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  • Assis, L. B.; Viegas, G.; Ckagnazaroff, I. B.

    GESTO.Org Vol. 10, No.02, p.297 323, maio/ago. 2012 297

    GESTO DE RECURSOS HUMANOS NO TERCEIRO SETOR:

    UM ESTUDO DESCRITIVO DAS ORGANIZAES

    DE BELO HORIZONTE

    Lilian Bambirra de Assis1, Glauce Viegas

    2, Ivan Beck Ckagnazaroff

    3

    Artigo recebido 21/03/2011. Aprovado em 20/04/2011.

    RESUMO

    Objetivou-se com esse artigo decorrente de uma dissertao, descrever as polticas e prticas de recursos

    humanos em organizaes do terceiro setor. A partir da importncia que este setor vem assumindo no cenrio

    nacional, alguns desafios emergem para estas instituies, entre eles uma concorrncia maior por fundos, que

    pressupe uma gesto cada vez mais eficiente e eficaz. Tendo como pano de fundo a crise do Estado de Bem-

    Estar Social, o interesse filantrpico das organizaes do setor privado e entendendo que as prticas gerenciais

    levam necessidade de uma gesto de RH apropriada, entende-se que a racionalidade inerente s organizaes,

    permite buscar uma construo terica que refora este vnculo mtuo entre as organizaes do terceiro setor e o

    gerenciamento de recursos humanos. O estudo constituiu-se de uma pesquisa descritivo-qualitativa em que

    foram utilizados documentos e entrevistas semi-estruturadas nas 22 organizaes que compuseram a amostra. De

    maneira conclusiva, a anlise da gesto de RH, se de um lado evidenciou a falta de relevncia que esta atividade

    assume, apesar do forte discurso da valorizao do indivduo, de outro apresentou capacidade de insero e

    agilidade suficientes, sem necessariamente depender da formalizao das atividades que se procurou identificar.

    Palavras-chave: Gesto de Recursos Humanos. Terceiro Setor. Belo Horizonte.

    Agradecemos pelo apoio financeiro da FAPEMIG

    Artigo publicado anteriormente no XXX ENANPAD.

    1 Doutora em Administrao. Professora do Departamento de Cincias Sociais Aplicadas do Centro Federal de

    Educao Tecnolgica de Minas Gerais (CEFET-MG). [email protected]

    2 Bacharel em Administrao. Mestranda do Programa de Ps-Graduao e Pesquisas em Administrao da

    Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). [email protected]

    3 Doutor em Doctoral Programme Aston Business School. Professor Adjunto da Universidade Federal de Minas

    Gerais (UFMG). [email protected]

    Esta obra est licenciada sob uma Licena Creative Commons Attribution 3.0.

  • Gesto de Recursos Humanos no Terceiro Setor: Um Estudo Descritivo das Organizaes de Belo Horizonte

    GESTO.Org Vol. 10, No.02, p.297 323, maio/ago. 2012 298

    HUMAN RESOURCE MANAGEMENT IN THE THIRD SECTOR:

    A DESCRIPTIVE STUDY OF ORGANIZATIONS OF

    BELO HORIZONTE

    ABSTRACT

    The objective of this article due to a dissertation, describing the policies and practices of human resources

    in nonprofit organizations. From the importance this sector has taken on the national scene, some challenges are

    emerging for these institutions, including greater competition for funds, which assumes an increasingly efficient

    management and effective. Having the background of the crisis of the Social Welfare, the charitable interest of

    private sector organizations and understand the management practices that lead to the necessity of an appropriate

    HR management means that the rationality inherent in organizations, allows seek a theoretical construct that

    reinforces this mutual bond between nonprofit organizations and human resource management. The study

    consisted of a descriptive-qualitative and documents that were used semi-structured interviews in 22

    organizations that formed the sample. Conclusively, the analysis of human resource management, on one side

    showed a lack of relevance that this activity is, despite the strong appreciation of the individual's speech, another

    had a capacity of insertion and agile enough, not necessarily depend on the formalization of activities that sought

    to identify.

    Keywords: Human Resource Managemente.Third Sector. Belo Horizonte

    The content of GESTO.Org is licensed under a Creative Commons Attribution 3.0 license.

  • Assis, L. B.; Viegas, G.; Ckagnazaroff, I. B.

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    1. APRESENTAO

    Esse artigo decorrente de uma dissertao que procurou descrever as polticas e

    prticas de recursos humanos (RH) em organizaes do terceiro setor, mais especificamente

    em organizaes no governamentais (ONGs), localizadas em Belo Horizonte, considerando

    sua tipicidade e especificidade organizacional. Tal tipicidade pode ser compreendida quando

    se entende que so organizaes que no visam o lucro e que tambm no so pblicas. Ou

    seja, tem valores pautados pela solidariedade e ajuda ao prximo. E, alm disso, contam com

    o apoio direto de algo inexistente em empresas privadas ou governo: voluntrios, que

    realizam o trabalho teoricamente sem qualquer tipo de ganho financeiro.

    No Brasil, notadamente a partir da dcada de 90, o terceiro setor assume uma

    importncia maior no cenrio nacional. Sem entrar na discusso se isto ocorre devido a um

    verdadeiro crescimento do setor ou se foi apenas a visibilidade que aumentou, o fato que o

    Estado passou a reconhecer que estas organizaes possuem formas diferenciadas de

    enfrentamento das questes sociais. Alm disso, com a percepo empresarial da

    responsabilidade social, as organizaes sem fins lucrativos passaram a ser vistas como

    parceiras na canalizao de investimentos para as reas sociais, culturais e ambientais.

    Mas, conforme observou Silva (2010), a crescente presena destas organizaes no

    cenrio nacional faz emergir alguns desafios. Um deles diz respeito crescente concorrncia

    por recursos, que se justifica devido ao aumento do nmero destas organizaes, bem como

    qualidade do trabalho executado, o qual influencia a imagem que a sociedade tem sobre elas.

    Esses desafios colocados, mesmo que no esgotem aqueles exigidos das organizaes do

    terceiro setor, refora a importncia de que predicados ligados esfera gerencial

    necessariamente devem estar presentes tanto no seu iderio, quanto na sua prtica. Isso

    refora o que afirma Salamon (1997, p. 105) que quanto mais "estas organizaes se

    empenham na soluo de problemas sociais, mais crescem as presses para aperfeioarem

    seus sistemas de administrao e seu desempenho.

    Mas, apesar de toda a importncia da gesto como discusso afeita lgica

    organizacional, pouco se sabe a respeito de como ela realizada nas organizaes

    pertencentes ao terceiro setor. Autores, como Lewis (2001), observaram este gap e tentaram

    descrever e apresentar caminhos para a gesto do terceiro setor. Mas, dos poucos que se

    interessam por este assunto, a maioria descreve casos de pases desenvolvidos, cuja realidade

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    apresenta experincias distintas daquelas que so percebidas em pases em desenvolvimento.

    Com efeito, as organizaes do terceiro setor tm no seu cotidiano a necessidade de promover

    aes gerenciais compatveis a uma dada racionalidade. So organizaes tambm construdas

    ou reconstrudas para que seus objetivos especficos sejam atingidos, satisfazendo assim as

    suas necessidades (ETZIONI, 1984; MOTTA; PEREIRA, 1986).

