sebenta de direito internacional pÚblico · 2021. 3. 19. · 2020/2021 mafalda boavida 5...

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2020/2021 Mafalda Boavida 1 SEBENTA DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO Regente: Prof. Carlos Blanco Morais Índice INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................. 3 ANÁLISE DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO ............................................................................................. 3 DEFINIÇÃO DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO.......................................................................................... 5 DIFERENÇA ENTRE COMUNIDADE INTERNACIONAL E SOCIEDADE INTERNACIONAL ....................................... 5 A JURIDICIDADE DO DIREITO INTERNACIONAL ................................................................................................ 7 SISTEMA DE FONTES..................................................................................................................................... 9 DIFERENÇA ENTRE FONTES E NORMAS ............................................................................................................. 9 ARTIGO 38º DO ESTATUTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ................................................................................... 10 FONTES MEDIATAS......................................................................................................................................... 11 à Jurisprudência ...................................................................................................................................... 11 à Equidade ............................................................................................................................................... 11 FONTES IMEDIATAS ........................................................................................................................................ 11 à Questões de precedências aplicativas em termos de fontes imediatas: ............................................... 11 à Princípios ............................................................................................................................................. 12 à Atos Jurídicos Unilaterais .................................................................................................................... 12 à Costume ................................................................................................................................................ 14 à Tratados/Convenções Internacionais ................................................................................................... 15 PROCESSO DE CELEBRAÇÃO DAS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS ................................................................ 17 à Convenções Bilaterais .......................................................................................................................... 17 à Convenções Multilaterais ..................................................................................................................... 20 RESERVA ........................................................................................................................................................ 22 INVALIDADE DAS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS ........................................................................................ 26 Regime Jurídico dos Tratados Inválidos ................................................................................................... 28 VICISSITUDES NA VIGÊNCIA DAS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS ................................................................ 31 CIRCUNSTÂNCIAS QUE PODEM POR TERMO ÀS CONVENÇÕES NÃO LIGADAS AO COMPORTAMENTO DAS PARTES ........................................................................................................................................................... 34 REGIME DE INTERPRETAÇÃO DAS CONVENÇÕES........................................................................... 37 RELAÇÕES JURÍDICAS ENTRE O DIREITO INTERNO E O DIREITO INTERNACIONAL ......... 37 DIREITO EUROPEU .......................................................................................................................................... 49 INTERCEÇÃO DO DIREITO EUROPEU COM O DIREITO INTERNO ...................................................................... 51

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2020/2021

Mafalda Boavida

1

SEBENTA DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO Regente: Prof. Carlos Blanco Morais

Índice

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................. 3

ANÁLISE DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO ............................................................................................. 3

DEFINIÇÃO DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO .......................................................................................... 5

DIFERENÇA ENTRE COMUNIDADE INTERNACIONAL E SOCIEDADE INTERNACIONAL ....................................... 5

A JURIDICIDADE DO DIREITO INTERNACIONAL ................................................................................................ 7

SISTEMA DE FONTES ..................................................................................................................................... 9

DIFERENÇA ENTRE FONTES E NORMAS ............................................................................................................. 9

ARTIGO 38º DO ESTATUTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ................................................................................... 10

FONTES MEDIATAS ......................................................................................................................................... 11

à Jurisprudência ...................................................................................................................................... 11

à Equidade ............................................................................................................................................... 11

FONTES IMEDIATAS ........................................................................................................................................ 11

à Questões de precedências aplicativas em termos de fontes imediatas: ............................................... 11

à Princípios ............................................................................................................................................. 12

à Atos Jurídicos Unilaterais .................................................................................................................... 12

à Costume ................................................................................................................................................ 14

à Tratados/Convenções Internacionais ................................................................................................... 15

PROCESSO DE CELEBRAÇÃO DAS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS ................................................................ 17

à Convenções Bilaterais .......................................................................................................................... 17

à Convenções Multilaterais ..................................................................................................................... 20

RESERVA ........................................................................................................................................................ 22

INVALIDADE DAS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS ........................................................................................ 26

Regime Jurídico dos Tratados Inválidos ................................................................................................... 28

VICISSITUDES NA VIGÊNCIA DAS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS ................................................................ 31

CIRCUNSTÂNCIAS QUE PODEM POR TERMO ÀS CONVENÇÕES NÃO LIGADAS AO COMPORTAMENTO DAS

PARTES ........................................................................................................................................................... 34

REGIME DE INTERPRETAÇÃO DAS CONVENÇÕES ........................................................................... 37

RELAÇÕES JURÍDICAS ENTRE O DIREITO INTERNO E O DIREITO INTERNACIONAL ......... 37

DIREITO EUROPEU .......................................................................................................................................... 49

INTERCEÇÃO DO DIREITO EUROPEU COM O DIREITO INTERNO ...................................................................... 51

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CELEBRAÇÕES DE CONVENÇÕES INTERNACIONAIS PELO ESTADO PORTUGUÊS ............................................ 53

FISCALIZAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO .... 61

FISCALIZAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE DAS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS ........................................ 62

FISCALIZAÇÃO ABSTRATA SUCESSIVA E FISCALIZAÇÃO CONCRETA ............................................................ 67

SUJEITOS DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO ......................................................................... 75

DIFERENÇA ENTRE CAPACIDADE JURÍDICA INTERNACIONAL E PERSONALIDADE JURÍDICA INTERNACIONAL 75

RECONHECIMENTO DO ESTADO ..................................................................................................................... 83

RECONHECIMENTO DO GOVERNO .................................................................................................................. 86

DOMÍNIO DOS SUJEITOS DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO ANALISADOS NA ESPECIALIDADE .............. 90

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS .................................................................................................. 94

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Introdução

Análise do Direito Internacional Público

O DIP nasceu pelo facto de haver uma sociedade internacional. Onde há sociedade há

direito, isto é onde há pessoas é necessário que haja regras que as organizem.

Este é o conjunto de regras jurídicas que regem a sociedade internacional.

Há uma relação umbilical que, hoje em dia, é muito negada por alguns autores, entre o

Estado e o DIP. O DIP afirma-se quando se separam os Estados do poder papal e da igreja.

Hoje em dia, não temos só o Estado como sujeito, mas sim organizações internacionais, etc.

No entanto, o Estado não deixou de ser indispensável para a existência do Direito

Internacional.

à Períodos de evolução do Direito Internacional Público:

O primeiro período vai desde a antiguidade clássica até à revolução francesa. Este é

um período de formação em que o DIP está num limbo entre aquilo que será direito e uma

espécie de convenções que os Estados deveriam seguir.

Numa primeira fase, a Antiguidade, vivia-se um período de impérios, mas emerge ainda

assim em Roma a noção de “direito das gentes” como primícia histórica daquilo que é o DIP.

Este aplicava-se a estrangeiros e a tratados com outros povos.

Numa segunda fase, surge a Idade Média e a Idade Moderna antes do Tratado de

Vestefália. Neste período tínhamos um direito centrado na Europa. Neste período há uma

noção de que os Estados cristãos formariam a república cristã onde emergia o papel do papa,

que determinava o que era uma guerra justa e uma guerra injusta, resolvia questões religiosas,

reconhecia os territórios descobertos, etc. Iniciou-se, em seguida, o direito inter-gentes, que

teve como principal fator os descobrimentos.

E uma terceira fase, que vai da Paz de Vestefália às revoluções Americana e Francesa.

Desta paz resultaram 3 consequências: a diminuição do poder da Igreja, afirmação da

soberania do Estado (fim das relações de vassalagem) e a afirmação de um direito

internacional – regras que estabelecessem o direito na paz e na guerra.

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Entramos agora num segundo período, que inicia nas revoluções liberais e se prolonga

até ao presente.

Numa primeira fase, que vai do início da Idade Contemporânea e prossegue até ao fim da

1ª guerra, surge a noção de DIP, reafirma-se a ideia de Estado soberano, dá-se a independência

das colónias espanholas da América e a independência do Brasil dá a ideia da

autodeterminação dos povos, e surge a comunidade das nações civilizadas (a Europa, a

América, o Império Autómano, a China e o Japão). Este período foi caracterizado pela

habituação à guerra, situação esta que deu origem à 1ª Guerra Mundial.

Criou-se depois a Sociedade das Nações, que prevenia uma futura guerra e tentava garantir

a paz, e outras associações de Estado destinadas a discutir assuntos comuns. Durante este

período não se conseguiu evitar a 2ª Guerra Mundial.

Numa segunda fase, cria-se a Organização das Nações Unidas, que veio substituir a

Sociedade das Nações. Esta englobava as nações vencedoras da guerra, estendendo-se depois

a todos os outros Estados. Tinha como objetivo principal a garantia da paz internacional.

Nos anos 50, 60 e 70 segue-se um período de autodeterminação das colónias. Portugal

entendeu que não tinha colónias, mas sim províncias ultramarinas e, por isso, foi o último país

a descolonizar.

Durante este período o DIP tem um grande desenvolvimento, multiplicando-se os seus

sujeitos e passando a ter um cariz mais positivo. Passam a existir escolas do mesmo, uma

escola francesa e outra anglo-saxónica.

Numa terceira fase, temos a queda do muro de Berlim e a desintegração da união soviética.

Esta fragmentação tornou o mundo unipolar onde a única potência eram os Estados Unidos

da América. O fenómeno terrorista deu origem a uma realidade multipolar. Este

multipolarismo veio enfraquecer o Direito Internacional, uma vez que, os estados passaram a

intervir de forma diferente das regras internacionais.

Hodiernamente, encontramo-nos na terceira fase.

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Definição de Direito Internacional Público

1º Critério – Critério dos Sujeitos: conjunto de normas jurídicas que regulam o direito

entre os Estados. Hoje em dia, o DIP envolve mais que Estados (envolve as organizações

internacionais, etc.), então, não pode ser assim definido, dizendo-se que é um conjunto de

normas jurídicas que regulam o direito entre sujeitos de dto. internacional. No entanto, este

critério não pode ser aceite, uma vez que, saber quais são os sujeitos do dto. internacional é

determinar quais são as entidades para as quais resulta a norma de dto. internacional, supondo-

se assim que já esteja fixada a noção de norma de dto. internacional. Este é ainda um critério

muito extenso, pois as relações entre os sujeitos do dto. internacional podem ser reguladas

também pelo dto. interno.

2º Critério – Critério do objeto: conjunto de normas jurídicas que regulam matérias

internacionais por natureza. Este critério não foi aceite nem pela doutrina nem pelo Tribunal

Internacional, uma vez que, existe uma impossibilidade de encontrar uma fronteira nítida e

definitiva entre as questões de competência nacional e aquelas que interessam à Comunidade

Internacional.

3º Critério – Critério das fontes: conjunto de normas jurídicas produzidas e reveladas

pelo direito internacional. Mesmo sendo verdade falta saber o que é que se destinam a regular

(o objeto). Adiciona-se aqui, portanto, o critério estrutural (conjunto de normas jurídicas

que se destinam a reger relações internacionais).

Diferença entre Comunidade Internacional e Sociedade Internacional

Sociedade Internacional: em termos rigorosos sociedade internacional é um conceito mais

amplo do que o de comunidade internacional. A sociedade internacional faz parte de uma

associação inorgânica de pessoas coletivas internacionais que estabelecem entre si, relações

jurídicas de natureza pública. Ex: ONU e OMS.

Comunidade internacional: os Estados que a integram têm uma relação de pertença, mais

forte do que na sociedade; têm elementos identitários que os aproximam na promoção naquilo

que é o seu “tronco” político, cultural e económico. É algo mais coesivo do que uma sociedade

internacional.

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Na Comunidade internacional, assim caracterizada, são de diversa índole as relações que

se estabelecem entre os Estados. Estas podem ser classificadas em três grandes categorias:

Ø Relações jurídicas internacionais de subordinação: há um sujeito de Direito

Internacional que se encontra numa posição de domínio em relação a outros

sujeitos. As relações internacionais destes Estados subordinados estavam

condicionadas. Ex: Estados Vassalos (Turquia tinham vários estados que eram seus

vassalos).

Protetorados de DIP: Estado protetor exerce um certo domínio sobre o Estado

protegido. Este domínio traduz-se no facto de o Estado protegido, no âmbito das

relações internacionais, necessitar de autorização/ratificação do Estado protetor

para praticar certo tipo de atos. Às vezes essa tutela poderia ser mais intensa. Estes

protetorados tinham como base um Tratado. A permuta desta intervenção era em

caso de o Estado protetor agredir o Estado protegido, o Estado protetor assumia o

compromisso de defender o Estado protegido (ex: o protetorado espanhol e francês

em Marrocos; e os protetorados britânicos nos estados árabes do Golfo que já

terminaram).

Existem também protetorados que não são chamados de protetorados, mas são

efetivamente protetorados como é o caso da Bósnia e Herzegovina – é um Estado

federal com três estados, um croata, um sérvio e um muçulmano – têm autonomia

e há um Governo fraco e muitas vezes estão sujeitos a autorizações de um Alto de

Comissão Representante. Este Alto Representante também tem poder para destituir

titulares do poder político dos três estados federados.

Ø Relações jurídicas internacionais de reciprocidade: são relações horizontais

entre sujeitos de dto. internacional que visam satisfazer os seus interesses

recíprocos. Ex: tratado bilateral ou multilateral.

Ø Relações jurídicas internacionais de coordenação: resultam do simples

relacionamento entre Estados e da necessidade sentida por eles de satisfazerem em

conjunto interesses comuns nos diversos domínios. Ex: preservação da paz e

segurança internacionais; desarmamento; etc.

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NOTA: Às vezes há relações duvidosas. Em caso de dúvida:

Ø Se o objeto da relação for comum àquilo que são os interesses gerais da comunidade

internacional, percebe-se que estamos a tutelar relações jurídicas de coordenação

(dois estados que estabelecem regras sobre o tratamento de prisioneiros de guerra).

A Juridicidade do Direito Internacional

As regras de Direito Internacional Público geral ou comum, muitas vezes não são acatadas

pelos Estados e começa a haver problemas relativamente aquilo que é um dos elementos

fundamentais do Direito, a coercibilidade, muitas vezes os Estados incumprem e não há meios

de os fazer cumprir.

à O DIP tem verdadeira natureza jurídica? A doutrina diverge.

A escola realista (nos EUA é bastante forte) vê o DIP como uma cobertura daquilo que

são as relações de força internacional. Aqueles que são as potencias dominantes constroem as

regras de Direito à sua medida e, assim, o DIP vai evoluindo de acordo com as forças políticas

dominantes.

Esta escola não deixa de ter razão, segundo o regente (neo-realista) pois, se examinarmos

as regras de DIP elas são ditadas pelas potências dominantes, mas isso não serve para negar a

existência do Direito. Se essas potências dominantes resolveram criar um conjunto de regras,

desde que sejam acatadas pelos outros Estados destinam-se a proteger os outros Estados. O

que poderá acontecer será que os Estados que as criam não as cumprirem, mas isso terá a ver

com o problema da coercibilidade do DIP, que é o seu ponto fraco.

As posições realistas servem para compreender as relações internacionais e até a influência

destas na formação do Direito, mas não para negar a existência desse Direito.

Também existem as escolas positivistas que dizem que o DIP não é direito porque não há

um único legislador nem um único Tribunal.

Já as conceções jusnaturalistas entendem que desde há muito o Direito das gentes se

baseia naquilo que é o Direito natural e, por isso, a ordem internacional implica, tal como os

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outros ramos do Direito, uma subordinação a grandes valores jusnaturalistas (ex: dignidade

da pessoa humana, coexistência pacifica entre os Estados, condenação de guerras ilícitas…).

Na opinião do prof. Carlos Blanco Morais, entende-se que o DIP é um direito incompleto

e ainda não totalmente formado. É incompleto porque lhe faltam alguns atributos do direito

nos sistemas jurídicos internos, nomeadamente, a coercibilidade, que nos permite distinguir

por exemplo, o direito da moral. No DIP não se pode dizer que não existem mecanismos de

imposição das regras jurídicas, o problema é que muitas vezes são políticos, como é o caso

das decisões cogentes do Conselho de Segurança da ONU. Todavia, estes mecanismos são

débeis e devido a essa debilidade poderemos afirmar que o DIP é incompleto. A ideia de que

o DIP não poderá ser considerado como direito por não ter um único legislador não faz grande

sentido porque o DIP é uma realidade descentralizada.

O que temos é um DIP caracterizado pela descentralização das fontes e do modo de

produção das normas. Descentralização e pluralidade das relações jurídicas que são

produzidas por essas fontes. O DIP é reconhecido como Direito nas Constituições dos Estados,

estas referem-se às várias fontes de DIP e até se referem à sua aplicabilidade interna e ao

enforcement interno das regras internacionais por parte dos tribunais. Se as Constituições

reconhecem valor de Direito ao DIP então não há fundamento para negar esta juridicidade.

O DIP muitas vezes é desrespeitado pelos vários Estados (EUA). Há institutos que devem

ser revistos. Este é um problema crónico no DIP, mas estamos, atualmente, com uma maior

robustez nas instituições que aplicam o DIP e que sancionam os prevaricadores, mas existe

uma contínua desigualdade nas prevaricações: há Estados que quando prevaricam são logo

punidos; as médias potências nem sempre são punidas; as grandes potências raramente são

sancionadas. Este é um problema que não deverá nunca ser resolvido na sua totalidade.

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Sistema de fontes

Diferença entre fontes e normas

Uma fonte é um modo de revelação, de regulação, ou de justificação de uma norma.

Normas são critérios de decisão gerais e abstratos.

As fontes de direito internacional são modos de revelar e justificar normas jurídicas

internacionais que regem a sociedade internacional.

Fontes formais: são processos de produção e de revelação de normas jurídicas

internacionais. Podem ser voluntárias (ex: convenções e tratados) e fontes de formação

espontânea (ex: costume internacional).

Fontes materiais: aludem aos valores que fundamentam essas mesmas normas jurídicas

– princípios de DIP, que são enunciados jurídicos de valor internacional que, podem ter

origem e ser comum aos Estados (ex: princípio da proporcionalidade e boa fé) e outros são

princípios típicos, próprios e específicos das relações internacionais.

Fontes imediatas: implicam que as normas se apliquem diretamente e imediatamente a

uma relação jurídica controvertida. Antes de poder haver outros tipos de fontes, há normas

que se aplicam e têm que se aplicar a uma relação controvertida. Ex: convenções

internacionais, costume, atos jurídicos unilaterais e os próprios princípios de DIP.

Fontes mediatas: medidas de valor e ensinamentos subsidiários que sustentam a aplicação

ou não aplicação das fontes primárias. Ex: podem fundamentar a razão pela qual se aplica um

princípio ou não; se uma convenção internacional tem ou não precedência no costume; entre

duas convenções internacionais qual delas prevalece – doutrina e jurisprudência. A

jurisprudência tem ganho um papel importantíssimo devido ao precedente, os tribunais

interpretam os tratados, os costumes e os atos unilaterais e nos casos de referência há um

fundamento principal do critério de decisão do tribunal que irá ser adotado que tende a ser

considerado em casos da mesma natureza.

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Artigo 38º do Estatuto do Tribunal de Justiça

É a norma de referência para a enumeração daquilo que são as normas de DIP. É objeto

de grandes críticas (no manual).

O artigo, primeiro, faz referência às convenções internacionais, depois ao costume, depois

aos princípios de DIP, depois à jurisprudência e à doutrina e, finalmente, uma menção à

equidade.

Alguns reparos que são colocados:

Ø A linguagem está obsoleta, por exemplo, a propósito dos princípios ainda se fala

em princípios das Nações Civilizadas que é uma expressão anterior à

descolonização;

Ø Mistura entre fontes formais, materiais, diretas e indiretas (REGENTE

DISCORDA) pois haveria mistura se se falasse na mesma alínea em costume,

jurisprudência e isso não é feito;

Ø Ambiguidade quanto à hierarquia entre as fontes. O prof. Blanco Morais diz

que, supostamente não há uma hierarquia entre as fontes, poderá haver uma

hierarquia entre certas normas de DIP, mas não entre fontes. Por vezes até há

transição entre fontes, uma regra que começa por ser um princípio, depois converte-

se num costume e a acaba sendo plasmado num Tratado. Quanto muito, poderá

dizer-se que há uma precedência entre as fontes que são imediatas e as que são

mediatas.

Ø Existência de lacuna, omitem-se os atos jurídicos unilaterais que também têm

importância. Esta lacuna é fácil de integrar com auxílio de convenções

internacionais e com o costume;

Ø Problema da elevação indevida da equidade como fonte de Direito. A equidade

é uma medida de valor que visa temperar o rigor do Direito. Muitas vezes, ajusta a

norma ao caso concreto pois às vezes a aplicação pura da regra ao caso concreto

cria uma injustiça maior que a sua não aplicação. A equidade poderá não ser uma

fonte de Direito em sentido próprio quando atua interpretativamente (equidade

secundum legem). O prof. Blanco Morais tem dúvidas, mas diz que poderá não ser

fonte se tiver um papel interpretativo. A equidade contra legem, ou seja, uma

equidade que derrogue normas de tratados ou de costume cria uma regra de direito

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contrária e por isso é fonte de Direito. O prof. regente defende que, pelo menos a

equidade contra legem será fonte de Direito.

Fontes Mediatas

à Jurisprudência

A jurisprudência é uma fonte subsidiária muito importante, no sentido em que combate as

lacunas existentes no DIP. Existem vários tribunais que decidem com base em precedentes de

outros tribunais.

à Equidade

A equidade significa que muitas vezes existem certas disposições que são por vezes

causadoras de conflitos e danos nas relações internacionais que são mais graves do que a

congeneridade de situações ilícitas. Esta tempera o rigor do direito e faz com que este se

adeque ao caso concreto.

A equidade pode visar três objetivos:

Ø Atenuar a aplicação do Direito;

Ø Completar o Direito;

Ø Afastar o Direito.

A equidade intervém ainda na interpretação dos Tratados, como meio de afastar resultados

iníquos da interpretação.

Fontes Imediatas

à Questões de precedências aplicativas em termos de fontes imediatas:

As fontes não têm qualquer hierarquia, todavia, existe um enunciado que nos permite dizer

que, havendo regras escritas num Tratado, estas devem ter precedência aplicativa aos tratados,

depois ao costume e depois aos princípios, mas isto não significa que não possa haver um

costume que contrarie uma regra de um Tratado e que derrogue a regra do Tratado ou um

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princípio que leve ao afastamento de certo tipo de normas de um Tratado ou de uma regras

consuetudinárias. Precedentemente temos que aplicar o Direito mais claro e certo por isso, daí

primeiro se aplicar os tratados.

A falta de hierarquia entre as fontes, não implica que não haja hierarquia entre as normas

criadas através dessas fontes.

Ex: ius congens (art. 53 da convenção de Viena) – até hoje nenhum Estado considerou

nada como dto. cogente; existem tratados internacionais que determinam que as suas normas

não podem ser contrariadas, sob pena de exclusão; superioridade de convenções internacionais

sobre os acordos que lhes dão execução.

à Princípios

A razão da inclusão dos princípios no art. 38 parece ter sido a de evitar a denegação de

justiça pelo juiz internacional na ausência de regra expressa de dto., o que é fácil de acontecer

devido ao caráter fragmentário e à menor elaboração do dto. internacional.

Estes são uma fonte autónoma e uma importante fonte formal do dto. internacional, sem

embargo de se reconhecer que muitos deles podem ter sido revelados pela via do costume,

independentemente de o seu fundamento último ser o dto. natural.

Os Princípios são Enunciados jurídicos fortemente indeterminados que acabam por

justificar certos comandos jurídicos. Variam entre uma formação voluntária e espontânea.

Estes têm carater normativo, são mandatos de otimização e geraram-se de duas formas:

à São transplantados na sua maioria através do direito interno dos Estados. Ex: princípio

da proporcionalidade, da segurança jurídica, do ónus da prova, do abuso de direito, etc.

à Alguns princípios são gerais a todos os Estados. Ex: princípio da não agressão,

princípio da não interferência nos assuntos internos dos outros Estados, princípio da

autodeterminação dos Estados, princípio da especialidade das organizações internacionais,

etc.

à Atos Jurídicos Unilaterais

Os atos jurídicos unilaterais tanto podem ser das organizações como dos Estados. Estes

não se encontram no art. 38, mas não deixam de ser importantes.

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Os atos jurídicos unilaterais são uma decisão tomada por um só sujeito de DI e, cuja

produtividade, em termos de efeitos, atua por si própria não dependendo de nenhum outro ato

jurídico. Estes correspondem, em certa medida aos negócios jurídicos unilaterais do dto.

interno.

São uma fonte formal, imediata e de formação voluntária.

Estes atos contribuem de modo importante para a formação do costume, para o qual

servem de precedente.

