sociedade, direito e cidadania

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Módulo Sociedade, Direito e Cidadania

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Page 3: Sociedade, Direito e Cidadania

Caro estudante,

Desde a criação da Unifacs, acreditamos que formação é muito mais do que

preparação técnico-científica e que nossa missão como Universidade é proporcio-

nar ao estudante uma educação para toda a vida, embasada no domínio do conhe-

cimento, na fixação de valores e no desenvolvimento de habilidades e atitudes. É

proporcionar o desenvolvimento integral do indivíduo.

Mais do que profissionais, queremos formar pessoas com visão abrangente

do mundo e das transformações da dinâmica social, com competência para avaliar

de forma crítica e criativa as questões que nos cercam. Pessoas capazes de enfren-

tar os desafios que se coloquem ao longo de sua vida e de sua trajetória profissio-

nal, e de aprender permanentemente e de forma autônoma.

Buscamos atingir este objetivo - fundamentados na nossa missão e no nos-

so Projeto Pedagógico Institucional - por intermédio das diversas atividades acadê-

micas, dentro e fora da sala de aula, que compõem o Currículo Unifacs e que desen-

volvem e fortalecem habilidades essenciais para a formação do perfil do egresso

Unifacs; como um “DNA” reconhecido pela sociedade e pelo mercado de trabalho.

Este Currículo compõe-se dos elementos descritos a seguir:

Disciplinas de Formação Humanística: oferecidas em todos os cursos de gradua- �

ção da Unifacs;

Disciplinas de Formação Básica: conferem conhecimentos e competências comuns �

aos cursos de uma mesma área do conhecimento, para o futuro exercício profissio-

nal;

Disciplinas de Formação Específica: proporcionam a formação técnica e o desen- �

volvimento de habilidades e atitudes necessárias ao perfil profissional do curso;

Atividades integradoras: permitem vivenciar na prática os conteúdos teóricos tra- �

balhados em sala de aula, através do desenvolvimento de projetos específicos;

Atividades Complementares: oferecem oportunidades de ampliação do conheci- �

mento fora da sala de aula, a exemplo da Iniciação Científica, ações comunitárias,

programas de intercâmbio, cursos de extensão e participação em Empresas Junio-

res, entre outras;

Estágio Supervisionado; �

Trabalho de Conclusão de Curso e demais atividades acadêmicas. �

Page 4: Sociedade, Direito e Cidadania

As disciplinas de Formação Humanística, em especial, cumprem um papel

fundamental na consecução desse perfil. Preparam uma sólida base de conheci-

mentos gerais que permitirão uma compreensão mais ampla da formação técnica

de cada curso, estimulando o pensamento crítico e sensibilizando o estudante para

as questões sociais, políticas, culturais e éticas que envolvem sua atuação como

cidadão e profissional; motivando à busca do saber perene.

Em complementação, portanto, à formação técnico-profissional proporcio-

nada pelas disciplinas de Formação Básica e Específica, as disciplinas de Forma-

ção Humanística possibilitarão ao estudante adquirir quatro importantes saberes:

aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser.

Esta é a concretização do nosso compromisso de formar pessoas melhores,

cidadãos atuantes e profissionais comprometidos para a construção de um mundo

melhor.

Cordialmente,

Prof. Manoel J. F. Barros Sobrinho

Chanceler

Page 5: Sociedade, Direito e Cidadania

Formação Humanística uniFacs

Conforme explicitado no Projeto Pedagógico Institucional da Unifacs, as dis-

ciplinas de Formação Humanística têm como objetivo:

Possibilitar aos discentes a visão abrangente do mundo e da

sociedade, propiciando aquisição de competências relativas ao

processo de comunicação e raciocínio lógico, necessárias para

a formação profissional; bem como conhecimentos inerentes

aos direitos humanos, à ética, às questões sócio-ambientais

que envolvam aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políti-

cos, sociais, econômicos, científicos e culturais, delineando a

formação cidadã.

As disciplinas de Formação Humanística e seus objetivos são:

1. Comunicação

Desenvolver a capacidade de ler criticamente e produzir textos de forma

autônoma, adequando-se às diversas situações comunicativas presentes no dia-a-

dia, e reconhecer a importância do desenvolvimento destas habilidades para sua

vida pessoal e profissional.

2. Introdução ao Trabalho Científico

Despertar o interesse pela ciência, apontando seu papel na construção do

conhecimento e mostrar como o método científico pode ser utilizado para a solu-

ção de questões cotidianas.

3. Sociedade, Direito e Cidadania.

Promover uma reflexão sobre o exercício da cidadania e os mecanismos que

garantem sua efetividade, bem como a participação nos processos sociais, de for-

ma a interferir positivamente na sociedade.

4. Conjuntura Econômica

Habilitar à compreensão da dinâmica da economia e do impacto das suas

diversas variáveis e características no dia-a-dia de países, empresas e cidadãos.

Page 6: Sociedade, Direito e Cidadania

5. Arte e Cultura

Proporcionar o conhecimento e a valorização das manifestações artísticas e

culturais e ampliar a percepção estética como habilidade relevante para profissio-

nais de qualquer área do conhecimento.

6. Meio Ambiente e Sustentabilidade

Transmitir conceitos fundamentais sobre ambiente, sustentabilidade e suas

relações com o desenvolvimento e despertar atitude político-ambiental nos estu-

dantes, a partir do entendimento de seu papel como profissionais e cidadãos.

7. Psicologia e Comportamento

Estudar as interações dos indivíduos no cotidiano, nos grupos dos quais fa-

zem parte, e avaliar papeis e funções nas relações pessoais e profissionais.

8. Filosofia

Discutir as grandes questões da vida humana pela compreensão das diver-

sas correntes de pensamento filosófico e de suas contribuições.

9. Empreendedorismo

Desenvolver a atitude empreendedora como elemento indispensável para

o sucesso pessoal e profissional, seja trabalhando em organizações ou como em-

presário.

10. Saúde e Qualidade de Vida

Enfatizar a importância dos cuidados preventivos com a saúde para obter uma

melhor qualidade de vida dando a base para o pleno desenvolvimento dos projetos

pessoais e profissionais.

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sociEDaDE, DirEito E ciDaDania

autoras: sônia margarida Bandeira cerqueira e raquel mattoso mattedi

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© 2012. universidade salvador – uniFacs – Laureate international universitiesÉ proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização.Disciplina: sociedade, Direito e cidadania.

Universidade Salvador – UNIFACS

Presidente

Marcelo Henrik

Chanceler

Manoel Joaquim Fernandes de Barros Sobrinho

Reitora

Marcia Pereira Fernandes de Barros

Pró-reitor de Graduação

Adriano Lima Barbosa Miranda

Pró-reitor de Pesquisa, Extensão e Inovação

Luiz Antônio Magalhães Pontes

Coordenadora do Eixo de Formação Humanística

Sílvia Rita Magalhães de Olinda

EAD UNIFACS

Coordenador Geral

Péricles Nogueira Magalhães Junior

Coordenadora Pedagógica

Maria Luiza Coutinho Seixas

Coordenadora Acadêmico-Administrativa

Rita de Cássia Beraldo

Coordenador de Tecnologia da Informação

Guna Alexander Silva dos Santos

Coordenadora do Laboratório de Mídias

Agnes Oliveira Bezerra

Concepção e Multimídia

Tatiane dos Santos Souza

Designers

Jorge Antônio Santos AlvesJosé Archimimo Costa ConceiçãoDaniel Sousa Santos

Apoio do Laboratório de Mídias

Adusterlina Cerqueira Lordello

Coordenadora SPACEAD

Renata Lemos Carvalho

Revisão / estrutura

Séfora Joca Maciel Sonildes de Jesus Sousa

Contato: www.unifacs.br | UNIFACS Atende: 3535-3135 - Demais Localidades: 0800 284 0212

Page 9: Sociedade, Direito e Cidadania

SUMÁRIO

FORMAÇÃO HUMANÍSTICA UNIFACS ...............................................................................................................................................3

sociEDaDE, DirEito E ciDaDania ...............................................................................................5

AULA 01- INDIVÍDUO E SOCIEDADE .............................................................................................................................................. 11AULA 02- CULTURA E SOCIEDADE ................................................................................................................................................. 23AULA 03 - MOBILIDADE E MUDANÇA SOCIAL ............................................................................................................................ 37AULA 04 - DESIGUALDADE SOCIAL E POBREZA......................................................................................................................... 49AULA 05 - DESIGUALDADES SOCIAIS E POBREZA NO BRASIL .............................................................................................. 59AULA 06 - DE ONDE VEM A CIDADANIA? ..................................................................................................................................... 71AULA 07 - A CIDADE DE SALVADOR .............................................................................................................................................. 83AULA 08 - VOLTANDO A FALAR DE CIDADANIA ......................................................................................................................... 95

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apReSentaçãO

Caro(a) aluno(a),

A disciplina Sociedade, Direito e Cidadania ora apresentada estabelece uma

reflexão e uma análise das relações sociais básicas que acontecem entre o indivíduo e

a sociedade. O homem constrói a sua identidade e seu entendimento do mundo e da

realidade onde vive através da interação social e das relações com os outros indivídu-

os, pela ação social e pela socialização.

Nessas relações sociais, construímos nossa cultura, nossos valores, hábitos e

comportamentos, formando nossa cidadania, e se estabelecem as conexões entre os

direitos individuais e coletivos e a realidade em que vivemos, nos dando a condição de

cidadãos.

A partir daí, podemos entender as questões do poder e da autoridade, o contro-

le social dos direitos civis, políticos e sociais que fundamentam as relações entre Esta-

do, governo e sociedade e suas políticas sociais.

Os assuntos abordados no curso atendem aos objetivos fundamentais da dis-

ciplina de fornecer o arcabouço conceitual básico para compreender a sociedade em

que vivemos e desenvolver uma consciência social e política, possibilitando um posi-

cionamento mais crítico e ativo em relação à vida pública e à participação social. Com

isso, o indivíduo passa a ser parte integrante e transformador do meio social, desper-

tando uma atitude de responsabilidade social e de participação nos assuntos que di-

zem respeito à coletividade, à sua cidadania e à sua cidade.

Para melhor entendermos a sociedade atual, o avanço do processo civilizatório

e, principalmente, o que vem a ser cidadania, é importante mergulhar no conhecimen-

to do que é cidade, da sua origem e do seu desenvolvimento, dos movimentos sociais

urbanos, de conflitos e mudanças na busca pelos direitos sociais e pela moradia.

A estrutura social estratificada em classes sociais evidencia as diferenças, a po-

breza e as desigualdades sociais em que vivem parcelas significativas da sociedade e

nos impõe uma reflexão a respeito das questões e dos problemas sociais, de suas for-

mas de superação, visando a estender a cidadania a todos.

Os conteúdos das aulas estão acompanhados de indicações de novas buscas,

que poderão ser realizadas através de diferentes mídias, pois são fornecidas fontes de

filmes, documentários, sites institucionais, bem como de material impresso de diferen-

tes tipos e referências bibliográficas importantes, visando ao aprofundamento de te-

mas e questões discutidos nesta disciplina.

Ao fim de cada aula, as questões propostas e as pesquisas sugeridas nos fazem

refletir sobre nosso papel social e nosso posicionamento como cidadão e agente trans-

formador da sociedade em que vivemos.

Bom Trabalho!

Sonia Margarida Bandeira Cerqueira

Raquel Mattoso Mattedi

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auLa 01- inDivíDuo E sociEDaDE

Autoras: Sônia Margarida Bandeira Cerqueira e Raquel Mattoso Mattedi

“A história de todas as sociedades existentes até hoje, tem sido a

história da luta de classes.“

K. Marx

Olá!

Estamos iniciando o curso de Sociedade, Direito e Cidadania. Esta disciplina vai

proporcionar o conhecimento da sociedade e das relações entre esta e o indivíduo,

as conexões entre direitos individuais e coletivos e a realidade em que vivemos, onde

essas conexões ganham sentido e nos dão a condição de cidadãos. Esta aula introduz

os principais conceitos teóricos para que possamos entender as relações sociais que

se estabelecem no cotidiano e que constroem os nossos valores, hábitos e comporta-

mentos, formando a nossa identidade e a nossa cidadania.

A disciplina tem por objetivo proporcionar uma visão crítica e humanística da

realidade, e uma reflexão sobre as ações e fatos do cotidiano, as formas de compor-

tamento individuais e coletivas, a nossa própria situação nesse contexto, o comporta-

mento do outro e dos grupos sociais que interagem na sociedade.

Relações Sociais

O homem é um ser social, ou seja, vive em conjunto com outros seres huma-

nos, estabelecendo relações sociais. A interação social são as relações que os seres

humanos mantêm entre si, para a resolução de problemas práticos do cotidiano, que

vão desde a satisfação das necessidades básicas até as mais complexas, científicas e

filosóficas. Portanto, a interação envolve o contato social de um ou mais agentes que,

ao interagir, revelam uma relação de reciprocidade e um processo social fundamen-

tal, ou seja, a comunicação. Essas relações que partem do indivíduo para o grupo e

a sociedade são os contatos sociais. Uma pessoa que não mantém contatos sociais

e não se comunica, não assimila os padrões de comportamento da sociedade. Nesse

sentido, sugerimos que você assista aos filmes o “Enigma de Kaspar Hausen” e” Neil”,

emblemáticos para o entendimento dessa situação social. Os personagens são criados

em isolamento, vida selvagem, e, depois, voltam à civilização. Como não aprenderam

a linguagem nem os comportamentos próprios do ser humano, não conseguem se

comunicar e passam por um longo processo de adaptação à sociedade e ao convívio

humano.

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Quando uma pessoa entra em contato com outra, por exemplo, o professor com

os alunos em sala de aula, estabelece-se uma relação social, através da comunicação.

O comportamento dos alunos vai sofrer modificações em função da influência do pro-

fessor e vice-versa. Uma aula nunca é a mesma de uma turma para outra. As reações

entre aluno e professor diferem, a depender das reações e expectativas do grupo.

Na figura a seguir, vemos uma sala de aula em que a professora está interagindo

com os alunos, numa situação de socialização, onde acontece a influência recíproca e

a comunicação num processo social de aprendizagem.

Figura 1 - A sala de aula é uma situação social de interação e socialização

Fonte: Rodrigo O.Sanchez - http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Sala_de_aula.JPG

Todavia, nem todo contato físico estabelece uma relação social. Duas pessoas

sentadas juntas no ônibus não estão em interação social. Não há comunicação, nem

reciprocidade, nem a influência de uma sobre a outra. Cristina Costa assim define a

interação:

Temos interação social portanto quando um sujeito - o ego- age

considerando não apenas as suas condições individuais - motivos,

valores e fins – mas também do outro –alter- com o qual interage e

de quem depende o resultado de sua ação. (COSTA, 1997, p. 408)

Na sociedade, distinguimos também as relações sociais que pressupõem dois

ou mais agentes. Estabelece-se uma interação social, uma relação de reciprocidade, na

qual influenciamos e somos influenciados pela ação do outro. Segundo Tomazzi (1993,

p.15): “São situações cujas causas não são encontradas na natureza, ou na vontade indi-

vidual, mas antes devem ser procuradas na sociedade, nos grupos sociais ou nas situações

sociais que as condicionam”.

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A reciprocidade presente na interação social não pressupõe necessariamente

relações igualitárias; pode haver também uma relação de poder, dominação e conse-

quentemente de submissão por parte do outro, são as relações sociais assimétricas.

Os exemplos nesse sentido são claros: as relações de pai e filho no âmbito familiar; de

senhor e escravo; suserano e vassalo; e de patrão e empregado, no âmbito das relações

sociais de produção, entre outras.

Essa relação com o outro é conhecida por Alteridade. A vida em sociedade

pressupõe relações sociais em que o homem interage com o outro e há uma relação

de interdependência. Pautamos nosso comportamento pela expectativa do compor-

tamento do outro e formamos, dessa maneira, nosso modo de agir e de pensar. As

diferenças constituem a essência da vida social, por isso devemos aceitar e entender as

diferenças, mas na realidade o reconhecimento do outro é sempre fonte de conflitos

e tensões.

Na sociedade, são comuns as dificuldades de aceitação do outro e de suas dife-

renças. Tendemos a aceitar melhor as pessoas iguais a nós e rejeitar as diferentes. Esses

são os preconceitos sociais frequentes no dia a dia da sociedade brasileira, em que as

desigualdades sociais são tão evidentes.

Figura 2 - As diferenças sociais requerem a aceitação do outro

Fonte: Criação sobre Clipart

Na figura anterior, podemos observar um grupo social inter-racial e com formas

de vestir diferenciadas. Isso implica relações de alteridade, ou seja, a aceitação do ou-

tro, diferente de nós. As relações sociais se tornam mais complexas, porque os padrões

sociais mesmo em uma mesma sociedade são diferenciados. Para maior entendimen-

to do assunto, veremos como se formam os padrões sociais.

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Formação dos padrões Sociais

O arcabouço teórico que fundamenta o estudo da sociedade foi construído

com base na análise da sociedade capitalista moderna, que se consolidou a partir da

Revolução Industrial, no final do século XIX e início do Século XX. Émile Durkheim

(1858-1917), sociólogo francês, um dos pioneiros no estudo da realidade social, afirma

que a sociedade prevalece sobre o indivíduo, ou seja, o todo prevalece sobre as partes.

Na vida em sociedade, o homem se defronta com regras, normas e formas de conduta

que condicionam seu modo de agir e de pensar.

Vejamos situações reais do nosso cotidiano: aprendemos uma língua para nos

comunicar, comemos de garfo e faca, andamos vestidos, respeitamos os mais velhos,

obedecemos às autoridades e protegemos nossos filhos. São aprendizados que pas-

sam de geração em geração. A isso, Durkheim denominou fatos sociais que distin-

guem:

Toda maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indi-

viduo uma coerção exterior, que é geral na extensão de uma socie-

dade dada, apresentando uma existência própria, independente das

manifestações individuais que possa ter. (DURKHEIM, 1966, p.12)

Em outras palavras, os fatos sociais são gerais, pois são situações que acontecem

na sociedade como um todo e são exteriores e coercitivos. Independem das vontades

individuais, existem fora de nós, antes de nascermos, e exercem sobre os indivíduos

uma pressão para sua realização.

As normas de conduta ou de pensamento se impõem aos indivíduos, inde-

pendente de sua vontade. Agimos por hábitos e costumes que herdamos das gera-

ções anteriores, são regras de conduta e normas criadas pela coletividade, e que se

estabelecem para manter a integração social e a coesão social, a união de todos para

a preservação da sociedade. Se as regras são desobedecidas, sofremos punições ou

somos rejeitados pelo grupo.

As sanções e punições podem ser:

Legais �

Espontâneas �

As sanções legais são as leis constituídas pela sociedade que, caso sejam in-

fringidas, implicam penalidades legais. A Constituição Brasileira é um exemplo disso e

abrange todos os direitos e deveres do brasileiro e as sanções com as suas respectivas

penalidades. O não cumprimento da constituição - não votar, por exemplo, - implica

necessidade de justificativa e, às vezes, alguma penalidade.

As sanções espontâneas são as formas de conduta aceitas pela sociedade e pelo

grupo de que fazemos parte. A coerção não precisa ser drástica. Num exemplo, essa

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situação fica mais clara: quando usamos uma roupa inadequada para um ambiente,

nos sentimos constrangidos, pois estamos diferentes do padrão estabelecido.

Este fenômeno de contínua e permanente interação entre os homens e grupos

sociais recebe o nome de socialização. A família e a escola são as primeiras instituições

sociais a preparar o indivíduo para viver em sociedade. À medida que essas influências

externas se diversificam, o indivíduo vai se formando a partir de valores que prezam

pela emancipação do ser, ele tende a rever, criticamente, seus próprios valores.

A sociedade, com seus valores, normas, regras e instituições forma a identidade

do indivíduo e define as relações sociais e as formas de convivência, visando o equi-

líbrio, a ordem, a integração e sua própria sobrevivência. Todavia, a sociedade não é

estática, ao contrário, ela é dinâmica, está em constante transformação pela ação hu-

mana. Os exemplos na história de pessoas que influenciaram a sociedade são claros

nesse sentido: Ghandi, Jesus Cristo, Stalin, Hitler, Martin Luther King e tantos outros

líderes famosos ou anônimos, que também contribuíram para a formação da socieda-

de humana.

Vamos entender melhor como as relações e a interação entre os indivíduos

contribuem para a formação dos padrões sociais, dos hábitos e dos comportamentos

coletivos. As ações sociais bem-sucedidas tendem a ser imitadas e repetidas formando

padrões de comportamento.

A ação do indivíduo na sociedade

Max Weber (1864-1920), sociólogo alemão, se contrapõe à ideia do indivíduo

sendo formado pela sociedade e privilegia a ação do homem no seu meio. Sua preo-

cupação não estava na sociedade como um todo, nos grupos sociais e nas instituições,

mas centravam-se na ação do homem na sociedade. O comportamento do indivíduo

tem uma razão de ser, um sentido, uma motivação.

A ação social é o primeiro elemento da análise da sociedade, porque diz res-

peito à ação individual. Resulta de um conjunto complexo de ações sociais que têm

um significado, pois se pautam pela ação do outro. O comportamento do homem é

motivado, não só por seus interesses pessoais, valores e fins, mas orienta-se pela ex-

pectativa do comportamento dos outros homens com os quais convive. Nas palavras

e exemplos do próprio Max Weber:

A ação social (incluindo a tolerância ou omissão) orienta-se pela

ação de outros, que podem ser passadas, presentes ou esperadas

como futuras (vingança por ataques anteriores, réplica a ataques

presentes, medidas de defesa diante de ataques futuros). Os “outros”

podem ser individualizados e conhecidos ou então uma pluralida-

de de indivíduos indeterminados e completamente desconhecidos

(o dinheiro, por exemplo, significa um bem _de troca_ que o agente

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admite no comércio porque sua ação está orientada pela expecta-

tiva de que os outros muitos, embora indeterminados e desconheci-

dos, estarão dispostos também a aceita-lo, por sua vez, numa troca

futura). O choque de dois ciclistas, por exemplo, é um simples evento

como um fenômeno natural. Por outro lado, haveria uma ação so-

cial na tentativa dos ciclistas se desviarem, ou na briga ou conside-

ração amistosa subseqüentes ao choque. (WEBER, 1977, p.23)

Vale a pena esclarecer que ação social é comumente interpretada pelo senso

comum (conhecimento popular) como uma ação filantrópica, de caridade ou a “boa

ação” praticada na sociedade, mas no sentido sociológico, o conceito se amplia para

qualquer ato humano, mesmo os negativos, como um crime, por exemplo.

Weber estabeleceu vários tipos de ação social, de acordo com os sentidos pre-

dominantes, como é praticada. A seguir discriminados:

Tradicional � – baseada em hábitos e costumes sociais;

Afetiva � – ação motivada pelos sentimentos e emotividade de quem a pratica;

Racional � – ação orientada para um fim determinado;

Racional orientada por valores. � - determinada pela crença consciente num valor ético

próprio, numa conduta específica, sem relação com os resultados, baseada nos méritos

desse valor.

Para entendermos melhor esse assunto, vamos admitir como exemplo uma elei-

ção, onde os cidadãos vão escolher seus candidatos para representá-los no governo.

Tomando por base os tipos de ação social de Weber, podemos escolher afetivamente o

candidato, porque gostamos dele, achamos que faz uma boa figura, possui qualidades

atraentes que infundem confiança e/ou uma simpatia pessoal.

Numa segunda hipótese, podemos escolher o candidato porque tradicional-

mente estamos acostumados a votar naquele partido ou porque a nossa família vota

nele. Em outra situação, a escolha pode ser racional, visando valores, quando esco-

lhemos o candidato pautando-nos nas ideias, princípios e no programa apresentado.

Na última condição, a ação social visa a um fim especifico; escolhemos o candidato

racionalmente, porque ele nos prometeu um emprego caso seja eleito.

Assim sendo, como agimos na sociedade? O que nos faz ter um comportamen-

to padronizado e nos leva a fazer coisas, independente da nossa vontade?

Essas questões nos levam a compreender que os fatos sociais e as ações sociais

só podem ser analisados como situações coletivas e, portanto, suas causas e conse-

quências estão na própria organização da sociedade. A organização social determina

se numa sociedade as relações sociais fundamentais se voltam mais para o coletivo

ou mais para o individualismo, característica predominante da sociedade capitalista

moderna em que vivemos.

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As classes sociais

Agora, vejamos outra forma de entender a sociedade, diferentemente das vi-

sões anteriores. O cientista alemão Karl Marx (1818-1883), cuja obra principal é “O Ca-

pital”, foi o criador do socialismo científico. Analisando a sociedade capitalista, consi-

derou que a forma de ser e agir humana decorre de outro tipo de relações sociais.

A sociedade se estrutura e se organiza de acordo com as relações de produção,

ou seja, as condições materiais da sociedade. Em outras palavras, a sociedade se or-

ganiza pelas formas como o homem trabalha para garantir suas condições materiais,

para satisfazer as suas necessidades básicas e sua sobrevivência. Por isso, as teorias

de Marx são conhecidas pelas suas ideias materialistas, pois os homens garantem sua

sobrevivência e reprodução social, estabelecendo relações de trabalho na produção

de mercadorias.

