td42 - irpf e desigualdade em debate no brasil.pdf

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  • 0

    Agosto de 2014

    TEXTO DE DISCUSSO N 42

    IRPF E DESIGUALDADE EM DEBATE NO BRASIL:

    O j revelado e o por revelar

    Jos Roberto R. Afonso*

  • 1

    Introduo

    O recurso s estatsticas tributrias, particularmente as declaraes de imposto de

    renda das pessoas fsicas (IRPF), para apurar a real distribuio de renda e riqueza

    em economias avanadas e algumas emergentes, imprimiu uma caracterstica

    singular s pesquisas lideradas pelo economista francs Thomas Piketty, 1 que

    culminaram na publicao de seu livro e novo best-seller mundial, Capital in the

    Twenty-First Century2 (Vale alertar que ele no foi o pioneiro no uso de dados

    tributrios para estudar distribuio de renda, como, alis, o prprio autor reconhece

    no livro, mas ele teve o mrito de levar essa temtica da academia para um debate

    mais amplo na sociedade).

    Em diversas entrevistas imprensa brasileira, Thomas Piketty e seu parceiro em

    pesquisas, o argentino Facundo Alvaredo, observaram que sempre pretenderam

    incluir o Brasil na pesquisa, tanto pela importncia econmica do pas como pela

    elevada concentrao de renda que o caracteriza. Entretanto, esse desejo no se

    concretizou at agora por no terem tido acesso aos dados fiscais necessrios,3

    diferentemente do que conseguiram em outros pases latino-americanos, como

    Argentina, Uruguai e Colmbia, e em outras economias emergentes, como ndia,

    frica do Sul, Indonsia e at China.4 A pesquisa se valeu de estatsticas fiscais

    * Economista, doutor pela UNICAMP, pesquisador do FGV/IBRE.

    As opinies expressas so exclusivamente do autor. Agradeo especialmente aos comentrios de Joo Gruginski, Isaias Coelho, Lucilene Silva Prado, bem assim ao apoio de Ricardo Figueir da Silveira, Fernando Gaiger, Marcos Lisboa, Luiz de Mello, Luiz Villela e e Dalmiro Moran. J Kleber Castro, Rafael Lucas, Felipe de Azevedo e Bianca Fraga deram suporte s pesquisas.Elaborado com base em informaes disponveis at 30/7/2014.

    1 Piketty mantm uma pgina de livre acesso na internet e dedicada ao seu livro, que contm materiais

    como apresentaes, estatsticas e notas metodolgicas ver em: http://bit.ly/1mAtfGQ

    2 Dentre outras opes disponveis na internet, vale mencionar trechos do livro no Google Livros

    (http://bit.ly/1mQ6E9p), uma longa palestra (em 23/4/2014) do autor no You Tube (http://bit.ly/1lnln9O ) e uma apresentao do autor de maro deste ano (http://bit.ly/1lnmoPh).

    3 Dentre outras, Piketty comenta o assunto nas suas entrevistas para Folha de S.Paulo

    ( http://bit.ly/1jxfku7 ), Valor Econmico ( http://bit.ly/1oI5LAo ), Veja (http://bit.ly/1hG8CrV ), O Globo (http://glo.bo/1nx59ee) e GloboNews (http://bit.ly/1lnknm4 , entre outras), bem assim Alvaredo para a BBC ( http://bbc.in/1g5uvjc )

    4 Entre outros trabalhos dessa pesquisa disponveis na internet, vale mencionar: The top 1 percent in

    international and historical perspective by Facundo Alvaredo, Anthony B. Atkinson, Thomas Piketty and Emmanuel Saez published by NBER (5/2013) - http://bit.ly/1lAnF4q; Recent trends in inequality and poverty in developing countries by Facundo Alvaredo and Leonardo Gasparini published by CEDLAS (11/2013) - http://bit.ly/RFOBoM; Cmo podemos utilizar lo que aprendemos del libro de Thomas Piketty sobre el capitalismo del siglo XXI? por Toussaint publicado no CADTM (2/2014) - http://bit.ly/1iOzXSg

    http://bit.ly/1mAtfGQhttp://bit.ly/1mQ6E9phttp://bit.ly/1lnln9Ohttp://bit.ly/1lnmoPhhttp://bit.ly/1jxfku7http://bit.ly/1oI5LAohttp://bit.ly/1hG8CrVhttp://glo.bo/1nx59eehttp://bit.ly/1lnknm4http://bbc.in/1g5uvjchttp://bit.ly/1lAnF4qhttp://bit.ly/RFOBoMhttp://bit.ly/1iOzXSg

  • 2

    para construir sries histricas5 muito longas, de um sculo ou mais, para algumas

    economias avanadas, e outras mais curtas e nem sempre contnuas ou iguais, para

    as emergentes. 6

    Se para a mdia e o grande pblico a ausncia de informaes sobre o Brasil soa

    como algo estranho e uma novidade, ela vem sendo reclamada h muito tempo por

    pesquisadores brasileiros que estudam questes de desigualdade e, mais

    especificamente, de equidade tributria ou fiscal. Em particular, a restrio do

    acesso s declaraes individuais do IRPF tem sido justificada, informalmente, pela

    possibilidade de a Receita Federal do Brasil (RFB) vir a ser acusada de quebra de

    sigilo fiscal, sem falar na questo do custo de processamento das declaraes.

    Alis, a necessidade de elaborar tabulaes extras usada como justificativa para

    negar pedidos de acesso distribuio de renda por classes, requeridos com base

    na Lei de Acesso Informao.

    O resultado que o Brasil est no apenas menos transparente do que outros

    pases, inclusive vizinhos, com economias de menor porte e sobretudo com

    mquinas fazendrias nem to modernizadas, como regrediu indiscutvel e

    fortemente nessa questo.

    Se at nas economias avanadas Piketty e equipe resolveram recorrer s

    estatsticas fiscais para corrigir e completar a lacuna de informaes sobre a

    distribuio de renda e de riqueza, que dizer de um pas emergente, com um

    enorme contingente de indivduos que atuam como empresas, em uma economia

    igualmente avanada e de dimenses continentais?

    O objetivo deste trabalho, portanto, investigar o que pode ser revelado com base

    nas poucas estatsticas disponveis e oriundas das declaraes de IPRF, bem assim

    fomentar a divulgao de novas e mais detalhadas estatsticas que permitam

    5 Piketty e equipe informam que a base de dados de suas pesquisas est disponvel no portal The

    World Top Incomes Database: http://bit.ly/1u53DRu

    No mapa mundi que aparece na primeira pgina, o Brasil est classificado entre os pases em work in progress. Na pgina respectivae, informadoa que Facundo Alvaredo tenta dados desde 1930 para

    Brasil.

    6 Na base de dados j citada, o maior destaque para identificar a participao na renda dos 0.001%,

    0.1%, 0.5%, 1%, 5% e 10% mais ricos (top), por vezes apresenta as mesmas propores depois de includos os ganhos de capital.

    http://bit.ly/1u53DRu

  • 3

    ampliar o escopo dos estudos, no apenas sobre tributao, como tambm sobre a

    distribuio da renda e da riqueza no pas.

    Estatsticas Fiscais

    H pouco mais de duas dcadas, quando no existiam microcomputadores, nem se

    sonhava com o que viria a ser a Internet e todas as declaraes de imposto de

    renda eram entregues em papel e processadas quase mecanimente, a Receita

    Federal publicava anurios com um grande detalhamento das informaes extradas

    do IRPF e tambm do IRPJ, fora o IPI.7

    As publicaes da Receita permitiam realizar estudos como o de Fernando

    Rezende, O imposto sobre a renda e a justia fiscal, publicado pelo IPEA/INPES,

    em 1974.8 A sua anlise tomou por base as declaraes de 1970 e, entre outros

    aspectos, apresentou: a renda declarada segundo a natureza do rendimento; a

    carga tributria medida por regio, e a mesma distribuda por classes de renda

    anual, depois por ocupao principal e por classes de rendimento, diferenciando

    incidncia nominal de efetiva; participao dos rendimentos do trabalho assalariado

    no total de rendimentos por classes de renda; abatimentos da renda bruta,

    distribudos por tipo e por classe de renda, e as dedues per capita.9 Chama-se a

    ateno que a maior parte da anlise abordava a incidncia do IRPF distribuda por

    15 classes de renda.

    Em meados dos anos oitenta, Luiz Villela ainda chegou a utilizar os relatrios anuais

    com declaraes consolidadas em sua dissertao de mestrado, sob ttulo Gastos

    Tributrios e Justia Fiscal: O Caso do IRPF no Brasil, e questionava aspectos da

    fiscalizao desse imposto. Pouco depois a Receita deixou de publicar essa srie

    detalhada.

    7 Essas publicaes anuais e volumosas podem ser consultadas na biblioteca do Ministrio da

    Fazenda, no Rio de Janeiro.

    8 Uma imagem e extratos desse livro de 128 pginas esto disponveis no Google Livros em:

    http://bit.ly/1lniPbO

    9 Ver, respectivamente, as pags. 51, 52, 54, 63, 64, 71 e 72. O livro ainda continha um anexo estatstico

    com 14 tabelas detalhadas.

    http://bit.ly/1lniPbO

  • 4

    Como se v, se a RFB continuasse a publicar os dados que divulgava h quase

    meio sculo , seria possvel continuar a realizar pesquisas com escopo muito

    prximo s de Piketty e equipe. Na linha em que eles trabalharam nos outros pases,

    simplesmente impossvel reproduzir a apurao de indicadores para o Brasil

    porque aqui se publica, ainda assim com alguma dificuldade e atraso, apenas uma

    consolidao bem agregada das declaraes. importante atentar que, para fins de

    comparao internacional, o mais importante no o nmero de classes de renda,

    mas a opo por identificar propores entre os extratos superiores e inferiores de

    renda.

    Embora poucos conheam, a RFB divulga atualmente uma consolidao anual das

    declaraes do IRPF (a mais recente para 2011) e do IRPJ (a ltima para 2006) em

    seu portal na internet, na pgina denominada Estudos e Estatsticas, em:

    http://bit.ly/1iH1HrP. Ainda assim, essa publicao agregada s foi retomada

    recentemente, depois que tais dados foram requeridos com base na Lei de Acesso:

    de uma s vez, em outubro de 2012, foram publicadas as edies anuais dos

    Grandes Nmeros DIRPF desde 2006 at 2011. A anlise de corte histrico

    prejudicada pela mudana na forma de apresentao dos dados: no formato mais

    recente, houve um importante avano em abrir os bens e as dedues por principais

    itens, mas, por outro lado, se deixou de desagregar os rendimentos isentos e

    tributados exclusivamente na fonte (como se fez na consolidao de 2003).

    Depois que parou de editar os anurios com o detalhamento das declaraes, a

    RFB chegou a divulgar alguns estudos especiais com anlises minuciosas do IRPF

    e tambm da taxao dos salrios,10 mas isso foi uma iniciativa isolada e que no se

    repetiu nos anos seguintes.

