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118 Ensino Médio I n t r o d u ç ã o De onde vêm as Culturas e por que é importante estudá-las? A Sociologia é uma das áreas de conhecimento das Ciências So- ciais que estuda, de maneira científica, fugindo do senso comum e dos “achismos”, a sociedade. Assim também é a Ciência Antropológica. Mas você leitor pode se perguntar: Se já existe a Sociologia, que es- tuda a sociedade e nos ensina a também sermos “cientistas”, pessoas que saibam refletir sobre as questões sociais e ter ação frente à socie- dade, para que outra ciência? Ora, a vida do homem em sociedade é tão complexa que, durante a história, muitos se dedicaram a entender, explicar e a dar soluções a muitas questões da sociedade, incluindo as questões culturais. Tais ex- plicações deveriam ser “certas”, tudo passa a ser explicado pelas Ciên- cias. Isso ocorreu no cenário mundial, principalmente, no final do sé- culo XVII e início do século XIX. Mas a cultura pode ser estudada cientificamente? Pois é, pode sim! Foram muitos os estudiosos que tiveram a preo- cupação de se dedicar à elaboração de uma área específica das Ciên- cias Sociais para desvendar os mistérios e encantos das diferentes cul- turas existentes entre os povos. Foi então que a Antropologia entrou em cena. O nome parece estranho, não é? Tradicionalmente, foi a An- tropologia que primeiro estabeleceu métodos científicos para estudar os fenômenos culturais. Você sabe por que as Ciências em geral necessitam de instrumen- tais teóricos e metodológicos para poder desenvolver suas pesquisas, estudos e resoluções de problemas? O agrônomo, por exemplo, antes z Introdução

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Ensino Médio

Introdução

De onde vêm as Culturas e por que é importante estudá-las?

A Sociologia é uma das áreas de conhecimento das Ciências So-ciais que estuda, de maneira científica, fugindo do senso comum e dos “achismos”, a sociedade. Assim também é a Ciência Antropológica.

Mas você leitor pode se perguntar: Se já existe a Sociologia, que es-tuda a sociedade e nos ensina a também sermos “cientistas”, pessoas que saibam refletir sobre as questões sociais e ter ação frente à socie-dade, para que outra ciência?

Ora, a vida do homem em sociedade é tão complexa que, durante a história, muitos se dedicaram a entender, explicar e a dar soluções a muitas questões da sociedade, incluindo as questões culturais. Tais ex-plicações deveriam ser “certas”, tudo passa a ser explicado pelas Ciên-cias. Isso ocorreu no cenário mundial, principalmente, no final do sé-culo XVII e início do século XIX.

Mas a cultura pode ser estudada cientificamente?

Pois é, pode sim! Foram muitos os estudiosos que tiveram a preo-cupação de se dedicar à elaboração de uma área específica das Ciên-cias Sociais para desvendar os mistérios e encantos das diferentes cul-turas existentes entre os povos. Foi então que a Antropologia entrou em cena. O nome parece estranho, não é? Tradicionalmente, foi a An-tropologia que primeiro estabeleceu métodos científicos para estudar os fenômenos culturais.

Você sabe por que as Ciências em geral necessitam de instrumen-tais teóricos e metodológicos para poder desenvolver suas pesquisas, estudos e resoluções de problemas? O agrônomo, por exemplo, antes

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de indicar certo tipo de agrotóxico ao agricultor, deve ter a precaução de “verificar” qual a doença que a planta tem. E, como ele estudou, sa-be os métodos científicos para analisar a planta, pois tem as condições preestabelecidas para não errar na investigação e no diagnóstico.

Assim também é com relação à análise dos fenômenos sócio-cultu-rais. Veremos nas páginas seguintes, alguns dos fundamentos teóricos (as idéias científicas) e dos métodos de estudos que foram criados para dar conta de analisarmos e compreendermos a dimensão da vida cul-tural das diferentes sociedades.

Os temas e assuntos aqui apresentados estão distribuídos em três “Folhas”, não são a totalidade dos conteúdos que a Antropologia ou mesmo as Ciências Sociais nos possibilitam, mas constituem em recor-tes que foram considerados enriquecedores para o aprendizado e o desenvolvimento do pensamento sociológico e antropológico.

