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Vidas paralelas - Antropologia Urbana Instituto de Ciências Sociais Departamento de Sociologia Sócio – Antropologia Urbana e Rural 2010\2011

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Page 1: Socio antropologia

Vidas paralelas - Antropologia Urbana

Instituto de Ciências Sociais

Departamento de Sociologia

Sócio – Antropologia Urbana e Rural

2010\2011

Docentes: Manuel Carlos Silva

Page 2: Socio antropologia

Discente: Vera Moreira, nº 58260Antes de mais sociologia urbana segundo Durkheim é “o espaço constitui a

primeira experiencia da vida e as representações do espaço estão estreitamente ligadas

ao quadro social do habitat dos actores sociais. (…) a sociologia urbana deveria incidir

sobre a organização social, os aspectos residenciais, a mobilidade geográfica e social, os

usos do espaço urbano, as “maneiras de pensar e agir, as sociabilidades e demais

praticas sócio – espaciais” (Silva, s. d: 114). O que importa realmente para este mini

trabalho é perceber como diferentes modos de vida se podem desenrolar no mesmo

espaço físico e geográfico, ou seja, na mesma cidade e de uma forma um pouco mais

abrangente um pouco por todas as sociedades modernas.

Os valores, regras morais, normas de conduta, sentimentos e inclusive os próprios

indivíduos alteraram - se com o passar do tempo ao longo das décadas. A par desta

mudança, também o próprio espaço físico e social se readaptou às necessidades

emergentes das sociedades cada vez mais globalizadas, modernizadas e ainda, com um

crescente número de habitantes o que resulta em alguns casos, num crescimento

desordenado do espaço físico. Segundo Giddens (2007: 598) “60 a 90 por cento da

população vive em áreas urbanas. A urbanização esta a desenvolver - se rapidamente

nas sociedades em desenvolvimento”. As cidades, por exemplo já não são o que eram,

cresceram e alteraram – se com a passagem do tempo, para por exemplo darem uma

resposta mais eficaz às necessidades emergentes dos indivíduos.

As sociedades modernas são assim cada vez mais heterogéneas e diversificadas e

apresentam cada vez mais uma extrema divisão do trabalho. São assim, sociedades onde

existem inter - relações que envolve os indivíduos colectivamente (com um mesmo

objectivo, num mesmo espaço…), contudo e apesar dos indivíduos estarem envolvidos

cada vez mais em relações sociais, o anonimato, o individualismo, a impessoalidade, as

relações de momento, estão cada vez mais presentes no quotidiano dos indivíduos,

sendo considerados como as grandes características da vida quotidiana de hoje em dia.

A par destas características surgem ainda nas próprias sociedades, problemas próprios

das sociedades modernas tais como a poluição, a sobrelotação do espaço físico, a

pobreza e a delinquência, características estas cada vez mais disseminadas entre as

sociedades modernas e ainda a prostituição, a mendicidade, os arrumadores de carros e

os vendedores ambulantes. Segundo …. “Cidade é estrutura e relações sociais,

economia e mercado; é política, estética e poesia (…) a vida citadina é, portanto,

agitada, vertiginosa mesmo, ou monótona e repetitiva, dependendo da adesão ou não

Page 3: Socio antropologia

dos seus habitantes aos tempos e espaços vividos, ritmados pelos movimentos

incessantes das imagens de cidade que habitam seus pensamentos em constante

mutação.”

Este rápido crescimento das sociedades é algo ao qual se começou a dar maior

destaque e importância, maioritariamente a partir dos anos 10 do século XX com a

Escola de Chicago, EUA. A cidade de Chicago registou um crescimento rápido num

curto período de tempo, contudo a cidade não estava preparada para receber todas as

pessoas que lá chegavam, uma vez que não tinha infra-estruturas suficientemente

preparadas. Isso causou problemas na cidade tais como a delinquência, os roubos, a

prostituição, a sobrelotação do espaço, problemas esses que mereceram um especial

interesse por parte dos sociólogos que começaram a gerar e a elaborar novas teorias

relacionados com os fenómenos sociais que ocorriam na parte urbana das cidades e

ainda a tentar encontrar soluções para os problemas correntes da cidade. A partir da

Escola de Chicago os fenómenos ocorrentes nas sociedades modernas são

compreendidos e interpretados de uma outra forma. Há fenómenos que existiram na

cidade de Chicago há umas décadas que ainda hoje, e com a normal evolução das

sociedades, continuam presentes nos nossos dias, como é o caso da prostituição,

pobreza ou da mendicidade.

