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 O PAPEL DA WEB NA MUDANÇA DE PARADIGMA DE PROPRIEDADE INTELECTUAL: A Internet e a Indústria Fonográfica Daiane Hemerich, Adriano Canabarro Teixeira Ciência da Computação – Universidade de Passo Fundo (UPF) Caixa Postal 611 – 99052-900 – Passo Fundo – RS – Brasil [email protected], teixeira@u pf.br Resumo: Este art ig o visa esclarecer a li gaç ão entre o adv ent o das te cnol og ias We b e sua rela çã o com as lice as de pi a de ob ra s intelectuais. O compartilhamento do conhecimento e sua criação coletiva sempre estiveram presentes ao logo da evolução da raça humana, até a criação da prensa de impressão e o início da restrição e regulamentação de direito de cópia através das leis Copyright. A legislação sofreu várias mudanças ao longo dos anos, conforme novas tecnologias de produção, cópia e rep rod uçã o de obr as foram surgindo, mas se to rno u mui to confusa e difícil de ser aplicada. A consolidação da Sociedade em Rede com os ideais contraculturais das décadas de 60/70 retomam a lógica da liberdade de expressão e criatividade coletiva, e question am o sentido de leis no contexto atual. Surgem propostas de licenças mais adequadas ao ciberespaç o, através da flexibilidade das licenças Creative Commons e a liberdade de restrições em forma de Copyleft. Ainda, são apresentados exemplos da indústria fonográfica para ilustrar essa transformação. Palavras-chave: Copyleft, Creative commons, Copyright, Propriedade Intelectual. Abstract: This article has the purpose of clarify the connecti on between the advent of Web technologi es and their relation with licenses copies of intellectual works. The share of knowledge and its collective creation have always been present along the human evolution, even the printing  press invention and the beginning of the restriction and regulation of copyrights through the Copyright laws. The legislation has injured lots of cha nge s al ong the yea rs, as new pro ducti on te chnol ogy , cop y and reproduction of work pieces were coming, but it became very confusing and hard to be applied. The consolidation of the Network Society with counter-culture ideal of 60s and 70s regain the logic of freedom of expression and group creativity, and question the sense of laws in the current context. New propositions arise from more properly licenses to the cyberspace, through the flexibility of Creative Commons licenses and freedom fr om rest ri ctio ns in th e form of Co py left. St il l, it is  p re se nted ex amples of the mus ic ind us try to illust ra te this transformation. Ke y wor ds: Cop yle ft , Creat iv e com mon s, Cop yri ght , Int el lec tua l Property. Introdução De sde os pr imórdios, ao lo ng o da história da hu ma nida de , o ho me m criou e disponibilizou o conhecimento como um bem público e faz parte de sua natureza repassá-lo 1

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O PAPEL DA WEB NA MUDANÇA DE PARADIGMA DE PROPRIEDADE INTELECTUAL: A Internet e a Indústria FonográficaDaiane Hemerich, Adriano Canabarro Teixeira

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O PAPEL DA WEB NA MUDANÇA DE PARADIGMA DE PROPRIEDADE

INTELECTUAL: A Internet e a Indústria Fonográfica

Daiane Hemerich, Adriano Canabarro Teixeira

Ciência da Computação – Universidade de Passo Fundo (UPF)Caixa Postal 611 – 99052-900 – Passo Fundo – RS – Brasil

[email protected], [email protected] 

Resumo: Este artigo visa esclarecer a ligação entre o advento dastecnologias Web e sua relação com as licenças de cópia de obrasintelectuais. O compartilhamento do conhecimento e sua criação coletivasempre estiveram presentes ao logo da evolução da raça humana, até acriação da prensa de impressão e o início da restrição e regulamentaçãode direito de cópia através das leis Copyright. A legislação sofreu várias

mudanças ao longo dos anos, conforme novas tecnologias de produção,cópia e reprodução de obras foram surgindo, mas se tornou muitoconfusa e difícil de ser aplicada. A consolidação da Sociedade em Redecom os ideais contraculturais das décadas de 60/70 retomam a lógica daliberdade de expressão e criatividade coletiva, e questionam o sentido deleis no contexto atual. Surgem propostas de licenças mais adequadas aociberespaço, através da flexibilidade das licenças Creative Commons e aliberdade de restrições em forma de Copyleft. Ainda, são apresentadosexemplos da indústria fonográfica para ilustrar essa transformação.Palavras-chave: Copyleft, Creative commons, Copyright, PropriedadeIntelectual.

Abstract: This article has the purpose of clarify the connection betweenthe advent of Web technologies and their relation with licenses copies of intellectual works. The share of knowledge and its collective creationhave always been present along the human evolution, even the printing

 press invention and the beginning of the restriction and regulation of copyrights through the Copyright laws. The legislation has injured lots of changes along the years, as new production technology, copy andreproduction of work pieces were coming, but it became very confusingand hard to be applied. The consolidation of the Network Society with

counter-culture ideal of 60s and 70s regain the logic of freedom of expression and group creativity, and question the sense of laws in thecurrent context. New propositions arise from more properly licenses tothe cyberspace, through the flexibility of Creative Commons licensesand freedom from restrictions in the form of Copyleft. Still, it is

  presented examples of the music industry to illustrate thistransformation.Key words: Copyleft, Creative commons, Copyright, IntellectualProperty.

IntroduçãoDesde os primórdios, ao longo da história da humanidade, o homem criou e

disponibilizou o conhecimento como um bem público e faz parte de sua natureza repassá-lo

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aos demais. Porém, em certo período, surgiu o conceito de propriedade intelectual. Mas asideias produzidas hoje são frutos de um conhecimento anterior, que se manteve livre atéentão. Isso nos deixa a seguinte pergunta: é possível ou permitido que uma indústria detenha

 para si o resultado de toda uma criação coletiva, como vem acontecendo ainda hoje na era da

conectividade digital?Esses conceitos de criação coletiva e compartilhamento solidário de informações,vistos historicamente ao longo de toda a experiência humana, serão abordados e discutidosneste estudo. Será explorado o papel da contracultura como forma de defesa da liberdade deinformação e cooperação, que podem ser mais propícias à inovação do que a competição e osdireitos de propriedade, bem como o importante papel da tecnologia nesse contexto.

