revista subversa vol 3 nº3 | setembro de 2015

44
Vol. 3 | N.º 2 |AGOSTO/ 2015 ISSN 2359 5817 SUBVERSA VOL. 3 | N.º 3 | SET/2015 ISSN 2359-5817 HEITOR DE LIMA | ANDRÉA MASCARENHAS BRENO RICARDO | SAT AM | ROCHA OLIVEIRA ESTEVAN KETZER | MARTA CORTEZÃO VANDER VIEIRA | MAURICIO LIMA | JORGE PEREIRA Entrevista com Marília Moser Ilustrações MARILIA MOSER

Upload: revista-subversa

Post on 23-Jul-2016

223 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Dedicada aos autores da casa e do reencontro com a artista plástica Marília Moser.

TRANSCRIPT

Page 1: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

Vol. 3 | N.º 2 |AGOSTO/ 2015 ISSN 2359 5817

SUBVERSA VOL. 3 | N.º 3 | SET/2015 ISSN 2359-5817

HEITOR DE LIMA | ANDRÉA MASCARENHAS

BRENO RICARDO | SAT AM | ROCHA OLIVEIRA

ESTEVAN KETZER | MARTA CORTEZÃO

VANDER VIEIRA | MAURICIO LIMA | JORGE PEREIRA

Entrevista com Marília Moser

Ilustrações MARILIA MOSER

Page 2: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

Subversa | literatura luso-brasileira |

V. 3 | n.º 03

© originalmente publicado em 01 de setembro de 2015 sob o título de

Subversa ©

Edição e Revisão:

Morgana Rech e Tânia Ardito

Ilustrações

MARILIA MOSER | [email protected] |

www.facebook.com/mariliamoser.arts

Os colaboradores preservam seu direito de serem identificados e citados

como autores desta obra.

Esta é uma obra de criação coletiva. Os personagens e situações citados nos

textos ficcionais são fruto da livre criação artística e não se comprometem

com a realida

WWW.FACEBOOK.COM/CANALSUBVERSA

@CANALSUBVERSA

[email protected]

Page 3: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

DONA ROSA | HEITOR DE LIMA | 5

FILOSOFIA EM AMARELO |ANDREA MASCARENHAS | 8

O PENOSO CÍRCULO DA TRISTEZA | BRENO RICARDO | 10

PRESOS NA CRIPTA| SAT AM | 12

A RELÍQUIA DAS NAÇÕES | ROCHA OLIVEIRA | 15

COMPRO MÍSSIL OU FÓSSIL (?), DAQUI A MIL ANOS VAMOS

DESCOBRIR | ESTEVAN KETZER | 18

ODISSEU ERRANTE | MARTA CORTEZÃO |25

MORRERAM OS DIAS | VANDER VIEIRA | 28

COLCHETES DE RETALHOS | MAURICIO LIMA | 30

PÁSSAROS AZUIS | JORGE PEREIRA | 33

ENTREVISTA COM MARÍLIA MOSER | 39

SUBVERSA VOL. 3 | N. º 3 | SET/2015 ISSN 2359-5817

Page 4: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

4

EDITORIAL

E seguem os trabalhos aqui na Subversa. Volume três, número três.

Número carregado de significados que traduzem o momento estável

da revista, através de elementos indispensáveis como união, equilíbrio,

expansão, comunicação e criatividade. É tudo isto que celebramos

aqui, um momento de passo firme e caminhada linear. Digno seria,

então, dedicar o número aos “autores da casa”, colaboradores que

vem acompanhando, lendo e escrevendo a revista durante algum

tempo. São os verdadeiros criadores da Subversa, alguns que estão

conosco desde o primeiro volume.

Na ilustração dos textos, um reencontro com Marília Moser, que

inaugurou a modalidade da revista, em Janeiro de 2015. Com a alegria

e o privilégio que sentimos ao receber, em primeira mão, as imagens

que a artista plástica gaúcha desenhou especialmente para o número,

temos o dever e a honra de apresentar um pouco mais sobre a Marília

em uma breve entrevista. Com precisão, ela traz um pouco do que

estamos acostumados a ver em toda a superfície que pinta:

delicadeza, força e uma exuberância de cores e sensações.

É, com efeito, uma felicidade enorme apresentar este número,

dedicado inteiramente aos autores que elevam diariamente o nível

desta revista e a tornam cada vez mais imbatível.

Desejamos uma boa leitura. Que ela traga aos leitores antigos um

recorte essencial da Sub em sua versão quase ontológica. Aos novos,

que provoque a vontade de ficar e se perder por essas páginas.

As editoras.

Page 5: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

5

HEITOR DE LIMA | FORTALEZA, CE

O sequestro de meus dias me foi contado no meio-fim daquela

versão epopeica da vida diária que li entusiasmado. Esse livro, artigo,

papel sequer existe? Existe assim por que lhe dei o sentido que quis.

Estava exata no teu vestido de letras. Li-o tanto, bem como teus

olhos, que até lhe peço um terço de desculpas. Desculpo-te quando

me fere o dedo e nada perco, coágulo que sou. Sabes que teu nome é

outro, inclusive tuas pétalas, e nada me disseste sobre o que tenho

perdido. Olho a flor que se abre no meu peito como um sorriso cifrado e

quando cruzo as ruas avessas do já ido, o resto de cor se dissolve no

rosto cambiante das coisas. O torso de alma vê teu solo fundido de

húmus e consoantes. O quão medrosa era diante da possibilidade da

DONA ROSA

Page 6: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

6

perda de algo não dito, o quão inteligíveis permanecem teus passos e

como se elide no ar e, já distante de mim, volta para todos.