Quanto aos atos jurídicos unilaterais dos Estados, podem ser:

Ø Autónomos: são manifestações de vontade que são por si próprias válidas e eficazes

não dependendo da existência de uma outra fonte de DI. Estes podem subdividir-

se em diversas categorias:

o Protesto: ato pelo qual um Estado dá a entender que não considera

determinada situação como conforme ao direito);

o Notificação: é o ato pelo qual um Estado leva ao conhecimento de outros

Estados determinado facto de cuja existência decorrem certas

consequências jurídicas;

o Renuncia: é um ato jurídico unilateral, irrevogável, extintivo de um direito

do seu autor (ex: um Estado declara que pretende não exercer mais um

direito);

o Promessa: é um compromisso assumido por um Estado de tomar no futuro

determinada atitude – ato menos definitivo que a renuncia; é uma declaração

de intensões futuras;

o Reconhecimento: é o inverso do protesto; é o ato pelo qual um Estado

constata uma situação existente e afirma que a considera conforme o Direito

(ex: quando um Estado reconhece a independência de outro);

Ø Não autónomos: a sua prática depende do regime que a esse propósito tiver sido

estabelecido numa outra fonte de DI, por exemplo, o costume ou um tratado. Ex:

denúncia, o recesso, a reserva e a adesão.

Ø Autonormativos: decisões jurídicas tomadas por um Estado, em que o mesmo é o

primeiro destinatário dessa decisão. Ex: promessa e renúncia.

Ø Heteronormativos: decisões jurídicas tomadas por um Estado, em que o

destinatário imediato são outros sujeitos de DI. Ex: reconhecimento e o protesto.

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Existe atos jurídicos unilaterais provindos de Organizações Internacionais e os emanados

de Estados. Os primeiros têm o seu fundamento no tratado de constituição da respetiva

organização e apresentam uma ainda maior diversidade de conteúdo e de forma do que os

segundos. No que toca ao seu conteúdo, os atos emanados de Organizações Internacionais

podem apresentar-se como atos jurisdicionais (quando são sentenças de tribunais pertencentes

às Organizações), atos de pura administração interna (é o caso dos atos de caráter processual

ou de gestão do respetivo pessoal) e atos de funcionamento da Organização (isto é, atos quanto

às relações internas da Organização, quanto às relações entre a Organização e os Estados

membros ou entre estes entre si, e também os relativos aos indivíduos, quando a Organização

em questão tiver competência para tanto).

à Costume

O costume é uma prática reiterada com convicção de obrigatoriedade. Este é a mais

importante fonte de dto. internacional, regendo um conjunto de matérias que constituem o

núcleo fundamental do mesmo.

Este é uma fonte formal, imediata e de formação espontânea, que produz normas e que

tem como características:

Ø o uso/prática de uma determinada conduta várias vezes, e que cria um precedente.

A conduta é assumida regularmente. Ao se verificar essa repetição, a prática

começa a ser um precedente. O uso pode evidenciar-se quer através do exame da

atividade dos órgãos externos do Estado (ex: Chefe de estado), quer dos órgãos

internos (ex: Governo) e, mais moderadamente, admite-se também que o costume

pode nascer da prática das Organizações Internacionais e até da atividade do

individuo.

Ø a convicção de obrigatoriedade é também essencial para que haja costume. É

necessário que se assuma que o critério é obrigatório, deve ser uma regra usada

futuramente. Só com a presença deste elemento é que se pode diferenciar o costume

das práticas gerais e constantes, mas não obrigatórias. Este é o elemento

psicológico.

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Existem várias teorias sobre qual das características é mais importante:

Ø Teoria do acordo tácito: sobrevaloriza o elemento psicológico (convicção de

obrigatoriedade). Só se forma uma regra consuetudinária quando os Estados têm

vontade que essa prática se converta a norma. Esta teoria não explica tudo.

Ø Teoria do comportamento habitual: sobrevaloriza o uso. A partir do momento em

que há uma prática reiterada de uma conduta chega-se a conclusão que se formou

um costume. Esta também tem diversas críticas.

Ø Teoria objetivista: teoria formalista que dá enfase a dois aspetos: primeiro, tanto o

uso como a obrigatoriedade são elementos fundamentais que se encontram numa

posição paritária, só um não se pode impor a outro; e segundo que o costume nasce

espontaneamente com a prova do tempo (a doutrina clássica defende que são 10

anos, há quem fale em 5 anos também) e não por um ato de vontade. O regente e o

manual defendem esta teoria.

Como é que o costume se forma? É difícil apresentar provas do costume. O requerente

tem a obrigação do ónus (de provar) esse mesmo costume.

Existe o costume:

à Local;

à Regional; e

à Geral.

à Tratados/Convenções Internacionais

Os Tratados Internacionais são uma fonte formal, imediata e de formação voluntária.

A grande maioria das normas de dto. internacional relativas à conclusão dos tratados, à

sua interpretação, à sua aplicação, à sua validade e à sua eficácia encontram-se codificadas na

Convenção de Viena. Existem duas convenções de Viena: a de 69 (aplica-se aos tratados

celebrados entre estados) e a de 86 (aplica-se às relações convencionais realizados entre

organizações internacionais e entre Estados e organizações). Estas convenções não se aplicam

a todos os tratados.

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Um Tratado é uma fonte de direito internacional que não existe no direito interno. Este

acaba por ser um acordo de vontade em forma estrita concluído entre dois ou mais sujeitos de

DIP que, devem ter capacidade para os celebrar e que se destina a produzir efeitos jurídicos

regidos pelo DIP.

Um indivíduo não pode celebrar tratados.

De acordo com o art. 2 alínea a) da Convenção os Tratados só podem ser celebrados

por escrito e podem encontrar se num único documento ou em vários.

Os Tratados são negócios jurídicos aos quais se aplica o regime do negócio jurídico.

Apenas os estados soberanos podem celebrar tratados.

Os Tratados devem submeter-se às regras gerais de Ordem Internacional, dai que esta

Convenção tenha uma importância superior aos Tratados que foram redigidos, na sombra da

mesma.

Quanto aos Tratados Secretos é muito duvidoso que possam vincular os Estados, tendo

mais validade politicamente do que juridicamente.

à Classificação dos Tratados:

Ø Em razão do objeto:

o Tratados lei: dá-se a criação de uma regra de Direito pela vontade conforme

das partes;

o Tratados contrato: as vontades são divergentes, não surgindo assim a

criação de uma regra geral de dto., mas a estipulação recíproca das

respetivas prestações e contraprestações; e

o Tratados mistos.

Ø Em razão da matéria:

o Tratados gerais; e

o Especiais.

Ø Em razão da pluralidade de partes:

o Tratados bilaterais: são naturalmente os celebrados entre apenas duas

partes. Mas há a notar que falamos em partes e não em Estados ou em

sujeitos de dto internacional: a coincidência de interesses pode fazer com

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que cada uma, ou apenas uma, das partes seja constituída por mais do que

um sujeito jurídico. Ex: tratados entre vencedores e vencidos; e

o Tratados multilaterais: são todos os celebrados entre mais de 2 partes.

Quando os intervenientes em tratados multilaterais são em grande número

dá-se-lhes o nome de tratados coletivos.

Ø Em razão da forma:

o Tratados solenes: são os celebrados segundo a forma tradicional,

necessitando de ratificação; e

o Acordos sobre forma simplificada: são, fundamentalmente, tratados que não

carecem de ratificação (não existem na CRP).

Processo de Celebração das Convenções internacionais

à Convenções Bilaterais

A Convenção é composta por um preambulo. Este serve como elemento interpretativo da

Convenção. Muitas vezes estas convenções têm conceitos indeterminados e algumas

ambiguidades, pelo que, é necessário perceber o que trata a Convenção, o seu objetivo e objeto

para perceber a parte jurídica, propriamente dita, da Convenção.

Depois temos o corpo normativo da Convenção – os artigos. Aquilo que ocorre com

frequência é que o primeiro artigo define o objeto da Convenção. Hoje em dia, existe um

artigo de definições, para que todos os Estados sigam a mesma definição.

Existem ainda, disposições finais que nos dizem quando é que a mesma entra em vigor,

em que termos, bem como outros aspetos que podem ser tidos como relevantes, relativamente

à sua aplicação.

Finalmente, temos os anexos – estes são muito variados e têm valor jurídico muito distinto.

Alguns são especificações do preceituado, e que tem caráter normativo. Noutras

circunstâncias, os anexos têm a ver com listagens. Existem anexos com o mesmo valor do

Tratado, outros com valor subsidiário.

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Quanto à conclusão de uma convenção internacional temos:

à 1ª fase – Negociação/elaboração do texto: a negociação é normalmente levada a cabo

pelo plenipotenciário (chefe das delegações) que, tem a vantagem perante os restantes

técnicos.

Existem situações em que o plenipotenciário pratica atos e depois se vem a verificar que

não tem competência (art. 7 da CV) quando tal acontece, dita o art. 8 do mesmo diploma que

esse ato não produz efeitos jurídicos, a menos que seja confirmado ulteriormente por esse

Estado. Muitas vezes há uma dispensa de exibição de carta de poderes, a pessoas que podem

em razão das funções que ocupam, atuar como representantes dos Estados (ex: chefes de

estado, chefes de governo, ministros dos negócios estrangeiros, etc).

A negociação pode ser efetuada pela via diplomática ordinária (o que não obsta à

necessidade de os agentes diplomáticos serem munidos de poderes especiais para a negociação

de cada tratado de per si), ou através de uma conferência diplomática, isto é, reunião de

plenipotenciários designados expressamente para esse fim.

O objetivo essencial desta fase da celebração dos Tratados é conseguir o acordo entre

plenipotenciários quanto ao texto do Tratado.

A aprovação do texto do Tratado exige voto unanime de todos os Estados que o

negoceiam, salvo quanto aos tratados aprovados numa conferência internacional, quanto aos

quais basta a maioria de 2/3 dos Estados presentes e votantes, salvo se estes, também por 2/3

decidirem fixar uma regra de votação diferente. Uma vez fixado o texto do Tratado segue-se

a redação do mesmo.

Em Portugal, o órgão competente para negociar tratados é o Governo (art. 200/1 alínea b

da CRP).

à 2ª fase – Autenticação: O texto fica fixado e as negociações terminam. A partir deste

momento inicia se uma vinculação interna dos Estados à Convenção.

Existem convenções em que a assinatura vale como autenticação e como expressão

definitiva do consentimento do Estado aquele acordo.

Existe um conjunto de condutas, ligadas ao princípio da boa fé, que os Estados devem

seguir, de forma a evitar ações que privem a Convenção do seu fim ou do seu objeto.

A autenticação muitas vezes não ocorre num só momento – em primeiro lugar, existe a

figura da rubrica (aceitação provisória da Convecção ou em caso de estabelecimento prévio

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vale mesmo como assinatura), existe ainda uma assinatura com reserva (acaba-se o trabalho,

mas existem ainda algumas questões em que os Estados ainda não estão de acordo).

à 3ª fase – Vinculação: este é o momento principal, em que o Estado exprimindo o seu

consentimento definitivo à Convenção devendo segui-la nos ditames da boa fé. Existem várias

formas de consentimento, a mais comum é a ratificação. Outra é a assinatura do

plenipotenciário ou do presidente.

No tratado solene a assinatura não significa ainda a vinculação do Estado ao Tratado, mas

nem por isso deixa de gerar uma multiplicidade de efeitos jurídicos, dos quais cabe assinalar

os seguintes:

Ø Exprime o acordo formal dos plenipotenciários quanto ao texto do Tratado;

Ø Produz para o Estado signatário o direito de ratificar o Tratado;

Ø Faz surgir o dever para os Estados signatários de se absterem de ações ou omissões

que privem o Tratado do seu objeto ou do seu fim (seguir os ditames da boa fé);

Ø Autêntica o texto, que fica definitivamente fixado, conforme dispõe o art. 10 da

CV;

Ø Marca a data e o local da celebração do Tratado, uma vez que, a ratificação vai ser

feita posteriormente e em datas diferentes por cada um dos Estados.

Nos acordos em forma simplificada a assinatura pode vincular imediatamente os Estados

cujos plenipotenciários assinarem.

Os plenos poderes podem, contudo, não conferir ao plenipotenciário a faculdade de

assinar. Se assim suceder, este, ou se limita a apor o texto as suas iniciais (rubrica), ou assina

ad referêndum, ficando as assinaturas definitivas para mais tarde. Ex: assinatura sob reserva

de aceitação, que tem de ser confirmada pelo Estado respetivo. Esta confirmação normalmente

é dada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros.

à 4ª fase – Produção de eficácia: previsto no art. 24 da Convenção de Viena. Na falta de

disposição em contrário, um Tratado entra em vigor a partir do momento em que todos os

Estados manifestam a aceitação do mesmo.

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à Convenções Multilaterais

São aquelas que se celebram entre mais de 2 Estados. O processo é coletivo e geralmente

ocorre de duas formas:

Ø Ou no âmbito de uma conferência internacional;

Ø Ou no âmbito de uma organização internacional (ex: nações unidas).

A consequência principal disso é que o texto poderá resultar, então, não de um acordo

unânime, mas de uma votação maioritária, para a qual se exige geralmente a maioria de 2/3.

Para lá destas duas formas típicas de processo de convenções multilaterais, temos também

formas mistas, ou seja, sob a égide de uma organização internacional realizam-se conferências

internacionais (ex: o Tratado de Roma que criou um Tribunal Internacional).

A fase negocial ocorre ou através de órgãos específicos de uma organização ou de uma

conferência internacional, portanto, as negociações correm desta forma.

Quando existe um consenso mínimo sobre o texto da Convenção, temos então a fase da

autenticação – adoção do texto – esta implica a assinatura da mesma pelos Estados. Todavia,

esta implica, sobretudo em conferência internacional, uma maioria qualificada – tem de haver

unanimidade. Se tal não acontecer, é estipulada uma maioria de 2/3 para que o texto seja

adotado (regra geral). Todavia, podem os Estados acordar por maioria de 2/3 que a adoção se

faça por uma maioria maior ou menor.

Se estivermos perante uma Convenção negociada numa Organização Internacional, o

Tratado dessa organização pode estipular maiorias distintas daquela que é a regra geral, apenas

para as convenções no âmbito das organizações.

Também há situações que se reportam a uma assinatura diferida – a assinatura do Estado

que participou no processo negocial é retardada para a altura da assinatura de outros Estados

que não tenham participado no processo negocial.

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A forma mais vulgar de vinculação dos Estados num tratado multilateral consiste na

adesão.

Quanto à vinculação, existem 3 tipos de Convenções:

Ø Abertas: aquele que para la dos Estados que participaram na negociação Convenção

a mesma é passível de ser objeto de vinculação posterior por Estados que não

participaram nas negociações.

Ø Fechadas: quando um conjunto de Estados se vincula uma Convenção e não abrem

a possibilidade de adesão posterior de outros Estados;

Ø Mistas/semi-abertas: a Convenção fica disponível para que um conjunto delimitado

de outros Estados (em função de um conjunto de critérios) poderem aderir

posteriormente à mesma, através da adesão – pode ser um Tratado ou apenas um

ato.

Nos Tratados Multilaterais as ratificações, quer dos Estados que participaram na

negociação, quer dos que praticaram a assinatura diferida, bem como os instrumentos de

adesão, não são trocados, mas sim depositados junto de uma entidade que é escolhida como

depositária, e que, nas Convenções concluídas sob a égide de uma Organização Internacional.

O depositário tem como função ser o custódio/guardião dos originais dos Tratados e de

responsabilidade pela recolha das ratificações e, se for o caso, de adesões.

Para além de recolha de adesões, de instrumentos de adesão, de verificação se as

ratificações estão corretas, de verificação se o Estado que adere à convenção o faz de uma

forma regular e se cumpre uma quantidade de critérios exigíveis para que se possa tornar parte

dela a posteriori, também tem outras funções relacionadas com a disponibilidade de

instrumentos de tradução da Convenção para diversas línguas e, ainda, esclarecimentos sobre

o conteúdo da Convenção.

Em caso de divergência entre um Estado e o depositário, pode haver mais tarde, uma

conferência realizada com os restantes Estados para dirimir esse eventual litígio.

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Reserva

Nos Tratados Multilaterais, muitas vezes, existem grandes discrepâncias entre os

interesses dos vários Estados e os seus ordenamentos jurídicos, fazendo com que não se

identifiquem com a totalidade do Tratado ou com que este inclua preceitos que violam o dto.

interno dos Estados.

Por esta razão, é dada a possibilidade, com alguma flexibilidade, de os Estados praticarem

um ato jurídico unilateral de reserva, no qual se declaram eximir o cumprimento de certos, ou

de todos os preceitos da Convenção.

A reserva é então um elemento de particularismo da situação do Estado perante a

Convenção, que configura uma participação parcial do Estado na Convenção.

É unilateral porque depende de uma decisão que emana do Estado. É não autónomo porque

o regime das reservas resulta da Convenção de Viena (19º e ss.).

Na maioria dos casos, produz efeitos jurídicos de natureza diversa em função da existência

ou não de objeções. Acontece quando o Estado, no momento da assinatura ou da adesão,

pretende excluir ou modificar certas normas que constam da Convenção Internacional.

Existem figuras próximas da reserva:

Ø Declarações interpretativas: tomada de posição de um Estado relativamente a

uma norma de uma Convenção, em que o Estado procura explicitar a relação de

sentido que tem dado preceito. No momento em que adere (ou autêntica) à

Convenção, esse Estado pode formar uma declaração interpretativa. Isto significa

que o Estado que formou uma declaração interpretativa não pode condicionar a sua

adesão ou vinculação à Convenção ao facto de os outros Estado aceitarem essa

declaração interpretativa, porque se tal acontecer já não estamos no âmbito de uma

declaração interpretativa, mas de uma reserva simulada.

Ø Declarações políticas: os Estados fazem um pronunciamento político por escrito,

que fica anexo à Convenção. Contrariamente às situações anteriores, as declarações

políticas não produzem qualquer efeito jurídico, têm apenas efeitos políticos.

Ø Cláusulas de opting out: têm uma maior semelhança com as reservas. São

cláusulas que estão previstas no próprio tratado, que permitem a um Estado ou

Estados não cumprirem cm certo tipo de obrigações ou de regras constantes do

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Tratado, podem ficar de fora (opting out). Ex: cláusula acerca do euro no Tratado

de Lisboa.

Þ Requisitos materiais de formulação de reservas:

O regime anterior à CV sobre os Tratados era um regime previsto no direito

consuetudinários dos Tratados que exigia unanimidade quanto à aceitação das reservas. Isto

foi considerado um instrumento do bloqueamento do multilateralismo. A CV veio suprir esta

rigidez.

Dá-se uma grande liberdade às altas partes contratantes quanto à formulação e aceitação

da reserva. Portanto, a ideia geral é de que os Estados podem estipular no Tratado livremente,

se proíbem reservas, se aceitam qualquer tipo de reserva ou se só aceitam certo tipo de

reservas. A ideia é, no fundo, liberdade de as partes de proibirem, permitirem ou permitirem,

condicionadamente, reservas em razão da matéria. E, portanto, há Convenções de todas as

formas: há Convenções que proíbem reservas (ex: convenção sobre o genocídio); outras que

admitem algumas reservas e as que admitem todas as reservas.

Porventura, se o Tratado for totalmente silencioso sobre toda a questão da admissibilidade

de reservas, o artigo 19º CV alínea c), estipula que, em caso de silencio, não sejam admissíveis

as reservas que sejam contrárias ao objeto e fim da convenção.

Reservas só são admissíveis num tratado que tenha um número restrito de Estados se forem

aprovadas por unanimidade (artigo 20º/1 CV). Um número restrito de Estados, há quem fale

em 5 Estados, mas é algo que deveria ter ficado claro na CV. É uma regra geral, mas que

permite que o tratado preveja uma função diferente da unanimidade.

Tratados constitutivos de uma Organização Internacional: quando se está a discutir a

formação de um Tratado constitutivo de uma Organização Internacional, a questão das

reservas, no fundo, depende da sua aceitação pelo órgão competente da Organização, ou seja,

a situação fica dependente até que a Organização entre em vigor e haja um órgão que seja

competente para a aceitação ou não aceitação das reservas. O que o professor regente

considera um pouco esdruxulo, porque toda a problemática das reservas deve ficar completa

até o Tratado entrar e vigor e aqui dá-se a ideia de que o Tratado entra em vigor, as reservas

ficam uma situação pendente e depois só mais tarde haverá um órgão que as aceita com efeitos

retroativos.

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Se houver um Tratado, em função de um número restrito de Estados, que entende que a

aceitação é condição essencial para o consentimento de cada uma, então aí a reserva também

terá de ser aceite pro todas elas – artigo 20º/2 CV. Há aqui uma liberdade dada aos Estados,

mas com um conjunto de regras.

Resumindo, requisitos materiais de formulação de reservas:

Ø Liberdade de os Estados em fixarem na Convenção, aceitação ou não de reservas;

Ø Número restrito de Estados – regra geral da unanimidade;

Ø Organização Internacional – reservas formuladas têm que ser aceites por um órgão

competente para o efeito (coloca-se a pouca exequibilidade deste requisito, na

medida em que, o órgão que irá decidir, o irá fazer retroativamente mesmo se as

reservas recaiam sobre a sua competência, o que se trona estranho e leva alguns

autores a exigir aqui a regra da unanimidade.

Þ Requisitos formais e circunstâncias das reservas:

Ø Dever de comunicação de quem formula uma reserva às restantes partes mediante

forma escrita e deve ser feita não só às partes contratantes, mas tratando-se de uma

Convenção aberta, deverá ser também feita àqueles Estados que apesar de não terem

participado também queriam aderir a essa Convenção (artigo 23º/1 CV);

Ø Reservas devem ser formuladas no momento da autenticação/assinatura, mas podem

ser formuladas no momento da autenticação ou adesão (artigo 19º CV);

Ø Reservas condicionadas (artigo 23º/2 CV) – se um Estado formular uma reserva no

momento da autenticação (assinatura ou adoção), caso vise manter juridicamente

essa reserva, deve confirmá-la no momento da expressão definitiva do seu

consentimento para que ela seja juridicamente oponível aos outros Estados, ou seja,

se formulou no momento da autenticação, deve confirmá-la no momento da

assinatura ou adesão.

As reservas podem ser aceites pelos Estados, fazendo parte de um Tratado Multilateral ou

podem ser objetadas.

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Se um Tratado ele próprio admitir reservas sobre todas as suas disposições ou algumas das

suas disposições isso significa que a aceitação é irrelevante – se o Tratado autoriza então, ao

formular-se uma reserva esta implica uma aceitação tácita automática pelas restantes partes,

porque elas previamente já o tinham plasmando em disposição própria na Convenção.

Nos outros casos tal não se sucede, e no fundo, há um limite de 12 meses desde o início

da formulação de uma reserva para objetar a reserva.

A objeção observa a forma escrita e tem dois tipos com efeitos jurídicos distintos:

Þ Objeção simples;

Þ Objeção qualificada: esta tem efeitos jurídicos mais drásticos.

Þ Efeitos Jurídicos das Reservas:

Regulados nos art. 20 e 23 da CV.

Em primeiro lugar, se um dos Estados formular uma reserva e os restantes não objetarem

a reserva, entende se que a reserva é aceite pelas restantes partes decorrendo daí efeitos

jurídicos, entre eles:

® Se o Estado A decide formular uma reserva que abranja a norma X, no sentido da

não aplicação dessa norma à ordem jurídica interna, isso significa que essa norma

X não se aplicará às relações recíprocas, no contexto da Convenção, entre quem a

formulou e quem aceitou;

® Se o Estado que formula a reserva pretende uma aplicação parcial da norma ou

pretende uma alteração do seu significado, isso significa que essa norma será

aplicada nas suas situações jurídicas que acordo com a reserva (ou se aplica apenas

a uma parte das reservas ou se aplica na sua forma modificada).

Em segundo lugar, temos o cenário da objeção de uma determinada reserva – objeções

simples. Tal cenário tem como consequência que essa norma de reserva não se aplicará nas

relações estabelecidas entre o Estado que formula a reserva e o que objeta. Pode ser

questionado o sentido útil dessa situação – no fundo a consequência jurídica é a não aplicação

da norma – mas o resultado é diferente se a reserva for a modificação da norma ou a sua

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aplicação parcial (ao invés da rejeição da norma). Nesse caso a norma não produzirá efeitos

jurídicos.

Em terceiro lugar, se um Estado formula uma reserva e outros Estados formulam uma

objeção qualificada – uma objeção inequívoca qualificada. Quando tal ocorre todo o Tratado

não produzirá efeitos jurídicos entre o Estado que formula a reserva e os Estados que objetam

qualificadamente.

A revogação da reserva pode ocorrer por vezes, quando um Estado se arrepende da

formulação, ou porque as circunstâncias se alteram. Estes têm, no entanto, a obrigação de

notificar todos os outros Estados de tal revogação, tendo em conta que esta produz efeitos

jurídicos.