No primeiro Folhas discutiremos o contexto histórico e social em que foram surgindo os estudos antropológicos. Foi com o avanço e as conquistas de territórios e colonizações empreendidas por alguns paí-ses europeus, que se fez necessário conhecer o desconhecido e o dife-rente. A primeira visão que se teve dos povos que tinham uma cultura diferente do mundo ocidental foi negativa. Povos indígenas, como os encontrados aqui, no território que hoje é o nosso país, foram tratados com atitudes etnocêntricas.

Imagine você leitor, fazendo parte de uma sociedade que se reconhece co-mo “civilizada”, detentora de uma variedade de conhecimentos científicos, que sai por parte do mundo explorando e colonizando. Depara-se com povos-totalmente diferentes e, aos seus olhos, estranhos. Bom, sendo você o “civili-zado” da história, o que esses outros povos seriam?

Foi para explicar tais questões que o estudo antropológico, a partir do século XIX, muda de direção. Surge a preocupação de entender a grande diversidade cultural existente em todo o mundo, a reconhecer

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Introdução

o outro não pelo prisma da aversão à diferença, mas pela compreen-são do diferente em meio às diversidades. Foi então que a noção ou a definição do que é a CULTURA passa a ter um grande valor científico.

Assim, devido às especificidades de cada povo, nação e sociedades, a questão cultural foi se tornando um assunto extremamente sério e in-teressante para entendermos a dinâmica das relações sociais.

Será no segundo “Folhas” que abordaremos como se projetam as relações sociais cotidianas a partir da diversidade cultural brasileira. À luz das teorias antropológicas, analisaremos uma questão fundamental que atinge a vida de todo brasileiro, a nossa identidade nacional.

Entender como ao longo da história fomos construindo nossa iden-tidade nacional em todo o processo de colonização pelo qual pas-samos nos permitirá analisar questões como, diferenças étnicas: pre-conceito racial e étnico, “cotas” para negros em universidades e em concursos públicos, etc.

Já no terceiro “Folhas” refletiremos sobre a dinâmica na qual a CUL-TURA vem passando com o advento da Revolução Industrial e todo o processo de industrialização que vem ocorrendo a partir do século XX. Se antes o alvo primordial da Antropologia era o estudo de povos des-conhecidos e toda a questão das diferenças, agora, nas sociedades ain-da mais “complexas” e desiguais, ela se preocupará também em expli-car os novos rumos da dinâmica cultural.

O alvo passa a ser o uso da cultura.

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Uso da CULTURA? Sim, é o mercado de bens culturais de consumo. A cultura como mercadoria. Como mecanismo social de controle. Vere-mos que isso ocorre quando uma classe social se apropria de um as-pecto da cultura e o transforma em produto padronizado para atingir toda a massa. Você consegue imaginar uma manifestação cultural fol-clórica transformada em mercadoria? Ou ainda, uma música ser “usa-da” como uma maneira de repúdio ou “imposição” de atitudes e inte-resses de classes?

Todos estes temas e outros que não serão abordados direta-mente são questões com as quais convivemos todos os dias. Algumas vezes até passam despercebidas no nosso cotidiano. Outras vezes, são motivos de alegria, festas, entretenimento, etc. Mas, como nem tudo são rosas, a cultura também pode levar o homem e sua sociedade a uma série de conflitos sociais, principalmente, em meio à diversidade cultural.

Convido você leitor, a mergulhar nas páginas seguintes e a conhe-cer mais do funcionamento da dinâmica sócio-cultural e a autenticida-de das diferentes culturas, pois, conhecer e compreender os valores culturais que nos cercam nos levará, também, a sermos pessoas cons-cientes e com a capacidade de refletir sobre os diferentes problemas que são originados pelas visões de mundo que os grupos e as classes sociais reproduzem cultural e cotidianamente ao longo da história.

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Cultura ou Culturas: uma contribuição antropológica

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CULTURA OU CULTURAS: UMA CONTRIBUIÇÃO

ANTROPOLÓGICASheila Aparecida Santos Silva1<

ocê já parou para pensar... porque eu, você e tantos outros somos da maneira

que somos?

O que nos leva a nos expressarmos de ma-neiras tão diferentes?