Rosa de dentes, talvez guarde alguma cena em teu

entendimento de pólen e negas egoísta o meu próprio entendimento:

erro meu de querer saber dos fatos que nem de si sabem. Não. Não sei

nada de mim. Já dizia Lacan algo sobre a gambiarra do inconsciente

ser estruturado como uma linguagem... Guardo-te aqui em mil

entranhas de tempo e nesta minha forma arredia de encarar a própria

face quando é pronto o susto do espelho. Sobre o que tenho perdido

nada me disseste: querida teus olhinhos cor de folha me convidam para

o avesso: my fault.

Agora o que me resta é um passo após o outro. Nem tanta

importância tem o liso dos teus cabelos; Minhas mãos escorregam sobre

qualquer possibilidade de contato. Penso para o mesmo lado que

correm os anelos e tu não tens sequer um grama do que me inclina

para a pena, pesado que sou.

Lê-se como papila: “E sem alma, corpo, és suave.”

Vida montada como foz num fundo de ametista. A casa quer

cheiro.

Apanho o arranjo vítreo de flores da memória e danço.

HEITOR DE LIMA rabisca em versos desde os 9 anos de idade, espera que

o mundo escolha a poesia, mesmo que inconsciente. Vive a

heterogeneidade de ser quem é | [email protected]

Page 7: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

7

SUBVERSA # 1 – Versão Impressa | Volume 1 (2014)

Adquira e participe do crescimento da revista.

Page 8: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

8

ANDRÉA MASCARENHAS | Salvador, BA.

FILOSOFIA EM AMARELO

Page 9: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

9

borboleta amarela se acerca de mim em teus matos.flores .

incerto vai meu corpo pelo mundo, em voo raso, quase ao

chão . algodão desgarrado me abriga em pouca trama .

perco a casca do que não sei, antes de presumir um fim .

almejo filosofia de passarinhos, pouco assustados com mal

tempo ou espinho . ainda não decifro lágrima espontânea

porque me ensinaram a contê-la . pratico exercícios de

oscilação, pra não perder sempre o equilíbrio rarefeito . lírica

me abandona enquanto é tempo de insurgências por escrito

. cresce uma cegueira exteriorizada, vendida por qualquer

tostão . erva daninha nos alcança, sorrateira, sem disfarce .

voltamos à borboleta amarela ou ao tempo oco da mera

contemplação .

ANDRÉA DO NASCIMENTO MASCARENHAS SILVA é docente da

Universidade do Estado da Bahia (UNEB), da área de Literatura. Doutora

em Comunicação e Semiótica - PUC-SP. Reside em Salvador, capital da

Bahia – Brasil. Edita o Blog literário ..Arquivos..

impertinentes <http://arquivosimpertinentes.blogspot.com.br/>.

Publicou textos poéticos em Revistas Literárias, tais como: Revista

Cultural Artpoesia (2012) e SUBVERSA (2015 - edições 10, 11 e 12). Pela

Pastelaria Studio (Portugal) participou de três antologias literárias (2015).

Pela Editora Pragmatha (Brasil) participou do Caderno Literário n. 66 e

da Antologia 'Sou Poeta Com Orgulho 2' (2015).

|[email protected]

Page 10: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

10

BRENO RICARDO | Juiz de Fora, MG.

Paulo pelo parque passeava

No gramado, posto então, pisava.

Este, a morte encobria

De tal modo que ninguém mais a via.

O PENOSO CÍRCULO DA

TRISTEZA

Page 11: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

11

Paulo – oh! Nosso Paulo querido!

Deixou o chão, pelo choro, chovido

Os defuntos – a umidade os comoveu!

Levantaram-se, vieram chorar consigo o choro seu.

Oh quão tremendo o teatro das trevas!

Fê-lo jogar-se no caminho de pedras!

As muitas gotas de seu lânguido humor;

Nessas foi que ele por fim se afogou

Regressando retraído à reles cova;

Permitindo ao cemitério voltar à paz que o renova.

BRENO RICARDO, desde os quinze anos, escreve poemas, peças teatrais

e crônicas; possui três livros publicados on-line e um impresso;

atualmente compõe o Conselho Editorial da Cacareco Editora, em Juiz

de Fora; publica regularmente na Revista Subversa e em alguns blogs.

[email protected]

Page 12: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

12

SAT AM | CURITIBA, PR.

PRESOS NA CRIPTA

Page 13: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

13

Consagre a ruína de teus dias,

A solidão do silêncio e morte,

O vazio provocado pelo desejo de ser amado.

E contemplando tua cova fria,

Percebas a resposta que há tempos esteve diante de ti.

A só nasceste e desde o ventre de tua mãe só esteve.

E agora, buscas um sentido a teu teatro a outros;

Mero ator sem talento em uma peça escrita por terceiros.

E clama por atenção,

E chora buscando as palmas,

Desta plateia surda formada por mortos de bocas costuradas.

Bebes vinagre, por lhe dizerem ser vinho,

Comes vermes, por lhe passarem por pão,

Gritas dizeres bíblicos, sendo que lhe saem da boca

blasfêmias.

Como gato ronrona, mesmo que lhe atirem peixes

decompostos,

E segues tua vida desproporcional esperando tua

recompensa.

Ouça a imensidão espacial e atemporal de palavras

desconexas,

O uivo do vento que ronda as estrelas e a todos os dias

enche teus ouvidos.