    Isso refora a ideia de que as organizaes do terceiro setor necessitam de mecanismos

    gerenciais a fim de que seus objetivos sociais e no financeiros sejam atingidos da forma mais

    adequada possvel. Uma das dimenses fundamentais nesta forma de pensar as organizaes

    passa necessariamente pela reflexo e anlise da gesto de pessoas envolvida nessas

    organizaes. A discusso contempornea ressalta que uma gesto adequada s pode ser

    obtida por meio de pessoas. Isto extremamente relevante para organizaes do terceiro setor

    que se caracterizam em grande parte por serem prestadoras de servios intensivos em mo de

    obra. E, frente s mudanas que vem ocorrendo no setor, novas questes no que tange aos

    recursos humanos surgem e devem ser analisadas no intuito de compreender a sua dinmica.

    no bojo desse quadro, que reconhece a relevncia das organizaes do terceiro setor e

    o papel fundamental da gesto de pessoas, que se insere a proposta deste trabalho de natureza

    descritiva qualitativa, que procurou descrever as polticas e prticas de RH em organizaes

    do terceiro setor. Especificamente, foi analisado o futuro das organizaes a partir dos fatores

    dificultadores e facilitadores identificados em sua gesto. Por meio de um mapeamento

    preliminar das organizaes do terceiro setor localizadas em Belo Horizonte, utilizou-se

    entrevistas semi-estruturadas com representantes das organizaes pesquisadas, alm de

    documentos internos das organizaes.

    2. TERCEIRO SETOR E GESTO DE RECURSOS HUMANOS

    A construo deste tpico procurou descrever de forma objetiva as organizaes do

    terceiro setor quanto aos elementos de reflexo que o caracterizam, bem como a necessidade

    de se estudar a gesto de RH como dimenso privilegiada de anlise. Entende-se que a

    racionalidade inerente s organizaes, permite buscar uma construo terica que refora

    este vnculo mtuo entre as organizaes do terceiro setor e RH.

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    2.1. Terceiro Setor: em busca de um caminho

    O terceiro setor vem adquirindo nas ltimas dcadas uma grande importncia,

    notadamente relacionada ao contexto histrico contemporneo. Nesse sentido, a mudana que

    o Estado vem passando afeta diretamente o modo e a importncia do referido setor. Por esta

    razo importante uma breve reflexo sobre a chamada crise do papel do Estado. Para Coelho

    (2002), evidente a crise de uma concepo de Estado mais conhecido como Welfare State,

    que parte desta discusso para justificar a ascenso do terceiro setor. De acordo com a autora,

    a crise deste modelo de Estado endgena ao sistema, ou seja, se deve a fatores internos

    criados pelos seus prprios princpios. Conforme ela observa, o crescimento econmico, por

    exemplo, passou a estar atrelado a um processo inflacionrio, o envelhecimento da populao

    significou um maior nmero de pessoas dependentes do sistema previdencirio e tambm um

    menor nmero de pessoas economicamente ativas que contribuem com o sistema.

    No caso do Brasil, Coelho (2002) afirma que este pas sofre de uma crise do Estado, que

    se agravou ao final do perodo militar, esgotado o modelo centralizado. Adicionalmente, tem-

    se uma presso crescente para que o Estado seja mais eficiente na satisfao das necessidades

    sociais. O reconhecimento da sua incapacidade em atender a grande demanda da sociedade

    fez com que o prprio Estado iniciasse uma tendncia de parceria na atuao junto s

    organizaes do terceiro setor, repassando-lhes parte dos recursos necessrios para uma ao

    mais efetiva voltada para o atendimento das necessidades das comunidades mais carentes.

    Bazoli (2009) tambm indica uma sada para a crise no setor governamental. Para o

    autor a configurao do Estado regulador menor interveno econmica e maior delegao

    de servios pblicos s empresas dos demais setores tende a estabelecer uma nova relao

    entre os cidados e o Estado. Devido ao papel regulador do Estado as organizaes do terceiro

    setor crescem em importncia, uma vez que novas parcerias entre as duas instituies so

    postas em destaque para melhor conduo do desenvolvimento socioeconmico da sociedade.

    Mas afinal, quais so as caractersticas das organizaes que compe esse setor?

    Segundo Salamon (1997), no setor governamental a ao seria legitimada e organizada por

    poderes coercitivos; no do mercado as atividades envolvem troca de bens e servios para a

    obteno de lucro, baseados no mecanismo de preos e ligados demanda. J no terceiro

    setor, as atividades no so nem coercitivas e nem voltadas para o lucro. Acrescente-se a isto

    o fato de suas atividades visarem o atendimento de necessidades pblicas.

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    Na realidade, como enfatiza Coelho (2002), as organizaes que tm fins pblicos so

    apenas aquelas que produzem bens ou servios de carter pblico ou de interesse geral da

    sociedade. Assim, distinguem-se das organizaes que possuem fim coletivo, que visam um

    objetivo que s interessa a eles prprios, ao grupo. Esta questo do fim pblico

    fundamental, pois, para obter o status legal, as organizaes precisam se enquadrar nesta

    finalidade. Ou seja, segundo Bazoli (2009, p. 45) o terceiro setor composto por

    organizaes de natureza privada (sem o adjetivo do lucro) dedicadas consecuo de

    objetivos sociais ou pblicos, embora no sejam integrantes do governo (Administrao

    Estatal).

    Na tentativa de elucidar melhor quais organizaes fazem parte deste terceiro setor,

    foram evidenciadas caractersticas que estas instituies devem possuir em menor ou maior

    grau, segundo Salamon e Anheier (1992): formalizao, natureza privada, no distribuio de

    lucros para os trabalhadores, autogovernadas ou autogestes, envolvimento de indivduos em

    um significativo esforo voluntrio, ou seja, deve haver participao voluntria quer seja em

    suas atividades operacionais quer seja em sua direo. Salienta-se que se trata de uma

    definio estrutural/operacional criada para que os autores pudessem identificar as

    organizaes que lhes interessava estudar. Todavia, autores como, Saraiva (2006); Bazoli

    (2009); Goldstein (2007) reforam em seus estudos a importncia de tais fatores.

    Conforme se observou, as mudanas ocorridas no cenrio das organizaes do terceiro

    setor permitiram no apenas sua evoluo como tambm trouxeram desafios crescentes que

    justificam a preocupao dessas organizaes em acompanhar tais mudanas de cenrio. H,

    desta forma, no apenas uma necessidade de adaptao como tambm de antecipao das

    necessidades advindas dos ambientes externo e interno, o que acarreta uma reviso de

    polticas e estratgias, principalmente aquelas implementadas pela rea de RH. neste bojo

    que a abordagem tradicional de RH, que se restringe basicamente a administrao de pessoal,

    cede espao para algumas abordagens que possuem um carter mais dinmico e que colocam

    a rea em um nvel mais estratgico (TANURE; EVANS; CANADO, 2010).

    2.2. A Importncia da Gesto de Recursos Humanos

    Quando se observa a histria de recursos humanos luz da histria das relaes de

    trabalho no Brasil, percebe-se que a funo de RH tem sido caracterizada por uma postura de

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    adaptao frente s situaes que se apresentam. Sua histria deixou evidente que se trata de

    uma rea sensvel e influencivel pelas transformaes vividas pelo sistema social.

    Fischer (1998) lembra que a funo de RH surge sempre como consequncia e no

    como causa dos processos de mudana que acontecem dentro ou fora da empresa. neste

    contexto que Castro; Kilimnik; Santanna (2008, p. 107) apontam desafios para a rea,

    assegurando a necessidade de mudanas nos sistemas de comunicao e de tomada de

    decises, nas polticas e prticas de gesto de pessoas, mas principalmente na mentalidade,

    nos valores e na cultura organizacionais. Dutra (2006) refora essa ideia demonstrando uma

    nova viso para a gesto de pessoas, em que indivduos e empresas mutuamente agregam

    valores para si, tais como aprendizagem, individualidade e competncia.

    O que fica evidente na histria da rea de Recursos humanos que ela est em processo

    permanente de evoluo, sempre se adaptando s contingncias, bem como se adequando s

    novas exigncias dos diversos atores. Mesmo que seja possvel perceber esta evoluo,

    importante observar que o corte entre uma perspectiva comportamental e uma voltada para a

    funcionalidade da rea, e consequentemente da sua aplicabilidade, tem ocupado posio

    destacada nos estudos contemporneos de RH. Barbosa (2005) sintetiza esta questo ao

    apontar no Quadro 1 como se localizam as diferentes dimenses dentro da lgica de RH.