Para ele, as relações sociais não formam a consciência dos homens, mas decor-

rem dos modos de produção, que determina a estrutura da sociedade em classes. As

relações de classe constituem o fundamento do estudo da sociedade.

Diante disso, o que significa classe social? Por que a classe social estrutura a

sociedade e a nossa forma de pensar e agir? Marx nos fornece as explicações para o

entendimento da sociedade capitalista de classes.

Segundo Marx, classe social é o grupo de indivíduos que ocupam a mesma

posição na estrutura social pela quantidade do capital acumulado. A relação de classe

se define pela propriedade dos meios de produção. Por um lado, os indivíduos que

possuem os meios de produção: terra, capital, instrumentos, máquinas, recursos natu-

rais, matéria prima e, por outro, quem não os tem, dispondo apenas da sua condição

de trabalhador, a força de seu próprio trabalho.

Marx considera que as relações de produção são a raiz de toda a estrutura so-

cial. A igualdade natural entre os homens, defendida pelo liberalismo, não é real, como

visto nas duas concepções anteriores. A sociedade capitalista tem a desigualdade

como sua característica principal. Isso quer dizer que o produto do trabalho humano

não é dividido por todos igualmente. A riqueza fica restrita a um pequeno grupo que

controla e domina os meios de produção na sociedade.

Em outras palavras, formam-se duas classes de pessoas: as que possuem os

meios de produção e as que não possuem. No primeiro caso, estão os capitalistas, de-

tentores dos meios de produção - recursos naturais e ferramentas - portanto, o capital,

ou seja, a riqueza. No segundo caso, estão os trabalhadores que não possuem o capi-

tal e, portanto, têm que vender a sua força de trabalho para sua própria sobrevivência,

em troca do que conhecemos por salário.

Para ele, capitalistas e trabalhadores são classes sociais que vivem em perma-

nente conflito1. Os capitalistas querem o maior rendimento possível do capital, por

isso submetem e exploram os trabalhadores, os dominadores; na teoria marxista, os

trabalhadores, são os dominados.

O modo de produção determina a vida social, a política, as ideias, enfim, a cons-1 Para entender mais sobre conflito social, classe social, exploração e dominação de classe social leiam o Manifesto do Partido

Comunista de K. Marx e F. Engels.

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ciência dos indivíduos. A classe a que pertencemos condiciona a nossa atuação social.

Nas palavras do próprio Marx:

Não é a consciência social que determina o ser social, mas ao con-

trário, o seu ser social que determina sua consciência. [...]

[...] portanto as relações que fazem de determinada classe a classe

dominante são, também, as que conferem o papel dominante às

suas idéias. (MARX; ENGELS, 1978, p. 48-50).

Vejamos alguns exemplos: patrão e empregado eram amigos, mas num dado

momento, quando ocorre uma greve e o conflito entre as classes se estabelecem, eles

ficam em lados opostos. Um bom exemplo desses conflitos você pode ver no filme

“Daens: um grito de justiça”, que pode ser encontrado nas locadores ou mesmo na

internet. Trata-se da luta de um padre - Daens - na Bélgica do final do Século XIX em

direção a uma sociedade menos injusta. Nele, você pode conhecer aspectos da revo-

lução industrial e das condições dos trabalhadores daquela época, o início de partidos

políticos, as estratégias de exploração defendidas pelas classes dominantes, o papel

da Igreja católica, e a luta de classes, o avanço do sufrágio universal e outras condições

sociais de conflito.

A classe dominante exerce influência na tomada de decisões políticas e econô-

micas do país. Os hábitos, costumes e modo de vestir dos ricos são imitados por todos.

Na nossa realidade, o fator econômico ainda persiste como principal determinante

para a estratificação da sociedade em classes sociais e a formação das diferenças e

desigualdades sociais.

Marx considera que o conflito de classes na sociedade capitalista é permanente

e só será superado com a eliminação de uma das classes em luta. A superação será

caracterizada com a mudança, a transformação da sociedade capitalista para a socie-

dade socialista sem classes, onde todos são iguais. Marx preconizava uma sociedade

igualitária, sem diferenças sociais. Na sociedade socialista, não deve existir a proprie-

dade dos meios de produção nas mãos de poucos, a classe dominante, os ricos, em

detrimento da maioria da população, a classe trabalhadora. A propriedade dos meios

de produção, para ele, deve ser, portanto, coletiva.

A estratificação da sociedade atual é diferente da definida por Marx, pois envol-

ve várias camadas sociais que se diferenciam pela renda pessoal ou familiar, classifica-

da pelo salário mínimo vigente do país, os bens de consumo, o prestígio e o poder.

No Brasil os institutos de pesquisa, costumam dividir a sociedade por letras,

partindo do A, o estrato mais alto da estrutura social, correspondente aos ricos, pas-

sando pelos estratos intermediários, as classes médias que são identificadas como

classes B e C e os estratos de renda mais baixos na hierarquia social, as classes D e E.

No quadro a seguir2, temos uma visão das classes sociais no Brasil, estratificadas pelo

2 Dados extraídos do IBGE do blogdocelsojardimblogspot. O salário mínimo referente corresponde a R$510,00.

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salário mínimo e pela renda familiar.

Classe social Faixa salarial (SM) Renda familiar

A acima de 20 acima de R$10.200,00

B 10 a 20 R$5.100 a R$10.200,00

C 4 a 10 . R$2.040,00 a R$5.100,00

D 2 a 4 R$1.020,00 a R$2.040,00

E menos de 2 s.m. Menos de R$1.020,00Quadro 1- Classes sociais no Brasil por Renda Familiar em Salário Mínimo.

Fonte: IBGE

Então, algumas questões podem ser estabelecidas: a sociedade de classes, uma

vez estabelecida, não sofre alterações? E como elas ocorrem e se caracterizam?

Vimos que algumas correntes para o conhecimento da sociedade e de suas re-

lações sociais. As duas primeiras enfatizam a organização da sociedade pela manuten-

ção da ordem, do equilíbrio e da estabilidade social. O homem age na sociedade se-

guindo padrões de comportamento, e o consenso. Já a corrente preconizada por Marx

admite que esse equilíbrio é precário e que as classes sociais, estando em permanente

conflito de interesses, são passíveis de transformações e mudanças. Na realidade, uma

e outra se alternam e o equilíbrio e o conflito estão sempre presentes na sociedade.

Conhecer a sociedade, suas características, significa entender a forma de trans-

missão e assimilação dos padrões de comportamento, normas, valores e ideias predo-

minantes. Através da socialização, distinguem-se sociedades e grupos sociais. A so-

cialização é responsável pela formação da cultura, da identidade dos indivíduos e da

sociedade, conhecimento fundamental que ampliaremos a partir das próximas aulas.

É necessário buscarmos agora a importância das raças no processo de socialização do

País e a forma como essas minorias sociais se estruturaram em nossa sociedade.

minorias sociais

A Constituição do Brasil em seu Artigo 153, § 1º assim reza: “Todos são iguais

perante a lei, sem distinção de sexo, trabalho, credo religioso e convicções políticas.

Será punido pela lei ou preconceito de raça” (BRASIL, 1988). Atualmente, na maioria

das nações modernas, o igualitarismo é apresentado como um ideal. Sabe-se que este

ideal permanece e está longe de se tornar realidade. Contudo, tempo houve em que

a desigualdade era defendida como um valor. O cristianismo medieval, por exemplo,

não obstante a doutrina igualitarista evangélica primitiva, não hesitava em ver nas

classes sociais uma disposição fixa e imutável ditada pela vontade divina. Mais incisiva

ainda era a posição do hinduísmo tradicional com o seu sistema de castas, onde ascen-

são social só poderia dar-se através da reencarnação.

Minorias Sociais é a expressão usada para identificar determinados grupos so-

ciais que apresentam características e problemas específicos. Por exemplo, são discri-

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minados, rejeitados e sujeitos a toda sorte de violência e abandono. Mulheres, me-

nores, idosos, negros, índios, homossexuais, deficientes físicos e outros grupos fazem

parte das minorias sociais. Sofrem, de várias formas, a discriminação e a violência por

parte da sociedade. Os pretos e os mulatos, por exemplo, que, em sua maioria, perten-

cem às classes mais pobres, sofrem ainda outras pressões sociais em função de sua cor:

são preteridos no emprego, impedidos de entrar em determinados lugares, às vezes

mal vistos na escola, etc.

Os problemas que afetam especificamente as camadas das minorias sociais re-

velam realidades profundas da nossa vida social, que têm permanecido encobertas

ao longo do tempo como o preconceito social e racial, a discriminação e a violência

contra pessoas e grupos em função de sua condição social, sexo, raça, religião, tradição

cultural, etc. Tem sido costume nosso negar a existência de qualquer forma de racismo

ou discriminação. As elites sociais e intelectuais e os governos sempre afirmaram que

o Brasil é uma democracia racial e que aqui não existe o preconceito racial como existe

em outros países reconhecidamente racistas. Um dos argumentos que apoiam essa

afirmação é o de que a legislação brasileira garante a plena igualdade política e jurídi-

ca dos cidadãos. Quer dizer, todos são iguais, têm os mesmos direitos perante a lei.

É evidente que esta posição não é totalmente verdadeira. Não faz muito tempo,

nos anos da ditadura militar, ouvia-se de algumas autoridades a seguinte afirmação:

“todos são iguais diante da lei, mas, cada macaco no seu galho”. Essa é a questão. Não

basta que a lei proíba a discriminação. É preciso que a sociedade não a pratique.

Algumas das chamadas minorias sociais, na verdade, não são minorias. As mu-

lheres, por exemplo, já são mais numerosas do que os homens na composição da po-

pulação brasileira. Também os negros e os mulatos formam um grupo numeroso: são

aproximadamente 45% do total da população, conforme Censo Demográfico 2010

(IBGE).

Os dados estatísticos disponibilizados indicam para um agudo quadro de desigual-

dade entre os grupos raciais que compõem a sociedade brasileira. O modelo de relações

raciais no Brasil concretiza, em toda a sociedade, um tipo de separação amparada nos

preconceitos e nos estereótipos, disseminados e sustentados pelas instituições sociais,

dentre as quais a escola, segundo o Relatório de Gestão da SECAD, 2004.

SínteSe

Vimos, nesta aula, o que caracteriza a sociedade dos homens, como eles inte-

ragem e como se dão as relações sociais. A influência da sociedade sobre o indivíduo

na formação de valores, hábitos e costumes condicionando seu comportamento. Em

contrapartida, vimos os diversos tipos de ações sociais e como elas podem influenciar

a conduta humana. A sociedade se modifica e se constrói pela ação humana, não sen-

do, portanto, homogênea, se estrutura em classes sociais e reflete um grande conflito

de interesses na sociedade. Vimos também as minorias sociais, como grupos com ca-

racterísticas próprias, são tratadas em geral de forma discriminatória.

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QUeStãO paRa ReflexãO

A realidade das classes retratada por Marx pode ser considerada atual? As di-

ferenças ainda persistem no nosso tempo e em nosso país? Como a ação social pode

provocar mudanças na realidade de desigualdade e injustiças sociais que enfrentamos

no nosso país? Como se deu o processo de interação das minorias sociais? A cor pode

explicar a variação encontrada nos níveis de renda, educação, saúde, moradia, trabalho,

lazer e violência na população afrodescentes? O racismo representa o elemento que tem

determinado as desigualdades entre negros, afrodescentes e brancos na sociedade brasi-

leira?

leItURaS IndIcadaS

COSTA, Cristina. Sociologia. Introdução a ciência da sociedade. 2. ed. São Paulo: Moderna,1997.

MARX, Karl; ENGELS, Frederich. Manifesto do Partido Comunista. In: Manuscritos econômicos e filosófi-

cos e outros textos escolhidos. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

SIteS IndIcadOS

Para conhecer um pouco mais sobre o que é sociologia, acesse:

www.youtube.com/watch?v=4tLRDjza0qQ

www.revistascienciaevida.com.br/sociologia

www.portal.educação.com.br

www.mundoeducação.com.br/sociologia

www.abpn.org.br

RefeRêncIaS

BRASIL. Constituição (1988), Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado

Federal, 1988.

COSTA, Cristina. Sociologia: Introdução à ciência da sociedade. 2. ed. São Paulo: Moderna,1997.

DURKHEIM, Emile. As regras do método sociológico. 4. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1966.

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FERREIRA, Delson. Manual de sociologia: dos clássicos à sociedade da informação. 2. ed. São Paulo: Atlas,

2003.

FORACCHI, Marialice Mencarini; MARTINS, José de Souza. Sociologia e sociedade: leituras de introdução a

sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 1977.

IBGE. Classes sociais no Brasil por Renda Familiar em Salário Mínimo. Disponível em: <www.ibge.gov.

br>. Acesso em: dez.2010.

MARX, Karl; ENGELS, Frederich. Manifesto do Partido Comunista. In: Cartas Filosóficas e outros escritos,

São Paulo: Grijalbo, 1977.

NOVA, Sebastião Vila. Introdução à Sociologia. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1999.

RELATÓRIO DE GESTÃO VERSÃO FINAL DA SECAD 2004 - WWW. Portal.mec.gov.br/ 2004.

TOMAZI, Nelson Dacio (coord.). Iniciação à sociologia. São Paulo: Atual,1993.

WEBER, Max. A ação social e relação social. In: FORACCHI, Marialice Mencarini; MARTINS, José de Souza.

sociologia e sociedade; leituras de introdução à sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 1977.p.23

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auLa 02- cuLtura E sociEDaDE

Autora: Sônia Bandeira Cerqueira

“Ó ôi ouve essas fontes murmurantes

Ôi onde eu mato minha sede

E onde a lua vem brincar

Ôi esse Brasil lindo e trigueiro

É o meu Brasil brasileiro

Terra de samba e pandeiro

Brasil! Brasil! ” Ari Barroso.Aquarela do Brasil.

Olá!

Esta é a nossa segunda aula. Vamos dar continuidade à compreensão da socie-

dade e das relações sociais existentes nela. Os padrões sociais e, consequentemente, a

estrutura e a identidade de um país, de um povo e do homem se formam a partir das

relações entre cultura e sociedade que vamos conhecer nesta aula.

Todos estão interessados em ter cultura, aprofundar a cultura que temos e co-

nhecer novas culturas. A cultura está em toda parte, em nosso cotidiano, na televisão,

nas propagandas, na política, nos jornais, nas conversas.

Mas de que cultura está se falando? O termo cultura tem vários significados e

dimensões. Nesta aula, vamos conhecer alguns desses conceitos, principalmente a sua

dimensão antropológica e sociológica.

Nosso objetivo nesta aula é identificar as relações sociais que se estabelecem

entre cultura e sociedade, entendendo como a cultura se forma e se diferencia, cons-

tituindo as características básicas e a identidade de um grupo social, uma sociedade,

um povo, um país.

Vimos na aula passada que a sociedade é construída na interação dos indiví-

duos que criam padrões sociais, valores, normas, leis, hábitos e costumes para a or-

ganização e preservação da sociedade. Os padrões sociais constituem as formas de

conduta humana que são preservadas e transmitidas de geração a geração, e isso é o

que conhecemos como cultura.

Inicialmente, podemos distinguir alguns conceitos de cultura1 que se relacio-

nam com o senso comum. Costuma-se considerar o termo cultura sinônimo de co-

nhecimento adquirido. Fala-se que uma pessoa tem cultura quando demonstra uma

1 Para conhecer os diversos significados da palavra, cultura, ver: Dicionário Básico da Língua Portuguesa de Aurélio Buarque de

Holanda. São Paulo: Editora Nova Fronteira, 1995.

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grande soma de conhecimentos, saber variado ou erudição. É comum se dizer “fulano

tem cultura” ou “fulano não tem cultura”. Esse saber está, em geral, ligado ao conheci-

mento das artes, filosofia, e independe da escolaridade do indivíduo, porém, nem só

os intelectuais, artistas, professores e os profissionais de formação superior têm cultu-

ra. Todas as pessoas, como o comerciante, o operário e os outros profissionais, que não

possuem nível universitário, possuem algum tipo de cultura.

Outra utilização para o termo cultura está ligada à agricultura, referindo-se à

determinada produção agrícola. A cultura do algodão, milho, café, trigo etc. Cultura

também se refere à criação de microorganismos em laboratório como a cultura de

bactérias. Aqui nos interessa o significado sociológico.

Cultura é tudo que resulta da criação humana. Estamos falando tanto de ideias

quanto de coisas materiais, objetos e artefatos produzidos pelo homem para dominar

a natureza e satisfazer as suas necessidades de sobrevivência. Edward B. Taylor (1832-

1917), antropólogo inglês, foi quem primeiro definiu cultura em seu livro Cultura Pri-

mitiva, da seguinte forma: “Cultura é todo o complexo que inclui o conhecimento, as cren-

ças, a arte, a moral, a lei, os costumes, e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelo

homem como membro da sociedade.” (TAYLOR ?, apud RUMNEY, MAIER, 1963, p. 98)

As ações humanas e as situações regulares que ocorrem nas sociedades criam

padrões de comportamento. Mas, nesse sentido, ainda podemos fazer uma distinção

entre o padrão de comportamento dos homens com o de outros animais. Ainda que

alguns animais tenham comportamento sistemático, regular ou vivam em comuni-

dades, não formam culturas, transmitem ensinamentos e seu comportamento não é

mutável no tempo e no espaço.

Os comportamentos humanos não são os mesmos de dez anos atrás e nem

iguais em todas as partes do mundo. Os padrões de comportamento dos animais são

transmitidos geneticamente, de forma biológica, pela natureza, enquanto os padrões

de comportamento do homem são transmitidos artificialmente pelo próprio homem.

Por isso, dizemos que só o homem cria cultura.

Dessa forma, podemos identificar que toda a realidade é construída na socie-

dade e no grupo social onde o homem está inserido, assim, costuma-se dizer que o

homem é produto da sociedade e do meio em que vive: na família, na vizinhança, na

escola, no trabalho, etc. A cultura resulta desse convívio humano, das suas relações

sociais, sua interação com os outros homens e representa um modo de vida de um

povo.

As normas e as regras que resultam do convívio humano, da interação social, e

formam a cultura são formas de controle social. Servem para indicar a forma correta

ou convencional de impor limites ao comportamento humano. Existem para a manu-

tenção da ordem estabelecida, para nos dar limites e, em caso de desobediência, nos

impor sanções e punições. A sociedade dita regras e normas através das leis de um

país. Portanto, as leis nascem das necessidades da sociedade.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 é a nossa lei maior. Isto é, organiza e

controla toda a sociedade, os grupos sociais e as instituições existentes. As demais

leis, como o Estatuto do Idoso, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Código de

Transito, Código de Defesa do Consumidor, entre outras, são leis complementares e

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específicas para cada situação e segmento da sociedade.

Podemos então afirmar que todas as pessoas e todos os povos têm cultura,

pois todos têm regras e normas de convivência. Não importa o estágio de desenvol-

vimento em que se encontram, desde a tribo primitiva, à sociedade contemporânea,

urbano-industrial complexa e diversificada. É comum dizer-se que um grupo primitivo

não tem cultura. Isto está errado; pois as pessoas, mesmo que não sejam alfabetizadas,

que não tenham costumes civilizados, têm uma forma de se comunicar entre si, uma

linguagem comum, hábitos, leis e costumes consolidados, utensílios e forma de mora-

dia própria, enfim sua própria cultura.

Então, como o homem cria a cultura? Como acontece a formação da cultura de

um lugar ou de um país?

Vamos agora entender um pouco mais sobre cultura. O homem adquire cultura

pela socialização. A conduta humana é padronizada através da comunicação simbóli-

ca, adquirida pela socialização.

Socialização

Socialização é a transmissão e assimilação dos padrões de comportamento,

normas, valores e crenças, bem como, o desenvolvimento de atitudes e sentimentos

coletivos. É o processo social pelo qual o homem constrói a sua identidade. Quando

nascemos os nossos pais nos ensinam a falar, andar, brincar e as primeiras regras de

convivência humana, como se comportar em sociedade; é a nossa primeira socializa-

ção.

A comunicação se faz através de símbolos. Os símbolos são a língua que fala-

mos, os gestos, a cor, o cheiro, os movimentos, um objeto material, as logomarcas, os

sinais de trânsito, qualquer coisa a que atribuímos um valor ou um significado.

Você já pensou como é a comunicação atualmente? O que isso tem a ver com o

que estamos vendo nesta aula?

Figura 1 - Redes Sociais

Fonte: Criação www.sxc.hu

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As redes sociais são atualmente um exemplo marcante de socialização e comu-

nicação simbólica. Os sites de relacionamento aproximam pessoas em todo mundo,

possibilitam compras, conhecimento, a troca intensa de informações sendo uma for-

ma de socialização, de assimilação e transmissão de cultura. Por outro lado, a comu-

nicação escrita e a linguagem nesses sites são abreviadas e cifradas, com a utilização

farta de símbolos que comunicam uma ideia ou frases inteiras.

Então, podemos dizer que a cultura é o conjunto de comportamentos, crenças,

atitudes e valores, espirituais e materiais, compartilhados por grupos sociais, ou seja,

tudo que resulta da criação humana, desenvolvida na interação. Resultam do trabalho

humano de transformação da natureza para a satisfação de suas necessidades. É o

próprio modo de convívio que o homem estabelece com seus semelhantes, visando

se adaptar ao meio em que vive.

Segundo Prestes Mota e Caldas (1997, p. 16): “Cultura é a adaptação em si, é a

forma pela qual uma comunidade define seu perfil em função da necessidade de adapta-

ção ao meio ambiente”.

O comportamento humano é mutável no tempo e no espaço, portanto a cul-

tura é dinâmica, acompanha as modificações da sociedade. Nós estamos sempre nos

socializando e a cultura é permanente. Podemos dizer que a socialização é uma forma

de aprendizagem, em suma, de educação. É através dela que o indivíduo constrói sua

personalidade, passando a ser admitido na sociedade.

A cultura é passada de geração para geração. Depois que aprendemos os pa-

drões culturais da sociedade em que vivemos com os nossos pais, a família, passamos à

segunda forma de socialização, que é a escola, e assim sucessivamente, somos depois

socializados pelos amigos, o trabalho e as instituições: a igreja, o governo, as empre-

sas, os meios de comunicação. Cada vez que ingressamos em um novo grupo social ou

em outra sociedade, temos de assimilar novos valores próprios daquele grupo social.

A pessoa que ingressa numa profissão, numa nova religião, tem de adquirir os

comportamentos, atitudes e responsabilidades que a identifique com o grupo do qual

está fazendo parte. Caso contrário, poderá sofrer discriminação ou não ser aceito pelos

outros membros.

A cultura se diferencia também pelo tamanho e pelo grau de complexidade da

sociedade. Nas sociedades mais simples, como nas cidades pequenas ou no campo, a

cultura é mais homogênea, enquanto que, nas maiores e mais complexas, a cultura é

mais diferenciada.

Encontramos vários grupos com culturas diferentes. É o que chamamos de sub-

cultura. Uma cultura maior abrange outras culturas menores e específicas. É a subcul-

tura uma parte da cultura mais ampla e não deve ser confundida com uma cultura

inferior. Preste atenção aos grupos religiosos. Eles têm um sistema de valores, cren-

ças, hábitos e até podem se vestir de forma diferente, têm uma cultura própria, uma

subcultura, mas não deixam de ser brasileiros ou baianos, por terem traços culturais

próprios da cultura mais ampla.

Você já pensou se as organizações também têm uma cultura?

Experimente ver como acontece a identidade da empresa onde você trabalha.

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Todas as organizações têm uma cultura, aquilo que lhes dá uma identidade e que as

faz serem diferentes das demais, mesmo que seja do próprio ramo de atividades. Ve-

jamos a situação dos bancos. Eles têm a mesma finalidade, lidam com clientes, estão

sujeitos às mesmas normas de organização e funcionamento ditadas pelas leis do país;

no entanto os bancos são diferentes uns dos outros, têm uma identidade própria. É

a sua forma de trabalhar, sua história, suas práticas, em outras palavras, sua cultura

organizacional.

Continuando nossa aula, você sabe agora o que são os traços culturais?

São as características que identificam uma dada sociedade, por exemplo as tra-

dições, as danças, as músicas, as comidas, os objetos e até o cheiro e o sabor. Dizem

que a Bahia tem cheiro de mar e acarajé. Em geral, são elementos que dão visibilidade

e identidade a um grupo, povo ou país. Na figura, a seguir, vemos uma série de coisas

e artefatos que caracterizam a cultura da Bahia, como frutas, temperos próprios da

culinária baiana, panelas de barro e figuras religiosas.

Feira das Sete Portas. Salvador, Bahia.

Figura 2: Coisas típicas da Bahia

Fonte: www.sxc.hu

Você já pensou quais seriam os traços culturais do povo da Bahia? O baiano gos-

ta de festas, é alegre, gosta de fazer amizade é um povo hospitaleiro. Dorival Caymmi,

Caetano e Gil popularizaram que o baiano fala devagar e é meio preguiçoso. Isso são

traços culturais. Você concorda? Na realidade, os traços culturais tendem, também, a

serem exagerados, formando estereótipos.

