revista manuelzao 25

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Da nascente à foz do Velhas Expedição percorre todo o rio e une moradores da bacia pela recuperação de nossas águas. Páginas 8 e 9 Equipe Organização e apoio à descida do Velhas envolve trabalho de mais de 70 pessoas. Página 10 Eventos Escolas e grupos folclóricos fazem homenagens aos expedicionários em todas as paradas da viagem. Página 12 São Francisco Projeto de transposição pode comprometer fornecimentos de energia e não solucionar a seca. Página 15

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Page 1: Revista Manuelzao 25

Da nascente à foz do VelhasExpedição percorre todo o rio e une moradores da bacia pela recuperação de nossas águas.Páginas 8 e 9

EquipeOrganização e apoio à descida doVelhas envolve trabalho de mais de 70 pessoas.Página 10

EventosEscolas e grupos folclóricos fazemhomenagens aos expedicionários emtodas as paradas da viagem.Página 12

São FranciscoProjeto de transposição podecomprometer fornecimentos de energiae não solucionar a seca.Página 15

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OPINIÃO

MMAANNUUEELLZZÃÃOO Belo Horizonte, Dezembro / 20032

Mensagens

Parabéns paraa Expedição

Durante todo o período da Expedição, várias men-sagens foram enviadas ao Projeto Manuelzão, parab-enizando a iniciativa. Confira trechos de algumas.

Palmas prá vocês,companheiros! Estou acom-panhando daqui de ROMA a sua viagem ecológicapelo Rio das Velhas no coração das Gerais. Soumineiro e leio com muito interesse o diário de bordo.O site está uma beleza! Estou vibrando com as man-ifestações que vocês recebem nas comunidades.Continuem firmes na luta por esta causa essencialpara o nosso futuro! JOSÉ RAIMUNDO VIDIGAL

Tenho acompanhado diariamente no site daexpedição, as matérias e as fotos. Fico realmentesensibilizado de ver tantas manifestações de apoio eincentivo não só para a Expedição, mas principal-mente para a concretização do objetivo básico doProjeto Manuelzão, que é a recuperação do Rio dasVelhas. Todos vocês estão de parabéns!RAUL DAMÁSIO

Estou maravilhado com a Expedição. Tenho umsítio em Santana de Pirapama às margens do rio e ficotorcendo para que as pessoas se juntem para salvaresta maravilha, que é o Velhas. Estou lendo o diário debordo, e me sinto fazendo parte deste passeio.RENAN MONTEIRO

Parabéns pelo trabalho. Tive a oportunidade deconhecer os expedicionários, em Beltrão. Afotografia do jornal de agosto é maravilhosa.Me lem-bra o conto do Guimarães Rosa ¨Terceira Margem doRio¨.Gostei também do conteúdo.ROSA HARUCO TANE

A Expedição foi deslizando com timidez e muitacoragem pela lâmina d’água desconhecida do Rio dasVelhas, perfazendo seus integrais 761 quilômetros, deOuro Preto ao Rio São Francisco, transformando a ter-ceira margem do rio num palco iluminado de infor-mações, entusiasmo, união e discussões sobre agrande obra de revitalização. Uma obra que seconstrói, sobretudo, dentro de nossa cabeça, constru-indo nova mentalidade, desculpem-nos os enge-nheiros e outros técnicos.

Ela foi o maior evento, até hoje, protagonizado peloProjeto Manuelzão, e marcou, definitivamente, suafusão com o povo, no calor da emoção de cadarecepção nos barrancos, nos casarões de antigas fazen-das, nas pontes e nas estra-das. Ela ficará para sempreregistrada na história da lutaárdua pela recuperação dorio que nunca poderia tersido agredido como foi,refletindo um comportamen-to civilizatório que traba-lhamos para virar a página.

Com a Expedição, o Pro-jeto Manuelzão rompeu oslimites naturais de um movi-mento iniciado por profes-sores da UFMG, tornando-sepatrimônio assumido portoda a população desta baciahidrográfica, fazendeiros,empresários, setores gover-namentais, sociedade civilorganizada. Procuramos le-var ao povo os benefícios de uma academia sintoniza-da com os interesses nacionais e universais, tornandoa pesquisa, a extensão e o ensino fatores relevantes deencontro entre a sociedade e a universidade.

A Expedição assumiu caráter profético, anuncian-do e denunciando desvarios havidos, propondo cami-nhos de realizarmos a utopia possível. A volta dospeixes às águas da bacia e a recuperação e preservaçãoda biodiversidade natural dos ecossistemas regionaisnos trarão de volta às canoas e aos mergulhos, tornan-do a água útil às populações e aos empreendimentoseconômicos, realizando desejos.

Na “Carta da Expedição”, documento entregue aogovernador Aécio Neves e ao conjunto do secretariadoda prefeitura de Belo Horizonte, na carreata de

recepção aos canoeiros pela Avenida Afonso Pena,frisamos nosso esforço para que, no máximo em 2010,possamos pescar, navegar e mergulhar no Rio dasVelhas, entre Sabará e Santa Luzia, seu trecho maispoluído. Nossas vacas e cavalos vão beber desta águasem adoecer, e nossas crianças vão poder nadar. Basta,para isso, completar a construção – e fazer operar com90% de qualidade – as estações de tratamento de esgo-to (ETE) do Arrudas e do Onça, planejadas parareceber todos os esgotos dos quase 2,5 milhões dehabitantes da capital e, além disso, completar a obracom as ETEs de Itabirito, Nova Lima, Sabará, SantaLuzia, Sete Lagoas e Curvelo, para citar os focos demaior poder poluidor.

Acrescente-se a essasmedidas a aplicação da obri-gatoriedade de tratamentodos efluentes industriais lí-quidos, o incremento da com-postagem e da reciclagem dolixo, com base na coletabinária porta a porta, desecos e molhados, a reversãodo processo de desmatamen-to, erosão, uso e ocupaçãoindevidos do solo urbano erural, com novo manejo agro-silvo-pastoril e minerário, efim das canalizações decórregos urbanos.

A Expedição deixou clarauma constatação: o ProjetoManuelzão agora poderá seroutro, ainda melhor, depen-

dendo do uso que coletivamente fizermos desta vitóriae da energia em recriá-lo, em cada momento, para queele seja sempre instituinte, e não se institucionalizejamais. Temos a decisão de continuar ocupando o leitode nossos rios, em atividades esportivas, de mobiliza-ção social e de monitoramento. O momento é propíciopara convidar universidades, empresas, prefeituras,outros setores governamentais, associações comu-nitárias representantes de interesses difusos na bacia,ONGs e outras entidades a virem se integrar nestemovimento crescente e bem sucedido, mas que aindatem muitos obstáculos que poderemos superar juntos,criando um bom exemplo prático de atuação em nossopaís. É nossa forma de ajudar o Brasil a encontrar oseu caminho.

Editorial

Rumo a novos tempos

CCoooorrddeennaaddoorreess (Professores da UFMG)Apolo Heringer Lisboa- Coordenador geral [email protected]ônio Leite AlvesMarcus Vinicius Polignano Antônio Thomáz Gonzaga da Mata MachadoTarcísio Márcio de Magalhães Pinheiro

EEnnvviiee ssuuaa ccoonnttrriibbuuiiççããoo ppaarraa oo JJoorrnnaall MMaannuueellzzããoo..

RReeddaaççããoo ee EEddiiççããooElton Antunes (MTb 4415 DRT/MG), Marina Torres (MTb 8577DRT/MG), Sílvia Araújo, Jonas Rodrigues, Louraidan Larsen, CarolinaSilveiraTelefones: (31) 3248-9697 e (31) 3499-5193 [email protected]

PPrroojjeettoo GGrrááffiiccooProcópio de Castro

DDiiaaggrraammaaççããooGuilherme Bigonha

FFoottoossArquivo do Projeto Manuelzão, Cuia GuimarãesIIlluussttrraaççõõeess: Guilherme Bigonha e Rodrigo Simão

IImmpprreessssããooSempre Serviços Gráficos

TTiirraaggeemm80.000 exemplares

É permitida a reprodução de matérias e artigos, desde que citados afonte e o autor. Os artigos assinados não exprimem, necessaria-mente, a opinião dos editores do jornal e do Projeto Manuelzão.

CCoonnttaattooss ccoomm oo PPrroojjeettoo::Secretaria Administrativa - Tel: (31) 3248-9818/17 - Telefax (31)3248-9817www.manuelzao.ufmg.br - [email protected]ão vai à escola - (31) 3248-9810Gascom - Grupo de Articulação e Suporte aos Comitês Manuelzão - (31) 3248-9819

“Com a Expedição, o ProjetoManuelzão rompeu os limitesnaturais de um movimentoiniciado por professores daUFMG, tornando-sepatrimônio assumido por toda a população desta bacia hidrográfica, fazendeiros, empresários,setores governamentais,sociedade civil organizada.”

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Sobre osBoletins

Durante a Expedição, 16 boletins sobre sub-bacias doRio das Velhas foram produzidos pela equipe de comuni-cação do Projeto. Cada boletim reúne uma série de dadossobre condições ambientais e sociais das regiões. Tudo foidisponibilizado no site e enviado para órgãos de imprensa,à medida que os caiaqueiros passavam pela confluênciadessas sub-bacias com o Velhas. Desta página até a denúmero 13, alguns desses dados serão apresentados. Paramaiores informações, entre em nosso site e confira todos osboletins completos. www.manuelzao.ufmg.br/expedicao

BoletimCachoeira das Andorinhas eSub-bacia do Rio Maracujá

A Cachoeira das Andorinhas é a principal nascentedo Rio das Velhas. Está situada em uma Área de Pro-teção Ambiental, a APA Andorinhas, no município deOuro Preto, que tem uma população de 66.277 habi-tantes. Apesar de ter sido criada em 1989, a APA aindaestá sem gestão e enfrenta problemas como queimadase extração predatória de quartizito.

Um dos primeiros afluentes a desaguar no Velhase a causar impactos é o Rio Maracujá, que corta osmunicípios de Itabirito e Ouro Preto. A populaçãodesta sub-bacia é de 104.178 habitantes.

Ao passar pela área urbana do distrito ouropretanode Cachoeira do Campo, o Maracujá recebe esgoto e lixoem sua calha. Durante a Expedição, os caiaqueiros re-lataram que é marcante a mudança na cor e no cheiro daágua do Velhas, após a confluência do Rio Maracujá.

ESPECIAL EXPEDIÇÃO

MMAANNUUEELLZZÃÃOO Belo Horizonte, Dezembro / 2003 3

Expedição desperta lembranças e sonhosMARINA TORRES

Jornalista

Devemos confessar. Se de um lado havia quem tinha acerteza de que tudo daria certo, de outro, eram muitosaqueles que começavam a achar que a Expedição não iriachegar ao final previsto. Percorrer um trajeto de mais de700 quilômetros, passando por trechos altamente poluídosera bastante coisa para se realizar em apenas trinta dias.

