revista literária silêncio - nº 01

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Revista Silêncio Nº01 [email protected] 1 Revista Silêncio Nº01 [email protected] [email protected] N N º º 0 0 1 1 Dinheiro para bibliotecas Lídio Lima O possível não alcançado José Paulo Nobre De corpo presente Edinho da Barca Para falar e escrever bem Joseph Devlin Para saltar aos olhos Claudiomiro Machado Ferreira Por que a revista BRAVO! acabou? Armando Antenore Revista Literária S S i i l l ê ê n n c c i i o o LiteraturaArteCinemaMúsicaHumor

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Page 1: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 1 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

[email protected]

NNºº 0011

DDiinnhheeiirroo ppaarraa bbiibblliiootteeccaass LLííddiioo LLiimmaa

OO ppoossssíívveell nnããoo aallccaannççaaddoo JJoosséé PPaauulloo NNoobbrree

DDee ccoorrppoo pprreesseennttee EEddiinnhhoo ddaa BBaarrccaa

PPaarraa ffaallaarr ee eessccrreevveerr bbeemm JJoosseepphh DDeevvlliinn

PPaarraa ssaallttaarr aaooss oollhhooss CCllaauuddiioommiirroo MMaacchhaaddoo FFeerrrreeiirraa

PPoorr qquuee aa rreevviissttaa BBRRAAVVOO!! aaccaabboouu?? AArrmmaannddoo AAnntteennoorree

Revista Literária

SSiillêênncciioo

LiteraturaArteCinemaMúsicaHumor

Page 2: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 2 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 3 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

Revista Literária Silêncio Nº01

EEDDIITTOORRIIAALL

“Porque Silêncio?”, você pode estar se perguntando. Se não está, deveria. A primeira coisa que nos vêm

à mente é: “E por que não?”. Porém, podemos apresentar uma resposta mais apropriada.

Pense por um instante. Qual foi a última vez que você se encontrou em meio ao inebriante silêncio que a

tudo absorve e preenche? Em tempos em que a todo instante nos gritam aos ouvidos, não há pedra mais precio-

sa do que o silêncio, muito embora ele também possa ser ensurdecedor. Silêncio nos remete à paz, a um instante

de reflexão. Sem ele como compreendermos as coisas mais complexas de nosso mundo, incluindo nós mesmos?

Com essas idéias em mente resolvemos intitular nossa revista como “Silêncio”.

Ao criarmos uma revista com a intenção de divulgar textos relacionados à arte, em suas inúmeras for-

mas, “silêncio” é a única coisa que falta para ela tornar-se o que pretendemos que seja: Um momento de prazer

e descanso para mentes fatigadas e famintas. Um oásis para quem convive com um deserto de ideias, uma cama

quente para um viajante perdido, um instante de sossego para aquele que vive atormentado pelo infindável ba-

rulho de nossos dias.

Isso é o que oferecemos agora. Esperamos que aproveitem... em silêncio.

Os Editores

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 4 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

Revista Literária Silêncio Nº01

SSUUMMÁÁRRIIOO

LITERATURA

Contos

13 Humor vítreo Adriane Bueno

14 Só uma fase Andréia Pires

15 Brilho Eron d'Inácio

17 A ausência da ausência Lídio Lima

19 Gato escaldado Maurício Pons

20 Passos perdidos Pedro Porciúncula

22 Perdidos na escuridão Robert Jonas Andrade Oliveira

25 Monumento ao homem vivo Rody Cáceres

Poesias

27 De corpo presente Edinho da Barca

28 Versos brandos Jorge Pinho

31 O possível não alcançado José Paulo Nobre

32 Rumos Lúcia Castillo

33 A estrela Dalva e o peão Luiz Carlos Molina

34 Mordaça Luiz Sérgio Quintian

35 Distraída Márcia Gomes

36 Quando nos apaixonamos Lutiene Souza

37 Minha escola Caroline Sigalles Ferreira

Artigos

40 Por que a revista BRAVO! acabou? Armando Antenore

42 Para saltar aos olhos Claudiomiro Machado Ferreira

47 Laboratório de estímulo à criatividade – Biblioterapia Giselda Leirner

49 Dinheiro para bibliotecas Lídio Lima

38 Amor transcende o tempo

Marcos Costa Filho

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 5 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

Revista Literária Silêncio Nº01

CINEMA

A Paixão de Joana D’arc, de Carl Theodor Dreyer 50

Matheus Magalhães da Silva

Uma das histórias mais tristes nos

bastidores de Hollywood 53

Tiago Stechinni

DIREITOS AUTORAIS

Justiça usa Código Penal para combater

crime virtual 54

Supremo Tribunal de Justiça

O download de livros 57

Claudiomiro Machado Ferreira

TRADUÇÃO

Para Falar e Escrever Bem 61

Joseph Devlin

MÚSICA

O Silêncio 67

Arnaldo Antunes

Silêncio 68

Heróis da Resistência

As rimas mais usadas na

úsica brasileira...