    Alm disso, j se completou mais de uma dcada desde que a RFB divulgou um

    estudo especial em que no apenas apresentava estatsticas, como tambm uma

    anlise das principais caractersticas do imposto, inclusive com comparaes

    internacionais, distribuio por faixas e simulaes de eventuais correes da tabela

    a saber: Consideraes sobre o Imposto de Renda da Pessoa Fsica no Brasil,

    Texto para Discusso 14, publicado em setembro de 2001.11 Infelizmente, o estudo

    10

    Vide Carga Tributria sobre os Salrios, em outubro de1998 - em: http://bit.ly/1nx6EsW

    11 Disponvel em: http://bit.ly/1nx5YUw

    http://bit.ly/1iH1HrPhttp://bit.ly/1nx6EsWhttp://bit.ly/1nx5YUw

  • 5

    analisa as declaraes de 1999 e no teve sequncia, ou seja, ficou desatualizado e

    nem serve para avaliaes histricas, por no se dispor de avaliao igual ou

    assemelhada para algum ano mais recente. Posteriormente, em seminrio realizado

    em junho de 2005, Jefferson Rodrigues apresentou uma anlise detalhada do

    IRPF,12 tomando por base as declaraes de 2003. Ele chegou a regionalizar muitos

    dos dados buscados por Piketty e equipe: detalhou entre as dez regies fiscais da

    RFB a quantidade de declaraes entre os 10% de menor renda e entre os 10% e o

    1% de maior renda (constatou que, na regio de renda mais alta, a proporo de

    declarantes situados nos extratos mais altos era superior dos declarantes de renda

    mais baixa , tanto que 58% dos 1% mais ricos estavam na regio que inclui So

    Paulo, contra apenas 37% dos declarantes nessa regio entre os 10% de menor

    renda). Depois, analisou o perfil do primeiro decil do IRPF, com 490 mil declarantes,

    que respondiam por 4% do total da renda tributvel (R$ 13 mil/ano), apuraram

    menos de 0,1% do imposto devido e, assim, sua alquota efetiva era de irrisrios

    0,3%. No outro extremo, foi analisado o ltimo decil e o ltimo centil (49 mil e 4,9 mil

    declarantes, respectivamente). Os 10% mais ricos geraram 24% da renda tributvel

    (R$ 117 mil/ano), apuraram 58% do imposto devido e suportaram alquota efetiva de

    23,1%. Para o 1% mais ricos, os mesmos indicadores foram de 2% (R$ 991

    mil/ano), 5,7% e 26,9%. Os dados ainda foram abertos pelas dez regies fiscais e,

    como j comentado, mostravam uma concentrao regional crescente com a renda.

    Sem oferta de dados primrios, atualizados e detalhados, os estudos sobre IRPF no

    Brasil escasseiam na literatura econmica nacional. Dentre os poucos, vale destacar

    textos do IPEA sobre redistribuio da carga e elasticidade, de Piancastelli, Perobelli

    e Mello (publicado em 1996),13 e sobre seu potencial distributivo, de Soares e outros

    (publicado em 2009).14 Na incipiente literatura nacional sobre equidade fiscal (pois

    h mais publicaes no exterior sobre o caso brasileiro do que no prprio pas),

    obviamente o imposto de renda tratado em meio aos tributos diretos, mas sem

    merecer uma avaliao especfica.15

    12

    Apresentao disponvel em: http://bit.ly/1q8CJbF 13

    Vide Imposto de Renda Pessoa Fsica (IRPF) - Redistribuio da Carga Tributria e Elasticidades, Texto para Discusso 451, de Marcelo Piancastelli, Fernando S. Perobelli e Gisela Vaz de Mello, Braslia, IPEA, dezembro de 1996, em: http://bit.ly/1nx716K

    14 Vide O Potencial Distributivo do Imposto de Renda Pessoa Fsica (IRPF), Texto para Discusso

    1433, de Sergei Soares, Fernando Gaiger Silveira, Claudio Hamilton dos Santos, Fbio Monteiro Vaz e Andr Luis Souza, Rio de Janeiro, IPEA, novembro de 2009, disponvel em: http://bit.ly/1nx7lCK

    15 Porque to difcil uma reforma tributria no Brasil e ainda mais que seja ancorada no imposto de

    renda a questo que se procura responder em outro trabalho deste autor: A Economia Poltica da

    http://bit.ly/1q8CJbFhttp://bit.ly/1nx716Khttp://bit.ly/1nx7lCK

  • 6

    A matria prima de estudos sobre desigualdade so as declaraes, relacionadas

    em ordem decrescente de renda e de bens e, a partir das quais se extrai, por cortes,

    as informaes consolidadas sobre as rendas, as suas fontes e formas, as

    propriedades e as dvidas, as dedues e os demais pagamentos. Para tanto,

    importante frisar que no se precisa, em hiptese alguma, identificar o contribuinte,

    de quem este recebeu rendimentos ou quais os bens que declarou.

    Enquanto no se consegue a divulgao de uma estratificao das declaraes do

    IRPF, possvel explorar muitos aspectos a partir da consolidao anual que foi

    divulgada pela RFB, sendo a ltima posio relativa s declaraes entregues em

    2011 e tendo como ano-base 2010.

    Mais que isso, a proposta investigar uma prtica h muito conhecida no Pas entre

    os indivduos de maior remunerao mas at hoje pouco estudada cientificamente: o

    trabalho exercido atravs de pessoa jurdica, que, geralmente, nem tem funcionrios

    e se resume ao proprietrio. A contratao da empresa individual no lugar do

    empregado, com carteira assinada, no algo novo e nem se circunscreve ao

    Brasil, mas possvel que tenha assumido uma tal proporo que seja um

    fenmeno mais forte do que o verificado nas demais economias, avanadas ou

    emergentes.

    Como envolve, por princpio, os trabalhadores mais qualificados e os de maior

    rendimento, a anlise das firmas individuais se mescla com o conhecimento dos

    ricos e muitos ricos no Brasil e, por extenso, necessariamente deve ser

    considerado na distribuio individual ou familiar da renda e da riqueza. certo que

    limitar essas anlises ao universo de assalariados peca por deixar de fora os mais

    bem remunerados no setor privado. E h uma grande dvida se pesquisas do tipo

    censitrias conseguem que os entrevistados informem adequada e suficientemente

    as rendas que recebem de outras fontes que no sejam os salrios regulares.

    Reforma Tributria: o caso Brasileiro, publicado no Wilson Center, em setembro de 2013 ver em: http://bit.ly/1pLGV3Q

    Para o debate de equidade no Brasil, ver a extensa bibliografia ao final do referido trabalho.

    A seguir, na discusso sobre como o trabalho (mais qualificado e bem remunerado) passa a se organizar como capital (firmas individuais), sero utilizados argumentos e trechos apresentados no citado paper deste mesmo autor.

    http://bit.ly/1pLGV3Q

  • 7

    Estrutura de Incidncia

    Antes de analisar a consolidao das declaraes, cabem algumas ponderaes

    sobre o IRPF.

    A primeira questo sobre a proporo dos brasileiros que esto sujeitos ao

    imposto de renda. Impressiona como pequena essa parcela: trs quartos escapam

    do IRPF porque ganham abaixo do limite de iseno, com base nos rendimentos

    apurados pela PNAD de 2012 segundo informado gentilmente pelo economista

    Fernando Gaiger. Alis, no custa mencionar que essa baixa proporo de pessoas

    submetidas ao IRPF significa que os dados de sua declarao, por si s, no so

    suficientes para se medir a distribuio de renda e de riqueza na sociedade

    brasileira, mas que devem ser cotejados com outras fontes de informao,

    sobretudo porque tais dados daquele imposto so cruciais para melhor mapear os

    mais ricos, mas falham na cobertura dos pobres (isentos do imposto).

    Dentre os declarantes, h uma impressionante concentrao em servidores

    pblicos, ativos e inativos, tanto que cerca da metade de todo o IR retido na fonte

    sobre o rendimento do trabalho em 2013 foi oriundo das administraes pblicas

    (federais, estaduais e municipais), tomando por base dados setoriais da RFB e

    balanos dos outros governos. E isto sem contar o imposto retido por bancos e

    empresas estatais.

    Ora, segundo divulgado recentemente por pesquisa de cadastro (CEMPRE) pelo

    IBGE,16 as mesmas administraes respondiam, em 2011, por apenas 18,1% do

    total do pessoal ocupado. Ainda que os governos pagassem um salrio mdio (R$

    2.478) superior em 38% mdia nacional (R$ 1.792), o fato de o peso dos governos

    na reteno de IR ser quase o triplo de sua proporo na gerao de emprego um

    indicador de que uma parcela expressiva das rendas mais elevadas do trabalho no

    setor privado est sendo apropriada por empresas, muitas individuais, em

    detrimento do salrio que, como tal, est sujeito reteno do imposto na fonte.

    O mesmo fenmeno deve explicar a disperso dos contribuintes do IRPF por faixa

    de renda, onde se situa um contingente relativamente muito pequeno submetido

    alquota marginal superior.

    16

    Ver pesquisa de 2012 em: http://bit.ly/1u93cWn

    http://bit.ly/1u93cWn

  • 8

    No se encontrou no portal da RFB informao atualizada sobre tal distribuio e

    aqui se recorre ao que a prpria Receita reportou ao Senado Federal, em audincia

    pblica em 15/08/2011, com dados para 2010, conforme tabela compilada a seguir:

    Assim, em 2010, apenas 2,1 milhes contribuintes ou to somente 8,7% do total de

    24 milhes declarantes estavam sujeitos mais alta alquota do IRPF (27,5%), ou

    seja, com uma base de clculo pouco superior a R$ 47 mil. Outros 4,3 milhes de

    contribuintes ou 18% do total estavam sujeitos s demais alquotas (entre 7,5% e

    22,5%). Somados, apenas 27% do total que entregou declaraes, estiveram

    submetidos ao IR, e isso sem contar que boa parte da populao sequer precisou

    apresentar declarao.

    Em sua imensa maioria, 73% dos declarantes apresentaram base de clculo inferior

    a R$ 18,8 mil e, como tal, se enquadraram na alquota 0%. Logo, apenas 6,4

    milhes pagaram imposto de renda em 2010. Por si s, um contingente muito

    pequeno. E a proporo ainda menor de pessoas sujeitas alquota mais alta do

    IRPFindica, de novo, que boa parte dos trabalhadores do setor privado com renda

    alta, e at mesmo mdia, acabam sendo contratados e pagos como pessoas

    jurdicas, e como tal no so submetidos tabela progressiva do imposto de renda.

    Este e outros impostos e contribuies so cobrados apenas na pessoa jurdica e os

    rendimentos pagos por esta so isentos na declarao da pessoa fsica.

    Alquota N de Declarantes

    0% 17.640.785

    7,50% 2.280.439

    15,00% 1.176.011

    22,50% 877.178

    27,50% 2.083.076

    24.057.489

    Fonte: DW-IRPF - 2010: (Nmero de declarantes).

    Base de Clculo

    Total

    Acima de 46.939,6026

    At 18799,341

    De 18.799,341 a 28.174,245

    De 28.174,245 a 37.566,078

    De 37.566,078 a 46.939,6026

  • 9

    Por outro lado, a tributao de outros ganhos que no sejam os de trabalho, como

    os ganhos com juros sobre capital prprio e no mercado acionrio, esto sujeitos em

    geral a alquotas fixas ou mais reduzidas (de 15% no primeiro caso e de 15% a

    22,5% no segundo).

    A questo do renda dos ricos e muitos ricos, que tanto atraiu a ateno sobre as

    pesquisas de Piketty e equipe mundo afora, precisa ser bem discutida no Brasil.

    fundamental que essa discusso no se limite s estatsticas do IRPF, mas que v

    alm, a comear pela verificao doque ganho por outras formas que no os

    salrios tradicionais e pela identificaodo que movimentado como empresas e,

    como tal, sujeito ao IRPJ. Voltaremos a essa discusso aps examinar outros dados

    da consolidao do IRPF que, mais uma vez, reforam a suspeita de que a

    transformao do trabalho em capital um fenmeno muito extenso no Brasil.