Como combinado previamente, haveria uma equipe deapoio aos caiaqueiros em todo o percurso. Locais no meiodo mato e de difícil acesso levaram preocupação aosmotoristas do Manuelzão. Eles passaram um fim de se-mana inteiro viajando por estradas de terra, e conhecendoo trajeto pelo qual teriam que passar, já que não podiam

errar o caminho durante o período da Expedição.Os mais otimistas no começo, para a felicidade de toda

a equipe envolvida, eram os próprios caiaqueiros.Alertados pela Polícia Militar do Meio Ambiente sobre operigo e o risco da navegação em alguns trechos, como opoluído local de afluência dos ribeirões Arrudas e do Onçano Rio das Velhas, eles garantiam a todo momento quenão haveria problema. Tirariam de letra toda a viagem,como realmente aconteceu.

Iniciada a navegação, a chegada em São Bartolomeufoi muito comemorada, no final do primeiro dia. Porém,durante a noite, o caiaqueiro Beto passou mal, com febre,

vômitos e diarréia. Uma infecção intestinal, associada àtensão do início da viagem, acabou impedindo que eleremasse nos próximos dois dias.

Após esse incidente inicial, poucos foram os imprevistos,e os dias transcorreram em clima de festa e alegria. O "frio nabarriga" do começo da Expedição, e o medo de que algumacoisa desse errado eram totalmente esperados. Mas os longosmeses de reuniões, preparativos e treinamentos dos nave-gadores em trechos do Velhas, antes de iniciar a descida, con-tribuíram para que tudo ocorresse bem. Não houve atrasos nocalendário previsto, e nenhum problema maior que impossi-bilitasse os quase trinta dias da Expedição.

Expectativa e ansiedade marcaram o início da ExpediçãoLOURAIDAN LARSEN

Estudante de Comunicação Social da UFMG

Um rio, uma viagem. Quase 800 quilômetros pelaágua, milhares de pessoas pelo caminho. Em todos osmunicípios por onde a Expedição passou, moradoressaudaram os caiaqueiros em pontes, margens do Velhas,e nos eventos realizados em escolas, praças e ginásios.Estimativas da equipe do Projeto Manuelzão indicamque cerca de 70 mil pessoas tiveram contato direto comos navegadores entre os dias 13 de setembro e 13 deoutubro. Ainda mais pessoas souberam da Expediçãoatravés dos meios de comunicação, que deram amplacobertura à viagem.

O desafio de percorrer toda a extensão do rio remandodespertou interesse, curiosidade, mas maior do que essedesafio é a causa que motivou a viagem: mobilizar asociedade pela revitalização do Velhas. Essa causa mexecom as pessoas, pois desperta lembranças e sonhos.Lembranças de um tempo, em que se podia pescar e nadarem qualquer ponto do rio. Sonhos de retomar esse passa-do num futuro breve.

Em vários locais de parada, a equipe de documen-tação pôde registrar antigos moradores, contando casossobre o rio, a navegação de grandes barcos a vapor epescarias que rendiam peixes de metros e mais metros.E as crianças, se não tinham memórias para reviver, nãodeixaram por menos. Em cada local visitado pelos expe-dicionários, elas fizeram homenagens. Apresentaçõesde dança, teatro, declamações de poesias, sempre desta-cando a importância de cuidar do meio ambiente, paragarantir um futuro melhor.

Os caiaqueiros compararam suas observações comos relatos de Richard Burton, que viajou pelo Velhas em1867. Viram que em quase 140 anos houve muitadegradação. O assoreamento do rio e a poluição de suaságuas é preocupante. Mas os navegadores também

ouviram moradores dizerem que têm acontecido melho-rias nos últimos dois anos. O tratamento de esgotos doArrudas, por exemplo, já parece surtir efeitos e fazen-deiros da região de Matozinhos contam que o maucheiro do rio, mais forte na época de seca, já diminuiubastante. Esses depoimentos reforçam a crença na pro-posta da revitalização.

Outro fator que anima muito é a força do próprio rio.Pelo processo de auto-depuração, ao receber afluentesmenos poluídos e, passando por corredeiras, a águaretoma seus níveis normais de oxigênio dissolvido,melhorando de qualidade. Em municípios como SantoHipólito e Lassance, no Baixo Velhas, crianças nadam norio e a pesca é bastante comum.

A todo momento, os expedicionários, em seus dis-cursos, reforçaram a importância de ações, comorecomposição de matas ciliares, preservação de nas-centes e tratamento de esgotos. E, em vários municí-pios, prefeitos, fazendeiros e empresários se comprome-teram a fazer sua parte para garantir a revitalização dabacia do Velhas. Em Jequitibá, a passagem dos expedi-cionários foi comemorada com a inauguração daEstação de Tratamento de Esgoto do município.

O percurso entre a nascente e a foz do Velhas ter-minou no dia 11 de outubro em Barra do Guaicuí,mas, como bem destacou o caiaqueiro Roninho nafesta da chegada, a Expedição não terminou, pois otrabalho pela melhoria do meio ambiente e, conse-qüentemente, da qualidade de vida continua. A equipedo Projeto Manuelzão pretende revisitar pontos deparada da viagem, promovendo debates, apresentandofotos e filmagens e buscando encontrar as ações quevão garantir a volta do peixe a toda a extensão do Riodas Velhas.

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ESPECIAL EXPEDIÇÃO

MMAANNUUEELLZZÃÃOO Belo Horizonte, Dezembro / 20034

Poluição da água foi o maiordesafio SÍLVIA ARAÚJO

Estudante de Comunicação Social da UFMG Cachoeira do Arrudas, entre Belo Horizonte e Sabará

Todos estavam apreensivos com a chegada dessemomento. O dia 17 de setembro, quando os expedi-cionários navegaram de Sabará a Santa Luzia, foi omaior desafio de toda a viagem. Justamente nesse tre-cho, o Rio das Velhas encontra com os seus doismaiores afluentes poluidores: o Arrudas e o Ribeirãoda Onça.

Remar sobre o esgoto da maioria dos moradores daregião metropolitana de Belo Horizonte não foi fácil.Para agüentar o mau cheiro e o gás que sobe das águascontaminadas os navegantes usaram máscaras espe-ciais. Tiveram também a sorte de no dia anterior terchovido durante a madrugada. Isso facilitou um poucoa navegação, que mesmo assim foi comparada por elesa um "cortejo fúnebre".

A viagem, que até então transcorria num clima defesta e alegria, teve um momento bem diferente.Nesse dia todos remaram calados, tristes com a situ-ação de sujeira e abandono do rio, e apreensivos com

o perigo de virarem os seus barcos e serem contami-nados com alguma doença. A experiência foi relatadapelos navegantes em todas as paradas seguintes da Expedição.

Cachoeira de garrafas pet Dentro do perímetro urbano de Belo Horizonte, o

Arrudas foi canalizado, isto é, retificado e envolvidopor concreto. O ribeirão, formado quase apenas poresgoto, sofre variações em sua vazão durante o dia,conforme os horários em que as pessoas mais utilizamágua. A "maré alta" é por volta das oito da noite,quando chega a água do banho que muitos tomaramno fim da tarde.

Perto de sua foz, o Arrudas não está mais canaliza-do. Pouca gente conhece uma queda d'água que oribeirão forma próximo ao seu encontro com o Rio dasVelhas. A paisagem que um dia já foi bela, hoje é com-posta por centenas de garrafas pet boiando nas águas

cercadas por urubus. A Estação de Tratamento de Esgoto do Arrudas,

inaugurada pela Copasa, em outubro de 2001, já trata50% do esgoto que antes caía no ribeirão. Segundo oexpedicionário Roninho, "a outra metade que vai proVelhas ainda faz muitos estragos". Apesar da necessi-dade de mais ações, pessoas que moram em cidadesabaixo da região metropolitana relataram ter perce-bido uma melhora no rio nos últimos tempos porcausa da ETE Arrudas.

No encontro do Velhas com o Onça é possívelobservar nitidamente o contraste entre suas águas. Oafluente desce escuro e cheio de espumas brancas eencontra com o Rio das Velhas, que tem águas emmelhor estado, apesar de já ter recebido o RibeirãoArrudas. A Copasa está executando a construção deuma Estação de Tratamento de Esgoto para o Ribeirãoda Onça, com previsão para ficar pronta em um ano.O Rio das Velhas aguarda.

Pescador precede percurso dos caiaqueiros LOURAIDAN LARSEN

Estudante de Comunicação Social da UFMG

Ele estava ansioso para conversar com os caia-queiros que chegariam a qualquer momento no Con-vento de Macaúbas, em Santa Luzia. João Gonçalves deFreitas, o João Niquinha, morador da região, queria con-tar pra eles como foi sua viagem no trecho que os nave-gadores fariam a partir daquele dia: de Santa Luzia até aBarra do Guaicuí.

Junto com mais quatro amigos, em um barco demadeira sem motor, João realizou a viagem em 32

dias. "Remamos no varejão, com bambu mesmo, oque deixou nossas mãos tudo cheia de ferida", lembra.A viagem em outubro de 1998 ocorreu devido a umapromessa feita ao prefeito de Santa Luzia de levaruma carta e uma bandeira ao prefeito de Pirapora.

Eles navegavam das seis da manhã até as 18 horas,"aí a gente parava, tirava tudo da barca, montava barra-ca, e ajeitava as coisas pra proteger da chuva". Elesdormiam nas margens do rio mesmo. "Pra nossa segu-rança, levamos meu cachorro, que via muita coisa e nosprotegia", conta.

Sobre a qualidade da água encontrada no caminho,ele diz que "de Jequitibá pra baixo, não existe poluição,tirando boi morto no rio, diferente da poluição daqui".Niquinha diz que a água da região onde mora é "imun-da", e que não dá mais para pescar no local. Hoje emdia, ele viaja pra poder fazer suas pescarias. "O peixedaqui a gente não come mais", lamenta.

Quando chegaram à Barra do Guaicuí, foram todoslevados até a prefeitura de Pirapora. "Foi muitaemoção, tinha muitos pescadores esperando a gentelá", recorda. Também na chegada dos três nave-gadores ao Convento, foi com emoção que JoãoNiquinha correu para vê-los. "Desejo sorte pra vocês",disse abraçado aos caiaqueiros, após contar a eles afaçanha de sua viagem de cinco anos atrás.

BoletimSub-bacias dos RibeirõesArrudas e da Onça

Os Ribeirões Arrudas e Onça são os maiorespoluidores do Rio das Velhas. Os dois cortam parteda região metropolitana, recolhendo esgoto domi-ciliar e industrial e todo tipo de lixo que a populaçãodespeja direto em suas margens.

As duas bacias abrangem os municípios deBelo Horizonte e Contagem, com uma populaçãode 2.776.543 milhões de pessoas, conformedados de 2000 do IBGE, Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística. O Arrudas deságua em Sabará e o Ribeirão da Onça em Santa Luzia, mas não sofrem significativa influência dessas cidades.