...e quem quiser compor um

sucesso, faça isso: 69

Claudiomiro Machado Ferreira

FOTOGRAFIA A arte de Wilson Fonseca 70

ARTES VISUAIS Rosali Colares 72

HUMOR

77

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 6 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 8 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

FFRRAASSEESS && CCIITTAAÇÇÕÕEESS

Corrupção no ECAD. Os Replicantes, na música

“Mentira”, de 1987.

Não vejo nada no Creative Commons

que não esteja na lei [de Direitos Autorais]

atual. Cacá Diegues

Cineasta

Ora, se você quiser

se divertir invente suas

próprias canções. Renato Russo

Músico

Na França autores recebem por livros em-

prestados em bibliotecas. O governo paga uma

taxa e a associação de autores distribui os recur-

sos entre autores. Raquel Cozer

Colunista da Folha

O que não pode ser falado

deve ser passado em silêncio. Autor desconhecido

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 9 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

Se queres ser universal, co-

meça por pintar a tua aldeia. Liev Tolstói

Escritor

Qualquer um pode escrever um livro.

Duro mesmo é ficar no sofá, sem escrever

nada. Não escreva. Se realmente tiver de

escrever trate o resto da humanidade aos

tapas e pontapés. Diogo Mainardi, escritor

Não entrei na literatura para ser um escritor

qualquer. Quero ser maior que Tolstói e

Joyce – e acho que todo escritor tem de pen-

sar assim, senão ele não produz nada. António Lobo Antunes

Escritor português

O escritor está sempre trabalhando

em um livro, mesmo quando não

está escrevendo. Antonio Callado

Escritor

Podemos simplesmente escrever um.

Encher de vãs palavras muitas páginas

E de mais confusão as prateleiras.

Caetano Veloso, Livros

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 10 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

RReevviissttaa LLiitteerráárriiaa SSiillêênncciioo Participe

Envie seu trabalho

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Page 11: Revista Literária Silêncio - nº 01

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 13 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

HHUUMMOORR VVÍÍTTRREEOO

Adriane Bueno*

ombos pretos a pai-

rar sobre a abóboda

medieval pensam ser

corvos a espreita do cadáver do

qual se aproxima o funeral. Garras

afiadas em patas escuras, do gato

preto, ser noturno, que se arrisca a

desfilar a luz do sol, para ocultar-

se até que horas tétricas lhe permi-

tam começar a carnificina. E o

cadáver ali, no fúnebre caixão

abismal. E os entes queridos do

morto, que de suas faces deixam

verter lágrimas, não sabem se cho-

ram a perda ou sufocam devido ao

miasma produzido pelo calor in-

fernal.

Ah! Dores extremas açoita-

ram o pobre defunto que jaz pró-

ximo de baixar a sua última pousa-

da. Quem tão atroz veleidade pra-

ticou, arrojando da vida um pai de

família que ora está prestes a ser

devorado por vermes impertinen-

tes, estes seres malditos que todos

temem?

Andava o ora morto, antes

vivo, por uma rua escura, retor-

nando do labor diário que mal pa-

gava as compras para saciar da

família sua fome natural. Vinha

cansado, arrastando os pés, depois

de horas sem fim numa repartição

pública obscura. Mas vinha em

paz, dever cumprido, o parco salá-

rio no bolso... ia encontrar pouso e

um certo descanso afinal.

Entretanto, ao chegar ao

escuro beco que levava a sua hu-

milde pocilga familiar, algo lhe

arremete brutalmente contra a pa-

rede de tijolos. Escorre sangue pela

mesma, crânio partido, mas o tra-

balhador ainda respira. Uma som-

bra se projeta sobre o infeliz e lhe

rasga a garganta... o pai de família

expira, enquanto seus olhos arrega-

lados absorvem a figura que ora se

afasta cambaleando pela viela fria.