1Colégio Estadual Senador Teotônio Vilela – Ensino Fundamental, Médio e Profissionalizante – Assis Chateaubriand – Pr

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Todos nós sabemos que cada pessoa possui seu próprio comporta-mento. Pelo menos é isto o que a maioria de nós, muitas vezes, pen-samos e falamos. Mas, a humanidade ora se diferencia e, ora se asse-melha em muitos aspectos comportamentais. O que faz com que isso ocorra?

Para dar conta de responder e explicar a grande diversidade que caracteriza toda a humanidade em todos os tempos, lugares e socieda-des, muitos cientistas sociais, dentre eles e, em especial, os sociólogos e antropólogos, ocuparam-se em analisar um certo aspecto da vida hu-mana. A saber: a cultura.

O entendimento que muitos de nós temos sobre a cultura é pau-tado num conhecimento de senso comum. Quando somos questio-nados a respeito do que venha a ser a cultura, logo respondemos que cultura é coisa de índio, ou de folclore, ou ainda de danças e comidas típicas de determinada nação, como também das regiões de nosso país, etc.

E, outras vezes, relacionamos cultura com o conhecimento, a Ciên-cia, a Arte, as pessoas “cultas”, os intelectuais. Ou seja, freqüentemen-te separamos alguns aspectos da diversidade da vida humana e dize-mos que é cultura.

Muitos de nós temos a curiosidade de saber o porquê somos da maneira que somos. Surgem questionamentos a respeito da organiza-ção familiar, como é ou foi a “educação” que os pais passaram para os filhos. Alguém pode se perguntar: como pode a família de meu vizi-nho educar seus filhos de forma “tão liberal”? Ou ainda dizer: como po-de meu vizinho ser “tão tradicional”?

Observamos também os costumes e hábitos dos outros, comparan-do-os com os nossos ou vice-versa. Outras vezes, abrangemos o ques-tionamento, nos indagamos sobre a organização de nossa própria so-ciedade, que é “construída” social e culturalmente. Há muito que o homem vem se questionando a respeito de sua origem. Tais questões sempre foram motivos de preocupação para muitas pessoas.

Museu do Louvre - Paris - França< Festa do Divino - São Luiz do Paraitinga<

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Cultura ou Culturas: uma contribuição antropológica

Existe uma grande discussão “científica” e, muitas são as interpreta-ções para a definição do conceito de cultura. Para obter tais respostas o homem passou a estudar suas diferentes formas de organização so-cial. Surgiu então, a preocupação de se “criar” um conceito de cultura, para melhor explicar a diversidade entre os povos.

Veremos ao longo deste texto que cada cultura é resultado de uma história particular. É tudo o que caracteriza uma população humana. São seus costumes, hábitos, idéias e valores, algo que é transmitido. Existe uma tradição viva e dinâmica que leva uma determinada cole-tividade a ser diferente de outras; que permite que cada sociedade ou grupo social tenha características diferentes e singulares.

Você já deve ter percebido a grande quantidade de países que exis-tem no globo, não é?

O que é cultura para você?

São muitos os povos e, muitas as diferenças entre eles! A história natural nos relata, pelas teorias evolucionistas darwinista, que somos fruto de uma seleção natural das espécies, que começou de uma pe-quena e estranha célula. Ou pela Bíblia, teoria criacionista, a qual diz que somos originados em Adão e Eva, que foram fruto da criação Di-vina. E, desde o início da humanidade, os homens tem a característi-ca de viver em coletividade.

Em coletividade, nos grupos sociais, nas comunidades ou socieda-des, durante a história, o homem vem criando e recriando estilos de vida e diferentes modos de comportamentos. A variedade das culturas existente acompanha a variedade da história humana, dos processos de transformação social. Assim, não se pode dizer que exista uma to-talidade humana, que os homens são todos iguais.

Cada povo ou nação compartilha processos históricos comuns e se-melhantes em sua existência social. Mas, no entanto, a particularidade cultural é evidente em cada sociedade e grupo social. Cada cultura tem a sua história, assim como sua própria lógica, que é construída e tam-bém modificada pelos “acidentes” históricos universais.

Você já “reparou” no mundo à sua volta? Todas as pessoas que vi-vem nos mesmos ambientes em que você freqüenta, são parecidíssi-mas com você na maneira de viver, na maneira de falar, vestir, agir...? Todos tiveram a mesma educação familiar, escolar, pensam da mesma maneira, têm os mesmos objetivos e perspectivas de vida?