Page 14: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

14

A neblina exalada de teu corpo é apenas tua,

A lágrima que rola de teus olhos secos é apenas tua,

O grito de liberdade que guardas na garganta é apenas teu,

O tempo, que ainda insistes em compartilhar, é apenas teu.

E, dia após dia, mais velho ficas;

Mais burro,

Mais inútil.

Levanta-te, e anda.

SAT AM é estudante de Letras-Japonês da Universidade Federal do

Paraná. Desde que se entende por gente, escreve poesia/músicas

como válvula de escape. Seus textos sempre estão carregados dos seus

pensamentos: Ódio, raiva, terror, luxúria, são temáticas recorrentes nos

meus trabalhos. [email protected]

Page 15: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

15

ROCHA OLIVEIRA |São Gonçalo, RJ

Um alvoroço imenso na entrada, mal exibira o Sol a luz antiga.

Não obstante, um raio morno lambia já a escassa escadaria do Museu

de História Natural, porém não antes de lamber a testa ou a nuca aos

visitantes. Um mar deveras de cabeças e chapéus. Todos ávidos por ver

o jamais visto! A formar a enorme fila em “S”, presentes desde a nata

culta e abonada da cidade até o desprovido populacho. Incluam-se aí

os despojados, e diga-se, também, os “marginais”; que a curiosidade, –

como a fisiologia –, abrange a Sociedade como um todo, e ainda que

esta invente outra casta. Igualmente, um e outro estrangeiro, que em

não podendo circunscrever a sua própria, achou por bem lha

embarcar para estas plagas. E cá estão a enfileirarem-se aos nativos.

A RELÍQUIA DAS NAÇÕES

Page 16: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

16

Confabulam entre si a ansiedade, bem como a sua expectativa,

todos aqueles que, sofregamente, aguardam sua entrada no museu.

Um velho falante e, aparentemente, muito humilde, deixa escapar a

sua alegria e surpresa de ver exposta na cidade, – em sua própria terra

natal –, tão tamanha cousa. Já uma senhora de meia-idade, distinta no

porte e na aparência, bufa então toda a sua indiferença ante o

comentário do velhote, e mesmo frente ao que poderia acaso vir a ser

a tal Relíquia das Nações. E, assim dizendo, fala como a ser ela própria

um grande achado: empinado o nariz à altura das orelhas; a boca bem

ao nível do nariz; as ventas como a reclamar o ar em volta. Estaria ali,

não por gosto ou interesse, mas porque o seu status – entendia – exigia-

lhe o ostentar do que em verdade não possui – a mais sábia ignorância,

o pedantismo mais esclarecido.

Um homem, que estava a observar um mendicante, – que

estendia na calçada a sua miséria –, não pôde acabar de suspirar a dor

daquela triste existência: um outro, atrás de si, postado rente às suas

costas, quisera afanar-lhe a carteira. Ao que ele, em pressentindo o

roubo iminente, fez-lhe um movimento ríspido a afastá-lo. O impulso era

de dar-lhe u'a cotovelada, que a ira lhe subira até o pescoço, porém se

contentou ao gesto brusco. O outro, disfarçando-se do intento, – a

“mão leve” oculta em uma toalha –, saiu a pedir ordem aos demais.

Estes que, revoltosos com a demora demasiada, davam-se, pois, ao

burburinho.

Tão logo a segurança é acionada. Uma escusa e uma justificativa

fizeram calar a maioria insatisfeita. Os demais, inconformados, conter fez

a ameaça ou o cassetete... Atraso à parte, dá-se início à visitação. A

entrada faz-se afoitamente, e pecuniariamente, que se diga: tal

exposição demanda um ingresso a preço razoável. Mas, tão breve

quanto houvera entrado, um homem se retira do museu com ligeireza,

a pisar duro. Vocifera, aborrido, toda a sua indignação. E diz, entre

Page 17: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

17

acintes: — “Não vale a vida este absurdo! tão menos o valor do

ingresso. Exijo ser restituído!” Outros, porém, boquiabertos com a Relíquia

das Nações, – que é a Verdade –, fitam-na, uns chocados, outros

aturdidos. Quase todos não discernem o que veem; nada entendem.

Uns se fazem até pessoalmente ofendidos. Desejam-na velar ou

depredá-la. Alguns lhe são indiferentes, – como é o caso da senhora

bem distinta –, outros, frente a ela, tão-somente agem com desdém.

Uns lha negam e outros querem desmenti-la, como fosse ela própria – a

Verdade – alguma fraude – um engodo, embuste apenas. E o velhote,

entretanto, pós contemplá-la assaz maravilhado, se retira do museu

como a planar...

ROCHA OLIVEIRA é romancista, contista e poeta. Inspirado

especialmente em obras clássicas, particularmente em Camões e

Machado de Assis. Escreveu a coletânea de sonetos Como Nasce um

Poeta, um livro de contos sob o título d'Outros Rasgos, e o romance

juvenil Ao filho das Estrelas (entre os céus e a Terra). Está em fase de

conclusão de um livro de poemas, um de contos e outro de

microcontos. No momento, além de contos eventuais, trabalha em três

romances. Visite a página do autor. | [email protected]

Page 18: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

18

ESTEVAN KETZER | Porto Alegre, RS.

COMPRO MÍSSIL OU FÓSSIL (?),

DAQUI A ALGUNS ANOS VAMOS

DESCOBRIR!