Estereótipos são imagens preconcebidas de determinada pessoa,

coisa ou situação. São usados principalmente para definir e limitar

pessoas ou grupo de pessoas na sociedade. Sua aceitação é ampla

e culturalmente difundida sendo um grande motivador de precon-

ceito e discriminação. Conceito infundado sobre um determinado

grupo social, atribuindo a todos os seres desse grupo uma carac-

terística, freqüentemente depreciativa; modelo irrefletido, imagem

preconcebida e sem fundamento. Fonte: pt.wikipédia.org/wiki

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O estereótipo também é muito usado no humorismo como manifestação de

racismo, machismo e homofobia. Observe os programas de humor da televisão brasi-

leira, em que são inúmeros os personagens estereotipados e caricaturados.

Cultura de massa, cultura popular e indústria cultural

O tema cultura envolve ainda outras distinções importantes. Falamos com fre-

quência de cultura popular. A cultura ligada ao povo, às tradições, diferentemente de

uma cultura erudita que pressupõe o conhecimento científico. É uma subcultura em

que os padrões tradicionais predominam. Identificam-se com a forma de viver, as prá-

ticas das pessoas simples, do meio rural.

No interior do Brasil, tratam-se muitas doenças com folhas e chás, é a medicação

popular. As medidas de cumprimento e peso seguem uma linguagem regionalizada;

temos a tarefa, légua, braça, arroba a depender do lugar. Vemos também a cultura po-

pular nas linguagens regionais, nas festas populares e nas manifestações religiosas.

A cultura de massa já é diferente, embora se refira também à cultura do povo.

Trata-se da cultura difundida pela indústria cultural, os meios de comunicação, a mí-

dia, rádio, jornais, cinema, televisão. Refere-se, sobretudo a aspectos superficiais do

lazer, do gosto artístico e do vestuário. Nesse aspecto, podemos identificar o futebol,

o carnaval e as festas juninas como as manifestações mais expressivas da cultura de

massa no Brasil.

Agora que entendemos o significado de cultura, vamos aprofundar mais a

questão, conhecendo os processos sociais que mudam a sociedade e se identificam

com a cultura.

Processos Culturais

O primeiro processo social de mudança é conhecido como etnocentrismo,

que é uma tendência de julgar as outras culturas, a partir da perspectiva dos valo-

res da sua própria cultura. Consideramos que o que não é conhecido, é diferente do

nosso, então não serve, não é certo. Por conta desse sentimento, há uma rejeição ao

diferente, que passa a ser o outro. Na realidade, queremos ser iguais, aceitamos e nos

reconhecemos em pessoas semelhantes, com os mesmos hábitos e valores. A partir

daí, os preconceitos se arraigaram contra os negros, os pobres, os índios, os gays, os

imigrantes, os estrangeiros.

Os exemplos desse processo cultural são inúmeros e de amplo conhecimento.

O europeu colonizador, em todas as regiões conquistadas, reconhecendo sua própria

cultura como central, portanto superior, subjugou a cultura dos dominados, desen-

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volvendo preconceitos contra os povos colonizados. Os nazistas se consideravam de

uma etnia (raça) superior, os arianos e, por conta disso, discriminaram e promoveram

a eliminação principalmente dos judeus, mas também dos ciganos e eslavos que con-

sideraram povos de raças inferiores.

Outro processo de mudança cultural refere-se à aculturação, que consiste

na fusão de culturas, através da troca de padrões e da influência mútua entre modos

de vida. Na realidade, constrói-se uma a cultura nova, embora uma prevaleça mais

sobre a outra.

Os índios brasileiros foram aculturados. Tiveram que ser socializados pelos jesu-

ítas, mesmo contra sua vontade, para assimilarem os padrões culturais do colonizador

português. O mesmo aconteceu com os negros que vieram como escravos da África. A

aculturação muitas vezes oferece tensões e conflitos principalmente quando forçada

como no caso dos índios e negros.

O cultivo de muitas frutas, legumes e raízes, que nos foram legadas pelos índios,

como a mandioca. As culinárias indígenas e africanas contribuíram muito para os nos-

sos pratos típicos, principalmente do Norte e Nordeste.

Figura 3: Indios

Fonte: Agência Brasil - http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Two_Pataxo_indians_%28Bras%C3%ADlia,_04_

April_2006%29.jpeg?uselang=pt-br

Na aculturação, acontece a influência mútua de culturas. Absorve-se um pou-

co de cada. Os índios e os negros legaram à cultura brasileira muito de sua cultura na

música, na culinária, nos utensílios, nas roupas, nos hábitos, nos costumes, nas danças

e outros. Os negros para terem liberdade de praticar sua religião tiveram de mesclar

suas divindades, os orixás, com os santos católicos num processo conhecido como sin-

cretismo religioso. Assim, a cada orixá corresponde um santo católico. A seguir alguns

exemplos:

Oxalá - Sr. do Bonfim �

Yemanjá - Nossa Senhora da Conceição �

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Exu - o diabo �

Iansã - Sta. Barbara �

Omolu - São Lázaro �

Ogum - Sto. Antonio �

Figura 4. Orixá da Bahia.

Fonte: www.sxc.hu

Os orixás fazem parte da cultura da Bahia mesmo que não nos identifiquemos

com o candomblé. Podemos observar no Dique do Tororó as estátuas dos orixás que

fazem parte do roteiro turístico da cidade, pois estão incorporados a nossa cultura.

Cultura Brasileira

O processo de aculturação muitas vezes é positivo, pois o modo de vida de um

povo pode resultar da fusão de várias culturas. É o caso da cultura brasileira. Essa é o

resultado de várias culturas, particularmente a ibérica. Esse processo de síntese da cul-

tura ibérica foi estudado muito por Gilberto Freire nos seus livros, que se constituem

clássicos para o entendimento da nossa cultura como Casa Grande e Senzala, Sobrados

e Mocambos.

Os colonizadores tiveram também a participação do índio e do negro, comple-

mentando o tripé da formação da matriz da cultura brasileira. Posteriormente, a partir

da cultura do café e da industrialização brasileira, vieram os imigrantes europeus que

completaram o caldeirão cultural de formação do Brasil. Estas três raças, o branco, o

negro e o índio se misturaram em proporções diversas e dando origem a várias sub-

culturas no Brasil.

No Norte, a influência da matriz indígena foi mais forte na formação do cabo-

clo. No Nordeste e Centro-Oeste, as três influências são mais equilibradas, formando

o sertanejo. Em Minas e São Paulo, predomina a cultura caipira, de origem mais por-

tuguesa, acrescida em São Paulo, pelos imigrantes, principalmente os italianos. No Sul

e no Sudeste, as matrizes de origem se somam a outros traços culturais dos europeus

e asiáticos que colonizaram a região, identificando-se com uma cultura mais de “grin-

gos”, mas ainda assim, bem brasileira.

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O antropólogo Roberto Da Matta, em seu livro, O que faz o Brasil, Brasil? nos

questiona a respeito do que é ser brasileiro do ponto de vista cultural e fornece algu-

mas respostas interessantes que vale a pena conferir.

O Brasil com B maiúsculo é algo muito mais complexo. É o país, cul-

tura, local geográfico, fronteira e território reconhecido internacio-

nalmente e também casa, pedaço de chão calçado com o calor de

nossos corpos, lar, memória e consciência do lugar com o qual se

tem uma ligação especial, única, totalmente sagrada. (DA MATTA,

1986, p. 11-12).

Prestes Motta (1997) afirma que herdamos uma tendência à centralização do

poder, nos grupos sociais. Considera que existe uma busca de proximidade e paterna-

lismo nas relações sociais, visíveis na esfera política, com um jeito malandro de ser, per-

sonificado no “jeitinho brasileiro” e na expressão, “sabe quem eu sou?”. Essas situações

ficam impregnadas no nosso convívio, na facilidade de adaptação e de navegação so-

cial ou articulação entre as classes e grupos sociais que nos caracteriza.

A sociedade brasileira é toda uma mistura que se traduz em traços culturais

fortes que fazem um país muito diversificado, a um só tempo moderno e tradicional,

mas que conserva traços que são unificadores e identificam uma cultura própria, uma

cultura nacional.

A sociedade não é fechada, ocorrem mudanças sociais de origem interna ou

externa que alteram a estrutura social e provocam o movimento dos indivíduos entre

as classes. A cultura é responsável pela compreensão de muitas mudanças sociais. A

mudança e a mobilidade social estão presentes nas relações e na organização social.

A formação da sociedade cultural brasileira também advém das relações entre

as raças e a forma como elas interagem, como veremos a seguir.

rELaçÕEs Étnico-raciais

Observamos, na aula passada, que, em nossa sociedade, os grupos raciais e ét-

nicos constituem importantes elementos, porém muitos problemas sociais emergem

dessa relação.

O sociólogo Ely Chinoy afirma que o fato de ser membro de grupos raciais e

étnicos pode influir no status dos homens e em suas relações com os outros. A cor da

pele e/ou traços culturais distintos situam frequentemente os homens em sua socie-

dade e constituem elementos para diferenças de tratamento ou discriminação.

Ao analisarmos os padrões de relações de grupos étnicos, percebemos que,

muitas vezes, são marcados por conflitos e violência. Isso ocorre em função das dife-

renças entre os grupos. Alguns deles, geralmente os mais frágeis, para evitar situações

conflituosas, passam a se resguardar principalmente na execução de suas característi-

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cas culturais, como a dança, música, religião etc.

Na história da humanidade, temos vários exemplos de violência que as mino-

rias raciais vivenciaram, algumas brutais como o assassinato em massa de milhões de

judeus pelos alemães, no comando de Hitler, durante a 2ª guerra mundial. Na união

Sul-Africana, o Partido Nacionalista adotou uma política de apartheid ou “desenvolvi-

mento separado”, que consiste na segregação compulsória das raças sob a dominação

branca.

Muitos tipos de circunstâncias influem na estrutura das relações de grupos ét-

nicos, três das quais merecem revestir-se de particular importância: a primeira, o nú-

mero e tamanho dos vários grupos; a segunda, a natureza e extensão das diferenças,

quer físicas, quer culturais, e a terceira a “ arena de competição”, isto é, os recursos e

valores pelos quais competem a minoria e a maioria, as vantagens que a maioria pro-

cura auferir da presença da minoria e da perpetuação de seu status subordinado as

oportunidades ou barreiras gerais para a mobilidade inerente ao cenário da economia,

da organização e da ideologia de uma sociedade maior (CHINOY, 1993).

Nesse panorama apresentado por Chinoy em seu livro A problemática dos gru-

pos minoritários, quando vários grupos étnicos estão inseridos numa única sociedade,

emerge uma complexa hierarquia, na qual cada raça pode ocupar uma posição social

diferente. O que prevalece, nessa relação, são a natureza e a extensão das diferenças

entre as raças e a forma inevitável como reagem entre si.

rELaçÕEs Étnico-raciais no BrasiL

O Brasil é símbolo cultural de diversidade racial, todavia, estamos longe de

apresentar uma sociedade igualitária em oportunidades para as demais raças, princi-

palmente o negro e o índio.

As características raciais não são ignoradas, mas elas, por si mesmas, não deter-

minam o status nem a posição de classe do indivíduo. Certamente, há em nosso País

uma aparente confusão entre a identificação da raça e a sua posição de classe.

Donald Pierson (1955) afirma que, comumente, é colocado em certas regiões

que o negro rico é branco e o branco pobre é negro. Numa análise de 500 pessoas na

cidade de Salvador, por exemplo, todas oficialmente classificadas como brancas, Pier-

son descobriu que uma grande parte dos entrevistados possuía óbvias características

da raça negra.

Apesar da relação racial colocada por Pierson (1955), ligada à posição de classe,

a população negra e a indígena ocupam posições inferiores em relação aos brancos.

A maior parte da classe alta e média é branca. Esse fato advém da história do País, de

uma economia estagnada ao longo dos anos, mas também de uma relação étnica ra-

cial desigual e castradora de oportunidade para as minorias.

Atualmente, visando promover a igualdade racial e amenizar profundas lacu-

nas proporcionadas por anos de escravidão e discriminação racial, o governo vem

adotando, além de políticas públicas, ações em prol das relações étnico-raciais, como

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a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino da História e

Cultura Africana e Afro-Brasileira, e para a Educação Étnico-Racial, conforme a Lei nº

10.639/2003 e a Lei nº 11.645/2008.

A referida Lei nº 10.639/2003 estabelece o estudo da História da África e dos

Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação

da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, eco-

nômica e política, aspectos pertinentes à História do Brasil.

Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados

no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística,

Literatura e História Brasileiras. Ainda acrescenta a Lei o Dia da Consciência Negra no

calendário Escolar.

Segundo o Parecer CNE/CP (3/2004; 16), as pedagogias de combate ao racismo

e as discriminações têm como objetivos fortalecer a raça entre os negros, para que se

orgulhem da sua origem africana, e despertar entre os brancos a importância da raça

negra no processo de formação da sociedade brasileira.

SínteSe

Nesta aula, vimos o que é cultura nos seus vários significados. Como a cultura se

transforma em normas, regras e leis que nos dão, limites e identidade. Vimos, também,

os processos sociais de formação da cultura, como a socialização, aculturação e etno-

centrismo, que são fundamentalmente mudanças socioculturais. A formação da socie-

dade brasileira e os traços culturais que nos dão identidade que nos fazem perceber

que fazemos parte de uma cultura mais ampla, que nos dão identidade, uma cultura

nacional. Observamos também os principais tópicos que cercam as relações étnico-

raciais e quais os indicadores que geram a discriminação nas relações étnico-raciais.

QUeStãO paRa ReflexãO

Analise como as nossas raízes culturais podem estar contribuindo para a forma-

ção de uma sociedade tão diversificada e diferenciada. Neste caso, como aproveitar

essa riqueza cultural para promover o desenvolvimento do país?

Quanto às relações étnico-raciais, a discriminação no Brasil é questão de raça

ou de posição social?

As propostas e as políticas afirmativas, principalmente na área da educação,

estão respondendo aos anseios dos movimentos afrodescendentes e da população

negra em geral?

leItURaS IndIcadaS

BRASIL. Constituição do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.

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auLa 03 - moBiLiDaDE E muDança sociaL

Autoras: Raquel Mattoso Mattedi e Sonia Bandeira Cerqueira

“Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas.

Pessoas transformam o mundo”. Paulo Freire

Olá!

Vamos iniciar nossa aula dando continuidade à compreensão das relações so-

ciais que ocorrem na estrutura da sociedade e nas suas formas de organização. Conhe-

ceremos as formas de estratificação e as mudanças na estrutura da sociedade, conse-

quentemente, a mobilidade dos indivíduos entre os diversos status e papeis sociais.

Nosso objetivo é entender a dinâmica da sociedade, como ela se transforma, alteram-

se os padrões sociais, a posição ocupada pelos indivíduos e os diferentes movimentos

da população no interior da sociedade.

A estrutura e a organização da sociedade têm como base sua estratificação

social. Em outras palavras, os homens se dividem por estratos ou camadas, definidos

pelos critérios de riqueza, prestígio e poder, formando uma hierarquia social. Portanto,

a estratificação social é, nesse entendimento, uma forma de organização e uma divisão

da sociedade em classes sociais que traz em si mesma o reconhecimento da existência

de desigualdades e de diferenças concretas entre pessoas e grupos que não se coadu-

nam com a igualdade entre os homens, definida por lei e preconizada na democracia

liberal capitalista.

A estratificação pode ser de ordem econômica, definida pela renda, em caráter

político e pela posse de bens. A estratificação pode ser política quando separa os in-

divíduos na sociedade pela capacidade de domínio e poder, de tomar decisões e de

influenciar pessoas. A estratificação econômica e política normalmente andam juntas,

pois a riqueza e a posse de bens impõem um domínio sobre as demais camadas da

sociedade.

Outra forma de estratificação é a divisão em segmentos de profissionais que

ocorre em função do valor que a sociedade atribui aos diversos profissionais e sua po-

sição na atividade produtiva. Por exemplo, observamos que na sociedade os médicos

e advogados são mais valorizados do que os pedreiros.

Mobilidade Social

A compreensão das características da estratificação social nos leva também a

outro conceito fundamental desta aula, a mobilidade social. Trata-se do movimento

dos indivíduos no interior da sociedade, dos estratos sociais e dos diversos grupos

existentes. A mobilidade pode ser horizontal ou vertical.

Na mobilidade horizontal o movimento do indivíduo se faz dentro da mesma

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classe social. Ocorre nesse caso uma mudança de posição. É o caso de pessoas que

mudam de ocupação, de escolaridade, de partido político, de religião. No entanto, a

sua posição de classe não se altera. Pode-se distinguir também a mobilidade geográ-

fica, a mudança de uma cidade, região ou de um país para outro, ocorrendo o que se

costuma chamar de migrações.

A imigração atualmente está sendo muito rejeitada pelos países desenvolvidos,

pois na escassez de empregos, habitação e recursos para a população nativa, aceitar

novos contingentes populacionais, em geral pobres ampliam os problemas sociais lo-

cais e podem representar custos adicionais para o país que recebe o imigrante.

No Brasil, após a abolição da escravatura, a imigração, principalmente, de ita-

lianos, alemães e japoneses, se constituiu numa política pública estimulada e exitosa

para o desenvolvimento da industrialização no país, carente de mão de obra especiali-

zada. Os imigrantes muito contribuíram para a formação econômica e cultural brasilei-

ra, incorporando hábitos e valores da sociedade local, ao tempo em que transmitiram

também seus valores e sua cultura para os brasileiros.

Outro fenômeno de mobilidade social muito observado no Brasil foi a migração

do campo para a cidade e do Norte e Nordeste para o Centro Sul do país, em busca de

emprego e melhores condições de vida. Os nordestinos foram responsáveis pelos tra-

balhos mais pesados que requeriam baixa escolaridade como os da construção civil.

Foram inúmeros os filmes, livros e músicas que retratam esses movimentos so-

ciais no Brasil. Leia o livro Vidas Secas de Graciliano Ramos e ouça com atenção a músi-

ca, Pedro Pedreiro de Chico Buarque que retrata muito bem esta realidade. O quadro,

a seguir, de Candido Portinari é um exemplo de mobilidade, pois mostra uma família

de retirantes, fugindo da seca e da fome do Nordeste em busca da cidade grande e por

melhores condições de vida.

VEJA O VÍDEO: http://www.youtube.com/watch?v=KDpzxQZ4zO0&hd=1

A mobilidade social também pode ser classificada como vertical ou horizon-

tal. A mobilidade pode ser vertical e ascendente quando o indivíduo passa de uma

camada inferior para uma superior, como, por exemplo: uma pessoa que era pobre e

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fica rica, aumentando sua renda ou por força de trabalho ou por investimentos, heran-

ça, negócios, loterias etc. A mobilidade é descendente quando, ao contrário, a pessoa

perde a posição social ou o status social e passa a integrar as camadas inferiores da

população e se dá o empobrecimento do indivíduo.

A mobilidade social no Brasil é intensa. No Brasil do passado (1900-70), a mobilidade social

girou em torno de 58%. Nos tempos mais recentes (1970

2000), aumentou para 63%. Trata-se de um volume de mobilidade bastante expressivo e

superior ao de vários países desenvolvidos como é o caso da Inglaterra onde a mobilidade é

de 59%, da Suíça (55%), Áustria (52%), Alemanha e Itália (53%) e vários outros. A mobilidade

social só é maior do que a do Brasil na Austrália (69%) e Estados Unidos (67%).

Fonte: (PASTORE, 1999)

Na sociedade capitalista e competitiva, a busca pelo enriquecimento rápido e

fácil é muito frequente. Crescer na vida requer esforço e investimentos. Neste sentido

o trabalho por si só não garante a mudança de classe, mesmo que haja uma significati-

va melhora financeira, após a obtenção de um emprego bem remunerado.

Isso dá lugar ao aparecimento dos chamados “alpinistas sociais” que, numa

metáfora ao esporte de subida de montanhas, escalam na esfera social posições mais

elevadas, através de casamentos vantajosos, ingresso e sucesso rápido na vida artís-

tica, nos esportes e algumas vezes, por diversos outros expedientes como corrupção

prestação de serviços, nem sempre lícitos, contrabando, trafico, etc.

Políticas econômicas também podem resultar em aumento de renda e conse-

qüentemente, em mobilidade social. No Brasil, o aumento do emprego e do salário

mínimo trouxe algumas modificações na estrutura social. No exemplo a seguir retirado

de um artigo1, com a ilustração, percebemos as mudanças na sociedade brasileira.

É fato: a chamada classe média brasileira cresceu. Melhor,

transformou-se. Resultado da dinâmica econômica que o

país atravessa, um número considerável de pessoas migra-

ram das classes D e E, menos favorecidas, para uma classe que

poderíamos chamar de intermediaria, a tão conhecida clas-

se C. Para o mercado de consumo, as três são interessantes

O fenômeno é bem perceptível, sobretudo em relação ao comercio,

que atento as mudanças, prepara-se para atender um novo merca-

do. (BARROS, 2010)

A charge que ilustra o artigo é uma alusão a mobilidade social que vem se

observado no Brasil atual com a ascensão das classes mais pobres pelo aumento da

renda, decorrente do aumento real do salário mínimo. Para Barros, um movimento

comparável a uma dança das classes sociais. Podemos também comparar a mobilida-

1 Ver artigo completo. “A dança das cadeiras das classes sociais “ do jornalista Rodrigo Bastos, no site: www.oquevaipelomundo.blogspot.com .

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de social a um elevador subindo e descendo. As indivíduos podem subir ou descer de

uma classe para outra.

Fonte:UNIFACS

A estratificação e a mobilidade social variam através do tempo e do espaço. A

evolução da sociedade marcou diversos tipos de sociedade e formas de estratificação

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e mobilidade social.

Na idade média, no sistema feudal, a estratificação era fechada e baseada na

tradição. Não havia mobilidade social ou eram muito difíceis as mudanças. A organiza-

ção social era baseada em estratos ou estamentos. Os grupos sociais eram definidos

no interior da sociedade pela herança, linhagem e pelo nascimento e só eram alte-

rados pelo casamento, ou quando os reis agraciavam com títulos nobiliárquicos por

serviços prestados no reino. Havia os nobres, o clero, os comerciantes e os servos. A

sociedade era baseada na tradição e na posse da terra.

Outra forma de estratificação social fechada foram as castas, características da

sociedade indiana, uma organização social teocrática. Nesse caso a posição social era

definida pelo nascimento e determinada por Deus e, portanto, nada podia ser feito

para mudar. No topo da escala social, estavam os “brâmanes”, depois vinham os guer-

reiros, comerciantes, agricultores e por último, na mais baixa escala social, praticamen-

te fora da sociedade, estavam os “párias,” considerados “impuros” perante os outros

membros da sociedade, sem qualquer condição de vida. Até hoje se costuma referen-

ciar como párias da sociedade os excluídos, fora do sistema social. Recentemente, a

novela da Globo, Caminho das Índias retratou esse sistema de castas.

Na Índia, atualmente convivem os dois sistemas de estratificação: por classes

sociais e o tradicional sistema de castas. Você assistiu ao filme ganhador do Oscar,

“Quem quer ser um milionário?” Vale a pena assisti-lo, pois ele retrata a situação atual

da Índia, em termos de estratificação e mobilidade social. Na ilustração a seguir você

pode identificar as castas sociais indianas.

Figura 2- Representação das castas indianas.

Fonte: Adaptado de www.sapo.saber.pt

Numa sociedade liberal, democrática e capitalista como a nossa, as camadas

sociais são permeáveis, não são fechadas, e possibilitam a mobilidade social, ou seja, a

passagem de um estrato social para outro. Aprofundando mais a questão de classe e

mobilidade social vamos entender outro posicionamento social, o status.

O status social é um conjunto de direitos e deveres, comportamentos, atitu-

des, privilégios e responsabilidades que caracterizam a posição social individual ou

de um grupo em relação aos demais indivíduos ou grupos da sociedade, demarcando

posições efetivamente ocupadas.

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Os homens podem ocupar diversos status na sociedade simultaneamente, de-

pendendo do número de grupos a que ele está inserido; em outras palavras, depen-

dendo de suas escolhas pessoais. O grupo familiar, religioso, profissional, idade, sexo,

político, etc. O status pode ser adquirido, por exemplo, quando o individuo se forma

numa faculdade e passa a ter comportamentos, atitudes e responsabilidades próprios

daquela profissão. Ex. médico.

O status pode ser também atribuído a fatores externos ao indivíduo e indepen-

dem de suas escolhas pessoais. É o caso de ser homem, mulher, jovem, velho, raça,

parentesco e classe social.

Diretamente ligado ao status e à estratificação social, precisamos conhecer

também a ideia de papel social. Fazendo uma alusão à sociedade como um teatro,

onde se desenrolam estórias e ações. Os indivíduos ao se relacionarem, pautando seu

comportamento pela ação do outro, como vimos na aula anterior, age como um ator

social, desempenhando um papel social que lhe é próprio.

Na sociedade, para cada status, existe um papel social correspondente, que é

avaliado constantemente pelos demais membros da sociedade ou do grupo onde está

inserido. Então o status tem a ver com tarefas e obrigações.

Você já parou para pensar nos vários papéis que você desempenha na cidade

em que vive? Outro aspecto a considerar é que às vezes a gente desempenha papéis

que somos obrigados, mas que não gostaríamos de fazer. Você já pensou nesse assun-

to?

Continuando com o exemplo do médico que tem por força da profissão com-

portamentos, atitudes e responsabilidades que lhes são atribuídos pela sociedade,

pelo exercício da profissão. A expectativa dos indivíduos é que ele se comporte de

acordo com estes padrões esperados, cumpra suas tarefas e obrigações. Caso isso não

ocorra, achamos estranho, podendo o médico sofrer sanções e punições. Não ser mais

procurado ou até denunciado ou investigado por seu órgão profissional.

