revista subversa v 2 nº11
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SUBVERSA
Vol. 2 | n.º 11 | Junho de 2015 ISSN2359 -5817
VANDER VIEIRA| ERIC COSTA | SÉRGIO SANTOS
VALCIÃN CALIXTO | SAMUEL H. DIAS
LUÍSA FRESTA | MARCUS DE BESSA
MATHEUS JOSÉ | FERNANDA LESSA
DANIEL TOMAZ WACHOWICZ | CAROLINE ALEXANDRIA
ANDRÉ VICTOR MARQUES | UBIRATHAN DO BRASIL
Fotografia DANIEL DRUMOND
WWW.FACEBOOK.COM/CANALSUBVERSA
@CANALSUBVERSA
Subversa | literatura luso-brasileira |
V. 2 | n.º 11
© originalmente publicado em 15 de junho de 2015 sob o título de
Subversa ©
Edição e Revisão:
Morgana Rech e Tânia Ardito
FOTOGRAFIA:
DANIEL DRUMOND
www.fb.com/drumondcomummso | [email protected]
Os colaboradores preservam seu direito de serem identificados e citados
como autores desta obra.
Esta é uma obra de criação coletiva. Os personagens e situações citados nos
textos ficcionais são fruto da livre criação artística e não se comprometem
com a realidade
VANDER VIEIRA | © UM FADO MAIS PESADO QUE UM FARDO |
5
ERIC COSTA | © O INFINITO TILINTAR DAS CHAVES |7
VALCIÃN CALIXTO| © HISTORICIZADO | 10
SAMUEL H. DIAS| © O MEU FINAL |12
LUÍSA FRESTA| © MEMÓRIAS DA CASA COR-DE-ROSA | 14
MARCUS DE BESSA |© PARÓDIA EM RAPSÓDIA 2 | 17
MATHEUS JOSÉ|© ALERGIA A COR CINZA | 20
FERNANDA LESSA| © VÍCIOS | 23
DANIEL TOMAZ WACHOWICZ| © ARTE POÉTICA | 25
CAROLINE ALEXANDRIA| © O AMOR NOS VERSOS DE CAMÕES
E SOPHIA DE MELLO | 27
ANDRÉ VICTOR MARQUES | ARTIGO DE OPINIÃO | 35
UBIRATHAN DO BRASIL| © NÃO VI A GOIABA DOS TEUS
OLHOS | 37
SÉRGIO SANTOS| © BUROCACIA SENTIMENTAL| 41
SUBVERSA
VOL 2 | N.º 11 |15 DE JUNHO DE 2015
EDITORIAL
O Volume 2 está chegando ao fim, sendo este o penúltimo
número desta etapa que tem nos ensinado tanto. São muitas as
conquistas, desde Janeiro de 2015. Recentemente, enviamos todo o
material do Volume 1 para distribuição no projeto Worldreader. Além
disso, dois eventos de lançamento da versão impressa estão marcados,
um em Porto Alegre e outro no Rio de Janeiro (em breve, confirmaremos
outros tantos).
Entrando em uma fase mais sólida, já existem também alguns
projetos de mudança para o próximo semestre, quando iniciamos o
Volume 3. Somos sempre gratas pelo apoio e colaboração de todos
com o projeto e temos a certeza que muitos outros Volumes ainda virão
por aí.
Desta vez, contamos com a colaboração de mais um profissional
que tem muito a ver com a Subversa. Daniel Drumond, [com um M só]
viaja pelo mundo fotografando, vendendo artesanatos e cantando.
Suas fotografias são narrativas: histórias contadas a partir de seu ver-o-
mundo. É muito curiosa esta relação dos escritores e profissionais de
imagens que passam por aqui. O ambiente é tão genuinamente
colaborativo que os encontros acontecem de forma espontânea e
criativa.
E por que será?
O que este tipo de relações colaborativas tem a dizer, hoje em
dia, para as revistas literárias? E, mais ainda, nas relações profissionais e
artísticas, de modo geral?
Estamos sempre descobrindo, a cada dia. E esta leitura, decerto
nos dirá mais um pouco.
Boa leitura.
As editoras.
5
VANDER VIEIRA Vitória, ES.
Compus em mim um peso mais de lástima que
os sambas de Cartola
Naquela noite distante, entre mesas distintas
refiz seu nome no barro
vi meu violão em prantos
suas pegadas ficaram marcadas em minha pele
Digo-te que este fardo é mais pesado que um fado
UM FARDO MAIS PESADO QUE
UM FADO
6
Digo-te que este fado é mais triste
que um rio parado
ou que um sorriso de quem não sabe sorrir
Escalaria montes se quisesse sonhar
Mas nessa terra sem cor de tão negra
prefiro a solidão
Vejo-me entrando por suas narinas
desamparado
como todo órfão
que espera mais e mais de um simples dia
[ensolarado
VANDER VIEIRA é poeta, mineiro do interior do estado e tem 26 anos. É
bacharel em Filosofia e vive em Vitória/ES desde 2009. Venceu o prêmio
UFES de Literatura Portuguesa 2013/14 na categoria Coletânea de
poemas, tendo 10 poemas publicados na coletânea de mesmo nome,
oriunda do prêmio. Tem também poemas publicados em revistas
literárias como Samizdat, Desenredos e Mallarmargens.