    ABORDAGENS TRADICIONAL INTERMEDIRIA MODERNA

    COMPORTAMENTAL

    Liderana Motivao Qualidade de vida Estresse

    Comprometimento Gesto do conhecimento Aprendizagem

    FUNCIONAL

    Cargos e salrios Desempenho Treinamento Desenvolvimento Recrutamento e seleo Carreiras Rotinas de pessoal

    Remunerao varivel Participao dos lucros e resultados

    Novos formatos de carreira

    Competncias Capital humano Capital intelectual

    REFLEXIVA/CRTICA

    Relaes de trabalho Negociao coletiva Poder Conflitos Relaes sindicais

    Psicopatologia do trabalho Cultura de empresa Gerncia de empresa

    Subjetividade no trabalho

    Quadro 1 Abordagens em Recursos Humanos

    Fonte: Barbosa (2005)

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    Portanto, esta rea tem sido caracterizada por uma postura de adaptao frente s

    situaes que surgem. Isto significa que para atender s demandas das organizaes globais,

    o RH precisa assumir funes cada vez mais complexas, at mesmo paradoxais. (TANURE;

    EVANS; CANADO, p. 596, 2010).

    Entretanto, h uma necessidade de que a rea de RH seja mais proativa, e no apenas

    adaptativa. neste contexto que alguns autores como Tanure; Evans; Canado (2010)

    enfatizam a necessidade de uma atuao mais estratgica. Outra questo levantada por Dutra

    (2006, p. 13) compreende que h um grande esforo em repensar o papel das pessoas e das

    organizaes nas relaes de trabalho. Fischer (1998) acrescenta que a Gesto de RH deve

    ser vista como uma vantagem competitiva, tendo constatado, entretanto, que as mudanas que

    efetivamente tem ocorrido esto focadas em desenvolvimento e buscam um vnculo cada vez

    maior entre remunerao e resultados do negcio.

    Neste contexto Ulrich (2000) chama ateno para cinco grandes desafios nos negcios

    que exigiro das organizaes o desenvolvimento de novas capacidades: a globalizao, a

    lucratividade decorrente do crescimento da receita, a tecnologia, o capital intelectual e a

    capacidade de ajustar-se s mudanas contnuas. Com todas as mudanas que vem ocorrendo,

    o conhecimento tornou-se vantagem competitiva para as empresas. Este um dos fatores

    tambm apontados por Fischer (1998) que mais afetam a rea de RH, pois cada vez mais as

    empresas mais bem-sucedidas so aquelas que conseguem atrair, desenvolver e reter pessoas

    capazes de responder tanto aos clientes quanto s oportunidades que emergem com a

    tecnologia.

    Esses cinco desafios postos criam na viso de Ulrich (2000) um novo papel para a rea

    de RH, focalizada nos resultados, e no apenas nas suas atividades tradicionais. Assim, as

    empresas bem-sucedidas so aquelas capazes de criar condies para mudanas constantes e

    consistentes, gerenciando processos de maneira mais eficiente e tentando maximizar o

    compromisso dos funcionrios. Fischer (1998) complementa que o desafio das empresas de

    hoje seria transmitir a sua estratgia para as pessoas transformando-as em agentes de

    competitividade. Percebe-se, pois, que as organizaes da atualidade devem ser estratgicas,

    competitivas, focada nos processos de mudanas organizacionais e responsveis pelo

    envolvimento dos funcionrios com os negcios da empresa.

    neste sentido que Ulrich (2000) acrescenta, ainda, que os profissionais de RH devem

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    tornar-se especialistas, de forma a melhorar a eficincia e aumentar a credibilidade da rea,

    defender os funcionrios para que eles estejam comprometidos, e principalmente, devem

    tornar-se agentes da mudana. Fischer (1998) e Ulrich (2000) consideram que a formao e

    manuteno do capital humano so algumas das funes mais importantes de RH. E para que

    se forme e mantenha esse capital, necessrio um bom gerenciamento dos seus processos.

    luz do quadro traado, pode-se dizer que as mudanas no contexto socioeconmico

    provocaram um contexto social e poltico diferenciado, abrindo espao para que as

    organizaes do terceiro setor crescessem em quantidade e importncia, como uma tentativa

    de suprir necessidades no atendidas pelo Estado, ou ainda, impulsionadas pelos interesses

    filantrpicos do setor privado. Apreende-se que tais organizaes tiveram que incrementar sua

    gesto, como uma forma de tentar garantir a continuidade de seu trabalho, uma vez que o

    aumento dessas instituies gerou tambm uma maior concorrncia por recursos financeiros

    advindos do primeiro e segundo setores. Tal incremento na gesto pode ser compreendido sob

    a lgica da necessidade de adoo de mecanismos gerenciais, ressalvada a importncia de

    serem adaptados realidade e finalidade das instituies do terceiro setor. a partir desse

    quadro de referncia que se insere o objetivo deste estudo, qual seja descrever como se d a

    gesto de RH em organizaes do terceiro setor de Belo Horizonte.

    3. PROCEDIMENTOS METODOLGICOS

    A pesquisa realizada foi de natureza descritiva qualitativa. Conforme ressalta Roesch

    (1999) e Vergara (2009), a pesquisa de carter descritivo no procura explicar alguma coisa e

    no responde bem ao por que, embora alguns resultados possam servir de base para alguma

    explicao. Richardson (1985) complementa dizendo que a possibilidade de identificao de

    caractersticas do fenmeno enquanto tal permite alm de sua ordenao e classificao, o

    surgimento de variveis novas que iro alimentar novos estudos.

    A escolha da perspectiva qualitativa se deu em funo deste tipo de pesquisa permitir

    uma melhor compreenso do fenmeno no contexto no qual ele ocorre, a partir da interao

    das variveis envolvidas, permitindo um aprofundamento maior sobre o tema (GODOY,

    1995). Segundo a mesma autora, a perspectiva escolhida ainda justificada, pois procurou

    obter dados descritivos das organizaes pesquisadas por meio de um contato direto da

    pesquisadora com a conjuntura estudada. Assim, o presente estudo qualitativo descritivo

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    porque a anlise a respeito dos dados encontrados prope entender e abordar o fenmeno,

    descrevendo as variveis que o compem, reconhecendo-se a presena de complexidades e

    interfaces que o caracterizam e o particularizam.

    As organizaes escolhidas tm como premissa inicial a intencionalidade, seja pelo fato

    de comporem o terceiro setor, seja pela ocorrncia de estarem localizadas em Belo Horizonte.

    De acordo com a pesquisa do IBGE, IPEA, GIFE e ABONG realizada em 2005, na regio

    sudeste (42,4%) que se encontra o maior nmero das fundaes privadas e associaes sem

    fins lucrativos, sendo que So Paulo (20,3%) e Minas Gerais (12,2%) renem um tero das

    organizaes existentes em todo o territrio nacional. Vale lembrar que estes percentuais

    guardam semelhana com a distribuio da populao brasileira: 43% dos residentes do pas

    esto na regio sudeste. Dada a importncia do Estado e considerando a viabilidade da

    pesquisa, optou-se por estudar as organizaes do terceiro setor de Belo Horizonte.

    Como no existe um banco de dados oficial sobre as organizaes do terceiro setor,

    buscou-se as informaes em sites diversos relacionados rea, que pudessem subsidiar a

    pesquisa. Aps pesquisas iniciais, chegou-se Rede de Informaes para o Terceiro Setor

    (RITS), que mostrou possuir um banco de dados compatvel com a pesquisa, uma vez que

    possua um filtro que separava as organizaes de acordo com sua forma jurdica,

    classificando como terceiro setor apenas aquelas instituies que de fato possuam

    caractersticas do referido setor. Alm deste filtro, foi utilizado outro que separava as

    organizaes por Estado. Assim sendo, aps o estabelecimento desses dois parmetros,

    apareceram 928 organizaes do terceiro setor de Minas Gerais. Por uma questo de

    acessibilidade foi ento feito outro corte, que foi o de escolher dentre as selecionadas, apenas

    aquelas que estavam em Belo Horizonte, o que totalizou 141 organizaes.