Diferença entre povo e

nação:

Constitui-se povo, um conjunto de pessoas que embora são ligadas por sua origem ou por qual-quer outro laço, não ha-bitam necessariamente o mesmo país, por exemplo o povo judeu. E torna-se nação, quando um deter-minado povo de um mes-mo território se organiza, politicamente sob um úni-co governo.

Qual o seu estilo de vida? É o mesmo de uma pessoa que tenha a sua ida-de, mas que faz parte de uma sociedade indiana, por exemplo?

Imaginemos uma situação, que dificilmente atingiria a vida da maio-ria dos jovens, neste século. Suponhamos que você leitor, ao invés de ter nascido no final do século XX, tenha vindo ao mundo em meados do século XV, numa pequena aldeia de índios, localizada numa exube-rante floresta. Sua vida se resumiria ao convívio social com as mesmas

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Vamos ver como são as diferenças culturais no cotidiano! Faça um levantamento por escrito das di-ferenças de hábitos, costumes, valores morais e religiosos que predominam no bairro ou comunidade em que você vive. Depois, divididos em grupos, exponham os resultados.

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pessoas que seus pais, avós e parentes, sempre conviveram. O que vo-cê mais gostaria de fazer seria ouvir e praticar os ensinamentos dos mais velhos, para conquistar a bravura e a honra de ser um guerreiro. Depois de muitos anos, a sua rotina de vida muda, pois, chega à aldeia um cer-to “viajante” que buscava conhecer e viajar pelo mundo (o colonizador). E, este viajante trazia consigo vários objetos. Dentre os objetos um, em especial, trouxe um novo “estilo” de vida à pequena comunidade. Era uma espingarda. Num primeiro momento parecia muito útil esse objeto, com um simples tiro certeiro, já era possível ter a caça no chão. Contu-do, os ensinamentos de como se tornar um guerreiro e caçador, com as habilidades tradicionais do grupo, já não eram necessários, a partir de então outros objetos e valores passaram a ser incorporados na aldeia e mudaram assim, o estilo de vida do grupo.

O que podemos constatar nesta história? Vemos que ocorreu um “aci-dente” histórico: um processo de mudança cultural. E é justamente o mesmo que veio ocorrendo desde os séculos XV e XVIII. O mundo vem passando por muitas transformações tecnológicas e sociais, que por fim transformaram as sociedades e suas culturas. São exemplos de “acidentes” históricos, o colonialismo dos séculos XV e XVI; a Revolu-ção Industrial que marcou as gerações passadas e ainda a nossa, tra-zendo um novo estilo de vida e uma nova organização social.

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Cultura ou Culturas: uma contribuição antropológica

Ao longo da história a humanidade passou por grandes transformações.

Veja! Recorramos à História! Vamos ao século XV. Nesse período co-meçou a ocorrer uma grande “onda” de colonizações, alguns países da Europa começam a “ganhar” o mundo. Pois é, as terras distantes que antes traziam pavor, medo e desconfiança eram agora o grande empre-endimento que a Europa buscava realizar. O mundo ia se tornando co-nhecido e as diferenças entre os homens também!

Os europeus cruzando os mares, indo em busca do desconheci-do à procura de expandir seus negócios comerciais, por conta de uma nova ordem socioeconômica a qual estava passando nos séculos XV a XVIII, descobriu muito mais que terras e riquezas. Estava agora dian-te de seus olhos um mundo “desconhecido”, grupos humanos que ex-pressavam uma realidade social e cultural diferente do que a civiliza-ção européia estava acostumada a ver e viver.

O grande encontro...

As grandes navegações, empreendidas por Portugal e Espanha na segunda metade do século XV, levaram os povos ocidentais a se de-pararem com a existência de um povo diferente! E, então um grande encontro ficou marcado na história. O encontro que poderia ter sido belo, fascinante e misterioso. Mas com tantas diferenças entre o ho-mem que alcançara os segredos da Ciência (europeu civilizado), que vivia a buscar empreendimentos para sua vida social “complexa” e o homem que alcançara os segredos da magia, do Divino (primitivo não civilizado), de vida “simples”, de “pequenos” empreendimentos, como eles, conseguiriam compartilhar suas diferenças? Saberiam conviver em meio às diversidades, deixando de lado as grandes diferenças de com-portamentos, costumes, hábitos, valores e idéias? Contudo, buscava-se nessa época leis e ideários universais, desenvolvimento e progresso ci-vilizatório da humanidade. O grande encontro transformou-se, infeliz-mente, num genocídio. Este era o contexto social de transformação em que o mundo ocidental estava passando... e em meio a este contexto era necessário “criar” um conceito científico de cultura.