Segundo Castells (2003, p.116), movimentos culturais formam-se em torno dossistemas de comunicação e mídia porque é principalmente através deles que se conseguealcançar aqueles capazes de aderir a seus valores e interesses e, a partir daí, atingir aconsciência da sociedade como um todo. Nesse âmbito, a Internet tem papel crucial comoconversora de diversos tipos de mídia e remodeladora do novo tipo de sociedade: a sociedade

em rede, que fez o mundo ficar reduzido a alguns segundos de distância, facilitandoimensamente a troca de informações e a cooperação para novas criações. É nesse contexto queforam aplicados os ideais da contracultura e liberdade de expressão: a Web é uma alavanca natransição para a nova forma de sociedade, conectando as grandes massas e criando novosvalores baseados no compartilhamento e inteligência coletiva.

 Neste sentido, é possível situar este estudo no interior da linha de pesquisa Estudos daCibercultura do Grupo de Estudo e Pesquisa em Inclusão Digital da Universidade de PassoFundo, cujo objetivo é explorar, aprofundar, discutir e teorizar acerca da cibercultura e seusdesdobramentos, especialmente no que se refere à Inclusão Digital. Assim, deseja produzir conhecimento sobre o potencial da inclusão digital no processo de inclusão social dosindivíduos e grupos. Tal conhecimento serve de base para a linha de pesquisa "Tecnologias emetodologias de Inclusão Digital". Ainda, a linha abre a possibilidade de se discutir aspectossociais, econômicos, políticos e culturais das tecnologias de rede. A partir destes elementos,define-se o seguinte problema de pesquisa: qual o papel da tecnologia na evolução dos

 paradigmas de propriedade intelectual?

Objetivo geralA partir do problema apresentado, esta pesquisa tem por objetivo analisar o papel da

tecnologia como base da Sociedade em Rede, e seu impacto na evolução dos conceitos sobre propriedade intelectual, com exemplos focados na indústria fonográfica.

Objetivos específicosA fim de dar resposta ao objetivo geral da pesquisa, define-se os seguintes objetivosespecíficos:

• Analisar os conceitos e o que há por trás das ideias de propriedade intelectual econhecimento coletivo;

• Identificar as origens dos ideais de compartilhamento do conhecimento e suainfluência na propagação da tecnologia de Internet, desde o conceito decontracultura até a consolidação da nova sociedade como uma rede, conectando asgrandes massas, com informação cada vez mais acessível e práticas dedisseminação;

• Identificar prós, contras e consequências desta transformação no que diz respeito à

 propriedade intelectual;• Analisar o impacto da evolução da Internet nos conceitos sobre propriedade

intelectual, considerando que esta transformação afetou consideravelmente a

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ordem social e cultural: o Copyright, o Creative Commons e o Copyleft.• Utilizar exemplos focados na indústria fonográfica como ilustração da evolução

tecnológica, cultural e de multimídia, analisando sua reação às novas possibilidades disponibilizadas pela Web.

1 A sociedade contemporânea

A comunicação é a essência da atividade humana. A produção e disseminação doconhecimento na prática de compartilhamento de informações sempre foi algo natural aolongo da história da humanidade. Porém, em nenhum estágio desta história a informação foitão valorizada como é na sociedade contemporânea.

Toffler (1980, p.24) analisa a evolução da civilização como tendo três fases distintas: aagrícola, a industrial e a da informação, cada uma podendo ser vista como uma onda demudanças avançando a uma certa velocidade.

O aparecimento da agricultura foi o primeiro ponto decisivo para o desenvolvimentosocial humano. Nesta fase, o homem começa a organizar-se em comunidades, geralmentefixas, com poucas novas experiências, sendo o conhecimento repassado através de fatosvividos ou apenas relatados.

A fase seguinte trouxe a segunda grande ruptura: o surgimento da indústria e aconsequente padronização da sociedade, conhecida como massificação social. A mudança daestrutura familiar e a migração dos campos para as fábricas que caracterizavam a fase da

 produção em massa exigiram uma adoção de padrões que pudesse nivelar as diferenças,eliminando diversidades na linguagem, no lazer e no estilo de vida. Nesta fase emergem osmeios de comunicação em massa: os jornais, rádio e, principalmente, a televisão, granderesponsável pela massificação cultural da sociedade industrial, uma vez que oferecem ideiasorganizadas e sintetizadas, prontas para serem assimiladas de imediato.

A propaganda distribuiu amplamente imagens visuais padronizadas, implantando-asassim em milhões de memórias particulares até que se transformassem em ícones. Esta açãoajudou a produzir a padronização de comportamento exigida pelo sistema de produção emmassa. Com a desaceleração do movimento industrial, os veículos de massificação social

 perderam força, dando espaço a novas correntes de troca de informação propiciados pelarevolução eletrônica.

Os computadores passaram a se infiltrar discretamente no mundo comercial, a princípio para fins financeiros. A explosão da eletrônica deu o primeiro passo para a definiçãoda nova sociedade: a Sociedade da Informação. A informação tornou-se o negócio maisimportante e o que mais cresce no mundo. Ocorreu assim o processo inverso da massificaçãosocial, a desmassificação. O surgimento da eletrônica e o fim da era industrial foram aos

  poucos eliminando o padrão social e formando os valores da liberdade individual ecomunicação aberta. Neste contexto, o surgimento da Internet torna-se fator decisivo para modelagem da

nova sociedade. De acordo com Castells, “sob essas condições, a Internet, uma tecnologiaobscura sem muita aplicação além dos mundos isolados dos cientistas computacionais, doshackers e das comunidades contraculturais, tornou-se alavanca na transição para uma novaforma de sociedade – a Sociedade de Rede” (2001, p.8). A evolução e disseminação quaseque instantânea da Internet não teria ocorrido sem a distribuição aberta, gratuita, de software eo uso cooperativo de recursos que se tornou o código de conduta dos primeiros hackers. Eessa cultura colaborativa é resultado do contexto da época, com a retomada dos ideaiscontraculturais.