Invalidade das Convenções Internacionais

Esta ocorre quando a Convenção padece de uma /vício que não se conforma com o quadro

jurídico, deixando esta de poder produzir os efeitos protótipos que lhe corresponderiam se

fosse válida.

A invalidade é um desvalor jurídico ou valor jurídico negativo que uma Convenção

Internacional padece no sentido de, por se encontrar viciada, não poder produzir os seus

efeitos jurídicos que lhe corresponderiam se fosse válida. Esta decorre de vícios nos

pressupostos ou elementos e, também do seu conteúdo violar normas de hierarquia superior.

Muitos dos vícios não são muito distintos daqueles que afetam o negócio jurídico. As

condições de validade de uma Convenção Internacional radicam, fundamentalmente:

® Na capacidade dos sujeitos de poderem vincular se a Convenções Internacionais.

Esta capacidade pode ser plena ou sofrer algumas limitações – os Estados

soberanos têm uma capacidade plena de celebrar Convenções. Se nós tivermos

perante uma Convenção entre um Estado soberano e uma entidade não soberana

este Tratado é inválido.

® Nos vícios da vontade:

o art. 46 da CV que se relaciona com convenções que violem a Constituição

de um país. Um Estado só pode invocar a invalidade de uma Convenção, na

medida em que, esta viola o direito interno por meio de uma invalidade ou

inconstitucionalidade orgânica por falta de competência de um órgão

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interno para vincular o Estado a essa Convenção, que seja uma matéria de

importância fundamental e tem de ser um vício manifesto e claro. Se a

Convenção for bilateral toda a Convenção cai e se a Convenção for

multilateral apenas a vinculação daquele Estado cai.

o Vícios relativos ao poder do plenipotenciário – art 47 da CV – ou o

plenipotenciário deu nota às outras partes dos limites dos seus poderes e daí

que se porventura este exceder o seu mandato e os outros Estados souberem

então o Estado do plenipotenciário pode invocar a invalidade do Tratado ou

se o plenipotenciário não exibiu a sua carta de poderes aos outros Estados e

celebrou um Tratado para além do que estava apto e depois o seu Estado

vem a invocar a invalidade porque lhe convém então essa invocação é

ineficaz porque as partes, agindo de boa fé não sabiam dos poderes desse

plenipotenciário.

o Há ainda uma terceira situação relativa ao erro de facto, prevista no art. 48.

No fundo, para que um Estado possa invocar um erro como fundamento da

invalidade é necessário que este seja essencial, que o Estado não tenha

contribuído para a prática desse mesmo erro e que este não seja de uma

evidência absoluta.

o Pode ainda ter se em consideração o dolo – intenção de um determinado

sujeito de preencher um facto ilícito. Este significa a intenção de enganar,

induzir em erro as partes da Convenção Internacional. Art. 49 da CV. –

consequências – art. 69/3. O Estado que age com dolo não tem a

possibilidade de exigir o restabelecimento da situação que existiria se estes

atos não tivessem sido praticados, nem exigir a não ilicitude dos atos

praticados de boa fé, uma vez que, este nunca agiu de boa fé.

o Corrupção de Estado – art. 50 da CV. Quando um Estado para seu próprio

benefício corrompe outro Estado a vincular-se a uma Convenção que este

não se vincularia em condições normais. Corromper significa atribuir

vantagens patrimoniais a outro Estado. No plano democrático é muito difícil

distinguir um ato de corrupção de um ato de cortesia.

o Coação é o uso da força ou a ameaça do uso da força física de forma a levar

alguém a assumir alguma coisa que em Estado normal não assumiria. A

coação implica necessariamente a invalidade de um Tratado. Ex: Tratado

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de Madrid de 1526. A coação sobre o representante do Estado encontra-se

no art. 51 da CV. Temos ainda a coação sobre o próprio Estado, presente no

art. 52 da CV.

® E à licitude ou não do objeto: os Tratados devem ser cumpridos – pacta sunt

servanda. A propósito desta ilicitude já estudamos que não existe uma hierarquia

entre fontes, mas existe uma hierarquia entre normas. Existem normas que se

enquadram num patamar hierárquico muito próprio, que são as normas de direito

cogente ou de dto. imperativo. É nulo todo o Tratado que, no momento da sua

conclusão, seja incompatível com uma norma de Direito Internacional que lhe é

anterior.

Tem se por norma imperativa aquela que é reconhecida como tal pela comunidade

internacional e sobre a qual nenhuma derrogação é possível, a não ser que seja feita

por uma norma de natureza distinta.

O prof. Blanco Morais, como positivista, sempre teve a dificuldade de identificar

uma norma como norma de ius cogens, tendo em conta que não há nenhuma

identificação das mesmas, não há uma listagem de normas de ius cogens na

Convenção, como devia ter havido porque não se chega a acordo. O prof. quanto

muito diria que existem valores da comunidade que são intangíveis que devem ser

impostas a todos os indivíduos dos Estados, por exemplo, as Convenções do

Genocídio e as Convenções de Genebra. O ius cogens encontra-se previsto no art.

53 e 64 da CV. Determina-se que a violação das normas de ius cogens leva a uma

nulidade.

Regime Jurídico dos Tratados Inválidos

Os Tratados Inválidos são nulos e existem dois níveis de invalidade, não tratada na CV,

mas sim pela doutrina. A Convenção no que toca às invalidades ostenta deficiências que têm

sido muito criticadas (art. 69), nomeadamente contradições.

Þ Invalidade/nulidade Absoluta:

Diz-se que havendo coação sobre o representante do Estado a Convenção é desprovida de

qualquer efeito jurídico – art. 51 da CV que prevalece sobre o art. 69 do mesmo diploma.

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No que toca à coação do próprio Estado, e, por analogia do presente no art. 51, existe uma

improdutividade de todos os efeitos jurídicos, quer futuros, quer passados. Portanto, embora

o art. 52 não se fale em total improdutividade dos efeitos tal ocorre tornando a Convenção

integralmente nula.

O que é que sucede com a violação de uma norma de ius cogens? O art. 53 diz-nos que

todo o Tratado é nulo, mas não nos fala do regime e dos seus efeitos, chegando-se à conclusão

que as partes são obrigadas a eliminar, na medida do possível, os efeitos produzidos pela

norma (putatividade) e estabelecer a normalidade conforme a estas normas imperativas.

Pensa-se assim que qualquer Estado pode invocar a invalidade desta Convenção.

Por força do art. 44/5 da CV, a regra geral na nulidade absoluta é a da não

divisibilidade das convenções, tanto nos casos de coação como nos casos de violação de

normas de dto. imperativo.

Þ Invalidade/nulidade Relativa:

Existe nulidade relativa num conjunto de situações, nomeadamente, vícios de regulação

de direito interno, restrições ao mandato do plenipotenciário (art. 47 da CV), dolo, erro,

ilicitude do objeto por violação de um Tratado de hierarquia superior.

Esta é caracterizada por um regime menos intenso que a nulidade relativa que se traduz

pela possibilidade de a Convenção apesar da nulidade poder produzir certos efeitos jurídicos

ou de efeitos jurídicos passados que foram libertados pela Convenção nula poderem ser

conservados. Há ainda a possibilidade de invalidade apenas parcial.

Quanto à invocabilidade, esta pode ser invocada pelo Estado que não tiver concorrido

através da sua conduta para a sua invalidade.

Quanto aos efeitos, existe um dualismo de regime que precisa de ser tomado em

consideração. Se abrirmos a Convenção no art. 69 este diz nos logo que um Tratado nulo não

produz efeitos jurídicos, contudo havendo nulidade qualquer parte pode pedir a outra parte

que a situação que vigorava antes da celebração da Convenção seja restabelecida e pode

invocar a salvaguarda dos atos praticados de boa fé antes da nulidade ter sido invocada. Mas

este é um regime geral.

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Ora, de um modo geral esta situação pode invocar-se a todos os quadros de invalidade

relativa, mas há uma exceção prevista no nº 3 do art. 69 da CV – a parte culpada pela

invalidade não pode invocar nenhuma destas salvaguardas. O prof. Blanco Morais afirma que,

quanto à coação estamos perante uma incoerência e, por isso, tende a não aplicar esse mesmo

artigo.

Todavia, há aqui uma situação que diz respeito à divisibilidade das convenções – saber

se toda a Convenção é afetada ou se apenas uma parte dela. No caso de vícios de determinada

natureza, por ex, vícios que não tenham a ver com dolo e corrupção a regra geral é que o

Estado que é vítima dessa situação pode invocar a invalidade parcial da convenção.

O nº3 do art. 44º diz-nos que, se uma causa de nulidade apenas visar certas disposições,

só relativamente a elas pode ser invocado. Na medida em que, haja uma patologia que afeta

apenas algumas disposições, apenas essas disposições deverão ser eliminadas e declaradas

nulas. Salvo se, portanto, não haverá nulidade parcial se:

® As cláusulas forem inseparáveis do resto do tratado: houver uma relação de

conexão e dependência entre normas, em que não seja possível separar essas

normas inválidas da restante parte, no que toca à execução da Convenção. A

Convenção não pode ser executada sem essas normas nulas, logo a invalidade terá

de ser total;

® Quando resulta do Tratado que a aceitação dessas cláusulas declaradas nulas são

condição essencial para o consentimento dos Estados. Se os Estados se vincularam

à Convenção, em razão de 2 normas especificas, e se estas forem declaradas nulas,

não fará sentido que a Convenção possa ser apenas parcialmente inválida. Toda ela

será inválida;

® For injusto continuar a executar o que subsiste do Tratado. Imaginemos um Tratado

multilateral que cria obrigações diferentes para vários Estados, e em que as normas

que são inválidas dizem respeito apenas a direitos de algum dos Estados-parte. Se

forem declaradas inválidas, o Estado só terá obrigações, porque os seus direitos

foram estripados através de normas declaradas nulas. Será injusto executar um

Tratado que impõe apenas a um Estado obrigações e não direitos.

Nestas 3 situações a invalidade deverá ser total. No entanto, a regra geral é a da

separabilidade, da divisibilidade da Convenção e da invalidade parcial, sobretudo em todos

os vícios que não disserem respeito nem a nulidades absolutas, nem a erro e corrupção.

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Já no caso do erro e da corrupção o Estado vítima tem a possibilidade de, em função dos

seus interesses, invocar a invalidade total ou parcial da mesma.

Vicissitudes na Vigência das Convenções Internacionais

Quanto à modificação das Convenções o art. 39 da CV diz-nos que, as Convenções podem

sempre ser revistas por acordo entre as partes. Pode haver situações em que as Convenções

multilaterais sejam alteradas apenas entre uma parte das partes.

A Convenção muitas vezes regula os termos para a sua modificação, incluindo limites de

ordem substancial ou fornal ou material. Quando tal não ocorra diz-nos o art. 40 da CV que

quando ocorre a pretensão de modificação de uma Convenção esta deve ser divulgada a todas

as partes inseridas na mesma que terão sempre o direito de participar nesse processo

modificativo. Todavia, pode a modificação dizer apenas respeito a alguns Estados ou alguns

Estados não pretenderem alterar a Convenção (estes não se vincularam às alterações).

Existe um outro aspeto em que algumas partes decidem estabelecer por acordo alterações

que os vinculam a eles e às suas relações, mas que não vinculam, em regra, as outras partes

(art. 41 da CV).

Também um Tratado pode cessar a sua vigência se as partes que o celebraram decidirem

revogá-lo sem substituição. Todavia, os Tratados podem efetivamente extinguir-se por um

conjunto de outro tipo de vicissitudes.

São estas:

Þ Vontade originária das partes:

Logo à partida, existem Convenções que têm cláusulas de caducidade. A caducidade

implica a cessação de vigência da Convenção em razão de vários fatores. Existem ainda

Convenções Internacionais que contêm regras ligadas a cláusulas temporais relativas à sua

vigência.

Por vezes, não existem cláusulas temporais de caducidade, mas sim cláusulas de

caducidade relacionadas com acontecimentos. Ex: no Pacto de Varsóvia constava uma

cláusula que determinava a dissolução deste, caso fosse criada uma organização de segurança

e cooperação na Europa.

Há ainda, cláusulas implícitas – um conjunto de obrigações que as partes devem executar

e quando tal ocorre pode não haver mais razão para que a Convenção persista. Ex: pactos de

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fornecimento de armas num determinado conflito militar – quando termina o conflito ou é

executada a obrigação comercial específica, podem não haver razão para dar continuidade à

convenção. Estas são denominadas cláusulas de caducidade por execução da obrigação e

extinção do objeto da Convenção.

Muitas convenções internacionais cessão vigência em função da denúncia ou recesso.

Nos Tratados Internacionais a denuncia é um ato unilateral não autónomo, que se aplica

aos Tratados bilaterais, através do qual uma das partes decide desvincular-se de uma

Convenção Internacional, e que pode ter como consequência o fim da Convenção.

Se for um Tratado Multilateral, a figura em causa designa-se por recesso – é como uma

denuncia, mas tem consequências distintas – a Convenção pode continuar a subsistir com o

recesso de um dos Estados, se os restantes continuarem vinculados à mesma. Existe um

conjunto de especialidades, como é o caso, da Convenção de Montreux sobre o Regime dos

Estreitos (1939), que determina que o recesso por parte de um dos Estados determina a

cessação de vigência da Convenção – neste caso é a própria Convenção que o determina, se

esta nada o disser aplica-se a regra geral referida supra.

Porque é que o recesso se trata de um ato jurídico unilateral não autónomo?

à Este é unilateral porque não depende necessariamente da aceitação de o ato de vontade

de desvinculação pelas outras partes. É não autónomo porque depende daquilo que for

disposto no regime legal da Convenção Internacional ou da CV.

O art. 56 da CV estabelece uma regra geral, que não tem sido bem assim aplicada, mas

que diz que o Tratado em causa é soberano quanto à admissibilidade ou não da renúncia ou

do recesso. Um Tratado pode proibir a denúncia ou o recesso e caso ocorra estes não podem

existir. Tal é raro ocorrer porque ninguém se pode vincular, normalmente, nestas condições.

Mas se a Convenção for silente, isto é, não disser nada sobre a admissibilidade da renúncia

ou do recesso, então, estes não serão consentidos, salvo se:

® As partes tiverem admitido, fora da própria Convenção, a possibilidade da

renúncia ou recesso, nomeadamente através de um acordo posterior sobre a

matéria;

® Ou se se puder deduzir das disposições da Convenção a possibilidade da denúncia

ou recesso.

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Uma parte, se desejar desvincular-se de uma Convenção Internacional deverá apresentar

um pré-aviso. A notificação deve fazer-se pelo menos 1 ano antes. Claro que há Tratados que

preveem prazos menores, nomeadamente, 6 meses.

Esta figura também vale para a suspensão da vigência das Convenções.

Há ainda uma outra figura, explanada no art. 55 da CV que nos diz que, há convenções

que determinam que elas próprias entraram em vigor depois de serem aprovadas por um

número de Estados. Após a ratificação pelo X nº de Estados vinculados, mesmo que alguns

venham a desvincular-se a Convenção não cessa vigência, por questões de segurança jurídica,

a menos que a mesma estipule que deve ocorrer.

Þ Vontade superveniente das partes:

Tal pode ocorrer, nomeadamente, pela celebração das partes de um Tratado posterior que

revogue o anterior expressa ou tacitamente (portanto, se é celebrado um Tratado com o mesmo

objeto e com as mesmas partes que um anterior, entende-se que o Tratado anterior foi

tacitamente revogado). Pode existir ainda um Tratado com artigo único que revogue um

anterior supressivamente.

Pode também existir, um Tratado Quadro, isto é, um Tratado com normas de caráter geral

e pode depois aparecer um Tratado com disposições especificas ou particulares criando uma

relação de generalidade especialidade.

Þ Ocorrência de circunstâncias não previstas na Convenção:

Uma primeira possibilidade de cessação e às vezes até de suspensão de vigência de uma

Convenção Internacional, tem a ver com a sua violação. Muitas vezes uma ou mais partes

incumprem com as disposições estabelecidas na Convenção, o que dá direito às outras partes

de se desvincularem da Convenção ou de cessarem a sua vigência.

No art. 60 da CV, é nos dito que tem de ser uma violação substancial relevante da

Convenção. Houve sobre esta matéria um Tratado celebrado entre o Chile e o Peru que

envolveu por parte do Peru a suscitação da desvinculação por violação, por parte do Chile, do

Tratado. Tal suscitação não foi aceite, porque o Tribunal entendeu que não tinha sido violada

uma matéria substancial.

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Outra situação que justifica a cessação de vigência da Convenção é a rutura das relações

diplomáticas entre Estados, presente no art. 63 da CV. Os Estados, por vezes, cortam relações

diplomáticas – se tal correr dir-se-á que, essa rutura pode ou não determinar o termo de

Convenções celebradas entre eles, dependendo de várias circunstâncias. Ex: há Estados que

rompem as suas relações e que fazem parte de uma Convenção multilateral, neste caso pode

ficar definida a desvinculação dos mesmos à Convenção.

Decorre ainda deste preceito que as Convenções so deixam de produzir efeitos, na medida

em que, as relações diplomáticas sejam essenciais para a aplicação destas. Todavia, há

Tratados que podem mesmo cessar vigência, na medida em que, a existência de relações

diplomáticas sejam pressuposto necessário dessa vigência.

Uma outra questão diz respeito ao Estado de Guerra. O conflito armado entre dois Estados

envolve o fim das Convenções Internacionais estabelecidas entre eles?

à Caso estes Tratados impliquem relações diplomáticas entre os Estados, cessam

vigência. No entanto, temos ainda casos, como a Carta das Nações Unidas, que se mantém em

vigor, mesmo que independentemente de existirem cortes nas relações entre Estados.

Existem ainda Tratados criados mesmo para se aplicarem em Estados de Guerra. Ex:

tratamento dos prisioneiros de guerra.

Circunstâncias que podem por Termo às Convenções não ligadas ao Comportamento das

Partes

Para lá das vicissitudes que são geradas pelas cláusulas presentes nas convenções, também

não se pode esquecer o Costume Revogatório.

Um Tratado Internacional pode ser derrogado (algumas das suas disposições são

revogadas, mas não todas – Revogação parcial) como pode ser totalmente revogado por

costumes supervenientes.

As normas consuetudinárias e as normas convencionais detêm, na ordem jurídica

internacional, a mesma hierarquia. Tal como os Tratados podem revogar costumes, os

costumes podem revogar Tratados.

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Todavia, existem ainda circunstâncias que sendo independentes da vontade das partes

acabam por ter consequências jurídicas na vigência ou na aplicação das Convenções

Internacionais (art. 61 da CV).

Este art. refere-se à impossibilidade de superveniente de execução da Convenção

Internacional, que pode resultar do desaparecimento de um objeto que é indispensável à

execução do Tratado. Ex: o desaparecimento de uma ilha que fica submersa.

Diz o nº 2 deste artigo que a impossibilidade de execução não pode ser invocada por uma

parte, como motivo para pôr termo à vigência do Tratado, ou para se retirar do Tratado. Isto

significa que não pode, à luz do princípio da boa fé, a parte (que violou disposições da

convenção) invocar a destruição temporária ou permanente do objeto como fundamento para

se retirar ou suspender a Convenção à impossibilidade superveniente de execução.

Muito próxima desta figura temos uma outra figura que também está muito presente nos

contratos que é, a alteração fundamental de circunstâncias previstas pelas partes. Os

Tratados Internacionais são celebrados num determinado contexto que se se altera e poderá

trazer uma posição de desfavorecimento de algum dos Estados. Art. 62 da CV.

Para que haja a desvinculação também é necessário que essa alteração circunstancial possa

produzir uma transformação radical na natureza das obrigações/vinculações. O nº 2 ainda adita

um conjunto de regras que obstam à invocação da alteração das circunstâncias para a alteração

de um Tratado.

A expressão latina para qualificar esta alteração de circunstâncias como fundamento de

cessação, desvinculação ou suspensão de uma Convenção chama-se regus sic standibus.

A parte que invoca a cessação da vigência pode também, nº3, invocar apenas a suspensão

da aplicação deste mesmo tratado.

Existe ainda uma figura mista que tem que ver com a cessação da vigência e com a

nulidade e, tem sido objeto de muitas críticas.

Tínhamos verificado, a propósito da violação pro parte de Tratados Internacionais de

normas de direito imperativo (normas de ius cogens), que a violação originária de uma norma

de ius cogens, ou seja, um Tratado que é concluído desde a sua origem em desconformidade

com uma norma de direito imperativo pré existente, esse Tratado padece de nulidade absoluta,

não produzirá qualquer efeito para o futuro e todos os atos que foram praticados na sua

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execução em período passado são eliminados retroativamente na medida do possível à caso

de nulidade absoluta.

Outra situação é aquela em que, uma convenção internacional que se encontra em vigor,

quando foi concluído não violava nenhuma norma de ius cogens, de direito imperativo, mas

posteriormente forma-se uma norma de direito imperativo, de natureza consuetudinária ou

convencional, à qual é reconhecida essa hierarquia superior.

O que sucede a uma convenção com estas características, desconforme com uma norma

de ius cogens superveniente?

à Art. 64ºCV. Para que haja um sentido racional dado a esta disposição aparentemente

redundante, é preciso entendê-la da seguinte forma: se um Tratado se encontra em vigor e se

sobrevem um outro Tratado ao qual é reconhecida posteriormente a natureza de direito

imperativo, a partir do momento em que esse Tratado entra em vigor, a Convenção

anteriormente celebrada que era plenamente válida quando foi concluída e que mais tarde, por

causa da superveniência desse outro Tratado de direito imperativo, se torna desconforme com

ele, cessa vigência.

Mas imaginemos que as partes por má fé ou desatenção, ou por não concordarem com a

circunstância da nova Convenção ser ius cogens, as duas partes continuam, depois da entrada

em vigor da norma de direito imperativo, a executar e a aplicar a Convenção que é

desconforme com o mesmo direito imperativo. Imaginemos que essa execução se prolonga

por mais de 2 ou 3 anos e que a questão sobe ao TIJ em que, por razões de ordem pública

internacional, algum Estado decide impugnar esse Tratado por violação superveniente de uma

norma de ius cogens.

Nessas circunstâncias, o TIJ declara a invalidade da norma do Tratado que violou a norma

de ius cogens, declara a sua nulidade e invalidade, o que implica que a Convenção deixa de

vigorar para o futuro, e a decisão de invalidade retroage (tem efeitos retroativos), desde o

momento em que é proferida a decisão, até à data da superveniência da norma de ius cogens.

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Regime de Interpretação das Convenções

Os Tribunais Internacionais são os principais interpretadores das Convenções. A sua

linguagem nem sempre é clara daí a anexação de preâmbulos, etc.

O prof. Blanco Morais, não gosta da regulação da interpretação, explanada na CV art. 31

e 32. Isto porque dogmaticamente sabemos que a interpretação de base científica implica um

programa normativo, quem tem uma:

® Fase de interpretação textual ou literal;

® Fase de interpretação lógica ou sistemática;

® Fase de interpretação histórica; e

® Fase de interpretação teleológica ou finalista.

Posto isto, verificamos se esse sentido provisório se ajusta à situação concreta, ao contexto

normativo e depois teremos uma norma de decisão (decisão final de tribunal ou conjunto de

partes sobre o sentido efetivo que se atribui às normas).

Norma jurídica é direito decidido por um decisor legitimado para o efeito. Mas o preceito

(o texto que contém um comando jurídico, norma é o comando jurídico que resulta do

preceito; o preceito pode ter uma ou mais normas, um ou mais comandos jurídicos).

Ora, os elementos de interpretação encontram-se previstos no art. 31 e 32, mas de alguma

forma esfumados e totalmente desordenados.

Relações Jurídicas entre o Direito Interno e o Direito Internacional

Importa nesta matéria saber como é que as normas de DIP podem produzir os seus efeitos

jurídicos no ordenamento dos Estados. Isto é, como produzem os seus efeitos e com que força

essas mesmas normas produzem as suas consequências – será com prevalência sobre a

Constituição? Sobre a lei? Sobre os regulamentos Administrativos? ...

Þ Aplicabilidade:

Aplicam-se na ordem interna como Convenções internacionais, como normas

internacionais não convencionais, aplicam-se na ordem interna depois de serem reconhecidos

ou transformados em direito interno.

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Existem aqui várias conceções doutrinais:

® Teoria Dualista:

Esta diz-nos que, Ordem Interna e Ordem Internacional são dois ordenamentos diferentes,

como normas e princípios diferentes. E daqui que para um ato de direito internacional se

aplique no direito interno tenha que ser convertido num ato interno de valor legislativo.

® Teoria Monista:

Esta diz-nos que, o ordenamento interno e o ordenamento internacional são um sistema

conjunto que se comunica entre sim.