A imagem que sempre observamos é a de doiscórregos de águas bem escuras, com mal cheiro egeralmente cheios de espumas brancas em suassuperfícies formadas por produtos químicos, como detergentes.

Quando os expedicionários passaram por essetrecho, no dia 17 de setembro, observaram umcenário horrível. As árvores à margem do Velhaspossuem sacos de lixo que foram pendurados emseus galhos durante as cheias do rio. Rafael disseque de longe as árvores pareciam grandes"espantalhos".

João Gonçalves de Freitas, o João Niquinha

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ESPECIAL EXPEDIÇÃO

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Patrimônios ao longo daBacia do VelhasRÚBIA PIANCASTELLI

Estudante de Comunicação Social da UFMG

Durante o percurso da Expedição, pôde-se observara presença de igrejas, casas, fazendas e outras cons-truções, que constituem o patrimônio histórico da baciado Rio das Velhas. A riqueza cultural e a importânciahistórica da região foram retratadas por essas edifi-cações que os expedicionários puderam contemplar.

Alguns desses patrimônios foram citados nos relatos deRichard Burton, em seu livro "Viagem de Canoa deSabará ao Oceano Atlântico", escrito quando percorreuo Rio das Velhas em 1867. Algumas em ruínas e outrasbem conservadas pelos seus donos, essas relíquiascarregam e preservam história.

As ruínas da Igreja da Fazenda de Bom Sucesso ficam próximas à comunidade de Santa Rita do Cedro. A vila possui pouco mais de 500habitantes, em sua maioria, trabalhadores das fazendas próximas. Citada por Burton como local de lavras de diamantes, Bom Sucesso foipalco das filmagens do filme "Grande Sertão: Veredas".

O Convento de Macaúbas, construído por Félix da Costa a partirde 1714, foi acabado após dois séculos. A ermida, quefuncionaria como um recolhimento, está localizada em SantaLuzia, e hoje é o Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição deMacaúbas, onde vivem 20 irmãs. Em 1847 ele foi o primeirocolégio para meninas de Minas Gerais e, há 12 anos, estápassando por uma reforma geral. O convento foi também umponto visitado por Burton em 1867.

A Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Jagoara, obra deAleijadinho, faz parte da Fazenda Jagoara Velha, onde Burtonficou hospedado. A igreja foi construída entre 1782 e 1786, quadoa fazenda pertencia a Antônio de Abreu Guimarães. Poste-riormente, a propriedade foi vendida ao Superintendente da Minade Morro Velho, o inglês Mr. Chalmers, que desativou a igreja edoou a terceiros todas as suas peças sacras e artísticas. Apóssofrer a degradação do tempo, hoje, restam apenas ruínas queestão escoradas em estacas.

História e arteCAROLINA SILVEIRA

Estudante de Comunicação Social da UFMG

Em cada canto da Fazenda Jagoara Velha é possívelencontrar um trabalho da proprietária, Dona Lêda Torresde Andrade. Dos quadros das paredes às figuras na cabe-ceira das camas, a arte ajuda a contar a história do lugar erevela o talento dessa senhora que, embora nunca tenhafreqüentado aulas de pintura, possui mais de 200 quadros.Ela define como “dom” sua afinidade com as artes.

Dona Lêda também se dedica a preservar as memóriasda fazenda, que é do século XVIII. Na propriedade, é pos-sível observar as ruínas da Igreja de Nossa Senhora daConceição da Jagoara, atribuída a Aleijadinho. Compesar, Dona Lêda conta os detalhes da história dessadestruição e sua luta para preservar o que resta.

As sucessivas gerações de proprietários da Fazendaaparecem retratadas em pinturas espalhadas pelos corre-dores da pousada. A obra que mais impressiona é a capelafeita por ela em sua casa, trabalho que demorou quatroanos para ficar pronto. Em cada parede do cômodo, o ros-tinho de anjos e de personagens bíblicos são as feições deseus familiares. O marido, Galeno Andrade, é retratado nafigura de Jesus e a imagem, segundo ela, é dos tempos dajuventude dele.

BoletimSub-bacia do Rio Itabirito

A bacia do Rio Itabirito, no Alto Velhas, abrangeos municípios de Itabirito e Rio Acima, que juntossomam uma população de 45. 599 habitantes. No dia15 de setembro, os expedicionários viram suas águasesverdeadas, que levam poluição e mal cheiro para oVelhas. Nenhuma das duas cidades trata o seu esgo-to. Resíduos de postos de gasolina, indústrias têxteis,construção civil e lixo hospitalar também contribuemna degradação, agravada pela atividade mineradoraque provoca assoreamento. Porém, para os biólogosdo sub-projeto SOS Rio das Velhas, Paulo Pompeu eCarlos Bernardo, o Rio Itabirito ainda possui amplapossibilidade de revitalização.

Sub-bacias dos ribeirõesÁgua Suja e Macacos

Os ribeirões Água Suja e Macacos estão situadosna região do Alto Velhas, no município de Nova Lima,com população de 66.909 habitantes. As condiçõesambientais das bacias desses afluentes, localizados àmargem esquerda do Rio das Velhas, refletem-se naqualidade das águas que chegam à calha principal. Osíndices de contaminação dessas águas revelam osimpactos da atividade mineradora na região. Segundodiagnóstico do Cetec (Centro Tecnológico de MinasGerais) da década de 80, existe uma grande concen-tração de arsênio nos lençóis freáticos da região.

Dona Lêda Torres de Andrade

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ESPECIAL EXPEDIÇÃO6 MMAANNUUEELLZZÃÃOO Belo Horizonte, Dezembro / 2003

Acompanhar o curso do Rio das Velhas é tambémdesvendar a diversidade de paisagens presentes emsuas terras. O rio parte de nascentes encachoeiradas,cercadas pelo que resta de Mata Atlântica em MinasGerais e segue rumo ao Cerrado. Seja nas minas doouro ou nos sertões do escritor Guimarães Rosa, ashistórias dos lugares e das pessoas aparecem sempreligadas às características naturais das regiões.

As nascentes do Rio das Velhas estão localizadasna Cachoeira das Andorinhas, município de OuroPreto. No percurso pela região de Mata Atlântica, declima mais frio e chuvoso, as margens apresentamuma vegetação mais fechada. A presença de metaispreciosos nessas terras determinou também os con-tornos da ocupação humana.

A mudança de paisagem começa a ser mais evi-dente a partir do município de Jaboticatubas, quandoo rio abandona as montanhas. O aumento da diver-sidade de espécies de aves anuncia a chegada emnovas terras: os domínios do Cerrado. Árvores maisesparsas e vegetação de porte menor passam a compor

a paisagem das margens. A região é mais plana e mais seca.

Na Fazenda Mocambo, distrito de Matozinhos, épossível observar do alto de um rochedo as grutas explo-radas pelo paleontólogo Peter Lund, que trabalhou pormais de dez anos naquelas terras. Trata-se de uma área cal-cária, repleta de grutas, conhecida como região cárstica deLagoa Santa.

Nos trechos em que o rio corre no sertão, as mon-tanhas são menos numerosas e mais baixas. Nas mar-gens, a casca das árvores é mais grossa e as folhas maisásperas, uma defesa à aridez da região. Troncos retorci-dos também ajudam a caracterizar as novas terras. Como maior espaçamento entre as plantas, a radiação lumi-nosa que chega ao solo é mais intensa.

A Serra do Cabral, em Lassance, e o Morro daGarça, em Corinto, destacam-se em uma região que épredominantemente plana. A calha do rio vai ficandocada vez mais funda e o leito mais largo. Até o encontrocom o São Francisco, as águas seguem nas curvas sinuosas do Cerrado.

Percurso do Rio dasVelhas é marcado pordiversidade de paisagensCAROLINA SILVEIRA

Estudante de Comunicação Social da UFMG

BoletimSub-bacia do Rio Taquaraçu

A Expedição passou pela foz do Rio Taquaraçu em18 de setembro, após seis dias de descida. O rioencontra-se bastante limpo, o que permitiu aos expe-dicionários entrarem em suas águas. O rio nasce nacidade de Caeté, passa por Nova União e Taquaraçude Minas e deságua no Rio das Velhas em Santa Luzia.A população estimada desta sub-bacia é de 45.217habitantes. Dados do Projeto Lixo e Cidadania naBacia do Rio das Velhas, da Feam, mostram que nãoexistem projetos de coleta seletiva nos municípios.

Sub-bacia do RibeirãoCaeté-Sabará

A sub-bacia do Ribeirão Caeté-Sabará é uma dasregiões mais afetadas pela degradação na bacia doVelhas. Localizado na margem direita do Alto Velhas,o Ribeirão corta as cidades de Caeté e Sabará, quesomam uma população de 151.651 habitantes. ORibeirão recebe grande parte do esgoto doméstico eefluentes industriais e minerários da região metropoli-tana de Belo Horizonte.

Na pequena Jequitibá, região do Médio Velhas, bastaum passeio pela praça perguntando sobre a cidade paraque surja o nome de Toninho. O senhor de 72 anos é co-nhecido por se lembrar de cada "causo" da localidade edas histórias dos antigos. Andando pelos corredores daParóquia Santíssimo Sacramento, Antônio Saturninorelembra a infância de travessuras nas águas do Velhas.

Toninho conta rindo que atravessava o rio a nado pararoubar amendoim e abacaxi na outra margem. As lem-branças dos tempos de rio cheio são contadas comsaudade. Ele também se dedica a preservar a história deJequitibá. Toninho fez parte do grupo que cuidou do pro-cesso de tombamento da Paróquia, que ocorreu em 1982.

Em 1997, quando a cidade permaneceu durante novedias inundada pelas águas do Rio das Velhas, Toninhoajudou a retirar os moradores e a proteger as imagens daIgreja. Mas não pôde salvar as coisas de sua casa.

Em frente à Igreja, na praça Santa Terezinha,Toninho recita um poema que fez para o Rio dasVelhas. Com a voz firme e de forma saudosa, eleexpressou o clamor de um barraqueiro diante do "querestou do antigo e bom celeiro". Algum tempo desilêncio e Toninho conta orgulhoso: "Minha filhalevou esse poema para a universidade".

Histórias de umbarranqueiroCAROLINA SILVEIRA

Estudante de Comunicação Social da UFMG

Antônio Saturnino, Toninho

Rio das Velhas entre Itabirito e Rio Acima

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ESPECIAL EXPEDIÇÃO7MMAANNUUEELLZZÃÃOO Belo Horizonte, Dezembro / 2003

Polícia Militar do Meio Ambiente desceo Velhas junto com a ExpediçãoJONAS RODRIGUES

Estudante de Comunicação Social da UFMG

BoletimSub-Bacia do Ribeirão da Mata

A Expedição passou pela foz do Ribeirão da Matana manhã do dia 18 de setembro. O ribeirão estálocalizado na margem esquerda do Médio Velhas,tem suas nascentes em Matozinhos e deságua no Riodas Velhas em Santa Luzia. Ele também percorreoutros oito municípios: Capim Branco, Confins,Esmeraldas, Lagoa Santa, Pedro Leopoldo, Ribeirãodas Neves (sede e Justinópolis), São José da Lapa eVespasiano. A população dos municípios na área dabacia é de aproximadamente 435.000 habitantes.Segundo os expedicionários, as águas do Rio dasVelhas prosseguem ruins depois de receber o Onçaaté o encontro com o Ribeirão da Mata, quandoapresentam sinais de melhora, o que eles atribuemao fato do Ribeirão estar menos poluído que oVelhas, embora não esteja limpo.