No outro dia, vizinhos hor-

rorizados chamam a polícia, a fa-

mília desatina. As investigações

nada deixam escapar, mas também

nada conseguem provar. Sentenci-

am as autoridades: “Foi um bárba-

ro meliante... nenhuma pista mais

há. O salário ficou, deve ter se

assustado com alguém que estava a

passar”.

E o morto foi transportado

a sua casa, encomendado o caixão,

realizado o velório. Lágrimas der-

ramadas e, enfim, o enterro onde

mulher e filhos, junto com os vizi-

nhos sorumbáticos não conse-

guiam entender o crime praticado,

nem a fácil desistência das autori-

dades em buscar o criminoso ne-

fasto.

Mas se algum deles fosse

entendido ou respostas realmente

desejassem encontrar, bastaria ob-

servar o humor vítreo dos olhos

cadavéricos e encontrariam a últi-

ma imagem que o falecido gravou

em sua mente.

Enquanto o funeral termi-

nava, o circo de horrores que sem-

pre permaneceu naquela gélida

cidade e era sua atração principal,

partia, levando em um de seus va-

gões a aberração que causara a

cruel carnificina.

Portanto, ponde-vos atentos

leitores destas estranhas linhas.

Vós não acreditareis jamais no que

ora vos alucina.

*Advogada, já escreveu:

PP

Adriane Dias Bueno e Claudiomiro Machado Ferreira na 39ª Feira do Livro do Cassino/RS

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 14 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

SSÓÓ UUMMAA FFAASSEE

Andréia Pires*

á meses que pelo

menos duas vezes

na semana Lauri-

nha dava baile na madrugada. Em

susto, levantavam mãe, pai, irmãos

menores, cachorro latia na rua,

cocota latia para o cachorro, luzes

de toda a casa acesas. Não parava

ninguém dormindo. O que foi,

Laurinha? Sempre a primeira a

chegar, a mãe tinha com a menina

uma paciência eterna. É ele, mãe.

O homem, aquele homem sem

olhos, ele veio aqui de novo, mãe-

zinha, não deixa ele me pegar, não.

Não tem homem nenhum, filha.

Isso que tu tens às vezes é pesade-

lo. Sonho ruim. É só imaginação.

Não é real. Quer ver? Olha aqui

com a mãe embaixo da cama, ó.

Não tem nada, viu? Só uma meia

suja tua, já falei que aí não é lugar.

Volta a dormir, tá? Vou ficar con-

tigo até pegares no sono de novo,

canta com a mãe: mãezinha do

céu, eu não sei rezar, só sei dizer...

E assim foi até ultrapassar o limite

do suportável.

O pai não podia mais com

aquela novela. Quando a Laura

atravessava a noite dormindo, ele é

quem acordava por qualquer ruído,

sobressaltado, achando que era

mais uma da guria. Os menores

desciam das camas e ficavam ob-

servando o chororô da irmã com

olhos muito arregalados, conster-

nados da situação. A mãe, incan-

sável, curava cada surto da filha

com uma ninada compreensiva,

torcendo para que fosse a última.

Leva no médico, benze, manda

rezar uma missa para a alma do

condenado, dá um cansaço durante

o dia que vai dormir direto e reto.

Os pais ouviam e tentavam todas

as receitas que julgavam não fazer

mal a ninguém. Mas a Laurinha se

repetia, com algumas variações.

Era ele e uma mulher malvada e

descabelada. Ele e uns outros com

machucados nas pernas. Ele e uma

velha corcunda e fedorenta. Mas

ele toda vez. Até que decidiram

acreditar no pediatra: é só uma

fase. Bem típica da infância, isso.

Coisa de criança que precisa divi-

dir atenção dos adultos com outras

crianças. Vai passar. A senhora

siga fazendo do seu jeito, mas não

dê tanto ibope para as cenas. Trate

naturalmente, mude de assunto.

Vai ver como as crises da Laura

vão rarear até sumirem por com-

pleto.

Os pais seguiram exata-

mente as recomendações do profis-

sional. Então, algum tempo depois,

repararam que a filha já não pedia

mais socorro às três da manhã.