Foi neste contexto histórico que surgiu a Ciência Antropológica, que se proporia como um instrumento científico de legitimação da do-minação européia. Era necessário conhecer os diferentes povos que estavam sendo “descobertos”.

Ora, você já deve ter ouvido a frase, “o homem é um animal racional”! E se é racional, tem a capacidade de pensar e refletir, de transmitir aos outros o que sabe, o que ao longo de sua vida aprendeu. Os pais ensi-nam aos filhos muitas coisas, dentre elas, certos valores, costumes, há-bitos, que vão permitir às crianças saberem como se comportarem em casa e fora dela. Quando forem adultos terão ainda acumulado e re-criado muitas outras formas de comportamento, principalmente, com-portamentos sociais.

Genocídio: consiste em destruir, total ou parcialmente um grupo étnico ou uma na-ção. Hoje, qualquer ato dessa natureza é tido como um cri-me contra a humanidade.

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E, então, os grandes estudos científicos sobre o homem começam a ganhar forças! Alguns estudiosos dizem que somos seres biológicos, pois somos ligados à natureza e, em determinados aspectos físicos, so-mos também diferentes. No entanto, como seres humanos, somos bio-lógicos, tanto quanto somos também seres culturais na perspectiva an-tropológica e sociológica.

Para o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, (1908 - ), o ho-mem tem a capacidade de simbolizar os objetos, dar sentido para tudo o que está em sua volta, e por conta disso, a cultura vinculou-se à vi-da humana. Eis aí o motivo das nossas diferenças!!

Como já comentamos acima, o ser humano tem a capacidade de ra-ciocínio, pensa e articula suas ações, é capaz de dar sentido às várias dimensões da vida, tanto quanto influencia e é influenciado nas suas relações sociais.

Ora, a humanidade é formada por todo aquele indivíduo, aquela pessoa que consegue simbolizar e dar significado aos objetos em seu redor e, que por isso vive por ou através de representações. Assim, vi-vemos em sociedade, em uma dimensão coletiva repleta de represen-tações originadas culturalmente.

O antropólogo americano, Clifford Geertz, conhecido por sua obra “A Interpretação das Culturas”, já afirmava que é necessário apreen-der todo o caráter de uma e das várias culturas e, também as diferen-tes pessoas que integram as diferentes culturas, para então, “encontrar a humanidade face a face”. Essa colocação de Geertz significa que sem cultura a humanidade não existiria, pois a cultura estabelece mo-dos de convivência entre os indivíduos, fazendo com que se reconhe-çam como tal.

Lévi-Strauss: fundador do método antropológico estruturalista de análise das sociedades. Colaborou com a formação da USP, na dé-cada de 30, como profes-sor de Sociologia. Realizou vários estudos antropológi-cos ligados aos índios bra-sileiros.

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Faça um levantamento histórico do processo de colonização no qual passou parte do mundo a par-tir do século XV, apontando as “influências culturais” na transformação das diferentes sociedades que sofreram este processo.

ATIVIDADE

Caro leitor, você como um estudante, já se deparou com muitos sa-beres científicos, inclusive estes que estão sendo esclarecidos neste li-vro. Nos Folhas anteriores você teve contato com a Sociologia. Ela nos ajuda a pensar a sociedade e sermos capazes de refletir sobre os acon-tecimentos sociais.

Porém, nem sempre foi assim. A sociedade européia dos séculos XV e XVIII, por conta da grande influência e domínio da Igreja, repudiava fortemente o pensamento e a análise do homem sobre o homem, que não fosse pautado única e exclusivamente pelas explicações religiosas.

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Sociologia

Cultura ou Culturas: uma contribuição antropológica

Colonialismo: sistema político que visava ao do-mínio e à exploração das Américas do Norte, Central e do Sul, a partir do século XV, liderado pelos interes-ses mercantilistas da Euro-pa Ocidental.