Diferentes modos de vida

Cada vez mais os habitantes das sociedades modernas são “comandados” pelo

relógio, e a rotina e o stress próprios do dia-a-dia já fazem parte da sua forma de viver,

esta de tal maneira enraizado que já não vivem sem tais coisas. A par desta forma

exaustiva, rotineira e ocupada forma de viver nas sociedades modernas, surgem outras

formas diferentes de viver onde estas características próprias da vida urbana não

existem, uma vez que a forma de viver é muito diferente. São vidas que se desenrolam

em paralelo da vida dita normal. São assim, modos de vida despreocupados, sem

rotinas, sem preocupações, e nem as responsabilidades próprias do dia-a-dia. Refiro -

me aos mendigos, aos tocadores ambulantes e as prostitutas, que apesar da evolução das

sociedades ao longo do tempo, ainda fazem parte das sociedades dos dias de hoje.

Porque se à umas décadas atrás – Escola de Chicago – a mendicidade, a prostituição e a

pobreza estavam presentes nas sociedades daquela época, ainda hoje esses fenómenos

Page 4: Socio antropologia

continuam presentes um pouco por todas as sociedades. A Sociedade Portuguesa não é

excepção, e ainda hoje em algumas cidades esses fenómenos continuam presentes.

Numa das minhas viagens a Lisboa, Lisboa cidade que, segundo Gilberto Velho

(1999: 58) “possui um conjunto de traços característicos (…) que a identificam,

alimentando algumas imagens bem conhecidas: banhada pelo rio Tejo, alcandorada

sobre sete colinas, cantada pelo fado, festejada pelos santos populares”, não pode deixar

de prestar atenção às “vidas paralelas” que se desenrolavam naquela cidade tão grande,

tão heterogénea, tão modernizada, com tantas raças diversificadas, com um ritmo de

vida tão agitado e por vezes tão complicado, com a poluição própria das cidades

modernas e ainda com memórias e tradições tão características e próprias da cidade. A

par do modo de vida aparentemente normal dos muitos indivíduos quer de Lisboa, quer

de outras cidades com uma casa, um emprego, uma família… desenrolam – se

paralelamente outras formas de viver, onde pelas mais diversas razoes estas

preocupações com a casa, família, e o emprego não existem. Contudo, em muitos dos

casos os indivíduos que habitam nas ruas e que vivem delas, já tiveram uma vida dita

normal, mas por diversas razoes como o desemprego, problemas financeiros, problemas

com álcool e drogas, o divórcio, uma desavença com familiares, acabaram por vir parar

à rua acabando assim por serem excluídos da sociedade e por terem formas de vida

diferentes dos indivíduos que têm uma vida normal.

Um pouco por todo o lado há mendigos, mendigos esses que pernoitam pelos

passeios, por uma qualquer esquina, pelos bancos dos jardins ou ainda pelo chão das

arcadas dos prédios da cidade das “sete colinas”, apenas enrolados em cartão com um

ou dois cobertores, que supostamente tapam o frio que por vezes não é o mais agradável

na capital, estão expostos no inverno ao frio e à chuva e no verão ás altas temperaturas.

São mendigos que talvez um dia já tenham tido uma casa, uma família, um emprego e

as consequentes preocupações e responsabilidades próprias do resto da sociedade, mas

que hoje em dia, por alguma razão vieram parar à rua, sobrevivendo como conseguem e

com as preocupações próprias de mendigos que não são em chegar a horas ao emprego,

ou preparar o jantar a horas, mas sim preocupações por exemplo, com o que comer e

onde dormir para escapar o máximo ao frio. Vivem dos restos e das ajudas dos outros,

sem tecto, nem chão, passam os seus dias encostados a qualquer esquina a verem os

outros passar ou ainda a tentarem encontrar alguma coisa nos caixotes do lixo que dê

para comer, contudo as vezes também recebem ajudas de instituições para poderem se

alimentar um pouco melhor. Andam mal vestidos, com a barba por fazer, com um saco

Page 5: Socio antropologia

as costas com as poucas coisas que têm, e por vezes com a sua casa “ambulante” (com

poucas condições) debaixo do braço de um lado para o outro. Mesmo que queiram,

dificilmente passam despercebidos, uma vez que pela sua forma própria de vestir e o

seu aspecto descuidado naturalmente ao deambularem pela rua despertam a atenção de

qualquer um.