Nem às três e quinze, nem às cinco

e meia. Não mais. Todos passaram

a viver o sono dos justos, dos tra-

balhadores, da família amorosa,

dos céticos. Menos a Laura, que

simplesmente entendeu a regra do

jogo. Bastava abrir os olhos, respi-

rar fundo e pensar firme que estava

tudo bem, que ninguém sem carne

e sem osso poderia fazer-lhe mal

dentro ou fora do seu sono. No

início doeu, mas com o tempo ela

se habituou às companhias notur-

nas. Tentou dialogar, entender,

espantar. Em vão. Chegaram ou-

tros, alguns foram embora. O ho-

mem, jamais. O pediatra acertou,

de certa forma. Era só uma fase.

Uma fase na infância, uma na ado-

lescência, uma na maturidade, uma

na velhice. E nas últimas linhas da

vida até que foi bom. Quando a

Laura foi viver no lar de idosos,

levada pelos irmãos, velha e louca

varrida, não estava só, afinal. Ter-

minou os dias entre as flores do

jardim da casa coletiva, cercada de

amigos, tão cega quanto o mais

antigo deles.

HH

*Jornalista, mestre em História da Literatura, doutoranda em Escrita Criativa (PUCRS) e

autora do livro de contos “De solas e asas”. Integra o Coletivo Fita Amarela, colabora

semanalmente com contos ao jornal Diário Popular, uma vez por mês com a revista Sa-

mizdat, e publica o que escreve no blog “De solas e asas.

Claudiomiro Machado Ferreira

e Andréia Pires

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 15 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

BBRRIILLHHOO

Eron d’Inácio

la estava sentada na

poltrona, vestindo

aquele vestido de

cetim preto tão lindo e que lhe caia

tão bem. Os dedos finos agitavam

um cigarro aceso e suas pernas

cruzadas mostravam os sapatos de

couro preto e salto alto. A porta

então se abriu e a figura de um

homem maduro adentrou a sala,

dentro do seu terno escuro.

— Olá, papai – ela disse,

com a voz arrastada.

— Eu sabia que estaria aqui

– ele disse, examinando a figura da

filha.

— Você sempre sabe das

coisas antes, não? Muito esperto...

Ela acompanhou a figura

do pai caminhar em direção a sua

mesa e sentar-se em sua cadeira.

— Você precisa se contro-

lar, Estela – o pai disse, tirando um

charuto de dentro de uma caixa.

— Eu não preciso de nada

– ela disse, levantando-se da pol-

trona e soltando uma baforada de

fumaça em direção ao teto – Apos-

to que você nunca achou que me

veria nessa situação.

Ela atravessou a sala e foi

admirar a figura num espelho de

corpo inteiro que ficava perto da

porta. Aquele vestido lhe caía in-

crivelmente bem e ela estava ele-

gantemente magra. Os cabelos

loiros lhe caíam tão bem pelo lado

dos seis pequenos e os anéis e pul-

seiras que ostentava nas mãos bri-

lhavam enquanto ela agitava aque-

le cigarro aceso.

— Você está tão... – o pai

disse.

— Divina? – ela comple-

tou.

Claro que estava divina.

Seus olhos brilhavam a luz do luar

e os cabelos estavam tão bem pen-

teados e tão sedosos. Ah, como

estava radiante e era tão bom saber

que o pai sofria por vê-la naquela

estado tão... tão... como seria a

palavra?

— Reluzente?

— Reluzente...

— Você tem ideia do que é

se sentir incrivelmente bem, papai?

– ela perguntou, ainda admirando-

se no espelho.

— Faz tempo que não, fi-

lha. A vida tem sido um verdadei-

ro...

— Inferno? – ela comple-

tou, — Você ainda não viu nada. –

e riu.

Estela então jogou o toco

de cigarro no chão do escritório e

puxou o maço de dentro do bolso.

Com a ajuda de um isqueiro, acen-

deu outro cigarro e soprou a fuma-

ça em direção ao teto.

Ela então chegou perto da

janela e, por alguns instantes, ficou

admirando a lua lá fora, livre como

um pássaro. A lua iluminava tudo

e estava tão cheia e tão divina na-

quela noite. Reluzente também,

diria. É... reluzente!

— Você gosta de observar

a lua, papai? – ela indagou – ou

olhar a luz do sol...

— Gosto, filha! E você?

— Você sabe que eu não

tive essa chance. Eles não me dei-

xavam ver a rua!

— E você sabe que não foi

uma escol...

— Aham – ela interrompeu

– agora não importa.

— Como saiu de lá? – o pai

indagou, encarando-a por cima dos

óculos.