7
ERIC COSTA
São Luís, MA.
Somos reféns perpétuos de nosso próprio microcosmo mental. Já
diria eu outras vezes por essas mesmas linhas tortas.
Eternidade é transcendental ao tempo: agrava-se quando se vê
a chave de nossos problemas às mãos de um carcerário cruel, que faz
O INFINITO TILINTAR DAS
CHAVES
8
do tilintar das chaves a gota torturante que cai sobre a testa
indefinidamente. É desumano – ou talvez seja humano demais? –
constatar: as soluções estão logo ali, mas o braço é curto demais para
alcançá-las – se é que somos capazes de esticá-los.
Um pesadelo. Um medo profundo de não acordar. Uma fiel
certeza de aquela agonizante dimensão ser real por alguns minutos. Por
horas, quem sabe. Em um cárcere profundo, perdem-se as noções de
tempo e espaço. Braçadas, passos largos e quedas a outros planos.
Súbito, um universo em desejada e longamente pretendida expansão.
A orquestra ao fundo, com o maestro de sempre, mas com uma peça
teatral em palco vizinho. Nela a imperfeita simetria com a assimetria tão
sempre pensada: os personagens de sempre, mas em áureo rearranjo.
Poderia se dizer ideal, se tal condição existisse e não fosse uma utopia
palpável apenas às visões distorcidas.
Outrora, do caos a criação – não que a atualidade seja diferente
disto. Do profundo e sombrio pesadelo, um par de minutos em
harmônico sonho.
Há um quê de admiração, no fim, a anarquia deste microcosmo
mental que nos cerca. Sob nosso lúcido controle, somos encarcerados
na vigília. Os muros e grades ao nosso redor? Um pouco de mais do
mesmo daquilo que é intrínseco. Ao sono, parecemos ganhar o pincel
da criatividade, as tintas e até mesmo as telas já prontas que tanto
idealizamos nas tão improdutivas horas que habitam nossos dias. O
piloto automático do acordar, ao dar lugar ao voo planador das horas
de sono, nos faz refletir que a mesma encarcerada mente diurna é
espírito livre à escuridão e capaz de dos pesadelos edificar sonhos em
estalar de dedos.
O que afasta cada um de tal propriedade de constante
mudança, se só ela é de fato permanente? O braço de cada um
poderia, mas não estica o suficiente a alcançar as chaves dos
problemas. É a terceira conclusão que tiro da mesma forma. Segunda?
9
De fato, a desordem cerca. Até contar torna-se difícil. Mais pura
constatação de se estar perdido meio a um laço infinito.
O braço segue sem esticar. Talvez por incapacidade. Quase
certamente por opção. As portas da percepção me trazem: será
mesmo girar as chaves e explorar novos horizontes o desejo definitivo?
Na imperfeita métrica humana, segue-se caminhando. Ao sabor de
quem dedilha as cordas do universo sim, mas talvez ao som da sinfonia
do tilintar de chaves do carcerário com a qual, quem sabe, já
estejamos acostumados e rendidos. E que talvez meramente
aceitemos.
Um medo agonizante de não acordar, por ora. Um receio sem fim
do que nos habita a simples abertura dos olhos. Quase sempre.
ERIC COSTA é acadêmico de Medicina na Universidade Federal do
Maranhão. Vê o escapismo dos seus dias, às vezes solitária, no futebol,
na música, literatura e em sua própria introspecção.
10
VALCIÃN CALIXTO
Teresina, PI.
Desejo fenecer na cidade de minha infância.
Ser de fato e para sempre seu húmus,
Isso que projetei durante a vida
E só me foi possível com a indesejada das gentes.
Desde sua fundação
Minha cidadezinha é um monstro,
HISTORICIZADO
11
Condenado, que se ergue do rio,
Seu desencanto e maldizer.
Em um único dia e noite de infortúnio,
Uma mãe submersa em ossada de boi
Cantou a pedra: - Sete Virgens ou nada,
Sete Marias ou a cidade inundada!
Criou-se logo o Matadouro.
Os grafiteiros lançaram ao céu sete cores,
Os conterrâneos sete pecados ao peito,
Os exóticos, os exorcistas sete almas felinas.
Sete dias de sua criação e a capital
Vive ainda as consequências de sua maldição.
Contudo, sem concessões,
Serei esterco na cidade de minha infância.
Serei eu mesmo seu chão!
VALCIÃN CALIXO é autor de Reminiscências do caseiro Genival (Ed.
Kazuá, 2015), guitarrista/compositor na banda Doce de Sal, integrante
do coletivo Geração TrisTherezina do Piauí e formando em
Comunicação Social pela UESPI.
12
SUBVERSA # 1 – Versão Impressa | Volume 1 (2014)
Adquira já a sua, leia um excelente material e participe do
crescimento da Revista.
Um projeto da Revista Subversa e Editora Patuá
13
SAMUEL. H. DIAS
Muzambinho, MG.
Os dedos frios...
A mesma rotina seguida dia após dia.
Já notou ao seu lado alguém em quem podia confiar?
Deixar as lágrimas romperem as barreiras de incertezas e permitirem
estar em um amor profundo.
Eu estupidamente questionando os erros e os defeitos.
Novamente me encontrarei sozinho em uma onda de constantes
frustrações.
