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    RITUAIS DA MORTE DOS ARTISTAS RUPESTRESNEOLTICOS DO VALE DO TEJO

    ( Portugal / Espanha)Jorge de OliveiraCIDEHUS Universidade de voraPORTUGAL

    OS ANTECEDENTES

    Passados trinta e cinco anos sobre a descoberta e quase total e imediata submerso da arterupestre do vale do Tejo pela albufeira da Barragem do Fratel e passados mais de vinte anossobre o incio dos estudos da arquitectura megaltica da foz do rio Sever importa relacionar asduas principais evidncias arqueolgicas do curso mdio do maior rio da Pennsula Ibrica, o

    Rio Tejo. A diviso poltica e administrativa entre Portugal e Espanha, na margem esquerda doTejo, consubstanciada pelo Rio Sever. Se para a margem portuguesa, desde o sculo XIX, esobretudo com Georg e Vera Leisner, a partir de meados do sculo XX, as manifestaesmegalticas passam a ser continuamente referenciadas, na margem espanhola do Sever apenas asestruturas funerrias de Valncia de Alcntara comeam a ser descritas por Medida nos inciosdo sculo XX e devidamente estudadas na dcada de setenta por Primitiva Bueno, ficando amaior parte da margem direita do curso deste rio por prospectar. Assim, at dcada de oitentado sculo XX, apenas uma pequena parte das estruturas funerrias megalticas do Rio Severeram conhecidas e s superficialmente, pois raras tinham sido escavadas cientificamente. Nafoz do mesmo rio, na margem esquerda, Georg e Vera Leisner, os anos 50, registaram perto detrs dezenas de pequenos sepulcros megalticos em xisto, entretanto quase totalmente

    destrudos, em meados da dcada de oitenta, pelas campanhas de florestao com plantas deeucalipto. Ficou, assim, a informao arqueolgica da margem portuguesa profundamenteafectada, o que nos obrigou a dirigir a nossa ateno para a margem espanhola. O estudo desteconjunto de monumentos, obtidos em xisto e de muito pequena dimenso, poderiam viabilizar aresposta a mltiplas questes relacionadas com os rituais da morte, com a economia, sociedadee sobretudo com a arte gravada das margens do Tejo, maioritariamente contempornea dosconstrutores de meglitos. A monumentalidade da maioria dos sepulcros do Termo Municipalde Valncia de Alcntara ofuscou, como aconteceu noutros locais, a arquitectura funerria demenores dimenses. Praticamente todos os investigadores concentraram a sua ateno nosmonumentos de granito, bem destacados na paisagem e sobretudo concentraram-se na riqueza ediversidade dos conjuntos artefactuais que os grandes dlmenes, normalmente guardam no seu

    interior. Tero sido estas as principais razes para o grande desconhecimento de uma outrarealidade megaltica, menos evidente na paisagem mas superior em nmero, localizada a meiadzia de quilmetros para norte de Marvo e Valncia de Alcntara. Se a arquitectura discretados monumentos de Montalvo, Cedillo e tambm de Herrera de Alcntara ter contribudo paraque durante milnios tivessem passado despercebidos estranha-se, contudo, que a partir demeados da dcada de setenta, do sculo XX, altura em que se identificou, ainda que tardiamente,a importantssima arte rupestre do Vale do Tejo e se reconheceu que esta seria, maioritariamenteps-glaciar, no tivessem os arquelogos dos anos setenta tentado compreender os contextos em

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    que a arte gravada do Tejo se inscrevia, desenvolvendo prospeces nas cumeadas que ladeiamo grande rio. Agora que a arte do Vale do Tejo se encontra praticamente toda submersa pelas