— Eles me deixaram sair -

e ela sorriu aquele sorriso fechado

que ela dava quando queria ser

sarcástica – ahh, tem algo que que-

ro te mostrar.

Estela então mexeu na me-

sinha que estava ao seu lado e pu-

xou uma adaga. A adaga que fora

da mãe e que agora lhe pertencia,

como um troféu e uma recompensa

ao tudo que passara nas mãos do

pai. A adaga reluzia em contato

com a luz da lua. Os olhos de Este-

la também...

— É engraçado como, se

uma faca estiver bem afiada, você

pode passar o dedo na lâmina e

nada acontece – ela disse, desli-

zando a ponta do dedo indicador

no fio da lâmina.

— Mas é só você que fincar

que se machuca – ela então cravou

a ponta da adaga na ponta do dedo,

fazendo com que um filete de san-

gue escorresse pelo dedo e pela sua

mão.

— Quer tentar agora, pa-

pai?

Os olhos de Estela brilha-

vam mais agora. A faca na sua

mão levantada brilhava como se

mostrasse todo o brilho da sua vi-

tória. O vestido preto, o cabelo

arrumado e maquiagem perfeita a

acompanhavam naquele que pare-

cia ser seu dia de glória. Estava

reluzente, como nunca estivera.

O pai, do outro lado da me-

sa, tamborilava os dedos sobre o

botão que chamaria os seguranças,

pensando se aquilo valia a pena.

Por cima dos óculos, via a figura

magra de Estela perto da janela,

encarando-o com os olhos fundos e

por trás dos cabelos desgrenhados

e sujos. Um cigarro imaginário

pendia no canto esquerdo da boca

e a mão esquerda segurava o uni-

forme do hospital sujo de terra e

sangue...

Estela então avançou dois

passos à frente.

E a lua brilhava...

EE

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 17 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

AA AAUUSSÊÊNNCCIIAA DDAA AAUUSSÊÊNNCCIIAA

Lídio Lima*

tarde para pensar

como as coisas são ou

com elas deviam ser.

A mente cansada, o corpo ainda

mais; no entanto, ainda há tempo

para sondar meu espírito, esse por

vezes exausto, por vezes perdido,

às vezes quase à beira da morte,

mas agora sereno.

Nascemos sós, morremos

sós, e em pouquíssimos instantes

da vida deixamos de estar sozi-

nhos. A existência humana é tão

solitária que, ou se finge não ser só

- como fazem quase todos - ou se

encara de frente a solidão, aprovei-

tando os poucos momentos em que

ela se vai. Assim faço. O homem

jamais se estende além de si mes-

mo, o corpo é sua prisão, a mente o

simulacro que o contém, por mais

que se abrace, se beije, se agarre,

se entre. Muito raramente não es-

tamos sós, e a solidão é bem maior

entre as multidões. Ninguém tran-

cado em seu quarto, ou em uma

escura e fria cela, sentiu tamanha

solidão quanto um homem em

meio aos “alheios”. Jamais o sozi-

nho se sente tão só quanto quando

entre os muitos.

Dentre os animais o homem

é o mais temeroso. Ele teme e

odeia a tudo que desconhece, in-

clusive outros homens, outras idei-

as e outras visões de mundo. Em

quase todos os casos não compre-

ende que o que ele realmente teme

é a si mesmo ou aquilo que ele

compreende ser “ele mesmo”. Te-

me sua fraqueza, sua ignorância,

sua tacanhez de pensamentos, sua

incapacidade de amar sem vícios

de amores idos, seu temor pelo

novo e sua estupefação diante do

belo e do complexo. Esse é o caso

do “homem médio”, a “besta hu-

mana” se orgulha dessas atitudes.

Duas coisas jamais devíamos te-

mer: a morte e a solidão; ambas

são inexoráveis e inerentes ao ser

humano. De que serve temer o

inevitável? Temê-las é temer a

vida. O homem que as teme é tal

qual um cego que temesse a escu-

ridão.

No entanto, não é sobre so-

lidão que resolvi escrever hoje, ao

contrário, venho escrever sobre os

raros momentos em que ela se au-

senta. Não digo os momentos de

distração em que não a sentimos,

mesmo ela estando ali, mas sim

dos momentos em que ela real-

mente não está presente. No mo-

mento em que os espíritos se to-

cam, neste exato momento, damos

o nome de amizade, e quando eles

se abraçam, chamamos amor...