O MEU FINAL
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O Meu Final
Será tão triste quanto à chuva em silêncio.
Mas no fim, não existirá um depois para me questionar.
Desesperado meu coração procurou um ombro... Em Vão.
Vendo esta cena, se ferindo, deixando seus lábios vermelhos.
Ao ver meu próprio sangue em minhas mãos, não me sinto mais vivo.
Morrer primeiro por dentro.
Pessoas encapuzadas no fundo do teatro, aplaudem.
Este foi meu último momento...
Não voltou...
Para me dizer, "não se vá".
Este Final
Dizendo adeus deste mundo, eu estarei poupando-me de terrível
tristeza.
SAMUEL H. DIAS é colaborador frequenta da Subversa e dispensa
biografia.
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LUISA FRESTA
Lisboa, Portugal
Estávamos as três no corredor: a minha filha bebé, Júlia, a minha
irmã, e eu, agachadas, agarradas umas às outras, tremendo de
ansiedade e inquietação. Júlia queixava-se de uma insuportável dor de
cabeça, a mim doía-me o estômago, não podia nem pôr-me de pé
porque a dor ia e vinha como facadas ritmadas e profundas.
Tínhamos deitado a Mamã na sua cama e conseguido que tomasse
um sedativo para que se acalmasse um pouco; tentávamos que não se
MEMÓRIAS DA CASA COR-DE-
ROSA
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apercebesse do que se passava, visto que também não sabíamos
ainda ao certo o que estava a acontecer na nossa rua tranquila, onde
todos os dias se ouvia o canto dos matrindindes1 pelas manhãs azuis e
pegajosas.
A menina divertia-se como se estivéssemos a jogar às escondidas,
tinha nove meses e começava a exprimir-se como uma adulta. Mais
parecia uma anãzinha. Ria-se muito e estava contentíssima por
estarmos todas juntinhas, ninguém tinha saído para trabalhar e
brincávamos com ela. Falávamos da polícia especial anti motins, que
na sua linguagem de bebé se converteu num segundo em «tontin
tontins». Ouviam-se tiros cada vez mais perto de casa, uma velha e
sólida mansão construída antes do medo, antes do cheiro cruel das
balas que coloriam agora o céu cinza e húmido. Depois soubemos que
muitas dessas balas tinham ficado cravadas nos aros das portas ou nas
resistentes e espessas paredes exteriores.
Aprendemos com aquela crise que as democracias não se
constroem por decreto, que nos faltavam ainda anos de maturidade e
experiência para chegar a votar com consciência e tranquilidade. Que
não tínhamos ainda sofrido o suficiente para poder terminar com a
guerra. Naquela manhã conhecemos o gosto do inferno: ninguém nos
tinha ensinado a lidar com aquele tipo de emoções e sensações
demasiado cruas, gráficas e físicas. Aprendemos também que o medo
não é um conceito abstrato mas um rápido processo que revolve o
estômago, acelera o coração, altera os sinais vitais e nos enche as
mãos de água e a vida de ausência.
Quando alguém bateu à porta, um pesado bloco de madeira
esculpida e vidro martelado, Júlia e eu sentimo-nos à beira do colapso.
Insistiram, batendo os nós dos dedos duramente contra o vidro. Um
rapaz de uns dezassete anos pedia muito educadamente que o
1 Espécie de grilos gigantes que vivem no litoral de Angola.
17
deixássemos disparar a partir da varanda na fachada principal, que «o
ângulo era perfeito», disse-nos.
Não sei de onde me veio a inspiração mas disse-lhe que a Mamã
estava deitada, que o ruído a incomodava e que, por outro lado, na
varanda ficaria demasiado exposto, seria um alvo fácil para o inimigo.
O miúdo entendeu as minhas razões e recuou com um sorriso
inesperado. Nos seus dentes alvos brilhava a esperança numa vida que
não conheceu: antes mesmo de chegar ao final da escadaria do
jardim, jazia já morto no chão com o mesmo sorriso adolescente com
que me brindou.
LUISA FRESTA nasceu em Portugal e viveu a maior parte da infância e
adolescência em Angola, país com o qual mantém laços de cidadania
e envolvimento cultural e familiar. Dedica-se, sobretudo à escrita,
escrevendo regularmente no Jornal Cultura – Jornal Angolano de Artes,
no portal brasileiro O Gazzeta e na Metropolis, revista portuguesa
especializada em cinema. Publicou em 2014 49 Passos/ Entre os Limites e
o Infinito (poesia), pela Chiado Editora.
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MARCUS DE BESSA
Brasília, DF.
Não sou uma catacrese.
Nunca serei uma catacrese.
Não quero ser uma catacrese.
À parte isso, tenho em mim todas as metáforas do mundo.
Eu prefiro ser essa antítese ambulante,
do que fazer aquela velha onomatopeia sobre tudo.
PARÓDIA EM RAPSÓDIA 2
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Teorema que se prova só, é só um teorema que se prova só,
mas teorema que se prova junto é sinergia.
Arre, estou farto de pleonasmos!
Onde é que há elipses neste mundo?
O poema é uma garrafa de metalepse jogada ao mar
Quem a salva
encontra a si mesmo.
Os bons vi sempre passar... no mundo graves assíndetos;
E para mais me espantar... os maus vi sempre nadar;
Em mar de polissíndetos.