Page 19: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

19

Tomada na esteira da ponta grande, alta, inigualável e fálica. Olhar

sedento de um atrevimento sexual. Chama-me Édipo para ouvir sua

sinfonia exultante. Instante! Ali, na esquina há um louco com esse mesmo

nome, um farsante que canta aos domingos para expiar sua dor de sua

geração. Também há quem tome muita Fluoxetina para contrariar a

psicanálise...

- Sabe, há algo de incrível nesse artefato aqui na frente.

- Arak veras tinktun. – Era possível ouvir de um estrangeiro sorridente.

- E como é encantador pensar no som que sai de cada pessoa!

Escutar e escutar, como se ficasse esperando uma reação espontânea da

vontade do foguete. Certamente se você apertar esse botão... Não faça

isso, por favor!

- Sim, ele deve ser feito de pedras para ser tão pesado. E por que

você não me chamou antes pelo Face? – ela perguntou tão inquiridora,

deixando a saia justa e aquele sonoro “você não se importa comigo”

como um velho hino que descambava em um rio de lágrimas.

É natural que ela faça essa pergunta. Incapaz de sentir as dores de

um parto, um homem fica impossibilitado de ter uma experiência

legitimamente feminina. Cuidado: como nossa intimidade fez tanto

barulho. Numa ruela estreita, com má iluminação, pode ser o melhor lugar

para lembrar que um homem não tem útero.

- Já lhe disse que por mim estaria com ele durante nove meses,

destruindo minha pele, mais envelhecida e flácida. Ninguém deve durar

para sempre no mesmo corpo e na mesma vontade.

Enquanto a resposta não vinha, ele a convenceu a levantar a

cabeça para cima, um pouco enfastiada com aquele movimento todo

das pessoas ao redor. Nessas horas o sorriso acertou o alvo como aquele

tesouro bem no fundo do Oceano Índico! Foram sete anos para chegar lá,

Page 20: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

20

naquela zona com maior incidência de silvanita do mundo. Difícil foi

explicar para a comunidade científica que aquelas pedras possuíam

silvanita como quaisquer outras em qualquer lugar do mundo. Não

importa, pois o dinheiro é do Governo Federal e há muito precisava ser

investido na prospecção de silvanita, mesmo sem a esperança de achar

ouro. Quem poderia imaginar, quando perguntassem sobre prospecção

de metais leves, que um nome seria sempre escutado na história da

mineralogia: e não seria o dele.

- Eu só quero ver melhor as montanhas ao longe... – conseguiu

responder (ufa!).

- É porque esse artefato diz algo sobre você? – novo olhar inquiridor

dela. Estava certo de que toda a expedição tem seu preço. O tempo de

fazer dinossauros ainda não chegou.

- Não! Você nem está olhando! Olhe pelas laterais. Sei que parece

assustador, mas é assim mesmo. As laterais possuem pontas, como agulhas

cheias de expectativas de proteção, imanentes. A arquitetura também

mudou muito. Hoje um míssil não pode falhar! Ele tem uma missão a

cumprir...

- Peraí! – mais uma vez interpelado no meio de um raciocínio

eufórico – Isso é uma nave! Acho que adivinhei o seu sonho da última

noite: foi um pouco como olhar os monges em seus claustros por aquelas

portinholas e ver Erwin von Steinbach, no século XIV, continuando a

tradição que lhe foi incumbida desde o ano de 1015. Você não tem

curiosidade sobre a vida sexual de uma figura tão importante da

arquitetura? Saiba que os monges eram portadores da acídia e depois do

meio-dia as torturas psicológicas começavam. Com eles iniciou a história

do mal-estar na civilização ocidental.

Page 21: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

21

Subiram a nave por uma escada nos volumosos cabelos dela, pelas

órbitas celestes de seus olhos, e com os gracejos de um sorriso estrelar. Lá

eles planejaram aquela cusparada rumo ao solo, realizando a profunda

experiência das vertigens. “Deixa que eu faço isso por ti...” (seguido da

onomatopeia da gota espatifando no chão). Veja que olhar para baixo

não é cair no próprio cuspe! Logo, a situação estava sob controle. O

cuspe gera um som seco demais para uma sensação tão molhada.

Subiam mesmo num míssil ou num fóssil? Estava escrito no rosto dela. Ele

olhava ainda incrédulo aquilo tudo, sonhando com um mundo menos

explosivo ou retentivo anal... E a vida nascia por debaixo da ponte, depois

seguia a viela cheia de rosas e por fim chegava àquela praça magistral.

Ali um sorriso de contentamento por continuar viva. Esteve sempre tão

perto e tão longe. Por quê? Nas duas ruas atrás eles pensavam em rir de

uma maneira tão natural, pois ali nada mais era um absurdo, nem o toque

de seu corpo inteiro com todo o prazer que um toque provoca no tecido

nervoso epitelial, despertando hormônios que ruborizam e levam a uma

sensação que, se fosse descrita num sussurro, parecia ridícula a ouvidos

pouco afeitos à arte de escutar. Abraços que formam correntes sem o

domínio das palavras. Esse é um outro tipo de vocabulário só para mostrar

o ridículo de certas explicações afetivas que se valem de repetições

exegéticas para demonstrar generalidades. Uma nota de roda-pé ou uma

lei em que os seres humanos não precisariam mais legislar por serem

desobedientes demais.

- Não, o Messias não virá se você deixar de comer devido ao

tamanho de seus quadris. Aliás, amore mio, comer demais também entra

na conta da acídia medieval.