Há, todavia, quem entenda que, dentro do monismo, que são ordenamentos distintos - os

ordenamentos internos têm como norma de referência a constituição, e o ordenamento

internacional terá um conjunto de princípios e de regras de ordem pública. O que não significa

que não estabeleçam entre si comunicações diretas – ordenamentos homomórficos. (o regente

concorda mais com esta vertente).

Mesmo que se entenda que não é necessário um ato de transformação, na generalidade,

para que uma norma de DIP, Tratado ou um costume, possa produzir efeitos na ordem interna

de um Estado, temos de tentar perceber com que força e hierarquia a norma internacional irá

produzir os seus efeitos jurídicos.

Ora, há quem entenda (corrente estatocrática) que o monismo implica a aplicação de

normas internacionais nos Estado, mas com prevalência do direito interno. Esta conceção,

hoje em dia, já se encontra quase superada porque teria como consequência a possibilidade de

os Estados não cumprirem as Convenções Internacionais.

Depois, há quem entenda (para quem adota a posição monista) que, há um primado do

direito internacional sobre o direito interno, com base no Pacta sunt Servanda.

Estas são as grandes conceções, mas na opinião do regente, a diferença rígida entre as

conceções no que toca aos ordenamentos constitucionais dos Estados, tem sido superada, pelo

menos parcialmente, uma vez que, a maioria dos ordenamentos incorpora sistemas mistos,

com uma componente monista e uma componente dualista.

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O problema é saber qual é a componente dominante.

Mesmo sistemas dualistas em que se requer um ato de reconhecimento, de consentimento

ou de transformação de uma Convenção Internacional por um ato jurídico interno, que é o

caso da Alemanha e da Itália, acabam por mitigar um pouco esta separação, e até afastá-la

relativamente, por exemplo, ou a princípios gerais de DIP ou a um regulamentos da União

Europeia (atos normativos unilaterais do direito derivado), que nos Estados produzem eficácia

e efeitos internos sem necessidade de transformação ou incorporação por ato jurídico dos

Estados, contrariamente com o que sucede com outras.

E mesmo os sistemas monistas, como é o caso de Portugal e de Espanha, também acabam

por reconhecer a necessidade de transformação das diretivas da UE em direito interno.

Portanto, os sistemas, hoje em dia, têm uma componente mais eclética, mesmo que alguns

sejam predominantemente dualistas e outros monistas.

Ex:

Þ Na ordem alemã:

Existe um sistema misto de pendor dualista.

Todas as Convenções internacionais que respeitem matéria de competência legislativa do

parlamento, devem ser objeto de ato interno de consentimento que tem a força de uma lei

interna estatutária, que adota a Convenção Internacional, não tem de a reproduzir, tendo

apenas de a adotar na ordem interna.

O ato de consentimento tem o duplo efeito de autorizar o PR a retificar a Convenção, e

também estabelece regras de como essa convenção deve ser aplicada no direito interno. Pode

declarar em que termos o tratado se aplica, a quem se aplica e os termos dessa vinculação.

Portanto, o ato de consentimento também diz em que termos uma convenção internacional

poder ou não ter primado sobre normas de direito interno.

A Convenção vale na ordem interna, e pode até produzir os seus efeitos jurídicos diretos,

nos termos que forem definidos e habilitados pelo ato de consentimento, que é um ato com

valor de lei.

Portanto, não há uma transformação no sentido da conversão de todas as normas do

Tratado em lei interna, mas há obrigatoriamente uma lei interna, que equivale a uma forma de

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transformação, que reconhece o Tratado, autoriza-o a produzir efeitos na ordem alemã, mas

determina em que termo é esses efeitos se produzem e com que eficácia.

Þ Na ordem francesa:

Existe um sistema misto de pendor monista.

Este é misto porque apesar de os princípios e costumes se aplicarem diretamente na ordem

interna, quanto aos Tratados Internacionais, há alguns destes, relativamente a matérias

consideradas essenciais de competência legislativa do parlamento, algumas matérias

elencadas na constituição carecem de incorporação e transformação na ordem jurídica

francesa, através de um ato de direito interno. Todavia, a maioria das Convenções,

nomeadamente, acordos internacionais, podem produzir na ordem francesa diretamente os

seus efeitos jurídicos.

Há uma distinção entre 2 categorias de Convenções, em que umas são consideradas mais

relevantes do que outras, e carecem desse ato de reconhecimento interno ou de conversão

legal.

Þ Na ordem jurídica americana:

Nos EUA, como sabem, temos os executive agreements que são objeto de autenticação e

expressão definitiva de consentimento, através de um ato interno da administração

internacional e interno do governo federal, a partir do momento em que isso suceda a

Convenção aplica-se como Convenção Internacional.

No caso dos Tratados, estão sujeitos a ratificação no Senado. Esta é lenta, mas quando é

feita o Tratado como tal, aplica-se diretamente na ordem interna americana.

Caso português

Portugal enquadra-se no modelo monista com algumas componentes do dualismo,

sobretudo no que toca ao Direito Europeu.

A doutrina faz diversas designações do Direito Português. Iremos analisar a posição do

prof. Blanco Morais.

Sendo um sistema monista, receciona o DIP como DIP e não carece esse mesmo direito,

em regra, de ser incorporado ou transformado em ato interno na Ordem Jurídica Portuguesa.

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Todavia, no que toca em primeiro lugar aos princípios de DIP e ao costume internacional

geral, o nº1 do art. 8º da CRP diz que são normas que se aplicam diretamente na ordem do

Estado, ou seja, integram o direito português como normas internacionais, mas sem

necessidade de qualquer transformação.

O prof. Blanco Morais, designa esta via da receção de Direito Internacional geral ou

comum, como uma receção automática simples. Portanto, temos aqui grandes princípios de

DIP e grandes princípios de costume.

É claro, na visão do regente, que este preceito tem uma lacuna evidente – não se refere o

que são os costumes regionais e os costumes locais.

Face a isto o que é que se sucede?

à Será que estes não se aplicam na ordem interna? Será que, como defendeu o prof. Silva

Cunha, estes dois tipos de costume para valerem na ordem interna carecem de transformação

legislativa?

O prof. Carlos Blanco Morais entende que, por uma questão de agilidade, havendo lacuna,

esta deve ser resolvida por analogia e através do apelo aos lugares paralelos, fazendo-se uma

transposição daquilo que ocorre com o direito geral para o costume local e regional. Se o DIP

geral ou comum está presente numa norma consuetudinária que pouco dá relevo à opinião dos

Estados, por maioria de razão, o costume deve vincular o Estado se este teve um protagonismo

na formação desse costume.

Portanto, no art. 8/1 da CRP temos uma receção automática simples.

O nº 2 diz-nos que a Convenção Internacional produz os seus efeitos jurídicos internos

depois de ser regularmente aprovada, retificada e publicada, ou seja, uma Convenção produz

os seus efeitos jurídicos num Estado se:

® Tiver sido regularmente retificada e aprovada;

® Se tiver sido já publicada no Diário da República; e

® Enquanto vincular internacionalmente o Estado Português.

A cessação de vigência interna pode acontecer por declaração de inconstitucionalidade, e

a cessação de vigência internacional ocorre por outros vias: a caducidade, cessação da

convenção por situações não previstas pelas partes, regibus stic standibus, as denuncias, os

recessos, etc. Enquanto situações destas não ocorrerem, a Convenção continua a aplicar-se e

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a vincular o Estado português, e a aplicar-se internamente na Ordem Interna Portuguesa.

Chama-se a esta forma de receção uma forma de receção condicionada – é uma receção

automática, não é necessário ato interno de Convenção; mas é confecionada: à aprovação,

retificação, aprovação, bem como à sua vigência na Ordem Internacional.

E o Direito Europeu? E o Direito das Nações Unidas?

Existe aqui uma situação ambígua em que, até 2004 nós tínhamos apenas o art. 8/3 da CRP

e, era por aqui que no fundo produziam diretamente as resoluções do Concelho de Segurança

destinadas a garantir a segurança nacional e era por esta via que existia uma aplicação direta

e imediata das decisões da UE, e havia uma aplicação já por via de transposição, isto é, de

incorporação por ato jurídico interno, das diretivas da União.

Dizem as normas emanadas, dos órgãos competentes, das organizações internacionais, de

que Portugal faça parte, que vigoram diretamente na ordem interna desde que, tal seja

reconhecido nos Tratados constitutivos dessas Organizações. Na União Europeia, o art. 288º

dispõe que as diretivas para valerem internamente nos Estados, necessitam de ser transpostas

em ato jurídico interno com eficácia jurídica intersubjetiva, enquanto os regulamentos e as

decisões produzem imediatamente os seus efeitos jurídicos sem carecerem de ato interno. Era

assim que as coisas funcionaram até 2004.

Em 2004 sucedeu uma revisão constitucional relativamente mal feita que, no fundo,

estabeleceu que as disposições dos Tratados que regem a UE e direito derivado aplicam-se,

na ordem interna, nos termos definidos pelo Direito da UE com respeito pelos princípios

fundamentais do Estado de Direito.

Esta disposição é ambígua, uma vez que, se estava a discutir na altura algo que se dava

como adquirido, o Tratado Constitucional Europeu, que antecedeu o Tratado de Lisboa - este

era federalista e foi rejeitado em Referendo. O Tratado estava quase como que concebido em

termos de se afirmar como uma espécie de constituição e havia um art. 6º/1 que dizia que todo

o Direito da União Europeia prevalecia sobre todo o direito interno dos Estados – cláusula de

supremacia federal, semelhante à que existe na constituição alemã e americana.

Esta clausula suscitou grande reação jurídica por parte de muitos autores mais

soberanistas. Portanto, o Tratado de Lisboa aproveitou muitas das normas do Tratado

constitucional de fundo, todavia não incorporou o art. 6 tal como ele constava desse Tratado.

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Só que em Portugal deu-se como adquirido esse Tratado e houve uma Revisão

Constitucional no sentido de estabelecer uma regra que permitisse a possibilidade de o Direito

Europeu, tendo em conta o art. 6, aplicava-se na Ordem Interna Portuguesa, com prevalência

sobre a própria CRP, para lá de prevalência sobre lei.

Estabeleceu um limite muito ténue entre os princípios fundamentais do Estado de Direito

Democrático, isto é, a CRP poderia ser desaplicada por um simples regulamento ou decisão

da união, exceto se esse ato da União Europeia pusesse em causa princípios fundamentais do

Estado de Direito Democrático, como são: o princípio da segurança jurídica e o princípio da

democracia, portanto, esta norma foi feita a pensar no art. 6, mas não chegou a existir nem

Tratado nem art. 6, ficando esta norma sem prevalência.

Podemos concluir que o nº4 é uma norma especial relativamente ao nº 3, em que aquilo

que está consagrado é um regime misto em que, como se reenvia para os tratados, o art 288

do Tratado de Lisboa diz-nos que os regulamentos se aplicam diretamente, logo a aplicação

será direta, imediata, sem necessidade de transposição; as decisões têm o mesmo regime dos

regulamentos; as diretivas devem implicar uma incorporação no direito interno, a chamada

transposição, então, ai não se aplicam diretamente, aplicam-se através de um ato interno, que

é um ato legislativo nos termos do nº 8 do art. 112 da CRP.

Este é o Sistema Português de receção das normas de DIP, mas uma coisa é a receção,

automática simples (costume), receção automática condicionada do direito convencional e

regime misto, condicionado a um reenvio recetício para os tratados, no que toca ao Direito

Europeu e das Nações Unidas - modelo misto. Sabemos como o direito se aplica na ordem

interna.

Passemos agora a analisar com que força jurídica se aplica o Direito Internacional.

Existe uma doutrina que entende que existe prevalência do direito internacional público

cogente sobre o direito interno de valor constitucional. Este entendimento foi sustentado, por

exemplo, pelo prof. Jorge Miranda.

Depois teríamos segundo também alguns autores, o problema da Declaração Universal dos

Direitos do Homem. O próprio art. 16 da CRP diz-nos que, as disposições da Constituição

devem ser interpretadas e integradas à luz da DUDH. Este é um documento político das

Nações Unidas, anexado à sua Carta.

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Há aqui uma hipótese de se equacionar a DUDH exerce uma posição de hierarquia superior

perante as outras normas, no entanto, tal nunca foi claro.

O prof. Paulo Otero defende que se trata de uma hierarquia, o que levaria a que as normas

da CRP pudessem ser normas constitucionais inconstitucionais. O Tribunal Constitucional

fala na “quase hierarquia” da DUDH. O prof. Jorge Miranda fala numa prevalência ou

precedência destas disposições (posição da qual o regente se aproxima).

Finalmente, há quem entenda que o Direito europeu quer originário (constante dos

tratados) quer derivado (diretivas, regulamentos e decisão- normas unilaterais cujo regime

consta dos tratados, art. 288º do tratado de lisboa), teria uma força jurídica superior à

Constituição.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia iria no sentido dessa hierarquia,

havendo várias contribuições doutrinárias para sustentar essa mesma hierarquia.

Temos aqui, então, três eixos de prevalência das regras de Direito Internacional

Público.

O que dizer a cerca de cada um?

Þ Declaração Universal dos Direitos do Homem:

É inequívoco que essa declaração foi rececionada como Direito Constitucional Português,

pela norma presente no art. 16/2.

Esta declaração não é um Tratado de Direito Internacional. É sim uma norma política, que

não vale por si própria – é lhe dado valor normativo e de referência pela CRP, portanto, ela

vale como DC e com alguns aspetos de precedência sobre normas da CRP originárias porque,

através de um ato de livre vontade, o constituinte português resolveu incorporá-la como DC,

através de uma receção, com eficácia plena e que implica que até as normas da CRP e as

norma originárias, devam ser interpretadas e se necessário integrados, por respeito a esse

mesmo DC rececionado, onde se recebe uma declaração puramente politica que passa a ter

valor normativo constitucional.

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Estamos perante uma autolimitação.

Aplicando-se a DUDH na ordem interna, isto significa que ela pode ser chamada à coação

pelo TC para declarar a inconstitucionalidade de normas da nossa própria CRP – a supremacia

hierárquica é isto mesmo, se forem desconformes, inválidas.

Isto significa que uma norma da CRP que enfrentar uma nova norma de DC constante do

DUDH pode ser declarada inconstitucional?

à Não. Não há prevalência hierárquica, temos é domínios de prevalência paramétrica da

DUDH relativamente à via interpretativa e integrativa da constituição positiva.

Þ Ius Cogens:

Será ou não que o dto. imperativo prevalece sobre a própria constituição?

à Ora, é a CRP que determina quais as normas que se podem aplicar e prevalecer não só

em relação a ela, mas em relação a atos normativos. Ex: art. 112 da CRP.

Na nossa Constituição não há nenhuma norma que faça alusão ao ius cogens e que autorize

que uma norma de direito cogente possa prevalecer perante a Constituição. Alias, existe uma

multiplicidade de teorias sobre a existência de direito cogente, como mencionado supra, e na

opinião do regente só valeriam aqui as quatro Convenções de Genebra e a Convenção de

Genocídio e, não só as normas presentes na CRP não contrariam essas disposições, como se

houvesse alguma discrepância essas Convenções não teriam credencial habilitante para poder

prevalecer sobre a CRP.

O facto é que quer o costume quer atos unilaterais quer Convenções Internacionais todas

elas estão subordinadas à Constituição. E se estivermos perante um Tratado que tenha uma

norma de ius cogens e esta for desconforme à Constituição, a mesma pode ser declarada

inconstitucional logo pela Fiscalização Preventiva, como qualquer outra norma e qualquer

outro Tratado.

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Þ Primado do Direito Europeu sobre a Constituição:

Já tínhamos visto que esse primado é defendido há muito tempo pelo Tribunal de Justiça

da União Europeia, nomeadamente, em jurisprudência. Portanto, esta regra de vinculação do

Estados ao Dto. Europeu implicaria a vinculação a este primado.

O que se passa é que logo à partida este entendimento, sustentado pelo Prof. Fausto

Quadros, no plano do DC positivo português e DIP não parece ter sustentação inequívoca. Em

primeiro lugar - a tese segundo a qual os Estados europeus estão vinculados ao cumprimento

do direito europeu é inequívoca e o Tratado de Lisboa prevê aplicação de sanções, para

Estados que, por exemplo, não derem cumprimento aos regulamentos e decisões - sanções

pecuniárias aos Estados.

O prof. Carlos Blanco Morais entende que, esta realidade não pressupõe necessariamente

a hierarquia do dto. europeu sobre as constituições, uma vez que, também no dto. internacional

geral, os Estados estão obrigados ao cumprimento dos Tratados pelo pacta sunt servanda, e

se esse incumprimento gerar prejuízo para a outra parte, existe responsabilidade internacional.

Portanto, a responsabilidade dos Estados pelo não cumprimento não significa hierarquia,

mas sim obrigatoriedade de cumprimento.

Existem Estados que podem entender que normas de direito europeu violam as suas

constituições e podem ser julgadas inconstitucionais pelos respetivos TC e, se isso acontecer

não se aplicam no quadro de determinada interpretação, e os Estados podem optar por manter

integridade da sua Constituição e não aplicar essas mesmas normas, e consequentemente

assumirem as penalidades derivadas do incumprimento, que é pagar indemnização.

Em segundo lugar, aquela tese, segundo a qual incumprir o direito europeu invocando a

Constituição, seria negar validade a todo o direito europeu e esse arriscava-se a desaparecer,

juntamente com a ordem jurídica europeia.

O prof. regente entende que esta é uma posição dramática. Muitas vezes, pessoas decidem

não cumprir com a lei e com as obrigações e não significa que possam sair impunes, serão

sancionadas. Não cumprimento do direito penal ou contraordenacional não significa a negação

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do mesmo, significa que ao ser incumprido haverá uma reação do ordenamento, através da

aplicação de sanções ao infrator.

A mesma coisa relativamente ao DIP e direito europeu: se houver o incumprimento de

uma norma jurídica europeia, em razão de esta ser contrária à Constituição, isto significa que

o Estado que, voluntariamente, assume o incumprimento é suscetível de responsabilização,

ou seja, não desaparece o direito europeu em função desse incumprimento.

E a tese é exagerada porque têm sido muito poucos os casos em que os Estados invocam

a sua Constituição para incumprir direito europeu e são questões relevantes quanto a direitos

fundamentais.

Existe um terceiro argumento que está presente no art. 8/4 da CRP – o direito europeu está

conformado nos Tratados.

O art. 288 do Tratado de Lisboa diz-nos como se aplicam os regulamentos, as diretivas e

as decisões. Em nenhum destes preceitos se determina a hierarquia sobre o dto. constitucional

interno. Nenhuma norma de direito europeu incorporada numa lei ordinária poderia ter

precedência sobre uma norma constitucional.

O que se verifica é que a remissão que é feita, o reenvio recetício para o direito europeu,

nomeadamente no que toca ao direito derivado - art 288 - não autoriza a que a partir deste se

possa sustentar que regulamentos, diretivas e decisões tenham qualquer espécie de prevalência

sobre a CRP. E no que toca aos Tratados, os Tratados Europeus não são regulados de forma

muito diferente do que os demais Tratados Internacionais, e estes podem ser objeto de

fiscalização, tal como os Tratados Europeus.

Ou seja, posição do curso: Presentemente, o direito europeu, quer a nível de tratados,

quer a nível de direito derivado, não prevalece sobre a CRP e pode ser julgado inconstitucional

se contrariar CRP pelo TC.

O regente é criticado por reduzir direito da união aos Tratados. Mas direito da união é o

direito convencional da união, e não jurisprudência etc. O direito a observar é o das

Convenções internacionais, e não da jurisprudência. O Sistema jurídico de Portugal não é um

sistema jurisprudencializado. A jurisprudência nunca poderia ser fonte primária de direito

derrogatório da própria CRP.

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Apesar da conceção do regente ser pouco cosmopolita, como diz por exemplo Jonatas

Machado, segue o que diz o TC alemão.

Relações entre Direito Internacional e o Direito Ordinário Interno do Estado Português

O prof. Jorge Miranda entende que, do art. 8/2 da CRP, que toca na relação entre Tratados

e o direito interno, pode extrair-se uma regra de hierarquia do direito internacional

convencional.

Se um Tratado Internacional entrou em vigor, foi regularmente ratificado, produz os seus

efeitos jurídicos, e o Estado português não o invalidou, não entrou em recesso, o Tratado

continua a vincular internacionalmente o Estado português e, se assim é, aplica-se plenamente

na ordem interna. Esta aplicação plena na ordem interna imposta pelo nº2 do art. 8º, deixaria

de ter lugar se se admitisse que uma lei superveniente pudesse contrariar esse mesmo Tratado.

Uma lei aprovada posteriormente à entada em vigor do Tratado que o tentasse revogar ou

desaplicar violaria o nº 2, porque essa precedência de lei poria em causa a aplicação interna

do mesmo Tratado, e essa aplicação deve ocorrer enquanto o Estado português não invocar a

sua caducidade ou denunciar essa mesma Convenção. Ou seja, enquanto o Estado estiver

vinculado ao Tratado, este deve aplicar-se na ordem interna, logo não se aplicaram disposições

de direito ordinário que contrariem o mesmo tratado.

Quid iuris se estivermos perante tribunal ou operador administrativo que se confronte com

colisão ou conflito entre norma de um tratado ou acordo internacional, e uma lei ordinária

interna?

à Deve dar prevalência à norma do Tratado.

Não há nem uma inconstitucionalidade nem uma revogação relativamente à lei, a lei

interna não perde a sua validade, apenas na norma que entrar em contraste ou em conflito com

a disposição do Tratado, essa norma não será aplicada, portanto, será uma espécie de aplicação

preferencial dada ao Tratado sobre a lei, que verá a norma que entrou em colisão, bloqueada

na sua eficácia.

O Tratado tera aqui uma força jurídica bloqueadora da eficácia jurídica de determinadas

disposições de uma lei ordinária que entre em colisão com o sue preceituado.

Esta realidade não foi muito bem tratada na lei do TC - art. 60/1 alínea i).

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Direito Europeu

Composto pelo direito originário dos tratados, e direito derivado, que de acordo com o art.

288º do Tratado de Lisboa é composto por diretivas, regulamentos e decisão. Quanto a

questões de prevalência sobre o direito interno há aqui uma diferença.

Estas 3 normas têm regimes aplicativos distintos.

Þ Diretivas:

Normas de resultado, ou seja, são por regra normas de direito europeu que, nos termos do

art. 288º, carecem de transposição para a ordem interna dos Estados por ato de direito interno,

e este tem de ter eficácia intersubjetiva - transposta ou por regulamento ou por lei. As diretivas

para valerem carecem desta incorporação no direito interno, que equivale a uma

transformação. A diretiva, por regra, para valer no interior do Estado, carece de transposição,

não tendo aplicabilidade direta.

Aplica-se desde que seja convertida em norma interna, e é esta norma interna que produz

os seus efeitos jurídicos.

A diretiva também não deveria ser pormenorizada ao ponto de retirar ao Estado a

competência para a desenvolver e integrar - esta não pretende fazer valer sem mais todo o seu

preceito, ela deixa espaço a um suplemento normativo de direito interno que ajusta as suas

normas-fim a especificidades de cada ordem jurídica dos Estados-membros. Ou seja, cada

Estado-membro tem uma margem de liberdade conformadora minimamente relevante, para

complementar e ajustar, concretizar as disposições da diretiva.

O que a diretiva impõe são obrigações de resultado, não impõe especificações quanto aos

meios de atingir esses resultados, esses são deixados à ordem interna, os meios é com os

Estados.

Þ Regulamentos:

Norma mais poderosa do que a diretiva; tem uma aplicabilidade direta – vigora no

ordenamento dos Estados-membros sem necessidade de transposição, de incorporação num

ato de direito interno.

Tem outra característica: os seus efeitos jurídicos diretos. O efeito tem a ver com a

hierarquia ou com a força.

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O regulamento é aplicável em todos os seus elementos imediatamente, tem eficácia

intersubjetiva, e tem um primado que lhe permite afastar ou desbancar toda a legislação

ordinária contrária e, por maioria de razão, a regulamentação administrativa interna que lhe

for contrária.

Se houver contrariedade ou conflito entre regulamento e direito ordinário interno, o

regulamento prevalece - maior força jurídica do que a diretiva e este é obrigatório em todos

os seus elementos. Muitas vezes existem leis internas de execução do regulamento.

Pode haver regulamentos que defiram para o direito interno normas complementares, mas

isso não é muito comum.

O regulamento vale em todos os seus elementos e com primado sobre o direito ordinário.

Os regulamentos aplicam-se a todos os Estados.