Ainda que eu falasse a língua dos homens
Que eu falasse a língua dos anjos,
Sem as gírias eu nada seria.
Hiato hiato, vasto hiato,
se eu me chamasse Renato
seria uma rima, não seria uma solução.
Hiato, vasto hiato,
mais vasta é a minha interrupção.
Era uma crase muito engraçada
não tinha artigo, não tinha nada
ninguém podia acentuar nela, não
porque na crase não tinha preposição.
Convive com suas paródias, antes de escrevê-las.
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Tem paciência se obscuras. Calma, se te provocam.
Espera que cada uma se realize e consuma
com seu poder de perífrase
e seu poder de reticências.
E é sempre melhor o vernáculo que embala do que o canônico que
basta
Porque o que basta acaba onde basta, e onde acaba não basta,
E nada parecido com isso deveria ser a língua da vida...
Mas as coisas findas
Muito mais que lindas,
São aliteração.
Valeu à pena? Tudo vale à pena
Se a hipérbole não é pequena.
Pois sempre há algo de super nova no reino da segunda lei da
termodinâmica.
MARCUS DE BESSA reside em Brasília, onde se sustenta como funcionário
público com a finalidade de se transformar em escritor.
21
MATHEUS JOSÉ
Ponte Nova, MG.
a vida manuseia a gente com foice e facão , fervoroso boia fria.
Sabe que o coração
é material corrosivo o qual exige -se luvas para tocá-lo.
Desembestada, a vaca erupção
esmaga verduras e hortaliças,
ALERGIA A COR ZINZA
22
acaniveta a carótida , lesiona a panturrilha ,
gás propano no olho da faísca.
Contudo cotidianamente
uma força resistente, com ímpeto de búfalos e bisões,
prossegue subindo a minha cabeça
esta ladeira com o calçamento de terra e bloquetes de
pedras.
O medo a insegurança são substâncias tóxicas no fígado da gente.
Entre o suflê e a fuzilaria entre o mudra e a lâmina da serraria
aturamos – nos.
amor, rapé alucinógeno no meio do coma e dos transtornos do
alumínio.
o poema é aquele que oxigena o sangue
quando encontra – se esmagado
entre os ferrões de aço inoxidável da formiga saúva
que mede o tamanho de uma cidade.
o poema é o analgésico o poema é o sedante.
vida, diária colheita de jiquiris e urtigas.
carreta que transporta querosene tombando numa rodovia .
Com esta sensação prossigo
sensação de barranco e chuva
diante do galpão da indústria de material bélico;
esfregar de folhas de cansanção nas mãos ;
fogos de artificio chuva de raios piruetando na sobrancelha ;
uma outra espécie de horizonte
mais cor mostarda no nascer do sol
23
mais cor beterraba no pôr do sol
mais cor de jabuticaba estelar na madrugada
que chove debaixo dos supercílios.
MATHEUS JOSÉ MINEIRO DA ZONA DA MATA é poeta e autor do livro A
Cachoeira do Poema Na Fazenda Do Seu Astral (Selo Petrópolis Inc), e
de inúmeros fanzines. Participa da Off FLIP - Paraty desde 2011. Publica
em jornais e diversas revistas literárias. É correspondente da Academia
Petropolitana de Poesia - Casa Raul de Leoni, da Oficina Experimental
de Poesia. Participou de uma série de eventos literários, entre saraus,
feiras e mesas redondas.
24
FERNANDA LESSA
São Paulo, SP.
Pode
ser que
flor-escer
a alma
seja questão
VÍCIOS
25
de purificação
chorar pra dentro
que assim as lágrimas descem até o
coração
& rega as suas gérberas
ou rosas
-depende do teu estilo-
só tome cuidado:
fungos aparecem
quando se rega mais que o necessário
caso seja jardineiro de primeira viagem
repara bem
nas tuas flores
esteja atento aos detalhes
e aos resultados
dos cuidados:
pode ser que seu Excesso
e várias regadas
estejam
mesmo que sem querer
matando
o que você na verdade
só quer que
Floresça
FERNANDA LESSA é estudante de Letras na Universidade Federal de São
Carlos.
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DANIEL TOMAZ WACHOWICZ
São Paulo, SP.
Caneta bate em surdos ecos brancos
Que já sangram insanos e inquietos.
Caneta bate nestes muros, vetos
Concretos se desfazem entre trancos.
Aqui se fura a pele e se despeja
O sangue aglutinado nesta tinta.
Aqui, planeja, pensa... pensa e pinta
Com a sanguínea tinta o que deseja.
ARTE POÉTICA
27
O sangue livra o branco das tensões
De sua fúria cega para o inerte.
O sangue almeja mundos no furor
Deste intenso desejo de criações.
O sangue na caneta expele, inverte,
Reverte o branco e lhe converte em cor.
DANIEL TOMAZ WACHOWICZ é formado em Letras e é professor de
português e inglês, tendo feito diversos cursos de produção literária. Em
2014 fez o lançamento de seu primeiro livro de poesias “Convite ao
abismo”, pela Editora Multifoco. Atualmente estuda música na FPA
(Faculdade Paulista de Artes) e tem como uma das suas metas musicar
seus poemas e o de autores consagrados.
28
CAROLINE ALEXANDRIA
Aracaju, SE.
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.