Sub-bacia do RibeirãoJequitibá

Logo que os expedicionários chegaram àcidade de Jequitibá, no dia 24 de setembro, par-ticiparam da inauguração da ETE Jequitibá, quetratará o esgoto do município. Além de receber osesgotos de Funilândia, Prudente de Morais eJequitibá, a sub-bacia recebe o esgoto de SeteLagoas, cidade de quase 200 mil habitantes, o quea torna uma das principais poluidoras do Velhas.

Desde menino, Tasso Alvarenga vive na Fazenda daChica, herdada de seus avós, em Lassance. Apaixonadopela natureza, em seu sítio tem de tudo: mico, papagaio,vários pássaros soltos, paca, anta e tatu canastra, essesdois últimos em extinção.

Logo na chegada, Tasso foi mostrar o Córrego daChica, afluente do Velhas, e contou sobre uma mortan-dade de peixes ocorrida em 1995. Próximo à sua fazen-da, no Rio das Velhas, vários peixes começaram a mor-rer de repente. "Corria, pegava os peixes e colocava nocórrego. Salvei uns 16, mas sozinho não ia conseguirsalvar tudo. Tinha surubim, cascudo, dourado...", lem-bra. Tasso diz que no dia viu muito aguapé, e que águaestava suja e cinza.

Após passar todo o dia vendo "todos aqueles peixesmorrendo", ele foi para casa, acendeu um liquinho, eficou escrevendo madrugada adentro. "Senti tristeza ecalafrio. Assisti a tragédia chorando de dó. O rio ago-nizava como filhos queridos dos meus", declamouemocionado trecho de seu poema, na beira do córrego."Não descobriram, nem falaram nada. A BelgoMineira, na época, pagou 10 mil de multa. Mas isso não

iria resolver não, os peixes não iriam voltar", lamenta. Após contar a "tragédia", como chama a mortan-

dade, Tasso mostrou um pouco mais de sua fazenda.Hoje, com seus cinqüenta anos, ele conta que chega aficar vários meses sem ir a lugar algum, e quando vai aBelo Horizonte "é para ver os filhos". Depois de umacaminhada, e de ver muito jenipapo, barbatimão, laran-jinha, disse sobre os 485 hectares totalmente preserva-dos, já na despedida: "Temos que cuidar disso tudo aqui.A gente não é só a gente no mundo".

"A gente não é só a gente no mundo"LOURAIDAN LARSEN

Estudante de Comunicação Social da UFMG

Em quase todos os lugares onde a Expedição foirecebida, o clima que antecedia a chegada doscaiaqueiros era de muita expectativa. Todos aguar-davam ansiosos por algum sinal, de forma especial ascrianças. Na maioria das vezes, o que anunciava achegada era um barulho que vinha se aproximandopelas águas do rio. Esse ruído não vinha dos caiaques,

é claro: era o motor do barco da Polícia Militar doMeio Ambiente, que acompanhou os expedicionáriospor todo o percurso da Expedição.

Durante os 29 dias da Expedição, cinco equipes daPolícia Militar do Meio Ambiente se revezaram noapoio aos caiaqueiros. Além de acompanhar em umaviatura com dois agentes, a polícia colocou à disposição

um barco a motor com dois policiais. Aliás, os piloteirosda polícia demonstraram grande perícia, já que o baixonível de água do rio exigia muito cuidado para que omotor não se danificasse nas pedras. A presença dobarco foi também fundamental para a equipe de fil-magem, fotografia e reportagem, que pôde assim acom-panhar bem de perto a navegação.

Paralelamente ao apoio por água e por terra, os poli-ciais exerceram também um trabalho de prevenção e fisca-lização por onde passavam. Esse fato gerou uma certapreocupação por parte do Projeto, já que a imagem daExpedição poderia ser associada exclusivamente com otrabalho de fiscalização exercido pela polícia. No entanto,o Projeto sabe da importância do trabalho dos policiais,que de forma alguma poderiam ser omissos diante dasirregularidades encontradas no caminho.

No decorrer do percurso, os policiais fizeram notifi-cações, apreenderam armas e munição para caça e até apa-garam um incêndio. Mas a apreensão mais freqüentedemonstra de certa forma uma esperança para o Velhas:inúmeras redes de pesca. Em determinados trechos do rio,chegou-se a apreender 20 redes num único dia, muitascom peixes ainda vivos. Sinal de que o peixe está voltan-do ao rio, e também de que a lei precisa ser respeitada paraque ele lá permaneça.

Tasso Alvarenga

Em Santa Luzia, barco da polícia antecede a chegada dos expedicionários, que é aguardada por multidão

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Acampamentos Perto do fim da Expedição, nos dias 8 e 10 de outubro,os viajantes tiveram que dormir em doisacampamentos. Violão, cantoria, banho de rio e umalua cheia fizeram companhia nesses momentos.

ESPECIAL EXPEDIÇÃO8 MMAANNUUEELLZZÃÃOO Belo Horizonte, Dezembro / 2003

De Ouro Preto à Barra do Guaicuí. Das minas aos gerais. Orio que muitos só conheciam por mapas e fotos ganhou vidaaos olhos de todos. As águas cristalinas da nascente, oesgoto da região metropolitana, a ausência dos peixes, arecuperação após o Paraúna, o encontro com o SãoFrancisco. Ao todo, a Expedição integrou os 51 municípiosda bacia, tendo visitado os 27 que estão às margens doVelhas. Lugares e pessoas diferentes; um mesmo grito: Viva o Rio das Velhas!

29 dias navegando o Rio das VelhasJONAS RODRIGUES E SÍLVIA ARAÚJO

Estudantes de Comunicação Social da UFMG

Bênção Os expedicionários são esperados com festa em Ri15 de setembro. À noite acontece missa na ponte eos navegantes recebem uma benção do Frei FraVieira e, como presente, uma cruz de São Francisco

DesafioA experiência de navegar sobre o esgoto da região metropolitanaé relatada em todas as paradas seguintes da viagem.

Do tempo das BandeirasA Expedição repete os passos de Fernão Dias Paes. O distrito daQuinta do Sumidouro foi fundado pelo bandeirante, em 1674.Durante a recepção na Praça do Sumidouro, ouve-se a todoinstante o sino da Capela de Nossa Senhora do Rosário, erguidano século XVIII. Beto destaca o fato da Quinta do Sumidouro serum dos primeiros povoados fundados no interior do Brasil.

Surpresa Em meio às centenas de pessoas que vão até a beira do rio para receber aExpedição, esteve presente o Secretário Adjunto de Estado da Agricultura,Antônio Cândido Borges. À noite, a presença inesperada de outro Antôniosurpreende a todos: Antônio Nardi, filho de Manuel Nardi, o Manuelzão. Tímido,não quis falar ao microfone, mas revelou ficar bastante emocionado ao ver o pai sendo homenageado.

Acredita?Uma recepção rápida, porém bastante calorosa na Barra doLuís Pereira, município de Cordisburgo. Os expedicionários sólamentaram não poder aproveitar o churrasco e a bebidapreparados, em função do cronograma apertado. É de látambém a melhor "história de pescador": Seu Vavá conta queum amigo pescou dois surubins em um só anzol.

FOdec"d

BoletimSub-Bacia do RioJaboticatubas

A sub-bacia do Rio Jaboticatubas está localizadana margem direita do Médio Velhas. Inserida nessasub-bacia, a cidade de Jaboticatubas possui umapopulação de 13.530 habitantes. No dia 22 de setem-bro, os caiaqueiros passaram pela foz desse rio, e foipossível ver muitos peixes como lambaris, piaus, eoutros. O Jaboticatubas é um importante afluente,contribuindo com águas limpas para o Velhas, apesardo esgoto que recebe do município.

Sub-bacia do RioCipó/Paraúna

Não é à toa que o Paraúna é considerado o maisimportante afluente do Rio das Velhas. Por ser omaior tributário, abrangendo 12 cidades, é tambémaquele que causa maior alteração na paisagem dorio. A partir da foz do Paraúna, o Velhas se tornaquase duas vezes mais largo, e recebe novamente asespécies de peixe que não se encontravam nos tre-chos anteriores. Tal fato parece ser garantido pelosbons níveis de oxigênio dissolvido, embora o Índicede Qualidade das Águas (IQA) seja médio e a con-taminação por tóxicos alta.

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ESPECIAL EXPEDIÇÃO9MMAANNUUEELLZZÃÃOO Belo Horizonte, Dezembro / 2003

SolenidadeA abertura oficial da Expedição ocorreu no dia 12 de setembro noTeatro Municipal de Ouro Preto. Apolo, coordenador geral doProjeto Manuelzão, fala sobre os preparativos e as expectativasem relação à viagem. Ainda tímidos, os caiaqueiros dão seusprimeiros autógrafos.

RapelExpedicionários descem de rapel a Pedra do Jacaré, de 36metros, e em seguida a cachoeira Véu das Noivas, deaproximadamente 60 metros.

Na água Após o rapel, os três caminham por duas horas, percorrendo seisquilômetros pela calha e margem do ainda raso e estreito Rio dasVelhas até chegar a Catarina Mendes. Os caiaques de plástico,próprios para corredeiras, são colocados na água às 2h da tarde.No fim do dia eles são recebidos com festa em São Bartolomeu,onde Roninho mora com a família.

io Acima, no diae no dia seguinteanciscano Flávioo.

Irmãs Freiras enclausuradas falam com os expedicionários em umasala reservada.

CelebridadesMais do que em qualquer outro lugar, os expedicionários sãorecebidos como celebridades em Santana do Pirapama. Aospés da ponte, os caiaqueiros deixam a marca de suas mãos,numa espécie de "calçada da fama". Beto faz um de seusdiscursos mais inflamados, enquanto Roninho e Rafael sãodisputados pelas crianças.

EncontroExpedição se encontra com expedicionários do Cipó, que entregam aRoninho, Beto e Rafael uma ampola com água da nascente do Cipó,e cartas do afluente do Paraúna para o Velhas.

DescansoOs expedicionários são recebidos no Memorial Carlos Chagas, emLassance, no dia 6 de outubro. O dia seguinte foi de descanso, comodireito a passeio na Cachoeira das Palmeiras. As refeições e ossucos de tamarindo e jenipapo foram muito bem preparados pelaequipe da Secretaria Municipal de Educação.

FozO cansaço não diminui a emoção de chegar ao "Velho Chico" após 29dias de viagem. Às 14:30, do dia 11 de outubro, os se jogam noencontro das águas do Rio das Velhas e São Francisco. Como parte dascomemorações, em Barra do Guaicuí, os caiaqueiros inauguram aPraça Manuelzão". A Expedição chega ao fim, deixando saudades e um

desejo lá no fundo de continuar...