Þ Decisões:

Pode ser norma ou não. São atos jurídicos unilaterais emitidos pela União Europeia, que

são apenas emitidos para alguns Estados Europeus e houve quem entendesse que por não ter

aplicação geral a todos os Estados, mas apenas a alguns, não teria caráter normativo, e

equivaleria a ato administrativo.

O prof. Blanco Morais entende que, não é bem assim. Uma decisão pode ou não ter caráter

normativo, conforme tenha ou não caráter geral ou abstrato.

Se uma decisão que se aplica apenas a 1 ou 2 estados tiver um conteúdo geral e abstrato,

ou pelo menos geral, será norma e pode ser impugnado como tal; mas pode ser ato individual

e concreto- a aí não está natureza de norma jurídica. Isto é, uma decisão é ou não é norma em

razão do seu conteúdo – caráter geral e tendencialmente abstrato.

As decisões operam juridicamente como os regulamentos: têm aplicabilidade direta e

produzem efeitos jurídicos diretos: estes podem ser verticais ou horizontais.

São verticais quando incidem apenas sobre o direito interno; horizontais se interferirem

também com direito dos particulares. Por norma, falamos de efeitos diretos verticais.

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Interceção do Direito Europeu com o Direito Interno

Diz-nos o art. 288 do Tratado de Lisboa que:

Ø O direito Europeu tem influência direta no direito interno, tendo prevalência sobre

os atos legislativos. Tal deve ocorrer com os regulamentos e com as decisões da UE.

Ø As diretivas para operarem têm de ser transportas em normas jurídicas internas – são

normas de resultado. Não existem regras para os meios de incorporação das diretivas.

Se estivermos perante uma situação em que uma diretiva é transposta paro dto. interno,

nos termos que a CRP prevê no art. 112/8, e depois há uma lei sucessiva que revoga essa lei

que assegura a transposição, e essa revogação põe em causa o cumprimento da diretiva, não

há nada a fazer – a lei que transpõe a diretiva é derrogada, a obrigação de resultado da diretiva

pode ser posta em causa pela lei nova e aquilo que pode acontecer é o Estado incorrer em

responsabilidade por não dar execução devida às diretivas da UE e por não cumprir as suas

obrigações.

Existe outra realidade a ter em consideração, que deriva de uma prática e da jurisprudência

do Tribunal de Justiça da UE. Existem diretivas que são qualificadas como diretivas auto-

aplicativas ou diretivas regulamentares, porque o seu conteúdo pormenorizado é análogo ao

de um regulamento da UE – algumas diretivas são de tal modo pormenorizadas que deixam

pouco espaço para o suplememnto legislativo da ordem interna adicionar regras que sejam

respetivas ao regime. A discricionariedade legislativa é muito menor do que uma diretiva

normal.

Se uma diretiva auto-aplicativa, não for transposta nos 2 anos que, em regra, são dados

para que a diretiva possa ser transposta, esta poderá aplicar-se como um regulamento, e se a

Administração Pública estiver perante uma lei ordinária e uma diretiva auto-aplicativa deverá

dar precedência direta à diretiva.

Isto levanta problemas:

Ø Primeiro, não está previsto nos Tratados, derivando antes da jurisprudência e da

prática europeia.

Ø Segundo, há aqui um anaclenismo – o Tratado diz que a Diretiva não tem

aplicabilidade direta e o Tribunal reconhece-lhe maior força jurídica depois de

decorrer o prazo de transposição. Portanto, ela tem efeitos jurídicos diretos em

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termos de maior força jurídica, mas não tem aplicabilidade direta, que é um

pressuposto dessa força jurídica.

Ø Muitas destas Diretivas criaram problemas nos Estados, que entenderam que os seus

direitos ou as suas prerrogativas de transposição de Diretivas estavam a ser postas

em causa, e inclusivamente houve uma alteração, durante algum tempo, da prática,

no sentido de não dar um conteúdo tão pormenorizado às Diretivas. Mas tal não

significa que as mesmas tenham desaparecido.

A prática dos órgãos normativos da União Europeia levou a que se pudessem fazer mais

classificações de Diretivas:

Ø Diretivas de Harmonização Máxima: se uma determinada diretiva estabelece um

certo tipo de regras, para serem introduzidas no dto. interno, essas regras têm de ser

aplicadas como tal, não podendo o Estado fixar disposições de dto. interno mais

favoráveis ou menos favoráveis;

Ø Diretivas Quadro e Diretivas de Execução: uma diretiva quadro é uma diretiva

principal que fixa objetivos de natureza geral e depois existem diretivas que

dependem destas e que têm como objetivo desenvolver, integrar e concretizar as

disposições da diretiva quadro. Tanto umas como outras carecem de transposição

para o direito interno;

Ø Diretivas não legislativas: podem existir diretivas e normas de delegação e

delegadas que podem mover-se ao abrigo das diretivas delegantes ou autorizativas.

Para lá destas relações jurídicas de prevalência, terminamos estas relações entre o direito

internacional e europeu e o dto. interno.

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Celebrações de Convenções Internacionais pelo Estado Português

Na ordem jurídica interna, encontramos dois tipos de Convenções: os Tratados

Internacionais e os Acordos Internacionais.

Os Acordos Internacionais, não seguem a forma de acordos por forma simplificada, não

podendo ser designados como tal. A autenticação e vinculação são dois atos separados e,

portanto, os nossos acordos seguem o mesmo regime da Convenção de Viena – regime dos

Tratados Solenes.

Os Acordos e os Tratados, têm entre si elementos muito semelhantes no processo de

expressão do consentimento, ainda que existam algumas diferenças, embora cada vez menos

relevantes.

Ora, como são concluídas das Convenções Internacionais, na ordem interna

portuguesa?

Þ Fase Negocial:

A negociação de Convenções Internacionais é da competência exclusiva do Governo,

nos termos do art. 197/1 alínea b) da CRP. O Gov. negoceia e ajusta as Convenções e, em

regra, o órgão de competência é o ministério dos negócios estrangeiros, sem prejuízo de outros

ministérios poderem intervir e participar neste processo em ordenação e coordenação com

este.

Þ Fase Instrutória:

Coloca-se o problema de saber se há Convenções Internacionais que exigem intervenção

de outras entidades ou a formulação de pareceres obrigatórios.

à Há quem entenda e prudencialmente isso deve ocorrer, se há leis, nomeadamente leis

laborais, que exigem intervenção de sindicatos, associações profissionais, uma intervenção no

sentido da elaboração de pareceres entende-se ser, por identidade de razão, embora isso não

decorra da CRP, que essas mesmas entidades devem ser ouvidas previamente à celebração de

uma Convenção Internacional.

Onde a CRP exige a intervenção de certas entidades externas, tem a ver com as Regiões

Autónomas, que devem intervir na celebração de Convenções sempre que estas tenham

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influência nas Regiões – tem de haver um nexo de conexão entre a Convenção e aquilo que é

o âmbito regional ou que diga respeito diretamente à região. Em regra, a intervenção das

regiões faz-se através da designação de um técnico que integre a delegação portuguesa e que

proceda a essa mesma negociação internacional.

Þ Fase Constitutiva:

Envolve uma modificação do status jurídico da convenção na ordem interna – diz respeito

ao momento de vinculação do Estado à Convenção. No que toca aos Tratados Internacionais,

o órgão com competência exclusiva para aprovar os Tratados é a AR.

Existem matérias que são reserva necessária de Tratado, isto é, se as Convenções forem

negociadas a sua aprovação pela Assembleia devem revestir a forma de Tratado (art. 161/i).

Ex: tratados de amizade, defesa, retificação de fronteiras e tratados que respeitem assuntos

militares.

A AR também pode aprovar Tratados, sobre outras matérias, nomeadamente, matérias que

correspondem à sua reserva legislativa (art. 164 e 165), mas neste caso podem revestir forma

de Tratados ou de Acordos, ainda que a AR continue a ser o único órgão competente para os

aprovar.

Surge a questão de saber com que maioria?!

à Ora, regra geral, a aprovação ocorre por maioria simples que é a maioria estipulada

das delegações em órgãos colegiais.

Mas coloca-se um problema, por solucionar, no que toca à aprovação de Convenções

internacionais que integrem a reserva de lei orgânica ou de lei aprovada por maioria de 2/3.

A CRP nada nos diz sobre a matéria, portanto dir-se-ia que, numa interpretação literal, a

AR pode aprovar uma matéria respeitante a uma temática de Lei Orgânica, como defesa

nacional, por maioria simples.

Todavia, há quem entenda que a maioria deve ser a mesma da aprovação das Leis

Orgânicas, se não ficamos numa situação muito paradoxal. Ex: Temos uma lei orgânica em

matéria de defesa nacional com um preceito que tem um determinado sentido, essa lei foi

aprovada por maioria absoluta, e temos, posteriormente, uma Convenção Internacional que é

aprovada por maioria simples, que contém uma norma contrária aquela que consta da lei

orgânica. Mais tarde o aplicador judicial ou administrativo, dá prevalência à Convenção

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Internacional sobre a norma de Lei Orgânica, devido ao art. 8/2 da CRP que permite essa

mesma prevalência.

O prof. Carlos Blanco Morais entende que, por uma questão de coerência lógica, estas

convenções que incidem sobre reserva de lei orgânica e reserva de lei aprovada por 2/3, devem

ser aprovadas pela mesma maioria, mas admite que esta seja uma matéria controvertida e não

resolvida ainda.

Þ Fase de Ratificação:

Após aprovação, as Convenções são enviadas para o PR, para ratificação. Este é um ato

livre do mesmo, nos termos do art. 135 alínea b).

Portanto, o PR é livre de não ratificar uma Convenção Internacional por razões políticas

ou por razões de mérito e isso equivale a um veto absoluto não superável por maioria

qualificada. Quanto ao veto jurídico – art. 279/4.

Todavia, a prática demonstra que o PR tem, praticamente desde o início da atual

República, ratificado as Convenções Internacionais aprovadas sobre a forma de Tratado

Internacional.

Volvida a ratificação, a Convenção estará apta a produzir os seus efeitos jurídicos,

relativamente à vinculação do Estado Português.

Se se tratar de um Tratado multilateral, subsequentemente à ratificação, o Estado

Português apresenta no depositário os instrumentos de adesão a essa convenção, por exemplo.

Se se tratar de um Tratado bilateral, a situação será diferente, a Convenção depois entrará

em vigor na data por ela prevista, e depois da sua publicação.

No que toca aos Acordos Internacionais, verificamos que a AR tem competência para

aprovar Convenções Internacionais sobre as matérias da sua reserva legislativa de

competência relativa e absoluta (art. 165 e 164) sobre a forma de Acordo Internacional.

Portanto, em vez de dar a forma de Tratado, pode dar-se a forma de Acordo Internacional.

Excetuam-se as matérias previstas no art. 161 alínea i) – matéria da reserva exclusiva de

Tratado.

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Para lá da competência da AR para a provação de acordos, temos também a competência

do Governo – art. 197/1 alínea c) da CRP. Todas as matérias que não são da reserva da AR

podem ser aprovadas pelo Governo, sob forma de acordo. Isto corresponde, no plano

legislativo, às chamadas matérias da esfera concorrencial. O ano passado, tínhamos estudado

que faziam parte da esfera concorrencial, todas as matérias que não eram da competência da

AR – matérias remanescentes.

No entanto, no plano das convenções, todas as áreas da concorrência da AR e do Governo,

são exclusivamente competência do Governo, não podendo a AR aprovar acordos sobre

matéria que não tenha sido atribuída pelo art. 161 alínea i).

Há aqui uma possibilidade de comunicação de competências: o Gov. pode abdicar da

competência para aprovar um determinado Acordo sobre uma matéria remanescente e diferir

essa competência à AR, que procederá à sua aprovação, em regra, sob a forma de Acordo.

O prof. Blanco Morais entende que, não há objeção a que seja sob forma de Tratado.

Os Acordos Internacionais são aprovados ou pela AR ou pelo Governo, em razão da

matéria e da competência dos órgãos e são remetidos ao PR, para um controlo de mérito.

Cumpre aqui fazer referência a uma questão já doutrinalmente ultrapassada, sobre se o PR

está ou não obrigado a assinar os Acordos Internacionais:

Þ Teoria que vinha do Estado Novo, sustentada pelo prof. Fausto Quadros: o PR seria

obrigado a assinar os Acordos. Houve mesmo quem sustentasse, examinando o art.

8/2.

O prof. Blanco Morais entende que, deveria estar escrito “e aprovação” e não “ou

aprovação”, porque esta expressão dá a ideia efetiva e equivocada de que um Acordo

Internacional bastaria ter sido aprovado pelo Governo ou pela AR para que pudesse produzir

os seus efeitos jurídicos, no sentido de vincular o PR a assiná-lo. Isto é algo que nunca poderia

acontecer, por força da CRP. Esta diz-nos com enorme clareza, no art. 137 que a falta de

promulgação ou de assinatura de um ato jurídico-público pelo PR acarreta a sua inexistência

jurídica, ou seja, um acordo que não tivesse sido assinado pelo PR seria inexistente.

A assinatura de qualquer um dos atos, do art. 134 alínea d), figura a faculdade de o

Presidente promulgar e assinar as resoluções da AR – também as que aprovam Acordos

Internacionais – e os restantes decretos do Governo, nomeadamente os que aprovam Acordos.

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Portanto, a interpretação segundo a qual o PR estava vinculado a assinar não decorre do art.

8/2, nem das competências do PR e, portanto, se o PR não apuser a sua assinatura, isso

equivale a uma na ratificação, o ato nunca poderia ter exigência jurídica. O PR não é obrigado

à assinatura, este é livre para assinar ou não assinar.

O regime da assinatura é um regime idêntico ao da ratificação – uma não assinatura

equivale a um veto absoluto.

Prazos para a assinatura e ratificação

Þ Prof. Jorge Miranda: no que toca à AR, o prazo deve ser de 20 dias porque é o que

é fixado para as leis, logo por identidade de razão;

Þ Prof. Canotilho + Prof. Vital Moreira + REGENTE: não existem prazos para o PR

assinar Acordos ou ratificar Tratados. Logo pode exceder-se este prazo e essa é a

prática. Há Acordos que foram assinados pelo PR depois dos 40 dias (prazo dado

para os DL) e há também tratados da AR cuja ratificação ocorreu depois dos 20

dias. Nesse aspeto, pode ser um pouco perturbante, mas não há prazos

constitucionais para este ato de controlo de mérito presidencial.

Þ Fase de Eficácia Interna:

Art. 119/1 alínea b) - necessidade de as Convenções Internacionais serem publicadas no

Diário da República para que possam produzir os seus efeitos jurídicos, realidade articulada

com o art. 8/2 CRP.

Há depois uma outra questão, que envolveu um debate doutrinal intenso e que chegou ao

TC. Divergências de opinião entre o regente e o Prof. Jorge Reis Novais.

De facto, depois de diversas revisões constitucionais, nomeadamente a de 1997, começou

a surgir um entendimento, segundo o qual, o PR não poderia confrontar-se com uma

situação em que o Parlamento escolhesse livremente a forma a dar às Convenções

Internacionais: Tratado ou Acordo Internacional. Isto porque há uma velha tese, que depois

ganhou espaço, segundo a qual a reserva material de Tratado não se deveria circunscrever às

matérias que figuram no art. 161 alínea i), mas deveria abarcar também outras matérias,

nomeadamente, as matérias remanescentes, nomeadamente, as matérias correspondentes aos

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domínios de correspondência legislativa entre AR e Governo, que a CRP atribui

explicitamente ao Governo para aprovação sobre a forma de Acordo Internacional.

Segundo esta tese, toda a disciplina primária ou inovadora, mesmo de matérias

remanescentes (de matérias não atribuídas expressamente à competência da AR) deveriam

poder ser reguladas pela AR sobre a forma de Tratado. Tese defendida pelo Prof. Jorge

Miranda.

E, portanto, uma interpretação desta natureza alargaria muito a reserva de competência da

AR, não só relativamente às matérias remetidas pelo art. 161 alínea i), mas também uma

reserva implícita - todas as restantes matérias remanescentes nas quais a AR estabelecesse

uma disciplina inovadora. O Governo quando muito poderia aprovar Acordos Internacionais

sobre essas matérias, mas Acordos Complementares ou de Execução desses Tratados

aprovados pela AR.

Esta tese foi sustentada depois da presidência de Jorge Sampaio, pela simples razão de

que, o Presidente seguia o entendimento, segundo o qual, enquanto nos Tratados podia recusar

a ratificação, tinha essa faculdade, mas no que toca aos Acordos Internacionais havia a velha

tese de que estaria obrigado a assinar. E, portanto, ele entendeu que esta situação seria

inaceitável sobretudo no que toca à própria AR: esta podia escolher livremente e pode se uma

determinada matéria da sua competência é aprovada por Tratado ou por Acordo - se fosse por

Tratado, PR poderia vetar, isto é, recusar a retificação; se fosse aprovada por acordo, o PR

estaria vinculado a assinar.

O PR entendeu que isto seria inaceitável, dar à AR a faculdade de manipulação de fortes.

Para além de entender que deveria poder recusar a assinatura das Convenções sujeitas à

aprovação do próprio Governo.

E, portanto, vem esta tese expansiva dos tratados sobre os acordos internacionais, que deu

origem a uma crela que teve origem numa convenção entre Portugal e o Chile sobre segurança

social.

O PR entendeu que, essa era uma Convenção que não devia ser aprovada por Acordo

Internacional, aprovada pelo Governo, mas deveria ser matéria de Tratado, porque havia uma

disciplina inovadora e, sendo esta um Tratado, deveria ser aprovada pela AR.

Na altura o presidente alertou que iria enviar esta Convenção para o Tribunal, para

fiscalização. Acaba por ser defendido pelo PR que é uma convenção de concretização, uma

convenção especial, dado que existem convenções de natureza mais vasta e de natureza geral

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e primária no âmbito da segurança social logo o domínio de inovação desta Convenção é

limitado. Nunca se poderia dizer que se tratava de uma disciplina primária ou inovadora.

A questão foi parar ao TC que, na opinião do regente, nada fez. O prof. Mota Pinto foi

quem redigiu um acórdão, mas preferiu não responder devidamente à questão. O que faz este

acórdão é um verdadeiro Tratado (ac. 494/99), com páginas e páginas sobre Acordos

Internacionais antes e depois da Constituição de 1976 e quando se chega à parte mais decisiva

- saber se era Governo ou PR que tinham razão atira-se ao lado, porque o relator do acórdão

acaba por defender que não importa dar razão a nenhuma das partes, defendendo que os

argumentos não se aplicariam no caso concreto, portanto, não deu razão à presidência da

república, mas também não se pronunciou sobre a questão principal. Tal leva a uma revolta

por parte do Prof. Reis Novais, que redige um artigo de grande violência ao TC.

O prof. Carlos Blanco Morais entende que, não há nenhuma reserva necessária de Tratado

conexa à disciplina de uma determinada matéria. A ideia de que qualquer disciplina primária

integra reserva de Tratado, mesmo relativamente a matérias de concorrência legislativa entre

AR e Governo, não tem procedimento.

Isto porque:

Ø Não tem qualquer amparo na CRP. Esta estabelece 2 normas distintas: uma norma

de competências para a AR o art 161 alínea i), e estabelece relativamente ao Governo

na alínea c) do art. 197 aprovar os acordos internacionais cuja aprovação não seja da

competência da AR, portanto, não há aqui nenhuma referência ao facto de ser matéria

primária ou subsidiária, havendo, por isso, reserva material.

Não pode uma interpretação constitucional, sem uma credencial habilitante, que não

existe, esvaziar o Governo de um acervo importante de competências que

explicitamente a CRP lhe comete. Logo seria uma interpretação inconstitucional,

derrogatória da alínea c) do art. 197.

Resumindo, o primeiro aspeto que sustenta a posição do regente é falta de amparo

na normação constitucional e lesão das regras explicitas de separação de

competências para aprovação de Convenções internacionais;

Ø Por outro lado, a posição sustentada pelo Prof. Jorge Miranda: relação entre Tratado

e Acordo era a mesma relação estabelecida entre lei e regulamento.

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O prof. Blanco Morais entende que, isto não ocorre, em primeiro lugar no DIP. Os

Acordos Internacionais não têm uma hierarquia inferior aos Tratados Internacionais,

sendo que há Acordos Internacionais sobre matérias muito importantes.

Portanto, não há uma situação em que haja Acordos Internacionais que possam ser

considerados inválidos por violação de Tratados, exceto se se tratar de um Acordo

Administrativo, que não é a maior parte dos casos.

Tratados e acordos têm a mesma hierarquia, e têm âmbitos materiais e

procedimentos de aprovação distintos, mas não há hierarquia entre eles e muito

menos existe esta relação esta relação de lei e regulamento, nem na ordem

internacional nem na ordem interna.

Ø Depois existe um elemento de debilidade na racio da sustentação da posição do PR

de então no sentido de sustentar uma reserva material de Tratado relativamente às

disciplinas primárias.

O argumento do PR baseava-se na tese segundo a qual o PR estava obrigado a assinar

os Acordos Internacionais e atualmente uma pluralidade de opiniões, como a do prof.

Canotilho e do prof. Jorge Miranda, que entende que, o PR não é obrigado a assinar

Acordos e pode recusar assinatura.

Este argumento retira razão de ser à argumentação do então Presidente da República

– Sampaio – de que estaria inibido de recusar a assinatura. Como não está inibido, e

pode não assinar um acordo internacional não vale a pena estar a criar toda esta

construção, com vista a reforçar poderes presidenciais. O PR já pode não assinar os

Tratados, não necessitamos de para o efeito ter de inventar uma reserva expansiva

material de tratado sobre disciplinas primárias.

Solução: os Tratados aprovados pela AR estão circunscritos às matérias da reserva de

competência da AR previstas no art. 161 alínea i). Esta solução revela maior conformidade

com a CRP. O Governo, em suma, é livre para aprovar Acordos Internacionais, seja ou não

de competência primária, desde que se trate de matérias que não tenham sido correspondentes

à reserva legislativa da AR.

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Fiscalização da Constitucionalidade do Direito Internacional Público

A primeira questão que se coloca é saber se, as normas consuetudinárias são suscetíveis

de fiscalização.

O Prof. Jorge Miranda entende que não.

Mas o prof. Blanco Morais tem uma visão completamente diferente. Este defende que, não

serão suscetíveis de fiscalização preventiva, mas nada impede que possam ser fiscalizadas em

fiscalização concreta ou fiscalização sucessiva.

Claro que o costume é uma realidade imaterial, mas na medida em que haja, por exemplo,

um ato administrativo que se sustente numa norma consuetudinária, independentemente da

questão da legalidade formal, é sempre possível impugnar o critério material de decisão que

está por trás do ato, essa norma consuetudinária. Ou imaginemos que há uma norma

consuetudinária que influenciou o conteúdo de uma lei. Ao impugnar-se em fiscalização

abstrata sucessiva a lei, e se essa lei se subordina a um costume, é possível controlar a

constitucionalidade do costume.

Portanto, quando se diz que um costume não pode ser fiscalizado, é difícil fiscalizar

diretamente um costume, sobretudo em atos administrativos e atos regulamentares que têm de

ter sempre uma lei por detrás.

Contudo, pode haver uma lei que incorpore um costume e até possa dizer no seu

preambulo, nomeadamente no DL, que este resulta e obedece e harmoniza-se com um costume

geral, ou regional que se consolidou sobre essa matéria. Como o costume, como qualquer

outra norma de DIP, faz parte da ordem interna e deve ter precedência sobre a lei, se há uma

lei que incorpora um costume, é possível, impugnando a constitucionalidade da lei, impugnar

também o seu parâmetro de referencia que a lei incorpora, que é o costume. A mesma coisa

se diz relativamente a um ato administrativo que se baseia apenas no costume é ilegal por não

ter lei ordinária ou regulamento por trás de si.

Mas imaginemos que existe também um fundamento no mesmo ato de uma norma

consuetudinária e que essa norma é inconstitucional. Através de uma impugnação, num

tribunal administrativo do ato, impugna-se também a norma (invisível, mas existente) onde o

ato se fundamenta, e essa impugnação pode subir ao TC através de um processo de

fiscalização concreta.

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Portanto, o costume é passível de controlo e, sendo o costume norma, é clara a CRP que

todas as normas que integram a Ordem Jurídica Portuguesa podem ser objeto de fiscalização,

quer concreta, quer abstrata sucessiva. O costume não é uma exceção. Mas isto não quer dizer

que seja normal que o costume seja objeto de fiscalização da constitucionalidade. Nunca terá

acontecido ou se tiver ocorrido terá sido um caso pontual.

O que não é possível em tese é dizer que o costume está excluído da garantia da CRP e da

ação da garantia constitucional.