    Observou-se que das 141 organizaes do terceiro setor de Belo Horizonte, apenas 29

    possuam algum contato, telefnico ou eletrnico. Desta forma, estas foram as organizaes

    escolhidas inicialmente. Aps contato inicial via telefone ou pessoalmente, das 29

    organizaes iniciais, foi possvel realizar a pesquisa em 22 organizaes, que se mostraram

    prontamente dispostas a receber os pesquisadores.

    Aps a definio das organizaes escolhidas para a pesquisa, foi feita uma definio do

    formato de levantamento dos dados mantendo compatibilidade escolha do mtodo. Para isto,

    a escolha por critrios envolvendo entrevista semi-estruturada e anlise documental encontra

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    respaldo adequado. Segundo Marconi; Lakatos (2008) o levantamento de informaes por

    meio de entrevistas confere maior flexibilidade para interpretao e direo das perguntas e

    respostas.

    Assim sendo, o roteiro foi aplicado s pessoas responsveis pelo gerenciamento de RH

    das organizaes pesquisadas. Aps contato inicial, identificao e esclarecimento do

    trabalho, constatou-se que a maior parte das organizaes no tinha uma rea formalizada de

    RH e a pesquisa precisava ser esclarecida para vrias pessoas em cada organizao, at que se

    chegava ao entrevistado que poderia fornecer as informaes requeridas. Dessa forma, o

    roteiro foi aplicado a um total de 28 indivduos.

    Alm das entrevistas semi-estruturadas, outra fonte de dados foi a anlise documental,

    por meio da qual foram considerados como fonte secundria os regimentos internos,

    selecionados como objeto de anlise nessa perspectiva (VERGARA, 2009). A investigao

    dos documentos ampliou o conhecimento dos pesquisadores, propiciando melhor viso das

    organizaes, facilitando o alcance do objetivo proposto pelo trabalho.

    4. APRESENTAO E ANLISE DOS RESULTADOS

    luz dos resultados encontrados, foi possvel construir uma anlise das 22

    organizaes pesquisadas (18 associaes civis, 3 fundaes de direito privado e 1 instituto).

    Das instituies pesquisadas, sete tem atuao no mbito municipal, sete no estadual, seis no

    nacional e duas no mbito internacional. A rea de desenvolvimento comunitrio, social e

    econmico foi a maior representada, com cinco organizaes, seguida de quatro instituies

    da rea de sade. Assistncia e promoo social, com trs organizaes, vm logo em

    seguida. As reas de cultura e recreao, educao e pesquisa, meio ambiente e filantropia

    foram representadas por duas instituies cada. Finalmente, defesa dos direitos e outras reas

    contaram com uma organizao.

    A caracterizao dos entrevistados da pesquisa permitiu ilustrar o perfil das pessoas

    responsveis pelo desenvolvimento das atividades de RH nas organizaes do terceiro setor.

    Esta caracterizao ajuda na compreenso de algumas especificidades da forma como o RH

    tratado nestas instituies.

    Conforme lembrado por Coelho (2002), uma boa gesto fundamental para melhorar a

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    GESTO.Org Vol. 10, No.02, p.297 323, maio/ago. 2012 308

    qualidade dos servios oferecidos pelas organizaes do terceiro setor. Este fato gera a

    necessidade de se ter um quadro tcnico adequado e capacitado. Mas, Coelho (2002) chama a

    ateno para o fato de estas entidades no terem pessoal capacitado para o desempenho das

    funes gerenciais. E acrescenta o fato de o mercado no ter produzido administradores

    capazes de lidar com as especificidades dessas organizaes, pois em conformidade com sua

    formao, aplicam no setor prticas de empresas privadas, nem sempre as mais adequadas.

    O que se observou na pesquisa um quadro ainda mais delicado, pois apesar de 71%

    dos entrevistados possurem no mnimo 3 grau completo, apenas 18% dos entrevistados tm

    a formao superior em administrao ou similar. O que se observa que as atividades de RH

    so exercidas por pessoas de qualificao diversa daquela ligada administrao. Notou-se

    que a formao das pessoas est muito ligada atividade fim da organizao. Assim, se uma

    instituio que trabalha com o meio ambiente, por exemplo, comum ter um zootcnico

    exercendo tambm as funes gerenciais. Ou seja, os empregados so contratados para

    assumir determinadas funes e muitas vezes se veem envoltos em um trabalho para o qual

    no esto qualificados.

    Observou-se que apenas 29% dos entrevistados foram motivados simplesmente por uma

    vontade de ajudar o prximo ou por puro idealismo. Cinco respondentes ou 18% se engajaram

    nas organizaes que trabalham com um problema parecido com aquele que ele tem. Ou seja,

    foi sua histria de vida o fato de passar por uma dificuldade parecida que fez com ele se

    engajasse naquela causa especfica. Por outro lado, 25% dos entrevistados disseram que se

    sensibilizavam pelo terceiro setor, mas a oportunidade de trabalho que surgiu foi o fator

    decisivo para que ele se engajasse. Os 28% restantes afirmaram que foi apenas a oportunidade

    que os motivou a trabalhar na instituio.

    Retomando Coelho (2002); Bazoli (2009) a crise do Estado de bem estar social gerou a

    necessidade de o setor pblico buscar nos demais setores parcerias para a consecuo de suas

    responsabilidades sociais. Entende-se que os novos formatos contriburam para o crescimento

    do terceiro setor e assim, elevaram suas capacidades de contribuio com a atividade

    econmica do pas. Nesse sentido, conforme se observou, a oportunidade de trabalho tambm

    permeia estas instituies, que se apresentam no apenas como uma forma de ajudar na

    soluo de problemas sociais, como tambm de criar empregos, contribuindo para questes

    estruturais do pas. Estes dados ressaltam que o aspecto solidrio, inerente ao terceiro setor,

  • Assis, L. B.; Viegas, G.; Ckagnazaroff, I. B.

    GESTO.Org Vol. 10, No.02, p.297 323, maio/ago. 2012 309

    no desqualifica a necessidade de se ter uma boa gesto, incluindo a gesto de RH. Afinal, as

    organizaes do terceiro setor so instituies que precisam oferecer condies adequadas aos

    seus funcionrios.

    4.1. Poltica geral de Gesto de Recursos Humanos

    A primeira questo levantada pretendia mapear quais organizaes possuam diretrizes

    gerais de gerenciamento de pessoas. Apenas quatro organizaes assumiram no possuir tais

    diretrizes. Os respondentes das dezoito restantes foram unnimes ao afirmar que sua

    instituio possua tais diretrizes. Entretanto, quando se solicitava o documento que

    formalizava tais normas, observou-se que apenas cinco organizaes possuam tal documento.

    Nas demais, as condutas e regras j haviam sido incorporadas pelos empregados da

    instituio.

    Apesar da falta de formalizao das diretrizes gerais de gerenciamento de pessoas, em

    vinte organizaes h a considerao da sua importncia para a instituio, pois elas ajudam a

    validar a ao estratgica da organizao, diminuir conflitos, controlar melhor o voluntariado

    colocar todas as pessoas na mesma direo, verificar se h desvios de compreenso. Alguns

    ainda acrescentaram que tais diretrizes so importantes porque as organizaes ajudam

    pessoas e seria contraditrio no ajudar os prprios funcionrios.

    Chama a ateno o fato de a maior parte dos entrevistados considerarem as diretrizes

    gerais de RH como algo importante para a organizao, entretanto, apenas em seis

    organizaes houve um consenso sobre a necessidade de se ter uma rea de RH estruturada.

    Conforme informaes em duas organizaes havia rea de RH ou parecida, sendo que nestas

    havia tambm uma estratgia de RH. Em outras duas percebeu-se a utilizao do RH de

    outras instituies. As quatro citadas tinham diretrizes gerais e em apenas uma que no tinha

    nada de RH, percebeu-se a existncia de tais diretrizes. Isto significa que em dezessete

    organizaes no foram identificadas a rea, estratgia ou diretrizes gerais para a gesto de

    RH.