Vamos entender isso!!!

Com o colonialismo “nasceram”, como vimos acima, a partir da-quele grande encontro entre ocidentais e os povos nativos do “Novo Mundo”, as primeiras preocupações sobre as diferenças culturais, que foram percebidas pelos “viajantes” colonizadores, pessoas que saíam pelo mundo, cruzando os mares, estabelecendo seu domínio e impé-rio, como foi o caso ocorrido no Brasil.

Antes de prosseguirmos, permita um outro questionamento, que nos levará a pensar a respeito da cultura, também, a partir do nosso cotidiano.

“Você leitor, já se deparou com situações de discriminação, já foi ví-tima de algum tipo de preconceito étnico, ou ainda, você mesmo tem atitudes etnocêntricas?”

Vejamos a explicação científica para este fenômeno social:

Embora a Sociologia, como sabemos, é a ciência que estuda tudo o que diz respeito à sociedade, como por exemplo, a organização social e os fenômenos sociais diversos, e inclusive as diferenças culturais en-tre os homens, foi a Antropologia que primeiro sistematizou metodologi-camente instrumentais teóricos, que pudessem dar conta de explicar não somente a cultura, mas toda a diversidade cultural existente. O “proje-to” da Antropologia, no seu início, era dar conta de reconstruir os po-vos ou regiões, explicar a origem e a evolução da humanidade, com-parar a vida social e o desenvolvimento de diferentes povos.

Então quer dizer que existiu no cenário de surgimento das Ciências Sociais, uma ciência que se interessou, única e exclusivamente, pelas questões culturais da vida humana? É isso aí!

A Antropologia surgiu do interesse e do avanço do colonialismo, alimentado pelo capitalismo e pelo imperialismo europeu. Parece que ambos os motivos estão interligados, não é? E, na verdade, estão mes-mo! Nesse sentido, a antropologia buscou firmar cientificamente o con-ceito de cultura.

O problema do etnocentrismo:

Você sabia que cada Ciência é fruto de seu tempo? Ou seja, cada Ciência que foi surgindo ao longo da história tinha um motivo de exis-tência. Assim foi com a Antropologia. “Fruto” do processo histórico do colonialismo europeu, reforçou o etnocentrismo nos primeiros estudos sobre a identidade dos diferentes povos.

Assim, a Antropologia apresentou, como diria o antropólogo bra-sileiro Everardo P. Guimarães Rocha, em sua obra “O que é etnocen-trismo”, um paradoxo: “Que está no fato de ser um tipo de ciência, de reflexão, nascida e criada na sociedade do “eu” (sociedade européia civilizada) com vistas ao estudo das formas diversas com que os seres humanos assumiram sua existência na terra.” (1989: 78).

Etnocentrismo: Este termo é usado para definir aquelas situações de discri-minação e preconceito étni-co, que infelizmente presen-ciamos na nossa realidade social.

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Ou seja, sua origem vem da expansão e domínio de uma sociedade que se autodenominava superior e civilizada com relação aos outros povos dos continentes que estavam sendo “descobertos” e, com isso, sempre analisava o “outro” tendo como modelo sua própria cultura.

Se você mesmo ou outra pessoa considera determinados grupos so-ciais, sociedades e povos, menos importantes, de cultura “simples” e por isso não evoluída como a sua, você estará olhando esta outra cul-tura pelas lentes do etnocentrismo.

Como esse fenômeno ocorre? É simples. A partir do momento em que temos uma visão do mundo em que o nosso próprio grupo é to-mado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos por intermédio dos nossos valores, nossos modelos, passamos a discri-minar o que consideramos diferente no outro. Se analisarmos alguns aspectos da nossa cultura em relação à cultura do Japão, por exemplo, veremos que estamos mais “adiantados” que eles no futebol. Em com-pensação em relação ao desenvolvimento tecnológico, são eles que es-tão mais “adiantados”. Quem são os civilizados aqui? Difícil fazer tais comparações, não é?