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ESPECIAL EXPEDIÇÃO10 MMAANNUUEELLZZÃÃOO Belo Horizonte, Dezembro / 2003

Equipe da Expedição supera expectativas JONAS RODRIGUES

Estudante de Comunicação Social da UFMG

Três expedicionários descendo toda a extensão do rioem caiaques. Em princípio, esta poderia ser a síntese daExpedição Manuelzão desce o Rio das Velhas. No entan-to, à medida que a Expedição ganhava o rio, todos perce-beram que se tratava de muito mais que uma aventura deRoninho, Rafael e Beto. O rio era na verdade percorridopor uma grande equipe na qual cada um era indispensável,estando na água, na terra ou mesmo na sede do Projeto.

Como dizia o próprio Rafael em muitos de seus dis-cursos, seria arriscado tentar citar o nome de todos, já quepoderia se cometer o deslize de deixar alguém de fora.Mas ao todo, cerca de 70 pessoas participaram de formadireta da Expedição, desde sua idealização até a chegada.

Para ter uma noção do quanto cada um foi in-dispensável, basta pensar na infinidade de detalhes

que envolveu a Expedição: até onde os caiaqueirosteriam chegado, não fossem os mapas produzidos pelaequipe de geoprocessamento? E o que teria sido feitodesses mapas sem os motoristas, que impressionarama todos com um grande senso de direção na hora deachar os pontos de apoio? E a bagagem? Onde teriasido levada se não estivesse lá o furgão do InstitutoMineiro de Agropecuária? O que dizer então do apoiodas ONGs Adesa, de Sete Lagoas, e Leão de Sabará,que desceram o Rio das Velhas lado a lado com os expedicionários?

No final das contas, quem ficou com a tarefa maisdifícil foi o pessoal da secretaria do Projeto: ficar emBelo Horizonte, com inúmeras tarefas, e não poderacompanhar de perto a Expedição...

ConvívioDividir o mesmo quarto ou a mesma barraca com

alguém que você não conhece. Café da manhã, almoçoe jantar? Também. Às vezes, um único banheiro paraser usado por todos. Longe de casa, compartilhando as24 horas do seu dia com "estranhos". Quer desafiomaior? Pense então em quase 30 pessoas, convivendopor 29 dias nessas circunstâncias. Vista dessa forma, aexpedição parece até um "reality show", com umadiferença: sem brigas, fofocas ou intrigas. Em lugardisso, uma forte relação de companheirismo que con-tagiou a todos. No fim, o que se viu foi uma grandefamília chegando ao São Francisco, comemorando aaventura de ter dedicado um mês de suas vidas pelavida de um rio.

Praticar o bem MARINA TORRES

Jornalista

Uma semana antes de começar a Expedição, Apolo,coordenador do Manuelzão, recebeu um telefonema daTV Globo de São Paulo. Avisava que uma equipe doGlobo Rural viria a Minas fazer reportagens sobre o Riodas Velhas e gostaria de contar com o apoio do Projeto.

No dia 18 de setembro, na Fazenda das Minhocas, osexpedicionários encontraram-se com o jornalista NélsonAraújo e sua equipe pela primeira vez. A partir daí, seriam30 dias de filmagens, entrevistas, não mais sobre o Velhasapenas, mas também sobre a Expedição.

Em Barra do Guaicuí, o jornalista comentou a expe-riência."Fiquei admirado de ver a mobilização de vocês, aintegração. Despertou em mim uma vontade de levar parao Globo Rural, que tem um público de provavelmente 15milhões de pessoas, essa mensagem de vocês. Então, decerta forma, eu me vejo remando também por esta causa.

Diferentemente do que vejo nos órgãos governa-mentais ligados ao meio ambiente, não há no ProjetoManuelzão uma atitude acusatória, de botar na parede oagressor, de tratar quem está poluindo como um crimi-noso e enquadrar. Mas vejo uma atitude de abrir ocoração e tentar envolver as pessoas para que elaspossam também saber como é bom amar o rio, amar anatureza e amar o próximo.

Cada um de vocês que ajudaram a Expedição a chegaraté aqui, ao mergulhar no Projeto e no rio, mergulharamem si mesmos. Para respeitar o rio, nós temos que nosrespeitar. Acho uma oportunidade grande para a sociedademergulhar em si mesma, para ver o que está fazendo como rio, para não cortar a possibilidade de mergulhar noVelhas lá pra cima. O Projeto Manuelzão, está a mim,Nélson, pessoa física, não repórter da Globo, oferecendoa possibilidade de praticar a minha filosofia, que é evitaro mal e praticar o bem. Acredito que vou poder, com essareportagem, mostrar uma coisa exemplar, que outras pes-soas também possam ter oportunidade de seguir isso, seinspirar para fazer alguma coisa boa."

No encontro das águasO navegador Roninho e Apolo, coordenador do

Manuelzão, dão depoimentos no momento em quechegam ao São Francisco e entram no rio paracomemorar.

"Chegamos no São Francisco. Missãocumprida. Parte da missão. O que agente cumpriu aqui foi a proposta dechegar remando à foz do Velhas, masnão pára por aqui. Espero que cadaum, cada vez mais entre naExpedição, porque ela daqui pra

frente tem muito o que fazer." RONINHO (Expedicionário, P. Manuelzão)

"É prova que nós acreditamos narecuperação do rio. Está todo mundodentro d'água, e não vamos mais sairde dentro do rio, vamos navegar otempo todo. Estar sempre presente. Agestão do rio vai ser feita das águaspara o território."

APOLO (Coordenador, P. Manuelzão)

Festa de EncerramentoEm Barra do Guaicuí, membros da equipe falam do

significado da Expedição.

"A Expedição foi uma experiênciamuito rica. Passamos juntos momen-tos de algum sofrimento, calor, sede,momentos de muita emoção, quando,por exemplo, recebemos o relato damortandade de peixes nos últimosanos. E também momentos de muita

alegria, de muita festa." EUGÊNIO (Coordenador, P. Manuelzão)

"Essa interação das pessoas traba-lhando juntas, com um objetivo só, eum compartilhando com o outro osproblemas foi uma coisa fantástica.Acho que nós crescemos muitoprofissionalmente e também comoseres humanos."

MARIA DO CARMO (Mobilizadora, P. Manuelzão)

"A gente passou a Expedição toda pen-sando só no nosso trabalho de divulgar.Mas quando cheguei no São Francisco,eu pensei: 'um dia alguém vai olhar praisso como um pedaço da história'. Vãodizer que foi um movimento de utopia,mas de vontade de transformação que

existiu. E espero que no futuro não vai ser só um even-to, mas vai ter um monte de outras coisas que aindaestão por escrever, e vão ser a realização do que aExpedição veio trazer."

SÍLVIA (Repórter, P. Manuelzão)

"A Expedição foi uma coisa muito boana minha vida. Estar participando, aju-dar a limpar o Rio das Velhas. Sou lá deSete Lagoas, faço parte da bacia.Terminou aqui em Guaicuí, mas lá noRibeirão Jequitibá vai começar outraexpedição e a gente vai limpar lá, vai

fazer a nossa parte." MICHEL (ONG ADESA)

"A Expedição para mim foi a realiza-ção de um sonho de criança, que todavez que eu ia para BH, ficava sonhan-do em navegar nessas águas doVelhas. Estou muito emocionado deestar aqui, pelas pessoas que conheci,a população ribeirinha que nos rece-

beu tão bem. Não tem nem como agradecer. A gentetem é que lutar lá em Sabará para conseguirdespoluir a nossa parte." EMERSON, CAVERNA (ONG LEÃO)

"Para mim foi ótimo ter participado.Uma, que eu adoro rio, eu já façocanoa desde que eu comecei a estu-dar. E foi muito bom por ser o Rio dasVelhas, que eu faço parte dessa bacia.Outro motivo foi conhecer todos daequipe. E tenho esperança que isso

não vai acabar aqui no encontro do São Francisco.Isso vai ter mais história aí pra frente. História comcausa nobre que nós vamos abraçar sempre."NEWTON WAGNER, O GALO VÉIO (ONG ADESA)

Nélson Araújo

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BoletimSub-bacia do Ribeirão do Onça

O Ribeirão do Onça está localizado na margemesquerda do Médio Rio das Velhas. A sua baciabanha Cordisburgo e Curvelo, dois municípios que,somados, possuem 76.034 habitantes. Nenhumadas duas cidades trata os seus esgotos antes delançá-los no Onça, e nos dois municípios o desti-no final dos resíduos são depósitos a céu aberto.

Apesar dos descuidos com lixo e esgoto, abacia do Ribeirão do Onça possui peixes indica-dores de boa qualidade das águas. Duas espéciesde médio porte se destacam ao desempenhar re-levante papel na pesca realizada na bacia do SãoFrancisco: o mandi-amarelo e curimatá-pioa.Além disso, ainda sobre suas águas, o Ribeirãoestá bem volumoso, segundo observação docaiaqueiro Roninho, ao passar pela foz desse afluente do Velhas no dia 27 de setembro durante a Expedição.

Sub-bacia do Ribeirão Santo Antônio

A Expedição passou pela foz do Santo Antôniono dia 30 de setembro, quando completava 18 diasde descida. Roninho navegou por 700 metros norio, cujo leito se encontrava abarrotado deaguapés, certamente provenientes do Rio dasVelhas. O ribeirão, descrito por Burton como"bonito riozinho que pode ser navegado duranteduas léguas por canoas de tamanho razoável", vivehoje uma realidade bem diferente. O esgoto dascidades de Inimutaba e Curvelo, que juntas pos-suem uma população de 73.628 habitantes, édespejado in natura na sub-bacia do SantoAntônio. Apesar da qualidade da água ser ruim, avegetação às margens do Ribeirão Santo Antônio,no seu baixo curso, encontra-se em bom estado de conservação.

Sub-bacia do Rio PardoA sub-bacia do Rio Pardo, localizada no Baixo

Velhas, abrange os municípios de Augusto deLima, Diamantina, Monjolos, Santo Hipólito,Gouveia e Buenópolis, somando uma população de77.560 habitantes.

O Rio Pardo é formado pela confluência dos riosPardo Grande e Pardo Pequeno. No dia quatro deoutubro, membros da equipe da Expedição fizeramum passeio a essa confluência, que fica perto deSanto Hipólito. Todos nadaram. José Márcio Matoso,guia do passeio, contou que há quatro anos aindahavia garimpo na região do Pardo Pequeno. O rioera mais fundo, hoje está mais raso, por causa dotempo em que houve mineração.

No mesmo dia, mais tarde, os expedicionáriosencontraram a foz do Pardo no Velhas e fizeramuma parada. Lá, vê-se nitidamente a diferençaentre as águas do Pardo, que são transparentes eas águas mais escuras do Velhas. Inicialmente,elas não se misturam. Bancos de areia brancacompletam a beleza do cenário.

ESPECIAL EXPEDIÇÃO11MMAANNUUEELLZZÃÃOO Belo Horizonte, Dezembro / 2003

Saiba como foi documentada toda a Expedição LOURAIDAN LARSEN

Estudante de Comunicação Social da UFMG

Mãe Ribeirinha do Rio das Velhas SÍLVIA ARAÚJO

Estudante de Comunicação Social da UFMG

Durante a Expedição, entramos na Fazenda doAmaral, zona rural de Santa Luzia, por acaso, procurandoa margem do Rio das Velhas próxima ao encontro com oRibeirão da Mata. Encontramos com Dona Albertina, quemora na beira do Velhas desde os oito anos de idade.

Ela é casada com Seu José Moreira, com quem teve12 filhos e "Deus levou três". Dois deles morreramdoentes ainda crianças. O terceiro filho caiu no riodurante uma cheia, há três anos. Amarilio tinha 28 anosquando pescava no Rio das Velhas e foi levado por suaságuas. Sua morte foi "a maior tristeza" da vida de DonaAlbertina que até hoje espera encontrar o corpo do filho.

Toda a família de Dona Albertina e seu José Moreiratrabalha unida na roça quase à beira do Rio das Velhas.Com 64 anos, ela também tem lembranças de uma épocaem que o rio só lhe dava alegria. “Tinha muitos peixes, asmulheres lavavam roupas e as crianças podiam brincar naágua", conta. Seu José confirma dizendo que já pegoudourado de 15 quilos.

Conversa vai, conversa vem, e Dona Abertina se lem-bra novamente do filho que morreu afogado. Chorando,ela diz que apesar de tudo não tem mágoa do Rio dasVelhas. "Todo dia eu faço café pro meu povo e venho aquinessas margens rezar minhas orações". Dona Albertina

Moradores ao longo do Rio das Velhas contandohistórias e causos sobre o rio: registrado no site,fotografado e filmado. Sobrevôo de helicóptero sobreo Rio das Velhas na região de Santo Hipólito: filma-do, fotografado e registrado no site. Navegação notrecho de maior poluição, quando os ribeirões Arrudase Onça encontram com o Velhas: fotografado,registrado no site e filmado.

Pouca coisa escapou à equipe responsável peloregistro da Expedição. O início, o meio e o fim da desci-da do rio foram documentados nos quase 30 dias demuita foto e filmagem, além de produção de dezenas detextos para o site e para o livro da Expedição.

A fotógrafa Cuia Guimarães fazia o registro fotográfi-co, ora do barco da polícia ambiental, acompanhando osnavegadores de perto, ora por terra, fotografando pessoase lugares do Velhas. A idéia agora é fazer uma exposiçãoitinerante com essas fotos em cidades pelas quais pas-saram os caiaqueiros.

As filmagens ficaram a cargo de GustavoAmarante e Rodrigo De Angeli, ambos da produtorade vídeo Casca Grossa. Eles realizaram os mesmospercursos da fotógrafa, com exceção de alguns tre-chos, nos quais Rodrigo navegou em seu própriocaiaque para fazer as imagens. O Projeto Manuelzãopretende produzir um vídeo documentário, mas aguar-da patrocínio para fazê-lo.

Para o site, fotos, diários de bordo, reportagens eoutros registros foram produzidos por estudantes deComunicação Social da UFMG, orientados pela jornalistaMarina Torres. Divididos em duas equipes, que serevezavam toda semana, os repórteres em campo man-davam o material diário para o grupo que trabalhava nasede do Manuelzão, fazendo a atualização do site.

Já o livro "Navegando o Rio das Velhas das Minas aosGerais", com previsão de lançamento para março do anoque vem, será uma verdadeira enciclopédia sobre a baciado Rio das Velhas. Cerca de cem autores irão participar dolivro, que será dividido em duas partes. A primeira, falarásobre as experiências e o dia-a-dia dos caiaqueiros. Umdiário completo contado pelos próprios navegadores, ecomplementado com observações do editor, EugênioGoulart, que acompanhou de perto a Expedição. A outraparte, constituída de capítulos sobre temas diversos, seráum grande estudo sobre a bacia.

site: 576 fotos, 29 diários de bordo, 40 reportagens,16 boletins e 3 releases filmagem: 50 fitas com o total de 50 horas degravaçãofotos: 1500 fotografias livro: mais de 400 páginas, produzidas por quase 100autores

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Dos pequenos aos adolescentes, os alunos dasescolas situadas na bacia do Rio das Velhas fizeram afesta com a passagem da Expedição e deixaram seurecado com músicas, poesias, danças e peças deteatro. Os temas abordados nas apresentações foramdesde o desafio da descida até os problemas ambien-tais das regiões, com destaque também para a culturade cada localidade. A emoção diante do encontro comos caiaqueiros era traduzida com muitos abraços epedidos de autógrafos.

O Projeto Manuelzão trabalha com 1.377 escolaspúblicas municipais e estaduais em toda a bacia. Amobilização para saudar a passagem dos expedi-cionários resultou de uma iniciativa conjunta entre oscomitês, as secretarias municipais de educação, asSuperintendências Regionais de Ensino (SREs) e osub-projeto Manuelzão vai à escola. Nas recepções, osalunos apresentaram o resultado de trabalhos desen-volvidos ao longo do ano e aqueles feitos especial-mente para receber a Expedição.

Em Rio Acima, por onde a Expedição passou no dia15 de setembro, crianças gritavam eufóricas nas telas dearame da Escola Estadual Teresinha Cosenza, localiza-da às margens do Rio das Velhas. "Fiquei impressiona-do de ver os três caiaqueiros passando na minha frente",conta o pequeno Luís Henrique Pereira, 7 anos, aluno da1ª série. Ele disse que já tinha visto os navegadores natelevisão, mas não "assim, de perto".

Na passagem dos expedicionários por Santa Ritado Cedro, região do Médio Velhas, os alunos da 1ª e

da 4ª série da Escola Estadual Modestino Carlos daFonseca expuseram os dois livros produzidos por eles."Estrelas do Futuro" e "Heróis do Saber" reúnem tex-tos e desenhos sobre problemas ambientais, como lixoe poluição das águas. Na chegada em Barra doGuaicuí, no dia 11 de outubro, uma peça de teatro dosestudantes da comunidade teve como palco as ruínasda Igreja Bom Jesus de Matozinhos e resgatou ahistória do lugar e do Brasil.

ESPECIAL EXPEDIÇÃO12 MMAANNUUEELLZZÃÃOO Belo Horizonte, Dezembro / 2003

BoletimSub-bacia do RibeirãoBicudo

A sub-bacia do Ribeirão Bicudo está localizada nocentro geográfico de Minas Gerais, na margemesquerda do Baixo Velhas e abrange os municípios deMorro da Garça e Corinto, que somam uma populaçãode 27.506 habitantes. A Expedição passou pela foz doRibeirão Bicudo no dia cinco de outubro. Depois doRio Cipó, o Ribeirão Bicudo é o que apresenta maiorriqueza entre os afluentes que já foram pesquisadospelo Projeto Manuelzão. No Bicudo, é possível obser-var que junto com as cheias há também uma queda naqualidade das águas.

Sub-bacia do CurumataíA sub-bacia do Curumataí abrange as cidades de

Augusto de Lima, Buenópolis e Joaquim Felício, quesomam uma população total de 19.349 habitantes. Aopassar na confluência do Rio Curumataí com o Velhas,no dia cinco de outubro, foi possível observar a pre-sença de muita mata ciliar. O encontro ocorre nomunicípio de Augusto de Lima, na margem direita doRio das Velhas. Apesar de ainda receber esgoto dascidades por onde passa, o Curumataí encontra-sebastante limpo. Sua cor marrom, um pouco transpa-rente, contrasta com o verde do Velhas.

Um canto coletivo, quase um lamento, ressoa às mar-gens do Rio das Velhas enquanto um casal, caracterizadocomo rei e rainha acompanhados de sua guarda, desfilavaentre os presentes. Assim foi a recepção aos expedi-cionários por um grupo de congando na Fazenda JagoaraVelha. As manifestações culturais e folclóricas foram umaconstante durante a passagem da Expedição pela bacia.Apresentações de grupos regionais de congado, marujada,capoeira, pau-de-fita, cavalhada, folia do divino, dentreoutros, receberam Roninho, Rafael e Beto. Nas diversasvilas e cidades do trajeto, a população apresentou mostrasde uma antiga riqueza cultural da região.

"Pela primeira vez se conseguiu reunir todos os gruposfolclóricos da cidade", afirmou a secretária municipal deeducação de Raposos, Vilma Margarida Santos. Além dosgrupos folclóricos, como a cavalhada e o congado, estive-ram reunidos também o 1º Grupo de Peões de Boiadeirode Raposos e uma equipe de tropeiros vestidos a caráter e

com os equipamentos que eram usados nas viagem comtropas de burros.

O Candombe de Mocambeiro, quinto mais antigo deMinas Gerais, apresentou-se na Fazenda Jagoara Velha,em Matozinhos. O grupo mantém a tradição da dança dosescravos africanos, que homenageia Nossa Senhora doRosário. A dançarina e cantora do grupo, HeleniceMoreira, diz que "o candombe é um só". "Os toques sãodiferentes, mas as músicas são praticamente as mesmas",completa.

O vice-rei do Congado de Minas Gerais, JoséGeraldo de Abreu, mostrou a tradição do grupo Reinadode Nossa Senhora do Rosário e Irmandade doSantíssimo Sacramento da cidade de Jequitibá. JoséGeraldo conta que começou a participar do congado há54 anos, e que a tradição permanece: oito de seus netosfazem parte do grupo. "Encontrei a felicidade, sou umprofessor", diz o vice-rei.

Expedição é saudada por grupos querecriam antigas manifestações culturaisMARCO ANTÔNIO PESSOA E RÚBIA PIANCASTELLI

Estudantes de Comunicação Social da UFMG

Expedição mobiliza escolas da BaciaCAROLINA SILVEIRA

Estudante de Comunicação Social da UFMG

As Guardas do Congado e do Candombe de Nossa Senhora doRosário de Mocambeiro se apresentam na Fazenda Jagoara Velha

Crianças e violeiros prestam homenagem aos expedicionários napartida em Sabará

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A participação de crianças e adolescentes nas ativi-dades de recepção aos expedicionários foi marcada poruma intensa produção de textos. Em cada parada, oscaiaqueiros foram recebidos com muitas cartas deincentivo e mensagens de esperança dos alunos dasescolas da bacia. Um pouco das produções desses meni-nos e meninas pode ser conferido a seguir.

Hino ddo VVelhas

"Ouviram do Rio das Velhas margens plácidasDe um povo ribeirinho que dele viveE o esgoto suas águas vão poluindoMatando tudo que nele sobrevive

Ao nosso povo pede socorroConseguiremos o teu leito limparEm teu seio até o morroDesafia a nossa gente o esgoto limpar

Ó Velhas amadoIdolatradoSalve! Salve!Meu Rio das Velhas e São FranciscoQue dão a vida e alimentam nossa genteEm tuas águas descem muito lixoA imagem de tudo vem em mente.