(Luís Vaz de Camões)
Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo.
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa.
(Sophia de Mello Breyner Andresen)
O AMOR NOS VERSOS DE
CAMÕES E SOPHIA DE MELLO
29
Eis dois representativos nomes da Literatura Portuguesa. O
primeiro, Luís Vaz de Camões (século XVI), considerado um dos maiores
autores renascentistas da Europa e o mais importante poeta do
classicismo português. Sua produção literária compreende epopeias e
líricas amorosas. A propósito, no poema Os Lusíadas, Camões reúne
simultaneamente composições épicas e líricas e narra as principais
marcas do Renascimento português, como o humanismo e as
expedições ultramarinas. Inspirou-se em consagradas epopeias
clássicas, como Odisseia, de Homero, bem como A Eneida, de Virgílio,
pois narra fatos históricos, heroicos e mitológicos (representados
alegoricamente) da história de Portugal diante da expansão marítima,
visando conquistar novas terras e explorar riquezas, como a descoberta
do caminho marítimo para as Índias por Vasco da Gama. No entanto,
um aspecto que diferencia Os Lusíadas das antigas epopeias clássicas é
a presença de episódios líricos, como os episódios em que narra o
assassinato de Inês de Castro, em 1355, a mando do rei D. Afonso IV, pai
de D. Pedro, amante desta. São nas poesias líricas que Camões
transborda sensibilidade para os dramas humanos, amorosos ou
existenciais.
Ao lado da épica, a lírica camoniana vem a ser um dos pontos
altos da poesia do século XVI e uma das maiores expressões literárias
em nossa língua. Camões, marcado por uma genialidade singular aos
poetas do seu tempo, deixou-se influenciar tanto pela lírica medieval
portuguesa quanto a lírica italiana dos séculos XIV e XVI, propondo
assim, inovações em sua poética, sobretudo a partir de Petrarca, poeta
italiano. Segundo Silva (2011), a lírica camoniana é singular, pois,
contém os elementos próprios de uma sensível reflexão individual,
afirmando-se como a expressão máxima do eu-poético renascentista e
português. Além disso, a estrutura dos poemas líricos camonianos
apresenta-se composta por sonetos e redondilhas, versos decassílabos,
30
as odes, as éclogas, as oitavas e as elegias. Os temas mais importantes
são o neoplatonismo amoroso, a reflexão filosófica (sobre os
desconcertos do mundo) e a natureza (confidente amoroso do amante
que sofre).
A temática amorosa prevalece em toda a lírica que trata os
anseios e as paixões do homem, apreendendo o sentido do Amor por
intermédio da Razão. Na lírica amorosa, Camões aborda figuras de
linguagem diversas, como a antítese e o paradoxo. Apresenta ainda
alguns aspectos estilísticos encontrados no Barroco (SILVA, 2011). Assim,
podemos dizer que as composições líricas de Camões oscilam entre o
lirismo confessional, em que o autor dá expressão à sua experiência
íntima, e a poesia de pura arte, em que pretende transpor os
sentimentos e os temas a um plano formal, lúdico (SARAIVA, 1999, p. 51
apud SILVA, 2011).
A segunda epígrafe trás a poesia de Sophia de Mello Breyner
Andresen, poetisa portuguesa do século XX, a primeira mulher a receber
o Prêmio Camões (1999), considerado o maior prêmio literário da
Literatura Portuguesa. Nasceu no Porto em 06 de novembro de 1919 e
morreu em Lisboa em 02 de julho de 2004. Filha de uma família de
aristocratas dinamarqueses, Sophia iniciou a escritura literária desde os
12 anos de idade, aprofundando o gosto a partir dos 14 anos, mas
desde os 4 anos já tinha contato com os poemas de Camões, Antero
de Quental e António Nobre os quais exerceram influência em suas
composições poéticas.
A poesia de Sophia apresenta-se livre, sem rimas e metrificações
rígidas, e com temáticas subjetivas e intimistas, com referências aos
elementos da natureza e ao mar, espaços referenciais para qualquer
ser humano, como nos poemas “Saudades do mar”, da década de 50,
“Paisagem” (1944), pois, para ela, chegar a uma praia dava-lhe certa
“embriaguez” de emoções, ou seja, a praia a renova e a recria,
fisicamente, moralmente e espiritualmente:
31
Mar
I
De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua,
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.
II
Cheiro a terra as árvores e o vento
Que a Primavera enche de perfumes
Mas neles só quero e só procuro
A selvagem exalação das ondas
Subindo para os astros como um grito puro.
Ela define ainda o encontro com o mar como sendo um encontro
do homem com o Universo, do homem consigo mesmo. Os sentidos da
poesia de Sophia versam para a liberdade do ser. Revela emoções
comuns, porém profundas na constituição e definição do ser:
As rosas
Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das Primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.
De modo geral, o universo temático da autora é abrangente e
pode ser representado por temas como a busca pela justiça social (dar
fim às diferenças entre ricos e pobres), pelo equilíbrio, pela harmonia,
pela tomada de consciência do tempo em que vivemos, o tema da
casa, o amor, a vida em oposição à morte, a memória da infância,
idealismo e individualismo em nível psicológico; separação, saudosismo
em relação às características das cidades de Portugal, como em
“Algarve” (1962), entre outras temáticas subjetivas.