- E desde quando você é nutricionista? – Rubor por toda a parte,

afinal era muito sexy quando utilizava as palavras para um atrevimento tão

Page 22: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

22

interpessoal. – Só falta você me dizer que não tive voz suficiente para te

peitar, utilizando argumentos débeis. Ora, isso não leva a lugar nenhum...

De algum jeito eu sinto exatamente onde você sente vergonha.

E tanta graça era necessária para fazer o ar passar dos pulmões

para a boca. Sufoco que uma pessoa mais nova do que velha toma em

mãos para saber qual é o melhor momento de desaparecer. Da próxima

vez ela tentará me persuadir com os argumentos da maternidade. Ser

mãe, sem ter sido filha, ser filha decifrando a distância que a voz da mãe

aumentava com o passar dos anos, pois a cada vez um borrão do

passado parecia maior entre as memórias. Ela fazia isso sempre

acariciando levemente a barriga e enxugando os olhos da tristeza que era

esquecer.

Ele preferia pegar o binóculo, desajeitado como eram seus dedos.

- Chegamos, finalmente.

- Por quê? Isso é loucura e turismo também...

- Turismo é uma forma de entretenimento. Eu prefiro a sua barriga

colada à minha. – disse ela com delicadeza.

Será que o tamanho da nave é uma diferença significativa para nos

cativar? Nem a cor de nossos corpos é tão diferente a ponto de não ser

possível um encontro entre nós. A vida nos espera, esta virtude em sono

brando. A nave diz que vai partir. Um aviso eletrônico não poderia ser visto,

porque não havia qualquer aviso eletrônico e por esta razão um aviso

imaginado cairia bem.

- Imagine o roteiro de uma nave espacial indo diretamente para um

planeta novo, mil anos depois de ter sido feita...

- Imagino o quanto deve estar sendo difícil para você aprender esse

alienígenês... – uma nova pausa constrangedora dela.

Page 23: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

23

- Neste planeta valorizam meu esforço pela quantidade de

criatividade e de ruptura com uma regra ditosa que eu possa indicar em

jornais de baixa qualidade. Isso pode demorar algumas vidas para ser

realmente um movimento legítimo da minha alma. Por isso preciso

continuar repetindo: Arak veras tinktun. A Idade Média era repleta de

quebra-cabeças como esse de uma língua supostamente alienígena. Por

algum motivo, isso sempre me lembra Alea jacta est, tão alienígena

quanto pagar uma penitência na frente a um míssil de antiquário.

- A sorte está lançada, como se traduz do latim vulgar. Mas não sei o

quanto você valoriza o meu sonho da barriga grande, repleta de gente

feliz – perguntou ela incrédula.

- Preciso te dizer que antes de vir para esse teu planeta, o melhor

momento de sonhar era o instante de despertar. Agora tudo mudou um

pouco. Sonhar é um ritual, como um movimento que consome o cotidiano,

crença em uma verdade que pode continuar construindo universos de

realidades múltiplas e inatingíveis pelos limites da consciência humana.

- Acho que foi por isso que nos encontramos, não é mesmo? Porque

a realidade não nos suporta querendo dialogar o tempo todo com todas

as coisas, querendo superar as leis da lógica e os princípios gravitacionais

da física newtoniana; porque falar da acídia ao meio-dia é o mesmo que

enfrentar um abismo de depressão; porque um dia você pode

compartilhar do meu útero se me escutar.

Tudo isso dito para que agora eles possam abrir os olhos, lentamente,

pela primeira vez os dois juntos. Observam que para cada pedaço daquilo

que acreditavam ser um míssil havia um desenho talhado em pedra, assim

como uma pedra mais pontuda e outra angular. As duas pedras juntas

lembram uma catedral esquecida no tempo ordinário. Mais de perto,

caminhando com o olhar, as pedras se mostram cheias de pontas góticas

Page 24: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

24

e cruzetas. Ela sorri de leve, demonstrado pelos seus dentes brancos e

lindos, como a ternura de uma descoberta calma e lúcida. Era assim que

nascia o risível, da calma profunda que ela enxergava nas coisas. Disse a

ele, então, simplesmente:

- Prometa-me, amore mio, que voltaremos a fechar os olhos o mais rápido

possível!

ESTEVAN KETZER é psicólogo clínico. Doutorando em Letras pela PUCRS.

Pesquisa a relação entre poesia, filosofia e psicanálise na obra do poeta

Paul Celan. Além de ensaísta, é poeta. | [email protected]

Page 25: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

25

MARTA CORTEZÃO | Tefé, AM.

Quando a escuridão em mim se faz

Ainda que o Sol desponte radiante

Perco o sono, perco o tino e a paz

Sinto-me o Odisseu mais errante

Dentre todos os mortais

Cansado de astúcias e guerras

ODISSEU ERRANTE

Page 26: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

26

De tantas naus e saqueios perdidos

De tantos sonhos caídos por terra

Odisseu de sentimentos oprimidos

Dessa grande vida procela

Sem Destino, sem timão

Exilado em um submundo

Desprovido de toda a ilusão

Odisseu do Hades profundo

Decrépito, de amargo coração

Levianas juras e vãos amores

Esvaíram-se tal água pelos dedos

Carrego do mundo as dores

Odisseu dos tormentosos segredos

Isolado, em belicosas torres.

Castigado pela ira netúnia

Atormentado pelo abandono do lar

Largado à própria sorte, à penúria

Odisseu sem porto aonde chegar

E de grandes glórias estapafúrdias

Onde perdi o poder da imortalidade?