  • Gesto de Recursos Humanos no Terceiro Setor: Um Estudo Descritivo das Organizaes de Belo Horizonte

    GESTO.Org Vol. 10, No.02, p.297 323, maio/ago. 2012 310

    4.2. Prticas de Gesto de Recursos Humanos (cotidiano e ferramental)

    Segundo Ulrich (2000) a manuteno do capital intelectual da organizao trata-se,

    talvez, da mais importante funo de RH. Entretanto, o que se observou na maior parte das

    instituies pesquisadas foi que os processos de RH que do suporte formao e

    manuteno desse capital intelectual no esto sequer ordenados de maneira lgica e formal.

    Os processos de RH, dentre eles recrutamento e seleo; treinamento e

    desenvolvimento; plano de cargos e salrios; plano de carreiras; e avaliaes de desempenho

    foram analisados e separados de acordo com trs tipos de organizaes encontradas na

    pesquisa: aquela que no possui rea formalizada de RH; aquela que utiliza esta rea da

    instituio qual est ligada; e aquela que possui a rea ou similar. Os mesmos so

    discutidos a seguir.

    4.2.1. Organizaes que no possuem a rea estruturada de RH (dezoito organizaes)

    Quanto ao recrutamento e seleo, das dezoito organizaes que no possuem rea

    estruturada de RH, dez recrutam os empregados entre as prprias organizaes do terceiro

    setor, sendo a seleo feita por meio de entrevistas pela prpria equipe que precisa do

    funcionrio. Os respondentes disseram que h prioridade de contratao de pessoas que j

    ajudaram a organizao como voluntria.

    H trs organizaes que possuem um mecanismo semelhante de recrutamento e

    seleo. Uma utiliza a estrutura de outra organizao do terceiro setor, que sua parceira,

    para recrutar e selecionar seus empregados. Outra utiliza a estrutura de uma universidade e a

    terceira usa a estrutura de empresas privadas parceiras. Outras trs organizaes disseram que

    terceirizam seu recrutamento e seleo. Fazem contrato com uma empresa que presta servio

    na rea de RH e a ela dada a tarefa de selecionar o funcionrio mais adequado.

    As demais organizaes (duas) trabalham apenas com voluntrios, ou seja, eles no tm

    empregados. interessante observar que, no caso destas instituies, h uma seleo desses

    voluntrios. Em uma delas realizada uma palestra sobre as atividades a serem desenvolvidas

    e logo aps, o candidato preenche uma ficha. feita ento a seleo. Na outra, os critrios so

    mais formalizados. Eles utilizam uma psicloga voluntria para fazer a seleo dos

    candidatos.

  • Assis, L. B.; Viegas, G.; Ckagnazaroff, I. B.

    GESTO.Org Vol. 10, No.02, p.297 323, maio/ago. 2012 311

    Cabe aqui enfatizar a importncia do recrutamento e seleo de voluntrios no somente

    para as instituies que trabalham apenas com este tipo de recurso, mas tambm para as

    outras. Nas dezoito organizaes que no possuem rea de RH estruturada, observou-se que

    apenas quatro realizam uma seleo dos mesmos (sendo que duas delas trabalham apenas com

    voluntrios). Mesmo assim, em duas instituies ela feita de forma no muito formalizada.

    Em um primeiro momento, feita uma palestra que visa explicar os objetivos da organizao

    e o que se espera de um voluntrio. Em seguida o voluntrio preenche uma ficha respondendo

    entre outras coisas, a motivao em ser voluntrio e a disponibilidade que ele possui.

    Foi colocado por quatro respondentes que a opo em ser voluntrio nem sempre traz

    consigo sentimento apenas de solidariedade ou amor ao prximo. H outro fator que motiva

    este voluntrio que a oportunidade de aprendizagem. Ou seja, muitas vezes, a organizao

    beneficiada pelo trabalho do voluntrio, que por sua vez tambm se beneficia, pois est tendo

    a possibilidade de adquirir experincia em sua rea de atuao.

    Quanto ao treinamento e desenvolvimento, tem-se uma informalidade neste item

    tanto para empregados quanto para os voluntrios. Em todas as dezoito organizaes foram

    citadas como forma de treinamento uma apresentao da organizao, das pessoas que l

    trabalham, alm das tarefas que devem ser realizadas pelo novato.

    Notou-se ainda, nessas dezoito organizaes, que existem treinamentos externos que

    podem ser feitos pelos empregados e voluntrios das instituies. Devem-se ressaltar dois

    pontos quanto a este item, que indicam a falta de estratgia institucional para capacitao do

    capital humano. Primeiro: estes treinamentos partem do funcionrio e ou voluntrio que se

    interessa por algum curso que oferecido externamente e a partir deste interesse a pessoa

    solicita o recurso organizao. Segundo: este interesse parte de algum problema que a

    pessoa vem enfrentando para a realizao de seu trabalho ou de algum folder que a instituio

    recebeu sobre cursos e que tenha algo que seja importante para a organizao.

    No que tange ao plano de cargos e salrios, observou-se que nas dezesseis

    organizaes (desconsideradas as que possuem apenas voluntrios), no h nada formalizado.

    Foi argumentado em quatorze instituies que o fato de se ter apenas um cargo para cada

    funo, tornaria o plano dispensvel. Entretanto, isto no desqualifica a necessidade de se ter

    uma descrio clara de cada cargo.

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    GESTO.Org Vol. 10, No.02, p.297 323, maio/ago. 2012 312

    Paradoxalmente ao que foi dito sobre a falta de necessidade de se ter um plano

    formalizado, quatro entrevistados reclamaram de uma ausncia de equidade dos salrios,

    porque se comparam com outros que esto no mesmo nvel, e percebem uma grande diferena

    de ganhos. Adicionalmente, oito respondentes disseram que h um acmulo de funes,

    porque s vezes h algum trabalho que no havia sido previsto e que algum tem que fazer.

    Foram recorrentes reclamaes sobre hora extra e excesso de trabalho. O interessante que os

    respondentes no conseguem ligar tais reclamaes falta de um plano de cargos e salrios.

    Talvez a formalizao desse plano minimizasse muitas reclamaes. Apenas um respondente

    disse que a sua organizao est trabalhando para ter o plano.

    Os respondentes de duas organizaes disseram que em suas instituies existe um

    patamar salarial para formaes equivalentes. Por exemplo, empregados que tm 3 grau

    recebem o mesmo salrio. Mas eles assumem que apenas este fator no suficiente para

    diferenciar os salrios, apesar de negarem a necessidade de um plano de cargos e salrios. Um

    fato foi recorrente em sete instituies: foi dito pelos entrevistados que dada a oscilao de

    verba, comum realizar ajustes na carga horria, para que os funcionrios no sejam

    demitidos e recontratados. Este mecanismo vem sendo utilizado como uma alternativa s

    variaes de projeto dentro de uma mesma instituio.

    Quanto ao plano de carreiras, nenhuma das dezesseis organizaes que no possuem a

    rea estruturada de RH (novamente desconsideradas as duas que tm apenas voluntrios),

    possui este plano formalizado. Apenas uma j teve, mas no foi possvel mant-lo por mais

    que dois anos.

    H uma espcie de senso comum sobre a irrelevncia desse plano. Mas, h de se

    ressaltar que o fato de se ter apenas um funcionrio por funo e eventualmente por rea, no

    significa que tal plano no seja necessrio. Cabe lembrar que no se poderia, neste caso, ter

    um plano de carreiras como o de uma empresa privada; portanto, modificar a forma de se

    pensar este plano torna-se uma sada para a elaborao de outro com parmetros diferenciados

    que levem em conta essa especificidade dessas organizaes do terceiro setor.

