revista subversa v 2 n 12 2015

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SUBVERSA DAVID COUTINHO VALCIÃN CALIXTO LUCIENE BERNARDES ANA CRISTINA TIETZMANN SUSANA VIEIRA DANILO AUGUSTO GLAUBER COSTA FERNANDES HEITOR DE LIMA CRISTIANO JESUS MARIANA BASÍLIO SAMUEL H. DIAS ANDRÉA MASCARENHAS SOUZA DE MELO ISSN 2359 – 5817 Vol. 2 | n.º 12 | Julho de 2015

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[encerrando o Volume 2 da revista Subversa]

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Page 1: Revista subversa v 2 n 12 2015

1

SUBVERSA

DAVID COUTINHO VALCIÃN CALIXTO LUCIENE

BERNARDES ANA CRISTINA TIETZMANN SUSANA VIEIRA

DANILO AUGUSTO GLAUBER COSTA FERNANDES

HEITOR DE LIMA CRISTIANO JESUS MARIANA BASÍLIO

SAMUEL H. DIAS ANDRÉA MASCARENHAS SOUZA DE

MELO

ISSN 2359 – 5817 Vol. 2 | n.º 12 | Julho de 2015

Page 2: Revista subversa v 2 n 12 2015

2

Subversa | literatura luso-brasileira |

V. 2 | n.º 12

© originalmente publicado em 01 de julho de 2015 sob o título de

Subversa ©

Edição e Revisão:

Morgana Rech e Tânia Ardito

IMAGENS

Marilia Moser | Guilherme Wendt | Karolina Whoo | Déb Dorneles |

Daniel Drumond | A. Mimura | Juliê Caroline | Francisco Bem |

Caroline Aguiar | Pedro Fernandes | Luciana Belinazo | Sílvia Carreira

Os colaboradores preservam seu direito de serem identificados e citados

como autores desta obra.

Esta é uma obra de criação coletiva. Os personagens e situações citados nos

textos ficcionais são fruto da livre criação artística e não se comprometem

com a realidade

WWW.FACEBOOK.COM/CANALSUBVERSA

@CANALSUBVERSA

[email protected]

Page 3: Revista subversa v 2 n 12 2015

3

DAVID COUTINHO | © EXÍLIO | 6

VALCIÃN CALIXTO | © NOTÍCIA |8

LUCIENE BERNARDES| © O BALÃO | 9

ANA CRISTINA TIETZMANN| © QUEDA LIVRE | 12

SUSANA VIEIRA| © O HOMEM | 13

DANILO AUGUSTO |© OS SEM FILHOS | 19

GLAUBER COSTA FERNANDES|© OLHOS SELVAGENS | 22

HEITOR DE LIMA| © ELEGIA VEGETAL | 26

CRISTIANO JESUS| © LAREIRA | 29

MARIANA BASÍLIO| © O XXVII | 31

SAMUEL H. DIAS|© SINCEREMANTE CONFORTO | 33

ANDRÉA MASCARENHAS |© PREZADA DESARMONIA | 35

SOUZA DE MELO| © TRAUMA| 38

SUBVERSA

Page 4: Revista subversa v 2 n 12 2015

4

EDITORIAL

Eis o último número do volume 2. Chegamos ao final de mais um

ciclo que mudou definitivamente os rumos da revista. Muitos

colaboradores novos, um acervo lindíssimo de imagens e o primeiro

volume impresso, que tem conquistado os leitores por onde passa. Não

foi fácil, mas ninguém disse que seria fácil e nós aprendemos a encarar

as dificuldades como um excelente combustível.

A partir de agora, iniciaremos o planejamento e a expectativa em

comemorar o primeiro ano da Subversa e em traçar os novos moldes do

Volume 3. Para este número, foram reservados textos tão intensos e

carregados de emoção que traduzem o que para nós foram estes

últimos seis meses, em que desafiamos não só as fronteiras literárias luso-

brasileiras, mas as fronteiras intelectuais e criativas de duas jovens

editoras que aprendem diariamente com o andamento da própria

revista. A partir de agosto, a revista entra numa nova fase, seguindo a

permanente consolidação e busca em defender os nossos ideais e

princípios do labor literário e artístico.

Fica registrada aqui a nossa homenagem a todos os fotógrafos,

pintores e ilustradores que gentilmente cederam as suas imagens que

conversaram lindamente com os textos dos colaboradores da Subversa.

O nosso próximo encontro será na edição de aniversário, para a

qual estamos preparando algo muito especial. Obrigada.

Boa leitura e até breve.

As editoras.

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5

SUBVERSA # 1 – Versão Impressa | Volume 1 (2014)

Adquira já a sua, leia um excelente material e participe do

crescimento da revista.

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6

DAVID COUTINHO | Rio de Janeiro, RJ.