A cidade escurece vagaro-

samente. Uma loja após a outra vai

se fechando, as pessoas dirigem-se

lentamente às suas casas, suas vi-

das, continuando suas rotinas. Eu

também, como era de se esperar,

sigo minha rotina. Passo após pas-

so, vou em direção ao lugar que

espero que sempre me espere. As-

sim como um animal marinho, que

por vezes depois de muito tempo,

há de emergir para respirar, assim

eu também, imergido na mediocri-

dade, no tédio e na ignorância,

tenho sempre que possível ir lá

para poder respirar.

Chego no início da noite,

fria e úmida, como quase todas por

aqui; entro lentamente e calado. A

primeira sensação que me assalta é

o cheiro dos livros, eles têm aroma

de distância, de onde não estive e

ainda assim me são tão próximos e

tão caros, após isso, vejo as pesso-

as e, por último, ouço suas vozes.

Nessa noite apenas o livrei-

ro e um amigo me esperavam, o

livreiro, dono da loja, com seu

semblante austero que se desman-

cha em sorriso quando os amigos

chegam, corpo robusto, início de

surdez que nos faz nunca saber se

nos ouviu ou não; já nosso amigo

tem sempre um ar perdido entre

pensamentos ou goles, a calva co-

berta por um boné, por vezes dis-

tante, porém sempre alerta. Na

verdade não me aguardavam, mas

estando lá quando cheguei, para

mim é como se me esperassem. Os

livros nas estantes, os bancos junto

ao balcão, as mesas vazias. A loja

é mais longa que larga. Organiza-

ção e entropia se misturam. Quem

vê apenas o que os olhos podem

ver jamais dará o valor devido a

este lugar. Aqui onde repousam

tantos espíritos, os ignorantes só

enxergam livros entre paredes.

Quantos dos que aqui chegam en-

tendem que aqui descansam, nu-

trem-se e divertem-se os raros es-

píritos dos guerreiros que se ne-

gam em morrer? Morrer por uma

causa é fácil, difícil é viver por ela.

Aproximei-me junto ao

balcão, as saudações são feitas, as

mãos apertadas, pedi um cafezi-

nho. Todos nós bebíamos. Eu, era

um pequeno café, sóbrio, naquele

dia estava doce, mas por vezes tão

amargo quanto negro. O livreiro,

era whisky, refinado, porém forte e

com a necessidade de ser bebido

aos poucos. Nosso amigo era vi-

nho, muito incerto, dependendo da

origem pode ser seco e nobre ou

tinto e rústico. Dessa união semi-

etílica forjou-se uma aliança de

espíritos, dois antigos, outro um

pouco mais jovem, num ciclo de

aprende-ensina, apenas interrom-

pido pelo sorver da bebida e pelo

fim da noite que pouco a pouco se

aproximava.

Um homem que entre ami-

gos não se abstrai do mundo, que

não se esquece do “lá fora” nunca

será feliz. Nenhum de nós era um

erudito, eu o menos esclarecido, o

aprendiz, o jovem lobo que vendo

ÉÉ

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 18 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

os mais velhos acuar a presa, por

soberba quem sabe, também se

mete a dar alguns ganidos. Nossa

presa é a Verdade, por mais que

saibamos que jamais vamos comê-

la, sequer abocanhá-la, apenas sen-

tir seu cheiro ou a sensação de sua

presença já nos alegra e inebria.

Oscar Wilde conta em seu

De Profundis que em um dos luga-

res mais singelos onde esteve, com

a comida e bebida mais frugais, foi

onde teve suas melhores idéias,

assim é aqui, lugar simples onde a

mente, o coração e o espírito são

quem se banqueteiam.

Há momentos em que um

homem se sente livre o suficiente

para falar de sua vida, não para

vangloriar-se, não para lamuriar-

se, mas sim porque se acha entre

iguais. Esses momentos beiram o

mágico. Nem mesmo o teor dos

assuntos são de suma importância.

Seja discutindo sobre política,

economia, literatura, cheiros ou o

que quer que seja; o importante é

que discutíamos sobre o ser huma-

no e confiávamos uns nos outros o

suficiente para sermos sinceros, o

suficiente para podermos discordar

sem medo. Quando podemos ser

rústicos sem ser considerados

grosseiros ou delicados sem pare-

cer afetados.

*Repórter e produtor. Escreve no blog Philos Porque Quilo. Coordenador do Grupo do Trivium.