Você lembra o caso do famoso médico brasileiro, especialista em reprodução

assistida, Roger Abdelmassih? Ele foi condenado a 278 anos de prisão por abusos se-

xuais contra suas pacientes.

No entanto, percebemos muitas vezes que os homens querem sempre manter

seu status ou ascender a status superiores. Isso porque o status está ligado à classe so-

cial. A cada classe existe um status correspondente, ligado a um estilo de vida próprio,

a comportamentos e a sinais exteriores definidos pela classe ou status social: marcas,

atitudes, objetos de consumo, que conferem também, prestigio e poder. Os exemplos

neste caso se multiplicam nas músicas, roupas, carros, linguagem etc. que nos fazem

identificar, pelo uso e comportamentos o grupo ou a classe social que ele pertence.

Veja a ilustração a seguir uma gozação das diferenças sociais:

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Figura 3- Diferenças sociais por costumes e estilos de vida

Fonte: gutodiascartoons.blogspot.com

Na ilustração, embora um pouco exagerado, fica evidenciado que os costumes,

hábitos, estilos de vida e prioridades se diferenciam entre as classes e grupos sociais.

Como se vê homem e o menino buscam na internet a satisfação de suas diferentes

necessidades. Mas esta realidade pode mudar e isso veremos no tópico a seguir, ou

seja, veremos como acontecem as mudanças sociais.

Mudança Social

A sociedade é uma realidade que se altera constantemente vive em permanen-

te mudança, algumas mais rápidas e outras que se transformam de forma mais lenta.

O ritmo da mudança vai variar em função de uma série de fatores como isolamento,

complexidade e tamanho da sociedade, e outros. Nas sociedades primitivas, mais iso-

ladas, as mudanças ocorreram mais devagar, principalmente se compararmos com as

sociedades modernas e contemporâneas, em constante transformação, geradas pelos

avanços tecnológicos das comunicações, principalmente em função do computador,

internet e sistemas de telefonia celular.

Quem não identifica mudanças substanciais na sociedade por causa do celular

e da internet? Até o crime organizado está se utilizando desses meios de comunicação

como forma de mobilização. E as redes sociais tipo orkut, facebook, e o twitter? Estão

aproximando muito as pessoas, mas também provocando transformações até mesmo

nos governos e instituições.

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Podemos então identificar a Mudança social como uma transformação social,

observável no tempo que afeta na estrutura e no funcionamento da sociedade, mo-

dificando o seu curso na história. É um processo social, pois se relaciona com uma

sucessão de acontecimentos ou fenômenos, fatos e ações sociais, que ocorrem na so-

ciedade em um determinado período.

Os fatores desencadeadores de mudanças são múltiplos e variados podendo

ser, entre outros, geográficos e biológicos. A seca no Nordeste é um fator de estag-

nação da economia das cidades, provocando migração. As lideranças carismáticas

têm, ao longo da história, mudado a ideologia e o conhecimento, consequentemente,

transformando muitos países e o mundo. As guerras, invasões, conflitos por terra e

conquistas são causas sociais de mudanças. As descobertas científicas e tecnológicas

têm sido o estopim de mudanças expressivas. A lista não tem fim se começarmos a

enumerar: a penicilina, a imprensa, o voto, a pílula anticoncepcional, a liberação sexu-

al, os costumes, etc.

Paulo Freire, grande educador brasileiro, considera que a educação é uma im-

portante alavanca das mudanças sociais. É um fator fundamental de mudança social

e mobilidade, pois pela educação o homem cresce e se desenvolve e pode conseguir

melhores empregos e condições de vida, alterando seu status e sua classe social.

A mudança social pode ter uma conotação quantitativa quando há um cresci-

mento populacional, ampliação da renda. Considera-se que existe progresso quando a

mudança provoca um crescimento mais qualitativo, pois evolui numa direção deseja-

da. A industrialização na Bahia, a partir da década de 50, com a exploração do petróleo,

representou um progresso muito grande para o estado, atingindo um patamar maior

de mudança social; o desenvolvimento.

O que você entende por desenvolvimento? Desenvolvimento é então é sinônimo de

crescimento e progresso?

Desenvolvimento é uma transformação social significativa, pois representa

uma evolução ampla, envolvendo mudanças sociais, econômicas, culturais e políticas;

é muito mais que crescimento e progresso. Numa sociedade pode haver crescimento

em certo aspecto, progresso em outro e a sociedade como um todo não apresentar

um desenvolvimento propriamente dito.

As mudanças no mundo têm acontecido de forma muito rápida, tendo como

fatores determinantes os avanços tecnológicos afetando os transportes, as comuni-

cações e o mundo do trabalho, provocando um desequilíbrio das forças econômicas,

políticas e sociais de forma global.

Estamos assistindo a um processo de globalização das mudanças. Os aconte-

cimentos de um país afetam o mundo como um todo. Os exemplos recentes são inú-

meros e ilustrativos: a crise do petróleo, explosão do consumo, a queda nas bolsas de

valores, as guerras no Oriente Médio, a violência urbana, as epidemias globalizadas, os

ataques terroristas, entre outros.

A globalização tem se caracterizado pelos seguintes fatores:

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iaFatores econômicos � : crise da dívida externa, empobrecimento de países, desregula-

mentação e interligação econômica dos mercados, desestruturação e flexibilização da

estrutura do trabalho, desemprego estrutural.

Fatores políticos � - formação de blocos de países em torno de idéias, características

e necessidades comuns, comprometendo a autonomia e a soberania de alguns países

em detrimento de outros. As guerras, invasões e o terrorismo estão explodindo a toda

hora.

Fatores culturais � - ocidentalização do mundo, criação de uma sociedade informati-

zada, provocando mudanças e uniformização de costumes e valores mundializando a

cultura. Vocês já não ouviram falar que o mundo hoje é uma aldeia global? Tudo se sabe

e se copia. A moda é a mesma e acompanhamos os acontecimentos em tempo real.

Fatores sociais � - os reflexos na sociedade também são evidentes e graves, ampliando

os problemas sociais, como as desigualdades e a exclusão social, desemprego, violência

urbana e mudanças nas relações familiares.

A propósito, Alain Tourraine, sociólogo francês que se dedica à análise da socie-

dade contemporânea, nos dá sua ideia de globalização e coloca uma reflexão impor-

tante:

As informações, como os capitais e as mercadorias, atravessam as

fronteiras. O que estava distante de aproxima e o passado torna-se

presente. O desenvolvimento não é mais a série das etapas através

das quais uma sociedade sai do subdesenvolvimento e a moder-

nidade não mais sucede a tradição: tudo se mistura; o espaço e o

tempo estão comprimidos. Em vastas partes do mundo os contro-

les sociais e culturais estabelecidos pelos estados, pelas igrejas, pe-

las famílias ou pelas escolas, se enfraquecem e a fronteiras entre o

normal e o patológico, o permitido e o proibido perde a sua nitidez.

(TOURAINE, 2003, p. 9).

O capitalismo contemporâneo tem acirrado as diferenças e acentuado as

distancias sociais. Ainda que a mobilidade social seja sentida no país, as mudanças

contemporâneas, principalmente a globalização, trouxe avanços consideráveis, mas

evidenciou os problemas sociais, as desigualdades e a exclusão social, temas a serem

desenvolvidos na próxima aula.

SínteSe

Vimos nesta aula que a sociedade não é homogênea e está em constantes mu-

danças. As condições econômicas, sociais e políticas não são iguais para todos. Assim

sendo, a sociedade se estratifica por vários fatores centrados na riqueza, prestígio e

poder que distinguem sociedades fechadas, em castas e estamentos e depois em so-

ciedades democráticas divididas em classes sociais. A mobilidade social é responsá-

vel pelos movimentos entre as classes. Identificamos que os homens ocupam várias

posições na estrutura social e se comportam de acordo com o status social que lhe é

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próprio e com as expectativas de comportamento ideal e desejado.

QUeStãO paRa ReflexãO

A partir da compreensão da mobilidade e das mudanças sociais, o que se pode

fazer para que a sociedade brasileira seja mais justa e igualitária? Há necessidades de

mudanças na sua cidade? Como os homens podem se constituir em agentes de mu-

danças?

leItURaS IndIcadaS

PASTORE, JOSÉ. As classes sociais no Brasil. Artigo publicado no Jornal da Tarde em

15/121999. Disponível em: <http://www.josepastore.com.br/artigos/td/td_004.htm>.

Acesso em: 15 abr. 2011.

O Brasil que pode dar certo. In: www.tricotandopolitica.com.br

Tensão social e mudanças no Brasil. In: www.espacoacademico.com.br.

SIteS IndIcadOS

www.espaçoacademico.com.br

www.tricotandopolitica.com.br

www.josepastore.com.br

www.youtube.com - Desenvolvimento e Mudança no Brasil. Programa Nacional de

Administração Pública. PNAP.

www.portaldaeducacao.com.br

RefeRêncIaS

BARROS, Rodrigo. A dança das cadeiras das classes sociais! Disponível em: <http://oquevaipelomundo.

blogspot.com/2010/06/danca-das-cadeiras-das-classes-sociais.html>. Acesso em: 15 abr. 2011.

COSTA, Cristina. Sociologia. Introdução à ciência da sociedade. 2.ed. São Paulo:Moderna,1997.

FORACCHI, Marialice Mencarini; MARTINS, José de Souza. Sociologia e sociedade: leituras de introdução

a sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 1977.

FERREIRA, Delson. Manual de sociologia: dos clássicos à sociedade da informação. 2. ed. São Paulo: Atlas,

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2003.

NOVA, Sebastião Vila. Introdução à sociologia. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1999.

PASTORE, JOSÉ. As classes sociais no Brasil. Artigo publicado no Jornal da Tarde em 15/121999. Disponí-

vel em: <http://www.josepastore.com.br/artigos/td/td_004.htm>. Acesso em: 15 abr. 2011.

TOMAZI, Nelson Dacio. Iniciação à sociologia. São Paulo: Atual,1993.

TOURAINE, Alain. Poderemos viver juntos? Iguais e diferentes. 2. ed. Trad. Jaime A. Clasen e Ephaim F.

Alves. Petrópolis: Vozes, 2003.

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auLa 04 - DEsiguaLDaDE sociaL E poBrE-za

Autoras: Raquel Mattoso e Sonia Bandeira Cerqueira

“O desenvolvimento humano só existirá se a sociedade civil afir-

mar cinco pontos fundamentais: igualdade, diversidade, partici-

pação, solidariedade e liberdade”. Betinho

Olá!

Vamos dar inicio à nossa quarta aula, aprofundando o conhecimento que tive-

mos na aula anterior sobre estratificação social, mobilidade e mudança social, com o

entendimento das desigualdades sociais decorrentes dessa estrutura capitalista mo-

derna.

Vimos nas aulas passadas que a sociedade capitalista é estratificada em classes

sociais, conforme o nível de renda da população. Uma parcela reduzida de pessoas

tem uma renda muito maior do que a maioria da população, portanto domina a socie-

dade aqueles que têm mais poder e prestígio social que outros. É comum se ouvir falar

“uns com muito e outros com pouco”.

Nesta aula, nosso objetivo é entender como se caracteriza a sociedade capita-

lista moderna, estratificada em classes sociais. Entender que a sociedade não é homo-

gênea, que possui uma estrutura de desigualdades determinadas por formas diferen-

ciadas de acesso às condições de riqueza, prestígio e poder.

Pela nossa experiência, vemos no dia a dia que a sociedade apresenta muitas

contradições. Os indivíduos possuem diferenças no plano material, nas condições físi-

cas, de sexo, de idade, de raça, diferenças intelectuais e culturais, dentre outras. São as

manifestações mais simples e naturais das desigualdades.

Marx considerou as desigualdades como fruto das relações sociais de produ-

ção. Então, as desigualdades não são apenas naturais e normais, próprias da condi-

ção humana. As desigualdades são inerentes à sociedade capitalista. A estrutura da

sociedade capitalista define uma hierarquização das classes sociais na qual o poder

econômico e o capital formam uma classe dominante que tem poder e recursos supe-

riores às demais. Suas necessidades básicas são plenamente atendidas uma vez que

o dinheiro proporciona conforto, facilidades e boas condições de vida: casa, roupas,

alimentos, saúde e educação.

Você já reparou que existem pessoas que morrem de fome e outras que têm a

mesa farta e comem em excesso?

Nas grandes cidades, por exemplo, ao lado de mansões luxuosas, encontramos

favelas e pessoas morando embaixo de viadutos. Vivemos, portanto, em uma socieda-

de profundamente desigual com uns muito ricos, com carros de luxo, casas com todo

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o conforto de eletroeletrônicos domésticos e famílias sem acesso aos serviços básicos

como educação de qualidade, hospitais e serviços de saúde, esgotamento sanitário,

moradias e transporte público.

O Brasil é um país onde as desigualdades sociais são mais evidentes. Na foto

a seguir, vemos um exemplo chocante das suas desigualdades sociais. A pobreza e a

riqueza vivendo lado a lado, separadas por muros. De um lado, a favela de Paraisópolis

e de outro, edifício de alta classe, no bairro do Morumbi, em São Paulo, com piscinas

particulares nas sacadas.

Figura 1 - A pobreza e a riqueza lado a lado

http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Rich_and_poor_in_S%C3%A3o_Paulo.jpg?uselang=pt-br

O fator principal para a existência de desigualdade social e da pobreza tem ori-

gem na má distribuição de riqueza e dos frutos do trabalho. Os recursos da natureza

não são suficientes para a satisfação das necessidades de todos os membros da socie-

dade de forma igual, principalmente na sociedade capitalista que, por sua vez, gera

também necessidades diferenciadas.

as desigualdades como uma questão social

A sociedade igualitária, defendida por Marx e ideal perseguido por toda a hu-

manidade, é uma utopia. Desde o início do mundo, a sociedade sempre apresentou

divisões e discriminações entre grupos sociais. Mesmo nas sociedades mais simples e

primitivas, havia diferenças por sexo e idade, que atribuíam funções e valores diferen-

ciados entre os membros da sociedade. Chama-se isto de divisão social do trabalho.

À medida que as sociedades cresciam e se tornavam mais complexas, as di-

ferenças e descriminações foram se acentuando, formando inúmeros grupos sociais

que se distinguiam por raça, cultura, nacionalidade, religião, profissão, poder, riqueza

e classes sociais.

A pobreza e as desigualdades nem sempre foram vistas como um problema

social. Na Antiguidade e na Idade Média, era vista como natural, fruto da condição de

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nascimento ou como vontade de Deus. Na transição do Feudalismo para o Capitalis-

mo, ocorreram profundas transformações vinculadas à produção e ao trabalho que

afetaram profundamente a estrutura social.

Há o reconhecimento de novas condições políticas, jurídicas e culturais do

mundo moderno e a ascensão da sociedade capitalista. A partir daí, se reestrutura a

sociedade estamental existente e se definem novas classes sociais: constata-se, por

um lado, o surgimento da burguesia, formada pelos comerciantes e os banqueiros e,

por outro lado, o proletariado, formado pelos operários das indústrias nascentes. O

capitalismo estabelece então outras relações de poder, com a concentração do capital

em mãos de alguns em detrimento da maioria sem poder, porque não detem a pro-

priedade privada dos meios de produção, terra, máquinas e equipamentos, ou seja, o

setor produtivo da economia. Uns portanto, dominam a economia e outros, se subju-

gam ao poder de poucos que possuem bens e riqueza.

Os reflexos na sociedade foram significativos, principalmente na urbanização,

migração do campo para a cidade que oferecia melhores condições de trabalho. Toda-

via, as cidades da época não possuíam a infraestrutura necessária, nem moradia sufi-

ciente para absorver esse considerável aumento populacional. O que resultou numa

desintegração dos costumes, no surgimento das epidemias e dos problemas sociais.

Houve um aumento da criminalidade, prostituição, pobreza e miséria. A questão social

veio à tona. A sociedade e os problemas sociais passam a ser objeto de análise e, com

isso, despertam o interesse no estudo e no desenvolvimento de teorias com explica-

ções científicas para as desigualdades sociais.

Primeiramente, Thomas Hobbes (1589-1679), no século XIX, considerou que, se

os homens são naturalmente iguais, isso poderia estimular a violência entre eles, na

medida em que “o homem poderia ser o lobo do próprio homem”. Portanto, os homens

não poderiam ser deixados ao sabor da natureza que poderia levá-los a ter um com-

portamento antissocial, uma luta de todos contra todos, pelo poder. Era necessário

um contrato social para a preservação da vida e a regulação da liberdade, um poder

soberano, exercido pelo monarca que reinaria absoluto sobre os homens, e sua vonta-

de teria a força de lei.

John Locke (1632-1704), pensador inglês, se preocupou com um pacto social

que deveria ser estabelecido entre os homens livres e iguais, mas esse acordo estaria

sujeito à propriedade privada, ou seja, só seriam livres aqueles que tivessem pro-

priedade a zelar, o que estabelecia de imediato uma discriminação com os que não

dispunham de propriedades, a maioria da população.

Outros filósofos ampliam o debate, mas ressalta-se a contribuição fundamental

de Jean Jaques Rousseau (1712-1778) que retoma a ideia de um pacto no seu livro

Contrato Social, afirmando que a liberdade só teria razão de ser se não houvesse de-

sigualdades entre os homens, reconhecendo, portanto, que a desigualdade não era

uma coisa natural.

Essa concepção estava assentada nos ideais da Revolução Francesa, de Liber-

dade, Igualdade e Fraternidade. A igualdade é reconhecida como um direito natural e

passa a ser fundamentada em termos jurídicos, ou seja, na forma da lei. As liberdades e

garantias individuais são formalizadas na França, posteriormente, com a “Declaração

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dos direitos do Homem e do Cidadão”, lançando-se as bases para as conquistas da

cidadania. Todas as nações passam a adotar esses princípios para construírem suas

constituições, inclusive o Brasil.

Também se fundamenta a ideia do bem comum e da prevalência do coletivo

sobre o individual, o interesse de todos deveria prevalecer sobre as vontades indivi-

duais. Apesar de a igualdade tornar-se um valor garantido pela Constituição ainda

assim, as desigualdades continuaram ao sabor dos interesses e necessidades do grupo

detentor do poder.

Figura 2- Os ideais da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade.

http://commons.wikimedia.org/wiki/File:R%C3%A9volution_de_1830_-_Combat_de_la_rue_de_Rohan_-_29.07.1830.

jpg?uselang=pt-br

Como vimos na aula passada, na análise feita por Marx, as desigualdades resultam

das relações sociais de produção e não são próprias da condição humana, ou seja, não são

naturais como se pensava até então. O nascimento numa família definia condição social

dos indivíduos, os bens e os recursos disponíveis.

A propriedade privada distingue ricos e pobres, sendo responsável pelos antagonis-

mos de classe e pelas injustiças sociais. Além de explicar as desigualdades, Marx vai para a

“praxis” e também propõe o fim da sociedade capitalista, o que, para ele, era a única forma

de eliminar as desigualdades e os antagonismos de classes. Era necessária a transforma-

ção numa sociedade igualitária, uma sociedade sem classes, onde não haveria conflitos,

nem o domínio de uma classe sobre a outra.

O sonho de uma sociedade igualitária esteve sempre presente, de uma forma

ou de outra, em movimentos anarquistas, socialistas e comunistas e perdura até hoje.

A Declaração dos Direitos Humanos, promulgada pela ONU depois da 2ª Guerra Mun-

dial, expressa os ideais das nações por uma sociedade livre, onde todos têm direitos

iguais.

O artigo 1 da Declaração se inicia resgatando justamente os pressupostos da

Revolução Francesa que se tornaram universais da liberdade, igualdade e fraternida-

de.

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Artigo 1. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignida-

de e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em

relação uns aos outros com espírito de fraternidade. (ONU, 1948)

Pode-se ressaltar também outra concepção na sociedade capitalista que justi-

ficava as desigualdades sociais. As condições de crescimento pessoal e de mobilidade

social eram possíveis para todos, desde que trabalhassem em busca de seus propósi-

tos, bastava, portanto, o esforço pessoal.

A pobreza, consequentemente, foi considerada como resultado do fracasso

pessoal e da incompetência na busca por melhores condições de vida e de trabalho. A

ética puritana dos protestantes, no início do capitalismo, incitava ao trabalho e à pou-

pança, como forma de crescer na vida e acumular riquezas. Era o espírito da sociedade

liberal burguesa justificando as desigualdades sociais. O trecho a seguir ilustra bem

essa ideia.

O triunfo do homem de negócios (o capitalista) era exaltado como

uma virtude (burguesa) fato que justificava a necessidade de dar-lhe

todas as credenciais, uma vez que ele realizaria a riqueza para o bem

de toda a sociedade. O enriquecimento particular era apresentado

como forma de beneficio de todos os indivíduos. Louva-se o homem

de negócios como a expressão do sucesso e sua conduta serve de

modelo para a sociedade como um todo. (TOMAZZI, 1993, p.89)

A sociedade plural contemporânea, com os avanços do capitalismo e com a

globalização, acentuou as contradições inerentes ao sistema apontadas por Marx. Au-

mentou consideravelmente o desemprego estrutural, a concentração de renda nas

mãos de poucos e consequentemente, provocou o agravamento das desigualdades e

da exclusão social de parcelas significativas da população de acesso aos bens e servi-

ços disponíveis na sociedade.

Cada sociedade apresenta formas específicas de desigualdade. Hoje assistimos

as mais variadas formas de desigualdades sociais, provocando, em graus variados, pro-

blemas sociais para diversos segmentos da população. Homens e mulheres são trata-

dos de forma diferenciada no mercado de trabalho que também discrimina os idosos

e homossexuais. As diferenças raciais e religiosas têm provocado inúmeros conflitos

em todo o mundo.

A realidade vista por Marx está mais atual do que nunca no capitalismo globa-

lizado, quando observamos que o desenvolvimento econômico e tecnológico, carac-

terísticos da sociedade contemporânea, acentuam cada vez mais as desigualdades,

ampliando a pobreza e a exclusão social, em todo o mundo.

Vejamos agora como se estabelece a igualdade de direito no Brasil e como as

desigualdades permanecem, de fato, indicando que a superação dos problemas so-

ciais e da pobreza permanece como uma questão social a ser resolvida.

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a igualdade jurídica

A lei preconiza a igualdade de todos e, em nome de todos, será exercida, ou

seja, as leis derivam das relações sociais, têm origem na organização e no funciona-

mento da sociedade, tendo como função específica estabelecer a ordem, promover a

coesão, e a integração social, e proporcionar a igualdade de condições entre todos os

membros da sociedade. Assim, podemos concluir que todos são iguais perante a lei

com os mesmos direitos e deveres.

Vejamos a lei brasileira, a Constituição Federal do Brasil, promulgada em 1988,

completando hoje 23 anos, considerada a Constituição cidadã, pois veio depois do

longo período de ditadura (1964-1985) e foi construída de forma democrática por uma

Assembleia Constituinte, baseando-se nas demandas da sociedade.

Como a lei maior do país, estrutura e organiza o sistema sócio-político e econô-

mico do Estado brasileiro e suas instituições, as relações entre o Estado e a sociedade,

entre o estado e as diversas instituições públicas e privadas e entre os indivíduos entre

si. No título II da Constituição, define-se a igualdade de todos e nela estão contidos os

direitos, deveres e garantias fundamentais, individuais e coletivos, tornando efetiva a

nossa condição de cidadão1. O artigo 5º estabelece:

Art.5°.Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer na-

tureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes

no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e

a propriedade nos termos seguintes:

I- homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos ter-

mos desta Constituição;

II- ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa

senão em virtude da lei (BRASIL, 1988)

A seguir, o Estado garante aos indivíduos, aos grupos, associações e empresas,

o direito à liberdade, o direito de reunião e expressão, de locomoção, o direito de de-

fesa, de propriedade, e outros num total de 77 incisos que abrangem toda a regulação

da vida em sociedade.

Complementando, no capitulo 2, encontramos os direitos sociais sendo defini-

do logo no início:

Art.6°. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a

segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infân-

cia, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art.7°São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de ou-

tros que visem a melhoria de sua condição social. (BRASIL, 1988)

1 Ler os artigos completos na Constituição da República Federativa do Brasil de 5/10/1988. http://www.jurisdoctor.adv.br/legis/

constitu.htm

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A seguir, vêm os direitos dos trabalhadores que incluem: a relação de emprego

protegida, o salário mínimo, férias e repouso remunerado, salário família, seguro de-

semprego, participação nos sindicatos, licença maternidade e paternidade, proibição

do trabalho noturno, perigoso e insalubre, a aposentadoria e muitos outros, cobrindo

todas as garantias e a proteção ao trabalhador brasileiro.

Os artigos 193 a 232 tratam da Ordem Social. Vejamos alguns destaques inte-

ressantes:

Art.193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e

como objetivo o bem estar e a justiça social.

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto interado de

ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinados

a assegurar os direitos relativos a saúde a previdência e a assistência

social.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido me-

diante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco

de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às

ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da famí-

lia, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,

visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o

exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.(BRASIL,

1988)

Vimos que a legislação brasileira, a Constituição do Brasil, responsabiliza o Esta-

do pela promoção da equidade e pelas condições de vida dos cidadãos.