Casa Branca
Casa branca em frente ao mar enorme,
com o teu jardim de areia e flores marinhas
32
e o teu silêncio intacto em que dorme
o milagre das coisas em que eram minhas.
[...]
Em ti renascerei num mundo meu
e a redenção virá nas tuas linhas
onde nenhuma coisa se perdeu
do milagre das coisas que eram minhas.
Quanto ao estilo de linguagem, Sophia Andresen apresenta um
estilo característico, com símbolos e alegorias, sinestesias, traduzindo-a
em estilos transparentes na relação entre as palavras e as coisas
representadas através de ritmos melódicos, provocando, de modo
geral, harmonia nos sentidos. Para Sophia, a condição para escrever
bem é sentir-se feliz, ou seja, para ela não havia inspiração diante de
qualquer dor ou sofrimento.
Traçamos um paralelo entre a poesia de Luís Vaz de Camões
(século XVI) e Sophia de Mello Breyner Andresen (século XX) no quesito
“temática amorosa”. Nos versos escolhidos, Camões pretende
identificar o significado do “Amor” ao defini-lo de forma abstrata,
conceitual, o amor na dimensão humana:
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.
Nesta poesia, o amor é apresentado como um sentimento
essencialmente contraditório, ou até mesmo dizer que o amor seja
indefinível. Mas, estranhamente, capaz de causar entendimentos nos
corações humanos. É uma forma ambígua de apresentar os sentidos
para a palavra “amor”. Os paradoxos criados pela idealização amorosa
são enfatizados pela estrutura poética caracterizada por antíteses,
metáforas, silogismos, oposições e inversões, enfim, pela constante
dualidade apresentados em rimas emparelhadas.
33
Enfim, a lírica camoniana reflete os anseios e desejos do homem
ocidental, sendo também produto de seu tempo, ou seja, preso pelas
principais correntes humanísticas do Renascimento. Neste sentido, o
amor camoniano é misterioso e indefinível, carregando consigo
elementos opostos. Destacamos ainda que o amor na lírica camoniana
remete à falta de razão, à insanidade e, às vezes, à própria morte.
Já a poesia amorosa de Sophia Andresen não apresenta
formalismos estruturais e se caracteriza pela liberdade da métrica, dos
versos e, sobretudo sem rimas. Fala do amor de forma subjetiva,
individual, intimista, algo muito particular do eu-lírico.
Assim o Amor
Assim o amor
espantando meu olhar com teus cabelos
espantando meu olhar com teus cavalos
e grandes praias fluidas avenidas
tardes que oscilavam demoradas
e um confuso rumor de obscuras vidas
e o tempo sentado no limiar dos campos
com seu fuso, sua faca e seus novelos.
Em vão busquei eterna luz precisa.
A temática amorosa na poesia de Sophia é concreta, típica de
alguém que sofre. Já em Camões, o amor é visto de forma mais
idealizada e abstrata. No poema abaixo, vemos que Sophia fez uma
alusão a Camões ao compor um soneto:
Soneto à maneira de Camões
Esperança e desespero de alimento
me servem neste dia em que te espero
e já não sei se quero ou se não quero
tão longe de razoes é meu tormento.
Mas como usar amor de entendimento?
daquilo que te peço desespero
ainda que mo dês – pois o que eu quero
ninguém o dá senão por um momento.
34
Mas como és belo, o amor, de não durares,
de sertão breve e fundo o teu engano,
e de eu te possuir sem tu te dares.
Amor perfeito dado a um ser humano:
também morre o florir de mil pomares
E se quebram as ondas no oceano.
Ao ler a biografia e alguns dos versos de Sophia, observamos que
sua vida e suas lembranças servem de inspiração para compor sua
produção literária, seja em prosa ou poesia. Desse modo, destacam-se
sua infância e adolescência, bem como o contato com a natureza.
Talvez sua aproximação com a lírica amorosa camoniana se justifique,
pois, a sensibilidade poética de Sophia revela traços entre o
modernismo – com liberdade de expressão – e um classicismo,
caracterizado por uma sobriedade específica.
É através da subjetividade presente nos versos de temática
amorosa de Sophia de Melo Breyner Andresen que percebemos o
modelo de homem livre. Assim, o lirismo amoroso seria atribuído à tarefa
de fornecer uma moral social, pois, contribui para libertar sentimentos e
pensamentos humanos, escondidos no mais recôndito da alma
humana. A poética de Camões fala de amor, mas de uma forma geral,
na dimensão humana, na relação entre os homens em sociedade.
Enquanto Sophia particulariza seus sentimentos, traduzindo-os em
acontecimentos e experiências próprias. Cada um no seu estilo literário
e literariedade específica.
Enfim, Camões e Sophia são duas renomadas significações da
Literatura Portuguesa que particularizam suas visões sobre a definição
do que seja amor. São intenções poéticas essenciais, pois, num mundo
materialista, hedonista, fugaz e imediato, o lirismo amoroso, em
particular, e a literatura em geral, talvez sejam a fortaleza contra a
barbárie humana; seja o ponto fixo na busca de nós mesmos, nossa
aceitação em relação ao outro e na relação com o mundo.
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REFERÊNCIAS
SILVA, Maurício. Poesia e temática amorosa: uma introdução à lírica
camoniana. Revista Litteris – ISSN 19837429, março 2011, n.7.