    Observou-se nestas organizaes que a avaliao de desempenho feita de maneira

    informal tanto nos empregados quanto nos voluntrios. Acredita-se que a avaliao seja uma

    consequncia natural do trabalho desempenhado e que, caso a pessoa no esteja

    desempenhando suas atividades como deveria, os resultados negativos apareceriam

  • Assis, L. B.; Viegas, G.; Ckagnazaroff, I. B.

    GESTO.Org Vol. 10, No.02, p.297 323, maio/ago. 2012 313

    facilmente. Apenas em uma organizao era implementado procedimentos de avaliao de

    desempenho.

    Cabe ainda ressaltar que ao mesmo tempo em que o discurso dos respondentes de que

    a avaliao natural, eles ressaltam as reunies que eles fazem para a avaliao dos

    empregados. Quer dizer, assumem que ela informal, porque acreditam que ela existe na

    informalidade nas reunies feitas, sejam elas semanais, mensais ou, em alguns casos, anuais.

    Entretanto, tais reunies no avaliam o desempenho dos empregados e voluntrios, ao

    contrrio, considera os resultados obtidos em relao ao que foi planejado.

    Em linhas gerais pode-se dizer que estas organizaes no possuem prticas

    formalizadas de gesto de RH. Os entrevistados acreditam que a finalidade de tal gesto a de

    motivar os funcionrios e voluntrios, ou seja, tem-se a importncia da mobilizao. Os

    procedimentos usuais podem ser resumidos s reunies e se de fato h algum critrio ele

    restrito ao regimento interno da instituio, que deve ser usado para nortear todas as aes.

    Assumindo o que foi afirmado por Tanure; Evans; Canado (2010), nas prticas das

    organizaes descritas at o momento no possvel contemplar um interesse de adaptao s

    situaes que surgem. Talvez pelas especificidades de sua gesto, a postura de tais

    organizaes no condiz com a proatividade necessria gesto de RH contempornea, a qual

    conduziria a melhores determinaes estratgicas. Apreende-se que as aplicaes das prticas

    de RH possuem um carter meramente funcional e, assim como indicou Barbosa (2005) sobre

    as abordagens de RH, encontram-se no nvel tradicional.

    4.2.2. Organizaes que utilizam o RH das instituies s quais esto ligadas (duas

    organizaes)

    Neste item, tm-se duas organizaes, uma fundao e um instituto. O recrutamento e

    seleo um pouco diferente entre elas. A primeira utiliza o RH da empresa qual est ligada

    (empresa suporte) para selecionar seus empregados. Em geral, uma pessoa da fundao

    tambm participa do processo. J os voluntrios so selecionados dentre os prprios

    funcionrios da empresa. No Instituto, as pessoas que nele trabalham e que precisam de um

    novo funcionrio apenas definem o perfil necessrio, cabendo mantenedora todo o processo.

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    Entretanto, cabe ressaltar que a mantenedora terceiriza o recrutamento e seleo de cargos

    estratgicos, sendo responsveis apenas pela seleo de cargos mais operacionais.

    A parte de treinamento e desenvolvimento da fundao feita pelo RH da empresa

    suporte e a mesma dos funcionrios. Ou seja, o RH mapeia as necessidades e prope cursos

    aos empregados da fundao. Ressalta-se que o quadro de gerentes da fundao composto

    por pessoas que trabalharam muitos anos para a empresa e saram para zelar uma boa gesto

    na organizao do terceiro setor. Quanto aos voluntrios, foi contratado um curso para

    capacitao dos mesmos. Foi feito um recrutamento entre os funcionrios da empresa suporte

    e aps o curso foram formados comits de voluntariados. O curso foi indicado, pois,

    conforme a entrevistada disse: no basta querer ser voluntrio, preciso saber.

    J no instituto, a necessidade de treinamento da gerncia identificada pelo RH da

    mantenedora. Para os demais funcionrios, seu gerente mais prximo que mapeia essas

    necessidades e repassa ao RH.

    Na fundao no h um plano de cargos e salrios e nem um plano de carreiras. O que

    se observou, contudo, que a maior parte dos gerentes tinha no mnimo 20 anos de servios

    prestados empresa e possuam um salrio mdio de R$6000. Em geral havia cinco anos que

    tinham sido transferidos para a fundao e se encontravam prximos da aposentadoria. A

    empresa j pensou nos possveis nomes que iriam substituir estes funcionrios e todos eles

    possuam o mesmo perfil dos anteriores: anos de servios para a empresa e cargos altos.

    J o instituto possui um plano de cargos e salrios implementado desde 2003. Nele esto

    contidos, alm da descrio de cargos, valores de admisso, ajustes anuais e por desempenho.

    O problema que ainda no foi formalizada a avaliao de desempenho. Ou seja, remunera-

    se por desempenho, sendo que este ainda no medido. Quanto ao plano de carreiras, j h

    o desenho, mas ele ainda no foi implementado, pois a mantenedora que cuida disso, est

    passando por um processo de reestruturao, razo esta para que tambm a avaliao por

    desempenho no tenha sido implementada.

    A fundao utiliza os mesmos instrumentos de avaliao de desempenho utilizados pelo

    RH da empresa em seus funcionrios. No h nenhuma adaptao, sendo o desempenho do

    empregado avaliado pelos pares e superiores.

  • Assis, L. B.; Viegas, G.; Ckagnazaroff, I. B.

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    Apreende-se que nessas organizaes h um discurso quanto s polticas e prticas de

    RH. Contudo, no h um compromisso ou empenho com o desenvolvimento e efetivao das

    diretrizes de RH. Dessa forma, no possvel confirmar o que afirmou Fischer (1998); Dutra

    (2006) quanto vantagem competitiva para a gesto de RH, to pouco um esforo para

    modificao com foco no desenvolvimento da gesto e nas relaes de trabalho. Retomando

    Castro; Kilimnik; Santanna (2008), questiona-se se s desafios postos s organizaes

    estimulam reflexo sobre seus sistemas, polticas e prticas, bem como s mudanas de

    mentalidade, valores e cultura.

    4.2.3. Organizaes que tm rea de RH ou similar (uma organizao)

    A organizao que possui rea de RH estruturada no forneceu os dados sobre a parte

    operacional de sua gesto. Logo, tem-se neste item, apenas a anlise da instituio que possui

    rea similar.

    Observou-se uma tentativa de estruturao em alguns itens operacionais como

    recrutamento e seleo. Neste caso, uma empresa especializada contratada quando se

    precisa preencher a vaga para um cargo de gerncia. Entretanto, quando a funo para a qual

    se recruta operacional, o prprio departamento que demanda o funcionrio quem

    seleciona.

    Quanto ao treinamento e desenvolvimento, o empregado quem identifica a

    necessidade de fazer algum curso. Ele avisa ao superior, que decide se aquilo importante ou

    no e, se h verba para realizao do programa. Existe outra situao que foi descrita, que diz

    respeito ao treinamento inicial que ocorre quando qualquer funcionrio contratado pela

    instituio. Na verdade, isto pode ser traduzido como palestras iniciais que visam explicar ao

    novato como funciona a organizao, quais sero suas principais tarefas, a quem ele deve se

    reportar, dentre outras atividades afins.

    interessante observar ainda, que esta instituio possui um plano de cargos e salrios

    que foi feito por uma consultoria externa e que, poca da pesquisa um plano de carreiras

    tambm estava sendo feito por consultoria. Percebe-se, pois, que as prticas de RH

    formalizadas so terceirizadas, ou seja, dependem de consultorias externas que lidam

    especificamente com aquela ferramenta. Isto pode ser um reflexo da falta de definio da

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    rea, alm da deficincia na gesto e aplicao dos mecanismos gerenciais, ou at mesmo,

    uma tendncia crescente terceirizao de alguns mecanismos de gesto de RH.