Uma vez que não é possível uma sociedade composta por membros

exatamente iguais, quando utilizamos a expressão ‘sociedade igua-

litária’ estamos nos referindo à igualdade de oportunidades que de-

vem ter todos os indivíduos dessa sociedade, sem discriminação de

nenhuma espécie. (DIAS, 2005, p.153).

Mas você considera que todos são iguais? Possuem as mesmas condições so-

ciais, econômicas e políticas de crescimento e acesso aos bens e aos serviços públi-

cos?

A igualdade jurídica não é suficiente para garantir a igualdade de fato, a elimi-

nação das injustiças e das desigualdades sociais. O que podemos observar de imedia-

to é que, na realidade, as oportunidades e condições econômicas não são as mesmas.

Os pobres ficam restritos aos serviços oferecidos pelo Estado que não proporcionam

a qualidade necessária e quem pode pagar busca um serviço privado de melhor qua-

lidade.

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A educação pública, mais frequentada pelos pobres, não é de boa qualidade,

não oferece a formação adequada para conseguir bons empregos, crescer profissio-

nalmente e para ter recursos suficientes para a satisfação das necessidades básicas e

garantir uma vida digna.

Enquanto isso, as classes altas e médias, que pagam pela saúde e previdência

privada, não precisam dos hospitais e postos de saúde públicos. Possuem carros blin-

dados e propriedades protegidas por segurança particular, evitando a exposição à vio-

lência do dia a dia. Na sociedade capitalista, o dinheiro compra tudo e faz a diferença.

Consequentemente, as oportunidades não são as mesmas para acesso ao emprego e

ascensão social.

O Estado deve ser o responsável por minimizar os efeitos negativos do sistema,

promover a igualdade de condições e oportunidades para todos da sociedade. Desen-

volver serviços, programas e políticas públicas que façam a diferença e proporcionem

a inclusão de todas as classes sociais.

O Estado deve exercer um papel regulador da vida em sociedade. Criar as con-

dições necessárias para a reprodução social e o acesso aos recursos e benefícios do

sistema, proporcionando o bem-estar dos cidadãos.

A Constituição Brasileira deixa clara a igualdade jurídica e as condições reais de

exercê-la. Todavia, sabemos que as condições e oportunidades não são iguais, funda-

mentando as desigualdades existentes e se definindo como um problema social.

Vamos retomar o tema da Constituição e do papel do Estado, influenciando a

formação das classes sociais e das condições de vida da população. Nas próximas au-

las, vamos apresentar as raízes do problema social no Brasil e as formas de superação

em curso, em geral e em particular, na cidade do Salvador. Além disso, para finalizar,

retomaremos o tema da cidadania.

SínteSe

As desigualdades sociais foram analisadas como inerentes à estrutura capita-

lista, estratificada em classes sociais. Partiu-se também do reconhecimento que as de-

sigualdades nem sempre foram consideradas como um problema social. A partir da

consolidação do capitalismo, começaram as reflexões e interpretações sobre os pro-

blemas decorrentes das diferenças entre os homens, principalmente referentes a ren-

da, prestígio e poder. A igualdade de todos começa a ser definida juntamente com as

democracias modernas, e implantada nas diversas constituições, inclusive a do Brasil,

explicitada em diversos artigos constitucionais. Embora a lei por si só não represente

a igualdade de fato.

QUeStãO paRa ReflexãO

A questão social das desigualdades nos remete a varias questões que buscam

o entendimento das desigualdades sociais como uma questão social de cidadania: se

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as sociedades sempre apresentaram diferenças, porque a pobreza incomoda tanto na

sociedade contemporânea? Por que os benefícios do desenvolvimento continuam à

margem de parcelas significativas da população, ainda distantes das conquistas da

cidadania?

leItURaS IndIcadaS

http://correiodobrasil.com.br/desigualdade-social-no-brasil/175165/

http://www.coladaweb.com/sociologia/desigualdades-sociais-e-as-classes

http://www.jurisdoctor.adv.br/legis/constitu.htm - texto integral da Constituição da

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TOMAZZI, Nelson Dácio. Desigualdades Sociais. In: Iniciação à Sociologia. São Paulo:

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FAUTH Jr, Sady. Problemas contemporâneos. In: Revista Brasileira de

administração. n.80, jan/fev. 2011.

O Brasil depois do Mito. Reportagem especial. Revista IstoÉ. Ano 35, n.2147, jan/fev.

2011.

SIteS IndIcadOS

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www.onu.org.br - Declaração dos Direitos Humanos

www.scielo.br. Revista de Sociologia e Política

RefeRêncIaS

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BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do estado e ciencia política. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

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DIAS, Reinaldo. Introdução à Sociologia. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2005.

FERREIRA, Delson. Manual de sociologia: dos clássicos à sociedade da informação. 2. ed. São Paulo:

Atlas, 2003.

TOMAZI, Nelson Dacio et al. (Coord.). Iniciação à sociologia. São Paulo:Atual,1993.

TOURAINE, Alain. Poderemos viver juntos? Iguais e diferentes. 2. ed. Trad. Jaime A.

Clasen e Ephaim F. Alves. Petropólis: editora Vozes, 2003.

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ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DOS DIREITOS HUMANOS. Declaração Mundial dos Direitos Humanos. Disponível em:

< http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 27 mar. 2011.

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auLa 05 - DEsiguaLDaDEs sociais E po-BrEza no BrasiL

Autoras: Sônia Margarida Bandeira Cerqueira e Raquel Mattoso Mattedi

Cada dia a natureza produz o suficiente para nossa carência. Se

cada um tomasse o que lhe fosse necessário, não havia pobreza no

mundo e ninguém morreria de fome.M. GANDHI

Olá!

Dando continuidade ao assunto da aula anterior, vamos aprofundar a questão

social da pobreza e das desigualdades no Brasil. Nosso objetivo é entender por que o

Brasil é considerado um dos países mais desiguais do mundo e como esse problema

social se manifesta.

Nas últimas décadas, estamos verificando no Brasil um desenvolvimento eco-

nômico considerável e paralelamente constatamos que o desenvolvimento social não

tem acompanhado na mesma proporção. Precisamos refletir sobre isso e verificar as

causas que nos levam a um desenvolvimento desigual entre os diversos segmentos da

nossa sociedade.

raízes do problema

Primeiramente, vamos passear um pouco pela nossa história. Os problemas

sociais com os quais o Brasil convive até hoje têm origem no passado e precisam ser

enfrentados e resolvidos para que não comprometam o nosso futuro.

As desigualdades no Brasil remontam à formação da sociedade brasileira des-

de a época colonial passando pelo período imperial até os dias de hoje. Funda-se na

estrutura escravocrata instituída na época passada, da colonização do Brasil e que,

apesar da sua abolição em 1988, lançou as bases para a exclusão social da população

brasileira, principalmente os segmentos negros e mestiços.

No Brasil-colônia, tivemos uma sociedade patriarcal baseada no poder político

e social dos proprietários de terras, latifundiários na monocultura da cana-de-açúcar e

do café, bases econômicas da época em que mantinham sob seu domínio mulheres e

escravos, caracterizando uma sociedade com diferenças sociais muito marcantes.

No período imperial, o Brasil tinha uma elite formada por senhores de enge-

nho, fazendeiros e pecuaristas e uma população de mais de 90% de pessoas pobres e

analfabetas, como se refere o historiador Laurentino Gomes em sua mais recente obra

“1822”, que retrata a sociedade brasileira durante o império, a independência política

de Portugal e a abolição da escravatura.

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Na introdução do seu livro ele contextualiza o inicio do século XIX afirmando

que vivia no Brasil,

...uma população pobre e carente de tudo, que vivia à margem de

qualquer oportunidade em uma economia agrária e rudimentar,

dominada pelo latifúndio e pelo tráfico negreiro. O medo de uma

rebelião dos cativos assombrava a minoria branca. O analfabetis-

mo era geral. De cada dez pessoas, só uma sabia ler e escrever. Os

ricos eram poucos e, com raras exceções, ignorantes. (GOMES, 2010,

p.17-18 )

Prossegue dizendo ...

O que existia no Brasil em 1822 é um passivo de muita pobreza, de

muita ignorância, herdado do período colonial... A noção de povo

brasileiro surge muito depois da Independência com a integração

nacional, com a Abolição da Escravatura. (GOMES, 2010, p.17-18).

Na realidade, a abolição da escravatura lançou a população negra e mestiça a

uma situação de muita pobreza e desigualdade. Não tinham formação educacional e

profissional que lhe garantisse um trabalho digno e uma remuneração suficiente para

o sustento da família. Assim, viam-se forçados a viver nas fazendas, de favor, em troca

de subsistência ou iam para as cidades viver de ofícios variados aprendidos quando

eram escravos. Como as cidades da época não tinham infraestrutura suficiente nem

moradias para todos, concentravam-se na periferia, em áreas desocupadas ou de difícil

acesso, em construções precárias, constituindo-se as primeiras favelas de populações

pobres e miseráveis do Brasil.

Até a década de 1930, a economia brasileira era essencialmente agrário-expor-

tadora, e a sociedade tradicional dominada por uma elite conservadora e marcada por

relações sociais pessoais e hierarquizadas. A sociedade era caracterizada por um gran-

de distanciamento entre grupos sociais, os poderosos e os pobres, com predomínio da

troca de favores, da valorização dos privilégios, do autoritarismo e do individualismo.

Já nesse período, as desigualdades sociais e a concentração de renda marcavam o nos-

so povo.

Na aula 2, ficou evidenciada a importância destes traços culturais na formação

da sociedade brasileira. Vimos que Roberto Da Matta1 explica essa situação, comen-

tando que o brasileiro se acostumou a buscar relações próximas com o poder, através

da figura de um “padrinho”, como uma forma de navegação e ascensão social. As rela-

ções de desigualdades são bem enfatizadas, mostrando o sentido de superioridade e

um forte poder das elites no Brasil. (DA MATTA,1985, p.103).

A partir da década de 30, a modernização do país tem inicio com a industria-

lização, quando se introduz nas relações de produção, o trabalhador assalariado, re-

presentado principalmente pela figura do operário e do imigrante. Uma vez que a po-

1 Para maior aprofundamento do assunto, ver Roberto da Matta em seu livro O que faz o Brasil, Brasil? (1985).

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pulação escrava não tinha capacitação para assumir os postos de trabalho oferecidos

pela indústria nascente, o governo foi buscar o imigrante como mão de obra para as

indústrias.

Nesse sentido, o Estado exerceu um papel preponderante de impulsionador

do desenvolvimento com a criação das leis trabalhistas, a implantação da infraestru-

tura portuária, estradas, a produção de máquinas e equipamentos, a siderurgia e a

indústria de base. O modelo de desenvolvimento centrava-se na industrialização, pela

substituição de importações com forte concentração do capital.

O resultado imediato foi a formação da burguesia, a elite empresarial brasileira,

quando se criam as condições para o desenvolvimento da acumulação capitalista no

Brasil.

Posteriormente, o país alternou o desenvolvimento de uma sociedade capita-

lista com longos períodos recessivos, altas taxas de inflação e com liberdades políticas

restritas em governos autoritários. O modelo de desenvolvimento adotado, ainda que

tenha trazido desenvolvimento e progresso, aprofundou os problemas sociais e as de-

sigualdades, gerando mais pobreza.

Na realidade, o Brasil se caracterizou sempre como uma sociedade desigual,

com uma pequena elite, não importa a origem da riqueza se agrário-exportadora,

industrial ou financeira, dominando a grande maioria da população pobre. Marcio

Pochmann, estudioso no assunto e presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas

Aplicadas (IPEA), órgão do governo responsável pelas analises sócio-econômicas do

Brasil, afirma:

Apesar do aparecimento de novos personagens ricos, [...] a desigual-

dade de renda permaneceu estável. Uma pequena parcela da popu-

lação apropria-se de muito, enquanto a maior parte dos brasileiros

fica com bem pouco. (POCHMANN, 2010)

E como todo esse desenvolvimento se refletiu na estrutura atual da sociedade?

Você acha que houve mobilidade social e redução das desigualdades e da pobreza da

população? Vejamos como se caracterizam a sociedade e as classes sociais no período

recente.

A DESIGUALDADE E A POBREzA NO BRASIL DE HOjE

Nos últimos dez anos, desde o último censo em 2001, o país consolida sua eco-

nomia, centrada na indústria, agronegócio, produção de petróleo e combustível, su-

perando o subdesenvolvimento. Hoje o Brasil é a oitava economia do mundo e não

é mais considerado um país pobre e subdesenvolvido, mas uma nação emergente,

inserida favoravelmente no contexto global.

Com a democratização, o controle da inflação e o fortalecimento de suas ins-

tituições e da sociedade civil, o Brasil ingressa num processo expressivo de mudança

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sócio-econômica e política que resultou na ascensão a novo patamar de desenvolvi-

mento, ainda que não tenha havido mudanças significativas na sua estrutura social.

Vimos na aula passada, sobre mobilidade e mudança, que houve uma expressi-

va mobilidade social, com a movimentação de segmentos da população ascendendo

à classe média e com a redução da pobreza. Mais da metade da população brasileira

hoje está na classe média. Cerca de 35,7 milhões de pessoas entraram nas classes A, B e

C. A revista Isto É de 5/01/2011, analisando a situação brasileira recente e as condições

de pobreza e desigualdade registra que,

[...] entre 2003 e 2009 houve uma redução expressiva da pobreza no

país, o número de incluídos saltou duas vezes e meia: de 3,6 milhões

de famílias em 2003 para 12,8 milhões em 2010.

Fernando Nogueira da Costa, economista e professor da Unicamp, analisando

os dados da PNAD de 2009, identifica que houve queda na desigualdade social e na

pobreza no Brasil, como demonstra nos gráficos abaixo, quando o Índice de Geni ela-

borado pela ONU que mede a desigualdade dos países, identifica uma redução de

0,545 em 2003 para 0,509 em 2009, ainda pequena para o problema que retrata. Nesse

índice, quanto mais próximo o resultado de 1, maior é a desigualdade.

Observando-se alguns gráficos do autor, verifica-se também, uma queda na po-

breza de 2002 e 2009 com quase 30% da população brasileira na classe E, enquanto

que em 2009 houve uma redução de pobres para 17,4%.

Gráficos de classes sociais e Índice de GENI

Fonte: Adaptado de fernandonogueiracosta.wordpress.com

Hoje o Brasil não é mais um país pobre e subdesenvolvido, mas é um dos países

mais desiguais do mundo, o terceiro, segundo relatório do PNUD publicado pela ONU

em julho/2010. A concentração de renda no Brasil é muito grande, pois 1% dos mais

ricos concentra a renda dos 50% mais pobres, segundo os mesmos dados. Em outras

palavras, a renda de uma pessoa rica é 25 ou 30 vezes maior do que de uma pessoa

pobre. Nos países desenvolvidos e com uma concentração de renda menor, essa dis-

tância fica em torno de 5 a 6 vezes apenas.2

2 Informações retiradas do artigo Problemas Contemporâneos de Sady Fauth Junior, consultor técnico do PNUD, publicado na Revista Brasileira

de Administração n.80 Jan/fev.2011.

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Pochmann3 (2007) complementa essa ideia....

Os 10% mais ricos da população impõem, historicamente, a dita-

dura da concentração, pois chegam a responder por quase 75% de

toda a riqueza nacional. Enquanto os 90% mais pobres ficam com

apenas 25%. (POCHMANN, 2007)

É considerado pobre o país onde existe um expressivo volume de riqueza, mas

ela não está acessível a uma parcela da população. A riqueza é, portanto, mal distribu-

ída. Nem todos estão empregados e os serviços públicos básicos, como saúde, educa-

ção e segurança, não estão disponíveis para todos ou são oferecidos com baixa quali-

dade. O Brasil é um país onde a riqueza é mal distribuída, existe muita concentração de

riqueza e poder nas mãos de uma minoria, em detrimento da maioria da população.

Por isso, Frei Beto afirma que “O Brasil é rico mas não é justo “ (BETTO,2010, s.p.)

Agora vamos refletir um pouco. Falamos em desigualdades sociais e pobreza.

Você considera que a desigualdade social é o mesmo que pobreza?

A pobreza existe quando um segmento não tem renda suficiente para viver em

condições dignas. Não tem acesso à moradia, saneamento básico, alimentação, segu-

rança, serviços de saúde e educação. Pobreza indica a falta de condições e qualidade

de vida enfim, a falta de cidadania.

As definições de pobreza são muitas, mas se costuma adotar a concepção do

Banco Mundial que considera as pessoas que vivem com menos de um dolar/dia estão

abaixo da linha de pobreza, ou seja, são os miseráveis, ganham menos de R$80,00 por

mês. Fazendo-se a equivalência com o salário mínimo brasileiro, seriam miseráveis os

que possuem uma renda inferior a um quarto do salário mínimo vigente, o que hoje

representa R$137,00. Essa condição se define como pobreza absoluta,ou seja, ausên-

cia das condições mínimas de sobrevivência.

A questão da renda é um dos marcos balizadores da definição de pobreza. Mui-

tos países estabelecem uma renda mínima de sobrevivência representada por um sa-

lário básico. No Brasil, o salário mínimo é calculado anualmente tendo por base uma

cesta básica de alimentos e serviços necessários para sobrevivência que hoje está es-

tabelecido em R$545,00. Esse valor também é utilizado como demarcador da linha de

pobreza.

Às vezes dizemos que somos pobres porque não possuímos algo que quere-

mos, um carro, uma casa, um computador. O poder aquisitivo para adquirir bens de

consumo pode ser baixo, mas temos um trabalho e condições mínimas de vida e lazer.

Isso não caracteriza a pobreza absoluta, mas a pobreza relativa.

Na próxima aula 7, sobre a cidade de Salvador, você pode ver um quadro sobre

a distribuição do salário mínimo que ilustra muito bem a situação de pobreza da nossa

cidade. A grande maioria, cerca de 83%, tem uma renda de menos de 3 salários míni-

mos, e isso representa uma população pobre muito grande!

3 Ver artigo de M. Pochmann, O país dos desiguais, na integra, publicado em 6/10/2007, no site do Le Monde-Brasil in: diplomatique.uol.com.

br/artigo.php?id=30.

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A miséria no Brasil é visível através dos moradores de rua das grandes cidades,

os meninos e meninas nas sinaleiras, os pedintes, as inúmeras favelas, os lixões e os

bolsões de pobreza nas periferias. Essa população vive em condições extremamen-

te precárias desprovidas de tudo. Várias músicas dos nossos compositores falam da

pobreza. Ouça por exemplo, Alagados, de Gilberto Gil, cuja letra está logo a seguir, e

Pixote de Chico Buarque de Holanda. Abaixo, uma foto de um lixão, com a utilização de

crianças como catadores de lixo reciclável para sustento familiar, comum nas cidades

brasileiras.

Alagados

Gilberto Gil

Todo dia o sol da manhã

Vem e lhes desafia

Traz do sonho pro mundo

Quem já não o queria

Palafitas, trapiches, farrapos

Filhos da mesma agonia

E a cidade que tem braços abertos

Num cartão postal

Com os punhos fechados na vida real

Lhe nega oportunidades

Mostra a face dura do mal

Alagados, Trenchtown, Favela da Maré

A esperança não vem do mar

Vem das antenas de TV

A arte de viver da fé

Só não se sabe fé em quê

A arte de viver da fé

Só não se sabe fé em quê

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Figura 1 - Garoto no Lixão da Vila Estrutural, DF

Autor: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Considerando a realidade da pobreza e da desigualdade retratadas na imagem

e nas letras das músicas citadas, reflita sobre este problema social e o futuro das crian-

ças brasileiras.

A condição de pobre submete o individuo à dependência, à aceitação de favo-

res, de óculos, tratamento médico e dinheiro, em troca de votos nas eleições. A pobre-

za leva à desinformação e à pouca participação política, portanto, à falta completa de

cidadania. No Brasil essa pobreza agrava as condições de desenvolvimento.

As desigualdades não se restringem à questão da renda. Todas as pesquisas

mostram que homens e mulheres, na mesma função, não ganham iguais e nem sem-

pre tem as mesmas condições de trabalho. Os cargos mais altos são sempre ocupados

por homens.

A desigualdade se manifesta também em relação à etnia, onde os dados mos-

tram uma situação mais grave. Os pretos e pardos ganham menos e sofrem mais vio-

lência no país. Os homicídios são maiores entre esse segmento do que entre pessoas

brancas e, consequentemente, o contingente de presidiários negros e mestiços tam-

bém é maior.

Desigualdade social não pode ser confundida com pobreza. O Brasil, além de

ter uma população pobre expressiva, é também um país com muitas desigualdades

sociais.

As desigualdades sociais também se apresentam entre as regiões do país. As-

sim, temos o Norte e o Nordeste com a presença maior de pobres do que a região Sul

e Sudeste e com indicadores sociais mais baixos para educação, saúde e renda. No

gráfico a seguir, vemos os municípios brasileiros por região, segundo a incidência de

pobreza e o índice de Geni, que mede a desigualdade social.

Ressalta-se que os municípios do Nordeste e do Norte concentram a maior po-

breza do Brasil. No tocante a desigualdade social medido pelo quoeficiente de Geni

o Centro-Oeste apresenta maiores disparidades entre ricos e pobres. O agronegócio,

base da economia da região, pode ser uma explicação para esse caso, pois é um tipo

de produção fortemente concentradora de riqueza.

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Fonte: Adaptado do IBGE

Diante dessas questões, o que se pode fazer para a redução das desigualdades

e da pobreza no Brasil?

políticas públicas de inclusão social

Nos últimos dez anos, tem havido uma preocupação do governo em desen-

volver políticas públicas de inclusão social e redistribuição de renda, que têm como

princípio básico, aumentar a renda dos mais pobres ou dar-lhes condições especiais

para se desenvolverem e serem incluídos na sociedade. São segmentos sociais que

historicamente sofreram e sofrem discriminações e preconceitos.

As políticas públicas são decisões tomadas na forma de leis, programas, e pro-

jetos, em assuntos de interesse público ou coletivo. Constituem um compromisso do

governo, para a garantia dos direitos e do acesso aos serviços públicos de toda a po-

pulação.

As políticas de inclusão social são ações voltadas para reduzir a exclusão social,

geralmente ligada a pessoas de menor classe social, baixo nível de educação, portado-

res de deficiências físicas e mentais, minorias, pobres, idosos, negros, homossexuais,

crianças e adolescentes. São também consideradas ações afirmativas ou de discrimi-

nação positiva, constituem as políticas compensatórias, assim chamadas porque visam

tratar de forma diferenciada esses segmentos, tratar os desiguais de forma diferente

para que as oportunidades possam ser oferecidas de forma mais equilibrada, compen-

sar as perdas e a marginalização. Na lógica dessas políticas, está embutida a ideia de

que é preciso compensar as perdas históricas desses segmentos.

A discriminação positiva introduz na norma o tratamento desigual dos formal-

mente iguais. Podemos citar como exemplo a reserva de vagas em empregos públicos

para os deficientes físicos e a reserva de vagas nas universidades para os alunos da

rede públicos e afrodescendentes, as chamadas cotas sociais.

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O resultado dessas políticas no Brasil aponta para a redução da pobreza e para o

aumento dos gastos sociais. Na última década, o salário mínimo teve aumento real aci-

ma da inflação. Nas políticas de redistribuição de renda, destaca-se também o progra-

ma Bolsa Família, considerado como um dos responsáveis pela redução da pobreza e

pelo crescimento econômico do país. Isso porque, além de aumentar o rendimento do

pobre, possibilitou o consumo de bens e serviços antes inacessíveis a essa população.

Por outro lado, as condicionalidades para o recebimento do beneficio que limi-

ta o ingresso das famílias que recebem menos de R$120,00 per capita, afetaram po-

sitivamente a saúde e a educação, principalmente do Nordeste, onde o Bolsa Família

é mais forte e os dados sociais mais negativos. É condição para o recebimento do be-

nefício que as crianças e jovens da família frequentem a escola, que as crianças sejam

vacinadas e que as gestantes façam o exame pré–natal. Em sete anos de existência do

programa, o número de beneficiados subiu cerca de duas vezes e meia, de 3,6 milhões

em 2003 para 12,8 milhões em 2010, conforme a Revista Isto é de 5/01/2010.

Frei Beto, analisando as desigualdades sociais no Brasil4, reconhece que os gas-

tos sociais aumentaram e que houve redução da pobreza.

De 2001 a 2007, o gasto social por habitante aumentou 30%. Hoje,

no Brasil, 20% da rendas das famílias provêm de programas de

transferência de renda do poder público, como aposentadorias, Bol-

sa Família e assistência

social. Segundo o IPEA, em 1988 essas transferências representavam

8,1% da renda familiar per capita. De lá para cá, graças aos progra-

mas sociais do governo,

21,8 milhões de pessoas deixaram a pobreza extrema. (BETTO,

2011)

Frei Betto prossegue sua análise5 em outro artigo acrescentando....