Lídio Lima e Claudiomiro Machado Ferreira

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GGAATTOO EESSCCAALLDDAADDOO

Maurício Pons*

rio que antigamen-

te cortava uma ci-

dade, hoje separa

duas. Um lado da margem se

emancipou do outro, anos atrás.

Contudo, o fato é que aquele rio é

uma dádiva da natureza, um pre-

sente de Deus. No forte do calor,

os campings de Pedro Osório e

Cerrito ficam lotados de barracas,

muitas delas pertencentes a visitan-

tes, famílias de outras cidades que

aproveitam os finais de semana

para passear e se refrescar nas

águas calmas e límpidas do rio

doce. A praia, como muitos a cha-

mam, torna a estação do sol mais

alegre, e seus quarenta graus centí-

grados menos insuportáveis.

Quem poderia imaginar,

sentado em sua cadeira de alumí-

nio, com água correndo pelos tor-

nozelos e lambaris cutucando nos

pés, que aquele fio de rio, algum

dia, invadiu as duas cidades dei-

xando milhares de desabrigados?

Quem apostaria ser possível aquele

arroio, como outros o chamam,

destruir casas, desmanchar ruas e

derrubar pontes, isolando quinze

mil pessoas do resto do Estado?

Ouvi falar de três grandes cheias:

1959, 1983 e 1992. Esta última,

dizem, foi a maior. Eu morava em

Porto Alegre, mas assim que as

águas baixaram eu fui ajudar na

limpeza. A cena era de guerra. As

ruas se transformaram em imensos

varais de roupas; as calçadas, de-

pósitos de móveis, colchões e entu-

lhos; as paredes de todas as casas

eram de uma cor só: lama. Quem

viveu isso na pele conhece bem os

traumas que ficam mesmo depois

que o rio volta ao seu curso nor-

mal. Hoje, dois dias de chuva inin-

terrupta deixam as ruas nervosas,

com pessoas subindo e descendo

para o camping para observar a

evolução das águas, medindo com

pauzinhos e pedrinhas o aumento

do nível do rio.

Contam que, em uma des-

sas ameaças, Hermeto e Inácio,

amigos de pescarias, de causos e

de copo, aproveitando a ausência

das esposas, resolveram assar um

pernil. Era o terceiro dia de chuva,

e como o clima estava para manga

comprida, compraram um garrafão

de vinho. Barriga e cabeça cheias,

deitaram para um cochilo, ambos

dividindo a cama de casal – única

na casa.

— Melhor um de nós ficar

acordado. Se o rio subir vai nos

pegar dormindo – alertou Inácio.

— Que subir que nada –

resmungou Hermeto, – a água ain-

da tá lá embaixo. Durma tranquilo

que, qualquer coisa, eu te chamo.

Dizendo isso, ferrou no so-

no, roncando alto.

Para Inácio não foi tão

simples. As paredes do quarto logo

começaram a rodar feito carrossel.

A cama girava violentamente. Re-

solveu usar o antigo truque de bo-

tar o pé no chão para ver se o quar-

to estabilizava. Assim que o fez,

sentiu o pé mergulhar na água,

molhando até a barra da calça.

— Hermeto! Acorda, ho-

mem, que o rio está passando em-

baixo da cama.

E saiu em disparada porta

afora. Já na rua, nem sinal de água.

Aliás, nem chovia mais e o sol já

dava os ares da graça. Descobriu-

se depois que Inácio tinha enfiado

o pé num penico cheio de xixi.

*Blogueiro, colunista do Diário Popular. http://mauriciopons.blogspot.com.br

OO

Simão Bacamarte, de O Alienista – por Fábio Moon e Gabriel Bá

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PPAASSSSOOSS PPEERRDDIIDDOOSS

Pedro Porciúncula*

stava escuro. Muito

escuro. Patrícia ha-

via se perdido na-

quela floresta. Escuridão total.

Olhava para o céu. Não havia es-

trelas. Não havia Lua. Apenas o

negro, o vazio, a imensidão do

nada. Olhava para frente. Nada.

Olhava para o chão. Nem os pés

enxergava. Sabia que eles estavam

ali, todavia. Sabia disso porque

doíam. Perdera a noção do quanto

andou por lá. Curiosamente não

conseguia lembrar quando se per-

deu, e nem como se perdeu. Re-

cordava de estar ali, perdida. En-

tretanto, não era amnésia. Lembra-

va do seu nome, da sua idade, de

como era quando tinha dez anos,

quatorze anos, dezesseis e dezoito

anos, de suas alegrias, sonhos, de-

sejos... Enfim, tinha plena ciência

de suas memórias.