Num exílio escarnecido chegou ao mar. De pé, sobre a linha das

ondas na areia, contemplou a paisagem enegrecida. O limite entre céu

e as águas, delimitado pela lua alta no infinito, se desfazia nos borrões

azuis dos seus olhos, trazido por lágrimas atônitas de alguém que

reconhece a verdade. Seu coração era pequeno, e ainda assim trazia

a plenitude e os mistérios daquele oceano. Quantos não içaram velas,

levantaram âncora e se atiraram no obscuro da incerteza, das idas sem

porto, sem retorno? Ah, seu peito era um cemitério de naus enrugadas,

envoltas em algas e musgos, que cortou montes, mundos e partiu

corações. Sim, uma fotografia, uma poesia, uma miragem, pois deveria

conceber alguma beleza em todo aquele peso que queimava os

músculos de suas pernas; assim como o mar que é belo na superfície,

EXÍLIO

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7

reluzindo a luz da lua, das estrelas e das cidades. Sorria da própria ideia

de si e do que sentia ali, tão estática, no limite da terra e da água. O

limiar da vida a empurrava para onde o Sol se punha, e porque não

descobrir a queda vertical que engole o Sol, a qual tanto temia

Colombo e os grandes navegadores? Ícaro desejava voar, mas talvez

devesse ter navegado para leste, a todo pano. Era para lá que guinava

seu coração, por mais que os pés estivessem embebidos de água, sal e

areia. Se lhe batessem a porta, de agora em diante, deixaria entrar.

Acomodaria em seu lar, naquela velha cadeira, de velho estofado,

dado por seu velho avô, qualquer faminto que precisasse. Perguntaria,

para descontrair “entende alguma coisa de alma?”, “e de coração?”,

“é possível que entendas de barcos...”, e cairia no riso que há tempos

não ria.

DAVID BARRETO COUTINHO é professor e pesquisador por ofício, escritor

por prazer. É formado em História e possui mestrado em História Política,

tendo assim alguns artigos publicados em revistas especializadas nesse

meio. Atualmente, dedica-se à pesquisas na área de Ciência da

Informação e a divulgação de seus textos literários.

Page 8: Revista subversa v 2 n 12 2015

8

VALCIÃN CALIXTO |

Teresina, PI.

à Weslayne Sales

Bibica, 19 anos,

Havia começado a usar

drogas.

Todo o Memorare já sabia.

Até que a mulher de um policial foi assaltada,

Isso em plena luz do dia.

Bibica foi morto no início da noite.

Disseram que nem foi ele.

Depois ninguém nem quis mais saber,

Ainda tentou pular o muro...

VALCIÃN CALIXTO é autor de Reminiscências do caseiro Genival (Ed.

Kazuá, 2015), guitarrista/compositor na banda Doce de Sal, integrante

do coletivo Geração TrisTherezina do Piauí e formando em

Comunicação Social pela UESPI.

NOTÍCIA

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9

LUCIENE BERNARDES | Belo Horizonte, MG.

No parque era apenas um em uma multidão de balões. Ficavam

amarrados todos juntos, próximo ao vendedor, admirados com o vento

que soprava suavemente movimentado as nuvens no azul do céu.

Quando uma criança se aproximava apontando para eles, ficavam

todos eufóricos se empurrando para ver quem se destacava mais a

ponto de ser o novo brinquedo escolhido por algum menino ou menina.

Então o balão vestido da personagem cor de rosa-choque foi

escolhido pela criança que também trajava rosa-choque. A mãe deu

uma moeda para o vendedor que separou e desamarrou o balão

entregando-o para a menina. Então o balão se sentiu feliz e se despediu

dos velhos companheiros. Saltitante seguiu junto com a menina rua

O BALÃO

Page 10: Revista subversa v 2 n 12 2015

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afora enquanto que os outros balões ficaram de longe se balançando

debaixo do Sol.

O balão chegou na casa da menina que logo se deitou no sofá

deixando-o solto pela sala. Ele ficou ali parado e surpreso por estar em

um lugar tão diferente de tudo o que vira até então. Mas o que

realmente o intrigou foi o branco duro parado em cima de sua cabeça,

o que o fazia tentar entender para onde teria ido todo o azul do céu.

A moça das pernas finas que passava pela sala se assustou com o

objeto parado sob o teto e disse que aquilo era a coisa mais feia que já

havia visto. O balão também ficou assustado e se perguntando como

ele poderia ser feio se ainda a pouco era a luz dos olhos de uma

criança. Então os dias se passaram e o balão ficou preso na maçaneta

da porta do quarto da menina. Às vezes ficava solto no quarto, às vezes

passeava pelo corredor, outras vezes parava na sala assustando sempre

a moça das pernas finas, que resmungava e maldizia o balão.

O balão cada dia mais sozinho e entristecido pelos cantos

começou a murchar. Um dia a mãe da menina vendo o balão caído

pela casa o pegou pela cordinha e o levou para fora. O balão deu um

suspiro profundo e arregalou os olhos surpreso ao ver a luz do sol.

Quando a mãe o soltou sob o teto da varanda retornando para o

interior da casa, o balão começou a arfar o peito e foi se enchendo por

dentro com vontade de ver e chegar mais perto do azul do céu. Ele

não desistiu de lutar em nenhum momento contra o teto branco e

quando a mãe da menina se deu conta já era tarde demais. Ele

começou a subir devagarzinho pelo céu enquanto a mãe corria e

gritava pelo balão.