Gigantes pela própria naturezaEras belo, forte, era alegriaDo seu presente tiraram essa beleza

Leitos adoradosEntre águas milÉs do BrasilO rios amados

Dos filhos seus águas mãe gentilRio amadosDo Brasil!"

ADAPTAÇÃO DO HINO NACIONAL

ESCOLA ESTADUAL DE GUAICUÍ (Barra do Guaicuí/Várzea da Palma)

"O trajeto é grande, mas o amor à água é maior.Vocês têm uma boa intenção e vão conseguir chamara atenção das pessoas para não poluir e preservar aságuas do Velhas. Desejamos muita sorte..."LETÍCIA MÁRCIA E RUAN MITCHEL, ESCOLA MUNICIPAL

GERALDA ISA LIMA RODRIGUES (Jaboticatubas)

"Saibam que estaremos sempre com vocês. Mesmocom a distância aumentando, estaremos decoração acompanhando vocês durante toda aExpedição, torcendo que o objetivo do ProjetoManuelzão seja alcançado""OS CORUJINHAS", ESCOLA MUNICIPAL DE NOVA UNIÃO (Nova União)

"Amigos companheiros desta escolaÉ com amor e alegriaQue cantamos pra vocêsJuntos, nós queremos que este diaSeja só de alegriaPara nós e pra vocês

É importante amigosA sua presençaNos anima e incentivaE nos deixa contentes

Volte sempre amigosNós vamos ficar esperando... "

ADAPTAÇÃO DE BALÃO MÁGICO

ESCOLA MUNICIPAL ANTÔNIO MALDINI (Beltrão/Corinto)

"Esta expedição que vocês estão fazendo é muitoimportante, porque vocês estão dando uma grandelição e quando formos grandes podemos fazer amesma coisa. A Expedição é um gesto de amor ao rioe seus habitantes. Desejamos-lhe boa sorte."THAÍS E ERIKA GRASIELA, ESCOLA MUNICIPAL GERALDA ISA

LIMA RODRIGUES (Jaboticatubas)

Ventania canta a Expedição SÍLVIA ARAÚJO

Estudante de Comunicação Social da UFMG

ESPECIAL EXPEDIÇÃO13MMAANNUUEELLZZÃÃOO Belo Horizonte, Dezembro / 2003

Músicas e poesias no caminho daExpedição

BoletimFoz do Rio das Velhas

O Rio das Velhas desagua no São Francisco emBarra do Guaicuí, distrito de Várzea da Palma,levando esgoto, lixo e resíduos industriais de váriascidades da bacia. No trecho final já se nota umarecuperação do Velhas devido aos processos deauto-depuração, com o recebimento de afluentescom águas de boa qualidade.

Dourado, surubim, piau, matrinchã e traíra são asprincipais espécies de peixes encontradas na região.No passado, o local foi um importante ponto depesca amadora e profissional. O Índice de Qualidadedas Águas, medido pelo Igam, na foz é médio e acontaminção por tóxicos é considerada alta.

Em Santo Hipólito, Baixo Velhas, os expedicionáriosreceberam uma homenagem especial. Manuel Ventania,morador e nativo da comunidade do Salobo, cantou umamúsica que ele escreveu para os navegantes e a equipe deapoiadores da Expedição.

Manuel Ventania nasceu no natal de 1952 e sua mãedizia que por isso ele teria um dom de Deus. Para ele, essedom que recebeu é cantar e compor. Manuel já compôsmais de 90 músicas e até o apelido "Ventania" foi recebidopor causa de uma de suas canções.

Manuel Ventania conheceu o Projeto Manuelzão pormeio de sua filha que ouviu falar da Expedição na escolae pediu para ele compor uma música. Na festa organizadapela Prefeitura de Santo Hipólito para os expedicionários,no dia três de outubro, a música de Ventania fez muitosucesso. A população local e os navegantes pediram bis.

A passagem da Expedição pela Vila de Vera Cruzfoi marcada pela presença de um personagem ilustre,até então desconhecido por nossa equipe. Naquelepequeno vilarejo, habitado por gente simples, um vio-leiro fez sua viola "chorar", em uma bela homenagemaos expedicionários. Era Nelson Jacó, 72 anos,morador da cidade de Jequitibá, um dos mais co-nhecidos violeiros da região. Depois de ouvi-lo tocare cantar, não foi difícil entender por que o compositorChico Lobo o chama de mestre.

Apesar da riqueza de seus versos, a canção compos-ta por Jacó parece não ter lhe dado muito trabalho. Suafilha Raquel, de 16 anos, conta que, no dia em que aExpedição passaria por Vera Cruz, o pai passou o diamurmurando pela casa. Só mais tarde foi entender queele compunha naquele dia sua homenagem à Expedição.

Jacó ainda esteve presente na passagem daExpedição por Jequitibá e na chegada à Barra doGuaicuí, acompanhado de sua família. Os próprios ver-sos de sua canção demonstram que o violeiro sabemuito bem da importância da revitalização do Rio dasVelhas para o São Francisco: "Quanto mais cuidar daságuas/bem mais limpa as água desce/Tudo que fizer porelas/São Francisco agradece".

Manuel Ventania canta para os navengantes e a população

Nelson Jacó

Homenagem deum violeiroJONAS RODRIGUES

Estudante de Comunicação Social da UFMG

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ACONTECE14 MMAANNUUEELLZZÃÃOO Belo Horizonte, Dezembro / 2003

ETE JequitibáA passagem da Expedição por Jequitibá, em 24 de

setembro, marcou a inauguração da ETE (Estação deTratamento de Esgoto) do município. Durante asolenidade, que fez parte das atividades de recepção aosexpedicionários, o prefeito, Walter Fidélis Diniz, faloudo privilégio de cumprir esse compromisso em um diatão especial.

O Ribeirão Jequitibá localiza-se na margem esquer-da do Médio Rio das Velhas e atravessa os municípiosde Funilândia, Prudente de Moraes, Sete Lagoas eJequitibá. Lançamento de esgoto, atividades siderúrgi-cas e de mineração contribuem para a degradação desuas águas. Em Jequitibá, a ETE deve atender de 1.800a 2.000 moradores.

Premiando aEducação

Foi com muita animação e entusiasmo que as profes-soras e professores ganhadores do concurso Premiando aEducação receberam suas homenagens. A solenidade deentrega dos prêmios, que contou com aproximadamente65 pessoas, aconteceu no dia 18 de outubro na pousadaMonjolos, na Serra do Cipó. Vinte projetos de 16 escolase toda a bacia foram premiados.

Premiando a Educação é um concurso de projetosna área da educação ambiental promovido peloProjeto Manuelzão e a Secretaria de Estado daEducação. Durante a cerimônia cada grupo de profes-sores pôde expor um pouco do projeto que desen-volveu. Os professores receberam, além dos certifica-dos, dois dias de hospedagem nas pousadas Monjolose Canto das Águas.

Na solenidade também foi apresentado um novo pro-grama de gestão ambiental desenvolvido pelo Manuelzãopara as escolas. O programa apresenta vários eixostemáticos, tais como água, áreas verdes, qualidade de vidae saúde. Cada escola vai poder decidir que eixo trabalharde acordo com sua realidade.

RibeirõesArrudas e Onçaganham comitês

Os Ribeirões Arrudas e Onça terão agora seuspróprios comitês de bacia hidrográfica. O seminário deconstituição do Comitê do Onça aconteceu no dia 27 denovembro, no auditório da Faculdade de Letras daUFMG. O Comitê Arrudas será criado oficialmente nodia 13 de dezembro, na Faculdade de Medicina, tam-bém por meio de um seminário. Os dois comitês serãoformados por integrantes do poder público, represen-tantes da sociedade civil e por usuários de água. OProjeto Manuelzão está ajudando na criação e partici-pará como representante da sociedade civil. Os comitêsManuelzão de córregos que deságuam no Arudas e noOnça também devem participar.

Criado comitê doCórrego Leitão

Despertar a consciência ambiental da comunidade.Com esse objetivo, foi criado o Comitê do Córrego Leitãono Aglomerado Santa Lúcia, em Belo Horizonte, no dia20 de novembro. A reunião contou com a participação demembros da prefeitura, Copasa, escolas, centros de saúdelocais e associações de moradores.

O evento marcou a abertura das Três Semanas de Paze Cidadania - organizada

pela Paróquia Nossa Senhora do Morro. O CórregoLeitão abastece os bairros Santo Antônio, São Bento eVila Paris, da região Centro-Sul de Belo Horizonte. Oexcesso de lixo na região é um dos problemas queameaçam as nascentes do córrego e deve ser uma das li-nhas de atuação do novo comitê.

Caminhadaecológica

Com o objetivo de conscientizar a população sobre aimportância da preservação do meio ambiente, o ComitêManuelzão do Córrego do Navio realizou caminhadaecológica da Mata da Baleia até a avenida Belém, regiãoleste de Belo Horizonte no dia 26 de outubro.

Dezenas de pessoas se concentraram na Praça daIgreja da Pompéia para participar da caminhada. Elasfizeram o trajeto margeando o Córrego do Navio,sendo possível ver a beleza de nascentes, na Mata daBaleia, e acompanhar o processo de degradação que ocurso d'água sofre ao longo de sua extensão.

Na Praça da Pompéia, durante todo o dia, a tradicionalfeira de cultura local contou com exposição de trabalhosde educação ambiental do Projeto Manuelzão, Copasa ePolícia Militar do Meio Ambiente.

ComitêManuelzão emGeneral Carneiro

Foi criado no dia 24 de novembro, o ComitêManuelzão de General Carneiro, que faz parte da sub-bacia do Ribeirão Arrudas.

A solenidade aconteceu na Igreja São José Operário,reunindo membros da comunidade, órgãos públicos eempresas privadas.

O bairro General Carneiro, de Sabará, é o local da fozdo Ribeirão Arrudas no Velhas. A região enfrenta sériosproblemas ambientais, dentre eles, a existência de umbota-fora, que está assoreando o ribeirão e causando amudança de seu curso. A águas do Arrudas estão invadin-do a rua Carvalho de Brito, em função dessa mudança.

Esse e outros problemas foram levantados no semi-nário de inauguração do comitê, onde houve também aapresentação da metodologia de trabalho do Manuelzão.

Em meio às apresentações culturais que marcaram apassagem da Expedição por Funilândia, uma figura muitoespecial conseguiu roubar a cena. Era Dona HelenaFernandes, 73 anos, esposa de Álvaro LourençoFernandes, que foi prefeito da cidade por oito anos.Algumas horas antes da chegada dos expedicionários,Seu Álvaro disse ter um caso emocionante para contar.