    Assim como as organizaes que possuem respaldo de empresas mantenedoras, a

    organizao com rea similar no demonstra uma postura efetiva quanto s polticas, to

    pouco indica uma preocupao estratgica quanto s prticas. Dessa forma, afirma-se que,

    tanto para essa organizao, quanto para as organizaes que so suportadas por outras

    empresas, conforme descrio anterior, a funo de RH surge como consequncia da gesto

    da organizao, no demonstrando ser um fator importante para vantagem competitiva

    (FISCHER, 1998), ou ainda, para uma atuao estratgica (TANURE; EVANS; CANADO,

    2010).

    Apesar de tudo, as consideraes apontadas para cada uma das trs categorias de

    organizaes definidas nesse trabalho, apenas tende confirmao das especificidades quanto

    gesto das organizaes pertencentes ao terceiro setor. Destarte, a funo de RH se

    apresenta como consequncia da gesto, carecendo assim de maior profissionalizao, assim

    como se defende o aprimoramento da gesto das organizaes do terceiro setor como um

    todo. Todavia, quaisquer prescries devem considerar os desafios postos a essas

    organizaes devido as suas particularidades (LEWIS, 2001; COELHO, 2002; BAZOLI,

    2009).

    4.3. Futuro da organizao a partir de sua Gesto de RH (dificultadores e facilitadores)

    Para analisar como os entrevistados enxergam o futuro das organizaes a partir de seu

    gerenciamento de pessoas, preciso inicialmente apresentar as facilidades e dificuldades

    citadas pelos respondentes sobre o gerenciamento atual de recursos humanos. Devido ao fato

    de as organizaes pesquisadas possurem estruturas diferenciadas, no se poderia tratar as

    facilidades e dificuldades de todas elas em conjunto. Por esta razo foi novamente utilizada a

    mesma distino anterior que considerou trs tipos de organizaes.

    Conforme se observou, os respondentes das organizaes que no possuem rea

    estruturada de RH apontam vantagens como o fato de as organizaes no ficarem muito

    burocratizadas, podendo ter o foco nos desafios da instituio. Alm disso, tem-se com isto

    uma maior liberdade e um melhor clima. Outro ponto importante citado pelos entrevistados

  • Assis, L. B.; Viegas, G.; Ckagnazaroff, I. B.

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    diz respeito ao processo de seleo. Para eles positivo o fato de pessoas que tm formaes

    como biologia, sociologia, filosofia, assumirem a seleo dos empregados. Isto foi relatado,

    pois acreditam que o mais importante que a pessoa esteja ligada rea-fim da instituio e

    no rea administrativa.

    Paradoxalmente, da mesma forma que a falta de burocracia e a seleo feita pelos

    coordenadores propicia maior liberdade, os respondentes reclamaram de uma gesto pouco

    profissional, que conta com critrios pessoais de gesto, o que acaba acarretando uma falta de

    planejamento e de condies adequadas de trabalho. Isto prejudica a agilidade e o controle das

    atividades, o que estimula uma falta de compromisso do voluntrio e, consequentemente, gera

    uma falta de objetivo, de rumo. Alm disso, a falta de um gerenciamento adequado acaba

    gerando um clima de dvidas e insegurana, pois nunca se sabe se a organizao ter dinheiro

    para manter todo o seu quadro. Ou seja, as prprias caractersticas que so vistas como

    positivas, tornam-se fatores ambguos, pois trazem muitos transtornos.

    Outro ponto que merece destaque o fato das dificuldades apresentadas pelos

    respondentes das organizaes que no possuem rea estruturada de RH, tornarem-se

    facilidades nas instituies que tem a rea ou similar. Desta forma, foram descritas como

    vantagens a proximidade com os empregados, a boa estrutura, que ajuda no cumprimento do

    objetivo da organizao e propicia segurana aos empregados, bem como o profissionalismo

    que existe devido aos critrios e regras bem definidos. Mas mesmo nestas instituies, falhas

    foram apontadas, como o fato de as pessoas estarem muito ligadas s atividades rotineiras,

    para que tudo seja cumprido conforme o planejado. Com isto, no se tem uma gesto

    estratgica como se gostaria, apesar de ela estar prevista inclusive na estratgia da

    organizao.

    interessante observar que no caso das organizaes que no tem rea de RH, os

    problemas que elas possuem so mais operacionais, sendo que os entrevistados destas

    instituies nem sequer citaram como desvantagem a falta de uma parte mais estratgica. Ou

    seja, antes de sequer pensar em uma gesto mais estratgica de RH, deve-se antes de tudo,

    organizar o bsico. J para as instituies que tm a rea ou similar, como se o operacional

    j no apresentasse mais desvantagens, pois elas j venceram esta etapa e se encontram em

    outro patamar: o das questes estratgicas.

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    Quanto s organizaes que utilizam o RH das instituies s quais esto ligadas, uma

    fundao e um instituto, o que mais chama a ateno que os entrevistados no citaram

    dificuldades, apenas facilidades de se ter tal situao. Para eles usar a estrutura j montada da

    mantenedora um benefcio, pois o esforo da equipe pode ser canalizado para o objetivo fim

    da organizao, deixando certas preocupaes da rea de RH em um setor fora da instituio.

    Diante das facilidades e dificuldades apontadas pelos entrevistados, o que seria ento

    necessrio para tornar o gerenciamento dos empregados e/ou voluntrios adequado?

    Novamente, as respostas foram analisadas de acordo com as trs categorias estabelecidas.

    Um fato que chama a ateno o dos entrevistados das organizaes que no tm a rea

    de RH citarem as atividades de RH como os aspectos que seriam necessrios para um bom

    gerenciamento de pessoas. Apenas dois respondentes de duas organizaes diferentes,

    disseram que o a necessidade de adequao da gesto de RH estaria na estruturao da rea.

    Enquanto 26 pessoas dos 28 entrevistados disseram que as diretrizes gerais so

    importantes para a organizao, a falta de diretrizes no foi lembrada nas desvantagens

    apontadas e foi dita por apenas um entrevistado como algo que seria necessrio para

    transformar a gesto adequada. Vale lembrar que inicialmente apenas quatro organizaes

    assumiram no possuir tais diretrizes, sendo que em apenas cinco foram identificadas

    diretrizes formais. Isto significa que as treze organizaes que possuem diretrizes informais

    devem acreditar que a possuem e no enxergam isto como algo a ser melhorado. Vale ainda

    lembrar que em seis instituies foi dito que a rea estruturada de RH importante. Destas

    seis, duas a tem. Ou seja, das quatro organizaes que no tem rea estruturada de RH, mas

    que a consideram importante, apenas metade lembrou que tal item seria necessrio para tornar

    o gerenciamento adequado.

    Foi ainda ressaltado por seis entrevistados que seria necessrio mais comprometimento,

    igualdade nas oportunidades, ou seja, tratamento impessoal. Entretanto, o que necessrio

    para se conseguir mais comprometimento? O que a organizao deve fazer para que o

    tratamento se torne impessoal? Ou seja, esses entrevistados pensaram no fim, em como eles

    gostariam que a gesto fosse e no no meio, no que pode ser feito.

    Finalmente, cabe ressaltar que o estudo sobre as polticas e prticas de RH em

    organizaes do terceiro setor, traz tona uma discusso que sintetiza o objetivo maior das

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    organizaes de tal setor: a sua sobrevivncia. E a partir da, como estas organizaes

    enxergam seu futuro a partir de seu gerenciamento de pessoas?

    Neste momento, pela primeira vez no decorrer da pesquisa houve unanimidade em

    relao percepo de serem as pessoas as principais responsveis pelo futuro da organizao

    e que, por esta razo, o gerenciamento desses atores condio sine qua non para que o

    trabalho dessas instituies seja capaz de perpetuar por geraes. Neste momento, ficou claro

    para os entrevistados que mesmo que a gesto traga consigo algo de burocrtico, ela

    necessria para as organizaes, quaisquer que sejam. Esse gerenciamento adequado

    importante para que as organizaes que ainda no tm uma rea estruturada de RH venam

    dois principais desafios: o primeiro diz respeito cultura do Fundador. Observou-se que em

    doze organizaes, as ideias, a forma de gerenciar e mesmo a captao de recursos ficam

    muito restritas cabea do criador da instituio. No h regras muito bem definidas, padres

    regularizados ou normas compartilhadas. Isto significa que na falta desta pessoa, a

    organizao talvez nem sequer saiba que caminho seguir, estando fadada extino.