As primeiras culturas a serem estudadas foram as dos povos tribais, que eram povos nativos que já habitavam o Novo Mundo. A História nos relata que o avanço colonialista da sociedade ocidental européia subjulgou mui-tos povos. Parte do mundo ocidental foi colonizado pelo “mundo” euro-peu. E a Europa era tida como a cultura mais avançada, logo, mais evoluí-da. Por muito tempo, foram importantes as idéias que concebiam a cultura como um processo evolutivo, ou seja, que haviam povos que alcançavam um grau de evolução cultural antes que outros. Tais idéias legitimaram a dominação e a consolidação da colonização européia.

Foi o antropólogo britânico Edward Burnett Tylor (1832-1917), quem primeiro deu uma definição para o termo cultura. Segundo ele, cultura é “um conjunto complexo que inclui o conhecimento, as cren-ças, a arte, a moral, o direito, os costumes e as outras capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade”. (CUCHE, 1999: 35).

Tylor, tinha sua teoria a respeito da cultura pautada no evolucio-nismo, que era uma escola antropológica dos séculos XVIII e XIX, que concebia a existência de uma linha de evolução da qual a humanidade passaria. Via o desenvolvimento dos povos nativos de maneira evolu-tiva. Mas, os considerava como homens dotados de cultura, que como os europeus, também podiam contribuir para o progresso evolutivo da humanidade enquanto uma totalidade.

E foi justamente este discurso científico evolucionista que legitimou práticas políticas discriminatórias, como o racismo, a exemplo do que ocorreu no Brasil na época da colonização e que deixou “marcas” ain-da hoje percebidas.

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Edward Burnett Tylor: foi um dos fundadores da es-cola evolucionista da Ingla-terra. Consagrou-se como antropólogo com sua obra “Primitive Culture”, publicada em 1971.

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Sociologia

Cultura ou Culturas: uma contribuição antropológica

O antropólogo José Luiz dos Santos, em sua obra “O que é Cultu-ra”, afirma que as concepções de “sociedades mais evoluídas” foram criticadas fortemente e, a partir do século XIX começou a se pensar que “cada cultura tem a sua própria verdade e que a classificação des-sas culturas em escalas hierarquizadas era impossível, dada à multipli-cidade de critérios culturais”. (1983 :14).

Sabe o que acontece quando olhamos o mundo à nossa volta pelas len-tes do etnocentrismo?

“Estamos dizendo que um povo ou uma nação é mais importante que outros. E a partir daí se configura não uma diferença entre os homens, mas sim uma grande desigualdade social entre os homens”.

Tais finalidades de definir a cultura como um processo evolutivo, em que a cultura evoluída possui mais “recursos”, em termos de inven-ções, idéias/ciência e tecnologia, fez com que a dominação e as desi-gualdades entre os povos fossem mais cruéis. Pois, a partir do momen-to em que uma cultura é subjulgada, torna-se vulnerável à influência e dominação de outra.

Tudo que vivemos socialmente é cultura! Somos seres culturais!

É isso mesmo! Somos seres capazes de simbolizar os objetos à nos-sa volta. Costumamos dizer que nossa vida é uma história. Muitas pes-soas dizem que suas vidas são um livro, cujas páginas estão abertas. Qual a história de sua vida?

Bom, quando nascemos a sociedade já existia! As maneiras de orga-nização social, as instituições, as leis, as normas e regras de comporta-mentos e os valores morais e religiosos também já existiam. Ou seja, a história da nossa vida e a história de toda uma sociedade é escrita se-guindo determinados comportamentos culturais que socialmente são criados e aceitos por todos.

Seguimos o curso de nossas vidas por meio de “regras e normas”, que são mecanismos de controle, servindo de “guia” de comportamen-to. Desde quando éramos bebês, somos ensinados ou educados a ter determinados comportamentos. No tempo de nossos avós, a maioria

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Pesquise e monte um Documento relatando o processo de colonização ocorrido na cidade ou re-gião do Estado em que você vive, ressaltando as diferenças culturais existentes.

PESQUISA

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Ensino Médio

Cultura e Indústria Cultural

Mas, afinal, no que a Antropologia contribuiu no estudo da cultura?

A Antropologia não era e ainda não é a única ciência a dar conta de estudar a cultura, mas tradicionalmente ela contribuiu, e muito, pa-ra desvendar os mistérios das diversidades culturais entre os homens. Foi muito importante a descoberta realizada pelos primeiros antropó-logos sobre as diferentes culturas. Pois, contribuíram para o entendi-mento dos processos de transformação por que passam as sociedades contemporâneas. Assim, como os processos migratórios que acelera-ram essas transformações.