A moça das pernas finas foi a primeira a chegar para ver o que

havia acontecido e não segurou a imensa gargalhada pela situação. O

balão ficou enganchado nos fios de iluminação da rua e quase chegou

a zombar da situação. A velha saiu de casa enxugando as mãos no

avental e rindo virou criança. Por último chegou a menina que até

Page 11: Revista subversa v 2 n 12 2015

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então não sabia de nada. Ela começou a chorar e a mãe a consolar

dizendo que compraria outro balão. Preso na iluminação o balão via a

todos assustado com muita comoção. Então soprou um vento mais forte

que o desvencilhou e ele subiu mais alto cheio de frescor. Já era um

pontinho rosa-choque rindo e assoviando deitado nas nuvens macias

no azul do céu quando ainda avistou o velho saindo da casa que para

disfarçar acendeu um cigarro enquanto procurava a razão de toda

aquela confusão.

LUCIENE BERNARDES é belo-horizontina, escritora independente e autora

do blog O véu de Isis ´quando brotam as palavras´. Escreve porque se

sente encurralada, porque as imagens pululam ao seu redor querendo

existir aos olhos do mundo.

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ANA CRISTINA TIETZMANN |

Porto Alegre, RS, Brasil

pulo no azul

o corpo paira em busca de sentido

e vislumbro o inevitável chão

suspiro

sossego adiado

preciso aprender a voar

ANA CRISTINA TIETZMANN é médica psiquiatra e psicoterapeuta. Para

desenvolver-se como poeta, participa dos grupos de criação literária

da Professora Léa Masina. Vive em Porto Alegre, RS.

QUEDA LIVRE

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SUSANA VIEIRA | Lisboa, Portugal

O HOMEM

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(Primeiro o Homem, o Homem é sempre o primeiro; as coisas

vieram depois e, com as coisas, surgiu a vontade e a ação, ou - posto

de outro modo – a vontade de agir. Se a vontade já veio com o

Homem, antes de estar nas coisas, isso já é um outro assunto: polémico –

que coloca a Discórdia no centro de tudo: são as coisas que criam as

necessidades ou é o Homem, em si mesmo, a necessidade?)

Então, como ele não sabia ser outra coisa senão isso – um homem

-, fechou os olhos e rendeu-se, silenciosamente, a essa condição; ele

pensou que tinha feito tudo o que esperavam de si: tudo o que se

espera de um homem bom e honesto. Invariavelmente levantava-se

cedo, saía de casa quando a mulher e os filhos ainda dormiam,

chegava ao escritório antes de toda a gente e começava a trabalhar

sem que alguém lhe indicasse os objetivos a cumprir nesse dia.

Almoçava em quinze minutos e raramente, em mais de dez horas de

trabalho, se levantava para beber um copo de água ou ir à casa de

banho. Saía depois de todos os seus colegas e chegava a casa quando

a mulher acabava de lavar o chão da cozinha e os filhos já se tinham

deitado. Ainda se lembrava de como tinha sido o início de tudo. Tudo

começara com a afirmação

Tu és um homem, que, na altura, poderia ter-lhe soado a uma

provocação ruidosa e dura que o agredisse, de algum modo, em

alguma parte de si. No entanto, continuava intacto; nada em si

indiciava que alguma parte se tivesse quebrado; e, como a altura

podia medir-se em unidade de tempo e de espaço, a intensidade com

que a recebeu foi a mesma com que passaria a receber, daí em diante

e - à medida que crescia - em graus diferentes, os primeiros momentos

de todas as coisas recém-descobertas – depois do poder impactante

inicial que o feriria sempre, entenderia cada afirmação como um

momento forte. Em meio de uma vida tão pobre de sensações,

agradeceria a grandiosidade da oferta que lhe caberia – precisamente

Page 15: Revista subversa v 2 n 12 2015

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a si, escolhido, no meio de tanta gente, para receber o que lhe

pudesse, em algum momento, transformar a perspetiva dos

acontecimentos. Medindo a altura em unidade de tempo, entendia-se

a época em que a afirmação fora proferida e rapidamente

interiorizada para, numa idade posterior, vir a ser lembrada – a infância

principiava, logo, ele ainda era um menino. Quanto ao resultado da sua

medida em unidade de espaço, a altura era vencedora na matéria,

porque estendia-se para cima. Estendia-se, sim – ele não se enganara;

ela não se erguia, assim, tão simplesmente; para além de subir, a altura

– que, com grande dificuldade, o menino obstinado tentava

acompanhar – também se alargava. Ela era mais do que uma linha

esticada e comprida no espaço: a altura ocupava uma área mais

avantajada nessa dimensão onde o menino era um ponto difícil de se

imaginar.

Para conseguir reter todo o conteúdo da afirmação - que, na sua

grandeza, lhe parecia cheia como um fruto maduro - o menino tinha de

se fixar atentamente nos lábios grossos que a sentenciavam; então, era-

lhe inegável que não virasse para trás, num ângulo quase inadmissível, o

pequeno pescocinho e que não esticasse o queixo na direção de

quem estava acima de si. Desse modo, ele sentia o poder que explodia

da afirmação fremente nos lábios grossos e que retumbava

vibrantemente nos seus incautos ouvidos de menino.