    guas da barragem do Fratel e impossvel de ser reexaminada, comea a tornar-se evidente queos seus gravadores se encontram tumulados nas centenas de tmulos megalticos que em ambasas margens do Tejo ladeiam as manifestaes artsticas. Reconhea-se, igualmente, que foitambm necessrio que o conhecimento arqueolgico tivesse evoludo, quer no que se reporta cronologia dos estilos artsticos, quer em relao longa durao da utilizao funcional dosdlmenes para que hoje, sem grande margem de erro, pudssemos reconhecer acontemporaneidade das duas realidades: arte rupestre do Vale do Tejo e sepulcros megalticosda foz do Sever. Importa tambm aqui destacar o que, desde h vrios anos vimos afirmando,relativamente base econmica dos que se encontram sepultados nos pequenos tmulos de xistodas margens do Sever. Baseando-nos na qualidade dos solos, nas pequenas dimenses daarquitectura funerria, na pobreza dos conjuntos artefactuais, na sua especificidade e nascaractersticas dos poucos habitats at agora identificados, temos vindo a defender que ascomunidades neolticas que aqui viveram tinham uma economia assente, maioritariamente, napastorcia e na caa. Esta forte probabilidade parece encontrar eco na temtica recorrente da artegravada nos xistos do Tejo, onde as cenas de caa / pastorcia so as predominantes. Parecereforar esta ligao dos artistas do Tejo aos construtores dos sepulcros da foz do Sever anatural tendncia que os pastores tm, nas longas horas em que pacientemente apascentam osseus rebanhos, retalharem peas de madeira, bordarem cajados, ou gravarem memrias desolido nas rochas. Gestos que durante milnios se repetiram e que podero estar na origem daarte do Vale do Tejo. Esta associao parece fazer ainda mais sentido quando, ao contrrio doque ocorre uma vintena de quilmetros para montante do Tejo, em terras de Santiago eAlcntara, onde parece que a arte que deveria continuar pelas rochas do Tejo no existe eencontramo-la gravada, ainda que em nmero muito reduzido, nos esteios das antas, enquantoque na foz do Sever est, at agora, ausente dos sepulcros. Recorde-se, pois, que os solos deSantiago e Alcntara so j mais propcios agricultura, o que se reflecte na maior dimensodos sepulcros e na diversidade e riqueza dos seus conjuntos artefactuais. Nessa regio aeconomia neoltica seria maioritariamente suportada na agricultura e a pastorcia teria umaexpresso menor reflectindo-se no reduzido nmero de manifestaes artsticas que seconhecem naquela regio. Pelo o que acima fica dito parece ser grande a probabilidade de seencontrarem enterrados nos pequenos sepulcros megalticos da foz do Rio Sever os artistas-pastores que gravaram a exuberante arte do Vale do Tejo.

    OS ECOSSISTEMAS, A ECONOMIA E OS DLMENES

    A zona terminal do curso do Sever marcada por fortes pendentes onde o tributrio e oTejo correm em vales encaixados. Outras linhas de gua, maioritariamente hoje de cursosazonal, foram desenhando novos vales, menos profundos, por entre os solos xistosos,modelando esta paisagem. Assim, em ambas as margens do Sever, observa-se uma orografiamoderadamente ondulada, definida por vrias linhas de festo, predominantemente, paralelas aoSever e perpendiculares ao Tejo. Foram os pontos mais notveis destes festos, tanto principaiscomo secundrios, os locais eleitos pelas comunidades de pastores neolticos para construremos seus sepulcros. A restante paisagem, se exceptuarmos os pequenssimos vales, apresenta

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    solos quase esquelticos com uma rentabilidade agrcola quase nula. O coberto arbreo marcado por densas manchas de estevas polvilhadas por pequenas azinheiras e raros sobreiros.

    Embora reconheamos que os solos de hoje no apresentam exactamente as mesmascaractersticas dos que os homens neolticos pisaram, poucas variantes, contudo, tero sofrido.Hoje estes campos e depois de controlada a mancha de estevas por processos mecnicospermitem, exclusivamente, a pastorcia de cabras e ovelhas, base da economia das gentes da Fozdo Sever. As colinas tumulares dos pequenos sepulcros megalticos intencionalmente revestidaspor blocos de quartzo leitoso como forma de as evidenciar no espao seriam facilmenteofuscadas pelas manchas de estevas que naturalmente as envolveriam. A sua evidncia napaisagem s seria possvel se as estevas se mantivessem controladas, o que seguramenteaconteceria, para permitir o apascentamento de rebanhos, base da economia das comunidadesneolticas desta regio. A secura destes campos, onde as fontes so raras e onde as poucas queexistem secam normalmente durante o Vero e Outono, obrigaria as gentes e rebanhosneolticos a uma relao prxima e continuada tanto com o rio Sever como com o rio Tejo. Estadependncia dos dois rios parece evidenciar-se na maior concentrao de sepulcros nos festosmais prximos dos dois rios comparativamente com a sua diminuio, medida que nosafastamos das duas linhas de gua de curso anual. Actualmente, a partir de finais de Maio ascotas mais altas dos campos de Cedillo comeam a j no ter erva suficiente para garantir osustento dos rebanhos procurando-se as margens dos rios onde a humidade permite amanuteno dos pastos. Ter sido durante os Veres, altura em que os cursos dos rios so maisreduzidos e que os rebanhos foram e so encaminhados para as suas margens e que os pastorespr-histricos das terras de Montalvo e Cedillo, nas longas horas de solido foram,pacientemente, gravando nas lajes xistosas dos leitos do Tejo e Sever retratos dos seussentimentos. Maioritariamente, foram as lajes horizontais, ou levemente inclinadas para o rio aspreferidas para receberem as manifestaes grficas. Recorrendo preferencialmente tcnica dapercusso directa, com recurso a pedra mais dura, eventualmente algum quartzo ou quartzito,recolhidos nas cascalheiras dos rios, os pastores neolticos da foz do Sever gravaram nas lajesxistosas, maioritariamente, representaes de animais, especialmente cervdeos, discos solares efiguras geomtricas.