Apesar de os precursores da Internet não estarem ligados diretamente à contraculturano sentido dos movimentos sociais ativistas da época, foi nesse contexto que a interconexãode computadores surgiu e foi disseminada. A Internet, numa época em que os ideais de

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liberdade individual estavam em seu auge nos campi universitários nas décadas de 1960 e1970, foi aclamada como instrumento de livre comunicação ou até de libertação. Essa novacorrente de pensamento independente, de solidariedade e cooperação, contribuiu para aconsolidação da cibercultura.

André Lemos (2003) define a cibercultura como “a forma sociocultural que emerge darelação simbiótica entre a sociedade, a cultura e as novas tecnologias de base micro-eletrônicaque surgiram com a convergência das telecomunicações com a informática na década de 70”(2003, p. 1).

O desenvolvimento tecnológico ligado à comunicação foi o que deu origem aociberespaço: uma cultura contemporânea onde praticamente não sentimos o espaço físico-geográfico, tendo em vista as possibilidades de interatividades oferecidas por essa nova mídia.Mídia esta que engloba todas as outras como um ambiente de instrumentos de comunicação,que são reconfigurados, transformados, de modo a agir como instrumento de liberdade deexpressão e participação, e não como uma repressora mídia de massa.

O ciberespaço propiciou um novo modelo de interação social, e novas e infinitas

 possibilidades de compartilhamento de informação. A Internet conectou as massas e facilitoua criação do conhecimento coletivo, através da remodelagem da sociedade como uma rede.Informações foram postas à disposição e com acesso fácil, prontas para serem usadas,transformadas, recriadas. Todo conhecimento surgido ao longo da humanidade subitamenteestava acessível, assim como novas criações podiam ser disponibilizados para uso em escalaglobal. A evolução cultural nunca esteve a uma velocidade tão vertiginosa, com tantainformação sendo criada e compartilhada. E foi essa revolução tecnológica e cultural queconfundiu ainda mais um conceito que há muito tempo já não era muito claro: a proteçãodestas informações.

2 Copyright

Muito antes de as tecnologias da Internet se popularizarem, o controle de divulgaçãode ideias se dava pelo próprio fato de que as tecnologias de publicação eram caras, e eraextremamente difícil e dispendioso a reprodução de cópias dos originais. A ameaça dedemocratização da informação trazida pela invenção da prensa foi suficiente para a criação deum sistema repressor de censura através das licenças Copyright, cujo logotipo é mostrado naFigura 1. A cibercultura, por sua vez propiciou não apenas novas possibilidades dedisseminação fácil e prática de obras intelectuais, como também sua reconfiguração,adaptação e inspiração para novos trabalhos.

Figura 1. Logotipo da licença Copyright

Richard Stallman1 apresenta o contexto em que o Copyright tomou forma:

1 Richard Stallman é programador, fundador da Free Software Fundation (FSF), desenvolvedor da GeneralPublic Licence (GPL) e das licenças Copyleft.Comunicação proferida na palestra apresentada no MIT, Communications Form, em 19 de abril de 2001.

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 No mundo antigo, os livros eram escritos à mão com uma pena, e qualquer um quesoubesse ler e escrever poderia copiar um livro [...]. Posteriormente, a prensa deimpressão foi desenvolvida e os livros passaram a ser copiados nas máquinas [...]. Oresultado foi que a cópia de livros começou a se tornar uma atividade maiscentralizada, de produção em massa [...]. Isto também significou que os leitores emgeral não seriam capazes de copiar livros de maneira eficiente. Somente se vocêtivesse uma prensa de impressão seria capaz de fazer isso. Portanto ela era umaatividade industrial [...]. Então o Copyright foi desenvolvido juntamente com o usoda prensa de impressão e, dada a tecnologia da prensa, ele teve o efeito de umaregulamentação industrial. Ele não restringia o que os autores poderiam fazer; elerestringiu o que as editoras e autores poderiam fazer (informação verbal).

O fato é que o contexto atual é completamente diferente do de quando as leis deCopyright foram criadas, e hoje qualquer indivíduo inserido no ciberespaço tem disponível atecnologia que antes era monopólio dos editores, e é capaz de copiar e distribuir uma obraoriginal ou modificada. A conectividade generalizada propiciada pelo ciberespaço tornouiminente a disseminação do conteúdo criativo, mas pouca coisa mudou nas intenções das leisde Copyright: o que seria garantir os direitos do autor e sua fonte de renda, assim como o

  benefício à sociedade causado pela devolução ao domínio público de obrais criativas eculturais, parece se tornar cada vez mais a garantia de monopólio cultural de alguns poucosindivíduos e/ou entidades.

A história do Copyright pode ser descrita com o relato que o jurista Lawrence Lessigfaz em seu livro Cultura Livre, sobre o surgimento e evolução das leis americanas. Neste casoo prazo de permissão legal para monopólio do Copyright foi imensamente ampliado em umcurto período de tempo, triplicando em trinta anos (2004, p.121).

 No Brasil não foi diferente, desde a primeira lei de 1827 que definia o prazo até 10

anos após a morte do autor, hoje temos direito exclusivo de reprodução pelo período da vidado autor mais setenta anos. Em 2003, ainda, já na era digital, foram introduzidas alteraçõesque transformaram de vez as leis em algo confuso e difícil de ser controlado e aplicado.

Atualmente, o Brasil passa por uma reforma nas leis de direitos autorais, e “os passosda lei são na direção de resolveram problemas sensíveis à questão do Copyright”, conformeafirma Lessig2, apontando o Brasil como líder entre os países que vêm reformando suaslegislações sobre Copyright (informação verbal).