    O segundo desafio diz respeito mobilizao de pessoas. A organizao tem que ser

    capaz de cooptar voluntrios ou at mesmo empregados que abracem a causa e se engajem de

    maneira consistente. Neste sentido, cabe acrescentar que no simplesmente mobilizar

    quaisquer indivduos, mas sim conseguir pessoas que sejam tambm capacitadas e que levem

    o trabalho a srio, seja recebendo como empregado, seja doando seu tempo como voluntrio.

    Alm disso, deveria existir uma poltica consistente para manter os bons empregados e

    voluntrios na organizao. Foi relatado em uma entrevista que todo o ano h troca da pessoa

    que coordena os projetos. Isto ocorre devido ao baixssimo salrio e a falta de perspectiva. Por

    mais que o empregado goste do seu trabalho, ter condies dignas essencial para que ele

    permanea na instituio. Esta alta rotatividade prejudicava a realizao das tarefas, pois

    quando o empregado comeava a se inteirar cada vez mais de seu trabalho, ele saa e entrava

    outro que precisava de um tempo para se ambientar melhor. Alm do risco deste novo

    empregado no ser muito bom tecnicamente ou no compartilhar dos valores da instituio.

    Por outro lado, a relevncia da gesto de RH pode ser verificada pela respondente da

    fundao pesquisada, que tem o suporte de uma grande empresa, a qual enfatiza que o

    trabalho da sua organizao certamente ter continuidade, pois o respaldo da empresa garante

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    que pessoas capacitadas sejam alocadas na fundao, quando houver necessidade. Alm disso,

    as condies de trabalho mantm as pessoas e geram uma baixa rotatividade.

    O que se espera que a gesto, longe de se constituir em um engessamento de aes que

    exigem velocidade, sirva como alavanca para tornar o trabalho efetivo e de grande impacto

    social, valorizando as organizaes do terceiro setor em sua necessria articulao aos

    interesses pblicos e aos desejos de construo de cidadania.

    5. CONSIDERAES FINAIS

    A partir de um construto terico que delimitou duas dimenses distintas (terceiro setor e

    recursos humanos), e dos procedimentos metodolgicos adotados, possvel tecer alguns

    comentrios que respondem ao questionamento desta pesquisa e auxiliam na compreenso de

    fatos que ocorrem no momento em que o terceiro setor ganha cada vez mais evidncia.

    O primeiro aspecto a ser abordado o carter incipiente desta atividade nas

    organizaes analisadas. Enquanto o discurso se volta para a administrao de RH como

    vantagem competitiva ou como gesto estratgica, as preocupaes das organizaes

    pesquisadas encontram-se na gesto de pessoal ou na gesto do comportamento. No que tange

    ao voluntariado, isso significa dizer que a falta de elementos objetivos e racionais mais afeitos

    a um gerenciamento de pessoas considerado adequado preenchida por preocupaes

    burocrticas e/ou comportamentais, o que retira desta atividade a importncia presente no

    discurso apregoado. A real preocupao em relao ao voluntariado era para fins legais, pois

    conforme uma respondente muito bem argumentou, no se sabe o que est na cabea de cada

    um. Apenas em duas das organizaes pesquisadas havia uma preocupao com o carter

    estratgico do RH. Nestes ltimos casos, este ainda se encontrava com uma gesto mais

    operacional, apesar das iniciativas que caminhavam para uma poltica estratgica.

    O que se observou que devido falta de pessoas preparadas, bem como de

    formalizao de alguns aspectos de gerenciamento de recursos humanos, havia um acmulo

    de funes em determinados cargos. Devido estrutura reduzida de pessoas e a contratao de

    profissionais ligados atividade fim da organizao, at mesmo o presidente ou o vice

    acabavam assumindo responsabilidades que no lhes competia. Por esta razo e pela falta de

    pessoal capacitado, a gesto de RH era feita, na maioria dos casos, de maneira informal e

  • Assis, L. B.; Viegas, G.; Ckagnazaroff, I. B.

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    desestruturada. Este fato, aliado falta de condies adequadas de trabalho, foram apontados

    como causa de uma alta rotatividade em suas respectivas organizaes.

    O discurso de praticamente todas as organizaes tendia para a importncia de

    valorizao dos empregados e voluntrios, enquanto na prtica poucas eram as iniciativas de

    reconhecimento das pessoas ligadas organizao. Quando alguns respondentes percebiam no

    decorrer da entrevista que no conseguiam mensurar o que estava sendo feito para valorizar

    seus empregados, o discurso se voltava para o ambiente de trabalho. A justificativa se

    fundamentava ento no fato de as organizaes do terceiro setor terem um clima adequado,

    no suprimindo o homem e respeitando seus limites. Completavam dizendo que as pessoas

    que trabalham nestas instituies so motivadas pelo sentimento de solidariedade e vontade

    de ajudar o prximo. Em seguida, ao mesmo tempo em que consideravam os instrumentos de

    RH, tais como gesto de carreiras, cargos e salrios, etc., como importantes, afirmavam que

    no se poderia burocratizar tais organizaes.

    Neste momento, observa-se dois pontos: primeiro, a justificativa de muitos para no se

    ter uma rea estruturada de RH se encontra no fato de no haver recursos suficientes ou na

    falta de uma certeza sobre os recursos que viro. Questiona-se se a imprevisibilidade de

    recursos a causa para no se ter uma gesto de RH adequada, ou se ela justamente

    consequncia de uma falta de mecanismos gerenciais adequados para uma boa gesto destas

    organizaes. Segundo ponto, na organizao que possui rea de RH estruturada e em outras

    que possuem as atividades de RH mais ou menos formalizadas, observou-se que a existncia

    de tal rea ou de tais atividades de RH no se justifica pela abundncia de recursos que elas

    possuem. Ao contrrio, seu diferencial no est no oramento e sim na proatividade de sua

    gesto.

    A anlise da gesto de RH acabou por tornar possvel identificar outra questo a

    respeito da fragilidade do terceiro setor. Trata-se de um setor cuja prpria definio, por

    excluso, j demonstra que no h uma identidade definida. um setor que NO visa o lucro

    e que NO pblico. No bojo destas questes encontram-se organizaes que tem um

    objetivo social ou ambiental, mas que ainda no sabem ao certo o que so e como devem se

    estruturar. Isto faz com que exista o receio de se utilizar mecanismos gerenciais, pois se

    acredita que isto as descaracterizaria como sociais, burocratizando-as e transformando-as

    em meras empresas.

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    De maneira conclusiva, a anlise dos depoimentos sobre a gesto de RH nas

    organizaes, se de um lado evidencia a falta de relevncia que essa atividade assume mesmo

    com o forte discurso da valorizao do indivduo, de outro no pode perder de vista que

    organizaes com este perfil apresentam capacidade de insero e agilidade suficientes, sem

    necessariamente depender da formalizao de atividades que se procurou identificar. Ou seja,

    as organizaes do terceiro setor estudadas nessa pesquisa, a despeito da importncia do

    discurso que valoriza as pessoas, possuem uma prtica ainda arraigada ao que existe de mais

    anacrnico em termos de preocupao gerencial de pessoas, mas no podem ser somente

    analisadas sob esta perspectiva, pois sua insero e relevncia social muitas vezes esto

    associadas capacidade de atender os seus pblicos interessados. Contudo, um mnimo de

    racionalizao e profissionalizao de seus preceitos estaria de acordo com o que apregoa a

    literatura, podendo auxiliar na superao de um estgio ainda atrasado em termos de prticas

    gerenciais adequadas para enfrentarem os seus desafios.

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