Quando os triunfos viraram fardos?

Por que me abandonaram as divindades?

Odisseu de trêmulos e vagos passos

Page 27: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

27

Por que tudo em ti é fatalidade?

O peso da idade me consome

Tal como ao leal amigo Argos.

Quiçá as forças não me abandonem

Quero voltar a retesar o arco

Ser Odisseu caído, mas Homem

E reerguer-me sublime e cauto

MARTA CORTEZÃO é professora da rede pública do Estado do Amazonas.

Professora da Universidade do Estado do Amazonas (UEA/CEST/TEFÉ) entre

os anos de 2001 a 2010 e da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) no

ano de 2011. Atualmente, estudante do curso de Mestrado "Mundo Clásico

y su proyección en la cultura occidental", em Segovia - Espanha.

[email protected]

Page 28: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

28

VANDER VIEIRA | Vitória, ES.

MORRERAM OS DIAS

Page 29: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

29

eu estou depois das tempestades

João Guimarães Rosa

Morreram os dias. Choveram os meus peitos.

As minhas horas, elas secaram – sem Sol...

As igrejas, os túmulos, os casebres.

As circunstâncias todas, acabadas.

Dias mortos, os dias mortos,

e esta caneta mesma sem ser de escrever.

Ai, viajei, viajo; não choro de chorar:

choro sem olhos – e de tudo o que me fica

o que mais importa é nada.

Analisei os poemas: fiz errado...

Esmiucei os pássaros: equivocado...

Acordado varei a noite: eu não dormi naquela noite,

e em nenhuma noite – foram mil, os compassos.

Não choro de chorar,

choro de poças d’água parada – sem vento, fim de mar.

VANDER VIEIRA é bacharel em Filosofia e vive em Vitória/ES desde 2009.

Venceu o prêmio UFES de Literatura 2013/14 na categoria Coletânea de

poemas e também foi publicado pelas revistas Subversa, Diversos Afins,

Samizdat e Desenredos | [email protected]

Page 30: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

30

MAURICIO LIMA | Novo Hamburgo, RS.

COLCHETES DE

RETALHOS

Page 31: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

31

a calma[ria]

das violências sutis

que cada um cometia

dia a dia

a dor Messias

permanecia

dormente

coletivamente individual

[já]mais

desconfiavam

tudo [se]guia

normal

as ruas eram jaulas

lotadas de animais livres

os prédios

matadouros

onde morria-se pouco (há pouco)

de tédio e [b]ravata

o dia (a)dia

um suicídio

involuntário

se vi(via)

entre parêntesis

sob colchetes de retalhos

(a)talhos de gente

Page 32: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

32

de vidas,

(de)mentes

(in)devidamente reticentes

agressivamente resolutos

animalesco era o luto diário

relapso, displicente

coadjuvantes do barulho que faziam

do silêncio (,)

da mente

MAURICIO LIMA é músico, poeta e professor. Tem seus textos publicados

em revistas e coletâneas nacionais e regionais, impressos e online, tais qual

Entreverbo, Gente de Palavra, Cabeça Ativa e também a Subversa.

Trabalha no momento em seu primeiro livro de poesias.

Page 33: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

33

JORGE PEREIRA | Recife, PE.

Carta de Herta Antipoff para Gunnar Seymour

Gunnar,

Antes de iniciar para você um breve relato sobre minha vida nos

últimos meses em que estive na ilha de Bali, quero que saiba que os anos

em que vivi ao seu lado foram suficientemente construtores para mim, que

me senti realizada como mulher e mãe. Mas quero que saiba também que

o Amor é uma pequena gota de tinta que vez ou outra escapa das mãos

de Deus e colore os nossos quadros brancos com um pouco mais de vida.

Nesse momento, escrevo em tom de despedida, mas também de

gratidão, afeto e profunda admiração pelo homem que você é. Quando

PÁSSAROS AZUIS

Page 34: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

34

retornar à França em uma ou duas semanas estarei indo vê-los, pois tenho

saudades de você, de nossa casa, de nossos filhos. Mas para lhe ser fiel e

sincera, adianto-lhe que não existirá mais entre nós nenhuma ligação

primordial de homem e mulher, apenas um sentimento de respeito e

cumplicidade. E é por conhecer intimamente essa alma compreensiva

disfarçada de ser humano que existe em você, que descrevo-lhe as

sensações, amores e conexões com o divino que experimentei nesse lugar

maravilhoso. Tornarei a escrever em poucos dias, quando chegar ao

Paquistão, pois a mim restou apenas o dever e a necessidade de realizar

os seus últimos desejos de vida.

***

Existia entre nós, algo menos metodológico e mais pluralizado em

relação aos sentimentos que nos cercavam. No primeiro dia de sua

chegada à ilha, contive-me em apenas elaborar um plano sucessivo de

voyeurismo filosófico longe de qualquer óptica carnal e primária que fosse

possível. Tinha pela Ashna um sentimento espontâneo de admiração em

sua capacidade de permitir-se enxergar de outras formas, em outros

olhares, pontos de vista, simétricas, parábolas.

Desembarcou em meio às chuvas torrenciais que chegam ao

arquipélago todos os meses de maio, e junto com ela havia um casal de

ingleses e espanhóis, que aparentemente não se conheciam e tornaram-

se companhias de viagem, o que é para mim, um fato completamente

normal visto que eles seriam as únicas pessoas estrangeiras com as quais

manteria contato por estes lados do Índico nas semanas seguintes. Ashna

saiu por último com seus cabelos esvoaçantes frente ao vento sul que

soprava forte, mas não fora isso que me chamou a atenção, não fora a

sua beleza ou características físicas, mas o pequeno baú chinês que

carregava nas mãos e algumas telas em branco debaixo dos braços.