Quem controla mundialmente as propriedades intelectuais é a Organização Mundial daPropriedade Intelectual - OMPI, ou WIPO em inglês, um órgão autônomo dentro do sistemadas Nações Unidas. Assim a OMPI define propriedade intelectual como a

“soma dos direitos relativos às obras literárias, artísticas e científicas, àsinterpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aosfonogramas e às emissões de radiofusão, às invenções em todos os domínios daatividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos industriais, àsmarcas industriais, comerciais e de serviços, bem como às firmas comerciais edenominações comerciais, à proteção contra a concorrência desleal e todos os outrosdireitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literárioe artístico”

O aumento da complexidade e abrangência da definição também se estende à relaçãode leis e normas referentes às propriedades intelectuais: um extenso e complexo capítulo dodireito, que visa, como define Lessig:

Disponível em <http://www.gnu.org/philosophy/copyright-and-globalization.pt-br.html>2 Comunicação proferida no Campus Party Brasil 2010. Disponível em

<http://idgnow.uol.com.br/blog/campus-party/2010/01/29/lessig-reforma-autoral-dara-ao-brasil-lei-de-Copyright-mais-moderna-do-mundo/>

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[....] cada vez menos apoiar a criatividade e cada vez mais proteger certas indústriasda competição. Justo quando a tecnologia digital poderia oferecer umaextraordinária gama de criatividade comercial ou não, a lei impossibilita talcriatividade com regras insanamente complexas e vagas e com a ameaça de penalidades obscenamente severas. (LESSIG, 2004, p. 19)

A partir destas contextualizações, percebe-se que apoiar a criatividade não éexatamente o objetivo principal das indústrias.

2.1 Copyright x música x Web

Desde a consolidação da indústria fonográfica na década de 1950, as majors3 sempredominaram o mercado e todos os processos do setor de produção musical. Apesar da presençade gravadoras indies4 ter aumentado conforme o investimento necessário para gravaçãodiminuía com o avanço da tecnologia, o controle da mídia e o domínio da produção edistribuição sempre foi das grandes gravadoras, que definiam com base em seus interessesquais artistas fariam sucesso, qual seria a tendência musical do momento. O sonho da grandemaioria dos artistas da era pré-Web de assinar com uma gravadora major poderia ser garantiade sucesso na carreira, se isso fosse a favor dos interesses da gravadora. Um dos requisitos

 básicos, é claro, seria a cessão dos direitos de cópia das músicas para as gravadoras.Conforme a obsessão pelo Copyright e a ganância da indústria monopolista se

tornaram mais óbvias, a situação foi se tornando crítica. Para alguns, como veremos adiante,insustentável. As tecnologias acessíveis para criação e produção, e a democratização dadistribuição propiciada pela Web mudou a mentalidade dos artistas, que agora preferemdefender suas obras e tratá-las com a devida importância de produções intelectuais. Hoje há

diversos meios de explorar comercialmente uma obra sem necessariamente ceder os direitos eficar na prisão eterna de um contrato de desvantagens. Qualquer um é capaz, inclusivesozinho, apenas com um computador e uma conexão Web.

Enquanto isso, as gravadoras mobilizam-se por estarem perdendo suas minas de ouro.Em vão. Não adianta lutar contra uma tecnologia ou tentar controlá-la, não as tecnologiasatuais. A tecnologia de compactação MP35 e as redes P2P6 inovaram a distribuição deconteúdo musical, sobretudo com a introdução do Napster 7 em 1999.

Apesar de a Recording Industry Association of America - RIAA ter processadofuriosamente o Napster, concluindo com seu fechamento em 2001, com o apoio

 principalmente da banda Metallica, que decepcionou boa parte dos fãs nesse processo, arevolução já havia iniciado. Logo surgiram o compartilhamento por torrent8 e sites de

hospedagem como Megaupload e Rapidshare, e o compartilhamento de arquivos sóaumentou. A RIAA, na tentativa de reaver o controle, criou o Digital Rights Management -DRM, um conjunto de tecnologias implantadas em software e hardware com objetivoexclusivo de restringir o uso de material digital, controlando os consumidores, em prol daindústria, e não em defesa dos direitos dos autores. A pressão da RIAA e da Motion PicturesAssossiation of America - MPAA fez surgir o Digital Millenium Act - DMCA, a lei que

3 Grandes gravadoras. Atualmente são quatro: as multinacionais Sony BMG, Universal, Warner e EMI.4 Pequenas gravadoras ou selos independentes.5 Sigla de MPEG-1/2 Audio Layer 3, técnica de compressão de áudio na qual a redução do tamanho do arquivo

é de cerca de 90%.6 Sigla de Peer-to-Peer, ou redes ponto a ponto, são redes de compartilhamento de arquivo de arquitetura

distribuída em que cada computador atua tanto como servidor quanto como cliente.7 Programa de compartilhamento de arquivos (principalmente áudio em MP3) em redes P2P.8 Protocolo de processamento para download de arquivos, que usa a tecnologia P2P. Os pedaços do arquivo são partilhados em ordem aleatória e reconstituídos mais tarde, otimizando o desempenho do download.

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transforma qualquer violador de DRM em criminoso. Tudo isso associado a advogados, processos, prisões e multas exorbitantes numa tentativa frustrada de controle de uma nova erevolucionária tecnologia.

A Web mudou a dinâmica da sociedade e a nova sociedade em rede já tem a cultura da

criação coletiva, colaborativa. Isso se apresenta em diversos novos modelos de negócio, aosquais gravadoras e artistas devem saber se adaptar. O próprio ex-ministro da cultura, GilbertoGil, acredita que é primordial que as grandes gravadoras se adequem aos novos modelosviabilizados pela democratização da Internet e, se instituída de maneira positiva, a venda demúsicas na rede pode servir como antídoto contra a pirataria.