Sophia de Melo Breyner Andresen. Disponível em:
<http://purl.pt/19841/1/intro.html> Acessado em: 22. set. 2013.
CAROLINE ALEXANDRIA é graduanda em Letras Português e graduada
em Comunicação Social pela Universidade Federal de Sergipe.
Atualmente é pesquisadora-bolsista PIBID/CAPES para Língua
Portuguesa; desenvolve projetos em Comunicação e Expressão,
Linguagens, e a especificidade do Texto Literário; e, participa do Grupo
de Estudos em Poesia Contemporânea: do cânone à margem (diálogos
entre Poesia e Filosofia). Inquieta e sempre disposta a aceitar novos
desafios.
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ANDRÉ VICTOR MARQUES
Rio de Janeiro, RJ.
Opino sobre não opinar. Ora, como já diz o título: artigo de
opinião. Por isso mesmo: opino por não opinar. A problemática da
escolha tornou-se impraticável: ou se escolhe uma coisa, ou se escolhe
outra. Ou escolho laranja, ou escolho maçã. Ou escolho a passividade,
ou escolho a atividade. Na minha opinião, – e olha outra vez isso
aparecendo - é tudo besteira.
O que é que tem não escolher? Mas não seria isso, uma escolha?
Escolher a não escolher? Talvez! O que eu exatamente sei, é que tudo,
ARTIGO DE OPINÃO
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absolutamente tudo, é preciso escolher um lado. Nem que esse lado
seja o lado dos que não escolhem lado nenhum. Não seria uma
escolha? E que ótima escolha!
E pode vir corrente que for e tentar dizer que não há esse livre
arbítrio: pobres inocentes! Não há determinismo que determine que
tenho ou não poder de escolher. Aliás, tenho o poder de escolher e por
isso escolho renegar deterministas. Sai para lá, seus malucos! Eu sei que
fiz uma escolha. Eu também sei pregava a antiescolha. Seria eu, então,
um antiescolha escolhedor?
Tudo bem! Abrirei mão de minha pregação e farei só mais uma
escolha, ou melhor, já escolhi: escolhi escrever isso aqui. Isso!
Exatamente, isso aqui. Pode não ter sido uma boa escolha escolher
escrever. Pode ter sido só uma triste tentativa de demonstrar algo que
escolhi. Ou até melhor: pode ter sido a mais pura e sincera escolha.
Tudo bem! Não foi. Mas, ainda assim, seria um artigo de opinião. Seria o
artigo de opinião. Não! Seria o meu artigo de mais pura e sincera
opinião. Seria?
ANDRÉ VICTOR MARQUES é estudante de letras – literaturas e obsessivo
por livros. Com o grande sonho necessário de escrever e somente
escrever. Externar os sentimentos reprimidos, a angústias isoladoras, as
felicidades estranhas. Escreve, por amor, no blog Prazer em dizer.
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UBIRATHAN DO BRASIL
Auriflama, SP.
meu bicho selvagem alisando tuas costas domesticadas
sem unhadas noturnas e punhaladas sagradas
feito beronha-varejeira farejo teu couro assustado
e lambo as lágrimas da sua esbórnia
NÃO VI AS GOIABAS NOS TEUS
OLHOS
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eu ainda sento naquela cadeira de pau
com a feiura da minha sanfona
na soleira da minha porta de taquara velha
deslizam doudas cascavéis sertanejas
as prateleiras do meu peito
guardam as marcas das dentadas da primavera
no pomar os jumentos berram,
te falo das tangerinas e morro
a pequena cidade calamitosa grita, rufa
a cidade é um vaga-lume com o neon pifado
há um bando de animais urrando no portão da sua casa
a pomba-gira gargalha no terreno baldio
Tranca Rua translúcido ensaia valsas no quintal
nas praças há um amontoado de deuses dançantes
sisudos anjos catireiros
serafins bêbados em rodas de samba
exus gorjeando castanholas
em cima da mesa regados a gim querubins cantam loas e biscateiam
cartas de amor
e maracatus
Jesus com os bagos maduros galopa a cavalo e bate o sino torto da
catedral abandonada
ayuasca e agricultura caem das unhas
poemas de esterco ejaculados do rabo das vacas de abril
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cachaça sem sexo banha a garganta crua de Charles Parker
vereadores com gravatas de arames farpados bebem antárctica e se
entopem de mocotó
na janela do domingo
um Deus-Saci passeia de cadeira de rodas
no hospício mais doce da cidade castanha
mães com chapéus alaranjados carregam peixes lunáticos dentro dos
bolsos
generais sem saúde costuram bonecas de pano em sabugo de milho
morto
a milicia presenteia padres comedores de bóga em becos lúdicos
pastores eletrocutados em banheiros públicos são
excremento para a horta comunitária
eu ainda sento naquela cadeira de pau
com a feiura da minha sanfona
escuto suas gargalhadas de piano desafinado
meu polegar acrobático executa uma dança contemporânea na
vagina pirofágica
seus maridos fazem moisaicos da sua arcada dentária
a confeiteira te expulsa do paraíso
e das aulas de catequese obesa
pinto sua carniça nos quadros de Dalí
levanto a saia vermelha das vísceras
lavo meu excretor urinário com o dilúvio da sua goela
preparo a mesa com Camões, javalis
amor e refluxos
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espanto você como bicho sarnento
o jantar não da pra 2.
UBIRATHAN DO BRASIL é licenciado em Filosofia e bacharel em
Psicologia. Editor e colunista do Jornal Literário Elefante de Menta.
Executou oficinas de fanzine e literatura marginal em Universidades,
coletivos e hospitais psiquiátricos. Em 2012, publicou seu primeiro livro
“Haicai na Marginal Arthur Nonato”, pela BAR EDITORA. Em breve o
autor lança seu segundo livro de poemas “onde foram parar meus
guarda-chuvas”, pela Editora Bartlebee, seguido de um áudiobook
“para deficientes visuais e leitores preguiçosos” e o documentário do
processo.
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SÉRGIO SANTOS
Barreiro, Portugal
BUROCRACIA SENTIMENTAL
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O namorado dá um beijinho na namorada, estão sentados num
belo jardim perto do rio, daquele local conseguem ver o pôr-do-sol. Ele
tem que passar um recibo verde sempre que der um beijo ou qualquer
presente físico de maior relevância. As regras estatais são muito claras,
ele não concorda muito com essa imposição, afinal só os homens é que
passam recibo, as mulheres estão excluídas. Para ele aquela malandra
da ministra do Ministério da Burocracia Humana criou uma lei sexista
que prejudica os homens em desfavor das mulheres, supostamente
quem tivesse a iniciativa é que deveria passar o recibo.
A desculpa foi que seria mais fácil existir apenas um emitente para
a contabilização da informação como se as mulheres fossem apenas
um agente passivo e subalterno, tantos anos de luta feminista
redundaram em subterfúgios comodistas e eticamente incoerentes. O
computador bio-ciborgue acoplado ao cérebro humano faz essas
tarefas enfadonhas e burocráticas em segundos e isso infelizmente
inspirou as autoridades políticas a criarem milhares de leis inúteis e
intrusivas. As informações são enviadas posteriormente pela Internet
para a Direcção-Geral Sentimental Humana para depois poderem ser
processadas e contabilizadas. Realmente pagar 5% de IVA por atos
amorosos heterossexuais é um abuso, devia existir isenção ou a taxa
mínima de 1%.
No princípio do novo ano lá aparece a fatura e o homem tem
que pagar a continha caso contrário entra em incumprimento e nesse
caso a máquina do fisco consegue ser bastante desagradável. Os juros
de mora são um horror, para além de se perder o direito de voto e
milhares de outros direitos e benefícios fiscais. Entrar para a lista negra
do fisco é um assunto sério, mesmo uma pequena infração dá origem a
retaliações extremamente desagradáveis. A injustiça é que o parceiro
masculino tem que avançar com o dinheiro e só posteriormente é que a
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parceira feminina paga 45% do valor destinado ao fisco com a benesse
de poderem pagar essa verba até quatro meses. Se por acaso a
parceira não entregar a verba até à data estipulada, o parceiro
poderá entrar com um processo-crime, o que é manifestamente ridículo
e injusto. A máquina tributária funciona com processos sumários
draconianos e a possibilidade de fugir com subterfúgios é quase nula
dado o nível de controlo e as poderosas ferramentas punitivas e
dissuasoras.
No entanto, se existir um incumprimento da parte da parceira será
necessário pagar custas judiciais e a contratação de um advogado
para que a dívida privada seja cobrada. Além disso, qual é a
justificação para que elas paguem apenas 45%, e não 50%? Trata-se de
um privilégio injustificável e incompreensível. Os gestos amorosos pré-
sexuais e sexuais beneficiam essencialmente os homens logo por isso as
mulheres devem ser ressarcidas por essa suposta injustiça? A lei foi
criada por causa disso? Para o namorado nada disso faz sentido e a
ministra mereceu bem ter sido agredida no parlamento por ter criado
uma lei tão obtusa e discriminatória. O deputado Zigo Figuelix gritou
vários impropérios contra aquela afronta e deu voz a vários milhões de
machos que viram a sua honra e dignidade manchadas. No calor da
discussão fustigou a atarantada ministra com várias “caricias rápidas”,
por causa disso perdeu a imunidade parlamentar e teve que ir para a
prisão. Depois deste incidente violento ele não deixou de ser um herói
para alguns, mesmo enjaulado havia quem o admirasse.
Mas o mundo estava cheio de várias outras injustiças, todos os cidadãos
estavam equipados com bio-computador que basicamente vigiava a
vida deles e desse modo sujeitavam-se que todos os passos fossem
escrutinados pelo Estado. Existia uma deriva colectivista que ameaçava
destruir o que restava da liberdade individual dos cidadãos. Tudo o que
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os indivíduos, viam, ouviam e até pensavam era enviado para uma
gigantesca base de dados.
Poder-se-á pensar que dessa forma, homicídios e outros atos
criminosos teriam os dias contados, infelizmente caiu-se numa espiral de
insanidade que ultrapassou o impensável e o ridículo.
SÉRGIO SANTOS é designer, formador, autor de banda-desenhada e
escritor.
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PARCEIROS:
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APOIO:
(beba com moderação)
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Edição e Revisão:
Morgana Rech e Tânia Ardito
Recepção de originais:
Colaboração especial: DANIEL DRUMOND