    A ARQUITECTURA FUNERRIA

    Se todos os sepulcros at agora escavados na foz do Sever vieram a revelar a presena dostrs elementos estruturantes, cmara, corredor e mamoa, outros h, embora ainda no escavadosque apontam para formas cistoides, fechadas, definindo um nico e uniforme espao detumulao. Assim, dos sete monumentos que at agora estudmos em ambas as margens doSever identificmos duas grandes variantes arquitectnicas. Na primeira variante osmonumentos apresentam uma clara diferenciao entre cmara e corredor. A cmara define umpolgono regular, tendencialmente a definir quase um crculo ao qual se adossa um corredor,substancialmente mais estreito do que o dimetro da cmara. A maior ou menor regularidade dacmara parece resultar mais das dimenses dos esteios que a formam, especialmente da largurado esteio de cabeceira, do que de uma inteno previamente definida. Na segunda variantepoderemos incluir todos os outros monumentos at agora escavados. Nestes a partir do esteio decabeceira e de uma forma sempre regular o espao interno vai-se estreitando, sendo difcil

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    definir onde comea o corredor. Se em planta a diferenciao da cmara em relao ao corredorno perceptvel, o mesmo se verifica no alado. A partir do esteio de cabeceira a altura dos

    outros esteios vai diminuindo gradualmente at quase se esbater na topografia natural doterreno. Quanto forma de cobertura do espao interior vrias dvidas se colocam.Provavelmente, e com facilidade, todos os monumentos alongados poderiam ser cobertos comlajes de xisto justapostas. Como seriam, ento, cobertas as cmaras mais amplas destesmonumentos obtidos em xisto? Algumas hipteses, para alm da de uma laje de xisto que,entretanto, poder ter sido reutilizada, poder-se-o colocar. Hipoteticamente, as cmaraspodero ter sido cobertas no apenas com uma laje, como acontece nos monumentos de granito,mas por vrias peas que apoiadas nos topos dos esteios conseguissem cobrir todo o espao.Contudo, em escavao tambm nunca se encontrou no interior das cmaras qualquertestemunho que pudesse confirmar esta hiptese. Perante estes factos e reconhecendo-se que,com grande frequncia, se detectam o que parecem ser entalhes, ou abatimentos, intencionais notopo dos esteios das cmaras funerrias, haver que colocar a hiptese de que estas tivessemsido cobertas com matria vegetal. Para a construo das mamoas houve uma inteno clara deremover previamente as terras envolventes do espao funerrio e sobre a rocha iniciarem acolocao de blocos de xisto, de forma imbricada, unidos por argila fina e muito compactada. Aremoo das terras originais configurava uma maior estabilidade a toda a colina artificial quehavia de envolver, completamente, o espao funerrio. Pela abundncia de blocos de quartzoleitoso disseminados em torno destes sepulcros e por, raramente, ocorrerem no interior da massaconstrutiva da colina tumular, leva-nos a considerar a hiptese de depois de construdo omonumento todo ele ter sido revestido por uma carapaa de blocos de quartzo que o tornariabem visvel na paisagem. Para alm da arquitectura base destes sepulcros foi possvel detectar, eat agora apenas no grande monumento da Charca Grande de la Regaada, um complexo trioque se abre em frente ao corredor. Como natural prolongamento dos esteios da entrada domonumento eles abrem-se contornando e delimitando a mamoa. Nesse espao, ainda que muitodestrudo, foi possvel reconhecer que diferentes episdios rituais a devem ter ocorrido. No quese reporta a variantes construtivas dos monumentos da foz do Sever haver que destacar olajeado identificado no sepulcro da Joaninha. O piso deste tmulo megaltico encontra-setotalmente forrado com finas lajes de xisto, cuidadosamente recortadas de forma a revestir todao interior do espao funerrio. No que se reporta orientao dos corredores dos monumentosescavados e apenas a estes nos referimos aqui, porque apenas para estes temos certezas,verificamos que as variaes oscilam entre os 95 e os 120, distribuindo-se da seguinte forma:Joaninha- 95, Charca Grande de la Regaada 100, Era dos Guardas 115, Cuatro Lindones 115, Padre Santo 95, Fonte da Pipa 120 e Lomba da Barca 115.