Page 35: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

35

A jovem paquistanesa, além de ser a primeira artista que eu

conhecera pessoalmente na vida, fora também a primeira mulher que

amei intensamente. Havia entre nós duas um espaço intransponível que

ligava qualquer razão de sentimentalismo e racionalidade. O início dos

exercícios de amor não veio à minha presença como algo premeditado

ou arrebatador, eu sequer fui capaz de perceber a sua essência, a sua

forma de manter-se vivo ou de nascer dentro em mim. Tenho uma ideia

fixa em minha mente que o amor nasceu às cinco horas da manhã de

uma quarta-feira à noite bastante fria e perturbadora. Fora somente

quando avistei de minha janela dois pássaros azuis voando baixinho por

entre as flores tropicais, que ele brotou em minha alma.

A partir daí, tive que conviver com esse pequeno deus das misérias

que nos traz toda a sorte possível e deslumbre com o mundo e os seres que

nele vivem. Fosse como fosse, inesperadamente ou não, o amor tinha

dessas características mais sublimes de nos tomar o tempo de repente, e

agir como se fôssemos pequenas peças de um quebra- cabeça onde

tudo estava interligado.

Tudo que Ashna pintava, desenhava, rabiscava em seu caderno de

anotações, ou mesmo escrevia, era para mim como um retrato, uma

fotografia, uma arte concreta de si mesma. Nunca fui capaz de entender

os seus desejos de desvencilhar-se de suas obras logo assim que elas

estivessem prontas, não gastando mais do que dez ou quinze segundos

para apreciar a sua magnitude. Foi assim também com as cartas que me

escrevera um dia, fora assim com alguns pequenos textos e anotações de

seu caderninho, fora assim comigo.

Mas a sua presença ainda reverbera, isso eu não posso negar. Aliás,

tudo que ela construiu ainda a contém, e por isso mantenho sob meu

Page 36: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

36

alcance seus desenhos, quadros e anotações desde o primeiro dia em que

esteve em Bali.

Se havia algo de resplandecente no sorriso da Ashna, era o fato de

que ela havia se tornado uma das pessoas mais contraditórias que se

pode imaginar. Não bastava apenas amar-me, mas também usar-me de

inspiração para as suas mais tristes aquarelas, e escrever sobre mim como

uma de suas divagações psicológicas no seu caderninho de anotações.

Foi a partir dela, que comecei a perceber que algumas coisas eram mais

simples e menos figurativas do que eu poderia imaginar.

No dia em que nos encontramos, o céu era azul e as ondas

ondeavam lentamente os mares do sul. Ashna mostrou-me um desenho

que havia acabado de concluir enquanto esperava pelo café da manhã

em uma das belas sacadas do prédio em que nos hospedamos. Na

ocasião, vestia-se com um lindo vestido floral alaranjado e um chapéu

com algumas flores pintadas. Hoje posso dizer com toda certeza que ela

mesma fora responsável pelos desenhos no chapéu. Chamou-me para

conversar e sem receios atendi ao seu convite, era o início de uma

amizade de longos anos, que culminaria com um amor eterno e uma vida

bastante curta.

Conversamos sobre a sua viagem e sobre o seu trabalho, ela me

contara que havia voltado de uma exposição naturalista no Brasil, e que

estava inspirada em trabalhar com algo semelhante ao que houvera visto.

Aparentemente, ela experimentava uma nova áurea pela pintura, um

novo sentimento instigador e inspirador, estava começando a criar um

novo conceito para suas obras, e escolhera as remotas ilhas da Indonésia

para momentos de paz e tranquilidade enquanto depurava as doses

extras de arte que recebera.

Page 37: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

37

Foi nesse mesmo dia que ela me fez outro convite muito mais formal e

irrecusável que o primeiro. Depois de me presentear com o desenho de

dois pássaros feito em nanquim e papel naquela mesma manhã,

perguntou-me se eu estaria interessada em posar para algumas telas que

ela estaria pronta a começar. Queria retratar algo mais natural e bruto das

riquezas de Bali, e queria começar pela sua visão mais antropofágica e

enaltecedora.

Olhando bem em seus olhos, fui tocada por cada som das palavras

que lhes eram emitidas pela boca e soavam como sinfonias delicadas e

chamativas, fazendo-me aceitar o convite como se as ninfas o tivessem

feito ao pé do ouvido. Saímos juntas naquela manhã e nunca mais voltei

ao quarto do hotel onde me hospedei.

Ashna me presenteou com os dois quadros que fez nas duas semanas

seguintes em que ficamos juntas, o primeiro apenas o meu rosto tomava

conta de toda a extensão da tela, o segundo havia uma floresta e

algumas flores com insetos e pássaros azuis. Algo de surrealista permeava

as suas pinturas e eu somente fui capaz de perceber essa essência

particular quando já era um pouco tarde demais.

Todas aquelas noites foram encantadoramente maravilhosas, assim

como também os dias, as horas e todos os ternos segundos que estive ao

seu lado. Mas foi ao final da pintura de uma série de sete quadros

intitulados ‘Divagações em Bali’, que Ashna adoeceu. A deusa da

enfermidade transpassou a sua órbita universal e desposou de seu corpo.