    Composio Recente dos Declarantes

    A ltima declarao objeto de consolidao e divulgao pela RFB foi a entregue em

    2011 e seus grandes nmeros so retratados nas prximas figuras, que reproduzem

    o divulgado pelo rgo citado.

  • 10

    Do total de 24,3 milhes de declaraes entregues, 44% recorreram ao formulrio

    completo (em geral, os de maior renda e que podem fazer mais dedues), 59% so

    homens e 83% com idade entre 20 e 60 anos.

    Interessam mais os dados relativos ao imposto apurado, conforme a prxima figura,

    e a comeam a surgir os traos mais marcantes do IRPF para no dizer

    desconhecidos at de analistas.

    Grandes Nmeros DIRPF 2011 - Ano Base 2010

    Quantidade de Declarantes por Tipo de Formulrio

    N de Declarantes........................................ 24,31 100,0%

    Formulrio Completo................................. 10,77 44,3%

    Formulrio Simplificado............................. 13,54 55,7%

    Quantidade de Declarantes por Sexo

    Total: 24,31 100,0%

    Masculino...................................................... 14,38 59,2%

    Feminino....................................................... 9,92 40,8%

    No Informado/Invlido................................. 0,01 0,0%

    Quantidade de Declarantes por Faixa de Idade (mil)

    Total: 24.306 100,0%

    At 10 anos.................................... 14 0,1%

    10 a 20 anos................................... 253 1,0%

    20 a 30 anos................................... 3.878 16,0%

    30 a 40 anos................................... 5.712 23,5%

    40 a 50 anos................................... 5.883 24,2%

    50 a 60 anos................................... 4.672 19,2%

    60 a 70 anos................................... 2.457 10,1%

    70 a 80 anos................................... 1.026 4,2%

    80 a 90 anos................................... 354 1,5%

    90 a 100 anos................................. 54 0,2%

    Acima de 100 anos......................... 4 0,0%

  • 11

    Apenas 10,8 milhes ou menos de 45% do total de declarantes apuraram imposto

    devido. Do total de R$ 1,4 trilho de rendimentos informados, apenas R$ 861

    bilhes, ou 62,4%, foram tributveis e como tal levados tabela progressiva. Dessa

    parcela da renda, um quarto ou R$ 211 bilhes foi objeto de dedues, das quais

    perto de 30% corresponderam ao desconto-padro (caso dos que usam formulrio

    simplificado), 21% a despesas mdicas e igual proporo a contribuies

    previdencirias (oficiais mais complementares), 12% a dependentes e apenas 7% a

    instruo (estas duas ltimas sujeitas a teto).

    Grandes Nmeros DIRPF 2011 - Ano Base 2010

    Quantidade de Declarantes por Situao Fiscal

    N de Declarantes........................................ 24,31 100,0%

    Com IR Devido.......................................... 10,85 44,6%

    Sem IR Devido.......................................... 13,46 55,4%

    Rendimentos R$ bilhes

    Tributveis................................................. 860,89 62,4%

    Isentos e no-Tributveis........................... 404,60 29,3%

    Sujeitos Trib. Exclusiva/Definitiva............ 113,44 8,2%

    Totais........................................................ 1.378,92 100,0%

    Clculo do Imposto R$ bilhes

    Rendimentos Tributveis............................ 860,89 100,0%Dedues................................................... -211,79 -24,6%Base de Cculo.......................................... 661,70 76,9%IR Devido................................................... 71,60 8,3%IR Pago...................................................... 97,32 11,3%IR a Pagar.............................................. 10,92 1,3%IR a Restituir.......................................... -37,74 -4,4%

    Dedues R$ bilhes

    Contrib. Prev. Oficial..................................... 36,57 17,3%

    Contrib. Prev. Privada e FAPI....................... 8,83 4,2%

    Despesas com Dependentes........................ 25,00 11,8%

    Despesas com Instruo.............................. 14,48 6,8%

    Despesas Mdicas....................................... 43,97 20,8%

    Livro Caixa................................................... 11,10 5,2%

    Penso Alimentcia Judicial.......................... 8,78 4,1%

    Desconto Padro.......................................... 63,06 29,8%

    Total das Dedues/Desc. Simplif................ 211,79 100,0%

  • 12

    A apurao do IRPF o mais emblemtico. Efetuadas as dedues dos

    rendimentos tributveis, a base de clculo ficou reduzida a cerca de R$ 662 bilhes

    e dela resultou um imposto devido de apenas R$ 72 bilhes, ou seja, a alquota

    efetiva mdia foi de 10,8% da base de clculo e 8,3% dos rendimentos tributveis.

    Por si s, as propores j indicam uma baixa incidncia do imposto de renda. Mas

    isso fica realado pelo fato de que se retm na fonte e se recolhe via carn leo

    muito mais do que se precisaria e/ou se deduz uma proporo demasiadamente

    elevada, de modo que o imposto pago em 2010 foi pouco superior a R$ 97,3

    bilhes, ou seja, no agregado, recolheu-se ao longo do ano R$ 25 bilhes a mais do

    que seria devido. Esta conta, porm, precisa ser feita uma por uma das declaraes.

    Naqueles casos em que foi apurado imposto a pagar, a sua soma resulta em R$ 11

    bilhes ou irrisrios 1,3% do total de rendimentos tributveis. J no caso dos

    contribuintes com imposto a restituir, sua soma chegou a R$ 38 bilhes ou 4,4% dos

    mesmos rendimentos.

    Por ltimo, chama-se a ateno para um aspecto conceitual da alquota efetiva,

    como bem alertado pelo tributarista Isaias Coelho: o Brasil tem sistema de

    tributao dual, em que taxas flat so aplicadas sobre rendimentos e ganhos de

    capital. Dados das DIRPF permitem identificar o rendimento total (inclusive isentos e

    tributados exclusivamente na fonte) bem como o imposto total pago (no caso dos

    flat, por estimativa utilizando o valor informado de rendimentos e a alquota

    correspondente) mas no possvel determinar a alquota efetiva--a menos que

    apliquemos extrao do componente monetrio dos rendimentos financeiros para

    obter o rendimento real.

    Resta verificar se esse quadro geral e mais atualizado do IRPF, traado com base

    nas declaraes entregues em 2011, foi uma novidade ou se reproduziu o padro

    histrico, ainda que recente, do imposto.

    Evoluo das Rendas e dos Impostos

    Corretamente, a RFB chamou de Grandes Nmeros aquilo que publicou em seu

    portal, extrado da consolidao das declaraes. As posies anuais permitem

    construir uma srie de 1998 a 2010, tomados como ano base (as declaraes se

    referem aos anos seguintes). Os valores histricos foram tabulados e apresentados

  • 13

    no anexo estatstico. J para fins de anlise, esses nmeros foram expressos em

    proporo do PIB e transformados em indicadores, como se verifica no quadro a

    seguir.

    No perodo de treze anos, impressiona constatar que mais do que dobrou o nmero

    de declarantes do IPRF: de 11,6 milhes em 1998 para perto de 24 milhes em

    2010, mas j tendo passado de 25,7 milhes em 2009. Nem preciso dizer que a

    renda nacional no experimentou igual trajetria e essa expanso resulta de a

    tabela de rendimentos ter sido congelada por muitos anos e, depois, corrigida abaixo

    do reajuste mdio dos salrios, o que acabou por incorporar um nmero crescente

    de trabalhadores que antes estavam na faixa de iseno e passaram a integrar

    aquela que os obriga a apresentar declarao, ainda que em muitos ou na maioria

    dos casos fosse para receber posteriormente restituio.

  • 14

    CONSOLIDAO DO IRPF 1999 A 2011 - GRANDES CONTAS: EM % DO PIB E INDICADORESDeclarao 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 Mdia Diferena

    Ano Base 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1998/2010 2010-98

    Declarantes (milhes) 23,96 24,31 25,77 25,23 24,04 22,77 19,56 18,34 15,96 15,23 13,91 12,53 11,60 19,48 12,36

    PIB Ano-base (R$ bi) 3.770 3.239 3.032 2.661 2.369 2.147 1.941 1.700 1.478 1.302 1.179 1.065 979 - -

    EM % do PIB

    Rendas

    Tributveis 25,10% 26,58% 26,04% 26,20% 27,01% 26,65% 25,86% 23,66% 21,91% 23,09% 23,41% 22,14% 22,00% 24,59% 3,10%

    Isento 12,63% 12,49% 12,92% 12,41% 10,81% 10,97% 9,25% 9,10% 9,55% 7,72% 8,01% 7,48% 7,05% 10,03% 5,58%

    Trib.Exclusiva 3,84% 3,50% 4,02% 6,86% 6,45% 3,58% 2,84% 3,69% 2,47% 2,60% 2,79% 3,34% 2,84% 3,76% 0,99%

    Total 41,57% 42,57% 42,99% 45,47% 44,27% 41,20% 37,95% 36,45% 33,93% 33,42% 34,21% 32,67% 31,89% 38,35% 9,68%

    Clculo

    Dedues 6,17% 6,54% 6,41% 6,52% 6,89% 6,85% 6,20% 6,11% 5,75% 5,99% 6,00% 5,66% 5,47% 6,20% 0,69%

    Base 19,38% 20,43% 19,82% 19,76% 20,34% 20,11% 19,66% 17,55% 16,16% 17,10% 17,41% 16,48% 16,40% 18,51% 2,98%

    IR Devido 2,15% 2,21% 2,24% 2,13% 2,17% 2,20% 1,92% 1,86% 1,55% 1,86% 1,83% 1,68% 1,69% 1,96% 0,46%

    IR Pago 5,38% 3,00% 2,39% 3,29% 3,39% 2,20% 2,13% 2,11% 1,78% 2,14% 2,11% 1,90% 1,88% 2,59% 3,50%

    A Pagar 0,29% 0,34% 0,27% 0,25% 0,31% 0,39% 0,20% 0,18% 0,15% 0,16% 0,18% 0,16% 0,18% 0,24% 0,10%

    A Restituir 3,54% 1,17% 0,46% 1,44% 2,22% 0,39% 0,42% 0,43% 0,38% 0,44% 0,45% 0,38% 0,35% 0,93% 3,19%

    PROPORES

    Base/RendaTotal 47% 48% 46% 43% 46% 49% 52% 48% 48% 51% 51% 50% 51% 48% 31%

    Tribut/Renda Total 60% 62% 61% 58% 61% 65% 68% 65% 65% 69% 68% 68% 69% 64% 32%

    Alquota Mdia Efetiva

    Devido/Base 11,1% 10,8% 11,3% 10,8% 10,7% 11,0% 9,8% 10,6% 9,6% 10,9% 10,5% 10,2% 10,3% 10,6% 0,8%

    Devido/Tribut. 8,6% 8,3% 8,6% 8,1% 8,0% 8,3% 7,4% 7,8% 7,1% 8,0% 7,8% 7,6% 7,7% 8,0% 0,9%

    Devido/Total 5,2% 5,2% 5,2% 4,7% 4,9% 5,3% 5,1% 5,1% 4,6% 5,6% 5,4% 5,1% 5,3% 5,1% -0,1%

    Imposto

    Pago/Devido 250% 136% 107% 155% 156% 100% 111% 113% 114% 115% 115% 113% 111% 132% 139%

    A Restituir/Pago 66% 39% 19% 44% 66% 18% 20% 21% 21% 21% 22% 20% 18% 36% 47%

    Fonte primria: RFB. Elaborao prpria.