O advento da cibercultura trouxe essa ameaça chamada contrafação, mais conhecidacomo pirataria, a cópia total ou parcial não autorizada de uma obra. Segundo Lessig,

atualmente nós estamos no meio de outra ‘guerra’ contra a ‘pirataria’. A Internet provocou essa guerra [...] A rede não faz discriminação entre o compartilhamento deconteúdo com ou sem direitos autorais. Desse modo existe uma grande quantidade

de compartilhamento de conteúdo com direitos autorais. Esse compartilhamento, por sua vez, excitou a guerra, com os donos de Copyrights temendo que ocompartilhamento viesse ‘tomar do autor o seu sustento’. (LESSIG, 2004, p. 17)

O professor de direito penal Túlio Vianna esclarece que esse temor das gravadoras é,na verdade, em perder seus lucros de produção e distribuição sobre trabalho criativo doartista:

A situação é ainda pior em relação aos músicos: recebem, em sua maioria, cerca de3% do valor de cada CD comercializado. Uma remuneração bastante inferior ao queganham com os cachês de seus shows, que são a grande fonte de renda da maioriadestes artistas. Na prática, os direitos autorais seriam melhor denominados se fossem

chamados “direitos editoriais”, pois a maior parte do lucro fica com quem produz edistribui a obra e não com o artista. O discurso das editoras e gravadoras, no entanto, procura enfatizar o prejuízo que a cópia não autorizada causa aos autores, evitandomencionar que os lucros com direitos autorais vão para a conta das empresas e nãodos autores. (VIANNA, 2010)

Enquanto a RIAA reclama, ameaça e processa, há formas de exploração comercial damúsica se concretizando com sucesso. Um exemplo é o iTunes9, a loja virtual de arquivos demídia digital da Apple. Segundo relatório do NPD Group10, a loja virtual iTunes detém 70%do mercado on-line de música, o que representa 28% de todas as músicas vendidas,independentemente do formato, durante o primeiro trimestre de 2010. Ainda serão citadosadiante sites que disponibilizam assinatura para download de música ou sua execução em

tempo real (via  streaming), financiados pelo usuário ou patrocinadores. Estes, apesar deeficientes, na prática ainda infringem as leis atuais do Copyright, pois a tecnologia da Internetfaz com que automaticamente seja criada uma cópia da página acessada na memória cache docomputador, desrespeitando a tão temida restrição à cópia.

Esta análise aponta para o fato de que as leis primitivas do Copyright aplicadas aonosso contexto digital se tornam contraditórias e obsoletas. As táticas previstas na legislaçãoatual não impedem que os usuários da rede usufruam de seus serviços de compartilhamento.Além de se adequar aos novos modelos de negócios propiciados pela Web, gravadoras eartistas devem se conscientizar das várias possibilidades de exploração de obras intelectuaissurgidas com o meio eletrônico, mas para isso a lei precisa ser adequada ao novo contexto,que tanto diverge do tecnologicamente longínquo século XVII. Ou, ainda, que sejamreconfiguradas, como as propostas de licenças já disponíveis para uso e apresentadas a seguir.

9 Link: <http://www.apple.com/itunes/whats-on/>10 Disponível em <http://www.npd.com/press/releases/press_080805.html>

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3 Creative Commons

Organização não governamental sem fins lucrativos, localizada em São Francisco,

Califórnia, Estados Unidos. As licenças Creative Commons, cujo logotipo é apresentado naFigura 2, são uma alternativa mais organizada e detalhada de disponibilização de obraintelectual, permitindo cópia e compartilhamento com menos restrições. O projeto foi lançadooficialmente em 2001, por Lawrence Lessig, professor da Universidade de Stanford.

Figura 2. Logotipo das licenças Creative Commons

As licenças Creative Commons permitem que o autor da obra defina padrões dedeclaração de vontade quanto ao licenciamento e distribuição de conteúdos culturais em geral,facilitando seu compartilhamento e recombinação. A obra pode ser publicada on-line e o autor diz exatamente o que todos podem e não podem fazer com sua obra.

Assim, detentores de Copyright abdicam de alguns de seus direitos em favor do público. O nível de liberdade que o autor está disposto a oferecer se enquadra em uma das seislicenças disponíveis pelo Creative Commons, derivadas das quatro licenças básicas:

• Atribuição (BY): mediante os devidos créditos dados ao autor ou licenciador, o

licenciado tem direito de cópia, distribuição, execução, exibição e produção detrabalhos derivados da obra.• Uso Não Comercial (NC): a condição para cópia, distribuição, execução, exibição

e produção de trabalhos derivados da obra é que isso seja feito para fins nãocomerciais.

• Não a obras derivadas (ND): permite apenas cópia, distribuição, execução eexibição para cópias exatas da obra, sem criar derivações.

• Compartilhamento pela mesma licença (SA): as obras derivadas devem ser distribuídas somente sob uma licença idêntica à que governa a obra original.

A partir dessas quatro condições, há dezesseis combinações possíveis, das quais onzesão licenças válidas do CC e cinco não são. Das cinco inválidas, quatro incluem ao mesmotempo as cláusulas "ND" e "SA", que são mutuamente exclusivas; e uma não inclui nenhumadas cláusulas. Das onze combinações válidas restantes, as cinco que não têm a cláusula "BY"foram removidas, já que a grande maioria dos licenciadores pedia Atribuição. Restam, assim,seis licenças de uso regular, conforme mostra a Tabela 1:

Licença Logotipo

Somente atribuição (BY)

Atribuição + Uso não comercial (BY-NC)

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Atribuição + Não a obras derivadas (BY-ND)

Atribuição + Compartilhamento pela mesma licença (BY-

SA)Atribuição + Uso não comercial + Não a obras derivadas(BY-NC-ND)

Atribuição + Uso não comercial + Compartilhamento pelamesma licença (BY-NC-SA)

Tabela 1. Licenças Creative Commons de uso regular 

Além disso, ainda há outras licenças mais específicas, dependendo do tipo de arquivoque será licenciado. No caso de arquivo de áudio, o site da Creative Commons11 disponibiliza

uma lista de servidores caso o autor não tenha ainda publicado sua obra on-line. As opçõesdisponíveis de licença para música são a licença padrão, em que o próprio autor define ostermos, ou as licenças feitas especialmente para arquivos de áudio: Sampler, onde a obra podeser usada e modificada para fins não publicitários, e desde que a obra completa não sejacopiada ou distribuída, ou Share Music, na qual a música é espalhada legalmente pela Web eredes de compartilhamento e download de arquivos, sendo proibido uso comercial e remix.Atualmente, mais de 40 países já se adaptaram às licenças Creative Commons. No Brasil, o

 projeto é representado pelo Centro de Tecnologia e Sociedade da Faculdade de Direito daFundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro.