O poder da sentença pronunciada, ao contrário da altura

mensurável, não tinha medida: ela articulava-se individualmente e era

indiferente a quem a transmitisse; não obstante exigindo obediência,

dependia impiedosamente de quem cabia recebê-la – e era a ele,

menino, que pediam que respeitasse as alíneas subliminares da

afirmação, na tentativa futura de as decifrar. Dessa compreensão e da

elaborada execução da sentença dependia a continuação da ordem

do mundo, ou seja, a gravitação que garante a sobrevivência do seu

lugar no escuro. Ele, o menino, recebia duplamente o importante poder

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de um efeito – o de restabelecer a ordem do mundo – e de uma causa

- realizando plenamente a função que a afirmação lhe dava. Enquanto

menino, tudo tinha um tamanho maior do que o crescimento do

mundo. Ao realizar essa função, ele passava também a fazer parte do

crescimento do mundo – cresceria com ele e tornar-se-ia seu eterno

aliado.

O que o deixava mais perplexo, e incomodamente orgulhoso,

em toda aquela estranha situação era que a afirmação precipitava um

futuro aparentemente remoto, forçando-o a acontecer de facto e mais

cedo. Tu és um homem destinava-se a elucidá-lo que no seu mimoso

presente ele já era um homem e, portanto, não teria de esperar por

nenhum fundamento para o vir a ser. Mas já tinha fundamentos para

deixar a infância apodrecer na terra, sem regar as suas raízes e sem

deixar que ela se levantasse e fizesse o seu caminho. Nesse momento

fosforescente ele ascendia precipitadamente à adulta classe dos

humanos que cruza os dados e os mistura, de tal forma suspeita, até um

se submeter fracamente a outro que passa a assumir o peso de o

aceitar, terminando, assim, os dois por desaparecerem.

Depois da força do primeiro momento, foram muitos anos a

instruir-se na grande tarefa; se agora lhe dissessem que ele era outra

coisa – ele não saberia reagir a esse novo desafio: lembrou-se, mais

uma vez, que tinham sido muitos anos. Homem! A palavra furiosa do

início tinha amadurecido e dado lugar a uma palavra amansada. Tudo

na sua vida, desde menino, havia sido criteriosamente decidido para o

conduzir a um único e concreto fim: o de desempenhar com dignidade

e fidelidade a função de ser um homem.

Contudo, nessa manhã – ou porque o sol forte conseguira

atravessar os buracos dos estores, ou porque se esquecera do que

significava ser um homem -, ele não se levantou. Em vez disso, deixou

Page 17: Revista subversa v 2 n 12 2015

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que as ondas do sol lhe entontecessem os pensamentos que, como um

girassol, se abriam e se fechavam e deixou-se envolver pela vontade de

escutar o mundo sussurrante que submergia lentamente.

A mulher, sentindo o volume ao seu lado, sobressaltou-se e gritou

como se o mundo sofresse um terrível abalo que invertesse toda a

ordem conhecida das coisas. As crianças assustaram-se e saltaram da

cama. Mas aquele que havia sido instruído para ser um homem

permaneceu no seu mutismo. Todos se entreolharam sem nada

perceberem: a mulher desviava os olhos do marido para as crianças e

encolhia os ombros estreitos; o filho mais crescido olhava o pai e depois

a mãe e, não conseguindo encontrar nenhuma salvação em nenhum

dos dois, deixava que o olhar recaísse sobre o irmão; o filho mais

pequenino olhava o pai e sorria, porque era o único que conseguia

entender a alegria de, pela primeira vez, encontrar o pai pela manhã e

dar-lhe um beijo antes de sair para a escola; quanto a si, o homem

permitia que a vontade dos seus pensamentos de se fecharem e

abrirem dominasse toda a situação. A mulher e as crianças recolheram

o seu mutismo e, sendo-lhes fiéis, nada disseram, também.

Depois de perceber que nada havia a entender, a família tentou

normalizar a nova situação, parametrizando um novo modelo para um

melhor e mais harmonioso convívio possível. A cada dia, a família,

tentando que a vida retomasse uma rotina normal, amparava-lhe o

mutismo e, antes e depois dos afazeres diários de cada um, rodeava-o

como a um pequeno altar onde se fazem as oferendas em troca de

favorecimentos maiores. O filho mais crescido fazia os trabalhos da

escola junto do pai e sentia-se satisfeito por o pai não exigir mais de si. A

mulher limpava o quarto à sua volta e, sentada a seu lado, telefonava

às amigas a gabar-se das delícias da vida conjugal, porque tinha um

marido que não a maçava em nada. O filho mais pequenino fazia-lhe

desenhos em bocados de papel que as suas mãozitas desajeitadas

conseguiam, a muito custo, rasgar. Por vezes, só conseguia rasgar um fio

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de papel – era o suficiente para o lápis deslizar num risco torto: ele,

embora pequeno, já conseguia adivinhar que o simples gesto de um

risco torto pode conter toda a precisão do mundo e tudo o que é

importante conhecer. Ele, no princípio, ficava horas a olhar o pai e fazia

igual – ficava calado. Nessas horas de ensinamento aprendeu o que

era o silêncio e dedicou-se a aperfeiçoar a nova aprendizagem.

Quando pensava que já sabia tudo sobre o silêncio, percebeu uma

coisa nova. Um dia, seguiu a linha do silêncio do pai e, numa outra

dimensão, muito atrás do mundo, muito atrás das asas negras e

pesadas dos pássaros, muito atrás das regras da mãe, muito atrás das

ordens do irmão crescido, muito atrás das vogais aborrecidas da

professora, havia o que descobriu ser o seu mundo, que se abria e se

fechava conforme bem entendesse. O menino deitou-se junto do pai e

aconchegou-se no seu peito.