A par dos mendigos, outra “vida paralela” que se desenrola a par da vida em

sociedade dita normal é a prostituição. São como os “morcegos” só andam à noite, ou

pelo menos só vestem os seus fatos de “meninas da noite” e tratam da maquilhagem a

rigor quando é de noite. São na sua maioria do sexo feminino e em alguns casos ate têm

um emprego diurno, uma casa e uma família, contudo têm de trabalhar à noite para em

muitos dos casos fazerem face a problemas financeiros, ou para terem uma vida melhor,

mais desafogada economicamente “ existem aquelas que buscam a sobrevivência, mas

também as que estão mais preocupadas em satisfazer as suas fantasias” (Sousa, 2000:

148). Assim têm uma vida paralela á sua e aos demais indivíduos da sociedade.

Trabalham de noite, ficam na beira das estradas ou em alguns casos em sítios

estratégicos à espera dos seus clientes. A idade dos clientes é variada e alguns dos seus

clientes procuram apenas o prazer sexual, mas também há aqueles clientes que apenas

procuram companhia de alguém, segundo Sousa (2000: 84) “ Talvez se possa entender

essa estabilidade na frequência dos clientes, dentro desses intervalos de idades (…) um

deles pode estar vinculado à solidão”.

Contudo, não são bem vistas na sociedade portuguesa uma vez que têm má –

fama, e são olhadas de lado pelas mais diversas razoes.

Por exemplo, em Lisboa à volta dos muros do Instituto Superior Técnico, há

umas quantas meninas que lá estão todas as noites à espera dos seus clientes, e ali estão

à noite ou paradas, ou sentadas ou então acompanhadas por outras meninas à espera que

venham os seus clientes. Mas segundo Sousa e pelo que eu observei, a vida paralela da

prostituição não parece que esteja para terminar uma vez que se elas lá estão é porque

têm clientes, senão já teriam tentado uma outra vida, mais dignificante e mais aceite

socialmente “ as prostitutas continuam a ser procuradas pelos clientes que esperam

satisfazer necessidades e fantasias. Portanto, a prostituição não esta com “os seus dias

contados”, mas adaptando – se as exigências sociais. (Sousa, 2000: 148).

Alem dos mendigos, e das prostitutas, também existem um pouco por toda a

parte os tocadores que andam um pouco por todas as ruas de todas as cidades e tocam os

mais diversos instrumentos. Alguns tocam flauta, outros violinos ou guitarra, ou ate

Page 6: Socio antropologia

mesmo acordeão, e à semelhança dos outros casos referidos anteriormente e pelas mais

diversas situações de vida, vêm para a rua tocar, de caixa aberta à espera que alguém lhe

dê uma moeda. Tocam vários tipo de musica e ninguém pode negar que apesar de

alguma desafinação que possa existir dão uma vida nova as ruas a onde param e tocam a

tarde toda para poderem conseguir juntar algum dinheiro. São esses sons que vêem da

rua que enchem o dia de quem por lá passa apressadamente pela rua sem em muitos

casos se darem conta de uma “vida paralela à sua” que ali esta, a tentar ganhar alguma

coisa numa sociedade que mal tem tempo para olhar para o lado e apreciar as coisas que

a vida dá.

Bibliografia

GIDDENS, Anthony (2007), Sociologia, Fundação Calouste Gulbenkian, 6ºedição.

SOUSA, Francisca IInar de, (2000), O cliente: o outro lado da prostituição,

AnnaBlume editora, São Paulo, 2ª edição.

SILVA, Manuel Carlos, s.d, “ Sociologia Rural e Urbana” – caderno de apontamentos da

Unidade curricular de Sócio - Antropologia Urbana e Rural, Departamento de

Sociologia, Universidade do Minho.

VELHO, Gilberto, 1999, Antropologia Urbana – cultura e sociedade no Brasil e em

Portugal, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro.