revista meiaum nº 24

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U 24 www . meiaum . com . br Ano 3 | maio 2013 DO BAIRRO VERDE O CONTO RETRATO Isabel Calaf não se importa com a falta de esquinas BRASÍLIA Jovem e moderna, mas também muito nostálgica

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O conto do bairro verde

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Page 1: Revista meiaum Nº 24

1

Unº24

w w w . m e i a u m . c o m . b r

Ano 3 | maio 2013

DO BAIRROVERDE

O CONTO

R E T R A T OIsabel Calaf não se importa com a falta de esquinas

B R A S Í L I AJovem e moderna, mas também muito nostálgica

Page 2: Revista meiaum Nº 24

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Page 3: Revista meiaum Nº 24

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Page 4: Revista meiaum Nº 24

índice

Papos da CidadeReflexões, análises e resmungos

de quem vive em Brasília

Fora do PlanoQuem mente na história do

Balão do Aeroporto?

Brasília 61 visõesA cidade pela alma de seus habitantes

CapaO conto do primeiro

bairro verde do Brasil

Charges do GougonJuquinha descreve a flora de Brasília

CrônicaZelão só queria ir de carro da 415 para a 309 Norte

Brasífra-meOs poemas-enigmas

de Nicolas Behr

PerfilKathia Pinheiro só ficaria em

Brasília por dois anos. Já são 33

ArtigoE o mau atendimento nos

restaurantes, como fica?

Crônica Brasília e sua nostalgia juvenil

38

41

42

8

12

13

14

23

24

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34

36

28 – 33

38 – 40

36 – 37

C a r t a d a e d i t o r a

Opinião Santa Maria ainda parece adormecida

Caixa-PretaAs distorções do imposto de renda

Banquetes e BotecosEm cada edição, Marcela Benet visita um restaurante. E ninguém sabe quem ela é

Page 5: Revista meiaum Nº 24

Me engana que eu gosto

C a r t a d a e d i t o r a

romessas não cumpridas, prazos constantemente desrespeitados, números maquiados, tudo isso parece ser aceitável na política. Evocam-se Platão e Maquiavel para

justificar a mentira nesse meio. Os que não a toleram são logo classificados de ingênuos. Os que a toleram parecem se esquecer de que também são prejudicados por elas. E os que mentem tratam logo de inventar outra mentira para consertar a que veio a público. Uma bem tradicional é culpar outras instâncias de poder. Mas há também os políticos mais tarimbados, com cara de pau suficiente para não admitir a mentira nem para a própria mãe.

O Setor Habitacional Noroeste é só mais um exemplo dessas mentiras, nesse caso de muitos autores, uma vez que foram anos até o projeto ser colocado em prática. É claro que ficava difícil acreditar que seria aquilo tudo que se prometeu em termos de modernidade, uma vez que a cidade nem estrutura tem para isso. Também não deu para comprar a ideia de que os preços seriam razoáveis, pois se tratava da última área para habitação perto do Plano Piloto. Mas a história de “primeiro bairro verde do Brasil” foi demais.

Panfleto divulgado pela Terracap em 2009 anunciava que,

finalmente, o projeto de Brasília estava completo, do jeito que pensou Lucio Costa. Prometia energia solar, gás natural, sistema ultramoderno de coleta de lixo. Dizia que o grande desafio seria “construir prédios sem demolir a natureza”. O desafio era tão grande que, claro, não foi superado. Cidadãos que compraram essa mentira agora têm de lidar com a falta de tudo e precisam ser muito compreensivos. “É preciso entender que o bairro é o nosso grande laboratório e que esse processo de implantações de inovações tecnológicas demanda tempo”, explicou o gerente de Projeto do Noroeste na Terracap, Albatênio Granja, à repórter Paula Oliveira, que assina a matéria de capa.

A mentira também é tema da coluna Fora do Plano, que a partir desta edição fica sob responsabilidade do jornalista Chico Sant´Anna, no lugar de Noelle Oliveira. O assunto é o Balão do Aeroporto. Na coluna Caixa-Preta, Miguel Oliveira discorre sobre a enganação que é o imposto de renda. Como disse Platão, “a mentira é perdoável quando atende a interesses do Estado”.

Anna Halley

P

Page 6: Revista meiaum Nº 24

+ um na meiaum

e mais...

Mateus Zanon pág. 8 Luiz Martins da Silva pág. 8 Cíntya

Feitosa pág. 8 Eleonora Vieira de Mello pág. 10 Miguel

Oliveira págs. 9 e 41 Gougon págs. 12, 23 e 41 Bruno bravo

pág. 13 Daniel Cariello pág. 24 Nicolas Behr pág. 26

Lucas Muniz pág. 34 André Giusti pág. 36 Francisco

Bronze pág. 38 Marcela Benet pág. 42

Rômulo Geraldino pág. 42

(Kátia Marsicano)Carioca e herdeira da desastrada

espontaneidade italiana, é vi-

ciada numa boa roda de samba

e na doçura musical da bossa

nova. Convicta da teoria da

conspiração divina, é ambienta-

lista xiita confessa, filha de São

Jorge e São Francisco e “mãe”

de três gatos e um cachorro. Im-

paciente com a tecnologia, mas

será sempre – irremediavelmente

– apaixonada por livros. Ah! É

jornalista, graças a Deus!

pág. 34

(Iara Lemos)

Formada em jornalismo pela Universidade Fe-

deral de Santa Maria, onde fez especialização

em História do Brasil. Trabalhou no Diário

de Santa Maria e na Zero Hora. Foi repórter

de política do G1 em Brasília. Trabalha com

assessoria de imprensa na Câmara dos Depu-

tados. Venceu o Prêmio Esso, em 2008, com a

série “No Coração do Haiti”. Cobriu o terre-

moto no Haiti, em 2010, a CPI do Cachoeira,

em 2012, e o incêndio da Kiss, em 2013.

pág. 38

Leon

ard

o A

rru

da

Thyago Arruda

Page 7: Revista meiaum Nº 24

(meiaum)é uma publicação mensal da editora meiaum

de circulação digitalconselho editorial: anna Halley, Carlos drumond,

Hélio doyle (coordenador) e Paula oliveira diretora de redação: anna Halley

fotografia: Nina Quintana projeto gráfico e diagramação: Carlos drumond

Publicidade: Sucesso Mídia Comunicações (61) 3328-8046 – [email protected]

Os textos assinados não expressam, necessariamente, a opinião da Editora Meiaum.

Contato: [email protected]

24

CAPA | POR ICO OLIVEIRAIlustração em nanquim

É designer gráfico, ilustrador y otras cositas más. Curte navegar

pelos mares de concreto da capital, pra talvez descobrir o que

vai ser quando crescer.

iSSN 2236-2274

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www.meiaum.com.br

(Chico Sant’Anna)Jornalista, residente em

Brasília desde 1958, edita

o Blog Brasília por Chico

Sant’Anna. Atuou em

importantes veículos da

cidade, como as TVs Globo e

SBT, a Folha de S. Paulo, as

Rádios Manchete e Capital.

Presidiu o Sindicato dos

Jornalistas do DF.

págs. 9 e 12

(Thales

Fernan

do POMB)

Gradu

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pág. 2

4

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Nin

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tan

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Thyago Arruda

Page 8: Revista meiaum Nº 24

Folhas urbanasagora, úmidas,

Monturos sépia

Exalando fartum.

Em breve, ocluída

a missão do tempo

o silêncio dos vermes:

na alquimia dos húmus.

Veio a cidade

E seus bueiros.

E as folhas secas,

a caminho do mundo,

na vocação do estrume,

a entupir bocas

De lobos imaginários.

ou a cidade se naturaliza

ou hora dessas o sabiá

assoviará faceiro na varanda.

ou, quando menos se se der

aroma

sairá da tevê o lobo-guará

querendo,

Invejando dolce vita, almofadas,

Enlatados, rações vitaminadas.

E ‘tá pensando o quê?

Que não lhe pegará

n’hora dessas um bicho-de-pé?

É que não se sabe sabedoria

Da terra que foi emprestada

Daí, nas primeiras chuvas,

nas ruas, tanajuras ofuscadas.

I l u s t r a ç õ e s M a t e u s Z a n o n | m o n c a i o z a n o n @ g m a i l . c o m

E as cigarras? ah! serei vivo

Para escutar tão estúrdio trino

Das goelas secas encantando a

Groelândia,

Esse silvo, esse sotaque

candango,

Enquanto, por aqui, derretendo

casquinha esquimó

Clicando no teclado metavocá-

bulos em Msn,

Metassorisos, tipo: he he he! Ka

Ka Ka Ka!

Luiz Martins da Silva

não rEPrEsEnta nInGuÉMsou brasiliense, ocupado, tenho

um monte de coisas para fazer

durante o dia e esse seu cartaz

aí não me representa. aqui no

Conic os cartazes de “compro

ouro”, “chip da tIM”, “atestado

admissional” me representam

muito mais que seu protesto no

Facebook.

Espero que não se incomode,

nem sou muito ligado nessas

coisas de internet, não. Mas

como você diz que se preocupa

comigo se a gente nem tem as-

sunto pra conversar? Você acha

que todo mundo tem as mesmas

conversas que o seu grupo, que

o que é importante para você é

importante para todo o resto e

nem se importa com o que eu

acho. Eu acho mesmo que você

é uma pessoa legal, mas, se está

tão preocupado em melhorar

a vida dos outros, me dá uma

ajuda?

tem como fazer um cartaz

dizendo que o ônibus que atrasa

e vem muito cheio todo dia

não me representa? rapaz, está

uma situação bem complicada

mesmo. todo dia é essa história.

se quiser um vazio, tenho que

chegar à parada bem antes.

tem como falar que essa

propaganda dizendo que a

saúde melhorou muito não me

representa? outro dia mesmo

tive que ir às pressas para o hran

com minha filha e estava cheio

do mesmo jeito, uma confusão.

Qualquer hora dessas você pode

vir aqui almoçar comigo. não

repara, não, que a comida é

simples, mas é uma delícia. se

você não comer muito, fica bem

baratinho. Eu divido a marmita

com o meu amigo ali, e dá

menos de 8 reais para cada um.

Isso, sim, me representa demais.

não dá para ficar gastando o que

eu ganho com café, sorvete e

internet.

P a P o s d a c i d a d e

Page 9: Revista meiaum Nº 24

9

Mas parabéns mesmo pelo

protesto e por se importar com

quem mais precisa. acho que

as pessoas têm que se respeitar

mais. Eu sou de Deus, mas con-

cordo que ninguém tem nada

a ver com as escolhas do outro.

até fiquei impressionado, por-

que ouvi dizer que essa comissão

aí do Feliciano é pras minorias

também. Me confundi um pou-

co, porque o que vocês chamam

de minoria é maioria lá onde eu

moro, que é bem pertinho de

onde você mora. Você conhece?

Depois a gente conversa direito,

que se eu demorar mais aqui

perco esse, e o outro só passa

daqui a uns 40 minutos.

Cíntya Feitosa

CaDê os GrInGos?as Copas do Mundo e das

Confederações estão inseridas

na criação de uma nova imagem

internacional do brasil. Visam

ainda a mudar o patamar de

entrada de turistas estrangeiros.

o brasil não consegue mudar

muito o perfil e a quantidade

de estrangeiros que nos visitam.

a meta é alcançar 8 milhões

de turistas por ano, segundo o

planejamento do governo lula.

não são 8 milhões apenas no

ano da Copa, mas sim estabele-

cer um patamar, para dele não

baixar mais.

Mas onde estão os turistas

estrangeiros?

Em 2012, recebemos 5,68

milhões de visitantes externos,

4,5% a mais do que em 2011.

Faltam semanas para a Copa das

Confederações e cerca de dois

anos para o Mundial. Estamos

30% aquém da meta projetada.

a Copa das Confederações mos-

tra-se mais vantajosa ao caixa da

Fifa do que aos cofres nacionais.

a plateia será brasileira – 98%

dos ingressos comprados foram

para a torcida verde-amarela. os

dólares vão sair, e não entrar.

Poucos serão os turistas que

virão ao brasil para assistir a tal

preliminar. E nós, contribuintes,

pagamos a conta.

Chico Sant’Anna

ParE o MunDo PorQuE sou IMPortantEa cultura da carteirada faz mes-

mo parte da realidade de brasí-

lia. se você não é alguém muito

importante, é filho de alguém

muito importante ou é casado

com alguém muito importante.

Em alguns casos, basta informar

lotadas.

Mas tem uma classe em especial

que é tão importante que não

sabe mais a hora de dar cartei-

rada. na fila do supermercado,

quando faltam caixas abertos,

alguém ameaça o gerente: “sou

advogado”. na discussão na

assembleia do condomínio, a

orgulhosa mamãe enche a boca:

“Meu filho é advogado”. aquela

arranhadinha no carro da vaga

ao lado na garagem, antes um

mal-estar entre vizinhos, ganha

grandes proporções quando uma

das partes afirma que exerce a

nobre profissão.

nem todo advogado banaliza o

ofício dessa forma, mas tem sido

tão frequente que ajuda a crista-

lizar a imagem de prepotência.

Quer saber? Quase todo mundo

em brasília é advogado, é o que

mais tem nesta cidade. no dia

em que você for juiz e decidir

alguma coisa, aí, sim, venha tirar

onda para cima de mim.

Eleonora Vieira de Mello

a DErraManinguém pode alegar o desco-

nhecimento da lei. É o que diz

a lei, e lei é lei. Mas o cidadão

comum não tem o hábito de ler

que trabalha com alguém muito

importante para que as portas se

abram. E há as variantes, muito

usadas pelos adolescentes, como

deixar escapar onde mora ou

onde estuda, desde que seja na

american school of brasilia.

os brasilienses que não têm

carteira para esfregar na cara

de alguém parecem já ter se

acostumado a isso. nem sempre

porque são facilmente intimi-

dados, mas porque preferem

não comprar a briga. seria uma

briga por dia, não compensa. E a

corda arrebenta para o lado mais

fraco mesmo, para que tornar as

coisas piores?

E assim senhoras que não sabem

quando parar com o botox e

com o laquê mandam e des-

mandam. Policiais abusam da

autoridade mesmo quando não

estão trabalhando. Jornalistas

se valem do poder da imprensa

para resolver problemas pessoais.

assessores de parlamentares

comportam-se de forma mais

arrogante que os próprios. Desse

jeito vai faltar espaço para tanta

gente importante numa cidade

só. Deve ser por isso que nos

eventos brasilienses as áreas VIP

(já foi o tempo em que havia

só uma) estão cada vez mais

Page 10: Revista meiaum Nº 24

o Diário Oficial, apenas as leis

com grande repercussão social

são divulgadas pela imprensa

e só contadores e tributaristas

conhecem o emaranhado que

é a legislação tributária, feita

para que poucos a entendam.

ninguém sabia, pois, que doa-

ções estão sujeitas a imposto no

Distrito Federal. azar de quem

não sabia, dirão os tecnocratas

da tecnocrática secretaria de

Fazenda do governo do Distrito

Federal. ninguém pode alegar o

desconhecimento da lei...

E é com base no artigo 142

do Código tributário e na lei

3.804/2006 que a secretaria de

Fazenda está agora cobrando o

ItCD, a sigla (tecnocrata adora

sigla) do Imposto sobre trans-

missões Causa Mortis (o latim é

essencial, para passar seriedade)

ou Doações de bens e Direitos.

E cobrando o que os cidadãos

não pagaram nos últimos cinco

anos, acumuladamente mesmo.

o pai que doou dinheiro aos

filhos, a avó que colocou a casa

em nome dos netos, enfim,

quem doou “bens e direitos”

tem de pagar o imposto. E

com enormes juros e multas,

pois a secretaria de Fazenda

está cobrando o devido desde

2008. no ano passado, cobrou o

referente a 2007. É a lei, alegam

sorridentes os tecnocratas que

vibram a cada real arrecadado,

como vibravam os portugueses

que faziam a derrama e provo-

caram a chamada inconfidência

mineira.

É a lei, tudo bem, e impostos

têm de ser pagos, especialmente

pelos mais abonados, para, em

tese – e só em tese mesmo e na

propaganda governamental –

reverterem em benefício da po-

pulação, especialmente a mais

pobre. Mas um governo que se

diz democrático e popular tinha

a obrigação de tratar o assunto

de outra forma, e não pensando

exclusivamente em encher os

cofres para, quem sabe, diminuir o

impacto da absurda e lesa-brasília

construção de um estádio (arena,

corrigirão os modernosos tecno-

cratas rindo de nossa ignorância

sobre a diferença entre uma coisa

e outra) que custa mais de r$ 1,2

bilhão aos cofres públicos.

um governo realmente preocu-

pado em ser transparente peran-

te a população teria, primeiro,

anunciado que o imposto ape-

lidado de ItCD passaria a ser

cobrado. anunciado amplamen-

te, em todos os meios, como faz

com as obras do governo. Depois,

teria de considerar que o cidadão

não tem culpa – além daquela de

desconhecer a lei -- por não ter

pagado o imposto no ano devido.

a secretaria de Fazenda é que

deveria ter cobrado no devido

tempo, para evitar ao contribuin-

te os ônus das multas e dos juros.

E, finalmente, o governo poderia

fazer a cobrança ano a ano.

ah, e quem já conhecia a lei,

por ter contadores e advogados

à disposição, escapou do ItCD

facilmente: declarou doações

como se fossem empréstimos e

transferiu imóveis por valores

baixos e fictícios.

Miguel Oliveira

tuDo É brasílIaos políticos têm medo de

chamar o Distrito Federal de

brasília. acham que, se falarem

em brasília, parecerá que estão

se restringindo ao Plano Piloto,

excluindo as cidades-satélites de

suas palavras e promessas. Essa

distorção começou quando o go-

verno do DF, em uma gestão de

Joaquim roriz, resolveu chamar

de brasília a região administra-

tiva que engloba parte do Plano

Piloto, especialmente as asas sul

e norte. Com a contribuição de

jornalistas e políticos mal-infor-

mados, brasília passou a ser, para

muitos, apenas a área central do

Distrito Federal.

até hoje há os que pensam assim,

por desinformação ou por achar

que limitando brasília ao Plano

Piloto estão valorizando as cida-

des-satélites. Pois é o contrário:

restringindo a denominação de

brasília ao Plano Piloto, estão é

discriminando as populações das

cidades-satélites, como se não mo-

rassem na capital da república.

brasília é todo o Distrito Federal,

brasilienses são todos os nascidos

no Plano Piloto, nas cidades-

satélites e em cada pedaço do

retângulo que conforma a capital

da república. Faz falta um políti-

co que perca o medo de chamar o

DF de brasília e acabar com essa

bobagem.

Hélio Doyle

notíCIas Do Paraísosempre que acordo com o

humor piorado, indignada com

o que tem sido feito da cidade

que escolhi para viver, triste

com a prevalência da sacana-

gem, da violência e da incúria,

10

Page 11: Revista meiaum Nº 24

recorro a um segredinho que é

tiro e queda. Poderia meditar

na Ermida, mas não é seguro.

Poderia caminhar perto de

casa, mas é perigoso também.

Quando quero fugir um pouco

da realidade, digito o endereço

eletrônico da agência brasília,

o portal oficial de notícias do

governo do Distrito Federal.

ah, como me traz paz ler as

novidades do dia, ver as fotos

do nosso sorridente chefe do

Executivo posando de jaleco

para resolver os problemas da

saúde pública ou apertando a

mão de gente importante para

mostrar como tem prestígio!

sabia que somos líderes em

transplantes de coração? E

penso como somos injustos

com esta gestão, que tanto tem

feito por nós, ingratos cidadãos

que não sabemos nem dar

valor a uma arena de uso múl-

tiplo que insistimos em chamar

de estádio.

Poxa, este governo nos devol-

verá o Planetário de brasília,

fechado há mais de 15 anos,

e promete que será “um dos

mais modernos do mundo”.

o lendário aterro sanitário

vai ficar pronto, sim, deixe

de ser agourento. Em poucos

meses o lixão da Estrutural

será história. se até o banco

Interamericano de Desenvolvi-

mento, segundo um dos textos

da agência, está empolgado

com os projetos, por que você

não pode dar crédito a agnelo

Queiroz e companhia? tenha

paciência, ele já explicou que

quando assumiu “a situação

era de caos” e que teve de colo-

car “a casa em ordem”.

E como me acalma ler que “a

integração das forças de segu-

rança Pública no DF, organi-

zada pelo governador agnelo

Queiroz, reduziu os índices de

criminalidade nos últimos 12

meses”. Caíram sequestros-re-

lâmpago, latrocínios, estupros.

E o melhor: “a maioria dos

assassinatos tinha conexões

criminais e não foi de cidadãos

vitimados por infortúnios, o

que reforça que a qualidade da

segurança no DF é uma das

maiores do país”. Que alívio.

na semana seguinte ao aniver-

sário de 53 anos de brasília,

me emocionei com o artigo

assinado pelo governador

publicado no jornal preferido

dos brasilienses, que sempre

traz boas notícias e lindas fotos

das flores que enfeitam a cida-

de. o texto ganhou destaque

no site da agência brasília.

Descreve o momento em que

uma das artistas contratadas

para se apresentar na festa de

aniversário na Esplanada não

se contém diante da beleza de

“balões cruzando docemente o

céu de brasília ao alvorecer”.

no texto, agnelo reconhece

haver “inegáveis problemas em

vários setores”, mas explica que

“as melhorias em muitos deles

já se fazem sentir concreta-

mente”. Ele poderia discorrer

sobre elas, mas preferiu se

concentrar no fato de “nosso

bom Deus” ter feito com que

todos esses “projetos estrutu-

rantes” tenham coincidido

com a realização das Copas

das Confederações, no mês

que vem, e do Mundo, no ano

que vem. teremos “muitos

legados desses dois grandes

eventos”, segundo ele nas áreas

de mobilidade, segurança e

infraestrutura. Eu sei que você

duvida disso, mas entenda

que legado é aquilo que vem

depois. Enquanto espera, abra

o coração e relaxe com uma

boa leitura:

www.df.gov.br.

Anna Halley

11

Page 12: Revista meiaum Nº 24

sEM rEsPostasO triste fim do Bambolê da Dona Sarah coloca em

xeque a credibilidade do GDF diante da opinião pú-

blica. Quem fala a verdade, quem mente nos infor-

mes do GDF? A Comunicação da Copa, que diz haver

autorização do Ibram, ou este, que nega?

Mais grave do que isso: quem determinou o

abate das árvores foi punido? Abriram sindicân-

cia para apurar responsabilidades? Houve queixa

por crime ambiental? A multa do Ibram será paga

por quem cometeu o erro ou pelo contribuinte?

É cobrada ainda do governo a falta de debate

prévio com a comunidade sobre tal destruição,

classificada na nota do GDF de “legado à cidade”.

Enquanto não há as respostas, o Balão do

Aeroporto vira o Embolado do Aeroporto. Qui-

lométricos engarrafamentos aporrinham os

moradores do Entorno Sul, do Gama, de San-

ta Maria e do Park Way. Todos ainda convivem

com as obras do Expresso DF, pelo menos seis

meses atrasadas.

Para os turistas que vierem assistir à abertu-

ra da Copa das Confederações, restou a paisa-

gem de hecatombe ambiental.

DE olho no trânsIto

Existe um aplicativo de GPS social para te-

lefones e tablets chamado Waze, que informa

como anda o trânsito. Em tempos de Lei Seca,

a garotada o usa para ser alertada de blitze. O

mais novo usuário do Waze é o deputado dis-

trital e corregedor da Câmara Legislativa Cabo

Patrício, ex-policial militar. O GDF já teve seu

secretário da Juventude, Fernando Neto, exo-

nerado por divulgar no Twitter as ações do De-

tran-DF. Mas pode ser que Patrício só deseje

usar o Waze para saber quais são as melhores

rotas para chegar ao poder.

balão Do aEroPorto: QuEM MEntIu?Árvores cortadas, terra arrasada. O estrago está feito. Um caos viário e a

desilusão tomam conta do Balão do Aeroporto, outrora cartão-postal da

capital. Ali surgirá um mergulhão, dividindo em dois o Bambolê da Dona

Sarah. Por não ser obra para a Copa das Confederações, pergunta-se por

que não ter se esperado até 15 de junho, data do único jogo na cidade.

Mais grave é a troca de informações desencontradas no GDF.

Quando da derrubada das árvores, em 8 de abril, a Comunicação para

a Copa se apressou em afirmar que tudo acontecia “com base nas re-

gras impostas pela legislação ambiental. A ampliação da via conta com

estudo de impacto ambiental e licenciamento ambiental emitido pelo

Instituto Brasília Ambiental – Ibram”.

No Ibram, a história é outra. Em 16 de abril, anunciou multa de R$ 150

mil ao DER pela “supressão não autorizada das árvores do Balão do

Aeroporto”. À mídia, o secretário de Meio Ambiente, Eduardo Bran-

dão, afirmou que o certo teria sido solicitar antes a licença de obras e

a autorização do corte das árvores.

F o r a d o P l a n o

P o r C H i C o S a N t ’ a N N a chicosantanna@hotmail . com

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I s a b e l C a l a f , 9 0 a n o s

Brasília 61 visõesb r u n o b r a v [email protected]

Este retrato é parte do projeto Brasília 61 visões. A intenção do fotógrafo é revelar a cidade pela cara das pessoas, anônimas ou não, e relatar sua relação com a capital.

Venceslau Calaf e Isabel Calaf Clariana eram apenas

crianças quando a irmã dele e o irmão dela ficaram

noivos. Os irmãos mais novos receberam dos pais o

dever de acompanhar o casal nos passeios pelas praças e ruas de

Barcelona, na Catalunha. “E, acompanhando os noivos nos seus

encontros amorosos, acabamos também nós nos apaixonando”,

Isabel conta com seu sotaque catalão, pouco afetado pela língua

portuguesa, embora já esteja no Brasil há 60 anos.

Venceslau Calaf alimentava o sonho de morar no Brasil.

Acompanhava as notícias do País pelos jornais de domingo.

Depois da Guerra Civil Espanhola, com o fascismo de Franco, a

família se muda.

Um dia, já em Bento Gonçalves (RS), Venceslau entra em casa

com a boa-nova: seria construída a nova capital do Brasil. Os

Calaf se mudam mais uma vez.

Chegam por fim à 103 Sul. Os meninos jogam bola nos canteiros

das obras dos prédios residenciais. Os peões compartilham o

racha com os irmãos Calaf.

A situação vai melhorando. Venceslau Calaf chega a trabalhar

na cozinha para Kubitschek. Os filhos entram na UnB, Isabel

se encontra por fim apaixonada por Brasília, e o destino de

Venceslau Calaf parece se cumprir.

Isabel Calaf Clariana de Calaf tem 90 anos. Está sentada à mesa

do restaurante do filho caçula. Vem todos os dias. Prepara até

oitenta cafés nos almoços mais movimentados. Às vezes serve

um biscoito de acompanhamento, às vezes dois. Mas não explica

por quê. Diz que viu Brasília nascer, crescer e envelhecer, e por

causa disso se sente um pouco mãe da cidade também.

“Dizem que Brasília não tem esquinas. Mas quem nesse mundo

precisa de esquinas? As pessoas precisam de amigos.”

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Era uma vez

o Cerrado

T E X T O P a u l a O l i v e i r a p a u l a o l i v e i r a @ m e i a u m . c o m . b r

Brasília ganhou um setor

habitacional ecológico e

moderno. O Noroeste é

arborizado, o tratamento do

lixo é revolucionário e as

ruas são iluminadas e cheias

de calçadas e ciclovias.

Parece irreal? É mesmo

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O Setor Habitacional Noroeste foi vendido à sociedade como o pri-meiro bairro ecológico do Brasil. Os catálogos e os vídeos divul-

gados pelo governo, mais precisamente pela Companhia Imobiliária de Brasília (Terra-cap), e pelas construtoras propõem cenário arborizado, com espaço para pedestres e ci-clistas circularem à vontade – e vista para o Parque Burle Marx. “Um privilégio para pou-cos”, dizia um panfleto da Terracap. Prome-teu-se uma região sustentável e em harmonia com o meio ambiente. A coleta de lixo seletiva e a vácuo tiraria das ruas os incômodos cami-nhões. A rede elétrica subterrânea evitaria a poluição visual. O Cerrado seria preservado e integrado às construções.

A Terracap lançou até mesmo o Manual Verde do Noroeste, em 2009, ano da licitação do primeiro lote de terrenos, com exigências para as construtoras. Janelas grandes, para potencializar o uso da luz natural, sistema de aquecimento dos chuveiros por energia solar e complementado por gás natural. Cada pré-dio deve dispor de sistema próprio de coleta de água da chuva para irrigar os jardins.

Seguir o manual não deveria ser opcional, mas construtoras procuradas pela meiaum reclamaram da impossibilidade de cumprir à risca todos os itens do documento por falta de infraestrutura básica. É o caso do método de coleta de lixo – uma das promessas do governo do Distrito Federal era a instalação de um sis-tema pneumático. As construtoras reclamam, mas não topam se pronunciar oficialmente sobre a inércia do poder público. Talvez se ex-puserem os problemas se deixe de fazer vista grossa para, por exemplo, as coberturas. Os edifícios deveriam ter seis andares, e a cober-

tura poderia ser parcialmente explorada, mas o que se vê nas plantas dos empreendimentos é o sétimo andar quase totalmente aprovei-tado, seja com coberturas privadas, seja com áreas coletivas para lazer. De qualquer forma, a Terracap reconheceu o atraso e condicionou o prazo das construtoras para construir à sua obrigação de fornecer a infraestrutura bási-ca. A decisão foi publicada na edição de 13 de março do Diário Oficial do Distrito Federal.

Em abril, cerca de 40 apartamentos esta-vam ocupados, três prédios prontos para mo-rar e quatro em fase de acabamento. Três edi-fícios comerciais também estavam em obras. Na primeira etapa do Noroeste, prevista para ficar pronta em 2014, estão sendo erguidos prédios de cinco quadras – da 107 até a 111. Em todo o setor, serão 20 quadras.

A veterinária Larissa Vasconcelos Perei-ra é proprietária de um apartamento de três quartos no Noroeste. “Só gostaria de me mudar com a minha família quando houver condição mínima para a gente morar lá, mas também não vale a pena ficar pagando aluguel enquanto tenho um apartamento meu e novo para viver”, pondera. A grande chateação é por se sentir enganada e abandonada. “Paguei caro pelo imóvel, vou pagar caro também para morar em um bairro tão moderno e quero, no mínimo, ter retorno à altura.” Apesar da re-volta, está ansiosa para se mudar. “O fato de ser um sonho ter um apartamento tão bom ofusca esses problemas.”

O advogado Antônio Custódio Neto mudou-se da Asa Sul para o Noroeste em janeiro e está frustrado. Comprou o imó-vel atraído pela proximidade com o Plano Piloto e pela proposta de ser ecológico. “O Noroeste nasceu com o selo ecológico,

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250 hectaresde área rica em lençóis freáticos e em fauna e flora virarão 20 quadras nada sustentáveis.

mas terminou com o estigma de um bairro poluidor”, lamenta. Diz que quase nada do que viu nos anúncios é realidade. Mesmo sem calçadas, ciclovias, transporte pú-blico, escolas, o tempo para o pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) já está correndo. Os proprietários pagam ainda a Taxa de Iluminação Públi-ca, apesar de não receberem o serviço.

Os moradores dos primeiros apartamen-tos entregues queriam viver em uma cida-de-parque, mas por enquanto estão em um canteiro de obras. É natural que haja alguns transtornos em um setor ainda em fase de construção. Porém, a ordem dos fatores, aqui, altera muito o resultado. A Terracap deveria ter providenciado a infraestrutu-ra básica para depois as construtoras en-tregarem os prédios, como prometido. O

compromisso era ter toda a infraestrutura pronta quando o primeiro morador estives-se instalado, declarou o então governador José Roberto Arruda, em setembro de 2009. “As obras começam hoje e não param mais. Aqui não teremos os mesmos problemas verificados no Sudoeste e em Águas Claras.” Só uma das mentiras que compõem a his-tória do setor habitacional que serviria de “modelo para o País”.

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Nobre para uns, valiosa para outros

O Noroeste está em uma área de 250 hectares que an-tes abrigava um grande peda-ço de Cerrado intacto. Lucio Costa, urbanista que dese-nhou o Plano Piloto, abriu a possibilidade, no documen-to Brasília Revisitada (1987), de se construir na área um conjunto habitacional para a classe média, perto da Asa Norte, desde que não inter-ferisse no desenho da cruz.

Ali era uma zona de amor-tecimento do Parque Nacio-nal de Brasília, pertencente à Área de Preservação do Planalto Central. A zona de amortecimento é o entorno de uma unidade de conser-vação. As atividades humanas ficam sujeitas a restrições para minimizar os impactos sobre a unidade. O novo se-tor fica entre o Parque Burle Marx e a Área de Relevante Interesse Ecológico Cruls. A Arie Cruls, com 55 hectares entre a Epia e o Noroeste, foi criada para atender a uma das exigências do Termo de Ajustamento de Conduta 6, de 2008, firmado entre o go-verno do DF, a Terracap e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Na-turais Renováveis (Ibama).

Era condição deste último para liberar a licença de ins-talação do setor habitacional.

O terreno servia como amortecedor das águas plu-viais que naturalmente de-sembocariam no Lago Pa-ranoá. As obras provocaram o assoreamento do lago e o afugentamento de animais. A instalação do setor habi-tacional deve, futuramente, sobrecarregar as galerias de águas pluviais e o trânsito na Asa Norte e ajudar na degra-dação da vegetação que restar.

Começou-se a falar no Noroeste ainda na década de 1980, durante o governo de José Aparecido. Dois projetos para o setor chegaram a ser apresentados quando Cris-tovam Buarque governava o DF (1994 a 1998). O pri-meiro não passou pelo crivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e o segundo teve re-sistência de órgãos ambien-tais, que queriam a redução do número de habitantes. Previa 80 mil moradores.

A Terracap queria lucrar com a venda das terras. O setor imobiliário poderia jo-gar os preços lá em cima, por ser a última área própria para habitação próxima ao Plano Piloto. Em 1999, a própria

Associação de Empreende-dores do Mercado Imobi-liário (Ademi) contratou o arquiteto Paulo Zimbres, o mesmo que havia projetado Águas Claras, para redese-nhar a proposta para a explo-ração da região. Doou o pro-jeto à Terracap pelas mãos de Paulo Octávio, dono da cons-trutora que leva seu nome e agora ex-vice-governador do DF. A gentileza foi aceita pelo então governador Joaquim Roriz, mas não era sua prio-ridade, tanto que só lançou o projeto da “ecovila”em 2005. Era prioridade, no entanto, para José Roberto Arruda, então secretário de Obras.

Em 2006, Arruda foi eleito governador e Paulo Octávio, o seu vice, e o novo bairro sai-ria do papel de qualquer jeito. Era promessa de campanha. O projeto foi adaptado para reduzir a quantidade de ha-bitantes – de 80 mil para 40 mil. Posteriormente, foram acrescentadas novas questões ecológicas, como o aumento do Parque Burle Marx de 250 para 280 hectares.

Para justificar a explora-ção de uma área que ainda mantinha o Cerrado intoca-do, Arruda prometeu tudo o que podia e o que não podia. Funcionou. Na prática, po-

rém, o Noroeste, já habitado, está longe, muito longe de ser verde, ecológico, sustentável ou seja lá qual for a expressão mais apropriada. “O plano era garantir tudo isso antes de abrir para os moradores. Pena que não foi feito confor-me previsto”, afirma Cassio Taniguchi, que era secretário de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente no governo Arruda. Ficou com ele a mis-são de convencer a sociedade de que tudo daria certo. No fim de 2009, ele deixou o car-go por causa do escândalo da operação da Polícia Federal Caixa de Pandora, que poste-riormente abreviou a gestão de Arruda. Quando este dei-xou o DEM, Taniguchi, eleito deputado federal pelo mesmo partido, voltou à Câmara dos Deputados. Hoje é secretário de Planejamento e Coorde-nação Geral do Paraná.

A destruição do Cerrado em uma área rica em lençóis freáticos, fauna e flora pare-cia compensar. Arruda, Paulo Octávio e companhia sabiam que a venda das projeções encheria os olhos das cons-trutoras, tão sedentas por liberação de qualquer área dentro do Plano Piloto ou próxima a ele. A arrecadação da Terracap com o primeiro

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lote de vendas – as projeções das cinco pri-meiras quadras –, em 2009, foi de R$ 1,7 bi-lhão. A Terracap informa que cerca de R$ 400 milhões foram investidos em infraestrutura básica e viabilização do bairro.

Índios ainda brigam na Justiça Além de desmatar uma área de vegetação

nativa, a construção do Noroeste tem outro estigma. Grupos indígenas – fulni-ô tapuya, tuxá e kariri-xocó – se recusaram a deixar a terra por várias vezes, sob o argumento de que lá viviam havia mais de 30 anos e de que a área lhes é sagrada. Nem a Fundação Nacional do Índio nem o governo local reconheceram o lugar como território indígena, uma vez que as comunidades vieram de outras partes do Bra-sil, não eram nativas.

Ainda no primeiro semestre de 2009, o Ministério Público Federal chegou a reco-mendar a suspensão da licença para constru-ção, uma vez que a Terracap não havia cum-prido o compromisso de solucionar a questão fundiária da comunidade indígena – estabe-lecido no Termo de Ajustamento de Conduta 6, de 2008. Com o reforço de apoiadores, na maioria estudantes, os índios entraram em conflito com trabalhadores das construtoras em 2011, quando começaram as obras na área do chamado Santuário dos Pajés, já no gover-no de Agnelo Queiroz. As construtoras só con-seguiram tocar as obras após decisão judicial.

O MPF, por meio de ação civil pública, re-comendou, no segundo semestre de 2011, que a área a ser reservada até decisão judicial para os grupos indígenas fosse de 50 hectares – as quadras 307, 507, 707, 108, 308 e 508, além das comerciais 8 e 9. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região estipulou que o terre-

no preservado temporariamente fosse de 4,1 hectares – parte da quadra 108. Nessa área, as construtoras estão proibidas de vender, construir e desmatar. O processo está em an-damento na 2ª Vara da Seção Judiciária do DF.

Os integrantes da tribo kariri-xocó fizeram acordo com o governo local para serem trans-

feridos para os 12 hectares que lhes foram re-servados no Parque Burle Marx para moradia – de acordo com o termo de 2008 –, mas isso ainda não ocorreu por embargos jurídicos. Eles lutam por moradia. Já os outros querem a preservação da área de 50 hectares por ques-tões religiosas. Segundo o TRF, há outra ação em andamento: o Conselho Indigenista Mis-sionário quer anular a licença ambiental para a construção do bairro.

Os grupos querem manter intacto apenas o Santuário dos Pajés. “São áreas insubstituí-veis e o que a Constituição Federal manda, no caso de ser terra indígena, é que se retire tudo o que foi construído”, diz Ariel Foina, advoga-do do grupo fulni-ô tapuya. Na quadra 108, há prédios em construção e isso aproxima muito os índios das obras. “É complicado porque es-tão a 10 metros dos canteiros”, diz Foina.

R$ 400milhõesfoi o investimento na infraestrutura básica, ainda muito precária.

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Da propaganda à realidade

O governo de Joaquim Roriz foi bastante criticado por ambientalistas por ter anunciado o Noroeste como ecovila. “Realmente não era bem isso. Na verdade, o bair-ro é sustentável”, classifica Albatênio Granja, gerente de Projeto do Noroeste da Terracap. Entende-se por sustentabilidade o equilíbrio entre o avanço econômico, o atendimento às necessidades da população e a preservação do meio ambiente. Para os mais radicais, é preciso ainda reaproveitar o lixo, cultivar o próprio alimento e trabalhar em comunidade.

O Noroeste não será au-tossuficiente em nada. Não há, por exemplo, previsão de hortas comunitárias nem do envolvimento dos moradores em ações sustentáveis, como compostagem do lixo orgâni-co. “Há vários níveis de men-suração da sustentabilidade e estamos trabalhando com o mais baixo”, justifica Granja.

O modelo de sustentabi-lidade eleito pela Terracap é o Leadership in Energy and Environmental Design (Leed), certificação concedi-da por uma organização nor-te-americana. Para conse-

gui-la, o Noroeste precisaria atender a algumas exigências. A primeira, registrada no Manual Verde do Noroeste, é de que o projeto seja elabo-rado para uma comunidade já desenvolvida e com trans-porte público. No Noroeste, não há nem um nem outro. É necessário haver coleta se-letiva de lixo. Também não tem. Os prédios precisam es-tar equipados com mecanis-mos que ajudem os morado-res a economizar água e luz. Isso existe. A distribuição de energia elétrica, no entanto, é improvisada – instalada para abastecer as construções, quebra o galho dos prédios já prontos. O uso do automóvel deve ser desestimulado. Em prédios que têm, no mínimo, duas vagas na garagem para cada apartamento, fica com-plicado. Além das garagens subterrâneas, cada edifício tem estacionamento amplo.

Existem outras certifica-ções para construções verdes. Consideram a quantidade de gás carbônico que os mate-riais utilizados nas obras pro-duziram ao serem fabricados. São avaliados, ainda, o im-pacto social e econômico do empreendimento na região. “O Leed é muito bom e muito moderno, mas leva em conta

só a questão verde, o social e o econômico ficam de fora”, diz Sibylle Muller, engenhei-ra civil e empresária da área de certificação da construção civil em São Paulo.

Sibylle afirma que, para ter qualquer certificado verde na construção civil no Brasil ou em qualquer lugar do mundo, a comunidade precisa parti-cipar e o poder público pre-cisa providenciar a infraes-trutura. “É um contrassenso ecológico, por exemplo, reti-rar a mata nativa para colocar outra no lugar. Ou prometer sistema pneumático de coleta de lixo sem aterro sanitário”, analisa. Para ela, esse sistema é luxo desnecessário, visto que, se houver cultura de se-leção de lixo entre os mora-dores e destinação por parte do órgão público responsável, o processo é bastante eficaz.

A coleta de lixo pelo siste-ma pneumático, subterrâneo e a vácuo funcionaria assim: em cada prédio, seriam ins-taladas três entradas para os dutos de sucção – um para lixo seco, outro para orgâni-co e o terceiro para material não identificado. Os sacos de lixo seriam sugados tão ve-lozmente para essa tubulação que não ficaria nem mesmo o cheiro. Todo o material de-

sembocaria em contêineres nas duas estações previstas para o bairro e de lá seguiria para o aterro sanitário – pro-jeto que se arrasta por mais de uma década e que oti-mistas achavam que estaria pronto antes da instalação do novo setor. Essa é uma reali-dade na Europa e o assunto é discutido em Brasília desde o lançamento do bairro, há oito anos. “Foi um delírio, um modismo, e não daria certo adotar esse sistema aqui em Brasília. E outra, não excluiria a necessidade de caminhões circulando pelo bairro”, diz Francisco Palhares, que era superintendente do Ibama no DF na época da concessão da licença, em 2007, e hoje é assistente da direção-geral do Serviço de Limpeza Urba-na (SLU). Ele confirma que hoje Brasília não tem estru-tura para abrigar um sistema como esse.

Primeiro, o governo errou na modalidade jurídica para a adoção do sistema. Pensava-se em parceria público-pri-vada e chegou-se à conclusão de que o ideal é concessão pública. Decidida essa ques-tão, o governo começou a ela-borar o edital para selecionar a empresa que ficará respon-sável pela instalação da estru-

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tura e da coleta. Segundo, os prédios estão tão perto das ruas que isso inviabilizou o planejamento inicial do es-paço que os dutos ocupariam. Um novo projeto precisou ser feito. E, em terceiro lugar, o sistema não faz sentido se o DF não tem aterro sanitário. “Mas vai ter”, diz o gerente de Projeto do Noroeste na Ter-racap, Albatênio Granja. Em janeiro, o Tribunal de Contas do DF suspendeu a licitação do SLU para implementa-ção do aterro sanitário em Samambaia. O SLU prestou esclarecimentos e aguarda a votação em plenário.

O sistema pneumático se-ria a tecnologia mais exclu-

que ecológico para se tornar de uso múltiplo – concomi-tantemente com o parcela-mento urbano e garantir que fossem desmatadas apenas as áreas das projeções. A responsabilidade foi poste-riormente passada ao Ins-tituto Brasília Ambiental. O parque, programado para ter pistas de ciclismo, de corrida e áreas de convivência, ain-da não saiu do papel. Foram feitas duas lagoas para escoa-mento de água.

Não é difícil perceber que o desmatamento para a cons-trução do bairro verde não é diferente do que é feito para erguer qualquer outra coisa. As últimas quadras, as pri-

siva do Noroeste. Ainda não existe no Brasil. “O Noroes-te não tem nada de novo. O que venderam como grande avanço nas construções são tecnologias que existem há 20 anos”, critica a doutora em geologia e especialista em ur-banismo e meio ambiente da UnB Mônica Veríssimo.

Desmatar para preservarAinda em 2007, o Ibama

emitiu parecer para alterar a licença ambiental para a construção dos prédios e da infraestrutura do Noroeste. Estabeleceu 43 condições para o início das obras, como implementar o Parque Burle Marx – que deixa de ser par-

meiras que estão sendo cons-truídas, já estão com cara de quase bairro. Entre um pré-dio e outro, grama dos jardins de cada condomínio, calçadas e estacionamento. Tudo isso extrapola a área da projeção, que seria a única desmata-da. “Se queriam preservar, tinham de deixar a vegetação natural, e não fazer paisagis-mo”, critica Mônica.

Para ela, não faz sentido a captação de água de chuva para irrigar a vegetação. Se fosse para a descarga dos va-sos sanitários, por exemplo, valeria. “Além da gastança de água e energia com piscinas e saunas, querem irrigar o Cerrado, que sobrevive bem

O segundo planoo pretexto para a construção do noroeste é o documento finalizado em 1987 chamado brasília revisitada, assinado por lu-

cio Costa. o urbanista estabeleceu novos setores habitacionais para brasília, que poderiam ser construídos se necessário: asa

nova norte (onde está o taquari), asa nova sul (Jardim botânico), oeste sul (sudoeste) e oeste norte (noroeste). Para este

último, programou dez quadras residenciais e prédios com três pavimentos. nada comparado ao que está sendo construído.

De três pavimentos, os prédios passaram para seis. Com a cobertura, sete. albatênio Granja, da terracap, diz que a exploração

do sétimo pavimento é permitida em parte e que está tudo conforme o planejado.

o que lucio Costa programou como um bairro econômico hoje tem o metro quadrado avaliado em r$ 9 mil. o que pensou

para dez quadras terminou com 20. a preocupação do urbanista era de que o novo bairro não chegasse à beira do Eixo

Monumental e desfigurasse o formato de cruz do Plano Piloto. o sudoeste chegou na calada e está quase lá, mas o noroeste,

não. Cresceu para o outro lado. o terreno em que estão sendo construídas as últimas quadras do setor era, originalmente,

para a construção de um cemitério. Mas agora não vai ter mais jeito de atender a essa especificação do projeto do Plano

Piloto. o negócio já está feito.

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ao clima de Brasília?” Aqui há outra contradição. O pai-sagismo dos prédios deveria ser feito com espécies nati-vas. Os jardins, no entanto, estão gramados. Uma ou ou-tra muda de planta nativa está sendo usada.

“O Cerrado cresce muito lentamente. Foi falta de in-teligência e de vontade das construtoras retirarem toda a vegetação. Cabia ao enge-nheiro, por exemplo, dizer ao tratorista assim: não der-rube esta e aquela árvore”, raciocina Nicolas Behr, po-eta, ambientalista e dono de um viveiro especializado em espécies do Cerrado. “O po-der público tem de fiscalizar se o desmatamento está sen-do feito corretamente e cabe ao morador cobrar por isso também.” A cada 15 dias, os síndicos dos prédios das pri-meiras quadras do Noroeste têm reuniões com a equipe da Terracap. “Cobramos tudo o que prometeram e tentamos entender, na base da con-versa e da compreensão, mas estamos sendo lesados como consumidores”, diz Antônio Custódio Neto.

Logo que as obras come-çaram, em 2011, ficou cons-tatado pela Caesb que o Lago Paranoá já começava a sofrer

com os efeitos do Noroeste. O escoamento das águas plu-viais da região foi direto para o lago e em menos de um ano foi detectado o seu assorea-mento. A Terracap se defende dizendo que resolveu a ques-tão com a construção dos dois lagos no Parque Burle Marx para conter as águas. O solo do Noroeste será quase to-talmente impermeabilizado. “Na verdade, o parque será o grande lixão do Noroeste. Os lagos que foram feitos lá não serão para o lazer da popu-lação, mas para abrigar toda a sujeira que vier do bairro”, conclui Nicolas Behr.

A impermeabilização do solo vai se tornar um grande problema ambiental confor-me as obras avançarem. As garagens ultrapassam a área da projeção com tutela do Es-tado. São duas, três e até qua-tro vagas por apartamento. O subsolo que não for ocupado por carros será utilizado para a instalação dos dutos do sis-tema de coleta de lixo a vácuo, de energia elétrica, do esgoto.

Outras mentirinhasEnquanto as construto-

ras correm para entregar as chaves, o ritmo do governo é diferente. Não parece haver pressa em instalar ilumina-

ção pública ou rede de ener-gia própria. De acordo com o projeto aprovado, a fiação deverá ser totalmente sub-terrânea.

Não há postes de luz. Há dois anos, o governo do DF, já sob o comando de Agne-lo Queiroz, se encantou pela ideia de adotar lâmpadas só-dio, projeto aprovado pela Agência Nacional de Energia Elétrica, e decidiu mudar o planejamento de ilumina-ção do Noroeste, que seria de LED. As duas são eco-nômicas, mas a de sódio é mais moderna e eficiente. A compra foi feita por meio de convênio entre a Terracap e a Companhia Energética de Brasília. Só que as lâmpadas não chegaram e, em novem-bro passado, o governo reto-mou a ideia do LED e reini-ciou o processo de compra.

A promessa é de que a ilu-minação pública comece a ser instalada em maio. “Che-gamos a pensar em adotar iluminação provisória, mas, entre oferecer algo precário e não oferecer nada, optamos por esperar”, explica Granja. Em setembro do ano passado, ele deu a seguinte declaração ao Correio Braziliense: “Que-remos terminar as obras bá-sicas de infraestrutura antes

do período de chuvas. Em de-zembro, só o sistema de dre-nagem não estará concluído”.

Enquanto o governo es-pera, quem tem apartamento pronto que se vire. “De dia tem muita movimentação por causa das obras, mas à noite é deserto. Só não ficamos no breu porque as luzes dos can-teiros ficam acesas”, descreve o pioneiro Antônio Custódio Neto. Não existe transporte público. Também não há co-mércio. A sorte é que ambu-lantes já se instalaram lá para vender marmita e lanche.

Água e esgoto há, mas o gás natural está longe de chegar. Por enquanto, o aquecimen-to de água do chuveiro e o abastecimento dos fogões são feitos por gás de cozinha, o GLP, derivado do petróleo. O desempenho é o mesmo do natural e a produção de gás carbônico também é peque-na, mas, por ser mais pesado, é mais difícil de ser dissipa-do. “É preciso entender que o bairro é o nosso grande la-boratório e que esse processo de implantações de inovações tecnológicas demanda tem-po. Não se deve esperar nada de uma hora para outra”, diz Granja. No entanto, todo esse planejamento tem, no míni-mo, oito anos.

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hgougon@

gmail.com

cHarGes do GouGon

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c r ô n i c a

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25

Parece que o Zelão, que não é de Brasília, perdeu a sanidade

quando tentou ir de carro da 415 para a 309 Norte, passou 11

horas rodando em uma tesourinha e só foi salvo porque a ga-

solina do seu carro acabou. No dia seguinte o Tadeu quis saber

o que havia acontecido.

– Zelão, você seguiu minhas instruções? Eu disse: “Não vai

por dentro, que é bloqueado tanto nas 200 quanto nas 100. O

melhor é fazer a tesourinha e pegar o Eixinho W. Não entra de

jeito nenhum na agulhinha, senão você vai acabar parando na

Saída Sul. Depois, segue reto e vira quando vir a placa indica-

tiva. Aí sobe a comercial, roda à esquerda no balão e chega à

quadra”.

– Segui.

– E o que deu errado?

– Sei não. Fiz exatamente isso. Não fui por dentro e blo-

queei o carro em 100. Depois, agulhei o balão e rodei o eixo

indicado na placa. E aí tesourei à esquerda e enquadrei o cara

do sul.

– Como é que é?

– Não, lembrei. Você falou pra passar de 100 pra 200, e eu

Tesouras e agulhas

c o m o Z e l ã o P e r d e u a s a n i d a d e

D a n I E l C a r I E l l o @ G M a I l . C o M t h a l e s f e r n a n d o b @ g m a i l . c o m

T E X T O D a n i e l C a r i e l l O i l u s T r a ç ã O T H a l e S F e r n a n D O

passei. Aí disse pra pegar agulha e tesoura, e eu peguei. Então

virei na entrada à esquerda do comércio de balões pra buscar o

W, que estava parado na quadra.

– Parece que você se confundiu aí, Zelão.

– De jeito nenhum. Eu cheguei do sul, entrei pela saída e

parei pra indicar as 200 rodas, à esquerda da placa. Aí subi

reto e desci de balão...

– Zelão, por que você está babando?

– ... e foi então que eu fiz um comercial de tesoura, incitado

por um cara da esquerda que queria bloquear o eixo com qua-

dros de agulhas.

– Zelão, Zelão, olha pra mim.

– Não há saída! Tragam 100 comerciantes. Não há saída!

– Zelão!!!

***O Zelão passou uma temporada no hospital e então pôde

voltar à sua cidade. Depois do período de recuperação, voltou

a ficar bem. Seus amigos é que até hoje não entenderam de

onde veio essa fobia repentina a agulhas.

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brasífra-me p O r N i c O l a s B E h r

1*orBitam entre

vários anéis v iários

saturados

de distantes

saturnos

engarrafamentos

de foguetes

a paciência

como comBustível

anos-luz de espera

a distância

é mesmo

um muro

intransponível

2*o poema apresenta

as credenciais

para te representar

no reino

das palavras

só não é torre de BaBel

porque a avenida

é longa

p a u b r a s i l i a @ p a u b r a s i l i a . c o m . b r

3*t inha pressa

em virar mito

virou

filho da revolução

geração pepsi

será?

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27

pErsONagENs , lugarEs E Ep isód iOs marcaNTEs da h isTór ia da NOssa cap iTal . dEsvENdE EsTEs pOEmas-EN igmas .

5*entre a cruz

e o carimBo

– a nova espada –

a memória seca

e o turista futurista

colhe a flor

que ainda vai ser

inventada pelo sol

4*o rio nilo

deságua

no lago

paranoá

comum lá mais comum aqui

qual peixe

o faraó jotakamon foi pescar?

e se o pescou

como o preparou?

e se o preparou

como o ingeriu?

e se o ingeriu

como o expeliu?

e se o expeliu

poluiu o próprio lago

de onde o consumiu?

respostas:

1 Cidades-satélites *2 avenida das nações *3 renato russo4 Tilápia *5 Flores secas da Catedral

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P e r F i l

K a t h i a P i n h e i r o

P e r F i l

Nin

a Q

uin

tan

a

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A spalla da Orquestra Sinfônica do Teatro

Nacional conta como veio parar em Brasília e revela que o violino não era seu instrumento favorito.

T E X T O a n n a H a l l e y a n n a h a l l e y @ m e i a u m . c o m . b r

Page 30: Revista meiaum Nº 24

studar piano era obrigatório na casa

da pequena Kathia, no Rio de Ja-

neiro. O pai era cantor do Theatro

Municipal, mas quem exigia mesmo

dos três filhos era a mãe, enfermeira. Ela amava

música e decidiu fazer aulas com as crianças para

delas poder exigir. Era rigorosa. Quando já sabiam

tocar piano, conquistaram o direito de escolher o

instrumento que queriam estudar. O irmão op-

tou pelo oboé, a irmã ficou com o violoncelo. Aos

11 anos, Kathia resolveu que aprenderia o instru-

mento pelo qual havia se encantado em uma série

de TV: a harpa.

A escolha inesperada da filha levou a enfer-

meira a procurar uma harpista do Theatro Muni-

cipal. Em uma conversa rápida, a mãe viu que se-

ria complicado não só pelo tamanho, mas porque

uma harpa custa muito, muito caro. Voltou para

casa com um violino. A princípio, a menina não

viu a menor graça. “Achei que era coisa de velho”,

EB

eto

Mon

teir

o

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31

conta. No piano, diz ela, as notas

estão prontas. Mas quem já ou-

viu alguém começando a tentar

tirar som de um violino sabe que

o efeito é de aflição. E a menina

sonhava com a harpa, delicada

e feminina. Perguntava à mãe

quando poderia parar de estudar

o estridente violino: “Ela dizia

que só quando eu estivesse mui-

to boa no instrumento”.

Quando esse dia chegou,

Kathia já fazia parte de uma or-

questra jovem no Rio. Vira que

não havia apenas violinistas ve-

lhos por aí. Tinha 14 anos quan-

do a mãe se foi. “Ela sabia que

morreria cedo, queria nos deixar

encaminhados na vida.” De fato

o instrumento escolhido pela

mãe deu rumo à vida de Kathia.

O que ninguém imaginava era

que a levaria tão longe. Antes a

queridinha do professor, perdeu

parte da atenção para um jovem

aprendiz do violino. A implicân-

cia virou romance. E o violino já

não era tão chato assim.

Dois anos viraram 33Como tanta gente que se es-

tabeleceu em Brasília, o jovem

casal não pensava em ficar. Os

dois estudavam na Escola de

Música da Lapa, subordinada à

Universidade Federal do Rio de

Janeiro. Souberam do Curso de

Verão de Brasília, na verdade

um festival criado pelo primeiro

diretor da Escola de Música, ma-

estro Levino de Alcântara. Como

não conseguiram informações a

distância, vieram. “Cheguei em

7 de janeiro de 1980.” E aí foram

atrás de bolsa para estudar aqui.

Quando terminaram o curso,

foram convidados pelo maes-

tro Levino para lecionar. “Meu

professor no Rio, José Alves, me

disse para ficar dois anos no má-

ximo, porque Brasília era fraca

na área de música”, diz.

Antes de voltar definitiva-

mente ao Planalto Central, Ka-

thia resolveu levar os violinos

ao luthier Luciano Rolla para

limpá-los e colocar novos cava-

letes. “Eu disse que ia morar em

Brasília e coincidentemente ele

tinha um amigo piloto que tinha

de levar um ministro ao Pará e

depois viria para Brasília. Che-

gamos à cidade de bimotor, em

grande estilo”, conta.

Era março quando vieram de

vez. “Dois anos viraram 33, fui

ficando e tive meus cinco filhos

aqui.” Naquele início de década,

o maestro Claudio Santoro for-

malizava a Orquestra Sinfônica

do Teatro Nacional, e Kathia e o

então marido foram chamados

para integrá-la. “Sempre tive a

vontade de fazer parte de uma

orquestra, meu sonho nunca foi

ser solista, sou muito carente”,

brinca. Kathia deu aulas na Es-

cola de Música de Brasília até

meados dos anos 90, quando os

compromissos com a orques-

tra tornaram difícil conciliar as

duas atividades.

A menina que odiava o vio-

lino tornou-se uma mulher

apaixonada pelo instrumento.

Não consegue nem viajar sem

ele. “Faz parte do meu corpo.”

Entusiasma-se ao falar sobre as

peças. Conta que certa vez na-

morou uma por um longo tempo

e acabou a levando para casa. Ex-

plica que, para músicos profis-

Bet

o M

onte

iro

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32

sionais como ela, que tem 42 anos de prática, um bom instrumento

faz toda a diferença para responder a tanta técnica e precisão.

Em 2000, Kathia Pinheiro tornou-se spalla da Orquestra Sin-

fônica do Teatro Nacional Claudio Santoro, posição que deixou de

ocupar apenas de 2007 a 2010. Na prática, é a segunda na hierarquia

do conjunto de músicos, cujo maestro é Claudio Cohen, violinista

como ela. Fica à esquerda dele e é o último músico a entrar no palco.

O spalla é responsável pela afinação do grupo e sempre tem um solo

nos concertos.

Quando pergunto como é fazer parte de uma orquestra, a resposta

vem fácil. A carioca explica que é mesmo como uma grande família.

Os integrantes passam muito tempo juntos, há grandes amizades e,

claro, desavenças. “Veja o filme Ensaio de orquestra, de Fellini, é aqui-

lo ali”, resume, citando a comédia de 1978.

Os músicos da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio

Santoro são servidores públicos (no fim do ano passado o governo

abriu concurso para preencher 20 vagas). Ensaiam juntos todos os

dias da semana, na sala Villa-Lobos do Teatro Nacional. “O mágico

da orquestra é que, apesar das diferenças, quando fazemos música é

uma coisa só. Parece que você está no céu”, define a spalla.

Dedicação diáriaUma das palavras que Kathia mais usa ao falar do ofício é estudo.

“O músico é como um atleta de alta performance. Violino se estuda to-

dos os dias”, afirma. Mesmo com mais de 40 anos de experiência?

“Claro, ainda mais quando é uma peça nova”, diz, acrescentando que

a última que teve de aprender lhe exigiu 35 horas de estudo.

Ela conta que são muitos livros, muitos cursos, muitas referên-

cias. Pergunto se há algum músico que a inspire. Imediatamente cita

o tecladista e maestro grego Yanni, “porque ele cria música”. O grego

se apresentou pela segunda vez no Brasil no ano passado e esteve em

Brasília, mas justo em um dia que a admiradora tinha concerto.

Nossa primeira conversa foi no começo de abril, no dia seguinte

à apresentação da Orquestra Sinfônica Simón Bolívar, da Venezue-

la, no mesmo palco em que Kathia se apresenta toda terça-feira. Ela

ainda estava sob efeito do que presenciou, admirada com o que viu.

“Foi uma aula.”

Kathia tem muito orgulho de falar da profissão. “Tudo o que con-

segui na vida foi com a música. Dá para viver de música”, diz ela. Na-

Nin

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a

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33

turalmente as portas se abrem

a quem faz parte da Orquestra

Sinfônica do Teatro Nacional

Claudio Santoro. E a violinista

também investiu no próprio ne-

gócio. É sócia da Toccata Produ-

ções e Locações, criada em 2001.

“Meu pai me ensinou que o que

se faz benfeito sempre dá certo.

Não falta trabalho, sempre apa-

rece muita coisa”, diz.

Ela deve se aposentar da or-

questra no fim do ano. E o que

não lhe faltam são planos. Um

deles é estudar culinária, que ela

adora. Também tem interesse

em psicologia e quer se dedicar

a projetos sociais mais de per-

to, além de cuidar da produto-

ra. “Tenho muito tempo pela

frente, só quero morrer aos 126

anos. Então há muito que fazer”,

planeja, lembrando que Roberto

Marinho passava dos 60 quando

criou a TV Globo.

E a harpa? Era só paixão de menina?

Que nada. Ela continua encanta-

da pelo instrumento. Conta que,

em 2009, uma cliente lhe des-

crevia como seria o casamento

para que definissem o estilo

musical. Kathia disse que deve-

ria ter harpa de qualquer jeito,

que “ficaria lindo”. A cliente –

que acabou virando amiga – ob-

servou que os olhos da violinis-

ta brilhavam quando falava do

instrumento. Kathia lhe contou

que queria muito ter aprendido

a tocar harpa. “Aí ela me disse:

‘Você já conhece música, já sabe

ler partituras, devia aprender a

tocar então’.”

Aquilo ficou na cabeça da vio-

linista, que em seguida foi lan-

char em um shopping. Encon-

trou lá um amigo que há muito

morava no Rio e era justamente

professor de harpa. Ela falou da

conversa com a cliente, e ele dis-

se que ficaria por um tempo em

Brasília e poderiam começar as

aulas no dia seguinte, antes que

Kathia mudasse de ideia. O pro-

fessor depois ganhou uma bolsa

para estudar em Washington

(EUA) e disse que lhe venderia

a harpa. “Eu falei que era muito

caro, o preço de um flat, não da-

ria para comprar”, conta.

No dia da proposta, chegou

em casa e assistiu à entrevis-

ta de um violinista francês. O

programa se encerrou com a

imagem fechada em uma har-

pa. Aí não teve jeito. Pergun-

tou ao professor se ele dividi-

ria o pagamento em três anos.

Negócio fechado. A harpa fica

à esquerda de sua mesa de tra-

balho na produtora, no mes-

mo prédio em que sua nova

professora tem um compro-

misso semanal. “Não é incrí-

vel como as coisas dão certo

quando têm de ser?”

“O mágico da orquestra é que, apesar

das diferenças, quando fazemos música é uma

coisa só.”

Nin

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Imagina na Copa

T E X T O K á T i a M a r S i C a n O i l u s T r a ç ã O l u C a S M u n i z

É evidente o mau atendimento nos restaurantes de Brasília.

Mas não há explicação ou pedido de desculpas

a r T i G o

k a t i a m a r s i c a n o @ g m a i l . c o m l u c a s m u n i Z . a r t s @ g m a i l . c o m

Page 35: Revista meiaum Nº 24

35

Dias desses na mesa da praça de alimentação do Boulevard Shopping, lá estava eu revivendo uma cena recorren-

te pelo menos em quatro dos cinco dias da semana em que almoço lá. Por ser mais perto do meu trabalho e sob

medida para os parcos 60 minutos que tenho para me alimentar, é a alternativa que me resta. Enfim, procuro

variar de restaurante, afinal ninguém merece o mesmo prato fast ser repetido como uma monótona ladainha

gastronômica.

Bem, mas deixemos de delongas e vamos ao lead. Mesmo sendo mais conhecida do que bolacha cream cracker pelos aten-

dentes, raramente consigo que o meu pedido venha igual ao prometido na foto do cardápio e, pior, mesmo sendo o mais

simplesinho. Dentro das limitadíssimas opções light, minha escolha é sempre uma saladinha básica com peixe grelhado.

Resumo da ópera: um dia o peixe vem cru, no outro faltam folhas, no outro o tomate seco está em falta, no seguinte, o

cozinheiro é novato, depois, a desculpa é a quantidade de pedidos e por aí vai... Quem me acompanha nesta saga diária já

aposta no problema da vez...

Mas, para não ficar só com os exemplos do Boulevard e para provar que isso também acontece com os outros, fomos

comemorar o aniversário de uma colega no Deck Norte. No restaurante (por sinal, vazio), fizemos nossos pedidos à la

carte e quem acabou chegando à mesa foi a decepção. Dez minutos depois, a mocinha avisou: “O brócolis está em falta para

o arroz”. Era o prato que meu amigo tinha pedido. Naquele dia, até a aniversariante saiu com gostinho de falafel torrado

(bolinho árabe de grão-de-bico) e uma berinjela tão amarga quanto a conta.

O engraçado é que isso tudo acontece sem qualquer explicação ou pedido de desculpas ao consumidor. E o que fica pa-

tente é o despreparo, não por culpa dos funcionários (talvez), mas de alguém acima deles que desconsidera o fato de que a

atividade transcende o lado comercial: envolve relações humanas. Pode significar um cliente que nunca mais volta.

E aí, não há como evitar o bordão que está na boca do povo: “Imagina na Copa!” No caso de Brasília, a capital do País e

uma das 12 cidades-sede dos jogos, além das melhorias que estão sendo feitas no Aeroporto JK, nas vias de acesso ao ter-

minal e no estádio Mané Garrincha – grandes focos do investimento –, é preciso dar um zoom nos detalhes que não custam

tantos bilhões. Por exemplo, o atendimento nos restaurantes. Afinal é para lá que vão correr os milhares de turistas brasi-

leiros e estrangeiros na hora da fome e, claro, nos momentos de comemoração.

Pesquisa da Fundação Getulio Vargas encomendada pelo Ministério do Turismo estima que 600 mil turistas virão ao

Brasil no ano que vem e Brasília é a cidade que receberá o terceiro maior número. Serão nada menos que 207 mil pessoas

não acostumadas com a rotina brasiliense. Pessoas que vão enveredar perdidas pelos imensos gramadões, que vão querer

pegar um táxi (inexistente) na rua, que vão esperar pelo transporte coletivo escasso e vão contar com a hospitalidade do

cidadão local, a exemplo de outras capitais ha-

bituadas a eventos de grande público.

Na Copa das Confederações da Fifa, que co-

meça em Brasília em 15 de junho, a cidade vai

ter uma prévia do que está por vir no ano que

vem, em proporções muito maiores, claro. E

que haja tempo para corrigir o que for preciso,

pelo menos, até o dia 23 de junho de 2014, no

jogo decisivo da Seleção Brasileira, quando vai

ter gente chegando aqui até a nado pelo Lago

Paranoá.

a atividade transcende o lado comercial: envolve relações humanas. pode significar um cliente que nunca mais volta.

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c r ô n i c a

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Há uma nostalgia em Brasília nada condizente com sua moderni-

dade, menos ainda com seus 53 anos, tão poucos perto dos mais de

quatro séculos atravessados por Salvador, São Paulo e Rio.

Mas, repare se a cidade em forma de avião (borboleta! corrigiria

Lucio Costa) não se assemelha a um jovem ainda imberbe que sus-

pira de saudades de um tempo que não viveu.

Tente encontrar um prédio da época da construção que ainda

mantenha seus pilotis no formato original. Encoste em um deles

numa tarde ensolarada e silenciosa de domingo. É nessa hora sono-

lenta que uma porta do passado se abre e por ela passam apressadas

as sombras dos candangos de braços fortes, erguendo a toque de

caixa a capital do País.

Gire de costas em torno da pilastra redonda, pressione levemen-

te o corpo no concreto viril. Gire, feito uma criança que tem a liber-

dade dos movimentos, proibida aos adultos. Nesse momento, pas-

sarão, barulhentos e em correria, meninos e meninas, um atrás do

outro ou de mãos dadas. São amizades para a vida inteira, namoros,

casamentos ou mesmo amores eternos que nasceram debaixo do

bloco, quando Brasília era livre feito suas primeiras crianças, sem

grades, sem cercas, sem câmeras.

Mesmo sem qualquer registro histórico, não é difícil imaginar que

exatamente onde fincaram o bloco em que moramos poderia haver,

cento e tantos anos atrás, a humilde choupana de um caboclo ou preto

velho que vivia solitário em meio ao nada do Cerrado quase virgem.

Na cidade que abriu mão dos pés para se mover sobre pneus, re-

pare bem se em cada eixo ou em cada avenida W ou L não há um vul-

to colorido de um simpático Fusquinha ou de um imponente Opala

levando toda a família para passear.

E nesta época em que estão pondo abaixo os antigos hotéis da

zona central, para que comece uma espécie de segundo tempo da

modernidade, há um interminável suspiro dos velhos colunistas

sociais pelos bailes e pelas boates de uma época em que a elite do

Planalto buscava o glamour dos seus semelhantes paulistas, cariocas

e mineiros.

Por fim, ainda aproveitando o silêncio, ouça na caixa de som do

tempo: é o Aborto Elétrico se apresentando no gramado de alguma

quadra da Asa Sul.

A nostalgia juvenil de Brasília é a mesma de um país inteligente

que existiu nas letras, na música, na arquitetura, e que deixamos es-

correr pelas mãos, que emburreceu com a anuência da nossa omis-

são. É a nostalgia do seu próprio projeto original de cidade, que hoje

parece nada mais do que uma ideia perdida no passado.

A nostalgia juvenil de

Brasília

d e b a i x o d o b l o c o

G I u s t I a n D r E @ h o t M a I l . C o M f o t o g r a f i a @ m e i a u m . c o m . b r

T E X T O a n D r é G i u S T i f O T O n i n a q u i n T a n a

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o P i n i ã o

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39

A névoa escura da fumaça que dizimou a vida repleta de sonhos

de 241 jovens que estavam na boate Kiss na madrugada de 27 de

janeiro ainda torna denso o clima em Santa Maria. A cidade, co-

nhecida como “universitária”, agora tem na sua história a marca

de uma das mais grandiosas tragédias que atingiram o País. Por

mais que os dias passem, Santa Maria parece ainda adormecida

em um sonho triste. Acordar para a dolorida realidade, em que

centenas de universitários não vão mais transpirar a alegria típica

da juventude, é uma tarefa que os moradores têm se empenhado

em cumprir.

A tragédia que atingiu a boate Kiss nada mais foi que o resulta-

do de um acúmulo de imprudências típicas do conhecido “jeiti-

nho brasileiro” de organizar tudo da forma mais simples e rápida

possível. A boate era uma das mais novas da cidade e pertencia a

um empresário tradicional do ramo, muito conhecido pelo meio

universitário. Mauro Hoffmann era dono não somente da Kiss

como também do Absinto Hall, a mais antiga boate destinada ao

público jovem em funcionamento em Santa Maria. As casas no-

turnas deram a Mauro o título de homem da noite da cidade. Era

a ele que os estudantes recorriam para organizar as festas que

resultavam na captação de recursos usados pelos universitários

para auxiliar nas festas de formatura, que costumam ter orça-

mento além do que os estudantes têm condições de arcar.

***Ao desembarcar em Santa Maria na tarde daquele domingo

nebuloso, mais do que cobrir a tragédia, revivi de perto o que

aqueles estudantes buscavam em uma festa universitária. Senti

que toda aquela tragédia poderia ter acontecido comigo também.

Entre meados de 1999 e 2003, período em que estudei jornalismo

na Universidade Federal de Santa Maria, muito conversei com

Mauro Hoffmann para organizar festas semelhantes à Agrome-

rados, que acontecia na Kiss no momento da tragédia. Como te-

soureira da minha turma, precisava auxiliar futuros diplomados

Muita gente vem e vai

n e v o e i r o n a c i d a d e u n i v e r s i T á r i a

l E M o s I a r a @ h o t M a I l . C o M b r o n Z e @ g r a n d e c i r c u l a r . c o m

T E X T O i a r a l e M O S i l u s T r a ç ã O F r a n C i S C O B r O n z e

Page 40: Revista meiaum Nº 24

40

como eu na captação de recursos para a formatura. A Agromera-

dos, assim como muitas das festas que fiz há anos sob a organiza-

ção de Mauro, tinha o objetivo principal de captar recursos.

Por esse motivo, as longas filas em frente à boate. Se festa boa

é festa cheia, a Kiss costumava lotar suas dependências e fazer

eventos em que os estudantes mal tinham espaço para dançar. A

regra da superlotação não era aplicada somente por Mauro Hof-

fmann. Qualquer empresário sabe que, quanto mais cheia sua

festa, mais badalada ela será. Mas, ao abrir mão dos limites de

capacidade interna, é preciso saber que os riscos são iminentes.

Na Kiss, a lotação permitida da boate, em torno de 600 pesso-

as, estaria estourada em pelo menos 300 indivíduos na noite da

tragédia. O número real de quantas pessoas estavam na boate

ainda é uma incógnita.

Não bastasse a superlotação, a parte interna da casa noturna

era um verdadeiro labirinto para aqueles que não a conheciam

com precisão. O próprio DJ Lucas Calduro Peranzoni, o Bolinha,

que tocava na Kiss na noite do incêndio, afirmou que só conse-

guiu sair da boate porque a conhecia. “Eu saí porque conhecia

a casa [...] Eu sabia que tinha uma porta, mesmo sem enxergar.

Para quem não conhecia ficava bem mais difícil sair. Ficou extre-

mamente escuro”, contou o DJ dias após o incêndio. Quem estava

lá pela primeira vez ou ficou na parte lateral da pista dificilmente

conseguiu escapar da tragédia.

Extintores de incêndio também eram uma lacuna a ser pre-

enchida na casa noturna. Embora fossem obrigatórios, eles

não estavam funcionando, segundo comprovou a polícia nas

investigações. E mesmo que estivessem, diante da tragédia, fi-

quei perguntando-me se teriam condições de apagar o incên-

dio que rapidamente tomou conta da espuma altamente infla-

mável que revestia a boate. A imprudência dos integrantes da

banda Gurizada Fandangueira ao lançar um sinalizador dentro

da casa noturna foi um triste fator aliado a outra irresponsabi-

lidade: o fato de a espuma de revestimento acústico nada mais

ser do que uma espuma usada para amenizar o desconforto de

pacientes que precisam ficar muito tempo deitados. Era mais

acessível financeiramente, mas não tinha de estar nas paredes

da Kiss, ocupando um espaço que não lhes pertencia e aumen-

tando os riscos de uma tragédia anunciada.

***A soma dessa série de irresponsabilidades resultou na morte

dos jovens que apenas queriam se divertir. Mas, afinal, quem pode

e deve ser responsabilizado pela tragédia que tirou a vida de tantos

jovens? O inquérito policial da Kiss, apresentado em 22 de março,

apontou 35 responsabilizações, sendo que 16 pessoas foram indi-

ciadas criminalmente pelo fato.

Entre os indiciados por homicídio doloso qualificado estão os

sócios-proprietários da casa noturna e os músicos do grupo Guri-

zada Fandangueira, que atearam fogo no sinalizador. Os bombeiros

que realizaram a vistoria na boate e permitiram o funcionamento do

local mesmo sem que estivessem cumpridas todas as regras de se-

gurança também foram responsabilizados. Além disso, secretários

da prefeitura de Santa Maria, que liberaram o funcionamento da

Kiss mesmo com o alvará de combate a incêndio vencido, vão res-

ponder na Justiça pelas mortes dos jovens. Se algum dia vão cumprir

penas pelas vidas que se foram, ainda é algo a se questionar.

Sem esquecer suas dores, aos poucos a cidade que viveu em mi-

nutos sua maior tragédia tenta se reerguer e voltar a sorrir. O clipe

de uma das músicas mais tradicionais da cidade, Santa Maria, gra-

vado em pleno Calçadão, ponto de encontro e de comércio, traz no

sorriso dos músicos e dos moradores a esperança em dias melhores.

Embora os habitantes tentem voltar à rotina que existia antes do in-

cêndio, a tragédia da boate Kiss ainda é assunto principal nas rodas

de chimarrão. Ao passar de mão em mão, a bebida, típica dos gaú-

chos, leva consigo as perguntas sem resposta e a indignação de uma

cidade inteira que só tem um sentimento além de orar pelos seus

mortos: a busca pela justiça, seja ela a quem tiver de ser cobrada.

Logo um novo semestre escolar terá início na cidade e, como

de costume, já registrado na letra da música mais tradicional de

Santa Maria, muita gente “vem e vai”. Vem para a cidade trazendo

sonhos e esperanças em dias melhores. Vai levando conhecimento

adquirido para outros locais, depois de uma passagem pela cidade

universitária. No entanto, uma realidade não mais deixará aqueles

que passarem por Santa Maria. A saudade dos que perderam a vida

na maior tragédia do País registrada nos últimos anos. Santa Maria,

por mais que passe o tempo, será sempre lembrada como a cidade

do incêndio da boate Kiss.

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c a i x a - P r e T a

P o r M i g u e L o L i v e i r a carlosmigueldeol ive ira@gmail . com

IntElIGênCIa burraAlém disso, embora o formulário eletrônico

venha evoluindo e facilitando o trabalho dos con-

tribuintes, para muita gente é difícil preenchê-lo,

pela dispensável complexidade. Muita gente é

obrigada a pagar a alguém para fazer o imposto.

O serviço de atendimento da Receita é precário e

o cidadão é forçado a ler os jornais, todos os dias,

para tentar tirar suas dúvidas.

A “inteligência” que define quem vai para a

malha fina é burra. Sabe como pegar tentativas

de sonegação, claro, mas muitas vezes não di-

ferencia erros técnicos, irrelevantes, e comete

alguns absurdos que custam caro. Coitado de

quem cai na malha fina, pois terá muito tra-

balho, perderá tempo e tem boa probabilidade

de ser mal atendido em agências que fecham

15 minutos antes da hora marcada. Há casos de

informações diferentes dadas por atendentes

em uma mesma agência.

boM Para rICosUma senhora de 90 anos que mora em bairro

“nobre” e pagou mais de R$ 6 mil de imposto

de renda teve colocados em dúvida seus reci-

bos médicos, pois a “inteligência” não pensou

que é normal uma mulher com essa idade e

com boa renda frequentar médicos particula-

res e pagar muito pelo plano de saúde. Virou

suspeita e intimada a comparecer à Receita

para apresentar os recibos. Pior: por ordem da

“inteligência”, os recibos colocados em dúvida

só poderiam ser entregues por ela mesma (90

anos...) ou por procurador, o que a obrigaria a

ir a um cartório.

Imposto de renda, do jeito que é, é bom para

burocratas da Receita, contadores e tributa-

ristas. Os ricos o ignoram, a classe média e os

pobres penam – e pagam

a IGnorânCIa Do lEão O imposto de renda é uma das grandes enganações do absurdo, bu-

rocrático, irracional e elitista sistema tributário brasileiro. Esse im-

posto tem um conceito errado, pois salário não é renda. É justo que

quem recebe rendimentos de negócios e aplicações financeiras pague

imposto, mas é injusto que assalariados sejam taxados. Quem pode, e

quem pode é geralmente um profissional liberal, com curso superior e

mais dinheiro, trabalha como pessoa jurídica e paga menos impostos

do que quem tem a carteira assinada.

Outra distorção são as deduções para despesas com saúde e educação,

tão simpáticas para muitos (que ainda querem aumentá-las), mas que

beneficiam os mais ricos e incentivam a medicina e a educação pri-

vada. Quem tem dinheiro para pagar médicos e escolas particulares

paga menos imposto, proporcionalmente e às vezes até em números

absolutos, do que quem recebe salário, é atendido em hospitais públi-

cos e tem filhos em escolas do Estado. As deduções são recursos que o

governo deixa de arrecadar e que poderiam ser investidos na medicina

e na educação públicas.

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42

MUDA, GENTE!

Mudas Frutíferas

Mudas Ornamentais

Mudas Florestais

Mudas Nativas

Adubos, Vasos, etc.

Polo Verde - Saída Norte

(61) [email protected]

QuER COMER uM CREPE NO SuDOESTE? Vá AO CAMON CREPERIA

Vale a pena conhecer o novo

estabelecimento gastronômico

do Sudoeste, que ocupa duas

lojas com letreiro ilegível na

302. Um investimento familiar:

o marido na administração e a

esposa como chef. Ana Beatriz é

autodidata e tanto foi elogiada

por seus crepes que resolveu

montar seu próprio negócio.

Melhorou desde a

inauguração, principalmente

o atendimento e a organização

da fila de espera – a casa é bem

pequena e anda lotada. Da

última vez, porém, o pedido

da minha mesa demorou e,

depois de muito tempo, quando

questionamos, informaram que

foi devido ao aquecimento da

máquina de crepe. Imperdoável!

O ambiente é meio

americanoide, despojado.

Se tem intenção de namorar,

pode esquecer. As mesas ficam

superpróximas. A iluminação

muda de intensidade. Perguntei

à hostess se era um mecanismo

automatizado e ela me disse

que o dono controla o dimmer.

Fantástico!

As combinações são

surpreendentes. De entrada

há um waffle com foie gras e

maple syrup bem interessante

com um vinhozinho. Como

prato principal, opções de

crepes tradicionais, mas os

especiais... hummmmmm. O de

camarão Thai é um espetáculo.

Temperado com curry, é de

comer gemendo. Experimentei

o de vitela com manteiga

de ervas e alho-poró, outro

espetáculo. Não gostei muito do

de espinafre, achei sem graça.

As crianças se deliciaram com o

waffle de pão de queijo.

De sobremesa, o crepe

simples de creme de avelã, o de

chocolate belga com morango e

sorvete, o de queijo coalho com

calda de goiaba, muito gostosos.

A carta de vinhos é legal. Há

cervejas importadas, mas

bem caras, e uma nacional, a

Heineken. Poderia haver opções

mais em conta.

O Sudoeste carece de

ambientes gostosos, e o Camon

veio para preencher um pouco

essa lacuna. Então, se tiver

vontade de comer um crepe

gostoso, vá ao Camon.

C L S W 3 0 2 , B l o c o A , L o j a s 8 e 9 | T e l e f o n e s : ( 6 1 ) 3 0 2 8 - 1 4 1 4 e 3 0 2 8 - 1 4 1 5F u n c i o n a d e s e g u n d a a s e g u n d a , d a s 1 6 h o r a s à m e i a - n o i t e

I l u s t r a ç ã o r ô m u l o g e r a l d i n o | r o m u l o g 2 0 0 0 @ y a h o o . c o m . b r

b a n q u e T e s b o T e c o s

P o r M a r C e L a B e N e t | m a r c e l a . b e n e t @ g m a i l . c o m

NOTA 1 2 3,5 4 5

Page 43: Revista meiaum Nº 24

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MUDA, GENTE!

Mudas Frutíferas

Mudas Ornamentais

Mudas Florestais

Mudas Nativas

Adubos, Vasos, etc.

Polo Verde - Saída Norte

(61) [email protected]

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