  • 15

    No mbito da formao das rendas, surge uma evidncia que pode ser a mais forte

    para corroborar a hiptese de que foi crescente a transformao de trabalho em

    capital. O rendimento tributvel cresceu num ritmo inferior aos outros dois grupos de

    rendimentos (isentos e exclusivamente na fonte), de modo que a parcela que mais

    cresceu na renda total foi aquela no submetida tabela progressiva do imposto. O

    rendimento total saltou da casa de 32% para 42% do PIB entre os anos base de

    1998 e 2010, por si s, um acrscimo de 10 pontos do produto pode ser considerado

    muito expressivo. Porm, menos de um tero desse incremento decorreu dos

    rendimentos tributveis.

    Os rendimentos isentos e no tributveis tiveram um incremento de 5,6 pontos do

    produto ao longo dos treze anos analisados, tendo saltado de 7% para 12,6% do PIB

    isto , a proporo recebida por este grupo de renda em 2010 foi 80% superior

    obtida em 1998 (contra apenas 14% no caso dos rendimentos tributveis). Do

    crescimento da renda total declarada pelos indivduos ao fisco nesse perodo, 60%

    decorreu desses ganhos isentos. Para conhecer o que compe tais rendimentos,

    importa comentar que, na ltima vez que a RFB detalhou a consolidao dos

    formulrios completos (em 2003), foram os seguintes os maiores itens: 29% de

    lucros e dividendos; 14% de transferncias patrimoniais; 12% de parcelas isentas de

    aposentadoria e penses; 6% de aviso prvio indenizado; apenas 4% de

    rendimentos da caderneta de poupana. Os maiores itens so claramente

    identificados com ganhos de capital. Por serem isentos, escaparam da tabela

    progressiva do IRPF, mas no significa que no pagaram outros impostos na sua

    origem o caso dos lucros retirados das empresas, que devem ter pago IRPJ e

    CSLL, alm de outros impostos, antes de serem distribudos aos acionistas, ou

    mesmo das doaes que, em tese, deveriam pagar um imposto estadual sobre tais

    transaes.

    O terceiro bloco, de rendimentos tributados exclusivamente na fonte, tambm

    experimentou crescimento, ainda que sua dimenso seja menor: passou de 2,8%

    para 3,8% do PIB entre 1998 e 2010, ou seja, aumentou essa dimenso em um

    tero, tambm mais rapidamente que as rendas submetidas a tabela. Na ltima vez

    que a RFB abriu este bloco de rendimentos (em 2003), eram bem concentrados:

  • 16

    48% de aplicaes financeiras, 35% do dcimo-terceiro salrio e 6% de ganhos de

    capital na alienao de bens.

    Um retrato final foi o decrscimo dos rendimentos tributveis em relao ao total

    declarado no IPRF. Essa proporo foi de 70% entre 1998 e 2001, depois caiu para

    casa de 65% entre 2002 e 2005, at baixar para casa de 60% nos anos seguintes.

    Em2007, os rendimentos tributveis alcanaram sua menor expresso:58% do total

    dos ganhos.

    No custa recordar que os rendimentos que escapam tabela progressiva no so

    os auferidos pelos brasileiros mais pobres e que no precisam ou no entregam

    declarao de IRPF, seja porque esto na informalidade, seja porque percebem

    rendimentos to baixos que esto desobrigados de entregar declaraes. Na

    verdade, esses rendimentos, em princpio, so prprios de quem recebe renda por

    outras fontes que no os salrios tradicionais, como trabalhadores com participao

    nos lucros das empresas, a retirada de lucros e dividendos das empresas dos

    declarantes e at as diferentes formas de ganhos financeiros, inclusive de

    cadernetas de poupana, fundos de investimentos ou mesmo com operaes diretas

    com aes, ouro e moedas estrangeiras.

    Na declarao de 2003, ltimo ano em que a RFB discriminou os rendimentos

    isentos, 300,4 mil contribuintes declararam receber lucros e dividendos. 17 Foi

    possvel inferir que, na mdia, tal rendimento superou em larga escala o declarado a

    ttulo de salrios, como seria esperado.18 A brutal concentrao de tais rendimentos

    foi demonstrada por Aloisio Almeida e Luis Wasilewski em apresentao sobre o

    IRPJ, realizada em seminrio da RFB, quando apresentaram quadro decompondo

    em quatro faixas de renda os dividendos recebidos na declarao daquele mesmo

    ano: 2.159 contribuintes, ou 0,72% do total, receberam mais de R$ 1 milho, tendo

    17

    Ver relatrio da RFB, pags. 5 e 6, em: http://bit.ly/1q8vy3e Infelizmente nos anos seguintes, tal detalhamento deixou de ser publicado. 18

    A essa observao se chegou depois de comparar duas informaes do DIRPF de 2003. Contrastam: de um lado, que 3,8 milhes de contribuintes informaram ter recebido de dcimo terceiro salrio cerca de R$ 8,7 bilhes; de outro, apenas 300 mil declararam rendas de lucros e dividendos de R$ 20,8 bilhes. Em termos mdios, no primeiro caso, os assalariados receberamR$ 2,2 mil, enquanto no segundo caso, um conjunto de acionistas recebeu R$ 5,8 mil/ms. Ou seja, as pessoas fsicas que declararam ter sacado lucros e dividendos (como no caso das ditas empresas personalssimas) em 2003 representavam menos de 2% do total que entregou declarao e, em princpio, ganhavam 2,6 vezes mais que os assalariados.

    http://bit.ly/1q8vy3e

  • 17

    informado um montante de R$ 7,8 bilhes, respondendo por 35,7% do total

    declarado, e resultando em uma impressionante mdia de R$ 3,6 milhes por

    contribuinte. 19 Na faixa de lucros recebidos de R$ 100 mil ou mais, foram

    identificados 38,3 mil contribuintes, com renda de R$ 17 bilhes ou 76,8% do total, e

    mdia de R$ 442 mil por contribuinte. A ttulo de comparao, no mesmo ano de

    2003 foi declarado de dcimo-terceiro salrio um valor mdio de R$ 2,2 mil e o total

    dos rendimentos tributveis (antes das dedues) eram de R$ 34,2 mil. Como era de

    se esperar, verificou-se uma forte concentrao dos lucros e dividendos e uma

    enorme distncia dessa renda per capita em relao aos salrios, com o agravante

    de que s foram considerados os salrios sujeitos ao IRPF, os maiores pagos na

    economia, portanto.

    Na mdia geral dos declarantes, os rendimentos tributveis responderam por

    somente 47% do rendimento total declarado em 2010. Mas se fosse possvel acesso

    s declaraes individuais e elas fossem ordenadas de forma crescente pelo

    tamanho do rendimento total, seria de se esperar que quanto maior fosse essa

    renda global, menor seria o peso do rendimento tributvel. Se essa hiptese fosse

    confirmada, a progressividade do IRPF no Brasil seria questionvel ou mesmo ficaria

    comprometida.

    Retomando a anlise da evoluo do IRPF, menciona-se que, entre 1998 e 2010, o

    volume de dedues aumentou apenas 0,7 ponto do PIB, tendo passado de 5,5%

    para 6,2% entre os dois anos citados, depois de ter chegado a 6,9% em 2006. Isto

    significa que os abatimentos cresceram em ritmo inferior ao da renda e seria

    interessante examinar posteriormente as razes. Com isso, a base de clculo do

    IRPF subiu de 16,4% do PIB em 1998 para 19,4% em 2010, depois de chegar a

    20,3% em 2006. De qualquer forma, relevante comentar que, entre os treze anos

    citados, a base do imposto cresceu em apenas trs pontos do produto, contra um

    incremento de 9,7 pontos da renda total reforando o trao j comentado de que

    parcela crescente de renda escapa ao IRPF (mas isso decorre muito pouco do

    aumento das dedues).

    O imposto devido sempre foi relativamente baixo e embora tenha crescido

    marginalmente em quase todos os anos do perodo aqui analisado, o patamar subiu

    19

    Vide pag.28 da apresentao em: http://bit.ly/1q8wMvi

    http://bit.ly/1q8wMvi

  • 18

    de 1.69% do PIB no ano-base de 1998 para apenas 2,15% em 2010, sendo que o

    mais alto foi de 2,24%, em 2008. Ao longo do perodo, o incremento do IR devido foi

    to somente de 0,5 ponto do PIB, ou seja, menos de 5% do aumento na renda

    global declarada ao fisco foram convertidos em maior imposto devido ou seja,

    quase todo aumento de rendimentos que os contribuintes contaram ao fisco no

    foram levadas tabela progressiva do IRPF, ou porque eram rendimentos isentos ou

    tributados s na fonte, ou porque, tributveis, o incremento foi descontado por

    maiores dedues.

    Essa evoluo to diferenciada implica em baixa alquota efetiva do IRPF: na mdia

    do perodo 1998 a 2010, o imposto devido foi 10,6% da base de clculo, 8% dos

    rendimentos tributveis e apenas 5,1% do rendimento total. Nos dois primeiros

    conceitos, foi crescente a tendncia histrica em relao base de clculo, ficou

    abaixo de 8% at 2004, saltou no ano seguinte e fechou com o recorde de 11,1%

    em 2010. Como os rendimentos totais foram crescentes, porm, puxados por

    aqueles no submetidos ao imposto, resulta que foi outra a trajetria da alquota

    efetiva mdia geral: estvel entre as pontas (de 5,3% em 1998 para 5,2% em 2010)

    mas com oscilaes durante o perodo analisado (curiosamente, as propores

    extremas foram no binio 2001/2002, com 5,6% e 4,6%, respectivamente).

    A conta final envolve a diferena entre imposto devido, pago e restitudo. curioso

    que, mesmo com base pouca dinmica, reteve-se na fonte muito mais do que foi

    efetivamente devido. Em todos os anos, o volume pago superou o devido, salvo em

    2005, quando houve uma curiosssima e mpar coincidncia; mas, nos anos

    seguintes, abriu cada vez mais o diferencial at o recorde em 2010, quando disparou

    o declarado como pago (5,38% do PIB) e foi 2,5 vezes superior ao devido (2,15% do

    produto). Importa qualificar que este ltimo resultado foi completamente descolado

    da srie histrica, porque cresceu em demasia o volume pago (contra apenas 3% do

    PIB no ano anterior), sem que tenha sido observada evoluo semelhante com o IR

    retido na fonte sobre o trabalho.

    Por mais atpica que tenha sido essa diferena entre o imposto devido e o pago, ela

    produziu efeitos em termos do imposto a restituir: 3,5% do PIB apurado nas

    declaraes entregues em 2011, recorde histrico na srie analisada. Alis, chama a

    ateno como muda clara e significativamente o padro: nas declaraes entregues

  • 19

    entre 1999 e 2005, o que se apurou como a restituir sempre se situou abaixo de

    0,5% do PIB; saltou para 2,2% e 1,4% do PIB no binio 2007/08, recuou para antigo

    patamar em 2009, mas disparou para 1,2% e 3,5% no binio 2010/11. Nas

    declaraes de 2011 e de 2007 se atingiu a maior marca, com a necessidade de

    restituir dois teros do que teria sido pago, contra pouco mais que um tero na

    mdia do perodo.