Mais tarde, o filho crescido chamou a mãe e, ambos, abraçaram

os outros dois elementos com o mesmo carinho com que o seu abraço

fora recebido. No seu mutismo, a família procurou, na linha do silêncio –

nessa clara direção -, o seu mundo perfeito. Tudo à volta desse

pequeno tubo se enevoou.

SUSANA VIEIRA é licenciada em língua e cultura portuguesas pela

Faculdade de Letras de Lisboa. É redatora e revisora editorial.

Page 19: Revista subversa v 2 n 12 2015

19

DANILO AUGUSTO | Salvador, BA.

poetas críticos

outrora malditos

artistas docentes

revolucionaríssimos

do amor justíssimo

a terceiros de terceiros

suas estantes são árvores

genealógicas

seus corpos são velas

sobre a mesa

porém onde encontrar

OS SEM FILHOS

Page 20: Revista subversa v 2 n 12 2015

20

entre os livros de filosofia

um filosofo que o conforte

quando passado o dia

restar um corpo interrompido

em um quarto de hotel

em um país estrangeiro?

e quando pensar nos filhos

como não sabê-lo

nos dos seus amigos

aquele não tido

por ganas de expansão?

mas por fim abreviado

restar neste quarto

o inacessível

de um fruto amadurecido?

e nesta já comum

vigília da velhice

sentir por não colhido

dentro do próprio peito

o desconhecido

de um segundo corpo que se desfaz?

DANILO AUGUSTO é poeta baiano, ensaísta, tradutor e professor.

Publicou os livros Poemas (2014, edição do autor), Zumbi (2014, Coisa

Edições) e Sonhos e outros Sonos (2005, Luripress). Teve seus poemas

traduzidos para o inglês, espanhol e italiano e colabora rotineiramente

com revistas e espaços como Escamando, Modo de Usar, Pessoa, Musa

Rara, Mallamargens e Jornal Relevo. Em 2015 publicará Estar na Grama,

poemas contra a terra devastada, a incompletude, a desesperança e o

lugar nenhum.

Page 21: Revista subversa v 2 n 12 2015

21

GLAUBER COSTA FERNANDES | Ubatã, BA.

Fechando o portão, apressado, para voltar ao computador,

percebeu a presença, na rua, das borboletas. Elas passavam de um

lado para o outro, mesmo quando passavam carros. E circulavam, uma

solitária ali, outra voando mais alto, por entre as pessoas, as motos, as

bicicletas e os outros animais. O que faziam? O que será que fazem as

borboletas? Pensou. Enquanto a vida humana se ansiava, elas estavam

tão perto. Procurariam algo? Algum tesouro esquecido? Algo debaixo

da terra, que não dá mais para cavar?

OLHOS SELVAGENS

Page 22: Revista subversa v 2 n 12 2015

22

Recordou que à noite passavam sempre uns morcegos. Refletiu se

os bichos de asas não seriam menos perceptíveis. Pela manhã, havia os

passarinhos no quintal. O que faziam ali, naquela cidade tão

entediante, aqueles bichos com asas? Por que não voavam para longe,

para outros lugares maiores, alguma floresta, um jardim? Mas não,

ficavam ali. Filosofou. E subitamente sentiu-se acompanhado. Depois,

suspirou tranquilo, como se anjos estivessem pousados para fazer

companhia a ele. Como se eles estivessem tecendo, pacientemente, o

tempo para ele, e para todos os que moram ali, um dia poderem voar.

Chegou, enfim, de volta ao computador e logo viu na tela inicial

uma paisagem campestre. A tela estava assim já fazia dias, muitos dias,

e ele não tinha percebido nada de especial. As paisagens e as asas

estavam camufladas, constatou. E nem era uma cidade grande,

acinzentada. Era um interior dentro da mata mesmo. Árvores para todo

lado. Mas ele não havia notado. Será que era pela abundância?

Existiria, então, um mundo por baixo do outro, que ele só estava vendo

agora, assim, de repente, na pressa de fechar o portão? Aquela mente

teria enlouquecido de fechar portões e guardar-se na sala, no quarto,

na própria intimidade?

Olhou, nos olhos, o gato da casa, mas seus olhos não diziam nada

do que ele queria saber. Aqueles olhos reptilianos e frios. Que tipo de

sentimentos existiria neles? Existiria culpa? Ou culpa, talvez, seja uma

invenção humana? Ficou sem resposta, aflito, procurando alguma coisa

naqueles olhos amarelos. Eles estavam vivos, assim como ele também

está vivo. Pensou: Serei eu o que o meu corpo é? É dos meus olhos

negros, então, que brota toda essa agonia? Olhou ao redor para as

paredes e espantou-se de ver o mundo dividido em dois: o das paredes

e o das pedras sobre pedras.

Levantou-se. Caminhou até o portão, novamente. Olhou a rua e

viu as pedras, os paralelepípedos, o vegetal entre eles. Sentiu que sua

Page 23: Revista subversa v 2 n 12 2015

23

casa esmagava alguma coisa viva, com a ajuda do seu peso dentro

dela. Saiu.

A rua estava vazia. O céu imenso. A tarde terminava. Andou.

Começou uma caminhada. Por vários minutos não pensou em nada.