    AS DATAES

    At ao momento apenas o Dlmen da Joaninha, em Cedillo, forneceu as nicas amostrasdatadas provenientes de monumentos de xisto da foz do Sever. As duas amostras recolhidas nomonumento da Joaninha submetidas a datao por radiocarbono, forneceram, respectivamente,as seguintes idades (anos BP): 3840+170 e 5400 + 210. Estas amostras referem-se a carvesrecolhidos em dois nveis distintos e estruturalmente separados. A primeira, Sac-1381: 3840 +170 anos BP, reporta-se a um conjunto de carves identificados na base do monumento, na zona

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    de transio entre a cmara e o corredor, envoltos em terra muito compactada, sem sinais deviolao e onde, igualmente, se recolheu a maioria dos artefactos. Estes carves, associados a

    cinzas, encontravam-se includos em terras que assentavam directamente sobre o lajeado queforma o piso do espao funerrio. Sob este lajeado e entre a fina camada de terra que o separavada rocha de base recolheu-se outro conjunto de fragmentos de madeira carbonizada, associadosa pequenas manchas de cinzas, que forneceram a segunda data, Sac - 1380: 5400 + 210 anos BP.Embora estejamos em presena de apenas duas dataes elas revestem-se da maior importnciaquer, por serem as nicas at agora disponveis para os monumentos da foz do Sever e que, dealguma forma, no parecem resultar de actos de violao do sepulcro quer, por, de uma formaclara, encontrarem paralelos nas datas j disponveis para monumentos de maiores dimenses,obtidos em granito e situados na rea da bacia do Sever. A segunda amostra da anta da Joaninha(Sac - 1380: 5400 + 210 anos BP), recolhida sob o lajeado da base do monumento, semmateriais arqueolgicos associados, parece enquadrar-se no conjunto de datas, vulgarmenteconsideradas muito antigas, j disponveis para os monumentos granticos situados a poucosquilmetros para sul do Tejo. Pelas datas obtidas na anta da Joaninha, parece j confirmar-se ahiptese da contemporaneidade de utilizao das duas expresses megalticas situadas na baciado Sever. Este paralelismo temporal parece, em face dos dados disponveis, ter maiorenquadramento nos monumentos de corredor curto, obtidos em granito, do que nos monumentosde corredor mais desenvolvido. A nica amostra datada, at agora disponvel, para esta regio,relacionada com monumentos de corredor longo, foi obtida na anta IV dos Coureleiros, noconcelho de Castelo de Vide e forneceu a idade de 4240 + 150 anos BP (ICEN-976). Parececonfirmar-se, com a data mais antiga agora disponvel para o monumento da Joaninha,associada srie que, de alguma forma comea a ser j significativa, para esta pequena baciahidrogrfica que, pelo menos nesta regio, o incio da construo destes sepulcros apontar paramomentos atribuveis ao Neoltico antigo, prolongando-se a sua utilizao at aos alvores doCalcoltico. Observa-se, igualmente, que estes monumentos tiveram uma vida til muito longaabrangendo as diversas fases da arte rupestre do Vale do Tejo.