    Por fim, o imposto a pagar (a ser recolhido em cotas nicas ou parcelado depois de

    entregue a declarao) foi de to somente 0,24% do PIB na mdia de 1999 a 2011,

    repetindo-se a distino em duas fases at 0,2% do produto at 2005, e oscilando

    disso at 0,4% do produto nos anos seguintes.

    Estrutura Recente da Renda Declarada

    Os raros dados publicados pela Receita Federal (RFB) a partir das declaraes

    anuais de IRPF do boas pistas de mudanas em curso. Os ltimos dados

    publicados, como j dito, referem-se ao declarado em 2011 e tm como ano-base

    2010. A figura a seguir reproduz, nas suas primeiras colunas, exatamente as

    mesmas do documento da RFB, e os nossos clculos a seguir informam, para o

    conjunto de ocupaes ou grupo delas, o rendimento tributvel mdio, as alquotas

    efetivas (apuradas pelas relaes entre o imposto de devido e o mesmo rendimento

    tributvel e, depois, pela base de clculo) e, ainda, o peso relativo das dedues

    (em relao renda citada).

    H uma discrepncia entre as estatsticas globais inicialmente informadas pela RFB,

    e os somatrios das declaraes abertas por ocupaes. Quando foram detalhadas

    por tipos de ocupaes, a soma do rendimento tributvel ficou 9% abaixo da mesma

    informao nacional. Porm, curiosa ou contraditoriamente, ocorre o inverso com o

    nmero de declarantes: o dado global era de 23,96 milhes de declaraes

    entregues, enquanto quea soma das classificadas por ocupao chega a 24,3

    milhes. De qualquer forma, tais diferenas estatsticas no impedem de se avaliar

    os traos marcantes do IRPF e, neste caso, em torno das ocupaes informadas.

  • 20

    No quadro de ocupaes, a RFB consolidou 24,3 milhes de declaraes de 2011 e

    chegou a cerca de: R$ 861 bilhes em rendimentos tributveis; R$ 211 bilhes em

    dedues; R$ 662 bilhes de base de clculo; e R$ 72 bilhes de imposto devido.

    Da resultam indicadores mdios muito interessantes: o rendimento tributvel foi de

    apenas R$ 35,4 mil por declarao e deste foram abatidas dedues em parcela

    exata de um quarto; logo, a alquota efetiva mdia do IRPF foi de apenas 10,8% em

    relao base de clculo e de 8,3% em relao ao total de renda submetida

    tabela progressiva. Na mdia geral, como se v, a alquota efetiva ficou pouco acima

    da alquota nominal (7,5%) mais baixa aplicada no pas.

    A mesma leitura desdobrada por ocupao ou por grupos delas revelam

    peculiaridades do imposto de renda, que provavelmente diferem em muito da

    situao no passado mais distante da mesma tributao.

    Consolidao DIRPF 2011 - Ano Base 2010

    Apurao do Imposto por Natureza de Ocupao

    Natureza da ocupao principal do declarante Declarantes Rend./Decl. Qtde. Decl

    (mil) Rend.Trib. Dedues Base de

    Clculo

    Imposto

    Devido R$/mdia Dev/Trib Ded/Trib Dev/Base

    Global 24.310 860,89 211,79 661,70 71,60 35,413 8,3% 25% 10,8%

    Empregado de empresa setor privado, exceto instit. financ.................................5.721 229,02 55,43 176,04 18,53 40,031 8,1% 24% 10,5%

    Empregado de instituies financeiras pblicas e privadas..................................665 40,63 8,97 31,71 4,59 61,098 11,3% 22% 14,5%

    Empregado ou contratado de organismo internac. ou de ONG............................ 40 1,39 0,31 1,09 0,11 34,750 7,9% 22% 10,1%

    = TRABALHADORES DO SETOR PRIVADO 6.426 271,04 64,71 208,84 23,23 42,179 8,6% 24% 11,1%

    Profissional liberal ou autnomo sem vnculo de emprego...................................3.015 87,62 21,45 66,34 6,24 29,061 7,1% 24% 9,4%

    Proprietrio de empr. ou firma indiv. ou empregador-titular..................................5.299 95,26 19,52 76,19 5,16 17,977 5,4% 20% 6,8%

    Capitalista que auferiu rendim. de capital, inclus. aluguis...................................132 6,19 0,99 5,23 0,78 46,894 12,6% 16% 14,9%

    = CAPITALISTAS 8.446 189,07 41,96 147,76 12,18 22,386 6,4% 22% 8,2%

    Membro ou servidor pblico da administrao direta federal................................378 38,57 8,14 30,51 5,75 102,037 14,9% 21% 18,8%

    Servidor pblico de autarquia ou fundao federal............................................... 403 26,30 6,53 19,86 2,82 65,261 10,7% 25% 14,2%

    Empregado empr. pb. ou econ. mista fed., exc. inst. financ............................... 275 21,00 4,90 16,14 2,67 76,364 12,7% 23% 16,5%

    Membro ou servidor pblico da admin. direta estadual e do DF...........................1.108 57,82 17,16 43,14 5,30 52,184 9,2% 30% 12,3%

    Servidor pblico de autarquia ou fundao estadual e do DF...............................572 26,23 7,80 19,31 1,97 45,857 7,5% 30% 10,2%

    Empregado empr. pb. ou ec. mista est. e DF, exc. inst. fin................................ 162 9,65 2,66 7,00 0,89 59,568 9,2% 28% 12,7%

    Membro ou servidor pblico da administrao direta municipal............................926 35,24 9,00 26,42 2,18 38,056 6,2% 26% 8,3%

    Servidor pblico de autarquia ou fundao municipal..........................................340 12,56 3,23 9,38 0,73 36,941 5,8% 26% 7,8%

    Empregado de empr. pb. ou soc. de economia mista municipal......................... 98 4,36 1,12 3,25 0,33 44,490 7,6% 26% 10,2%

    Militar................................................................................................................... 580 23,84 8,21 15,76 1,13 41,103 4,7% 34% 7,2%

    = TRABALHADORES DO SETOR PUBLICO ATIVO 4.842 255,57 68,75 190,77 23,77 52,782 9,3% 27% 12,5%

    = SERVIDORES DE GOVERNOS 4.307 220,56 60,07 164,38 19,88 51,210 9,0% 27% 12,1%

    = FUNCIONRIOS DE EMPRESAS ESTATAIS 535 35,01 8,68 26,39 3,89 65,439 11,1% 25% 14,7%

    Aposentado, militar res. ou refor., pens. prev., exc. cd. 62...................................3.132 113,07 24,28 89,43 10,22 36,102 9,0% 21% 11,4%

    Aposentado, militar refor. ou pens. prev. com molstia grave..............................301 6,36 2,12 4,86 0,41 21,130 6,4% 33% 8,4%

    Beneficirio de penso alimentcia....................................................................... 108 2,82 0,57 2,26 0,14 26,111 5,0% 20% 6,2%

    = INATIVOS EM GERAL 3.541 122,25 26,97 96,55 10,77 34,524 8,8% 22% 11,2%

    Bolsista................................................................................................................ 25 0,32 0,06 0,26 0,01 12,800 3,1% 19% 3,8%

    Esplio................................................................................................................. 137 1,47 0,25 1,23 0,17 10,730 11,6% 17% 13,8%

    Natureza da ocupao no especificada anteriormente....................................... 874 20,91 9,02 16,12 1,46 23,924 7,0% 43% 9,1%

    Invlido................................................................................................................ 20 0,24 0,05 0,18 0,01 12,000 4,2% 21% 5,6%

    Fonte primria: RFB. Calculos prprios para: grupamentos; renda tributvel mdia; alquotas efetivas (imposto devido em relao ao rendimentos tributveis ou base).

    em R$ bilhes Taxas Mdias

  • 21

    Na lista de declarantes por natureza de ocupao, chama a ateno que 5,3 milhes

    se identificaram como proprietrios de empresas ou firmas individuais por si s, o

    nmero j impressiona, e reala ainda mais quando se verifica equivale a 83% dos

    6,7 milhes que se declararam empregados de empresas privadas e tambm de

    instituies financeiras.

    Alis, supera, e com larga folga, o nmero de pessoas jurdicas que declaram IRPJ

    no pas. Segundo informado pela RFB ao Senado, em audincia j citada, era o

    seguinte o quantitativo de empresas em 2009 e a proporo do que arrecadaram no

    ano seguinte.

    H ainda um contingente de pouco mais de 3 milhes que se declararam

    profissionais liberais ou autnomos sem vnculo empregatcio e outros 132 mil ditos

    capitalistas que auferiram rendimento do capital. Somados, o contingente de

    empresrios e autnomos supera a casa de 8,4 milhes de declarantes do IRPF,

    31% a mais do que os 6,4 milhes de empregados do setor privado (contadas

    empresas, instituies financeiras e ONGs). Em que pese o fato de que os

    empregados de baixa renda no precisam declarar IR e tambm de que

    computado apenas o setor privado e no o pblico, emblemtico que, no corte de

    renda sujeito ao imposto, os empresrios superem os trabalhadores. mais um

    indcio a acrescentar para o fenmeno do trabalho que virou capital no Brasil.

    R$ mil %

    LUCRO REAL 144.986 3,63 410.357.691 86,41

    LUCRO PRESUMIDO 914.442 22,87 54.770.558 11,53

    SIMPLES (**) 2.938.695 73,50 9.768.402 2,06

    TOTAL 3.998.123 100,00 474.896.651 100,00

    (*) Exclui a receita previdenciria.

    (**) Exclui a receita previdenciria e IRRF.

    Fonte: Lucro Real e Lucro Presumido: DW;

    Simples: Apurao especial.

    DISCRIMINAO

    QTE. DE EMPR.

    DECLARANTES -

    2009

    %ARRECADAO - 2010 (*)

  • 22

    Embora o contingente empresarial supere o de empregados privados, em nmero de

    declarantes, quando a renda tributria computada a situao se inverte e aqueles

    receberam apenas 70% do ganho dos trabalhadores. A mesma diferena aparece

    em valores per capita: R$ 22,4 mil contra R$ 42,1 mil, mdia da renda tributvel por

    declarante.

    Por que seriam os empresrios e capitalistas to menos remunerados que os

    trabalhadores? preciso atentar que em tais rendas, submetidas tabela

    progressiva, s contam os salrios, alm de pr-labore, servios de autonomia e

    aluguis, mas no entram os lucros e dividendos (enquadrados como rendimentos

    isentos). No caso de um proprietrio de firma individual, ele s declara como renda

    tributvel as suas retiradas a ttulo de pr-labore, ou mesmo o que eventualmente

    receba como assalariado, no caso de empresas com outros scios. Assim, pagar

    tanto menos imposto quanto menos sacar a ttulo de pr-labore e salrio e quanto

    mais receber como retiradas de lucros. O que retirado a ttulo de lucro, que pode

    constituir a maior parte de seus ganhos, no contado como rendimento tributvel

    e no se consegue identific-lo na consolidao divulgada pela RFB (que no

    discrimina por ocupao os rendimentos isentos e aqueles tributados

    exclusivamente na fonte).

    Portanto, no deve causar estranheza, mas refora o fenmeno aqui destacado, o

    fato de que o rendimento tributvel por declarante proprietrio individual (apenas R$

    18 mil) inferior ao dos autnomos (R$ 29 mil) e, ambos, bem abaixo dos

    empregados de empresas privadas (R$ 40 mil) e de bancos (R$ 61 mil). Essa

    escala de renda tambm explica a relao invertida quando consideradas as

    alquotas efetivas o contingente empresarial paga proporcionalmente bem menos

    IRPF que os trabalhadores privados.