Calou-se. Ficou mudo pelo que via. Era tudo muito frágil e vivo. Dos

insetos aos urubus. Foi andando tanto que o seu corpo começou a suar.

Aí sentiu mais o corpo, ou melhor, flagrou-se sentindo, com consciência.

Estava pulsante. A mente esgotou-se. Consumiu-se em uma vertigem de

cansaço. A noite já estava esfriando. E isso lhe causou um calafrio. A lua

estava cheia. Iluminava a sua face quente, os seus olhos selvagens.

Sentiu que o sangue circulava. Tocou mentalmente cada ponto do seu

corpo, usou o pensamento. Raciocinou aquele mistério.

Onde estava mesmo? Dois mundos se dividiam, como águas que

se desencontram. Sua cabeça se repartia. Ele sabia que era impossível

existir dois mundos assim, sem que ninguém notasse. Impossível, dois

mundos. Resistia. Foi ao fim da cidade. Olhou o céu, encarou a lua,

ouviu os grilos. Era já outro mundo, longe do portão. Era também uma

outra vida? Estancou. Estagnou, pensativo, hipnotizado.

Ouviu um barulho de rio. Depois, de mato. Havia algo no mato.

Seus olhos estavam firmes, como os do gato. Seguiu os rastros sonoros.

Entrou no mato escuro, iluminado pelo céu da noite, e viu. Viu um

menino magro, assustado como um cego, girando para todo lado,

procurando algo para se encostar, com as mãos para trás. Quem seria

ele, não pensou. Avançou. O menino ficou mais agressivo, defensivo.

Fez gestos bruscos para afastar o invisível. Então, ele tocou o ombro do

menino. Um pulo. Um salto para trás e os dois ajeitavam os corpos para

a briga. Encararam-se. O menino via. Desfez-se o susto. Fez-se um riso.

Conhecia-o. Você veio, o menino disse. Você chegou. Eu, que estava

cego, agora posso enxergar. Todos nós ganhamos olhos a ver mais,

algum dia. Venha, vamos ao fundo. Tens que quebrar o meu esqueleto.

Foste sequestrado pelas borboletas. Faça-o e minha pele será tuas asas.

Page 24: Revista subversa v 2 n 12 2015

24

O homem assustou-se, ofegante. Um susto, um delírio, uma

urgência. Onde ele havia ido parar? Sentiu-se um intruso. Não sabia o

que fazer. Esperou. Aguardou que aquilo se desfizesse. Mas o menino

continuava ali, parado, também no aguardo. Estou perdido, pensou. E

o menino escutou. Sim, estás. O besouro daqui é mais letal. Tudo aqui

vai ser visto por ti como quem é olhado por um enfermo. Aqui é o

mundo dentro do mundo. Aqui é o perto e o longe. Por isso, estás

perdido. Mas é assim perdido que se encontra o jardim, disso o menino,

quase sorrindo.

Quebra-me, salva-se, é a lei. E prossiga. Ele ouvia e não entendia.

Quis voltar, mas algo o paralisava. Nem olhar para trás ele conseguia. O

coração estava ligeiro, ele ouvia. E aquele som se confundia com um

tambor distante, que parecia que vinha, que se aproximava. O menino

fez um gesto de quem ouvia. Está ouvindo? O teu coração é quente,

cai bem para o estômago de um faminto. Quebra-me.

Sentiu-se preso. Aprisionado. A noite inteira era uma prisão.

Desapareceu a ideia do amanhecer. Era o mundo uma grande noite, e

ele precisava reagir. Deu um passo para trás. Pisou uma folha

barulhenta. O menino silenciou. Parecia algo esperar. Não aconteceu

nada. Deu outro passo para trás. As folhas eram o próprio chão. O

menino gritou. Um grito horripilante. Um salto de medo levou o homem

para trás de uma vez. Caiu. Quando levantou, o menino já estava

caído. Olhou ao redor. Nada. Ventava mais frio. Era um vento frio, muito

frio. Sentiu a sua pele fria. Foi até o menino jazido.

Morto. Ele estava morto, meu Deus! O que faria? Olhou

novamente ao redor. Aquilo tinha que ser um pesadelo. Tocou. Estava

tudo frio. Chegou o medo. Quis fugir. Por impulso, correu. Se algo havia

matado o menino, poderia matá-lo também. Correu. Correu o mais

rápido que pôde. Sentiu o coração bater. Correu até sentir calor

novamente. E sentiu. Encontrou, sem procurar, a cidade outra vez. Saiu

de um beco. Parou, respirou ofegante. Ninguém. Alta madrugada.

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Voltou para casa. Perplexo. Fechou o portão. Dormiu cansado. E sem

sonhar.

No dia seguinte, quando saiu para trabalhar, e uns poucos carros

passavam para lá e para cá, viu que, no meio deles, uma borboleta

girava no vento. Parou e ficou na calçada a olhá-la. O que ela fazia?

Viu um cachorro passar. Imaginou o corpo dele como algo quente e

alerta. Voltou o olhar novamente para a borboleta, que já não estava.

Suspirou, com medo, ao restar apenas o próprio corpo para a sua

atenção. Estremeceu ao se imaginar quebrando o esqueleto do

menino. Um arrepio.