No que toca às diretivas, para serem controladas necessitam de ser incorporadas no direito

interno. Se tivermos uma diretiva auto-aplicativa, isto é, uma diretiva regulamentar que,

volvido o prazo dado para a sua transposição, se verifique que esse prazo não foi observado e

que não houve transposição, na medida que se entenda, como já aconteceu, que a diretiva, se

for demasiado detalhada ou pormenorizada, produzir efeitos diretos, verticais, ou seja, obrigar

o ordenamento interno desbancando leis ordinárias contrárias, nessa circunstância a diretiva

será passível de fiscalização da constitucionalidade, tal como decorre do art. 280º e art. 281º

trata-se de uma norma que se aplica na Ordem Interna Portuguesa e como tal é suscetível de

controlo.

O mesmo se diga dos regulamentos e das decisões. Mesmo uma leitura exagerada do nº 4

do art. 8º CRP que, nos diga que, o Direito da União Europeia só é suscetível de ser objeto de

controlo de constitucionalidade se colocar em causa os princípios fundamentais de um Estado

de Direito, haveria sempre intervenção do TC se alguém invocasse violação desses princípios

fundamentais do Estado de Direito.

Como essa limitação não ocorre, todos os atos de direito comunitário derivado, violem ou

não princípios do Estado de Direito Democrático, se forem contrários à CRP podem ser

julgados inconstitucionais.

Fiscalização da constitucionalidade das Convenções Internacionais

A Fiscalização Preventiva da Constitucionalidade, que é exercida quer pelo PR quer pelos

representantes da república, que tem que ver com a faculdade de, quando confrontado com lei

ou DL para promulgação, com uma Convenção Internacional sob a forma de Acordo para

assinatura, ou perante uma Convenção Internacional sob a forma de Tratado para ratificação,

o PR pode optar, se tiver nomeadamente dúvidas de constitucionalidade, o PR deve requerer

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a fiscalização. Se discordar da oportunidade política do ato, o PR pode recusar a assinatura ou

promulgação, o que significa um veto absoluto.

Mas, havendo dúvidas de constitucionalidade, o PR deve optar pela fiscalização. A

fiscalização que pode exercer deveria ser, por regra, a fiscalização abstrata sucessiva, que é

uma fiscalização cirúrgica, mas no que toca a Convenções Internacionais faz mais sentido que

o PR exerça uma fiscalização preventiva porque, se houver uma inconstitucionalidade

significativa e se essa for pronunciada pelo TC, não há possibilidade de a convenção ser

assinada ou retificada em princípio.

Nessa perspetiva, o Estado Português não se vinculará em princípio a essa mesma

convenção. Claro que há formas de superação do problema nomeadamente através da

formulação de reservas, mas a fiscalização preventiva dá espaço a que haja uma renegociação

do tratado, sobretudo se for um tratado bilateral, ou a formulação de reservas, tratando-se de

um tratado multilateral, onde é sempre mais difícil renegociar as disposições normativas da

convenção.

No que toca a fiscalização preventiva, o nº1 do art. 278 CRP diz-nos que o PR pode

requerer ao TC fiscalização preventiva de qualquer norma constante de Tratado Internacional

que lhe tenha sido submetido para ratificação, e também de Decreto que tenha sido enviado

para ser assinado sobre a forma de Acordo Internacional.

Pergunta-se se, a norma que estamos a examinar, no fundo, é uma norma completa

e isenta de dúvidas?!

Não é claramente isenta de dúvidas. Parece claro que os Tratados Internacionais podem

ser objeto de fiscalização preventiva, também os Acordos Internacionais aprovados pelo

Governo.

Sucede, todavia, que os Acordos Internacionais que são aprovados pela AR são aprovados

sobre a forma de resolução e não sobre a forma de decreto. Aqui fala-se em Acordos

Internacionais que são enviados pelo PR para assinatura sob a forma de decreto ou cujo

decreto lhe tenha sido enviado para assinatura e, portanto, falta aqui qualquer coisa. O quê?

à É que os acordos internacionais aprovados pela AR, competência que esta tem pelo art.

161, são aprovados sob a forma de resolução parlamentar e não sob a forma de decreto. Então

dir-se-ia, numa interpretação literal, que o PR pode fiscalizar Tratados enviados para

ratificação, acordos aprovados pelo Governo e sob forma de decreto que o PR deve de assinar,

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mas não poderia exercer a fiscalização preventiva sobre resoluções da AR que aprovem

acordos internacionais, porque não há menção aqui às resoluções. Haveria aqui uma situação

em que o PR estaria precludido de o fazer.

Mas não é assim. É claramente uma lacuna devido a uma falha regulatória do legislador

constitucional. Seria irracional que, podendo ser fiscalizados os tratados aprovados por

resolução da AR, não pudessem ser fiscalizados os Acordos, sendo fiscalizáveis os acordos

aprovados por decreto por parte do Governo, não pudessem ser fiscalizados os Acordos

aprovados por resolução parlamentar.

Portanto, faz-se uma interpretação extensiva, com um retoque no elemento literal

(unanimidade da doutrina) no sentido de entender que a expressão decreto (art. 278/1 CRP)

não significa textualmente e apenas um decreto formal do Governo. Decreto será em sentido

amplo, isto é, sinónimo de diploma: um diploma que lhe tenha sido enviado para assinatura,

diploma esse que contem um acordo internacional, logo valerá tanto os acordos aprovados

pelo Governo como pela AR, e a forma de resolução é desconsiderada se não teríamos uma

lacuna, o que conduziria a um resultado desigualitário e até absurdo.

Portanto, todas as convenções internacionais são suscetíveis de fiscalização preventiva da

constitucionalidade.

Segunda questão: se a Convenção Internacional, nomeadamente, se os tratados forem

julgados inconstitucionais pelo TC, existirá uma pronúncia no sentido dessa

inconstitucionalidade e o PR não poderá retificá-los e isso é algo que a CRP clarifica no art.

279/4 - se o TC se pronunciar pela inconstitucionalidade de norma constante do Tratado, este

só poderá ser retificado se a AR o vier a aprovar por maioria de 2/3 dos deputados presentes,

desde que superior à maioria absoluta dos deputados efetivos.

Tal como acontece na Fiscalização Preventiva de Atos Legislativos, no que toca à

fiscalização preventiva de Tratados, o Tribunal pronuncia-se pela inconstitucionalidade e há

várias opções:

Þ AR renegoceia o Tratado;

Þ AR desistir de aprovar o Tratado;

Þ AR, em articulação com o Governo, formula uma reserva;

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Þ AR reaprova a Convenção Internacional por uma maioria qualificada, superando a

decisão do TC e permitindo ao PR poder optar a título final por ratificar ou não

ratificar por razões políticas. O que ele não pode é ratificar sem que a AR tenha

procedido à reaprovação por maioria qualificada.

Sublinhe-se a problemática das reservas. Na hipótese da Convenção Internacional não

ser renegociada, e se isto ocorrer será apresentado ao PR um outro diploma, uma outra

Convenção, pode haver uma situação em que a inconstitucionalidade ajuizada pelo TC recaí

sobre uma norma em especial e aí, o Estado Português pode, se o Tratado o permitir e se não

houver objeções fundamentais de outras partes, formular uma reserva, no sentido de essa

mesma norma não se aplicar na Ordem Interna Portuguesa, ou se aplicar com uma outra

interpretação diferente e vinculativa para depois o Estado português poder consentir ou

formular o seu consentimento relativamente à convenção.

Portanto, uma reserva modificativa, uma reserva de conteúdo interpretativo sem ser uma

mera declaração interpretativa, uma reserva de pura e simples não aplicabilidade dessa mesma

norma na ordem interna.

Ocorrendo a admissibilidade dessa situação, um novo diploma, reaprovado com a reserva

por parte da AR, será presente ao PR e este poderá optar por de novo fiscalizar a

constitucionalidade ou retificar o Tratado.

A fiscalização preventiva permite estas opções de decisão diferentes por parte da AR e,

em última instância, do Governo embora a palavra final seja da AR.

Relativamente aos Acordos Internacionais, os Acordos que são aprovados pelo Governo

se houver uma pronúncia no sentido da sua inconstitucionalidade, o que pode suceder é ou:

Þ Governo desiste deles; ou

Þ Governo renegoceia o acordo internacional; ou

Þ Governo formula uma reserva: um novo diploma com reserva será enviado ao PR

para assinatura.

Coloca-se aqui a questão dos Acordos internacionais aprovados pela AR. Eles estão

amalgamados, quanto aos efeitos da decisão, juntamente com os atos legislativos art. 279/2

CRP- o decreto não poderá ser promulgado ou assinado (tratando-se de um Acordo vale a

assinatura) sem que o órgão que o tiver aprovado expurgue a norma inconstitucional – o

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expurgo deve ser entendido como ou uma renegociação do Tratado, ou com formulação de

uma reserva - ou quando for caso disso o confirme por maioria de 2/3.

Dir-se-ia que, tratando-se de um acordo internacional aprovado pela AR, tal como sucede

nos Tratados, poderia haver a opção de o diploma, depois de ter sido julgado inconstitucional,

ser reaprovado pela AR por esta maioria qualificada.

Há um setor da doutrina, onde milita o Prof. Jorge Miranda, que entende que esta

possibilidade de reaprovação não se aplica aos Acordos aprovados pela AR porque o preceito

fala em decreto.

Os Acordos aprovados pela AR são sob a forma de resolução e não sob a forma de decreto.

Neste caso, a AR não poderia usar o instituto da reaprovação para superar a decisão de

inconstitucionalidade do TC;

O pro. Blanco Morais não concorda com este entendimento. Porque:

à Primeiro aspeto: a AR, relativamente a um conjunto muito vasto de matérias, nos

termos do art. 161 alinea i), é livre para conferir a forma de Tratado ou de Acordo a esse bloco

vasto de matérias - está na sua disponibilidade.

Assim sendo, seria absurdo que a mesma matéria se for aprovado pela forma de Tratado

possa implicar, em caso de decisão de inconstitucionalidade, uma deliberação reversiva de

natureza parlamentar, mas se essa mesma Convenção tiver a forma de Acordo isso já não

possa suceder.

Parece anacrónico que uma mera forma do mesmo conteúdo possa dar origem a estas

soluções distintas.

à Segundo aspeto: problema de identidade de razão e de paralelismo com o regime do

art. 278 - se neste chegámos à conclusão de que, para os Acordos aprovados por resolução da

AR possam ser fiscalizados, a forma de resolução específica não seja tomada em consideração

e a expressão decreto valha como sinónimo de diploma, englobando o decreto em sentido

estrito do Governo ou uma resolução da AR, porque é que a mesma solução, por identidade

de razão, não deve ocorrer aqui no nº 2?

Obviamente que deve ocorrer. Quando se fala aqui no decreto, por identidade razão com

o nº 1 do art. 278 CRP, porque é a mesma solução, a expressão decreto deve ser tida como

diploma, sinónimo de diploma em sentido amplo, abrangendo quer os decretos em sentido

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estrito do Governo, quer as resoluções da AR que aprovem acordos internacionais. Esta parece

ser a solução mais razoável.

Mas coloca-se o problema de este regime cada vez fazer mais desaparecer a distinção entre

acordos e tratados, mas isso deve-se a sucessivas revisões constitucionais, que foram fazendo

aproximação de acordo e tratado por vezes sem consciência.

Fiscalização Abstrata Sucessiva e Fiscalização Concreta

Þ Fiscalização concreta:

Uma convenção internacional pode ser desaplicada se entrar em desconformidade com a

CRP. Claro que existe uma alínea i) um pouco estranha do nº 1 do art. 70 da lei do TC que

nos diz que, numa situação em que uma convenção internacional leve à desaplicação de uma

lei com a qual entra em contraste, deve haver um recurso para o TC por parte do ministério

público ou pode haver por parte dos particulares, o que não faz muito sentido.

Devia ser o contrário: as convenções têm aplicação preferencial e prevalecem sobre as

leis, a questão deveria ser a admissibilidade desse mesmo recurso se uma lei entrar em

desconformidade com a convenção e não o contrário.

Mas é o que está previsto no preceito. O preceito também prevê a possibilidade desse

recurso se a aplicação de uma determinada norma, nomeadamente da convenção

internacional, puser em causa jurisprudência já firmada pelo TC sobre matéria, o que é

razoável porque esta questão da prevalência entre tratados e leis ordinárias é sempre uma

questão mal resolvida.

Havendo esta desconformidade nunca haverá inconstitucionalidade, haverá um problema

de saber qual a norma irá prevalecer sobre a outra - trata-se de uma aplicação preferencial e

não propriamente de uma inconstitucionalidade que gere invalidade da lei que entre em

contraste com a convenção internacional.

A única coisa que se diz em relação à alínea i) é que deveria ter sido formulada de forma

distinta. Portanto, recurso só se houver uma lei a desbancar uma convenção, isso implicaria

uma ofensa indireta ao nº2 do art. 8ºCRP.

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Þ Fiscalização abstrata sucessiva:

A convenção internacional pode ser impugnada junto do TC, e este, se decretar a

inconstitucionalidade da norma impugnada ela será invalidada e, por regra, será expulsa da

ordem jurídica. Portanto, coloca problemas de cumprimento da Convenção.

Se estiver vinculado a um acordo ou tratado e uma norma do Tratado for julgada

inconstitucional, o Estado entra em incumprimento, a não ser que invoque junto dos outros

Estados ao abrigo do art. 46 CV que há uma violação manifesta de uma disposição de

competência incita na nossa CRP, disposição essa que deve ter uma importância fundamental.

Só nesse caso, por violação do seu direito interno, é que o Estado Português poderia invocar

a nulidade da expressão do seu consentimento relativamente a essa Convenção, se for uma

Convenção Multilateral.

Art. 277 CRP – “a inconstitucionalidade orgânica ou formal de tratados internacionais

regularmente retificados, não impede a aplicação das suas normas na ordem jurídica

portuguesa, desde que tais normas sejam aplicadas na ordem jurídica da outra parte, salvo se

tal inconstitucionalidade resultar da violação de uma disposição fundamental”.

Em primeiro lugar, trata-se de uma norma que se aplica apenas em sede de fiscalização

abstrata sucessiva. Fala-se aqui em tratados internacionais “regularmente retificados”. Se já

estão regularmente retificados, entramos no domínio da fiscalização sucessiva, fiscalização

de normas que já serão válidas na ordem interna, em regra eficazes, ou em condições de

produzirem os seus efeitos jurídicos.

Em segundo lugar, aparentemente, esta norma aplica-se apenas a Tratados. No entanto, há

uma corrente na qual o REGENTE se inclui, que entende que a norma deva ser alargada

também a acordos internacionais. No que toca às convenções aprovadas pela AR, em que esta

tem latitude para conferir uma forma ou outra a uma pluralidade muito vasta de Convenções

respeitantes a matéria da sua competência, não faz sentido que se houverem vícios na

Convenção que possam gerar irregularidades, que a irregularidade possa proceder em caso de

Tratado e não proceder em caso de Acordo Internacional.

Portanto, o regente defende uma interpretação extensiva também aos acordos, embora o

preceito fale só em tratados.

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Em terceiro lugar, este artigo aplica-se também a convenções internacionais cujas normas

padecerem de 2 tipos ou formas de inconstitucionalidades: inconstitucionalidades formais e

orgânicas. Isto significa que o artigo não se aplica nos casos em que houver vícios de natureza

matéria.

Em quarto lugar, outra condição de aplicação deste artigo é que as normas viciadas sejam

aplicáveis também na ordem jurídica dos outros estados- princípio da reciprocidade.

Por último, é muito importante que os vícios não sejam graves, ou seja, que os vícios

orgânicos e formais não violem uma disposição tida como essencial ou fundamental.

O que é que se sucede se todos este requisitos se cumularem?

Se os requisitos se cumularem, verifica-se que normas julgadas inconstitucionais e que em

regra deveriam ser inválidas, portanto depois da declaração vão ser expulsas do ordenamento

português e não produzir qualquer efeito, essas normas não serão tidas como inválidas (regra

geral), mas como meramente irregulares. E, sendo irregulares, apesar de viciadas, elas podem

produzir os seus efeitos jurídicos na ordem interna.

A irregularidade é o menos grave dos desvalores clássicos do ato inconstitucional. Temos:

Ø A irregularidade: que pode apenas implicar responsabilidade interna de quem

praticou o ato, nomeadamente disciplinar ou política;

Ø Temos a invalidade: desvalor regras de todos os atos inconstitucionais (art. 3/3

CRP); e a

Ø Inexistência jurídica: vícios mais graves como falta absoluta de forma, coação

usurpação de poderes, falta de assinatura e por identidade de razão falta de

promulgação.

São estes 3 tipos e aqui prevê-se o único caso que a CRP prevê em matéria da aplicação

do desvalor da irregularidade. Ou seja, o ato é inconstitucional, mas apesar disso não será

inválido, e produzir os seus efeitos jurídicos.

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Porque foi consagrada esta disposição?

à Porque é complicado para a ordem jurídica portuguesa incorrer em incumprimento de

uma Convenção Internacional porque ela foi declarada inconstitucional relativamente à suas

normas, se essa inconstitucionalidade é pouco relevante: põe-se em causa pacta sunt servanda

- Estado pode ser obrigado a indemnizar incorrendo em responsabilidade menor declarada

pelo TC.

Portanto, salvaguarda-se esta situação e aquilo que resulta aqui é, em suma, um tratado e

quanto a nós um acordo regularmente retificado ou assinado, que tenha vícios orgânicos e

formais, logo inconstitucionalidades materiais de fora porque consideradas as mais graves,

que se aplique na ordem jurídica da outra parte no que toca a todo o seu preceituado, e em que

a inconstitucionalidade não seja grave- não sejam violadas disposições fundamentais; nessas

circunstâncias, a Convenção Internacional produzirá os seus efeitos jurídicos, apesar de se

encontrar viciada.

Esta disposição resolve o problema das Convenções Internacionais violadoras de

direito interno, à luz do art. 46 CV?

à Não resolve, porque deixa de fora as inconstitucionalidades materiais. Nessa situação,

não há nada a fazer. O TC declara a inconstitucionalidade e o estado português entra em

incumprimento e pode ser objeto de responsabilidade internacional, sem prejuízo de poder

renegociar a convenção, se for uma convenção bilateral em que existe uma maior boa vontade

dos estados, mas renegociar convenções internacionais é sempre um processo demoroso.

O art., no que toca às inconstitucionalidades orgânicas, permite que a CRP, se for uma

inconstitucionalidade de uma disposição não fundamental, resolva o problema, e a CV tem

maior latitude no sentido de se houver uma declaração de inconstitucionalidade de natureza

orgânica, portanto vício de norma de competência que abarcar disposições fundamentais e for

manifesta isso então a CV permite inclusivamente que o estado português possa invocar a

inconstitucionalidade.

Se for uma inconstitucionalidade formal de natureza grave o Estado Português entra

mesmo em incumprimento, porque é uma situação não ressalvada nem na CV nem neste

preceito do art. 277/2 da CRP.

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Claro que há dúvidas do que é uma inconstitucionalidade orgânica e formal que resulte da

violação de uma disposição fundamental. Ex: se for uma convenção internacional que exigiria

em tese a audiência obrigatória de sindicatos, respeitantes a matéria laboral ou de segurança

social, e os sindicatos não foram ouvidos, podemos entender que esta é a violação de uma

disposição não fundamental.

O prof. Blanco Morais entende também que, se houver violação da regra que impõe a

participação das R.A, relativamente a Convenções que lhes respeitem, essa participação, que

não implica poderes de decisão, mas poderes de intervenção, também não constitui a violação

de uma disposição fundamental e, portanto, justifica a aplicação do regime da irregularidade

e de que a norma apesar de viciada produza os seus efeitos jurídicos.

Já situações mais graves como a falta absoluta de forma, ou preterição de regras

fundamentais de procedimento, como se a convenção não é aprovada em votação final global-

não há uma deliberação constitutiva da AR. Da mesma forma que, se a matéria for da

competência da AR e tiver sido aprovada pro Acordo Internacional, aprovado no Governo,

aqui temos uma inconstitucionalidade orgânica que põe em causa uma disposição fundamental

- o Governo apropriou-se de competências normativas constitucionalmente atribuídas à AR.

E vice-versa relativamente à AR se entrar em matérias que são da competência do Governo,

embora aqui haja margem de manobra para a resolução da questão.

Responsabilidade internacional

Esta matéria é relativamente unificado, mas tem algumas especificidades em relação à

responsabilidade no direito interno.

Apesar do regime da responsabilidade ser antigo, e ter vários precedentes na esfera do

direito internacional, a sua codificação é recente. Existe um projeto de artigos da comissão de

Direito internacional sobre a responsabilidade por facto internacional ilícito (adotado em

2001), e anexo à resolução 56/83 da Assembleia Geral das Nações Unidas e foi já um grande

avanço.

A conferencia de Genebra de 1930 não conseguiu adotar um projeto de convenção face às

divergências entre os participantes e, portanto, houve um certo atraso numa 1ª tentativa de

codificação do regime da responsabilidade, foi a comissão de DI que a partir de 55. Essa

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codificação termina em 66, num 1º projeto de artigos da comissão de DI, que não reuniu

grande consenso. O projeto definitivo acabou por renuir um consenso maior.

No domínio da responsabilidade de DI encontramos algumas situações de codificação. A

4ª convenção de Arya de 1967, estabelecia um regime pelos atos cometidos pelas Forças

Armadas em campanha.

Há uma diferença entre os regimes de responsabilidade internacional e de direito

interno. O que caracteriza o regime da responsabilidade internacional é de que, em princípio,

embora com nuances a responsabilidade é objetiva e baseia-se num facto. Ou seja, por um

lado, prescinde do critério da culpa embora gaja aqui algumas nuances nos diferentes casos

internacionais que abordaram a questão; por outro lado, pode até prescindir do prejuízo.

Portanto, dois regimes que habitualmente encontramos no direito interno sofrem aqui uma

particular especificidade.

Encontramos como elementos centrais: o facto ilícito e a imputabilidade/nexo de

causalidade.

Na verdade, a centralidade do facto prescinde de prejuízos. Numa conceção clássica, seria

necessário para haver responsabilidade, haver prejuízo na esfera internacional, mas isso tinha

que ver com uma visão do DI que prescindia do conceito mais institucional de comunidade

internacional e de início de uma verdadeira ordem pública internacional. O facto

internacionalmente ilícito é condição necessária e suficiente, desde que imputável ao Estado,

para o cumprimento da responsabilidade.

A responsabilidade existe e o Estado incorre em responsabilidade, independentemente das

suas eventuais consequências – revolução metodológica e teórica sobre o conceito da

responsabilidade e é uma decorrência de uma visão solidarista da comunidade internacional.

O fundamento principal da responsabilidade é, então, a ilicitude, o que não significa

que não possam existir situações de responsabilidade por atos lícitos. Não se adotou a visão

dos autores sociológicos, que diziam que o grande fundamento da responsabilidade devia ser

o risco, o risco das atividades exercidas na esfera internacional – também esta questão tem

sido debatida, mas não é esse o fundamento principal.

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Antes do facto podemos identificar a existência de uma obrigação internacional. Há

professores que analisam a responsabilidade internacional não começando pelo facto ilícito.

Facto internacionalmente ilícito que gera a responsabilidade:

Ø Tem que haver um erro ou uma falta. Todavia, esta falta não significa que seja uma

falta que implique culpa (alguns autores tentaram sustentar esta tese). Na verdade,

a doutrina dominante e os trabalhos de codificação que seguiram essa doutrina

opuseram-se a essa visão, ou seja, não se exige nenhuma intenção malévola por

parte dos Estados. Essa falta deve ser apenas vista como uma infração ao direito

internacional, foi a solução adotada pela comissão de direito internacional (artigo

2º do projeto).

Ø Atribuição a um sujeito de direito (imputabilidade). Por vezes essa atribuição nem

é sempre direta. Essa atribuição pode verificar-se num facto ou numa omissão.

A culpa pode ter algum papel quando o Estado exerce atividades licitas porque poderá

encontra-se algum papel de culpa na execução dessas medidas licitas.

O facto de a culpa não ser um requisito geral na esfera internacional, não significa que não

possam existir situações nas quais, por tratado, esteja prevista relevância da culpa. Por outro

lado, a existência de uma intenção/dolo, pode ter também alguma relevância, designadamente,

pode desde logo resolver a questão da imputabilidade, facilitando a prova da imputabilidade.

Pode, por outro lado, levar mesmo a uma indemnização penal. Por último, o motivo e a

intenção podem em certos casos ser relevantes para a ilicitude.

É necessário que exista uma obrigação internacional (artigo 4º do projeto da

comissão de DI) – ato de um Estado não pode ser qualificado de internacionalmente

ilícito de acordo com o direito internacional.

Graus da ilicitude – não são sempre os mesmos:

Ø O 1º projeto de DI tinha duas categorias: delito e crime internacional (19º/2). Esta

versão chegou a ser adotada por unanimidade em vários documentos. Mas suscitou

diversas dúvidas e críticas entre os Estados.