    AS OFERENDAS FNEBRES

    Ser, sobretudo, no universo de oferendas fnebres identificado nos sepulcros que melhorse espelha o tipo de economia dos que a se encontram tumulados. Entre a panplia de artefactosidentificados nos monumentos de grandes dimenses implantados em solos de melhor aptidoagrcola, as cermicas ocorrem em grande profuso. Trata-se de um produto indispensvel ssociedades agrcolas e sedentrias e, de alguma forma, pouco compatvel com comunidades emconstante deambulao, como seria a dos que tiravam o seu sustento da pastorcia. Nestas, osartefactos de conteno so obtidos, por norma, de matrias de origem animal ou vegetal, quepela sua fcil deteriorao no chegaram at ns. Nos monumentos da foz do Sever ascermicas, ou esto completamente ausentes ou, quando ocorrem, so em pequeno nmero.Assim, a quase ausncia de cermicas neste tipo de monumentos, poder ser mais um elementoque refora a sua relao com comunidades predominantemente pastoris. Eventualmente, ostumulados seriam acompanhados por alguns artefactos de conteno que, em vida, fariam partedo seu mobilirio mas, por serem obtidos em materiais orgnicos, no chegaram at ns. Comfacilidade poderemos aceitar que os recipientes em pele, madeira, ou corno fariam parte do

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    equipamento normal dos guardadores de rebanhos e que com eles fossem depositados nosespaos funerrios, substituindo os recipientes cermicos conotveis com as comunidades mais

    sedentrias. Os elementos de m so outro dos artefactos que ocorre em grande quantidade nosmonumentos situados em solos com maior capacidade agrcola. Dispersos nas colinastumulares, reutilizados como calos de esteios, ou mesmo como artefactos fnebres, podemultrapassar a meia centena num s monumento. Como exemplo desta situao refira-se a anta daCabeuda no concelho de Marvo. Nas pequenas sepulturas da foz do Sever a presena desteartefacto raro. As ms sero, seguramente, de entre todos os artefactos, aqueles que maiorrelao directa tero com as prticas agrcolas, no deixando de ser sintomtica a sua quaseausncia no contexto do megalitismo da foz do Sever. De entre os esplios funerriosprovenientes de sepulcros da zona dos xistos, destacam-se, pelo seu nmero e robustez, osinstrumentos lticos polidos. Neste conjunto as enxs / enxadas, so raras. So os machados, degrandes dimenses, geralmente polidos s no gume, de seco quadrangular, ou rectangular, quedominam as percentagens artefactuais. Nos monumentos das zonas com maior potencialagrcola, os instrumentos lticos polidos, para alm de ocorrerem num nmero,proporcionalmente reduzido, dividem-se em partes muito idnticas entre enxs / enxadas emachados, dominando, nalguns monumentos, especialmente nos de corredor mais longo, asenxs / enxadas. Embora os instrumentos lticos polidos estejam, na sua globalidade,intimamente relacionados com actividades agrcolas so, naturalmente, as enxs / enxadas que,diariamente, so utilizadas pelos que na explorao da terra baseiam a sua economia.Comparando os machados provenientes dos dois tipos de monumentos verifica-se que eles sediferenciam sobretudo pelo peso, seco e especialmente, na relao entre o largura do gume e ocomprimento total da pea. Os machados da zona onde a agricultura tem maior viabilidade somais pequenos, melhor acabados, geralmente de seco rectangular ou elptica e com gumesalargados e bisel mais fechado. Trata-se de instrumentos adaptados ao corte de madeira. Aoinvs, a maioria dos machados recolhidos em monumentos da foz do Sever, pouca capacidadede corte apresentam. Apercebe-se, pelas suas caractersticas que o objectivo do gume no seriatanto o corte perfeito, mas antes possurem uma maior capacidade de perfurao ou contuso.Funcionariam, assim, preferencialmente, como armas. O pastor, muito mais exposto aos perigosdo que agricultor far-se-ia acompanhar, com maior frequncia, de instrumentos de defesa.Poder ser, tambm este, mais um elemento identificador de uma economia, maioritariamenteassente na pastorcia, que caracterizava as comunidades da foz do Sever. Esta economia queproduz escassos excedentes reduziria a capacidade destas comunidades de efectuaremfrequentes trocas comerciais para, por exemplo, obterem matrias-primas inexistentes nestaregio, como seria o slex. Esta incapacidade parece estar bem expressa no nmero reduzido depontas de seta e lminas, em slex, que ocorre nestes espaos funerrios, sobretudo quando ocomparamos com as realidades megalticas situadas em solos com melhor aptido agrcola.Outro artefacto, por excelncia megaltico, que merece referncia, pela sua ausncia, nosconjuntos artefactuais dos sepulcros da foz do Sever a placa de xisto decorada. At aopresente, nestes monumentos ainda no foi identificada nenhuma placa decorada obtida emxisto. As duas peas at agora identificadas e conotveis como variantes das vulgares placas dexisto recolheram-se no monumento da Fonte da Pipa, situada a norte de Montalvo. So duaspeas, em arenito polido, e apenas uma delas completa, com uma forma prxima doparaleleppedo, sem decorao e sem sinais de pintura e levemente cncavas em ambas as faces.