    No geral, as dedues reduzem em um quarto a renda tributvel e, com isso, o

    imposto devido equivale a apenas 10,8% da base de clculo e a to somente 8,3%

    daquele rendimento. Quando se toma o conjunto de proprietrios, autnomos e

    capitalistas, as alquotas efetivas despencam para 8,2% e 6,4%, respectivamente.

    Se contados apenas os proprietrios de firmas individuais, so ainda menores: 6,8%

    da base e 5,4% da renda tributria, as mais baixas entre todos os grupos de

    ocupaes (salvo militares e pensionistas). J no conjunto dos empregados do setor

  • 23

    privado, o imposto devido representa 11,1% da base de clculo e 8,6% da renda

    tributvel; as mesmas alquotas so ainda maiores no caso dos empregados de

    bancos, 14,5% e 11,3%. No deixa de ser curioso que os proprietrios de firmas

    individuais suportem uma alquota efetiva mdia que apenas dois teros daquela

    aplicada aos empregados de empresas privadas. Mais grave que isso, se fossem

    computados tambm os outros rendimentos (isentos e tributados s na fonte), o

    mais provvel que casse ainda mais a taxa dos empregadores vis--vis a dos

    empregados. Essa leitura fere o senso comum, mas o que se evidencia pelas

    estatsticas.

    Os nmeros da consolidao do IRPF do ano-base 2010 reforam a tese anterior de

    que esse imposto deve alcanar proporcionalmente mais os servidores pblicos e

    funcionrios de empresas estatais. A renda tributvel mdia por declarante foi de R$

    65,4 mil e R$ 51,1 mil, respectivamente, bem acima dos R$ 42 mil recebidos pelos

    empregados privados. Por conseguinte, as alquotas efetivas tambm ficaram bem

    acima no setor pblico: a mdia dos servidores foi 12,1% da base e 9% da renda

    tributvel e, ainda, no caso dos funcionrios das estatais, saltou para 14,7% e

    11,1%, respectivamente, equiparando-se carga dos empregados de bancos.

    Sem tanta diferena, outro contingente grande que ficou acima da mdia foi o dos

    aposentados e pensionistas -11,2% da base e 8,8% da renda.

    Relacionadas todas ocupaes, poucas foram as que conseguiram ficar abaixo da

    alquota efetiva mdia geral (8,3%), caso de: militares (4,7%), pensionistas (5,0%),

    proprietrios de firmas individuais (5,4%), servidores municipais (5,2%) profissionais

    liberais e autnomos (7,1%) e empregados do terceiro setor (7,9%), entre os mais

    relevantes.

    Curiosamente, os empregados do setor pblico (servidores e funcionrios das

    estatais) e os de instituies financeiras estiveram na ponta dos declarantes do IRPF

    que suportaram a maior carga tributria, enquanto autnomos e proprietrios de

    firmas individuais, alm de militares, situaram-se na ponta de menor carga. Portanto,

    do universo de trabalhadores brasileiros, apenas uma parcela razoavelmente

    pequena precisa declara o IRPF e, depois deste apurado, se constata uma

    incidncia efetiva em proporo muito reduzida no conjunto. Mas, decomposto os

  • 24

    contribuintes e pagantes em diferentes cortes, ainda se verifica uma razovel

    disperso de alquotas e, ao que parece, levando o segmento de empresrios a

    pagar menos imposto que o de trabalhadores.

    Evoluo dos Bens Declarados

    Na divulgao dos grandes nmeros da DIRPF, uma das raras novidades recentes

    que, a partir das declaraes entregues em 2006, a RFB passou a publicar a

    consolidao dos valores declarados de bens, por tipo, bem assim dvidas. Os

    valores correntes so apresentados em anexo. A figura a seguir mostra a evoluo

    em proporo do PIB dos bens, aqui agrupados em propriedades imobilirias

    (agrupados imveis urbanos, alm de terra nua e veculos), em aplicaes

    financeiras (aes e participaes, cadernetas e investimentos), em disponibilidades

    (dinheiro em espcie e depsitos bancrios) e demais bens. Como os valores esto

    expressos a preos de 31 de dezembro, foi considerado o valor do produto do ano-

    base anterior quele ano em que foi entregue a declarao.

    Chama-se a ateno que, na maior parte dos casos, os bens so declarados em

    valores histricos de aquisio, em especial no caso dos imveis e dos veculos

    automotores, o que significa que seria natural no acompanharem a evoluo do

    PIB. J investimentos e disponibilidades financeiras acabam tendo valores

    corrigidos. No custa lembrar tambm que nem sempre os contribuintes so

    obrigados a declarar todos os bens que possuem e a verificao disso e dos valores

    certamente mais frgil que no caso da renda e dos impostos. Estas so limitaes

    importantes para anlise.

    A despeito da baixa cobertura e da falta oficial de valorao, os bens declarados

    apresentaram uma tendncia expansionista: o somatrio passou do equivalente a

    110,4% do PIB na declarao entregue em 2006 para 118,4% em 2011, com um

    incremento de 8 pontos do produto na mdia dos seis anos foram de 111% do PIB.

  • 25

    Os itens divulgados pela RFB foram agrupados, por conta prpria, e expressos na

    figura a seguir.

    O maior grupo de bens formado pelos imveis e veculos que, apesar de

    reportados a valores correntes da data da aquisio, acabaram evoluindo de 53,6%

    CONSOLIDAO DO IRPF 2006 A 2011 - BENS DECLARADOS - EM % DO PIB

    Ano da Declarao 2011 2010 2009 2008 2007 2006 Mdia 2011-06

    Total 118,4% 115,3% 108,0% 106,0% 108,1% 110,4% 111,0% 8,0%

    Apartamento 14,1% 13,9% 13,2% 13,2% 13,2% 13,0% 13,5% 1,1%

    Casa 13,1% 13,9% 13,4% 13,7% 16,1% 14,8% 14,2% -1,7%

    Terreno 5,9% 7,9% 5,2% 5,0% 5,0% 4,9% 5,7% 0,9%

    Prdio residencial 3,1% 1,2% 1,2% 1,3% 1,3% 1,5% 1,6% 1,6%

    Galpo 1,7%

    Construo 1,2% 1,2% 1,2% 1,2% 1,2% 1,2% 1,2% 0,0%

    Prdio comercial 1,0% 1,0% 0,9% 1,1% 0,9% 0,9% 1,0% 0,1%

    Sala ou conjunto 0,9% 1,0% 1,0% 1,1% 1,1% 1,2% 1,0% -0,3%

    Outros bens imveis 0,7% 0,8% 0,8% 1,2% 0,9% 1,6% 1,0% -0,9%

    Benfeitorias 0,5% 0,5% 0,5% 0,5% 0,5% 0,5% 0,5% 0,0%

    = Imveis Urbanos 42,1% 41,5% 37,4% 38,4% 40,2% 39,6% 39,9% 2,5%

    Veculos automotores 9,0% 9,4% 9,1% 9,9% 10,0% 8,3% 9,3% 0,7%

    Terra Nua 4,3% 4,6% 4,6% 4,9% 5,0% 5,8% 4,9% -1,5%

    = Bens Fixos 55,4% 55,5% 51,1% 53,2% 55,2% 53,6% 54,0% 1,7%

    Quotas de capital 10,0% 12,2% 10,8% 11,1% 10,8% 13,0% 11,3% -3,0%

    Aes 7,9% 6,4% 6,3% 6,0% 5,7% 4,8% 6,2% 3,1%

    Outras partic.societrias 0,8% 0,8% 0,8% 0,8% 0,6% 0,6% 0,8% 0,2%

    Fundos de aes 1,2% 1,0% 0,8% 0,8% 0,5% 0,4% 0,8% 0,7%

    = Particip.Acionrias 20,0% 20,4% 18,8% 18,7% 17,7% 18,9% 19,1% 1,0%

    Caderneta de Poupana 4,8% 4,7% 4,0% 3,9% 4,4% 8,2% 5,0% -3,4%

    Aplicao de renda fixa 7,9% 7,5% 7,4% 5,6% 5,1% 4,4% 6,3% 3,5%

    Outras aplicaes e inv. 4,0% 1,7% 1,5% 1,5% 3,5% 1,1% 2,2% 2,8%

    Outros crditos vinculados 2,8% 3,3% 3,5% 0,9% 1,7% 0,3% 2,1% 2,5%

    Crdito ref.emprstimo 2,4% 2,4% 2,2% 1,9% 1,8% 1,6% 2,1% 0,8%

    VGBL 1,4% 1,0% 0,5% 0,0% 0,0% 0,0% 0,5% 1,4%

    Outros fundos 0,8% 0,7% 0,5% 0,5% 0,4% 0,3% 0,5% 0,4%

    Ouro, ativo financeiro 0,6% 0,3% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,2% 0,6%

    Crdito ref.alienao 0,4% 0,4% 0,4% 0,5% 0,5% 0,3% 0,4% 0,1%

    Fundo Inv.Financeiro 2,3% 2,8% 3,1% 3,7% 3,4% 3,2% 3,1% -0,8%

    Fundo quotas FIF 4,2% 4,0% 3,5% 4,4% 3,9% 3,3% 3,9% 0,9%

    = Aplicaes Financeiras 26,8% 24,0% 22,6% 19,3% 20,4% 14,6% 21,3% 12,2%

    Investimentos Financ. 51,5% 49,1% 45,4% 41,9% 42,4% 41,7% 45,3% 9,8%

    Dinheiro em espcie - Nacl. 3,4% 3,5% 3,5% 3,5% 3,3% 3,2% 3,4% 0,2%

    Depsito bancrio em Pas 3,3% 1,3% 1,2% 1,4% 1,4% 6,8% 2,5% -3,5%

    Din.em espcie - Estrangeiro 0,3% 0,6% 0,3% 0,3% 0,8% 0,0% 0,4% 0,3%

    = Disponibilidades 7,0% 5,4% 5,0% 5,3% 5,5% 9,9% 6,3% -2,9%

    = Demais (por resduo) 4,5% 5,4% 6,6% 5,7% 4,9% 5,1% 5,4% -0,6%

    Fonte primria: RFB. Clculo prprio para agrupamento dos bens.

  • 26

    para 55,4% do PIB entre 2006 e 2011 e explicam apenas um quinto do aumento

    total dos bens declarados. curioso observar que os maiores acrscimos foram

    observados nos bens constitudos por prdios residenciais, galpes, apartamentos e

    veculos, e decrscimos na proporo do produto foram registrados no caso da terra

    nua, casas e outros imveis, que tendem a ter menor comercializao que os

    primeiros bens.

    A expanso do total de bens declarados foi liderada pelo que se prope aqui chamar

    de investimentos financeiros em geral, que saltaram de 41,7% para 51,5% do PIB,

    entre o declarado em 2006 e em 2011. Esse expressivo incremento de 9,8 pontos

    levou, inclusive, tal categoria a se aproximar do estoque de bens fixos. Era esperada

    essa melhor elevao dos ativos financeiros porque a maior parte deles declarada

    com valor atualizado, e no a preos histricos, como no caso dos imveis.