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Ø O capítulo III do projeto fala ainda das violações graves das obrigações decorrentes

de normas imperativas de DI, que visa substituir a ideia de crime, por esta outra

situação.

Como é que se determina a ilicitude?

Ø Existe violação de uma obrigação internacional por um Estado, quando o facto do

dito Estado não está conforme ao que lhe é exigido em virtude dessa obrigação,

qualquer que seja a forma ou origem desta – artigo 12º do projeto.

Ø É importante que a obrigação existisse à data da violação.

Obrigações de resultado/comportamento e obrigações de meios:

Ø As obrigações de resultados são fáceis de aferir porque basta confirmar a

desconformidade com o resultado

Ø Nas de meios pode ter que se introduzir uma ideia de negligência devida

Imputabilidade:

A imputabilidade implica que haja sempre uma ligação entre o Estado e as pessoas que

cometeram o ato ilegal (critério geral). Um ato atribuído ao Estado pode tratar-se de uma

decisão de um órgão individual. A atividade administrativa é talvez a área mais comum de

gerar responsabilidade.

Alguns autores tendem a considerar que a atividade administrativa teria que ser de um

órgão superior e não de um subalterno. Essa posição acabou por ser rejeitada pela maioria da

comunidade internacional.

A ideia é de que qualquer atividade administrativa pode gerar responsabilidade.

E a abstenção? Também pode. E a atuação também.

Mais grave ou igualmente grave são as situações em que há uma atividade do Estado em

calara desconformidade com os compromissos internacionais.

A responsabilidade por ato jurisdicional também é admitida, se no entanto, os tribunais

cometerem erros no desempenho dessa tarefa, então as decisões levarão o Estado a violar o

tratado.

Será que um agente incompetente pode comprometer a responsabilidade do Estado?

Ø Foi admitida no artigo 7º do projeto da convenção de Direito Internacional

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Ø Esta situação está em conformidade com a prática e com a jurisprudência

internacional

Danos causados por isto resultar de situações de facto:

É claro que há muito que se considera que o princípio geral é este mas podem haver

situações em que tem que se discutir o grau de controlo

A atuação de qualquer ordem do Estado deve ser tida como uma função do Estado.

Sujeitos de Direito Internacional Público

O que é um sujeito de DIP?

à É toda a entidade que, nos termos de normas do DIP, seja titular de direitos e se encontre

também submetido a deveres ou obrigações. Entidade relativamente à qual normas de DIP

fixem direitos e deveres, e que reconheça capacidade de agir, será sujeito de DIP.

Diferença entre capacidade jurídica internacional e personalidade jurídica internacional

Os sujeitos têm necessariamente personalidade jurídica, isto é, podem ser titulares de

direitos e obrigações; mas nem todos têm uma capacidade de exercício plena, isto é, a

faculdade de poderem agir no âmbito da sociedade internacional através de condutas reguadas

pelo mesmo DIP ou até a capacidade de alguns produzirem DIP.

No que toca à capacidade de exercício, existe uma diferença muito significativa de sujeitos

de DIP.

Há alguns, como o Estado Soberano, e certas Organizações Internacionais, que têm

capacidade de exercício plena para agirem no âmbito do DIP.

Esta capacidade de exercício plena envolve 3 tipos de poder:

Ø Faculdade de celebrar convenções internacionais – ius tractum;

Ø Faculdade de exercerem direito de defesa (ou da guerra classicamente conhecido

por tal, mas com a entrada em vigor da CNU passou a ser reconhecido aos Estados

o direito de desenvolver ações militares em legítima defesa – ius belum;

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Ø Faculdade de abrirem missões ou legações diplomáticas junto de outros sujeitos de

DIP – ius legaciones;

Um sujeito de DIP com capacidade plena pode celebrar tratados, pode desenvolver

ações militares de defesa e pode abrir representações diplomáticas. Claro que nem todos os

sujeitos o podem fazer.

O Estado Soberano é um estado com capacidade jurídica internacional plena, titular de

direitos, garantias, de poder agir como tal – unidade que representa toda uma determina

comunidade humana, tem obrigações a nível das convenções internacionais e vigentes e regras

consuetudinárias, e pode agir de acordo com estas três formas de conduta prototípicas, como

sujeitos de capacidade plena.

No tempo que corre, o Estado Soberano não é exatamente o Estado Moderno que nasceu

depois da Paz de Vestefália, portanto, com o termo das regras religiosas o papado perdeu a

sua influência como uma espécie de organização das nações unidas das repúblicas cristãs. Os

estados afirmaram a sua separação em relação à igreja, reafirmaram nesses 2 tratados

conforme a paz de Vestefália que a soberania para alem de estar agregada ao príncipe, é uma

qualidade do poder do próprio estado e, assim sendo, a soberania passa a estar ligada ao estado

em senti próprio, o território fica definido através de fronteiras determinadas e os Estados são

considerados formalmente como entidades iguais nas suas prerrogativas e não devem poder

interferir nos assuntos internos uns dos outros.

Portanto, caem os últimos elementos do feudalismo, caracterizado por relações de

dependência e vassalagem.

O Estado nascido com a Paz de Vestefália era um Estado comerciante e guerreiro e esta

situação deu origem a uma certa anarquia internacional, com guerras sucessivas e de grande

escala, como a I e II Guerra mundial. A partir do momento em que se percebe que guerras

como essa ameaçavam não só a Europa, mas a humanidade – criou-se ONU, em substituição

da ineficaz Sociedade das Nações.

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Os estados começaram a limitar diâmetros extremos da sua soberania, nomeadamente

através do direito da guerra – a Carta das Nações Unidas impôs que o ius beli se reduzisse à

legitima defesa em caso de agressão.

A partir daí, iniciou-se um período de cooperação entre Estados a nível de Organizações

Internacionais (associações de Estados), e algumas dessas, como a União Europeia, são

organizações de natureza supranacional, isto é, os Estados que dela fazem parte limitam o

âmbito da sua soberania em diversas áreas.

Isto para dizer, para além das características que atualmente imperam a nível da

globalização económica e dos tratados internacionais em matéria de clima e de comércio, que

a soberania dos Estados já não é o que era no período posterior a Vestefália.

Os Estados têm soberania plena, mas isso não quer dizer que possam desenvolver no plano

internacional as ações que bem entendam.

A regionalização, ou seja, a organização de blocos em Organizações Internacionais –

Estados de uma determinada região associam-se e criam uma organização para defesa de

interesses comuns, como o Conselho da Europa e a União Europeia, CEI, todos estes aspetos

passam a limitar um pouco certo tipo de atuações externas dos estados, bem como a

supranacionalidade.

De qualquer forma, quer o Estado Soberano, quer certas Organizações Internacionais

são entidades, sujeitos de DIP, com soberania plena.

Claro que, relativamente a Estados, nem todos os estados se encontram nesta situação –

existem estados com soberania limitada.

Também nem todas as Organizações Internacionais são sujeitos de DIP com características

de plenitude. Isto dependerá daquilo que dispuser o Tratado constitutivo dessa organização

internacional.

Ex: OMS não tem faculdade de exercer direito de guerra. Ja ONU e a União europeia, CEI

podem exercer atividades no domínio militar.

Se uma organização militar tem estas três características como NATO e ONU é sujeito de

DIP com capacidade plena.

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Outras, que tenham apenas alguns destes atributos, como o Conselho da Europa que não

tem ius beli, são organizações de capacidade limitada.

Para além dos sujeitos de DIP com capacidade plena, temos uma pluralidade de sujeitos

com capacidade limitada, como as Organizações Internacionais, suprarreferidas, e outras

figuras como estados de soberania diminuída, como os Protetorados.

Os Protetorados consistem numa figura antiga, sucederam aos Estados Vassalos – um

Estado Suserano que tinha um poder vinculante de superordenação em relação a outros

estados que dele dependiam que eram os estados vassalos.

Ao sistema vassalático sucedeu depois o regime do Protetorado, em que há um Estado

Protetor e um Estado Protegido, sendo que o protetor garante que em caso de ameaça será

defendido pelas forças militares do estado protetor, e o estado protegido assume algumas

obrigações face ao estado protetor, tais como possibilidade de facultar bases militares, e a sua

política externa, de defesa, serão condicionadas por orientações ou mesmo injunções (ordens)

por parte da entidade protetora.

O regime dos protetorados é muito vasto. Ex: protetorado espanhol e francês, sobre

Marrocos. Esse regime formal de protetorado atualmente é pouco comum, mas há um regime

material de protetorado: estados que sem serem designados como protetorados operam como

estados protegidos, como bósnia herzegóvina. Situação efetiva de protetorado embora não

designada juridicamente como tal.

Há outras situações em que certos Estados, por tratado, confiam aspetos da sua

defesa e política externa a outros estados, como o mónaco, que tem um tratado com a frança,

e que já atuou como protetorado.

Há ainda terceiras situações: de facto não de direito, em que um determinado Estado não

é um protetorado, mas opera quase como um Protetorado, que é o que sucede por ex. com o

Kosovo, cuja independência ocorreu por grande pressão da união europeia, é um território que

pertencia à sérvia e a NATO conseguiu separar o Kosovo da Sérvia. Muitos estados europeus

não reconheceram a sua independência. Funciona um pouco na dependência patcícia de quem

protege a sua existência, como a união europeia e a NATO. Materialmente, o Kosovo

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encontra-se num quadro de dependência relativamente a uma série de organizações

internacionais.

Temos também a considerar, a par destes Estados de soberania diminuída, a

considerar os beligerantes e insurretos.

A figura dos Beligerantes no séc. XX era uma entidade com forças que procuravam num

determinado Estado derrubar o poder político e, não conseguindo, dominavam uma parte do

território desse estado e desencadeavam ações armadas contra o poder central.

O reconhecimento dessa força político-militar que dominava uma parte do território como

beligerante significava que essa entidade era considerada como um sujeito de DIP com

capacidade limitada, na medida em que, do reconhecimento como beligerante, resultava um

conjunto de efeitos, a saber:

Ø Violações de convenções internacionais que o Estado onde o conflito armado

decorria pudessem ter lugar em Território dominado pelo beligerante o Estado,

poder central, não seria responsável por essa mesma violação;

Ø Danos, crimes e outro tipo de situações danosas que para terceiros estados ou sobre

cidadãos de terceiros estados ocorressem no território dominando pelo beligerante,

daqui resultado que o Governo do Estado não seria tornado responsável a nível de

quadro jurídico de responsabilidade internacional, pelo ressarcimento

indemnizatório desses mesmos danos ou por incumprimento de obrigações, desde

que elas ocorressem no território dominado pelo beligerante;

Ø O quadro de beligerância permitia a aplicação do direito humanitário de guerra

também ao próprio beligerante, ele torna-se o responsável pelo tratamento

humanitário dado nomeadamente a prisioneiros de guerra e obrigações de respeito

pelos civis. E para além disso tinha capacidade jurídica limitada de celebrar

tratados, nomeadamente tratados que regulassem o conflito ou tratados que

pusessem termo ao conflito militar.

Esta figura distinguia-se do Insurreto. O Insurreto não se considerava, propriamente,

como sujeito de DIP, mas sim uma força armada, uma força guerrilha que, podendo ou não

dominar parcelas de um determinado território- estado, desencadeava ações armadas no

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quadro de um conflito político ou separatista. Os insurretos não eram considerados

propriamente sujeitos de DIP, embora houvesse uma tentativa de que as suas condutas

pudessem ser objeto de uma vinculação pelo menos às convenções de genebra sobre

prisioneiros de guerra, sobre direitos humanitários dos prisioneiros de guerra.

O tempo e a evolução da comunidade internacional levaram a que a figura do beligerante

entrasse em obsolescência, embora haja pontualmente fenómenos que possam ser mais

recentes no séc. XX, as últimas situações em que uma determinada entidade foi considerada

beligerante ocorreram até à II Guerra Mundial.

Desde aí, o reconhecimento como beligerante passou a ser quase inexistente.

Pelo contrário, a figura do insurreto ganhou força. Atualmente, um insurreto que domine

parte do território de determinado Estado, ou que faça incursões relevantes, o insurreto pode

ser reconhecido como sujeito de DIP.

Logo à partida, tem um conjunto de obrigações: o direito humanitário da guerra das 4

Convenções de Genebra é-lhes aplicado por deliberação da ONU. Portanto, estão sujeitos a

certo tipo de vínculos e se cometerem crimes contra a humanidade ou crimes de guerra podem

ser julgados, e em Tribunais Internacionais (isso já aconteceu), crimes cometidos que levaram

ao julgamento dos responsáveis. Por outro lado, foi reconhecido muitas vezes a movimentos

insurgentes ou insurretos se sentarem à mesa de conferências internacionais destinadas a pôr

termo ao conflito e também a assinarem ou rubricarem tratados de paz destinados a pôr termo

a este tipo de guerras ou de conflitos armados. Esses movimentos exerceram o seu ius tractum.

Movimentos insurretos são de facto atualmente sujeitos de DIP, ocupando um pouco a

antiga posição dos beligerantes.

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Ainda existem:

Þ Movimentos de Libertação Nacional:

São essencialmente movimentos políticos ou político-militares que defendem a

independência de uma parcela de território de um Estado, em relação a esse mesmo Estado,

por razões muitas vezes ligadas a identidades étnicas, linguísticas ou culturais. Não basta

haver um partido separatista para que eles possam ser considerados movimentos de libertação.

Um movimento de libertação é um movimento que atua na ilegalidade, que defende a

independência, inclusivamente através de um processo de luta e não é necessário em todas as

situações, mas na maior parte delas recorre à ação armada ou à guerrilha para defender as

causas que reivindica, nomeadamente a independência de um território. Portanto, estes

movimentos ditos de libertação tornaram-se conhecidos sobretudo durante o movimento de

descolonização, a partir dos anos 50 e 60.

Diferença entre movimento guerrilha meramente separatista e movimento de

libertação: o Estatuto Político do Movimento de Libertação significou, por exemplo, na

Organização da Unidade Africana, a possibilidade desses movimentos fazerem parte da

organização, e terem apoio de natureza diplomática e financeira.

Mais tarde, no âmbito da ONU, criou-se um Comité de Descolonização, chamado Comité

dos 24, que de alguma forma passou a patrocinar os movimentos ditos anticoloniais e o

reconhecimento pela Assembleia Geral da possibilidade de estes movimentos serem

conhecidos pelo comité dos 24 como Movimentos de Libertação e puderem figurar como

observadores da ONU, constituía uma forma de legitimação política dessas forças.

No que toca a Portugal, o único movimento de libertação que tinha alguma expressão

territorial era o PAIGC, na Guiné, dado que pelo menos aquando do 25 de abril, nem o

FRAULIN nem outros dominavam permanentemente qualquer parcela do território português

do ultramar. Como se verificou, a continuação da luta armada deu origem a que mais tarde os

estados tivessem reconhecido a independência dos novos territórios, Portugal sucedeu depois

da revolução do 25 de abril, e a natureza destes movimentos como sujeitos de DIP com

capacidade limitada exprimiu-se através da capacidade para criar representações diplomáticas

(ius legaciones), o direito da guerra já o exerciam através das ações armadas, mas também o

direito de tratado acabou por ser plasmado e limitadamente entendido – os únicos tratados que

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estes movimentos podiam celebrar seriam tratados que metessem termo à luta armada e

pudesses implicar processo regulado de independência dos territórios.

Ex: A França celebrou com a frente nacional e libertação da Argélia os acordos de Avinhão

para a independência deste território; Portugal celebrou acordos para a independência da

Guiné e de S. Tomé e príncipe. Houve outros acordos que deram origem à independência de

Angola, acordo do alvor, e independência do Moçambique- celebrados entre o estado

português e esses ditos movimentos de libertação.

Assim sendo, os movimentos de libertação são movimentos com capacidade limitada, que

têm um ius tractum, direito de celebração de tratados limitado, um ius beli efetivo e quanto

ao poder de criação de missões diplomáticas depende.

A partir do momento em que a ONU passou a dar algum palco a estes movimentos, alguns

deles criaram camaras de representação.

Þ Governos no Exílio:

Governos de Estados que foram muitas vezes invadidos ou então Estados que

experimentam uma determinada revolução, em que o Governo legal, não tendo condições para

se manter no respetivo território e segurar o poder político, parte para outro país, criam um

executivo na capital de outros Estados.

Ex: no contexto da II Guerra Mundial, quando os Estados polaco, holandês e belga foram

invadidos pelas forças alemãs, os seus governos partiram para londres onde criaram esses

governos no exílio.

Os governos no exílio têm direito de celebrar tratados, de delegação e supostamente têm

direito de guerra porque para se reconhecer um governo no exílio supostamente têm de se

dominar determinado território.

Þ Individuo:

Sujeito de DIP, com uma capacidade limitadíssima.

Essencialmente, é titular de direitos, ligados à tutela de direitos humanos, regulados por

tratado, e a sua capacidade de exercício é muito limitada, muitas vezes muito ligada a posições

e a queixas.

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Para além de sujeito de direitos, é destinatário de obrigações: o indivíduo não pode cometer

crimes de guerra, crimes contra a paz e contra a humanidade, e se o fizer pode ser

responsabilizado.

Criaram-se, por exemplo, tribunais criminais à doc pelo Conselho de Segurança das

Nações Unidas, para julgar este tipo de crimes, como o genocídio.

Criou-se mais tarde, através do Tratado de Roma, o Tribunal Penal Internacional, que,

todavia, revela uma grande ineficiência pois o Tratado de Roma é um Tratado exaustivo não

só quanto aos crimes tipificados e ao processo criminal, mas este tratado tem uma debilidade,

resultante do facto de os EUA, Rússia, china e estados árabes não terem assinado a convenção.

Não ratificaram a convenção e, sendo assim, esta tem um alcance muito limitado, mas é,

apesar de tudo, um primeiro passo para a efetivação da responsabilização criminal do

indivíduo pela prática de crimes que revelam para o DIP- é o chamado direito penal

internacional.

Reconhecimento do Estado

O Estado é o sujeito de Direito Internacional Público, mas existem coletividades

territoriais que se podem arvorar aos Estatuto de Estado sem terem efetivamente os elementos

constitutivos da realidade estadual.

E, portanto, coloca-se o problema de se saber como é que essas entidades podem ser ou

não reconhecidas na qualidade de Estado pelos outros sujeitos de Direito Internacional

Público.

Uma outra realidade diferente é relativamente a Estados já reconhecidos como parte da

sociedade internacional, haver, eventualmente, uma mudança brusca do respetivo Governo e

se problematizar o reconhecimento desse mesmo Governo pelos governos dos restantes

Estados e pelas estruturas diretivas das Organizações Internacionais.

O reconhecimento corresponde a um ato jurídico unilateral tendencialmente livre,

no seu sentido positivo, ou seja, os Estados e as Organizações Internacionais não são

obrigadas a reconhecer uma determinada coletividade territorial como Estado, tendo assim a

faculdade de não reconhecer. Em certas circunstâncias, pode haver um condicionamento ao

reconhecimento no sentido do não reconhecimento. A Organização das Nações Unidas,

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nomeadamente Organizações regionais como a União Europeia, estabeleceram um conjunto

de condições para o reconhecimento ou certas proibições de reconhecimento de uma

determinada coletividade como Estado.

Portanto, o reconhecimento é, por regra, no seu sentido positivo, um ato livre,

existe liberdade para reconhecer ou não, sem prejuízo de alguns condicionamentos ditados

pelo Direito Internacional e por Organizações Internacionais.

Esse reconhecimento é essencialmente um ato político, portanto o ato de

reconhecimento produz efeitos jurídicos, mas é por natureza um ato político, baseado em

juízos de mérito, sem prejuízo desse ato político se poder basear num conjunto de

pressupostos, quer de facto, quer de direito.

Assim sendo, o reconhecimento pode assumir natureza constitutiva ou natureza

declarativa. Um reconhecimento, por regra, é de natureza declarativa, portanto há uma

declaração em que se atesta uma determinada realidade, nomeadamente que uma coletividade

territorial tem os elementos típicos ou prototípicos da estadualidade.

Em alguns casos, o reconhecimento pode ser constitutivo, ou seja, mesmo que a

coletividade territorial não tenha esses elementos constitutivos, por razões políticas, pode

justificar-se essa decisão de reconhecer. Portanto o reconhecimento de Estado é um ato

unilateral, em regra, com efeitos declarativos que faz o Estado que reconhece à coletividade

territorial reconhecida, é atestar que esta tem um povo, em sentido jurídico, um território, com

fronteiras delimitadas, e um poder político soberano.

Assim sendo, há aqui um quadro de efetividade, que é o facto de esse mesmo poder

político soberano dever exercer uma relação de domínio sobre o correspondente território, daí

que estes elementos sejam elementos fundamentais e existenciais, pois está se aqui a testar

uma situação de natureza fáctica e também jurídica, há um poder que domina com efetividade

um território e existe uma comunidade populacional que tem um vínculo jurídico com esse

mesmo Estado, que é o vínculo da nacionalidade.

E, portanto, não há também efeitos de maior relativamente ao reconhecimento do Estado,

claro que é particularmente importante uma coletividade territorial ser legitimada pela via do

reconhecimento, pelo que o facto de outros Estados atestarem que estamos perante uma nova

coletividade estadual, no fundo, justifica interna e externamente a nova coletividade e o seu

poder político.

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Portanto, dir-se-ia que não existiriam efeitos de maior, em termos problemáticos, mas

isso é apenas uma parte do problema. Sendo o reconhecimento um ato essencialmente

declarativo, atesta-se uma situação de facto que mais tarde terá consequências jurídicas,

existem situações de natureza excecional de reconhecimento com eficácia constitutiva, ou

seja, reconhecimento ou proibição dele.

Do ato de não reconhecimento derivam um conjunto de efeitos de natureza proibitiva

ou condicionada:

Ø Caso do reconhecimento proibido: houve resoluções da ONU, nomeadamente do

Conselho de Segurança, que proibiram, por exemplo, o reconhecimento da

Rodésia.

Ø Reconhecimento condicionado: por exemplo, quando caiu o Muro de Berlim e

surgiram na Europa uma pluralidade de novos estados que declararam

independência e que faziam parte da antiga União Soviética e também estados

autoproclamados. Face a tantos estados que de repente despoletaram e podiam

reivindicar a sua pertença futura à UE, a comunidade europeia, em 1991,

estabeleceu condições muito restritas para os novos estados: não só para integrarem

a UE, mas o seu próprio reconhecimento. Este movimento de auto determinação

implicaria um risco de relativo contágio, sendo um deles estados auto proclamados

que violassem o critério de que as novas fronteiras deveriam coincidir com as

fonteiras dos territórios já existentes; havia o risco de parte destes novos estados

serem regidos por regimes ditatoriais que apresentavam problemas graves de

coexistência de estados democráticos na UE; risco do contágio, ou seja, este

movimento de auto determinação poderia dar origem a que comunidades

populacionais na própria UE para desenvolverem atuações separatistas e

reivindicarem a autodeterminação. O aparecimento deste tipo de situações levou a

UE a resguardar-se: princípio de que os novos estados deveriam ter fronteiras

relativamente estáveis, coincidindo com as fronteiras já existentes; regimes

democráticos; que admitissem princípios gerais de DIP – acabaram por ser um

condicionamento. Com base nestes condicionamentos, a UE acabou por não

reconhecer alguns estados, como é o caso da República da Transnístria (hoje em

dia é um estado independente democrático, mas não é reconhecida pela UE).

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Ø Critérios para o não reconhecimento (doutrina Stimson): criada aa propósito da

Manchúria, território da China que foi ocupado pelo Japão. O Japão acabou por dar

uma independência ficcional à Manchúria e colocou no trono da Manchúria o

último imperador chinês (Pu Yi). Stimson estabeleceu um conjunto de orientações

para não reconhecer a Manchúria, cujo critério dominante era: não se deve

conhecer um estado que tenha sido criado ficcionalmente ou artificialmente num

quadro de separatismo relativamente a outro estado onde esse incluía, desde que

essa independência tenha sido objeto de um ato de força pela intervenção de um

terceiro estado, ou seja, o movimento de autodeterminação tem que ser genuíno e

livre, ou seja, uma força espontânea dentro de um determinado território. Esta

doutrina foi, de algum modo, aceite por muitos estados, dando origem a uma prática

internacional. Claro que os EUA não são o melhor ordenamento jurídico para

sustentar uma doutrina desta natureza porque eles próprios terão criado no Panamá

estados fictícios. Esta doutrina foi discutida por não reconhecer a independência de

territórios não coloniais (auto-determinação externa – atuação separatista pela

força).

Estas situações apresentadas poderão ser classificadas como situações excecionais de

proibição de reconhecimento ou condicionamento ao reconhecimento de estados

independentes.