3.1 Creative Commons x Música x Web

Com o modelo de negócios das gravadoras se tornando cada vez mais inadequado enão competitivo perante os avanços da tecnologia, os artistas estão se reinventando e seadequando ao novo sistema.

Um exemplo é a banda Nine Inch Nails, uma banda já consolidada no cenário queapós várias divergências com as gravadoras a respeito de propriedade intelectual 12 lançou em2008 um disco de forma independente sob licença Creative Commons de Atribuição+Uso

 Não-Comercial+Compartilhamento pela mesma Licença. O trabalho foi lançado primeiro paradownload no site da banda, e só depois em formato físico.

A ação do Nine Inch Nails foi inspirada na estratégia da banda Radiohead, uma banda

também já consolidada no mercado e com centenas de milhares de fãs, que lançou em 2007seu sétimo disco “In Rainbows” num sistema ousado e conhecido como “pague o quantoquiser”. A experiência radical que rompeu de vez qualquer barreira entre artista e público deumais que certo.

Segundo o vocalista Tom Yorke, esse foi o disco com maior receita digital da históriada banda, em parte porque a gravadora não remetia à banda todo o dinheiro das vendasdigitais. Além da renda recorde, a banda manteve os direitos autorais sobre as músicas, o queé, segundo David Byrne, vocalista da banda Talking Heads, o que de mais importante ummúsico pode fazer com sua arte. Ambos acreditam que disponibilizar a música para downloadé uma maneira de valorizá-la, e não o contrário13. Como detentores dos direitos, a banda aindadistribuiu uma caixa especial e versões comuns do álbum físico, e as vendas foram

11 Link: <http://www.creativecommons.org.br/>12 Mais informações em < http://www.rollingstone.com.br/edicoes/20/textos/2449/>13 Entrevista disponível em < http://baixacultura.org/2010/06/09/o-encontro-de-byrne-com-yorke-e-as-estrategias-para-um-mundo-novo/ >

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incrementadas pelo álbum virtual, sendo que “In Rainbows” foi o álbum de vinil maisvendido em 2008 nos Estados Unidos14. A banda pôde se focar nas apresentações ao vivo que,segundo Byrne, deixaram de ser apenas meio de divulgação, e agora são uma das principaismaneiras de um artista ganhar a vida.

Manobras como esta demonstram o quanto é importante que as bandas, novas ou jáexistentes, levem em consideração o meio digital em suas estratégias de negócio. E queenquadrem seus direitos de cópia e reprodução segundo esse contexto.

4 Copyleft

O surgimento do conceito Copyleft, cujo logotipo é apresentado na Figura 3, estáintimamente ligado à informática e à contracultura. Esta última teve grande expressão nosanos 60 e 70, com seus ideais de cooperação e troca de ideias, que influenciava os

 programadores e seu modo de trabalho, sempre em conjunto. Porém, no início dos anos 80, acooperação entre as comunidades de programadores perdeu força quando a maioria dos

 programas passou a ser proprietário. Ao notar que as novas regras restringiam todas asliberdades de criatividade e cooperação, o programador Richard Stallman desligou-se de seuemprego e fundou a Free Software Fundation - FSF, para construir um sistema operacionalque mantivesse as antigas liberdades. A FSF, um empreendimento coletivo e voluntário, foifundamentada juridicamente com a redação da General Public Licence - GNU, e defende

 basicamente a liberdade de expressão e a eliminação das restrições impostas pelo Copyright.Assim, partindo do conceito de software livre, Stallman desenvolveu a licença de Copyleft,uma oposição ao Copyright, assim descrita: “Copyright: all rights reserved” (Direitosautorais: todos os direitos reservados), e o contrário: “Copyleft: all rights reversed”(Esquerdos autorais: todos os direitos invertidos).

Figura 3. Logotipo das licenças Copyleft

O Copyleft nasceu no ciberespaço e é potencializado por esse meio. Como defineLemos,

a cibercultura está pondo em sinergia processos de cooperação, de troca e demodificação criativa de obras, dada as características da tecnologia digital em rede.Esses processos ganharam o nome genérico de “Copyleft ”, em oposição à lógica  proprietária do Copyright que dominou a dinâmica sociocultural dos mass media.[...] o que surge hoje como uma novidade (o Copyleft ) é o que estrutura qualquer dinâmica identitária e cultural: a troca, as influências mútuas, a cooperação. Assim,a cibercultura, ao instaurar uma cultura planetária de troca e da cooperação, estariaresgatando o que há de mais rico na dinâmica de qualquer cultura. (LEMOS, 2004, p.2, grifo do autor)

Dentro do escopo desta licença, alguns projetos pró-Copyleft na Web podem ser citados:

1414 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u488994.shtml>

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- CMI15: O Centro de Mídia Independente (CMI) ou Projeto Indymedia é uma rede de produtores independentes surgida em 1999 como cobertura alternativa dos protestos ocorridosem Seattle contra a Organização Mundial do Comércio (OMC). É um projeto voluntário,anticapitalista, de ordem política e social que visa à democratização da mídia, através de um

site onde qualquer um pode disponibilizar arquivos (áudio, vídeo, artigos, etc.) com suaversão dos fatos a respeito dos movimentos sociais, sempre em defesa do Copyleft, e seminterferência de editores, sendo uma alternativa ao que chamam ‘mídia empresarial’. Existemhoje mais de cem CMI’s espalhados em mais de trinta países. Há vários projetos emandamento no CMI, entre eles aliar Internet a veículos de comunicação de massa, em busca deuma comunicação mais aberta e democratização da mídia. Programas de rádio sãodisponibilizados em Copyleft e podem ser distribuídos e reproduzidos sem finalidadecomercial.