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    Mltiplas explicaes poderemos propor para a ausncia de placas de xisto nos monumentos dafoz do Sever. Uma das que melhor se poder enquadrar no contexto das interpretaes acima

    apresentadas prende-se com a mesma possvel razo para a diminuta presena de artefactos deslex. Reconhecendo-se hoje que teriam existido centros de produo e redes de distribuio deplacas de xisto e que a obteno destes artefactos de luxo funerrio implicariam permutas eaceitando-se que as comunidades da foz do Sever teriam uma economia deficitria e,consequentemente, com um nmero reduzido de excedentes, a obteno destes artefactos tornar-se-ia num luxo inacessvel a estas comunidades, o mesmo acontecendo em relao aosartefactos de slex. A presena das duas placas de arenito identificadas no monumento da Fonteda Pipa, um dos sepulcros de xisto situados a maior distancia da foz do Sever, num contextopaisagstico, com maiores recursos e onde os solos apresentam melhor aptido agrcola poderevidenciar uma economia mais desafogada da comunidade que o construiu e,consequentemente, excedentes em nmero suficiente para obterem artefactos funerrios de luxo.

    CONCLUINDO

    Ainda que baseados em aspectos muito fragmentados e num nmero reduzido demonumentos funerrios estudados, tudo parece apontar para que as comunidades neolticas, queconstruram os sepulcros da foz do Sever tivessem uma economia bastante deficitria assente,maioritariamente, na pastorcia o que se viria a reflectir, naturalmente, na qualidade e nmerodas oferendas fnebres e na diminuta volumetria da generalidade dos sepulcros. Estes aspectosreflectem, igualmente, uma sociedade pouco complexa, menos organizada e menos piramidal doque as que so sustentadas por economias maioritariamente agrcolas e consequentemente maissedentrias. Tero sido estes pastores neolticos da foz do Sever, que por aqui apascentaram osseus rebanhos entre o V e o III milnios a.C., ao deslocarem os seus rebanhos, sobretudo napoca estival, para as margens do Tejo em busca de pastagem tero gravado nas lajes xistosasdo grande rio o volumoso acervo artstico hoje maioritariamente submerso pelas guas daBarragem do Fratel desde meados da dcada de setenta do sculo XX. Analisando a cota mdiados painis da arte rupestre do Vale do Tejo, verificamos que a sua maioria se situaria, antes daconstruo da barragem do Fratel, em zonas emersas e portanto s acessveis durante o estio.Pouco tempo aps as primeiras chuvas a cota mdia do nvel do Tejo submergia a maior partedas manifestaes artstica, o que atesta a sua execuo apenas desde os finais da Primavera at chegada das primeiras chuvas, correspondendo, exactamente, ao perodo em que os pastoresencaminhavam os seus rebanhos para as margens, ainda com pastos frescos, do Tejo e Sever,altura em que nas cotas mais altas j nada havia para sustentar os rebanhos. Esta transumnciaefectuada a uma escala muito local permite-nos, igualmente, levantar a hiptese das sepulturas,porque se encontram em cotas altas, terem sido, maioritariamente construdas entre o final doOutono e o incio do Vero, altura em que a comunidade se mantinha mais afastada das margensdos rios. A arte do Vale do Tejo, independentemente de outras cargas simblicas que lhesqueiramos conferir, ou que com o tempo se possam ter transformado, ter origem na ociosasolido dos pastores neolticos que durante o Vero, lentamente, a apascentavam os seusrebanhos. Nas polidas e disponveis rochas, ciclicamente, foram gravando traos das suasrealidades, aspiraes, crenas ou mitos e que nos milnios seguintes outros pastores repetiram

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    estes, ou outros gestos, nestes ou noutros suportes, enganando o tempo e a solido e a que hoje,vulgarmente, os citadinos chamam arte pastoril.

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