto, de se pensar um saber e uma aprendizagem diversa, porém de igual valor, coloca em vigência uma ética no fazer antropológico e lhe dá uma dimensão

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política afinada com seu tempo. Por sua vez, o funcionalismo dos anos 20/30 baseava-se no fato de que as necessidades de um povo, grupo ou indivíduo, dadas pela vida em sociedade, encontram na cultura os caminhos de sua satisfação e conduzem às respostas originais, singulares e coletivas, que demarcam e estruturam formas próprias de ser e de pensar o mundo, diferentes para cada povo ou grupo, já que são dependentes da dinâmica de diversos sistemas sociais e de seu funcionamento. Como conseqüência, a melhor forma de compreender os diferentes povos é estar com eles, viver em profundidade o universo de suas práticas, entendendo-as como práticas "encarnadas", como diria Malinowski, ou seja, como práticas que possuem um sentido e um significado. A perspectiva de que o homem não apenas vive, mas que, ao viver, questiona, cria sentidos, valores, mitos, artes e ideologias que ordenam sua compreensão de mundo, revoluciona o fazer etnográfico, pois impõe o trabalho empírico, de campo, como fundamental na compreensão de outros povos e de nós mesmos. O trabalho de campo redimensiona o conhecimento científico, na medida em que exige uma rigorosa e sistemática apreensão de uma dada sociedade ou grupo em seus múltiplos aspectos, formais, institucionais, concretos, tal como se encontram relacionados entre si e de acordo com a representação que deles é feita. A cultura se torna, assim, central para a compreensão das práticas humanas, vistas como práticas significantes que distinguem o homem da natureza, o homem do animal e que fundam diferentes sistemas de interpretação da vida. Nesse processo, o antropólogo é aquele que faz a "teoria nativa" da sociedade que estuda, ou seja, que busca explicá-la em seus próprios termos. Isso exige desde a compreensão da especificidade de cada cultura, já posta pelo culturalismo, como também a compreensão das partes que compõem uma dada cultura em termos de um todo integrado, de que fala o funcionalismo. Na conjunção de ambas as teorias, torna-se possível o estudo de pequena parte da sociedade - um microcosmo de seu universo - para compreendê-la no seu todo. A isso, se propuseram os chamados estudos de comunidade. Os estudos de comunidade constituem a outra ponta da perspectiva antropológica que hoje parece retornar, sem uma efetiva consciência do fato, nas pesquisas educacionais deste fim de século. A proposta desses estudos conduz os pesquisadores a verem no âmbito de pequenos grupos a reprodução da sociedade, elegendo no campo da pesquisa o particular, como objeto de conhecimento, e não a generalização. A cultura vista nela mesma, no interior do grupo e a ele referida, o contexto em si mesmo tornam-se expressão maior dessa perspectiva de análise, desse fazer científico.5 Não dão conta, porém, do fato de que "as relações culturais estão submersas em relações de poder " (Carvalho op. cit., p. 21) e, como tais, dizem respeito a realidades mais amplas, estruturadas em torno de relações de classe e baseadas em mecanismos de desigualdade e dominação. Ainda assim, as vertentes do culturalismo e do funcionalismo, que ao final dos anos 40 começam a ser criticadas nos EUA, terão forte influência no Brasil, primeiro via Gilberto Freyre, que estuda com Boas nos anos 30 e escreve seu célebre e polêmico Casa grande e senzala; depois será a vez de pesquisadores americanos que, entre os anos 40 e 50, chegam ao Brasil através da Universidade da Bahia, e aqui desenvolvem estudos de comunidade, que serão inspiradores, mais tarde, das propostas do CBPE (Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais) dirigido por Anísio Teixeira, em termos de pesquisas e de programas educacionais no Rio de Janeiro, entre