- Wu Ming16: expressão chinesa que, dependendo da entonação, pode significar tanto‘sem nome’ como ‘cinco nomes’, e é na China um sinônimo de democracia e liberdade deexpressão. Apesar do pseudônimo, é possível saber quem são os ‘Wu Ming’ por trás desse

coletivo italiano: Roberto Bui, Giovanni Cattabriga, Luca de Meo, Federico Guglielmi eRiccardo Pedrini. O coletivo é uma continuação, com outra formação, do Luther BlissettProjetc, de grande notoriedade no período de 1994 a 1999. O grupo afirma partir “doreconhecimento da gênese social do saber. Ninguém tem ideias que não tenham sido direta ouindiretamente influenciadas por suas relações sociais, pela comunidade de que faz parte, etc.E então, se a gênese é social também o uso deve permanecer tal qual” (2003). Os cincointegrantes assinam coletivamente vários de seus livros, além dos vários textos e trabalhosque podem ser baixados e livremente copiados do site do coletivo.

- Students for Free Culture17: grupo de estudantes das principais universidadesamericanas, criado em 2004. Seu “Manifesto da Cultura Livre” propõe, entre muitas outrascoisas, “construir uma estrutura participativa para a sociedade e para a cultura, de baixo paracima, ao contrário da estrutura proprietária, fechada, de cima para baixo. Através da formademocrática da tecnologia digital e da Internet, podemos disponibilizar ferramentas paracriação, distribuição, comunicação e colaboração, ensinando e aprendendo através da mão da

 pessoa comum”18.

4.1 Copyleft x música x Web

A tecnologia tornou fácil e barata a gravação, edição e divulgação de um álbum. Noúltimo quesito, a Web tem papel crucial devido à ausência de barreiras geográficas e a

 possibilidade de irrestrita distribuição de música, até de artistas nunca considerados pela

indústria fonográfica. E é exatamente isso que abala os alicerces da majors: sua fontemilionária de renda de repente parece não mais indispensável, e o artista não mais necessitade intermediadores para chegar ao público.

A música livre é uma alternativa mais eficaz e adequada ao novo contexto social,cultural e tecnológico, em oposição à lógica tradicional da indústria fonográfica. De acordocom o modelo tradicional, a produção é monopolizada pelas gravadoras e são elas quem ditamquais artistas terão chance de sucesso na mídia. Porém, essa estratégia tem base numasociedade em que os meios de produção e promoção só poderiam ser exercidos pelosdetentores das devidas tecnologias. Ao contrário da era pré-redes, em que a indústriacontrolava a cultura na mídia – o que está presente no rádio e na televisão até hoje em forma

15 Link: <http://www.midiaindependente.org/>16 Link: <http://www.wumingfoundation.com/index.htm>17 Link: < http://freeculture.org/>18 Tradução para o português de João Carlos Caribe, disponível em

<http://xocensura.wordpress.com/2009/04/26/manifesto-da-cultura-livre/>

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de jabá19-, agora é o público consumidor que define a sua cultura, tendo acesso fácil a umainfinidade de gravações sonoras, da mais alta diversidade, em seus computadores.

Hoje, o artista pode gravar seus discos e difundi-los pelo planeta de dentro de sua  própria casa, sem necessitar nenhum acordo com gravadoras. Com o auxílio de bons

dispositivos de gravação e softwares editores de áudio, pode-se alcançar uma boa qualidade.Ferramentas acessíveis20 tornam isso perfeitamente possível.Com a música gravada, a Internet é a porta para o mundo. O artista deve,

 preferencialmente, ter uma página própria ou aproveitar-se dos serviços oferecidos por váriossites de divulgação de música, e assim disponibilizar sua obra para livre download ecompartilhamento. A ausência de barreiras geográficas apresentada pelo ciberespaço é amaior vantagem à cultura na era digital, transformando leis rígidas e acessos restritos em um

 prato cheio de diversidade cultural para o público e oportunidades para os artistas.Entre os sites de hospedagem e difusão de música na Web mais conhecidos estão o

MySpace21, Last FM22, Trama Virtual23 e vários outros. O grupo inglês Arctic Monkeys, por exemplo, conquistou uma enorme legião de fãs apenas com sua página no site MySpace 24, e

seus diversos shows pela Europa foram prestigiados graças ao intenso compartilhamento dearquivos. A venda de seu primeiro álbum, através de uma gravadora independente, foi de 370mil cópias apenas na primeira semana, um recorde até então25.

Além de ser oferecer o espaço para que artistas divulguem seu trabalho, o site  brasileiro Trama Virtual parece estar inserido nesse novo modelo de negócios com doisserviços: o Álbum Virtual26 e o Download Remunerado27. Ambos possibilitam o downloadgratuito de faixas ou álbuns e a remuneração do artista é feita por meio de patrocinadores.Segundo o site, no Álbum Virtual a Trama disponibiliza para download legal e gratuito discosinteiros, incluindo encartes e extras. A banda brasileira Móveis Coloniais de Acaju é umótimo exemplo de artistas sempre atentos a novas mídias, ferramentas da internet e redessociais, e que se beneficiam deste serviço28.