Há, sim, melhoras em nosso país. Entre 2001 e 2008, a renda dos

10% mais pobres cresceu seis vezes mais rapidamente que a dos

10% mais ricos. A dos ricos cresceu 11,2%; a dos pobres, 72%. No

entanto, há 25 anos, de acordo com dados do IPEA, este índice não

muda: metade da renda total do Brasil está em mãos dos 10% mais

ricos do país. E os 50% mais pobres dividem entre si apenas 10% da

riqueza nacional. (BETTO, 2010)

O novo governo da Presidente Dilma Roussef lançou um plano de erradica-

ção da pobreza que pretende retirar da miséria 8,5% de brasileiros que ganham até

R$70,00 por pessoa da família por mês e que representam cerca de 16 milhões de pes-

soas. Segundo o plano elaborado pelo governo federal, o perfil dessas pessoas define

4 Ver artigo de Frei Betto Desigualdade social e renda injusta, na íntegra, em: http://www.brasildefato.com.br/node/5725 5 Idem, no artigo, Desigualdades sociais no Brasil no site http://www.brasildefato.com.br/node/4267

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que 25,5% são da zona rural, estão no Nordeste (18,1%) e, em sua maioria, 61,8%, tem

cor parda6.

A questão social e os problemas são grandes e complexos, dentre eles, a pobre-

za e as desigualdades permanecem como um grande desafio. Alguns avanços foram

feitos, mas existe ainda um longo caminho a percorrer, para que o desenvolvimento

do país ocorra com justiça e equidade, voltado para inclusão de todos os brasileiros e

fazendo valer nossos direitos e a nossa cidadania a serem detalhados e conhecidos na

próxima aula.

SínteSe

Esta aula teve o objetivo de analisar as questões relativas à pobreza e às desi-

gualdades sociais, aprofundando dados e informações da realidade brasileira. Vimos

que as raízes do problema remontam a nossa história com o passado escravocrata, os

latifúndios, a monocultura uma elite conservadora e com um poder político, social e

econômico considerável, em detrimento das demais classes sociais. Foram analisados

as dimensões das desigualdades e da pobreza e os significativos avanços por conta de

políticas públicas em curso voltadas para a inclusão social. Conseguimos a estabilida-

de macroeconômica e a inserção do país no contexto mundial.

QUeStãO paRa ReflexãO

Como aproveitar o crescimento e os avanços conseguidos, reduzindo os pro-

blemas sociais do desemprego, moradia, fome, miséria, violência, educação e da saúde

que nos coloca em situação preocupante ao lado de países africanos e extremamente

subdesenvolvidos ? Como criar um projeto de sociedade que enfrente os desafios da

erradicação da pobreza absoluta e das desigualdades sociais? Qual o Brasil que que-

remos?

leItURaS IndIcadaS

BETTO, Frei. Desigualdades sociais no Brasil. Disponível em: <http://www.

brasildefato.com.br/node/4267>. Acesso em: 10 jun. 2011.

BETTO, Frei. Desigualdade social e renda injusta. Disponível em: http://www.

brasildefato.com.br/node/5725

COSTA, Fernando Nogueira. Queda da pobreza e da desigualdade da renda do

trabalho. Disponível em: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com

POCHMANN, Marcio. O país dos desiguais. Disponível em: http://www.uol.com.br

Schwartzman, Salomão. Redução da pobreza e os programas de transferência de

renda. Disponível em: http://www.schwartzman.org.br sitesimon/?p=45&lang=pt-br.

6 Dados retirados de notícia veiculada no Estadão de 3/05/2011. O Plano De Dilma para erradicar a pobreza in: http;//www.estadao.com.br

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SIteS IndIcadOS

http://www.jurisdoctor.adv.br/legis/constitu.htm - texto integral da Constituição da

República Federativa do Brasil.

http://artigonal.com.br. - desigualdades sociais

http://www.ibge.gov.br

http://www.unesco.org.pt Brasília. Redução da pobreza no Brasil.

http://www.correiodobrasil.com.br/desigualdade-social-no-brasil

http://www.coladaweb.com/sociologia/desigualdades-sociais-e-as-classes

Http://www.estadao.com.br/notícias

http://cps.fgv.br/pt-br/desiguladade_de_renda_na_decada

RefeRencIaS

BETTO, Frei. Desigualdades sociais no Brasil. Disponível em: <http://www.brasildefato.com.br/

node/4267>. Acesso em: 10 jun. 2011.

BETTO, Frei. Desigualdade social e renda injusta. Disponível em: < http://www.brasildefato.com.br/

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COSTA, Cristina. Sociologia: introdução a ciência da sociedade. 2. ed. São Paulo: Moderna,1997.

FAUTH JUNIOR, Sady Sidney. Problemas Contemporâneos. In: Revista Brasileira de Administração. Ano

XX. n.80. Jan/fev de 2011.

FERREIRA, Delson. Manual de sociologia: dos clássicos à sociedade da informação. 2. ed. São Paulo: Atlas,

2003.

GOMES, Laurentino. “1822”. Rio de janeiro: Editora Nova Fronteira. 2010.

MATTA, Roberto da. O faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1985.

POCHMANN, Marcio. O pais dos desiguais. Disponível em: <http://diplomatique.uol.com.br/artigo.php?id

=30&PHPSESSID=2992afb2cd65c8594faad2ff286459fc>. Acesso em: 30 abr. 2011.

REVISTA ISTO É. O Brasil depois do Mito. Reportagem especial. Ano 35, n.2147 de 5 jan/2011.

TOMAZI, Nelson Dacio et al. (Coord.). Iniciação à sociologia. São Paulo: Atual, 1993.

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auLa 06 - DE onDE vEm a ciDaDania?

Autoras: Maria Raquel Mattoso Mattedi e Sônia Margarida Bandeira Cer-

queira

““Ninguém pode ser cidadão de duas cidades”. (Cícero)

O objetivo de nossa aula de hoje é falar sobre cidadania. Para tanto, precisamos

retroceder um pouco e falarmos, antes, da cidade. Embora todos nós tenhamos um

entendimento do que seja a cidade, é importante pensar no surgimento dessa forma

de vida para melhor entendermos a sociedade atual, o avanço do processo civilizató-

rio e, principalmente, o que vem a ser cidadania.

Atualmente grande parte da população vive em cidades. No mundo, quase a

metade de toda a população. No Brasil até o início do Século XX a maioria da popu-

lação vivia nas zonas rurais, em 2000, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística -IBGE, essa relação se inverteu com uma proporção de 85% de brasileiros

vivendo em grandes aglomerações urbanas. Essa é uma tendência mundial. Mas nem

sempre foi assim.

O processo de evolução das cidades foi lento e fatores diversos as influencia-

ram, fazendo-as evoluir ou, em alguns momentos, a retroceder. Interessante é que

com as cidades também evoluiu o sentido do direito e da cidadania. Daí a necessidade

de voltarmos um pouco no tempo, pois como todos sabem o tempo explica muita

coisa.

Mas, o que é a cidade? Quais as condições necessárias para que elas possam

surgir? Como as cidades evoluíram através do tempo?

Nosso primeiro passo, será traçar a evolução histórica das cidades e perceber

como as paisagens urbanas expressam o modo de vida de uma sociedade humana.

Na sequência, vamos falar sobre os principais tipos de cidades que conhecemos. Sabe-

mos que, embora todas as cidades tenham aspectos em comum, também são muito

diferentes entre si. Cada uma é uma. Dizem até que as cidades têm personalidades!

Por fim, vamos tentar fazer uma conexão da cidade com a política e com a cidadania,

que são termos afins.

EvoLução HistÓrica Das ciDaDEs

As cidades nem sempre existiram. No período do paleolítico1, por exemplo, o

homem era nômade e vivia sobre a terra, em pequenos grupos buscando abrigo e

alimentos. Só mais adiante, em uma linha do tempo, que podemos imaginar a partir

de agora, é que foi possível ao homem tornar-se sedentário. E por que isso aconteceu?

Quais seriam as condições necessárias para que grupo social possa se fixar em um 1 O Paleolítico (pedra antiga), também conhecido como Idade da Pedra Lascada, refere-se ao período pré-histórico que vai de cerca de 2,5

milhões a.C., quando os ancestrais do homem começaram a produzir os primeiros artefatos em pedra lascada, até cerca de 10000 a.C. Neste

período os homens eram essencialmente nômades caçadores-coletores, tendo que se deslocar constantemente em busca de alimentos. Desen-

volveram os primeiros instrumentos de caça feitos em madeira, osso ou pedra lascada, e dominaram o uso do fogo.

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dado território? Você já pensou nisso?

Estamos falando da primeira revolução da humanidade: a revolução agrícola.

Imagine você que sem ela não teríamos as cidades! A agricultura permitiu que os gru-

pos humanos se fixassem na terra, construíssem abrigos melhores do que as cavernas

(casas) e pudessem se dedicar a outras atividades que não apenas à caça, à pesca e ao

extrativismo vegetal. Estamos falando de um grande avanço na relação do homem

com o seu meio ambiente. Um avanço no conhecimento da humanidade e que abriu

caminho para tantos outros que vieram depois. Porém, lembrem-se, todos muito len-

tos.

Por volta do ano 9.000 antes de Cristo (a.C.), o homem se transforma em pastor,

ficando mais sedentário. Um século depois (8000 a.C.) desenvolve o plantio de algu-

mas espécies, além do pastoreio. Mais adiante, nos idos de 6.000 a.C, inovações tecno-

lógicas permitem a consolidação da agricultura. O aldeamento pode ser considerado

o embrião das cidades, mas somente em 5.000 a.C. surgem povoações que podem

ser consideradas cidades, porque nelas surgem novas e mais complexas atividades

humanas (CARLOS, 2007,60).

Figura 1- A agricultura

Fonte: UNIFACS

Estas cidades surgiram na Mesopotâmia, sempre perto de grandes rios (Tigre e

Eufrates), pois a água é fundamental para a vida e, para tanto, foi preciso que a socie-

dade se diversificasse e que, internamente, houvesse uma divisão social do trabalho.

O que quer dizer então divisão do trabalho? Refere-se à participação diferen-

ciada dos homens no processo de produção e distribuição de riquezas. Como sabe-

mos, nem todos fazem a mesma coisa no interior de uma sociedade. Já nas primeiras

povoações podia-se observar uma simples divisão do trabalho. Os homens caçavam,

pescavam e guerreavam, garantindo a segurança do grupo, as mulheres ficavam nas

aldeias cuidando das crianças e das plantações e, os mais velhos, também mais sábios,

orientavam os grupos. Esta divisão do trabalho é que vai permitir que a sociedade

avance e se especialize. Também vai fazer com que surjam as diferenças sociais, com o

aparecimento das classes sociais que vimos nas primeiras aulas.

Quando a produção de alimentos vai além das necessidades imediatas do gru-

po, gerando um excedente de produção, é o momento em que uma parte da socie-

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dade pode se dedicar a outras atividades que não apenas a produção agrícola. Nasce

daí a cidade.

À medida que a produção agrícola foi aumentando, as mudanças e diferenças

no interior da sociedade também foram se aprofundando. Já nem todos faziam tudo,

assim como nem todos estavam no mesmo nível hierárquico (estratificação social).

O poder de uns sobrepujou o poder de outros. Enquanto uns ficavam na cidade de-

senvolvendo funções políticas, militares ou religiosas, outros permaneciam no campo

produzindo o “pão de cada dia” de todos. A escravidão surgiu como forma de garantir

essa nova forma de trabalho e de vida, que foi se consolidando e se tornando domi-

nante por muitos séculos.

Das cidades antigas devemos, sobretudo, lembrar de dois modelos importan-

tes para chegarmos ao nosso tema principal de hoje que é o da cidadania: a cidade

grega, ou a Pólis e a cidade romana ou a Civitas. Nelas, já observamos um grau elevado

de hierarquização social, com maior divisão social do trabalho, maior excedente de

alimentício e, simultaneamente, uma sociedade dividida em classes. A forma como a

sociedade se organizava social e economicamente é conhecida como modo de produ-

ção escravista, porque toda a produção dependia dessa forma de trabalho.

A forma (paisagem) dessas cidades expressava muito de suas funções. Na Pólis

grega, a ágora correspondia à nossa praça pública, espaço no qual os filósofos pensa-

vam a vida coletiva e trocavam essas ideias entre si e com outros cidadãos. Na Civitas

romana, o fórum expressava o poder militar que fez de Roma um grande império. Am-

bas eram Cidade Estado.

Após a queda do império romano, por volta do ano 400 depois de Cristo (d.C.),

no Século V, as cidades, que a essa altura já estavam espalhadas por várias partes da

Europa Ocidental, se retraíram, havendo o ressurgimento da vida no campo. Durante

todo o tempo que se seguiu – chamado de Idade Média –, as cidades perderam sua

importância e a terra e as atividades agrícolas voltaram a dominar a sociedade, cons-

tituindo-se na única fonte de riqueza social. Podemos dizer que se passaram quase 6

séculos até que as cidades voltassem a adquirir importância, a partir do Século XI.

Na cidade medieval, o poder político foi centralizado nas mãos dos grandes

senhores de terra e a igreja católica assegurava a sustentação desse novo modo de

produção. A escravidão foi substituída pela servidão e a sociedade adquiriu outra fisio-

nomia. Inicialmente cercada por muros, cresceram extramuros, onde se desenvolveu

o comércio.

À medida que o comércio foi se desenvolvendo, as cidades começaram a rea-

dquirir importância, pois esse é um espaço próprio para as pessoas se encontrarem,

negociarem e comprarem as mercadorias, que são aqueles bens produzidos espe-

cialmente para o mercado. As necessidades sociais também aumentam e a produção

cresce. Mais procura ou demanda é igual a mais produção ou produtos. O avanço do

comércio, o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, e o aumento das riquezas

produzidas, são fatores que, aos poucos, vão criando as condições para o surgimento

de um novo modo de produção: o modo de produção capitalista.

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Com o modo de produção capitalista, as cidades vão assumindo nova fachada,

mais parecida com o que chamamos hoje de cidade. Alguns autores, a exemplo de Rol-

nik (1995), a chamam de cidade do capital, porque nelas tudo é diferente. Mais gente,

mais movimento (fluxos), mais mercadorias circulando, novas construções, nova cul-

tura, novos serviços e tudo o mais. Aproveitando a oportunidade, sugerimos que você

assista ao filme Cidades: Da Aldeia à Megalópole,2 que é muito interessante e pode ser

encontrado na biblioteca da UNIFACS.

Mas o que distingue este modo de produção daqueles que vimos anteriormen-

te?

Nele, a produção agrícola fica em segundo plano e novas atividades humanas

emergem, como a indústria e os serviços especializados que, agora, passam a dominar

a estrutura produtiva da sociedade. O trabalho já não é mais o escravo, tampouco a

servidão subsiste. Surge o trabalho assalariado. Muitos trabalhadores saem do campo

dirigindo-se às cidades para vincularem-se à indústria ou a outros serviços que nela se

desenvolvem. A Revolução industrial trouxe mudanças fundamentais e irreversíveis

para as sociedades humanas e também para o meio ambiente. A industrialização e

a consequente urbanização – entendida aqui como o deslocamento das populações

do campo para as cidades – alteram para sempre o cenário urbano. Muitas mudanças

ocorrem, novas classes sociais despontam, mas, simultaneamente a uma imensa pro-

dução de riquezas, surge um novo fenômeno que é da exclusão social.

Como o nosso objetivo maior é chegar no tema cidadania, agora vamos nos de-

ter nas transformações que este novo modo de produção trouxe para a vida pública.

ciDaDania

Você sabia que a palavra política tem origem na Pólis grega? E que Pólis quer

dizer cidade? E que cidade quer dizer local onde se desenvolve uma vida pública? Na-

queles dois modelos de cidades que vimos anteriormente, a grega e a romana, está

implícita a ideia de cidadania e de participação do cidadão na vida pública (ROLNIK,

1995). Cidadania, palavra tão conhecida nos dias atuais, vem de lá, de tão longe, tanto

no tempo, como no espaço. Cidade se refere, pois, a um modo de vida particular, de

natureza coletiva ou pública e é cidadão todo aquele que participa da vida pública.

Muita gente pensa que política se refere apenas a partidos políticos e, às vezes,

comenta que política não é interessante porque só alguns dela se beneficiam ou parti-

cipam. Essa é uma visão, todavia, muito estreita. A ideia de política como participação

na vida pública nasceu na Grécia antiga, onde também surgiu a democracia direta que

se materializava em espaço público, lá chamado de ágora, como vimos anteriormente.

Na ágora, eram discutidas as questões que diziam respeito ao conjunto da sociedade.

Seguindo este raciocínio, qualquer forma de participação nos assuntos que dizem res-

peito a uma coletividade é política. Uma associação de trabalhadores, um sindicato,

um diretório acadêmico na universidade e, até mesmo, um condomínio residencial

é um espaço político, porque os problemas que são discutidos nesses espaços dizem

respeito a uma coletividade.2 UNIFACS. Na biblioteca do PA 8 você poderá encontrá-lo. É um filme da DISCOVERY.

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Já dizia Bertolt Brecht, um dramaturgo alemão muito importante que viveu no

Século XIX, que:

O Analfabeto Político

O pior analfabeto é o analfabeto político.

Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.

Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão,

do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio

dependem das decisões políticas.

O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a

política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor

abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e

lacaio dos exploradores do povo.

Fonte: http://www.culturabrasil.pro.br/brechtantologia)

Porém, o sentido de cidadania, na época dos gregos, era ainda muito restrito

porque somente eram considerados cidadãos, os homens livres e de posse. As mulhe-

res, crianças, escravos e estrangeiros não tinham direito a participação da qual esta-

mos falando. Você conhece a música de Chico Buarque de Holanda, chamada Mulhe-

res de Atenas? Ela pode nos dar uma ideia de como eram consideradas as mulheres

gregas de então. Veja a seguir a letra dessa música e, se possível, também o vídeo no

site indicado abaixo.

Mulheres de Atenas

Chico Buarque

Mirem-se no exemplo

Daquelas mulheres de Atenas

Vivem pros seus maridos

Orgulho e raça de Atenas

Quando amadas se perfumam

Se banham com leite, se arrumam

Suas melenas

Quando fustigadas não choram

Se ajoelham, pedem imploram

Mais duras penas, cadenas

Mirem-se no exemplo

Daquelas mulheres de Atenas

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Sofrem pros seus maridos

Poder e força de Atenas

Quando eles embarcam soldados

Elas tecem longos bordados

Mil quarentenas

E quando eles voltam, sedentos

Querem arrancar, violentos

Carícias plenas, obscenas

Mirem-se no exemplo

Daquelas mulheres de Atenas

Despem-se pros maridos

Bravos guerreiros de Atenas

Quando eles se entopem de vinho

Costumam buscar um carinho

De outras falenas

Mas no fim da noite, aos pedaços

Quase sempre voltam pros braços

De suas pequenas, Helenas

Mirem-se no exemplo

Daquelas mulheres de Atenas

Geram pros seus maridos

Os novos filhos de Atenas

Elas não têm gosto ou vontade

Nem defeito, nem qualidade

Têm medo apenas

Não tem sonhos, só tem presságios

O seu homem, mares, naufrágios

Lindas sirenas, morenas

Mirem-se no exemplo

Daquelas mulheres de Atenas

Temem por seus maridos

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Heróis e amantes de Atenas

As jovens viúvas marcadas

E as gestantes abandonadas, não fazem cenas

Vestem-se de negro, se encolhem

Se conformam e se recolhem

As suas novenas

Serenas

Mirem-se no exemplo

Daquelas mulheres de Atenas

Secam por seus maridos

Orgulho e raça de Atenas

Fonte: http://letras.terra.com.br/chico-buarque/45150/

Figura 3 - Chico Buarque de Holanda

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Chico_Buarque.jpg

Vimos que, na Idade Média, a servidão substituiu a escravidão, mas a situação

do servo ainda era de muitas restrições. Sua possibilidade de ascensão social era qua-

se inexistente3. Nesse contexto, a cidadania deixa de ser uma categoria importante.

Quem nascia servo, morria servo, não existindo o que hoje conhecemos como Estado

de Direito. O que existia era o chamado Estado de Nascimento, ou seja, as pessoas

eram durante a vida o que eram ao nascer (COVRE, 1995, p.21).

O Estado de Direito vai avançar e se consolidar a partir do desenvolvimento de

um novo modo de produção, com o desmantelamento do regime feudal e a ascensão

de novas classes sociais: a burguesia e o trabalhador livre4. Isso aconteceu não sem

muita luta e revoluções. A Revolução Francesa foi uma delas. No plano político, essa 3 Vimos este conceito na Aula 3 -Mobilidade e Mudança Social.

4 Trabalhador assalariado em oposição ao escravo da Antiguidade e do Servo da Idade Média.

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revolução significou o estabelecimento de um Estado de Direito que se concretizou através das cartas constitucionais. Segundo Covre (1995), este Estado:

[...] surge para estabelecer direitos iguais a todos os homens, ainda

que perante a lei, e acenar com o fim da desigualdade a que os ho-

mens sempre foram relegados. Assim diante da lei, todos os homens

passaram a ser considerados iguais, pela primeira vez na história da

humanidade. Esse fato foi proclamado principalmente pelas cons-

tituições francesa e norte americana, e reorganizado e ratificado,

após a segunda Guerra Mundial, pela Organização das Nações Uni-

das – ONU, com a declaração dos Direitos do Homem (1948). (CO-

VRE, 1995, p.17-18).

Isso não significa que acabaram as desigualdades sociais como parece ser. As

diferenças continuaram e continuam existindo, pois sabemos que o acesso às leis é

mais fácil para alguns do que para outros. Todavia, embora pareça contraditório, a

ideia moderna de cidadania (re)nasce junto com o estado capitalista e com o liberalis-

mo político que se estabeleceu em oposição ao absolutismo real. Nesse novo contexto

político, a ideia de cidadania volta à cena histórica. Covre (1995) faz uma análise muito

interessante da relação entre o capitalismo nas suas diversas etapas, e a cidadania.

Vamos aqui tentar sintetizar estas ideias.

Numa primeira etapa do capitalismo, a mercantilista ou manufatureira, ainda

que prevalecesse o Estado Monárquico, a burguesia já despontava como classe social.

Assim o “estado era monárquico mas, de certa forma, regia em lugar da burguesia.

Naquele período, já se acenava com a ideia de cidadania mais genérica, no sentido

de valorização do trabalho – a ideologia de que o indivíduo possui a propriedade do

próprio corpo” (COVRE, 1995, p.41). Trata-se do começo dos chamados direitos civis

que representa um avanço porque, no feudalismo, ao servo não era concedido sequer

o direito que hoje conhecemos como o de “ir e vir”, de dispor do próprio corpo e ter

assegurada a sua segurança física.

Pode parecer estranho achar que não tenha sido ou que não seja sempre assim,

porém, se prestarmos bem a atenção na história das nações, não é raro a existência de

estados ditatoriais, ou seja, sempre existiram regimes de força restringindo as liberda-

des individuais. O Brasil mesmo já viveu longos anos de regime autoritário. A ditadura

de Vargas (1937/1945) e a ditadura militar (1964/1985) são alguns exemplos. Repare

que em 100 anos ou um século, o brasileiro viveu 33 de regime autoritário.

Há também problemas sociais que restringem nossas liberdades. Por exemplo:

a violência urbana tem feito com que muitos jovens não possam perambular, sem

compromisso, pela própria cidade (não é verdade?); o traficante que restringe o di-

reito de ir e vir da mãe de família que vive em assentamentos precários; o trabalho

escravo em grandes latifúndios do Norte e Nordeste do país; o trabalho infantil. Por

aí você pode perceber que, embora a lei assegure muitos direitos, às vezes, eles são

ameaçados pela própria sociedade, que mantém profundas desigualdades internas,

restringindo direitos tão duramente conquistados.

No Estado Liberal, com a burguesia já no poder e este desmembrado em poder

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executivo, legislativo e judiciário, emergem os direitos políticos. Nesse novo contexto,

as lutas entre os trabalhadores e os capitalistas se intensificam e são essas lutas que

vão ampliar o sentido de cidadania. O direito ao voto, ao sufrágio universal, à criação

de partidos políticos, dentre outros, decorrem dos embates travados entre as classes

sociais. Você pode pegar em qualquer locadora da cidade o filme Daens: Um Grito de

Justiça. Este filme retrata muitíssimo bem a segunda revolução industrial e os embates

para a ampliação da cidadania.

Os direitos políticos, além de permitir a escolha de nossos representantes nos

parlamentos, assembleias e câmaras legislativas, também garantem o direito de pen-

sar, de fé, de participação nas decisões coletivas, enfim, o direito de ser o que somos e

de professar nossas crenças. Paulo Freire, educador e filósofo, pernambucano se insur-

gia contra aquele conhecido dito popular: “Minha liberdade termina quando começa

a liberdade do outro”, dizendo: “Não, a minha liberdade termina quando termina a li-

berdade do outro. Se o outro não é livre eu também não sou livre. A minha liberdade

acaba quando acaba a liberdade do outro” (GADOTTI,1997).

Por fim, no Estado Monopolista, cuja cena é dominada por grandes oligopólios

(empresas ou corporações), emerge uma cidadania mais centrada na busca dos direi-

tos sociais. Nesse estágio do desenvolvimento, não alcançado ainda por muitos países,

os cidadãos buscam por melhores condições de vida no sentido amplo, através de

pressões e reivindicações que, se bem sucedidas, podem se tornar políticas públicas.

A busca pela cidadania requer esforço de todos no sentido de diminuir as desi-

gualdades sociais. Lembre-se da seguinte equação: menor desigualdade social signifi-

ca também maior segurança pública, maior bem-estar para todos, ampliação da liber-

dade de ir e vir, maior tranquilidade e prazer ao usufruir dos espaços públicos, menor

preocupação com a noite que se aproxima, menor medo de usar o transporte público,

de sair de noite, de ir até a casa do amigo vizinho, e tantas outras coisas importantes

para uma sociedade sadia e mais feliz.