Chegada a noite, foi Dona Helena quem contou a tãoesperada história. Disse que o marido não conseguiriacontá-la sem se emocionar. A história fala de um famosopescador da região, chamado Zé Lupinho, que vendeu aoarmazém do pai de Seu Álvaro, o Coronel EvaristoFernandes, um loango de mais de um metro e meio. Opeixe era tão grande, que o coronel precisou de umamachadinha para conseguir abrí-lo.

Para provar a veracidade do fato, Dona Helena levoua machadinha usada pelo coronel, assim como o livro emque ele anotava as compras de seu armazém. Ela mandouainda fazer um loango de pano, com o qual presenteou osexpedicionários. Eles prometeram seguir com o peixe atéa chegada em Barra do Guaicuí, e assim o fizeram, levan-do-o no carro de apoio. Mais que uma lembrança deFunilândia e de Dona Helena, o loango se tornou o sím-bolo daquilo que sintetiza o objetivo do ProjetoManuelzão: a volta do peixe a Rio das Velhas.

Presente para oRio das VelhasJONAS RODRIGUES

Estudante de Comunicação Social da UFMG

Dona Helena e os expedicionários com o peixe de pano

Inauguração da ETE Jequitibá

Globo RuralUma equipe de reportagem do Globo Rural acom-

panhou a Expedição Manuelzão desce o Rio dasVelhas. Confira nos programas dos dias 28 de dezem-bro deste ano e 4 de janeiro do ano que vem, às 8 damanhã, as matérias sobre a viagem e a bacia do Riodas Velhas.

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CONSCIÊNCIA15MMAANNUUEELLZZÃÃOO Belo Horizonte, Dezembro / 2003

Transposição do São Francisco gerapolêmicaEspecialistas apontam falhas no projeto do governo para resolver o problema da seca no NordesteCAROLINA SILVEIRA E SÍLVIA ARAÚJO

Estudantes de Comunicação Social da UFMG

Imagine o cenário: parte da água de um rio ébombeada e levada para outro através de 2.000 km decanais artificiais, com um gasto de energia superior àproduzida na usina de Três Marias e custo estimado embilhões de dólares. Longe de ser uma ficção, essa é umaobra que pode ser implementada pelo governo embreve. Debates estão sendo realizados em quase todosos estados da bacia do São Francisco e diversas enti-dades já se posicionaram contrárias à iniciativa, como oProjeto Manuelzão.

A transposição das águas do São Francisco é apre-sentada como uma alternativa aos problemas da secaque atingem o Nordeste do país. O projeto prevê atransferência de 3% das águas da bacia para a regiãodo semi-árido, através de canais ou túneis artificiais,além da construção de barragens em outros afluentesda bacia, como o Rio das Velhas, para regularizar avazão do São Francisco. O principal ponto de trans-posição seria na região do município de Cabrobó,entre Pernambuco e Bahia, após a Barragem deSobradinho.

Aqueles que se posicionam contrários à transposiçãoapontam uma incompatibilidade entre os objetivos colo-cados pelo governo e o real aproveitamento que podeser feito dessa água. Além de não matar a sede da po-pulação, a finalidade produtiva, como a de irrigar plan-tações, também é comprometida pelo alto custo demanutenção das obras.

Em Minas Gerais, o vice-presidente José Alencarparticipou de um ciclo de debates na Assembléia

Legislativa no dia 21 de outubro. Diversas entidadesparticiparam das discussões. A revitalização esteve empauta, muitas vezes colocada como "condição" para setranspor o Velho Chico.

Apolo Heringer, coordenador geral do ProjetoManuelzão e presidente do Comitê da BaciaHidrográfica do Rio das Velhas, enfatiza que a revita-lização deve ser desvinculada da proposta de trans-posição. Segundo ele, "a revitalização é um bem em simesma" e deve ser feita "obrigatoriamente". Já a trans-posição do São Francisco, para ele, é inviável sob todosos aspectos. "Além do mais tem gente passando fome apoucos metros do São Francisco", completa.

Porém, Apolo acredita que os comitês de bacia nãoterão poder para impedir que a transposição seja imple-mentada. "O que o comitê pode fazer é uma amplamobilização social e criar um constrangimento para aaprovação dessa proposta". As questões levantadas nodebate na Assembléia Legislativa serão incluídas em umrelatório, que José Alencar se comprometeu a entregarao Presidente.

A seca como apelo Desde de que a seca nordestina passou a ser aborda-

da pela imprensa, especialmente nos telejornais, desper-tou-se um sentimento de solidariedade de todos osbrasileiros com o sertanejo. É nesse clima que a propos-ta de realizar transposições no Rio São Francisco é colo-cada, pelo Governo Federal, como alternativa para solu-cionar o problema da seca.

O geólogo Édezio Teixeira explica que o projeto nãoresolve a questão. Segundo ele, na proposta do governoa água seria distribuída por 10 km para a esquerda e 10para direita, por canais de 2.000 Km de comprimento.No total, são 40.000 km2, o que corresponde a menos de10% do que se alega ser a área carente de água.

"O que acontece se você coloca água jorrando semparar numa região semi-árida?": Edézio sugere quepode haver uma "corrida pela água" dos nordestinos nãocontemplados com a transposição. Isso provavelmentevai trazer, segundo ele, um aumento das carências dopovo sertanejo que se deslocar.

Assim, em pouco tempo, o crescimento popula-cional na área drenada irá produzir uma maior demandapor água. Esse aumento irá pressionar a realização demais transposições para alimentar o canal e, conseqüen-temente, vai se gastar muito mais energia elétrica. "Seráum processo irreversível, depois não dá pra mandar aspessoas de volta", alerta o geólogo.

Três condições O ex-professor da Universidade Federal de Viçosa

e especialista em hidrologia, irrigação e drenagem,Alberto Daker, aponta três condições que devem seratendidas para que haja uma transposição e osaspectos que inviabilizam a iniciativa no São Francisco.

1º pponto: AA bbacia ddoadora ddeve tter uum ccurso dd´águavolumoso ee tterras qque nnão ssirvam ppara aa iirrigação.

Situação do São Francisco: existe na própriabacia uma grande demanda para suas águas, quecorrem em grandes extensões de terras cultiváveis.

2º pponto: AA bbacia rreceptora pprecisa tter mmuitaterra iirrigável ee ccarência dde áágua.

Situação da área beneficiada: a área que seráatendida com as águas da transposição corresponde aapenas 10% da região atingida pela seca. Daker afirmaque existem mais de 400 açudes públicos de grandeporte no nordeste. Segundo ele, são necessáriaspequenas obras para a distribuição dessa água para ouso domiciliar e aproveitamento em irrigação.

3º pponto: AA oobra ddeve sser eeconomicamente vviável.Custo da transposição: Além dos gastos com a

construção da obra, que inclui 2000 km de canaisartificiais, barragens em cinco afluentes do SãoFrancisco, dentre outras intervenções, a questãomais crítica é o gasto de energia. Para realizar atransferência, as águas terão que ser bombeadas amais de 165 metros de altura. Com o agravante deque essa água será retirada antes de gerar energianas usinas hidrelétricas situadas após o ponto debombeamento. Segundo os planos do governo, atransposição será feita apenas nos períodos deescassez de chuva. Isso significa que quando nãoestiver chovendo, haverá ainda um gasto demanutenção para manter uma obra parada.

Rio São Francisco em Minas Gerais, estado que fornece 75% das águas da bacia

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PERFIL16 MMAANNUUEELLZZÃÃOO Belo Horizonte, Dezembro / 2003

Médico, escritor e naveganteEugênio Goulart, professor da UFMG, ajudou a organizar a Expedição e agora prepara o livro que trará o registro da viagemCAROLINA SILVEIRA

Estudante de Comunicação Social da UFMG

Durante a Expedição Manuelzão desce o Rio dasVelhas, foi possível constatar a singular importânciada participação de cada membro da equipe. Uma dascontribuições fundamentais foi dada pelo professorEugênio Goulart, que se envolveu em uma série deatividades. Resultado: uma permanente fonte de co-nhecimento das histórias e dos lugares e uma figuraserena nos momentos de tensão.

Eugênio Goulart é professor do Departamento dePediatria da UFMG e também clinica desde que seformou, há 30 anos. Seu envolvimento com o ProjetoManuelzão ocorreu de forma mais efetiva neste ano.Eugênio foi convidado pelo professor Apolo Heringerpara coordenar o livro que fará o registro daExpedição e uma coletânea de capítulos escritos porespecialistas de diversas áreas. A obra, intitulada"Navegando o Rio das Velhas das Minas aos Gerais",deve ser lançada em março.

A intimidade com as letras foi a porta de entrada deEugênio na Expedição. Em 2001, ele publicou o livro"Nos ermos e nas brumas da Serra do Espinhaço". Ouniverso da escrita é, sem dúvida, uma presença mar-cante na família do professor, que é sobrinho-neto dopoeta Carlos Drummond de Andrade. "Para mim,antes dele ser o nosso poeta-maior, é o meu TioCarlos", conta.

Serra do EspinhaçoExplorar montanhas para resgatar histórias. O grande

conhecimento das regiões de Minas Gerais é resultado dasmuitas viagens de Eugênio e da paixão pela Serra doEspinhaço. Desde a juventude, ele faz caminhadas eacampamentos nas montanhas mineiras, descobrindo suasriquezas por meio da leitura de naturalistas antigos, quepassaram pela região no início do século XIX.

Eugênio sempre morou em Belo Horizonte e diz queprefere o trabalho ao ar livre, o provável motivo de suadúvida na hora de fazer o vestibular. Indeciso entreBiologia e Medicina, ele acabou optando pela carreiramédica. Mas se fizesse vestibular hoje, conta, seria para

Biologia. Os filhos, que desde pequenos o acompanhamnas caminhadas, desenvolveram o mesmo interesse do pai.Maíra, de 24 anos, se formou no ano passado em Biologiae Fernando, de 21, se forma este ano no mesmo curso.

ExpediçãoMesmo para o conhecedor das montanhas, a riqueza

natural e humana encontrada pela Expedição surpreendeu."Uma coisa me tocou bastante, nós não vimos miséria,mas sim um povo pobre muito orgulhoso da sua cultura",afirma. Para ele, a Expedição passou por lugares que eramum mundo à parte. Mesmo próximo à Belo Horizonte, ascomunidades têm uma cultura muito própria que vence ainfluência da cidade.

O convívio com a equipe, o sentimento de união, areceptividade das pessoas e a esperança de que ascoisas dêem frutos. Dessa forma, Eugênio define osignificado da Expedição e parabeniza o espírito desolidariedade que marcou a equipe. "Você vê as fotos,os filmes, dá saudade".

Eugênio revela ter uma grande admiração pelo ProjetoManuelzão e um envolvimento de muito tempo com oprofessor Apolo, de quem foi companheiro nos difíceisanos da ditadura. Para ele, o Projeto resgata um pouco dosonho das antigas lutas: o de dar uma contribuição paraum mundo que precisa de consertos.

“O convívio com a equipe, osentimento de união, areceptividade das pessoas e aesperança de que as coisasdêem frutos”. Dessa forma,Eugênio define o significadoda Expedição.