Seu olhar era doentio, sua boca era pálida, sua face amarelada, apenas o

seu coração frutificava.

No dia do ocaso, Ashna ainda estava bastante fraca, mas fez-me

prometer que iria levá-la ao monte Gunung Agung, o ponto mais alto da

ilha. Assim, dizia ela: - “Estarei mais próxima o possível de Deus e de toda a

Page 38: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

38

criação”. E foi somente quando chegamos que ela beijou-me ternamente,

conversamos durante muito tempo sobre as armadilhas do destino e como

fomos felizes em nos encontrar naqueles dias em Bali. Juramos viver

intensamente qualquer amor que nos fosse oferecido, desde que fosse

puro e gentil.

Estava prestes a amanhecer o dia quando ela retirou do bolso de seu

vestido um pequeno caderninho de anotações, o qual eu nunca houvera

visto. Havia em sua capa algumas inscrições em português e imaginei que

se tratava de um poema, e que ela o tivera trazido de sua última viagem

ao novo mundo. Em suas páginas, uma série de poesias intituladas

“Biografia da Esfinge”, e hoje, dias passados desde a sua morte, percebo

que a Esfinge a qual ela se referia era muito mais próxima de mim do que

eu poderia imaginar. Cada verso seu me ressoava.

No final do caderno de anotações, havia um endereço na cidade de

Lahore, próxima a divisa do Paquistão com a Índia. E é para lá que me

direcionarei nas próximas horas, meu voo sairá em poucos minutos, e uso o

tempo que me resta em Bali para redigir-lhe esta carta e avisar-lhe que

nunca estive mais feliz em toda minha vida. Antes de enviar esse correio

eletrônico, vejo pela janela da cafeteria do aeroporto uma imagem

arrebatadora. Está chovendo, assim como no dia em que nos

conhecemos, e sou capaz de avistar dois pássaros azuis voando: eu e ela.

Herta Antipoff,

Bali, 2005

JORGE PEREIRA é biomédico e pesquisador do CNPq. Publicou poemas em

antologias espanholas e ibero americanas, e colaborou com revistas

literárias como a Revista SubVersa e Flaubert | [email protected]

Page 39: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

39

ENTREVISTA COM MARÍLIA MOSER:

“Quando pequena, achava que tudo

tinha que ter cor”.

Page 40: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

40

SUB | Como foi o início do seu desenvolvimento artístico? Como surgiu o

interesse e de onde vieram as principais influências?

Marília | Quando pequena, achava que tudo tinha que ter cor. Comecei

pintando as coisas de casa. Móveis, vasos, louças, prendedores de roupa.

Até que um dia, por acaso, encontrei guardadas a maleta de tintas e as

telas do meu avô, já falecido na época. Ele pintava com tinta a óleo, e foi

como comecei. Nem sabia direito como usar, mas fui tentando,

descobrindo. E foi então que surgiu a primeira tela, aos treze anos.

Page 41: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

41

SUB | Como é a questão da formação acadêmica para você? Que peso

elas têm no seu trabalho?

Marília | Quando decidi que seguiria na arte, escolhi ter uma formação

livre. Sabia que o caminho seria mais longo e difícil, mas permitia que eu

fosse dando o rumo do meu aprendizado. Comecei com o que mais me

instigava. Fui tentando técnicas até descobrir com o que mais me

identificava. Comecei com pintura, desenho, passei por gravura, escultura,

teoria da arte e sigo transitando neste universo que nunca deixa de me

fascinar. Por último surgiu a aquarela, onde sinto que realmente posso me

soltar, com pinceladas mais livres, traços menos comedidos e a

possibilidade do acaso.

SUB | Quais as principais técnicas e materiais que você utiliza e como

ocorreu essa ideia de trabalhar com a pintura fora do quadro?

Marília | Acho que minha pintura fez o caminho inverso. Acabou entrando

no quadro. Mas minha ideia é fazer com que a arte faça parte da vida

das pessoas ocupando outros espaços, além das paredes. Não só como

objeto decorativo, mas que também possa ser utilizado. E possibilta que eu

continue explorando diferentes superfícies de pintura. Quanto mais

inusitada a superfície, mais estimulante é para mim. Gosto muito de pintar

com tinta acrílica, e sou apaixonada por pinceis! Tenho muitos. Quer me

ver feliz? Me dê pinceis!

Page 42: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

42

SUB | Como você vê as dificuldades de trabalhar como artista visual, hoje

em dia? Quais delas você enfrenta de forma mais significativa?

Marília | Hoje em dia vejo mais facilidades do que dificuldades. Até

poucos anos era bem difícil mostrar o trabalho, conseguir espaço. Hoje,

com a internet, um universo de possibilidades se abriu.Um desenho que

antes poderia ficar por anos guardado no fundo de uma gaveta, hoje

pode ser mostrado assim que fica pronto. E o retorno é imediato.

SUB | E sobre os projetos e planos futuros...

Por quais caminhos Marilia Moser pretende

andar?

Marília | Quero seguir colorindo tudo por aí,

respingando tinta por onde passar. Seguir

explorando superfícies, caminhos, sendo

guiada e motivada pelas incertezas deste

universo. Acho que para quem vive de arte,

certezas não existem, mas as possibilidades

são infinitas.

CONTATO:

[email protected]

www.facebook.com/mariliamoser.arts

Page 43: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

43

PARCEIROS:

Page 44: Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

44

Edição e Revisão:

Morgana Rech e Tânia Ardito

Recepção de originais:

[email protected]