Que mundo era aquele que podia se camuflar ou se revelar em

um segundo de distração? O que criaturas aladas estariam

aguardando, assim, tão perto e aqui? Distraiu-se. Seus olhos estavam

fisgados por dois mundos simultâneos. Que isso se espalhasse para os

braços e, depois, para as mãos, o frio, de algum jeito, o alcançaria; e

ele precisaria sempre de ter asas, sentenciado por um invisível quente,

lutando para ser quente. Sentia. Era o que agora pulsava em sua

mente, no escritório, em frente à tela bucólica do computador. E do

mesmo modo que nada dizia, não sabia o que fazer. Não sabia agora e

sentia bem forte que nunca saberia.

GLAUBER COSTA publicou as crônicas “No longe, no dentro” e

“Gênese”, ambas pela Coletânea Eldorado, da Celeiro de Escritores.

Publicou o conto “Meu velho” na Revista Subversa, texto que faz parte

do primeiro volume impresso. Teve o conto “A locomotiva” aceito para

publicação pela Editora Editus. Escreve no blog http://glauber-

manuscritos.blogspot.com.br/

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HEITOR DE LIMA | Fortaleza, CE.

ELEGIA VEGETAL

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Rogo a ti, linda flor, sobre o jardim de agosto

erguido nesta relva de rubi entre colunas de sono

onde a calma se esvai como teu corpo,

pisoteada pelo halo das rochas.

Desperta deste verde decrescente

Entre colinas de aurora e sangue.

Vê neste cansaço de estátua o riso

que te perdeu nas veredas de ar.

Vê teu riso que te perdeu

no vento que se estica no horizonte

como um músculo de cera

envolto em rosas de chumbo.

O tempo se esvai como teu corpo.

Preso nesta argila de antes

à beira da loucura mais serena

Na tarde amarga sem sinônimo.

Eu que não me ouço nem contemplo,

Escuto tua voz de fogo quebrada

Sobre este lago espesso e reticente

e a brasa escorre de um ouvido.

Os homens sobre tua sombra ressecada

colhem frutos de silêncio. As mãos desentendidas

levam o sumo à boca e tudo assenta mudo.

A Pedra mordisca teu anel de pó

A tarde arranca teus pelos de ouro sobre o marulho do espaço

e leva esta música oculta que exala das ancas do lago.

Desperta deste verde

hálito baço entre oceanos de lírios.

Pequenas folhas de areia

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caem sobre teus olhos que choram Círculos de anil

encerrados em teias de cobre crepuscular;

No outono de árvore salina, raízes débeis procuram

um pedaço de angústia, um sepulcro de pássaros,

guardados no desperdício da paisagem.

Rogo a ti, linda flor, sobre o jardim de agosto,

sobre teu choro ensimesmado e grave,

verbos que façam o medo desatar

num pano aquoso onde a súplica

de desvanecer não seja ouvida.

Ouve-me,

Que a forma tua concreta,

como o cheiro da carne já medrosa

relembra a costura

do ano em vultos de poemas.

Rogo a ti, linda flor,

sobre o negro suspenso:

Ouve-me, que te amo em susto,

olhado de forma inesperada

sobre o jardim de agosto em sonho.

HEITOR DE LIMA rabisca em versos desde os 9 anos de idade, espera que

o mundo escolha a poesia, mesmo que inconsciente. Vive a

heterogeneidade de ser quem é.

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CRISTIANO JESUS

Paredes do Bairro, Aveiro,

Portugal

Sentei-me à lareira como quem esperava a morte

E bebi a amargura com que me ardia a alma por ter falhado em tudo.

Fechei os olhos porque fui sempre senhor enquanto sonhei,

Mas a gravata que me compunha desfez-se

E não houve nó que soubesse dar.

Sonhei ser o perfume que toda a gente quisesse cheirar,

Sonhei ser a filosofia que qualquer filósofo desejasse escrever,

Sonhei ser D. Sebastião e salvar a pátria,

Mas não houve mais ninguém na história

Que tivesse tantos exércitos derrotados como eu.

E o regresso nunca existiu,

Estive sempre no mesmo sítio,

Debaixo da carroça do que era.

LAREIRA

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Fui ingénuo para a vida e ela não me perdoou.

Lançou-me com violência

Contra as coisas que desconhecia

E perdi-me na brutalidade do mundo.

A tempestade que se formou à minha volta

Incomodou-me tanto que saí por aí correndo

À espera que de uma porta aberta numa parede que nem sequer

porta tinha.

Fiquei molhado pelos meus problemas e sequei-os na lareira que estava

apagada.

Se hoje fosse ontem,

Quereria apenas ter existido,

Como a lenha que ardeu e restou-lhe apenas ser se não cinzas.

CRISTIANO ANTÓNIO MARQUES DE JESUS nasceu em Coimbra, freguesia

de Sé Nova. Entre 2011 e 2014, frequentou o curso de Artes Visuais na

Escola Secundária de Anadia e, paralelamente ao liceu, aprendeu

música no Conservatório Artes e Comunicação, em Oliveira do Bairro e

na Escola Artes da Bairrada, no Troviscal, onde tirou o sexto grau de

conservatório, como clarinetista. Atualmente, estuda Som e Imagem, na

Escola Superior de Artes e Design, nas Caldas da Rainha.