Reconhecimento do Governo

Novo poder político que num determinado estado assume a autoridade por um ato de força

(golpe de Estado, por exemplo), coloca-se o problema de haver ou não o reconhecimento do

novo governo pelos governos dos outros estados e restante parte da comunidade internacional,

nomeadamente pelas organizações internacionais.

É um ato jurídico unilateral; ato jurídico tendencialmente declarativo; ato jurídico com

conteúdo essencialmente político onde questões que vão desde a factualidade até à maior ou

menos simpatia ou avaliação positiva de um novo governo por outro, termos de afinidades

ideológicas pode ter algum peso mas esta é uma questão bastante complexa.

à Dimensão mais política que o reconhecimento de Estados.

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Os governos habitualmente reconhecem Estados e abstêm-se de fazer considerações sobre

o reconhecimento de novos governos que muitas vezes chegam ao poder pela via de rutura ou

revolucionária.

O reconhecimento de governos é mais problemático, não só em momentos de rutura

revolucionária – ascende novo poder que pode levantar reticências em muitos outros governos

dos Estados em emitir um ato que possa legitimá-los.

Mas é nesses momentos de rutura ou em guerras civis, em que dois governos civis

reivindicam o poder em determinados Estados. Tendência contemporânea, apesar das

exceções – Estados reconhecem outros Estados e abstêm-se de fazer considerações quanto ao

reconhecimento de Governos.

Existem situações parecidas com o que ocorre com os Estados, de declarações de

Organizações Internacionais com peso, como a União Europeia, da ONU, no sentido de

estabelecerem ou recomendações ou mesmo resoluções proibitivas do estabelecimento de

certo tipo de governos.

Reconhecimento de governo - ato usualmente livre dos Estados, mas com resoluções das

Organizações Internacionais que proíbem o reconhecimento de certos governos, passa a

assumir um caráter condicional e constitutivo relativamente àquilo que os Estados-membros

dessas organizações podem ou não reconhecer.

Por outro lado, mesmo sem esse caráter imperativo, se uma organização internacional

como a ONU reconhece um dado Governo e não reconhece outro, isso não pode deixar de ter

peso na legitimação desse mesmo poder.

Reconhecimento de Governos em DIP – ato unilateral através do qual um órgão

competente de um Estado ou admite que um conjunto de pessoas que assumiram o poder

noutro Estado têm a faculdade de o representar como instituições soberanas ou pelo menos o

podem representar nas relações recíprocas entre os dois Estados:

Ato jurídico unilateral, em regra livre, dotado de conteúdo político, e com carater

autónomo pois por regra não depende de previa Convenção Internacional que estipule critérios

de reconhecimento, isto sem prejuízo de ter de respeitar um ato jurídico unilateral e ai deixar

de ser autónomo. Ex: nações unidas estabelecerem critérios proibitivos de reconhecimento;

mas nenhum estado é obrigado a reconhecer. Linguagem utilizada relevante quanto ao facto

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de se entender que o governo de um estado reconhece o governo de outro estado- linguagem

decisiva.

Será que o governo do Estado A reconheceu efetivamente o Governo do Estado B?

reconheceu precariamente? Linguagem importante, e essencialmente política.

Diversidade das expressões do reconhecimento: há declarações solenes, declarações

escritas, declarações orais à imprensa, notas verbais, telegramas e até tweets. Temos aqui um

conjunto de atos que podem contribuir para o reconhecimento explicito.

Formas de reconhecimento implícito: pode não haver uma declaração expressa, mas por

exemplo, pode haver uma troca de embaixadores, que pode ter um peso considerável e ser

interpretada como uma forma de reconhecimento, embora nem todos entendam que assim

seja.

Para efeitos de se perceber, de algum modo, quer para o reconhecimento expresso quer

para o reconhecimento implícito, existe um critério que tem predominado:

Ø Critério da efetividade: Critério mais objetivo. Centra-se na concertação de que

um determinado poder político exerce um domínio efetivo sobre a totalidade ou a

parte mais relevante de um determinado território. Ex: se um Governo tem um

domínio real sobre a maioria do território, dominando o aparelho de Estado,

controlando a população, o critério da efetividade pesa no ato de reconhecimento.

Nomeadamente quando há governos reais.

A prática diz-nos que os atos de reconhecimento não têm de ser atos de simples

reconhecimento. Pode haver reconhecimentos condicionados: sujeitos a condição e com a

possibilidade da sua retirada.

A doutrina divide-se muito, mas o prof. Blanco Morais defende que há reconhecimentos

condicionados e sujeitos ou a alterações fundamentais de circunstâncias ou outro tipo de

modificações que podem justificar a sua revogação, a sua retirada e muitas vezes

reconhecimentos sujeitos a uma condição.

Muitas vezes, e esta é uma distinção importante, os governos que surgem de um quadro

revolucionário podem ser reconhecidos por outros governos como: executivo de iure (de

direito) e executivos de facto.

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Ordinariamente, quando havia um movimento revolucionário e um poder que podia

dominar a situação, vários Estados reconheciam esse Governo como um Governo de facto,

mas ainda não como um Governo de direito. Isso só ocorria quando esse mesmo poder

passasse a ter uma institucionalidade própria e a dominar a situação política.

A doutrina que impera relativamente ao reconhecimento é a doutrina da efetividade.

Houve 2 grandes correntes doutrinárias:

Ø Doutrina da legitimidade; e

Ø doutrina da efetividade.

A doutrina da legitimidade entende à justificação do poder.

Ø Doutrina Tobar: só se deveriam nascer governos nascidos de eleições

democráticas. Esta doutrina Tobar foi seguida por outra doutrina defendida nos

EUA - doutrina Wilson, também favorável ao reconhecimento baseada na

legitimidade democrática.

Mas a doutrina que se impôs foi a da efetividade: o aparelho do Estado controla-se o

território, as forças armadas exercessem um poder que envolvesse uma aceitação mínima por

parte da população. Atualmente pontifica a doutrina da efetividade (ou Estrada), sem prejuízo

de em certas circunstâncias, por razoes políticas ou ligadas a resoluções das organizações

internacionais, pode pontificar a doutrina da legitimidade.

O reconhecimento pode ser relevante nos dias de hoje. Mas pode não ser bem assim, o

regente acha que o reconhecimento ainda tem relevância.

Os tribunais costumam seguir aquilo que é determinado pelos respetivos Governos.

Países continentais como Portugal e frança - doutrina da efetividade quanto à ação dos

tribunais - têm em conta o reconhecimento ou não dos Estado onde os tribunais decidiam, mas

os tribunais podem atender a outros fatores como a efetividade- quando há controvérsias como

sobre titularidade de patrimónios, os tribunais podem atender sobre quem tem o domínio

efetivo e comprovado sobre o território de um determinado estado, qual dos Governos é que

tem, havendo 2 governos rivais. Se as declarações de reconhecimento do Governo do próprio

Estado coincidiram com essa mesma efetividade, tudo se tornará mais fácil.

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Matéria semiadormecida e que passou a ter relevância mais recente devido à problemática

da existência de Governos rivais.

Domínio dos Sujeitos de Direito Internacional Público analisados na especialidade

Estados: sujeitos de DIP com capacidade plena. Outros sujeitos de DIP como

protetorados, movimentos insurretos etc. tinham capacidade limitada.

Organizações Internacionais: algumas têm capacidade plena, aquelas que tivessem:

Ø Direito de celebrar tratados - ius tractum;

Ø Direito de defesa- ius belum; e

Ø Direito de representação diplomática- ius legations.

Enquanto outras, não tendo estas três capacidades, não teriam essa capacidade plena.

Mas o que é uma organização internacional?

Consiste num sujeito de DIP que resulta da associação de sujeitos de DIP, em regra

Estados. Portanto, estados associam-se, para constituir um outro sujeito de DIP que visa

prosseguir objetivos comuns a todos eles. Para esse efeito, teriam uma entidade personalizada

– com personalidade jurídica e capacidade de exercício –, com instituições própria- órgãos

específicos, e que se encontra regida por normas internacionais, logo à partida o tratado

institutivo da organização.

Como nasceram?

No séc. XIX, através de comissões administrativas para a gestão de bens comuns,

nomeadamente as comissões fluviais no Reno e no Danúbio, formados por vários Estados que

se associaram para criar órgãos destinados a regular a navegabilidade em rios que cruzassem

diversos estados. Também as uniões administrativas e aduaneiras, uniões alfandegárias entre

Estados para que se pudesses reduzir as tarifas na circulação de mercadorias, envolveram

muitas vezes o génese dessas entidades, com órgãos próprios. Estas associações

desenvolveram-se, começaram a proliferar na passagem do séc. XIX para o séc. XX, criaram-

se organizações relevantes como a união postal internacional, Estados que se associaram para

o uso de telégrafo como meio de comunicação, e sociedade das nações- criada na sequencia

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da vitória dos Aliados na I guerra mundial, destinada e precludir a eclosão de novos conflitos,

o que fracassou porque não conseguiu impedir a ocorrência da II guerra mundial; funcionava

por unanimidade. Estados como URSS e EUA não ratificaram o tratado da sociedade das

nações.

Posteriormente, a ONU foi criada na sequência da vitória aliada na II guerra mundial e a

partir daí multiplicaram-se exponencialmente as organizações internacionais. 1945- marco

para o grande desenvolvimento das organizações internacionais e hoje em dia fala-se de

regionalização quando os estados, em função de certas áreas geográficas ou de interesses, se

começam a associar. EX: na Europa temos a união europeia e o Conselho da Europa; união

africana. Há uma certa regionalização geográfica em blocos. NATO- em função da defesa

coletiva, associa não só estados europeus, mas também americanos.

As modalidades de instituição das organizações em regra baseiam-se na sua criação por

tratado multilateral. Todavia, há situações em que as organizações são criadas por ato jurídico

unilateral de outras organizações- como a OMS, criada por resolução da ONU; por outro lado,

há organizações que foram criadas no âmbito de conferencias internacionais- como a

organização de segurança e cooperação na Europa.

Tipologia das organizações internacionais:

Ø Critério da estrutura jurídica:

o Organizações intergovernamentais: concedem maior protagonismo à

soberania dos Estados; por regra, não existe limitação/transferência da

soberania dos Estados, em favor da organização. Os Estados associam-se e

os representantes dos Estados acedem aos órgãos dessa organização

internacional como representantes dos Estados. EX: Conselho de Segurança

das Nações unidas- membros permanentes e membros eleitos, que atuam

em defesa dos interesses dos respetivos Estados e seguem as instruções

diplomáticas das respetivas chancelarias. Visam estabelecer relações de

coordenação entre as diversas soberanias, tendo em vista a prossecução de

interesses coletivos comuns. O processo de decisão é, em regra por

unanimidade, ou pode ocorrer por maioria qualificada- pela necessidade de

tomar decisões de forma ágil e sem bloqueios;

o Organizações supranacionais: associações de Estados que limitam a

respetiva soberania para a delegar na organização internacional. Temos

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relações de superordenação- os órgãos da organização internacional têm a

faculdade de emitir atos jurídicos unilaterais que vinculam todos os Estados

e que limitam a respetiva soberania. O nº6 do art. 7º da CRP diz-nos que no

âmbito da construção jurídica europeia, o estado português aceita colocar

em comum um conjunto de competências que serão exercidas ou

conjuntamente ou pela própria União Europeia. A União Europeia é uma

associação de Estados de natureza supranacional porque os Estados limitam

a sua soberania e delegam faculdades da mesma na União e fazem-nos

através de tratados institutivos, o que não impede que os Estados possam

sair da organização, entrando em recesso relativamente ao tratado

institutivo, como aconteceu com o caso do Reino Unido, cuja saída da

União Europeia ainda não se encontra totalmente comtemplada. Por outro

lado, nas organizações supranacionais existem órgãos próprios da entidade

em que os membros, apesar de oriundos dos diversos dos Estados, quando

assumem o cargo não o fazem em obediência às instruções ou orientações

das respetivas chancelarias, exercendo esse mesmo cargo com

independência e com observância das regras que constarem do tratado

institutivo da organização.

É difícil dizer que as organizações intergovernamentais ou supranacionais podem existir

em estado martirologicamente puro.

Ex: ONU, que é uma organização intergovernamental, em que a assembleia geral das

nações unidas é composta por representados dos Estados, o mesmo com o Conselho de

Segurança; mas existem situações de supranacionalidade nesta organização

intergovernamental, há elementos impuros: casos do secretário geral, que age em nome da

organização- não está subordinado a orientações do Governo português; e existem certo tipo

de deliberações dos órgãos – Conselho de segurança – que têm caráter obrigatório para os

Estados e produzem diretamente os seus efeitos jurídicos, o que é um elemento típico da

supranacionalidade.

Portanto, ONU organização intergovernamental, com elementos supranacionais. O mesmo

sucede com a União europeia ao contrário: é uma organização supranacional, com elementos

intergovernamentais.

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Ex: no Conselho Europeu ou Conselho Económico-financeiro onde está o ministro das

finanças, no que toca ao conselho europeu os representantes dos Estados, enquanto tomem

decisões coletivas, recebem instruções dos respetivos estados, para defesa dos seus interesses,

sem prejuízo de depois a deliberação ser imputada a toda a organização. Portanto, a União

Europeia é uma organização supranacional com alguns elementos impuros de

intergovernamentalidade.

Ø Critério do objeto

o Organizações de fins gerais: fins políticos, de defesa, de cooperação

económica e cultural. EX: ONU, União Europeia.

o Outras organizações que tendencialmente prosseguem fins políticos,

como o Conselho da Europa, nomeadamente na tutela de direitos

fundamentais, organizações de fins militares, como a NATO e foi o caso de

Pacto de Varsóvia (liderado pela União Soviética), organizações de fins de

natureza jurídico-económico: OCDE; organizações de fins sociais: como

OMS e a organização internacional do trabalho.

Ø Critério do espaço e do âmbito espacial ou territorial de atuação:

o Organizações universais: associam todos os Estados que compõe a

sociedade internacional. Ex: ONU;

o Organizações regionais: têm uma componente geográfica. Ex: união

europeia, união africana.

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Organização das Nações Unidas

Quanto à expressão Nações Unidas muitos pensaram que poderia significar todos os

membros da Sociedade internacional, mas não. Esta corresponde aos principais aliados que

combateram o eixo durante a II Guerra Mundial - EUA, União soviética, Reino Unido, França

e China eram as Nações Unidas. Criada por estes Estados através da assinatura da Carta das

Nações Unidas, em 1945.

Os seus objetivos eram: preservar os povos do flagelo da guerra, reafirmar a fé nos

direitos fundamentais, criar condições de justiça e de respeito pelos tratados fundamentais e

promover o progresso social e as condições devidas das pessoas em liberdade.

Depois de assinada, outros Estados aderiram. Atualmente, integra quase todos os estados

soberanos da Sociedade Internacional. Houve um alargamento.

Quais os fins e os princípios da carta?

à Art. 1/1: manter a paz e a segurança internacionais e tomar coletivamente medidas

efetivas para evitar ameaças da paz, reprimir atos de agressão ou evitar ruturas da paz.

Artigo importante, pois, as Nações Unidas contam com uma força militar de intervenção

fornecida pelos Estados – os capacetes azuis.

Assim, as nações unidas não só podem tomar ações destinadas a evitar a rutura da paz por

via diplomática, através de sanções ou reprimir também atos de agressão, através de sanções,

muitas vezes também através de forças militares.

Para além de medidas efetivadas tomadas para evitar atos de agressão, manter a paz,

utilizar os meios pacíficos para a resolução de conflitos, as Nações Unidas propuseram-se a

fazer aquilo que a Sociedade das Nações não conseguiu fazer após a I Guerra Mundial e que

culminou numa II Guerra:

Ø Art.1/2: Desenvolver relações amistosas entre os Estados na base do princípio da

igualdade, da autodeterminação dos povos (decidir o seu próprio destino, para

povos coloniais). São aqui definidos dois princípios importantes à igualdade de

direitos entre os Estados e garante o princípio de autodeterminação dos povos.

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àObjetivo económico-social: conseguir uma cooperação internacional para resolver

problemas de caráter económico, cultural, social, humanitário;

à Respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais, sem discriminação

de raça, língua etc. Isto nem sempre é garantido pois das nações unidas fazem partes regimes

ditatoriais, regimes autoritários etc. Todos devem, em tese, respeitar os direitos humanos e as

liberdades fundamentais, o que não sucede em muitos casos. Pacto dos direitos político e dos

direitos sociais.

à As nações unidas serem um centro impulsionador de harmonização, de objetivos

comuns.

Sendo estes os fins da ONU, esta pauta-se também por princípios.

Princípios positivados no art. 2:

Ø Princípio da igualdade dos seus membros: assembleia geral das nações unidas

podem todos nomear até 5 representantes, mas é uma igualdade semântica devido

às relações de força. Conselho de segurança-desigualdade nos membros

permanentes- EUA, Rússia, China, Reino Unidos e França- todos têm um voto,

mas o seu voto conta mais sendo que se votarem contra, o voto negativo de um dos

membros permanentes significa um veto- poder de impedimento. Todos os

membros devem dar assistência necessária às nações unidas e devem abster-se de

dar auxílio a qualquer estado contra o qual as nações unidas agirem.

Ø Princípio de boa fé: devem cumprir exigências e obrigações constantes da carta;

Ø Resolução de controvérsias por meios pacíficos: arbitragem, vias políticas como

mediação, inquérito de conciliação;

Ø Paz, segurança e justiça internacional são princípios de ordem publica internacional

que todos os membros devem seguir.

Ø Princípio de não ingerência da organização nos assuntos que dependam

essencialmente da jurisdição de um Estado- nº5. Há assuntos essencialmente

internas que as nações unidas estão inibidas de se imiscuir- direito penal, regimes

políticos etc. Mas a expressão é um pouco ambivalente e as nações unidas têm

interferido em assuntos internos dos estados.

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Membros da organização:

Ø Membros originários: 5 estados que assinaram a Carta, em 1945;

Ø Estados que foram sendo admitidos.

Art. 4º/1: a admissão como membro da ONU fica aberta a todos os Estados amantes da

paz que aceitarem as obrigações. Convenção aberta e que aceitarem obrigações dela

constantes.

Assembleia delibera por maioria de 2/3, por proposta do Conselho de Segurança.

Art. 5: Os membros que entram, também podem ser suspensos ou expulsos. Se houver

sanções, ações preventivas tomadas pelo Conselho de Segurança, há possibilidade dos

membros da assembleia geral poderem ser alvo de sanções- como retirada de certos direitos,

por exemplo direito de voto na assembleia geral – esta suspensão dos direitos no todo ou em

parte que decorre por proposta do conselho de segurança, e de uma deliberação favorável da

Assembleia Geral também tomada por 2/3. Estas situações são extremas.

Com ações coercitivas ou com sanções pode haver situações em que um membro das

nações unidas viola persistentemente os princípios e obrigações da carta- se isso suceder esse

membro pode ser expulso: situação extrema. A mesma maioria.

Art. 7: Órgãos da ONU

Ø Assembleia Geral:

Constituída por todos os membros das Nações Unidas, órgão plenário e colegial; cada

membro não deve ter mais do que 5 representantes na assembleia e cada membro só tem

direito a 1 voto.

Quais as atribuições da Assembleia Geral? É o órgão principal da ONU? Não. Embora,

segundo o art. 10, possa discutir quaisquer questões ou assuntos que estiverem no fim da

carta, existe uma exceção:

o Art. 12: se a Assembleia Geral estiver a discutir determinada matéria e o Conselho

Segurança resolver intervir, a Assembleia Geral suspende a sua intervenção nessa

mesma questão.

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Art. 10: a Assembleia Geral pode fazer recomendações aos membros das nações unidas e

ao conselho de segurança

Ainda que tida como uma competência limitada, uma vez que não se trata de deliberações

com efeitos jurídicos constitutivos, mas sim recomendações – não têm efeito vinculativo. Não

ocorre bem assim, uma vez que, existem recomendações sucessivas.

Criação de um direito consuetudinário de descolonização baseado na ideia de que as

recomendações criaram princípios e regras que passaram a ser assumidas por muitos estados

com a convicção de obrigatoriedade no futuro.

Art. 11: manutenção da paz.

Art. 12: enquanto o conselho de segurança estiver a exercer as funções que a carta que

atribui, a assembleia geral não pode fazer nenhuma recomendação a esse respeito. art. 3º-

elenco das recomendações que a assembleia geral pode fazer.

Art. 18: Critérios de deliberação e de votação. O art. 18/2 estabelece que, as decisões da

Assembleia Geral que, versam sobre questões importantes são tomadas por maioria de 2/3.

Surge aqui um elenco que, parece ser exemplificativo. Estas questões compreenderão-

para la da lista apresentada, poderá haver outras questões. As elencadas são recomendações

relativas à manutenção da paz, eleição dos membros não permanentes do conselho de

segurança.

Art. 17: a assembleia geral aprovará o orçamento da organização. Decisões sobre outras

questões- aprovadas por maioria dos membros presentes e votantes, isto é, maioria simples.

Pode haver outros assuntos, e daí a lista exemplificativa do nº 2 do art. 18, passíveis de ser

aprovadas por maioria de 2/3 e a assembleia assim decide fazê-lo. Os restantes, tomados à

pluralidade de votos.

Art. 19: não parece ser muito aplicado.

Art. 20 e 21: Quanto às suas reuniões, a Assembleia reúne-se em sessões anuais regulares

e depois em sessões especiais para os quais pode ser convocado, que são exigidas pelas

circunstâncias. Estas sessões especiais, em função de problema emergente, serão convocadas

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pelo secretário geral ou a pedido do Conselho de segurança ou a pedido de uma maioria de

membros. Cada sessão anual terá o seu Presidente.

Ø Conselho de Segurança:

Art: 23: Este é composto por 15 membros, dos quais 5 permanentes e 10 eleitos.

à 5 membros: EUA, Federação Russa, China, Reino Unido e França – membros

permanentes, potenciais vitoriosas na II guerra mundial.

à Depois a assembleia geral das nações unidas elege os outros 10 membros.

Necessidade de distribuição geográfica equitativa destes membros não permanentes, que

são eleitos por períodos de 2 anos. Nenhum membro não permanente que termine o seu

mandato pode ser reeleito para o período subsequente. Cada membro do conselho de

segurança terá 1 representante.

Art. 24: visa assegurar a ação por parte das nações unidas relativamente a controvérsias e

litígios essenciais – função na manutenção da paz e agirá de acordo com os princípios e

obrigações da carta. Os membros das Nações Unidas devem concordar e aceitar as resoluções

do conselho de segurança, especialmente as tomadas ao abrigo do Cap. VII.

Art. 27: Aqui não é veto se for uma questão fundamental. Maioria de 9 membros em 15.

Em todos os outros assuntos que não sejam procedimentais, diz o nº3 do art. 27º, são tomadas

pelo voto afirmativo de 9 membros, incluindo o voto de todos os membros permanentes.

Literalmente, se um dos membros permanentes não votar favoravelmente, isso equivalerá a

um veto.

Mas as coisas não são exatamente assim. A prática tem revelado que eles se podem abster,

não necessitante de voto positivo. A abstenção não vale como veto- costume derrogatório de

uma convenção internacional.

O que é uma questão procedimental e o que são as outras questões todas que exigem que

nenhum dos membros permanentes veto?

àIsto depende de uma deliberação do conselho, que não pode ter veto dos membros

permanentes. Poderíamos chegar ao ponto de considerar uma questão procedimental só para

“fugir” ao veto. Logo a deliberação que identifica uma questão como procedimental ou não,

pode ser objeto ela própria de um veto dos membros permanentes. A sua vontade pesa porque

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têm possibilidade de vetar essa deliberação inclusiva da matéria como sendo meramente

procedimental. Temos um duplo veto: os membros permanentes vetam primeiro em caso de

dúvida se uma questão é ou não procedimental e não o sendo, na medida em que haja uma

deliberação sobre as mesmas, os membros permanentes exercerão o seu voto, que se for

negativo redondeará num veto.

Ø Conselho económico e social

Ø Conselho de tutela- já não tem funções.

Ø Um tribunal internacional de justiça- sede na Haia.

Ø Secretariado geral, sem prejuízo da criação de outros atos órgãos subsidiários.

Por vezes existem práticas que geram costume e que passa a ter efeito integrativo e

complementar dos tratados, menção a um secretariado: dá ideia que se trata de um órgão

puramente administrativo e gestionário da ONU. Mas não é assim.

A pratica demonstrou o surgimento de um órgão que já esta presente na Carta, mas não

está aqui enumerado: secretário geral das nações unidas – gere a administração das Nações

Unidas, mas exerce um papel relevante como mediador de conflitos internacional e órgão que

coloca assuntos na agenda de outos órgãos da ONU. A expressão secretariado que aqui está

deve ser substituída pela expressão secretário geral.

Legítima defesa – única possibilidade de uso da força, no âmbito da carta das nações

unidas.