Para que possamos obter tudo isto é preciso lutar, não no sentido literal, mas

metafórico de, através da solidariedade do conjunto da sociedade, garantir um espa-

ço urbano melhor para todos, mais agradável e mais sadio. Essa luta pode acontecer

de diferentes formas. Uma delas é no sentido de influenciar a criação de políticas so-

ciais que melhorem a renda, a moradia e o trabalho de todos nós.

Aqui, para finalizar, queremos ainda dizer que a cidadania é o nosso seguro para

um futuro melhor. Porém, assim como a liberdade, ela não nos é concedida de graça

(de grátis, como se diz). Não. Ela tem que ser buscada por todos aqueles que não são

analfabetos políticos e que sabem que o bem-estar de cada um depende do bem-

estar de todos.

Algumas sociedades já lograram obter níveis mais altos de cidadania, mas nós,

no Brasil, precisamos avançar muito mais. Pode ser compreensível o nosso atraso nes-

se sentido porque, até precisamente há 122 anos atrás, dependíamos da escravidão

para assegurar nossa riqueza, que, na verdade, era apenas de alguns. Todavia, vivemos

um novo tempo e é hora de buscarmos a ampliação de nossos direitos, não esquecen-

do, obviamente, das nossas obrigações presentes e como o futuro daqueles que virão

depois de nós. Nossos filhos e netos.

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SínteSe

O objetivo de nossa aula de hoje foi introduzir o tema da cidadania, falando

antes do surgimento das cidades e da sua evolução através da história das socieda-

des humanas. Falamos de um modo de vida que as sociedades encontraram, após

longo processo evolutivo. O modo citadino de viver. Viver coletivamente implica em,

necessariamente, ter direitos e obrigações em relação ao conjunto da sociedade. Ser

cidadão significa pois participar da vida pública e essa condição é, no seu sentido mais

puro, um acontecimento político. A cidadania, todavia, deve ser buscada, cotidiana-

mente, em todos os espaços da vida social, para ser fortalecida e usufruída por todos.

A cidadania anda passo a passo com a democracia e todos devemos garanti-la.

QUeStãO paRa ReflexãO

Quais são os pontos da Declaração Universal dos Direitos Humanos que você

considera que já foram definitivamente consolidados e quais aqueles que ainda não

foram implementados na sociedade que você vive?

Como a cidadania pode ser assegurada para todos conforme a lei, se vivemos

em uma sociedade profundamente desigual do ponto de vista sócio-econômico? Que

estratégias você desenvolveria para fortalecer um processo social de ampliação cres-

cente da cidadania?

leItURa IndIcada

Declaração Universal dos Direitos Humanos

www.culturabrasil.pro.br/direitoshumanos.htm

SIteS IndIcadOS

http://www.culturabrasil.pro.br/brechtantologia

http://letras.terra.com.br/chico-buarque/45150/

http://www.scielo.br/scielo

RefeRêncIaS

CARLOS, Ana Fani A. A cidade. O homem e a cidade. A cidade e o cidadão. De quem é o solo urbano? 8.

ed. São Paulo: Contexto, 2007.

COVRE, Maria de Lourdes Manzini. O que é cidadania. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1995.

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GADOTTI, Moacir. Lições de Freire. In: Rev. Fac. Educ. vol. 23 n. 1-2 São Paulo Jan./Dec. 1997. Disponível em

< Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-25551997000100002&script=sci_arttext>.

Acesso em: 03/08/2010

ROLNIK, Raquel. O que é cidade. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1995.

SPOSITO, Maria Encarnação B. Capitalismo e urbanização. 14. ed. São Paulo: Contexto, 2004. 80 p.

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auLa 07 - a ciDaDE DE saLvaDor

Autoras: Maria Raquel Mattoso Mattedi e Sônia Margarida Bandeira Cerqueira

“Triste Bahia, oh, quão dessemelhante…

Estás e estou do nosso antigo estado

Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado

Rico te vejo eu, já tu a mim abundante

Triste Bahia, oh, quão dessemelhante

A ti tocou-te a máquina mercante

Quem tua larga barra tem entrado

A mim vem me trocando e tem trocado

Tanto negócio e tanto negociante.

Caetano Veloso.

Vamos dar continuidade às nossas aulas falando agora de uma cidade especí-

fica, a de Salvador, provavelmente a cidade de muitos de vocês. Em geral, achamos

que a conhecemos bem, mas muitas lacunas devem existir no nosso conhecimento e

sempre é bom rever alguns pontos. Afinal, são 461 anos de história, e muitas estórias.

Nosso objetivo, além de apresentar um breve histórico da cidade, é dar um pa-

norama da Salvador atual para, na última aula, retornarmos ao nosso tema principal,

qual seja, cidadania. Em outras palavras, a pergunta a ser respondida por você em

relação à aula de hoje é: considerando o conceito e prática da cidadania, estará esta

prática definitivamente instalada na nossa cidade? Vamos lá?

EvoLução HistÓrica DE saLvaDor

A cidade foi fundada no ano de 1549, exatos 49 anos após a chegada dos por-

tugueses nas terras brasileiras. Para falarmos desta história, vamos usar um trabalho

de Silva (1991) que, através de muita pesquisa, traçou a evolução da expansão física

e socioeconômica da cidade com muita propriedade. Este texto sobre a formação da

cidade vai nos permitir perceber como e quando tudo foi acontecendo. Silva fala de

quatro períodos, assim estabelecidos:

1) Fundação e expansão da cidade (1549 até final do Século XVI); �

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2) Expansão da metrópole colonial (início do Século XVII a meados do Século XVIII); �

3) Crise da metrópole colonial (meados do Século XVIII a final do Século XIX); �

4) Lento crescimento da metrópole estadual, dividido, pelo autor, em dois momentos: �

até 1950 e de 1950 até os dias atuais. (SILVA, 1991).

Não vamos demorar muito na caracterização destes períodos, pois nosso obje-

tivo é outro, entretanto, ainda que rapidamente, vamos falar sobre cada um, de modo

que possamos ter uma visão abrangente da cidade e o entendimento de como ela

chegou a ser o que é hoje.

FUNDAÇÃO E EXPANSÃO DA CIDADE (1549 ATÉ FINAL

DO SÉCULO XVI)

Muito diferentemente da atualidade, Salvador começou sendo planejada por ar-

quitetos portugueses que aqui chegaram com uma proposta já definida de ocupação

do território, que ainda podemos reconhecer, na atualidade, visitando o nosso Centro

Histórico. Podemos até ver a planta básica da cidade no período de sua fundação:

Figura 1 – Planta da cidade de Salvador

PLANTA DA CIDADE DO SALVADOR - 1549

Planta localizada na Praça Municipal aos pés da estátua Tomé

de Souza

Fonte: Fotografia de alunos de Arquitetura da UNIFACS

Inicialmente, a parte da cidade ocupada foi a planície da Cidade Baixa na área

onde hoje está, na parte baixa, o Mercado Modelo e, na parte alta, o Elevador Lacerda,

estendendo-se pela Praça da Sé e seus arredores. A população não ultrapassava o nú-

mero de 1.000 habitantes, na sua maioria pessoas que vieram para construir a cidade

como os degredados, fugitivos e pessoas pobres, sem futuro em Portugal. Vieram tam-

bém artesãos que conheciam certos ofícios e representantes do Governo Português.

No final do Século XVI, a população já chegava a 12.000 habitantes (SILVA, 1991).

EXPANSÃO DA METRÓPOLE COLONIAL (INÍCIO DO SÉ-

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CULO XVII A MEADOS DO SÉCULO XVIII)

A partir do século seguinte – XVII – Salvador vai trilhar o seu caminho para che-

gar à chamada Idade de “ouro”, com a dinamização de economia colonial, através do

comércio. O porto de Salvador foi considerado, na época, o mais importante do Atlân-

tico Sul, e o comércio do açúcar deu sustentação à expansão da economia colonial por

muito tempo.

Entretanto, para viabilizar a produção da cana de açúcar e depois do fumo, o

Governo de Portugal fez renascer a escravidão que, na Europa, já havia sido superada

há muito. Este comércio se, de um lado, representou a expansão da economia local , de

outro, significou uma vergonha para os brasileiros, pois se estabelecia sobre relações

de trabalho que ofendiam, profundamente, a dignidade da sociedade e a possibilida-

de de evolução dos direitos humanos já emergentes nas nações europeias que nos

deram origem.

Figura 2 - Comércio de Escravos

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Rugendas_-_Chatimens_domestiques.jpg

Procure ouvir a música cujo texto colocamos a seguir. Como você vai ver, ela faz

referência a uma Bahia triste por conta da escravidão que aqui vigorou até pouco mais

de 100 anos (1888):

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Triste Bahia, oh, quão dessemelhante…

Estás e estou do nosso antigo estado

Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado

Rico te vejo eu, já tu a mim abundante

Triste Bahia, oh, quão dessemelhante

A ti tocou-te a máquina mercante

Quem tua larga barra tem entrado

A mim vem me trocando e tem trocado

Tanto negócio e tanto negociante

Triste, oh, quão dessemelhante, triste

Pastinha já foi à África

Pastinha já foi à África

Pra mostrar capoeira do Brasil

Eu já vivo tão cansado

De viver aqui na Terra

Minha mãe, eu vou pra lua

Eu mais a minha mulher

Vamos fazer um ranchinho

Tudo feito de sapê, minha mãe eu vou pra lua

E seja o que Deus quiser

Triste, oh, quão dessemelhante

ê, ô, galo canta

O galo cantou, camará

ê, cocorocô, ê cocorocô, camará

ê, vamo-nos embora, ê vamo-nos embora camará

ê, pelo mundo afora, ê pelo mundo afora camará

ê, triste Bahia, ê, triste Bahia, camará

Bandeira branca enfiada em pau forte…

Afoxé leî, leî, leô…

Bandeira branca, bandeira branca enfiada em pau forte…

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O vapor da cachoeira não navega mais no mar…

Triste Recôncavo, oh, quão dessemelhante

Maria pegue o mato é hora…

Arriba a saia e vamo-nos embora…

Pé dentro, pé fora, quem tiver pé pequeno vai embora…

Oh, virgem mãe puríssima…

Bandeira branca enfiada em pau forte…

Trago no peito a estrela do norte

Bandeira branca enfiada em pau forte…

Bandeira…

http://www.letras.com.br/caetano-veloso/triste-bahia

CRISE DA METRÓPOLE COLONIAL (MEADOS DO SÉCULO

XVIII A FINAL DO SÉCULO XIX)

Vários fatores levaram a metrópole soteropolitana a uma crise econômica de

grande porte e extensão. A concorrência comercial do açúcar produzido no Caribe,

a vinda da família real para o Brasil, a transferência da capital para o Rio de Janeiro,

a abertura dos portos em 1808, a independência em 1822, a abolição da escravatura

em 1888 são alguns fatores que vão alterar para sempre a fisionomia de Salvador. O

epicentro da economia colonial se deslocou da Bahia para a cidade do Rio de Janeiro,

no Sudeste do Brasil, e Salvador entrou em um contínuo processo de decadência eco-

nômica, com profundos reflexos sociais.

A cidade, na altura da independência, já havia se expandido no espaço, cres-

cendo linearmente para o norte, em direção ao Campo Grande de hoje, caminhando

em direção à costa atlântica e, para o sul, na direção à Península de Itapagipe, na Cida-

de Baixa. Veja como era o Campo Grande no final do Século XIX.

Figura 3 - Campo Grande no final do Século XIX

VEJA A IMAGEM NO LINK ABAIXO

http://jeitobaiano.files.wordpress.com/2009/07/campo_grande_decada703.

jpg?w=450&h=262

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No início do Século XX, Salvador ainda apresentava a fisionomia dos períodos

anteriores. Em 1900 sua população era de cerca de 200 mil habitantes e, em 1920, de

283 mil. Do ponto de vista espacial a orla da Baía do Todos os Santos e a orla Atlântica

da cidade já estavam ocupadas, sobretudo, para fins residenciais, porém, pouca aden-

sada.

Você sabe o que significa densidade demográfica? Existe uma fórmula simples

para calculá-la: população total dividida pela área, que é quase sempre medida em

Km2. Esta fórmula simples nos ajuda a conhecer a relação entre tamanho e número

de habitantes. Salvador tem uma alta densidade demográfica, quase quatro mil ha-

bitantes por Km2 - mas alguns bairros são mais adensados do que outros. Uma favela

também é sempre mais densamente ocupada do que um bairro moderno, como a

Pituba. Mas, voltando ao nosso assunto, Salvador continuava sendo uma cidade divi-

dida, social e espacialmente, entre pobres e ricos, brancos e negros.

Mesmo com a República instalada, desde 1879, pouca coisa havia realmente

mudado. O grande crescimento populacional só vai acontecer, posteriormente, entre

1940-1950, quando a decadência da economia agroexportadora concentrada no Re-

côncavo Baiano vai expulsar sua população em direção à Salvador.

LEnto crEscimEnto Da mEtrÓpoLE rEgionaL

Novos fatores econômicos vão afetar a metrópole de Salvador, a partir de se-

gunda metade do Século XX, dinamizando-a economicamente, expandindo-a espa-

cialmente, e modernizando-a.

A descoberta do Petróleo no Lobato e a fundação da Petrobrás (1953), a criação

da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE (1959); a criação do

Banco Nacional de Habitação – BNH (1964), a criação do Centro Industrial de Aratu –

CIA (1967) e, posteriormente, do Pólo Petroquímico de Camaçari (1978), vão mudar

Salvador, irreversivelmente. Essa mudança se manifestou na vida social, econômica,

cultural, política e espacial.

A partir da década de 1940, você pode reparar no Quadro 1, esta população não

para mais de crescer:

Quadro 1 – Evolução da População da Bahia

ANO POPULAÇÃO FONTE1549 1.000 Padre Manoel da Nóbrega1600 4.000 Teodoro Sampaio1706 21.601 Censo Eclesiástico1805 45.600 Censo Eclesiástico1900 205.813 Censo Eclesiástico1920 283.422 Ministério da Agricultura1940 290.443 Fundação IBGE1950 417.235 Fundação IBGE1960 544.816 Fundação IBGE1970 1.007.744 Fundação IBGE1980 1.531.242 Fundação IBGE1991 2.072.058 Fundação IBGE2000 2.443.107 Fundação IBGE

Fonte: GEOCAD - Consultoria e Planejamento. Salvador, 2006

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Todas as atividades anteriormente mencionadas passaram a atrair população

de outras áreas para Salvador. Inicialmente chegavam aqui pessoas vindas do Recôn-

cavo da Bahia, das terras que antes produziam a cana e o fumo, fazendo a cidade cres-

cer. Veja, no quadro anterior, que de 1940 a 1960 a população da cidade quase que

duplicou. Depois, a partir da década de 1970, começaram a chegar pessoas estimula-

das pela industrialização, ou seja, pelas atividades do CIA e do Pólo Petroquímico de

Camaçari. Em 1970, superamos a marca do milhão de habitantes!

A CIDADE DE SALVADOR DA ATUALIDADE

Para nos reportarmos à cidade de Salvador da atualidade, vamos lembrar e de-

talhar melhor um conceito já trabalhado anteriormente na Aula 4: o de problemas

sociais. Todos nós gostamos muito de Salvador, reconhecemos suas belezas naturais

e culturais, porém, não podemos descartar, como se não existissem, seus inúmeros

problemas sociais.

Podemos considerar os problemas sociais como um estado permanente de ca-

rência que afeta diferentes esferas da vida social, e às classes sociais de maneira dife-

renciada. Mas vejamos: quais são as esferas da vida social que podem ser afetadas por

um estado de carência? Embora a vida seja uma totalidade, para facilitar a compreen-

são, vamos separá-la em aspectos: econômico, social, cultural, político e ambiental.

Considerando que a família representa um núcleo social muito importante,

pois dela emana a própria sociedade, do ponto de vista econômico, carência significa

a dificuldade que os responsáveis pelo núcleo familiar têm de encontrar os meios que

garantam a sua reprodução. Não estamos falando da reprodução física, mas da repro-

dução econômica mesmo. Por exemplo, a falta de empregos formais nos setores mais

dinâmicos da economia; as exigências do mercado formal de trabalho que desabilita a

maioria das pessoas a nele ingressar; a precariedade do trabalho exercido por muitos

trabalhadores, pais e mães de família; as ilegalidades trabalhistas; os baixos salários,

a carestia da vida, dentre outros fatores, limitam o desenvolvimento pleno de uma

sociedade. Estes problemas acarretam outros, chamados de sociais.

Chamamos de problemas sociais aqueles relacionados à falta de acesso de

grandes parcelas da população às necessidades básicas e essenciais para a dignidade

do ser humano. A necessidade de moradia adequada; de educação, de boas escolas

para todos; de saúde no seu sentido amplo, como o saneamento básico que envolve o

provimento de água potável, o descarte de efluentes domésticos e a coleta e disposi-

ção final dos resíduos gerados. O transporte coletivo que vai permitir à população ter

assegurado o direito de ir e vir com segurança no território em que vive (mobilidade

urbana), dentre outros.

Os problemas de ordem cultural dizem respeito à impossibilidade que certas

parcelas da população têm de acessar a cultura, as artes, os ambientes de entreteni-

mento como todos nós gostamos de frequentar nas horas vagas e finais de semana.

Você já parou para pensar quanto custa ir ao shopping, entrar no cinema e, na saída,

tomar um lanche? Não é para todo mundo. Só alguns podem fazer isso. Faça essa con-

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ta considerando: um pai e uma mãe de família e três filhos.

A proposta é: ir ao shopping, você escolhe qual, tomando um transporte coleti-

vo na Ribeira, ir ao cinema, e depois fazer um lanche médio, sem exageros e gulodices.

No final da tarde, também de ônibus, volta-se para casa. Quanto isto vai custar para

uma família que ao final do mês recebe até três salários mínimos? Você acha que as

famílias fazem isto? Você sabia que 83% da população da Região Metropolitana de Sal-

vador encontram-se nesta faixa de renda?! É claro que não é prioridade, porém todos

nós precisamos de lazer e também de cultura para nos alimentarmos, recompormos

nossas energias.

Também podemos falar dos problemas políticos, que aqui não dizem respeito

apenas ao direito de votar, pois este está assegurado pela Constituição Federal. Esta-

mos falando de participação nas decisões que nos interessam, de natureza coletiva;

nas intervenções que farão em nossos bairros; na influência que podemos ter sobre

alguns políticos exercendo nosso direito de pressão em defesa de interesses comuns.

Você considera que toda a sociedade tem a mesma capacidade de influir nos destinos

da coletividade? Quem influencia mais: o pobre ou o rico?

Ainda devemos mencionar os problemas ambientais. A Constituição brasileira

de 1988 apresenta um capítulo inteiro dedicado a este tema. Trata-se do capítulo VI

que assegura aos brasileiros o direito a um meio ambiente propício à vida em sua ple-

nitude. Tal determinação consta do seu Artigo 255, apresentado a seguir:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,

bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo

e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988).

Será que toda a população soteropolitana tem estes direitos assegurados? Você

conhece a periferia da cidade? Você já reparou na sujeira espalhada por todos os can-

tos? Nos inúmeros vetores de doenças que se amontoam em todos os lugares?

Você sabe que meio ambiente não significa apenas a natureza em si. Meio

ambiente é tudo aquilo que nos rodeia. No nosso cotidiano somos rodeados por um

ambiente (natural e construído) que longe está de representar um “inteiro” ou todo

agradável. Pelo contrário, nosso ambiente se encontra muito mal cuidado, depredado

e sujo. Nossas praças não cumprem as funções para as quais foram concebidas. Além

disso, quanto mais afastadas das áreas centrais e ricas da cidade, em pior estado se

encontram. Como assegurar a plena cidadania em espaços tão desagradáveis? Muitos

não estão cumprindo a sua parte no acordo da cidadania: veja esta foto atual do Porto

da Barra!

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Figura 4 - Porto da Barra no Século XX

Fonte: Francisco Pedro / Divulgação - JORNAL A TARDE - 09/03/2010

Pois bem, voltando agora aos problemas sociais...

Nossos problemas sociais começaram a ser gestados ainda no Século XIX. Fa-

tores já mencionados, ao longo desta aula, como o fim da escravidão, a decadência

da economia agroexportadora, o desenvolvimento da economia cafeeira e a indus-

trialização a partir de 1930 no Sudeste do Brasil vão resultar num grande processo de

urbanização, que significa o aumento da população que vive nas cidades.

Salvador não escapou desse processo. Menos pela industrialização que aqui foi

tardia, e mais pela decadência da economia regional que expulsou a população que

vivia nos locais onde se desenvolveu a economia do açúcar e do fumo - o Recôncavo

da Bahia - para a capital Salvador.

Já nos anos 1940-1950 faziam parte da paisagem de Salvador, as moradias pre-

cárias e insalubres, os cortiços do centro da cidade e os “mocambos” localizados nas

periferias. No final dos anos 1950 já se reconhecia, na cidade, a existência de uma “crise

habitacional generalizada”, atingindo diversos segmentos da população soteropolita-

na (BRANDÃO, 1978, 243-260).

Esta crise teve origem e soluções distintas conforme a situação de classe da po-

pulação afetada. As classes de maior renda resolveram o problema através do aluguel,

porém, às mais pobres restava como alternativa habitacional a ocupação informal de

terrenos urbanos.

Entre 1946 e 1978, foram registradas 68 invasões na cidade (MATTEDI, 1978),

tendo o processo se intensificado nas décadas seguintes. Pesquisa mais recente, de

Souza (2001), registrou, entre 1946 e 1991, a ocorrência de quatrocentos e cinquenta e

duas (452) invasões, das quais noventa e cinco (95) foram erradicadas, restando na ci-

dade, em 1991, um total de trezentas e cinquenta e sete (357) áreas invadidas (SOUZA,

2001). Você tinha uma ideia destes números? Será que mudou muito de lá para hoje?

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Figura 5 - Nordeste de Amaralina

VEJA A IMAGEM NO LINK ABAIXO

Fonte: http://www.albertobraga.com.br/wp-content/uploads/2011/07/namar.jpg

Mesmo considerando a melhoria de alguns indicadores tais como: a quase uni-

versalização do acesso ao ensino público fundamental, a redução das taxas de analfa-

betismo, a diminuição da mortalidade infantil, aumento na expectativa de vida e me-

lhorias nas condições de saneamento básico; estas mudanças não chegaram a alterar

o padrão de distribuição da renda que permanece altamente concentrada na cidade

e na sua região metropolitana, ou seja, RMS – Região Metropolitana de Salvador que

inclui 10 municípios. Vamos ver estes dados, a seguir:

Tabela 1 - Rendimentos mensais das pessoas ocupadas.

RMS - 2009

Faixa de renda - SMPopulação ocupada (em milhares de pessoas) -

(%)

Até 1/2 276 15Mais de 1/2 a 1 509 28Mais de 1 a 2 579 32Mais de 2 a 3 152 8Mais de 3 a 5 159 9Mais de 5 a 10 90 5Mais de 10 a 20 45 2Mais de 20 salários 13 1Total 1. 823 100,00

Fonte: IBGE, PNAD (2009)

Como você pode constatar na tabela anterior, somando-se o percentual da po-

pulação ocupada que recebe até três salários mínimos mensais, podemos constatar

que 83% da população ocupada da Região Metropolitana de Salvador encontram-se

nesta faixa de renda, o que representa, hoje, R$ 1.530,00 para atender às necessidades

de alimentação, vestuário, saúde, educação e transporte da maioria da população.

Se considerarmos aquelas que recebem até um salário mensal (R$ 510,00), te-

mos 43% do total. Com este rendimento, já que vivemos em uma sociedade capitalis-

ta, fica impossível ter acesso a um conjunto de bens e serviços nela produzidos. Isto

significa, sobretudo, morar mal, sem acesso a saneamento básico, emprego, saúde e

educação.

O problema habitacional é um dos grandes problemas urbanos da Salvador da

atualidade. Sua população, na grande maioria, vive e mora muito mal. Sem dignidade,

pois morar não mais significa ter um abrigo como no neolítico. Não! Morar exige muito

mais do que um simples abrigo, nas sociedades urbanas, modernas. Morar significa,

além do abrigo, ter água potável, luz elétrica, acesso a transporte público, ao trabalho,

à educação e à saúde. Felizmente, hoje temos uma Política Nacional de Habitação que

diz que para termos uma moradia digna precisamos de muitas coisas além do abrigo

para morar. Veja o que nos diz o movimento popular de luta por moradia sobre o que

significa bem morar:

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[LUGAR] onde os cidadãos de Salvador possam se abrigar, criar la-

ços, com espaço e privacidade suficiente para criar filhos, se amar,

ser feliz. Moradia digna construída em terra urbanizada e titulada,

com saneamento ambiental e toda infraestrutura, com transporte

público de qualidade, com transito seguro, com equipamentos ur-

banos de convivência, lazer e de cultura, em proximidade de escola,

postos de saúde e trabalho e com acesso para todos e todas. (SAULE

JR; CARDOSO, 2005, p. 96)

Bem, chegamos ao final desta aula. Na próxima falaremos sobre o Estado, as

Políticas Públicas e sua relação com os movimentos sociais urbanos e, por fim, retoma-

remos a ideia de cidadania.