    Vale decompor os investimentos em trs grandes blocos. Um primeiro grupo se

    sugere compor as participaes acionrias, tendo um crescimento mais lento de

    18,9% para 20% do PIB no perodo analisado. Isso ocorre porque no item mais

    representativo de valor - as quotas de capital -, o montante declarado decresceu de

    13% para 10% do PIB, o que no de estranhar porque nesse caso so declaradas

    pelo valor de aquisio. Ainda que tais quotas no tenham crescido, importante

    destacar a enorme dimenso que j assumem: o valor desses ativos s perde para o

    de apartamentos e casas, em ranking dos itens declarados em 2011. Em princpio,

    a deve estar sendo declarada, dentre outros, a propriedade das empresas

    individuais ou a participao em pequenas empresas que so utilizadas para

    prestao de servios, embora o mais comum que tais empresas tenham um

    pequeno capital. Outro foi o desempenho do item aes (que deve compreender

    participaes em empresas cotadas em bolsa) pois subiram de 4,9% para 7,9% do

    PIB entre 2006 e 2011.

    Cadernetas de poupana foram um investimento decrescente e com reduzida

    expresso entre os que declaram IRPF, uma vez que a caderneta a aplicao

    preferencial dos investidores de mdia e baixa renda, cuja grande maioria est

    dispensada de entregar a declarao anual. Mesmo que se declare o saldo

    corrigido, as cadernetas diminuram de 8,2% para 4,8% do PIB, entre 2006 e 2011,

    um recuo de 3,4 pontos do produto, e chama a ateno como perdem para muitas

  • 27

    outras formas de investimentos financeiros o que faz sentido sendo a maioria dos

    declarantes de mdia a alta renda.

    O agrupamento que se prope chamar de aplicaes financeiras o que teve

    crescimento mais espetacular nos seis anos analisados: salta de 14,6% para 26,8%

    do PIB, ou seja, um incremento de 12,2 pontos do produto. Os que mais

    contriburam para tanto foram as aplicaes de renda fixa, outros investimentos,

    crditos vinculados e VGBL, sendo que os clssicos fundos de investimentos foram

    os nicos a cair ao longo desse perodo. Marcados a valor de mercado, ao contrrio

    da maioria dos outros bens, ainda assim cresceram mais que a inflao e o produto

    real da economia, beneficiados, de um lado, pelos juros reais elevados, mas, de

    outro, provavelmente refletindo novas e crescentes captaes. mais uma

    evidncia em termos fiscais que conta a favor de uma expanso acentuada nos

    rendimentos de capital no Pas, ao menos daqueles auferidos entre as camadas de

    maior renda de sua populao e que contraria tendncias observadas nas contas

    nacionais e nas pesquisas censitrias (como ser discutido mais frente).

    As disponibilidades financeiras constituem outro grupo bastante volumoso de bens

    declarados em 2011: 7% do PIB. Curiosamente, a foi declarado haver um volume

    de dinheiro em espcie um pouco maior do que todos os depsitos em bancos

    alis, este segmento experimentou uma queda forte ao longo do perodo analisado,

    porque foi declarado um volume elevado, de 6,8% do PIB em 2006, que caiu

    drasticamente nos anos seguintes e pode indicar algum problema de informao ou

    consolidao naquele ano.

    Os outros bens, no classificados entre os grupos anteriores, no deixaram de ser

    importantes, mas recuaram um pouco ao longo do perodo: de 5,1% para 4,5% do

    PIB entre os seis anos analisados.

    Enfim, a evoluo e, sobretudo, a composio dos bens declarados ao IRPF

    oferecem uma fronteira nova para anlise, na qual no devem ser descartadas as

    hipteses de uma concentrao da riqueza que gera ganhos de capital importantes

    aos contribuintes de maior rendimento. Se a RFB tambm permitisse discriminar os

    bens declarados em ordem crescente de rendimento dos contribuintes, bem

    possvel que se encontrasse uma correlao positiva entre a renda eo volume total

  • 28

    de bens, inclusive depois de abatidas as dvidas, e proporcionalmente maiores

    investimentos financeiros do que imobilirios (embora no se possa descartar a

    hiptese de que os muito ricos preferem colocar seus imveis em nome de suas

    empresas, inclusive para atenuar o imposto sobre alugueis e tambm para se

    proteger de eventuais penhoras pela justia do trabalho). Alerta-se, porm, que so

    mais hipteses do que evidncias, ao contrrio do que se viu na anlise anterior

    sobre bens.

    As mudanas funcionais

    interessante comentar com mais detalhes esse fenmeno da transfigurao de

    trabalho em capital. Em uma analogia com o livro de Piketty, aqui se opta por tal

    qualificao para o processo que, originalmente, em teorias e anlises da

    administrao de empresas, foi identificado como terceirizao ou outsourcing. No

    mundo dos negcios e at na economia do trabalho, no faltam estudos sobre esse

    processo, mas a literatura pela tica das finanas pblicas algo escassa.

    No que tange tributao, parte outros fatores, o processo tem por origem a

    busca de contratao de trabalho com menor encargo ou de sua prestao

    igualmente menos taxada. Essas duas situaes, em palavras bem simples, podem

    levar a rumos diferentes na expanso desse fenmeno. Um caso o do empregado

    que tenta atenuar ou fugir de alquotas marginais muito altas do IRPF sobre seus

    rendimentos e, em tal situao, ele se torna o principal interessado em prestar

    servio como firma individual. Outro caso o do empregador que tenta escapar dos

    seus encargos como contratante, em especial de contribuir para a seguridade social

    e, neste caso, ele que prefere contratar quem lhe preste servio como uma

    empresa em lugar do mesmo profissional com carteira assinada.

    Aparentemente, o mais comum no resto do mundo o primeiro caso e, em especial,

    naqueles pases que possuem uma alquota marginal muito alta do IRPF caso da

    maioria das economias avanadas e de alguns emergentes (como Chile). Como tal

    taxa (27,5%) relativamente baixa no Brasil, inferior at mdia internacional, e,

    ainda, o IRPF oferece um razovel espao para dedues e nem mesmo leva todas

    as rendas tabela progressiva, aqui tal fenmeno parece muito mais explicado pelo

  • 29

    lado das contribuies previdencirias, estas sim oneradas com taxas mais elevadas

    que as praticadas em outros pases.

    Isto significa que, possivelmente no Brasil, mais do que no resto do mundo, o

    processo interessa mais ao empregador do que ao empregado, j que, para este

    existe um teto de contribuio previdenciria (R$ 4.390 a partir de 2014), enquanto

    que esse limite no se aplica contribuio patronal, que alcana a folha como um

    todo e com alquotas altas e superiores de outros pases.

    possvel que, inicialmente, o processo se aproximasse ao da terceirizao

    clssica, como no resto do mundo, ou seja, as corporaes passam a contratar

    como empresas (as vezes at cooperativas), ao invs de trabalhadores

    assalariados, os servios de segurana e limpeza. Essas modalidades e expandiu

    posteriormente aos servios de contabilidade, advocacia, construo e decorao.

    Porm, o processo avanou para trabalhos individuais, profisses que no

    necessariamente exigem maiores habilidades tcnicas e, o principal, sem que

    fossem as mais bem remuneradas. Tal prtica pode ter comeado com os

    executivos, mas chegou a jogadores de futebol, artistas, jornalistas, e tambm

    contratao de profissionais aposentados e, no outro extremo, at para aqueles em

    incio de carreira.

    Portanto, a discusso sobre o tema deve passar tanto pela questo da contribuio

    previdenciria como do imposto de renda, e no apenas sobre a pessoa fsica,

    quanto tambm da jurdica.

    Inicialmente, importa citar uma comparao internacional sobre as alquotas devidas

    para a contribuio social sobre a folha salarial. Isto porque uma hiptese que

    precisa ser esclarecida se esse fenmeno do trabalho que vira capital no est se

    tornando mais intenso no Brasil do que no resto do mundo. Ainda que antigas, mas

    vlidas para disparar o processo, cabe mencionar as alquotas aplicadas no

    continente americano em 2003, discriminadas na tabela a seguir, diferenciadas entre

    aquelas destinadas a custear benefcios previdencirios clssicos e o total, incluindo

    outros programas, como seguro-desemprego e assistncia.

  • 30

    A alquota agregada de 37,65% sobre a folha salarial no Brasil fica em segundo

    lugar no ranking das Amrica, atrs em poucos dcimos da Colmbia. Mas, se forem

    consideradas apenas as alquotas sobre folha destinadas a custear a aposentadoria,

    o Brasil dispara em primeiro lugar e apenas o Uruguai se aproximada dele. mais

    marcante ainda a diferena para as mdias verificadas no continente. A alquota

    total foi de apenas 17,39 %. Ou seja, a taxao aplicada no Pas supera em mais de

    20 pontos a mdia dos demais pases. Desagregada por contribuintes, o maior

  • 31

    diferencial brasileiro est nas alquotas pagas pelos empregadores: a alquota de

    20% para aposentadoria ou a agregada em 30%, se includos outros programas,

    coloca o Brasil muito frente das dezenas de outros pases americanos.

    A enorme distncia entre o Brasil e o resto do mundo em torno das alquotas no se

    repetiu quando considerada a arrecadao efetiva da contribuio em proporo do

    PIB. Isto explicado pelo fato de que o peso dos salrios relativamente mais baixo

    na gerao da renda brasileira do que em outras economias, sobretudo as

    avanadas.20 Assim, a produtividade das contribuies depende da aplicao de

    alquotas muito elevadas sobre uma base de clculo reduzida, deprimida tanto pelas

    perdas salariais reais, quanto pelo fato de que cada vez menor a proporo dos

    empregados de maior salrio entre os que contribuem para o regime geral da

    previdncia21 o que remete discusso da principal hiptese levantada neste

    trabalho.

    A opo tributria pelo trabalho prestado por empresa ao realizado por profissional

    com carteira assinada no implica iseno. Sobre as vendas da empresa incidem

    vrios tributos federais, como o imposto de renda (IRPJ) e as contribuies sociais -

    a COFINS, PIS e CSLL. Como prestador de servio, o profissional ainda est sujeito

    ao imposto municipal o ISS. O mais comum que tais negcios sejam

    enquadrados em regimes especiais, basicamente no do lucro presumido e, em

    alguns casos, at no simplificado para microempresas (o SIMPLES), ou seja, a

    incidncia tributria conjunta se torna uma proporo do faturamento bruto.

    possvel dizer que tal prtica at foi estimulada, indiretamente, quando foi

    aumentado o limite de enquadramento no regime do lucro presumido (de R$ 48 para

    78 milhes) e ainda quando se admitiu que os servios pudessem optar pelo

    20

    Segundo divulgado pelo IPEA para 2006, os salrios e encargos sociais respondiam por 36,1% do PIB nacional, quando a mesma proporo era de 64,4% na Zona do Euro (variando de 60,4% em Portugal at 74,8% na Sucia).

    21Em 2006, apenas 44,7% dos 97,5 milhes que formavam a populao economicamente ativa no

    Brasil eram contribuintes para institutos de previdncia em qualquer trabalho. Enquanto os que ganhavam mais de 10 salrios mnimos respondiam por 30% da folha em 1988, nem chegam perto de 10% em 2004, o que evidencia a radical mudana na distribuio dos empregados por faixa de salrio que no ps-Constituinte ao se comparar a distribuio dos empregados em 1988 com a dos contribuintes em 2009: enquanto disparou os integrantes da faixa at 3 salrios (de 21% para 81,4% do total), despencaram nas faixas de maior renda, sobretudo com salrio superior a 10 mnimos (o peso relativo caiu de 31,5% para 7,7%), e mesmo no segmento entre 5 e 10 salrios (de 30% para 5,7% do total, no mesmo perodo).