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MARIANA BASÍLIO | São Carlos, SP.

O réquiem nasceu-me dos sangues.

O réquiem morreu-me em instantes.

-Suave é a noite que o réquiem canta!

Em costelas, cantou-me em serenos:

“Não te ponhas a questionar

o porquê eclipses solares.

Não te abras a questionar

o porquê lágrimas incolores.

Não te firas a questionar

o porquê veias azuladas. ”

De nossas falas, há nossas falhas.

De nossos pés, há nossas patas.

XXVII

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O réquiem subiu-me as veias vermelhas,

traçando reluzentes granizos, e soprou

soprou aos montes de bronzes, réquiem.

Em D menor, réquiem. Em D menor.

Disse eu, morta de amores, disse eu.

Apertando os cravos que voavam

borboletas aos meus sentimentos, cravos.

Por safiras, em elipse sufocou-me os ares.

Com bordas feito pedras-lipses, dizia ele:

“E não te ponhas mais a reclamar das

veias postas às esferas periespirituais.

Tu aceitas o silenciar dos dentes e eles

te aceitam em litúrgicas róseas rosas.”

A nascer de prantos. A morrer de frutos. Eu parti.

Inteira como cachos de melancia rasteiras.

Inteira como seitas em vinícolas de água.

A nascer das dores. A morrer de sedas. Eu parti.

E se tiveres as veias cheias de sangue

se tiveres os caramujos em estômago

se tiveres unhas e dedos desbotados

se estiveres a cumprimentar querubins,

-Suave é a noite que o réquiem canta!

MARIANA BASÍLIO é autora de Nepente (Giostri Editora, 2015), reunião

de seus primeiros poemas. Atualmente, se dedica à escrita do segundo

livro, sombras & luzes. Seus versos são inspirados em poetas como William

Blake, Percy Shelley, Walt Whitman, Herberto Helder, Ruy Belo, Luiza Neto

Jorge e Hilda Hilst.

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SINCERAMENTE CONFORTO

SAMUEL H. DIAS

Muzambinho, MG, Brasil

As fadas voam perto de mim.

Colocam suas mãos sobre meu rosto.

Uma nova visão surge e repetidamente eu ouço uma bela voz.

A figura pálida em minha frente é meu futuro eu.

Podemos amarrar essas figuras podres e conseguir formar um único

pensamento.

A gaiola que antes te prendia...

As unhas quebradas estão no chão.

Jovem donzela Se recomponha.

Sorrindo e se levantando vagarosamente.

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A oferenda a uma personificação.

Metade do corpo para o sul a outra metade para o norte.

A tarântula em sua doce boca.

Esvazia sua mente.

Sacrifício, Sacrifício e Sacrifício.

Tendo ouvido repetidamente.

Até a sua suposta felicidade me enoja.

Isto é o suficiente para nos tornarmos ricos.

O louco aqui é um manto vermelho de pequenos espaços entre os nós.

Volta e Meia.

Tottem.

SAMUEL H DIAS é colaborador frequente da Subversa e dispensa

biografia.

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ANDRÉA MASCARENHAS | Salvador,

BA.

[prezada desarmonia]

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I

venho por meio deste

por meio

d'isto

pensar

um monet de rua

enfim um monet desavisado

desqualificado

com pincéis

de flores

com sprays

de animação

logo

tópicas

mal'amadas

de pouco

a mais

barrado

no sarau

do desespero

II

um monet

de quinta

essência

(des)guarida

apaixonado

por efêmeros

e

fuga.cidades

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III

para os devidos fins

de esquerda

pelas cores.suportes

e pintura

de teto.céu

deixo estatuído

em epígrafes de chão pisado

que a beleza

pode ser

gratuita

fluida

fru.ida

e flutuante

em meio a sexta e sétima avenidas

inclusive

a que pede esmolas

em chapéu

puído

à beira da instabilidade

de um meio

fio

<Registre-se e cumpra-se>

ANDRÉA DO NASCIMENTO MASCARENHAS SILVA é docente da

Universidade do Estado da Bahia (UNEB), da área de Literatura. Doutora

em Comunicação e Semiótica - PUC-SP. Edita o Blog literário ..Arquivos..

impertinentes. Publicou textos poéticos na Revista Cultural Artpoesia

(2012) e na Revista Subversa (2015 / edições 10, 11 e 12). Pela Pastelaria

Studio (Portugal) participou de três antologias (2015). Pela Editora

Pragmatha (Brasil) participou do Caderno Literário n. 66 e da Antologia

'Sou Poeta Com Orgulho 2' (2015).

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SOUZA DE MELO | Belo Horizonte, MG.

TRAUMA

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O sangue secando

Na ponta do nariz

Escurece

E perde

O gosto

Cristaliza

Quase protegendo a carne

Da lembrança do murro.

SOUZA DE MELO nasceu em um vilarejo português, em agosto de 1991.

No entanto, vive em Belo Horizonte desde os seis anos de idade. Ao

longo da infância, foi descobrindo seu gosto pela literatura e pela

música, seus principais vícios criativos. Atualmente cursa Letras na UFMG

e estuda música por conta própria.

Page 40: Revista subversa v 2 n 12 2015

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PARCEIROS:

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Edição e Revisão:

Morgana Rech e Tânia Ardito

Recepção de originais:

[email protected]