SínteSe

Na aula de hoje, falamos especificamente sobre a cidade de Salvador. Ainda

que de forma sucinta, fizemos um retrospecto histórico, desde a fundação da cidade

no Século XVI, passando pelos séculos seguintes até chegarmos ao Século XX que, por

diversos fatores mencionados ao longo da aula, transformou a cidade no que ela é

hoje. A compreensão de Salvador da atualidade deve ser buscada no seu passado, pois

a cidade do início do Século XXI apresenta ainda traços do passado, que se expressam

na sua paisagem.

QUeStãO paRa ReflexãO

Quais são os traços do passado _ econômico, social, cultural e ambiental _ que

ainda se expressam na paisagem urbana de Salvador do início do Século XXI? Que tal

fazer uma pesquisa pela cidade e produzir um pequeno ensaio fotográfico ou filme

que poderia ser intitulado “Salvador, atrás das câmeras”?

leItURaS IndIcadaS

MATOS, A. M. Por um lugar onde morar: subsídios para uma história das invasões e

dos desabrigados em Salvador. In: CADERNOS DO CEAS, Salvador, n. 37, p. 20-34,

maio/jun.

MOURA, Milton. Notas sobre o verbo invadir no contexto social de Salvador. In:

CADERNOS DO CEAS. Salvador, n. 125, p. 25-41, jan./fev.

SILVA, B. C.N; SILVA, S.C.B. de M. Cidade e região no Estado da Bahia. Salvador:

EUDSP, 1991. p. 57-80.

SOUZA, Cleyde. União paraíso: a luta pelo direito de morar. In: CADERNOS DO CEAS,

Salvador, n. 118, p. 11-20, nov./dez.

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SIte IndIcadO

www.cidteixeira.com.br/site/palestras

RefeRêncIaS

BRANDÃO, M. A. Origens da expansão periférica de Salvador. Revista Planejamento. Salvador, 6(2):155-

172, abril/junho. 1978

MATTEDI, M. R. M. As invasões em Salvador: uma alternativa habitacional. 1978. 200 f. Dissertação (Mes-

trado em Ciências Sociais) – Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal da Bahia,

Salvador.

SILVA, B. C.N. SILVA, S.C.B. de M. Cidade e região no Estado da Bahia. Salvador: EUDSP, 1991. p. 57-80.

SOUZA, A. G. Limites do Habitar. Segregação e exclusão na configuração urbana contemporânea e pers-

pectivas no final do século XX. Salvador: EDUFBA. 2000. 451 p.

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auLa 08 - voLtanDo a FaLar DE ciDaDa-nia

Autoras: Maria Raquel Mattoso Mattedi e Sônia Bandeira

Vestir a camisa de cidadão, então, é ter consciência dos direitos e

deveres constitucionalmente estabelecidos e participar ativamente

de todas as questões que envolvem o âmbito de sua comunidade, de

seu bairro, de sua cidade, de seu Estado e de seu país, não deixan-

do passar nada, não se calando diante do mais forte nem subju-

gando o mais fraco. (Rodrigues & Souza, 1994, apud Mazzuoli).

Olá,

Fizemos certa digressão na aula passada, passeando pela cidade de Salvador,

a cidade que você mora e conhece. Nosso objetivo agora é, tomando como base o

conceito e a prática da cidadania anunciados nas aulas anteriores, refletir sobre duas

questões. A primeira se a cidadania está definitivamente instalada na nossa cidade?

A segunda sobre o que podemos fazer para que mais e mais pessoas possam vestir a

camisa de cidadão, como diz a epígrafe acima, ampliando o nível de organização da

nossa sociedade. Vamos retomar o tema que compõe o título desta aula, centralizan-

do a atenção no processo de evolução da cidadania em nosso país.

rEtomanDo nosso tEma cEntraL

Do ponto de vista do avanço da cidadania, ainda estamos muito atrasados, sub-

sistindo muitas desigualdades e segregação na sociedade brasileira. Desde a chegada

dos portugueses no Brasil e nos quatro séculos que se seguiram1, a cidadania não se

colocava como uma questão a ser discutida. Mas, por que isso aconteceu? Por que as

mudanças sócio-econômicas e políticas maiores só começaram a acontecer no Século

XX, sobretudo a partir de 1930? Vejamos:

Enquanto isso, no Brasil ......

Para começar, teve início um longo e contínuo processo de colonização que

dizimou praticamente a população indígena que aqui vivia. Como se não bastasse,

visando a produção da cana de açúcar para a exportação e, mais tarde, de outros pro-

dutos primários, o Governo de Portugal fez renascer a escravidão com um abominável

comércio de escravos. Repare que, enquanto na Europa emergiam novas relações so-

ciais de produção, especificamente o trabalho assalariado, aqui eram restauradas as

velhas e espúrias formas de organização do trabalho, já superadas na Europa.

Nos séculos seguintes (XVIII e XIX), enquanto a Revolução Industrial avançava

1 Séculos XVI; XVII;XVIII e XIX.

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rapidamente na Europa e com ela se aceleravam as discussões referentes aos direitos

civis e políticos de um lado e, de outro, emergiam as lutas de classe provocando mu-

danças no arcabouço legal e institucional das nações européias, por aqui tudo perma-

necia tal e qual.

Lembre-se de que, desde o advento da Revolução Industrial até início do Século

XX, a classe operária vivia sob intensa exploração dos capitalistas, proprietários das

fábricas e dos instrumentos de trabalho e, justamente por essa razão, a luta entre as

classes sociais se acirravam. Existiam partidos políticos, aconteciam reuniões para que

se discutissem questões coletivas, a imprensa começava a divulgar notícias das lutas

sociais, ocorreriam as primeiras revoluções socialistas, dentre outros fatos políticos,

que vão colocar a questão dos direitos humanos em geral e, em particular, dos civis e

dos políticos, em pauta.

Sobre esta etapa do capitalismo e da Revolução Industrial, já indicamos um

ótimo filme na aula Aula 5 que, talvez, você já tenha tido a curiosidade de assisti-lo.

Trata-se do filme Daens: Um Grito de Justiça. Outro filme interessante, baseado no li-

vro Os dez dias que abalaram o mundo, é o filme Reds2 que retrata a Revolução Russa

(1917), documentada pelo jornalista americano John Reed e que pode ser encontrado

em qualquer locadora da cidade. Você vai perceber, através desses dois filmes, como

as injustiças e desigualdades sociais vão forçar o avanço dos direitos civis e políticos e,

mais tarde, dos direitos sociais.

No Brasil, os processos políticos e sociais foram mais lentos do que na Europa,

sobretudo nos países que primeiro fizeram a Revolução Industrial, como a Inglaterra

e a França. Nosso crescimento econômico sempre foi subalterno ao desenvolvimento

daqueles países e nossa independência política se fez sem a participação da popula-

ção, resultando sempre de um acordo entre as elites.

No caso da Independência do Brasil (1822), embora já existisse uma discussão

interna sobre a autonomização do país em relação a Portugal, e também de Portugal

em relação ao Brasil, que lá se transformou em um movimento chamado de “vintis-

mo3”, referindo-se à década de vinte daquele século, muitas províncias só tiveram no-

tícias dos acontecimentos do Ipiranga, três anos após o ocorrido.

A Proclamação da República, por sua vez, em 1879, foi confundida pela popula-

ção atônita com uma parada militar, pois ocorreu sem a participação do povo como convém às verdadeiras democracias. Na introdução do livro A Proclamação da

República de Celso Castro (2000), Aristides Lobo, “um jornalista republicano da época”

comentou que o evento foi assistido pela maioria da população “bestializada, atônita,

surpresa, sem saber o que significava” (p.7). Foi um movimento que envolveu essen-

cialmente alguns segmentos das chamadas “classe militares” (CASTRO, 2000). Observe

a Figura 1, a seguir. O que lhe parece? Algumas senhoras de chapéu e sombrinhas

observavam, atentas, um evento militar. Era o evento da Proclamação da República

do Brasil.

2 Reds é um filme estadunidense de 1981, do gênero drama biográfico dirigido por Warren Beatty. O filme é baseado na vida de John Reed, um

jornalista e escritor socialista norte-americano que retratou a Revolução Russa em seu livro Dez Dias que Abalaram o Mundo.(Wikipédia).3 Vintismo[1] é a designação genérica dada à situação política que dominou Portugal entre Agosto de 1820 e Abril de 1823, caracterizada pelo

radicalismo das soluções liberais e pelo predomínio político das Cortes Constituintes, fortemente influenciadas pela Constituição Espanhola

de Cádis.

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Sendo assim, durante muito tempo, mesmo após a abolição da escravidão

(1888) a grande maioria da população permaneceu alheia aos acontecimentos polí-

ticos, sem grandes questionamentos acerca das desigualdades sociais, econômicas

e políticas. Durante todo o período colonial e mesmo durante o Império, entrando

pelo Século XX, nenhum tipo de liberdade foi concedido à população, na sua maioria,

negra e/ou mestiça. Isso não significa dizer que inexistiam resistências. Elas existiam

e não eram poucas. Mas muito tempo foi preciso passar para que as coisas começas-

sem a mudar. Das resistências podemos lembrar alguns fatos como a Inconfidência

Mineira, a Guerra de Canudos, A Inconfidência da Bahia, dentre outras demonstrações

de desagrado quanto à dependência do Brasil em relação a Portugal e o desejo de

autonomia.

Figura 1 - Proclamação da República do Brasil

Fonte: commons.wikimedia.org

Nossa população cresceu muito em termos quantitativos, porém continuou po-

bre, segregada social e espacialmente, analfabeta e sem terra para se fixar depois de

1888. A favela, por exemplo, vem daquele período. Liberados do campo pelos grandes

latifundiários, a quem já não mais interessavam os escravos, os negros começaram a

migrar para as cidades e, encontrando resistência de fixação no solo urbano central,

começaram a ocupar os morros e as áreas de mais difícil acesso. No início, as casinhas

isoladas nos altos eram chamadas de mocambos. Mais tarde, formaram-se as favelas,

como hoje conhecemos e já vimos em aulas anteriores a esta. Estas subsistem até os

dias atuais, como você bem deve saber!

A pobreza e a segregação da sociedade no espaço, o conformismo das classes

subalternas, a precariedade nas condições de vida, muitos dos problemas sociais que

identificamos hoje, sobretudo, nas grandes cidades, vêm daquele período. Por isso

não podemos esquecer o passado.

Outros problemas dificultaram nosso avanço em termos de cidadania. Foram

os muitos regimes políticos autoritários que marcaram nossa história. Primeiramen-

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te podemos lembrar do Estado Novo (1930-1945) e em seguida do golpe militar que

enfrentamos em 1964, o qual se estendeu até 1985, quando teve início um processo

de redemocratização. Lembre-se de que apenas em 1988 foi promulgada uma nova

constituição brasileira, inaugurando uma nova etapa de nossa história.

No primeiro caso - Estado Novo - as liberdades de expressão e políticas foram

duramente reprimidas, embora tenha sido no governo de Getúlio Vargas que o país

começou sua modernização. Este período econômico, conhecido como o de substi-

tuição das importações, marcou o início da nossa industrialização, buscando também

maior autonomia do país frente às demais potências mundiais. Desde então, o Brasil

entrou num processo intenso de urbanização que se estende, praticamente, até os

dias atuais. Lembre-se que no começo do Século XX grande parte da população bra-

sileira vivia nas zonas rurais e que, no seu final, esta relação se inverteu com mais de

80% do total vivendo em cidades. Também no Estado Novo emerge um novo tipo de

trabalhador, os operários das indústrias nascentes, tendo sido instituída a Consolida-

ção da Legislação Trabalhista - CLT. Estes acontecimentos foram muito importantes

para o desenvolvimento posterior do Brasil, porém, não podemos esquecer de que as

liberdades civis e políticas foram duramente atingidas.

O golpe militar de 1964, o Ato Institucional N. 5 (AI5) em 1968, o endurecimento

do regime político a partir de então, a saída de muitos brasileiros para o exílio, as pri-

sões, a tortura de prisioneiros políticos, dentre outros eventos dos quais não podemos

esquecer, também representaram acima de tudo o cerceamento das liberdades e a

total ausência do que podemos entender como cidadania.

Apenas em 1985, ou seja, após 21 anos, é que a democracia começa a ser re-

pensada no Brasil. Pense que nestes anos uma geração inteira cresceu sem o enten-

dimento de valores que prezavam a emancipação do sujeito como um bem supremo.

Entendemos como emancipação, a liberdade de ação individual porém, nos limites

das liberdades e dos direitos coletivos. Desde o chamado Contrato Social, que você es-

tudou na Aula 4 (Desigualdade e Pobreza), os direitos coletivos estão acima dos indivi-

duais. Para que se viva em sociedade isto é absolutamente necessário, caso contrário,

viveríamos em permanente guerra, como já vislumbrava Hobbes, no Século XVII.

Considerando esse breve enquadramento da evolução da sociedade no Brasil,

não é difícil entender porque a questão da cidadania foi considerada secundária du-

rante tanto tempo. Embora a história do Brasil e da Bahia, por exemplo, nos mostre

muitos exemplos de luta em prol de ampliação dos direitos, o fato é que a cidadania,

ainda hoje, está sendo construída por todos aqueles comprometidos com o avanço da

democracia na sociedade brasileira. Essa construção deve ser cotidiana e depende de

cada um de nós nos seus ambientes de interação social, os ambientes coletivos: entre

amigos, na escola, na universidade, no centro acadêmico, no grupo de trabalho, nas

festas, nos shoppings, onde quer que estejamos, enfim.

Para seguir adiante e entrar na questão dos instrumentos que a sociedade

dispõe para influenciar politicamente o meio em que vive, vamos exemplificar com

a questão da moradia, que é uma necessidade básica de todos os seres vivos, entre

eles, os humanos, desde o tempo das cavernas. Além de necessidade básica, a moradia

digna é também um direito de todos, assegurado pela Constituição Federal de 1988 e

pelo Estatuto das Cidades que é a lei maior que rege nossas urbes.

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o Estatuto Das ciDaDEs

Como já mencionado em aulas anteriores, a Constituição Federal é a nossa car-

ta maior, ou seja, aquele documento que estabelece o conjunto de direitos e deveres

de todos que vivem sob sua ordenação, em uma dada nação. A nossa última Carta

Constitucional de 1988 é muito valiosa e deve ser resguardada com extremo cuidado

porque foi concebida e elaborada após um longo período de regime político autoritá-

rio em um ambiente de muita participação:

Dentre muitos aspectos que lhe dão importância e peculiaridade, destacamos

alguns:

Pelo restabelecimento dos direitos civis, políticos e sociais, arbitrariamente cerceados �

pela ditadura militar;

Pelo restabelecimento da democracia representativa no Brasil e, �

Pelo ambiente de participação social que envolveu todas as etapas de sua elaboração �

e promulgação.

Outro aspecto importante da nossa Constituição foi sua abertura para os di-

reitos internacionais já consagrados por outras nações, sobretudo aqueles emanados

pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e reiterada pela Declaração

de Direitos Humanos de Viena de 1993, que vimos na aula passada (Aula 7 - A Cidade

do Salvador). Leia com atenção a citação a seguir para confirmar essa ideia:

A nova Constituição, além disso, seguindo a tendência do constitu-

cionalismo contemporâneo, deu um grande passo rumo à abertura

do sistema jurídico brasileiro ao sistema internacional de proteção

de direitos, quando, no parágrafo 2.º do seu art. 5.º, deixou estatuí-

do que: ‘Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não ex-

cluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adota-

dos, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa

do Brasil seja parte’. (MAZZUOLI, 2001, p 2)

Pois bem, dentre os muitos pontos tratados pela Constituição de 1988, estava

também a questão urbana e a da moradia. Porém a aprovação do direito à moradia

digna, em 1988, não foi obtida sem muito esforço e luta travada por todos aqueles

capazes de entender que morar dignamente significa também uma cidade menos

violenta, mais harmoniosa e também mais bonita. Dentre os que lutaram, estavam

àqueles integrantes dos chamados movimentos sociais urbanos.

Por movimento social urbano, podemos designar:

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Toda atitude, revestida de caráter coletivo, cujo objetivo é modificar

as condições de vida referentes a um determinado grupo, utilizando-

se de uma linguagem própria para atingir o objetivo comum. Como

exemplo podemos citar: a) grupos de pessoas sem-terra ou sem-teto

que procuram “resolver” seus problemas de moradia ocupando áre-

as em aparente desuso; b) associações de bairros que reivindicam

redes de água, de esgotos, mudanças no atendimento por ônibus

urbano, a exigência de vagas nas escolas públicas, as manifestações

contra aumentos de tarifas e impostos, etc.. (SPÓSITO, 2004, 63).

Para assegurar o direito a uma cidade legal e a uma moradia digna, os movi-

mentos populares urbanos trataram de forçar o poder público no sentido de regula-

mentar aqueles direitos, elaborando uma legislação específica sobre as cidades.

Essa legislação recebeu o nome de Estatuto da Cidade e o Movimento Social

pela Reforma Urbana foi importantíssimo no sentido de forçar a aprovação dessa nova

lei, anos após a promulgação da Constituição de 1988. A Lei nº 10.257/2001 foi apro-

vada pelo Congresso Brasileiro, precisamente após 12 anos de espera, e corresponde à

lei maior que rege o ordenamento das cidades do nosso país. Ela busca tornar nossas

cidades mais humanizadas, garantindo bem-estar e qualidade de vida aos seus cida-

dãos.

Mas o que significa bem-estar e qualidade de vida? Entendemos que qualidade

de vida representa muitas coisas: ter emprego; ter facilidade de acesso e mobilidade

para todos os pontos da cidade; ter educação; saúde; acesso aos espaços públicos, e,

após tanta luta diária; morar com dignidade.

Vamos nos deter um pouco no morar bem, o que isso significa? Não apenas ter

um abrigo como no neolítico, ou uma casa no campo, como na antiguidade clássica

ou no feudalismo. Vimos que a tendência da população mundial é morar nas cidades

e morar com dignidade, dizem aqueles comprometidos com a paz social. Mas o que é

morar com dignidade?

Morar com dignidade significa morar abrigado da insalubridade, perto de es-

colas para os filhos, perto de postos de saúde para toda a família, perto do ponto de

ônibus, do mercadinho, em área pavimentada para chegar em casa na noite chuvosa,

com água, luz, esgotamento sanitário, segurança pública etc. Tudo isso é um direito

do cidadão que paga imposto até no pãozinho que compra na padaria da esquina,

porém, na nossa sociedade, nem todos têm direito à cidade nesse sentido. Isso é falta

de cidadania.

Essa situação requer ainda muito esforço de todos no sentido de diminuir as

desigualdades sociais. Lembre-se da equação: menor desigualdade social significa

também maior segurança pública, maior bem-estar para todos, ampliação da liber-

dade de ir e vir, maior tranqüilidade e prazer ao usufruir dos espaços públicos, menor

preocupação com a noite que se aproxima, menor medo de usar o transporte público,

de sair de noite, de ir até a casa do amigo vizinho, e tantas outras coisas importantes

para uma sociedade sadia e mais feliz.

No contexto do Estatuto das Cidades, moradia digna é aquela que é “sadia, se-

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gura, acessível e de preço viável, que inclua serviços básicos, instalações e áreas de

lazer, e que esteja livre de qualquer discriminação no que se refere à habitação ou à

garantia legal da posse” (FERNANDES, 2003,34).

Como dá para ver, morar bem significa mais do que ter um abrigo para o caso

das intempéries, mas ter uma série de outras condições, que assegurem o bem-estar

social. Infraestrutura e serviços básicos são fundamentais para uma vida urbana com

qualidade. Para tanto, todos nós devemos lutar no sentido de influenciar os governos

a criarem políticas públicas que assegurem, na prática, aquilo que já está assegurado

no direito ou na nossa Constituição.

Podemos definir políticas públicas como o conjunto de programas de um dado

governo, baseado em diretrizes, princípios voltadas para a consecução de objetivos

que visem à melhoria e o bem-estar de uma parcela significativa da população. Quem

tem a competência de criar uma política pública é o Estado, porém, a população pode

influenciá-lo nesse sentido. No Brasil, dispomos da Política Nacional de Habitação de

Interesse Social que é aquela voltada para atender às camadas mais pobres mais de

nossa população, ou seja, aquela que percebe até três salários mínimos mensais.

Na verdade, a população organizada pode conseguir muitas coisas para a co-

letividade. Por outro lado, uma coletividade bem assistida é meio caminho andado

rumo à verdadeira cidadania. O que não podemos mais é deixar que a música de Lúcio

Barbosa, cuja letra apresentamos ao final desta aula, siga sendo verdadeira.

SínteSe

A aula de hoje não pretendeu apresentar coisas novas, mas, sistematizar to-

das as coisas que foram sendo vistas ao longo deste curso. Começamos com alguns

conceitos básicos sobre a vida em sociedade. Passamos pela formação das cidades

e mencionamos especificamente o processo de ocupação e evolução da cidade de

Salvador, que ainda tem muito a percorrer até garantir a verdadeira cidadania aos seus

moradores. Falamos do contrato social, da constituição nacional, das políticas públicas

e, especialmente, da política habitacional de interesse social. Tudo isso foi menciona-

do para frisar que muito deve ainda ser feito no sentido de assegurarmos uma melhor

condição de vida para os moradores de Salvador. Embora o governo tenha uma res-

ponsabilidade grande frente a essa meta, nós todos, se somos realmente cidadãos,

devemos ser, contribuir com este processo.

QUeStãO paRa ReflexãO

Pensando no que falamos nesta aula, reflita sobre a letra dessa música e procu-

re escutá-la na net. Boa música!

CIDADÃO de Lúcio Barbosa.

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Tá vendo aquele edifício moço?

Ajudei a levantar

Foi um tempo de aflição

Eram quatro condução

Duas pra ir, duas pra voltar

Hoje depois dele pronto

olho pra cima e fico tonto

Mas me chega um cidadão

e me diz desconfiado, tu tá aí admirado

ou tá querendo roubar?

Meu domingo tá perdido

vou pra casa entristecido

Dá vontade de beber

E pra aumentar o meu tédio

eu nem posso olhar pro prédio

que eu ajudei a fazer

Tá vendo aquele colégio moço?

Eu também trabalhei lá

Lá eu quase me arrebento

Pus a massa fiz cimento

Ajudei a rebocar

Minha filha inocente

vem pra mim toda contente

Pai vou me matricular

Mas me diz um cidadão

Criança de pé no chão

aqui não pode estudar

Esta dor doeu mais forte

por que que eu deixei o norte

eu me pus a me dizer

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Lá a seca castigava mas o pouco que eu plantava

tinha direito a comer

Tá vendo aquela igreja moço?

Onde o padre diz amém

Pus o sino e o badalo

Enchi minha mão de calo

Lá eu trabalhei também

Lá sim valeu a pena

Tem quermesse, tem novena

e o padre me deixa entrar

Foi lá que Cristo me disse

Rapaz deixe de tolice

não se deixe amedrontar

Fui eu quem criou a terra

enchi o rio fiz a serra

Não deixei nada faltar

Hoje o homem criou asas

e na maioria das casas

Eu também não posso entrar

leItURaS IndIcadaS

Vamos indicar algumas leituras para você conhecer melhor a história do Brasil.

Como já mencionamos, o passado lança luzes para o entendimento do presente e pla-

nejamento do futuro. Trata-se de uma coleção chamada Descobrindo o Brasil, de uma

leitura fácil e super interessante.

CASTRO, Celso. A proclamação da república. Rio de Janeiro: Zahar, 2000

D´ARAUJO. Maria Celina. O estado novo. Rio de Janeiro: Zahar, 2000

SCHWARCZ, Lilia Moritz. O império em procissão: ritos e símbolos do segundo

reinado. Rio de Janeiro: Zahar, 2001

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SIteS IndIcadOS

DA DEMOLIÇÃO à reconstrução. Em vez de acabar com as favelas do Rio, seus

moradores usam criatividade para realizar melhorias. Disponível em <http://www.

iadb.org/idbamerica/indexportuguese.cfm >

Projeto Moradia. www.icidadania.org.br, acessado em 20/12/2005.

ROLNIK, Raquel. O Brasil e o Habitat II. Disponível em <http://www.fpa.org.br>.

Capturado em 20/01/2006

RefeRêncIaS

CASTRO, Celso. A proclamação da república. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

FERNANDES, Marlene. Agenda Habitat para Municípios. Rio de Janeiro: IBAM, 2003. 224 p.

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direitos humanos, cidadania e educação. Uma nova concepção introduzida

pela Constituição Federal de 1988. jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: <http://

jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2074>. Acesso em: 25 mar. 2009 .

ROLNIK, Raquel. O que é cidade. São Paulo: Editora Brasiliense, 1995.

SAULE JÚNIOR, Nelson; CARDOSO, Patrícia de Menezes. O direito à moradia no Brasil. Relatório da Missão

Conjunta da Relatoria Nacional e da ONU 29 de maio a 12 de junho de 2004 – Violações, Práticas Positivas e

Recomendações ao Governo Brasileiro. São Paulo: Instituto Pólis, 2005. 160 p.

SPÓSTITO, Eliseu Savério. A vida nas cidades. Por que a cidade exite? Morar é preciso. O futuro da cidade.

5. ed. São Paulo: Contexto, 2004.

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