  • 32

    Simples. De qualquer forma, importa atentar que duas das contribuies, COFINS e

    CSLL, so vinculadas seguridade social e, como tal, sua receita pode custear a

    previdncia social, mas nem de longe as propores se aproximam.

    No caso especfico dos maiores executivos importante qualificar que se existem

    outras modalidades alm da abertura de empresas para a percepo de seus

    rendimentos, sem submet-los tabela progressiva do IRPF. Como alertado por um

    tributarista: H um fenmeno muito relevante nas grandes empresas,

    especialmente aquelas que abriram capital nos ltimos 10 anos: os programas de

    Stock Option que transferiram muita riqueza aos seus gestores (gerentes, diretores e

    vice-presidentes). Essa riqueza no foi tributada pelo IRRF de 27,5% e muito menos

    pela previdncia social porque a lei assim no a tributa. O imposto pago foi o IR de

    ganho de capital de 15% quando esses executivos exerceram suas opes e

    venderam as aes no mercado com ganho. Na mesma direo, ainda que em

    dimenso menor, sabido o caso de ... empresas iniciantes que do aes restritas

    aos executivos - para que se sintam como donos e performem a empresa - que

    podero vender l na frente se metas forem atingidas. um modelo muito comum

    usado pelos investidores, especialmente os fundos de private equity nas empresas

    investidas. um modelo muito comum em operaes de M&A. Mais um fenmeno

    que transforma salrio em capital.

    Enfim, da terceirizao de servios para a transformao generalizada de trabalho

    em capital, esse um fenmeno da economia e da sociedade moderna. Mas,

    preciso verificar a hiptese desse fenmeno ter avanado mais no Brasil, o que

    demanda acesso a mais estatsticas oficiais, em especial as tributrias e no apenas

    da DIRPF, como tambm as da DIRPJ a misso quase impossvel seria

    reclassificar dentre as PJ aquelas que, na prtica, constituem PF.

    Pode ter se tornado um fenmeno que assumiu uma intensidade no Brasil superior

    dos outros pases, do mesmo modo que nossa carga tributria a global e em

    particular sobre o trabalho - supera a daqueles, ou seja, porque no se move apenas

  • 33

    pela clssica terceirizao22 e nem apenas por tentar driblar a alquota marginal do

    IRPF. Outro aspecto tem a ver com a lgica geral do imposto de renda brasileiro,

    que difere do aplicado em outros pases, como alertado por Isaias Coelho: nos

    Estados Unidos, IRPJ corporate income tax: s alcana as corporations, sobretudo

    as grandes empresas. Todas as sociedades so transparentes, isto , os lucros

    apurados so tributados apenas nas DIRPF dos scios. Igualmente as firmas

    individuais so tributadas pelo IRPF. algo histrico deles (Theodore Roosevelt

    queria apanhar apenas os robber barons, antes de existir o IRPF). O mesmo sistema

    foi adotado na maioria dos pases da OCDE. O sistema que trata a PJ no

    corporation como contribuinte, como temos no Brasil, existe tambm em alguns

    pases da Amrica Latina. Por isso complicado comparar a arrecadao de IRPF

    no Brasil com outros pases.

    Cada vez mais trabalhadores de maior renda no setor privado so contratados

    como empresas, geralmente individuais, e no como assalariados, com carteira

    assinada. Nem se trata de opo, em geral imposio: empregadores preferem

    contratar servios de uma empresa a um assalariado para reduzir de imediato os

    encargos, fora os eventuais riscos de natureza trabalhista. O maior diferencial

    envolve a previdncia, porque o empregador deixa de contribuir (20%) sobre o valor

    integral da folha quando contrata com carteira de trabalho ou autnomo (ao contrrio

    do empregado, que paga s at um teto, hoje em R$ 4,4 mil).

    Do Debate Fiscal ao Social

    O fenmeno da transformao de trabalho em capital no Brasil parece ser

    minimizado, ou at mesmo ignorado, nos debates sobre as relaes trabalhistas e,

    mais ainda, sobre a distribuio da renda e da riqueza.

    22

    A ttulo de comparao com um vizinho, vale reproduzir as palavras do economista argentino Dalmiro Moran: El problema del outsourcing es una prctica medianamente comn en Argentina, sobre todo en empresas grandes. Las implicancias desde la perspectiva tributaria se relacionan con el tratamiento efectivo del IVA y el Impuesto sobre la Renta para los contribuyentes contratados bajo esta modalidad, y esto lleva a analizar los regmenes simplificados como el SIMPLES o Monotributo, los cuales han venido incrementando fuertemente su alcance en los aos recientes.

  • 34

    Ao final de 2004, a RFB tentou combater a diferena de tributao entre a pessoa

    fsica e a jurdica atravs da edio de uma medida provisria (n. 232/2004)23 que

    aumentava a carga tributria federal sobre a prestao de servios e, ainda, a sua

    reteno na fonte no caso de pagamentos entre empresas. Houve uma enorme

    resistncia, liderada por entidades mais organizadas da sociedade, e a medida

    acabou como uma das raras em que o governo foi obrigado a retirar de pauta no

    Congresso Nacional.

    O fato de que profissionais at de mdia remunerao e com qualificaes que nem

    precisam ser as mais exigentes tornaram-se pessoas jurdicas e, como tal, deixaram

    de integrar o mercado de trabalho, ou se ainda o integram, percebem como salrio

    apenas uma pequena parcela de sua renda, parece no despertar muito interesse

    entre os especialistas brasileiros que estudam a concentrao de renda. Por

    exemplo, Ricardo Paes e Barros comentou: A remunerao dos trabalhadores

    brasileiros de baixssima escolaridade tem crescido gigantescamente, enquanto a

    dos trabalhadores de alta qualificao tem crescido muito pouco. Isso est

    acontecendo porque eu estou aumentando a oferta de trabalhadores qualificados,

    mas - como no h um grande avano tecnolgico no pas - a demanda por eles no

    est aumentando tanto assim.24 Parece que no caso dos mais qualificados a fonte

    estatstica que ele toma por base para sua anlise no lhe fornece informaes

    suficientes, at porque a fonte que melhor capta tal situao, os dados fiscais nos

    computadores da RFB, no esto disponveis para acesso pblico.

    No de se estranhar que os analistas que ignorem essa forma peculiar (atravs de

    suas empresas) de perceber renda e acumular riqueza pelos muitos ricos, pelos

    ricos e at mesmo pela classe mdia mais qualificada, defendem que ... taxar os

    mais ricos no essencial para reduzir desigualdade hoje... como nas palavras

    de Ricardo Paes e Barros. Essa tese consistente e coerente com o diagnstico

    que traam em que se estuda a distribuio de renda e riqueza ignorando a que

    passa pelas firmas individuais. Certo , porm, que com acesso aos dados fiscais,

    na linha das pesquisas de Piketty, seria possvel ampliar e traar um diagnstico

    mais realista.

    23

    MP n. 232, de 30/12/2004 ver em: http://bit.ly/1nNSnIC 24

    Ver entrevista de Ricardo Paes e Barros BBC em 27/5/2014 sobre o livro de Piketty, disponvel em: http://bbc.in/1p936g3

    http://bit.ly/1nNSnIChttp://bbc.in/1p936g3

  • 35

    Isto tudo sem contar que, em geral, a tributao brasileira tende a ser muito

    regressiva, porque usa e abusa dos tributos indiretos. Por fora disso, quanto mais

    pobre o indivduo, maior sua propenso a consumir e, assim, maior tende a ser a

    incidncia relativa do tributo sobre a renda familiar. No faltam estudos que mostram

    que a tributao no Brasil chega a aumentar a concentrao de renda, numa

    situao radicalmente inversa observada nos pases que mais privilegiam o

    chamado estado do bem estar social. Isto significa que os benefcios dos gastos

    pblicos com programas de transferncia de renda deveriam ser mensurados

    levando-se em conta a forma como eles so financiados.

    Questo que fica prxima a esse debate respeita defesa de que os problemas com

    a qualidade das informaes nas respostas de pesquisas censitrias ocorrem no

    Brasil como tambm no resto do mundo e, portanto, isso no seria razo para se

    deixar de usar essa ferramenta de anlise. Sergei Soares, por exemplo, argumenta:

    Comparaes no tempo entre pesquisas domiciliares idnticas mostram que a

    desigualdade aumenta em quase todo o mundo, mas cai no Brasil. Ou seja, o

    mesmo instrumento revela tendncias distintas entre o que ocorre no Brasil e na

    maior parte dos pases.25 Essa tese obviamente consistente, desde que a renda

    que de alguma forma escapa cobertura das pesquisas domiciliares igualmente no

    fosse capturada nos outros pases. Porm, possvel que tal frustrao aqui supere

    a do exterior e, se isso acontecer, aquela leitura fica parcial ou insuficiente, pela

    extenso desse fenmeno de pessoa fsica que vira jurdica. Ou seja, no se trata

    de deficincia do IBGE, que sempre primou por aplicar corretamente as pesquisas

    segundo os padres tcnicos recomendados mundialmente e sempre teve sua

    reputao tcnica reconhecida, inclusive internacionalmente.

    preciso aprofundar a pesquisa e complementar as informaes recorrendo, entre

    outras, s estatsticas tributrias individualizadas dos contribuintes (alis, neste

    caso, tambm de firmas individuais). Lembrar e chamar a ateno para esse

    caminho pode ser a maior lio a extrair das pesquisas de Piketty e equipe sem

    tirar o mrito de suas leituras e suas proposies. As estatsticas fiscais, dentre

    outras governamentais, so cruciais para se mapear o que h de renda e de riqueza

    sendo gerada e sendo gestada fora do reportado pelas pesquisas censitrias

    25

    Vide artigo Um pas mais igualitrio, sim, assinado por Sergei Soares, na coluna Tendncias/Debates, na Folha de S.Paulo, edio de 15/6/2014 em: http://bit.ly/1uysMnI

    http://bit.ly/1uysMnI

  • 36

    tradicionais, seguindo a linha de um fenmeno nos mais modernos mercados de

    trabalho, economias e sociedades.

    As anlises sobre a queda global da desigualdade apontam, no apenas uma menor

    desigualdade no caso das rendas de trabalho, como tambm que as rendas de

    capital estariam perdendo tamanho e ficando menos concentradas. Conforme

    evidenciado por Sergei Soares: sabemos pelas contas nacionais que os salrios

    como porcentagem do PIB esto aumentando... Se em 2004 a massa salarial era

    equivalente a 39,3% do PIB, em 2009... tinha subido para 43,6%. Como o

    rendimento do capital est de fato diminuindo como porcentagem do PIB... a

    pesquisa que mede um pouco melhor os rendimentos do capital (ainda imperfeita,

    mas melhor que a Pnad), a Pesquisa de Oramentos Familiares (POF/IBGE) aponta

    uma queda na concentrao dos rendimentos de capital... de 2003 para 2008 foi de

    4,0 pontos de Gini quase idntica queda de 3,7 pontos medida pela Pnad no

    mesmo perodo. Os poucos dados disponibilizados pela RFB e consolidados

    deixam dvidas talvez at menos importe se mudou a distribuio de um

    rendimento que era extremamente concentrado como a dos dividendos, e mais vale

    questionar como no podem ter crescido e muito as rendas de capital nas pesquisas

    econmicas ou censitrias se, ao que tudo indica, dispararam e lideraram as rendas

    declaradas ao imposto de renda.

    Os grandes nmeros consolidados das declaraes de IRPF (vide s