A discussão que a Geografia faz ao analisar o fenômeno social da cultura e toda a sua dinâmica, a partir da corrente do pensamento geo-gráfico determinista, remete-nos a pensar a questão do determinismo ambiental, a idéia de que as diferenças culturais são resultado do meio pelo qual uma população está inserida. Já no século XIX, foram muitas as críticas sobre os argumentos do determinismo. Embora exista uma relação próxima da cultura e do meio, dizer que o meio é o determi-nante da cultura não explica as diferenças culturais entre povos.

Então, podemos questionar: e os grupos sociais que vivem em am-bientes geográficos semelhantes, mas são culturalmente diferentes?

Vejamos o exemplo deste fato que o antropólogo Laraia apresenta ao exemplificar as diferenças culturais entre os xinguanos que vivem no mesmo limite do Parque Nacional do Xingu:

“Os xinguanos propriamente ditos (Kamayurá, Kalapalo, Trumai, Waurá, etc.) desprezam toda a reserva de proteínas existentes nos grandes mamífe-ros, cuja caça lhes é interditada por motivos culturais, e se dedicam mais in-tensamente à pesca e à caça de aves. Os Kayabi, que habitam o Norte do Parque, são excelentes caçadores e preferem justamente os mamíferos de grande porte, como a anta, o veado, o caititu, etc”. (LARAIA, 2005: 23)

Determinismo: tanto o “determinismo” geográfico quanto o biológico são pau-tados na teoria segundo a qual o homem inevitavel-mente sofre a influência do meio em que vive.

das famílias educava ou ensinava maneiras de viver aos filhos que a maioria das famílias aceitavam como sendo o correto.

Hoje... hum... A “coisa” mudou! Os valores são outros, cada um es-colhe o que e de que forma quer viver. Mas, mesmo assim, escolhe al-go que, de uma forma ou de outra já está inserido na sociedade. Ou seja, culturalmente, já está tudo estabelecido. Antes não era permitido, por exemplo, que as mulheres estudassem ou que trabalhassem fora de casa. No entanto, os valores, a cultura mudou. As mulheres podem participar plenamente de tudo na sociedade! Isso, na grande maioria dos países e povos do mundo. Até a cultura de países mais conserva-dores e tradicionais já está mudando.

Sabe o que está acontecendo? A cultura é dinâmica, influencia e é influenciada por outra. A partir do momento que a humanidade pas-sou a “dar as mãos” em determinados aspectos sociais, políticos e eco-nômicos abriu também as portas de suas nações à cultura do outro.

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Sociologia

Cultura ou Culturas: uma contribuição antropológica

A crítica ao determinismo, em especial o geográfico, leva-nos tam-bém a pensar de maneira crítica o preconceito e discriminação que muitos povos e grupos étnicos sofrem. No Brasil, por exemplo, tor-nou-se até “popular” dizer que os índios, caboclos e negros, que na sua maioria estão nos estados do Norte e Nordeste, apresentam uma predisposição à preguiça e à vagarosidade. Tais maneiras “determinis-tas” de pensar as diferenças entre os homens causam no cotidiano de nossas relações sociais precedentes para toda forma de sentimentos de estranheza, medo, hostilidade e, que levam a atitudes preconceituosas quando nos deparamos com o “outro” e sua cultura.

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Realize uma pesquisa de campo em sua cidade! Escolha um número de pessoas de diferentes regi-ões do país e que vivem em sua cidade. Entreviste-as a respeito das formas de preconceito que sofrem, tais como: desemprego, violência, “piadinhas”, dentre outras. Depois, faça um painel dessa realidade comparando também com as informações divulgadas nos meios de comunicação (rádio, imprensa es-crita e televisionada: telejornais, novelas, cinema, etc.).

PESQUISA

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Ensino Médio

Cultura e Indústria Cultural

REFERÊNCIAS:

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EVANS-PRITCHARD, E.E. História do pensamento antropológico: perspecti-vas do homem. Lisboa: Edições 70, 1989.

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Sociologia

Cultura ou Culturas: uma contribuição antropológica

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