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os anos 50 e 60. No entanto, a crítica feita a tais estudos, já a partir da década de 1940, parece não fazer parte da reflexão daquele momento, como não o faz na atual retomada da aplicabilidade das técnicas de pesquisa antropológica aos estudos das culturas complexas, na antropologia e na educação. Segundo P. Sanchis (1996), nos anos 50 e 60 deste século, a descolonização e a emergência de antigas colônias como nações independentes eliminaram a distância estrutural entre sociedades, estabelecida de modo teórico e diverso pelo evolucionismo e pelo funcionalismo (p. 29). Nesta segunda metade do século, não se trata mais de estudar o "outro", diferente, distante, e sua cultura. A questão agora é que a "etnografia deixou de ser privilégio de antropólogos desde que estes mudaram seu campo para as cidades", diz Zaluar (1995, p. 85). Ao mesmo tempo, a necessidade de aplicar seus métodos, seus conceitos e paradigmas às ditas sociedades complexas instaura o desafio e a aventura que é "conhecer outros mundos simbólicos" no interior de nosso próprio mundo. Tal desafio, segundo Zaluar, constitui-se numa via de mão dupla, em que estão em jogo a objetividade e a teoria científica e também a sensibilidade interpretativa de quem se propõe a singrar mares à la Malinowski.6 O desafio não é fácil, nem simples. Segundo Ruth Cardoso (1986), no campo das ciências humanas o desafio atual é o de conciliar a conquista do trabalho de campo, sistematizada pelo positivismo e, ao mesmo tempo, dar conta de esquemas explicativos de outra natureza, centrados na questão das sociedades complexas, as sociedades de classe, revelada pelas teorias mais críticas e menos positivistas, tais como o estruturalismo e o marxismo. Diante do trabalho de campo e do desafio da interpretação, a antropologia e a educação se debatem com o fato de que sempre existiu "um modelo positivista de sociedade (...) e uma tendência interpretativa ou compreensiva" das mesmas (Lovisolo 1984, p. 66). Para este autor, a antropologia interpretativa é aquela que hoje é aceita, tanto no campo das ciências humanas como na educação, e nisso consiste o desafio de agora. Em debate, o questionamento das práticas científicas e das práticas educativas no tocante ao trabalho de campo e ao fazer etnográfico que, desenvolvidos na trajetória da antropologia como ciência, são hoje, década de 1990, campos comuns e conflitivos no diálogo entre antropologia e educação. Fazendo minhas as palavras de Santos (1996) e, certamente, alterando-lhes os sentidos, estamos vivendo um tempo paradoxal, simultaneamente de conflito e de repetição. Cabe, então, perguntar: Estamos perante uma situação nova? No presente, o relativismo e a alteridade apresentam-se de forma ambígua e até antagônica (Garcia 1994, p. 135), de modo que se torna obrigatório rever a idéia de que o passado seja reacionário, para se buscar, como diz Santos, energias mais progressistas, menos conformadas no interior de um universo matricial, da antropologia como ciência e da educação como prática.  Notas1. Não se trata de negar a importância dessa década na definição temática e conceitual no campo das ciências humanas, mas de demarcar tal período como o da cristalização de processos que desde muito estavam em constituição e cujo movimento é parte integrante das conquistas desse momento. 2. Deste ponto em diante, intercruzo, com outros autores, o trabalho de Matilde C.Galli, "Antropologia Culturale e Processi Educativi", editado pela La Nuova Italia, Scandice, Firenze, 1993, e tomo por roteiro parcial o curso de antropologia e educação que ministrei em 1996, na Faculdade de Educação da Unicamp.

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Agradeço à professora doutora Ana Lúcia G. de Faria por ter me apresentado à obra de Galli e ter, assim, desencadeado um processo de reflexão de que participaram também meus alunos, aos quais agradeço pelo incentivo e pela discussão. 3. O holismo tem sido abordado em diferentes estudos e, em geral, diz respeito às propriedades do todo ou da totalidade da vida social, ainda que nem todos concordem com isso. 4. No original: "Permanentemente involucrado en el proceso educativo y por el simple hecho de estar viviendo, el hombre está aprendiendo en la sociedad por la cultura, la sociedad es el medio educativo propio del hobre, aunque no en todo momento hay conciencia de esto." 5. Ver, a respeito, Josildeth da S. Gomes. "A educação nos estudos de comunidade no Brasil. Educação e Ciências Sociais." Boletim do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais - CBPE. Ano 1, Nº. 2, Rio de Janeiro, agosto de 1956, vol. 1. 6. Ver, a respeito, Ana Lúcia F. Valente. "Usos e abusos da antropologia na Pesquisa Educacional. Proposições." Revista da Faculdade de Educação da Unicamp. Campinas, 1997 (no prelo).   Anthropology and education: The origin of a dialogue Abstract: Today anthropology and education constitute a field of confrontation where the compartimentalization of knowledge attributes to anthropology the status of science and to education the status of practice. Within this primary divergence, professionals of both sides accuse each other and defend themselves based on preconceived ideas, reductionist practices, and lots of ignorance. Many aspects keep anthropologists and educators apart, but many others bring them together. In this text, we seek to point out what is similar and what is different in both areas based on the existence of a past dialogue which makes possible a future one. Therefore, we consider the possibility of overcoming prejudice and, thus, aiming at an advance in knowledge.

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Page 38: O Trabalho como uma questão antropológica

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