O Download Remunerado acontece no ambiente do site Trama Virtual. O artistarecebe um adiantamento do patrocinador para que sua obra fique disponível para acessogratuito e legal. As bandas cadastradas neste serviço recebem pelo download das faixas. Ovalor a ser repassado é baseado na mecânica de pagamento de royalties. Os artistas sãoremunerados sempre que o valor dos downloads atingirem o teto mínimo de R$50,00. Alémdisso, o site é um excelente espaço de divulgação, um portfólio com os mais variados tipos de

 produções musicais.Músicas licenciadas em Copyleft livram o público da possibilidade de vir a ser 

criminoso e endividado em valores absurdos, apenas por terem compartilhado um arquivo demúsica, frente à legislação do direito de cópia da atualidade. Além disso, as rádios livres e

comunitárias se apresentam como forma de divulgação, além dos bares onde a mídia pode ser reproduzida sem ameaças medievais de restrição cultural.Ainda, a música livre não impede os autores de venderem seus próprios CDs, o que

ainda é considerada uma fonte de renda e divulgação de trabalhos, inclusive pelo fato de a

19 Espécie de suborno para promoção de músicas e artistas na mídia.20 Interfaces de áudio portáteis, microfones, teclados virtuais, softwares de gravação como Pro-tools, Logic Proe Reason, por exemplo.21 Link: <http://www.myspace.com/>22 Link: < http://www.lastfm.com.br/>23 Link: < http://tramavirtual.uol.com.br/>24 Link: < http://www.myspace.com/arcticmonkeys>25 Mais informações em: < http://ondefoipararovinil.blogspot.com/2010/01/arctic-monkeys.html>26 Link: < http://albumvirtual.trama.uol.com.br/lancamentos>27 Link: < http://tramavirtual.uol.com.br/download_remunerado/>28 O mais recente disco da banda, C_mpl_te, disponível pelo serviço Álbum Virtual:<http://albumvirtual.trama.uol.com.br/album/1128131176>

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mídia apresentar qualidade superior ao MP3. O Copyleft isenta a restrição sobre cópias, sendoliberada a duplicação física ou virtual das obras. O autor pode, portanto, utilizar-secomercialmente de sua obra registrando-a em um meio físico, como o CD ou o DVD, por exemplo. Porém não pode impedir ninguém de copiá-la e compartilhá-la – o que, na verdade,

não é uma restrição muito respeitada atualmente, levando-se em conta a facilidade e praticidade das novas tecnologias quanto ao compartilhamento de arquivos.O conceito de Copyleft como compartilhamento e liberdade para modificação e

reprodução de obras pode dar uma primeira noção de não remuneração ao autor das obras,ideia essa fomentada pelas editoras, gravadoras e afins, na luta em defesa ao Copyright e seuslucros – para as empresas, e não os autores. O que acontece com o ciberespaço e a novaconfiguração social e da mídia, é que o meio físico da obra, está perdendo força, ou seja, osCDs, DVDs e afins estão perdendo força para os downloads. Neste caso, o arquivo pode ser copiado e distribuído sem necessidade de intermediários, eliminando o monopólio de direitode cópia exercido pelas editoras ou gravadoras, e os lucros exorbitantes dessa intermediação.

Além disso, o meio digital possibilita a livre divulgação da obra, que é o que garante

visibilidade e venda diretamente ao consumidor, e a consequente promoção e oferta paranovos trabalhos. Com um trabalho popularizado facilmente pela rede, há mais possibilidadede shows ao vivo, onde o artista mostra seu desempenho artístico e realmente obtém

  benefícios. O fato de novos trabalhos serem negociados diretamente com o trabalhador cultural é outra vantagem por eliminar os valores abusivos cobrados pelas gravadoras, queapesar de investirem, lucram absurdamente a partir do trabalho do artista. O Copyleft é,

 portanto, uma alternativa a essa ditadura, e explica o aumento de produções independentes naesfera artística. O ciberespaço propicia a disseminação da cultura em escala global,independente de quem seja o pólo da emissão.

O Copyleft é a licença que se enquadra no contexto social contemporâneo de trocas,compartilhamento e interação. Explorado conscientemente, só traz vantagens para o artista,

 para o público e para a cultura em geral.

Conclusão

Tendo em vista os pontos apresentados, percebe-se que a tecnologia Web teve papelfundamental nos atuais questionamentos sobre a validade da legislação do Copyright, vistoque a Internet é a responsável pela reconfiguração da sociedade em sua transformação desociedade industrial (um para todos) para sociedade em rede (todos para todos). O advento daWeb potencializou a retomada dos valores de compartilhamento e criação colaborativa,sempre presentes ao logo do processo de construção da cultura do ser humano, mas posto de

lado nos últimos séculos em favor das grandes corporações. Neste período, a legislaçãomudou diversas vezes, sempre em prol das grandes empresas com poder da influência política, visando seus próprios lucros, barrando as tecnologias ao invés de se adaptar a elas e,assim, evoluir.

Com a contracultura dos anos 60 e 70 e o surgimento e disseminação das redes nesse período, a humanidade retomou os ideais de criatividade coletiva. Este processo ainda éfreado pelas indústrias do Copyright, que buscam por meio de multas e processos um controledo compartilhamento, como pode ser visto no caso da indústria fonográfica. Porém, já hádiversas soluções surgindo nesse sentido, algumas já consolidadas como a licença CreativeCommons, um conjunto de licenças organizadas para compartilhamento de obras intelectuais.Ainda, o surgimento de licenças Copyleft indica o sentido de livre construção de

conhecimento através da colaboração, e um aproveitamento do ciberespaço como local deestímulo à criatividade, sem a rígida restrição sobre cópias das licenças Copyright.

Assim, observa-se que a legislação do Copyright é incoerente com a dinâmica social

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da atualidade, especialmente ao se levar em conta as transformações ocasionadas pelaInternet. Deve-se, portanto, adequar a legislação e modelos de negócio quanto a obrasintelectuais, a algo que seja benéfico tanto aos autores quanto ao público, e que todos possam

 participar da estrutura de construção e colaboração cultural possibilitada pelo ciberespaço.

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