No entanto, não sabia onde

estava ou para onde ia. Esbarrou

em uma árvore. Levou as mãos ao

rosto, tateando-o para se certificar

de que tudo estava onde deveria

estar. Sentou-se. Continuava com

as mãos no rosto. Começou a cho-

rar. Soluçava a pobre alma. Deses-

pero e exaustão vertiam por aque-

les lindos olhos castanhos, acom-

panhando as lágrimas.

Após um tempo que não

conseguia precisar, acalmou-se. O

choro aliviara um pouco a alma.

Concentrou-se para tentar acostu-

mar os sentidos à escuridão. Per-

cebeu que o lugar era mais maca-

bro do que pensara. Tinha certeza

de que se tratava de uma floresta –

ou bosque –, pois lembrava de

adentrá-la, daquela entrada maca-

bra, onde as árvores formavam

uma espécie de passagem, levando

a um corredor sombrio, que a cada

passo escurecia. Logo em seguida

tentou fazer o caminho inverso,

porém, não encontrou mais a saída.

Tendo essa certeza de que se en-

contrava em uma espécie de bos-

que, não conseguia escutar os sons

da fauna. Na verdade os únicos

sons que conseguia ouvir eram o

do vento agitando as árvores, e os

seus passos. Percebeu, assim que

inspirou com força, que, gradual-

mente, seus sentidos estavam lhe

falhando. O cheiro forte e pene-

trante do capim e da terra, agora

não passavam de leves fragrâncias

sentidas a uma distância conside-

rável. Não sentia mais o contato de

suas mãos em seu rosto. Sua boca,

agora, era como um grande buraco

recheado de nada. Nem a saliva

sentia. Tocou sua língua. Ou, pelo

menos, pensava ter feito isso. Na-

da. Silêncio. Silêncio... Silêncio...

Não lembrava de jamais ter teste-

munhado tamanha ausência de

ruídos, então, gritou a plenos pul-

mões. Ou pelo menos fez os mo-

vimentos... Ou não. Simplesmente

não sabia se havia obtido êxito.

Não sabia mais se estava sentada,

se estava deitada ou de pé. O que

lhe confirmava que ainda existia

era sua capacidade de pensar. Ti-

nha consciência. Tinha medo, pa-

vor, desespero... Lembrou-se no-

vamente de seus sonhos, de seus

desejos... De suas ânsias...

Novamente perdeu a noção

do tempo. Com o que restou de sua

existência, ordenou que suas per-

nas se movessem. Ainda não sabia

se a ação tornou-se concreta ou se

era apenas uma mera abstração de

um sopro de ser. Talvez sim, talvez

não. Não esbarrou em nada, pelo

menos.

Acreditava que andava. Já

sem esperanças, as mágoas, arre-

pendimentos... Tudo o que havia

deixado de fazer, o que fez e ja-

mais queria ter feito, passavam em

sua mente como um filme. Pedia

perdão, mas não obtinha resposta.

Suplicava. Ainda sem resposta.

Inimagináveis e imensurá-

veis momentos depois decidiu que

“tanto fazia”. Havia fugido durante

toda a vida daquilo tudo e, quando

chegou ao ponto de implorar o

perdão divino, ficara sem uma

maldita resposta. Relembrou no-

vamente seus sonhos e seus dese-

jos. Agarrou-se ferrenhamente a

eles. Sentiu que algo mudava den-

tro de si e ao seu redor.

Continuava sem enxergar

nada, mas o som... Os sons, melhor

dizendo, voltavam lentamente.

Sentiu um leve cheiro de terra mo-

lhada. Em seguida, o do capim.

Dormência, O corpo todo estava

dormente agora, formigava.

Passos. Escutou passos. De

todos as direções. Inclusive acima

e abaixo de si.

Ao seu redor, um luz co-

meçou a brilhar. Conseguia enxer-

gar parcamente o que havia a sua

frente. Apenas borrões que, aos

poucos, tornavam-se nítidos. Visu-

alizou uma silhueta a sua frente.

Ela projetava uma sombra enorme

no chão. A imagem dele e de tudo

o que ele representa para si se for-

mava em sua mente. Rápida e sur-

realmente a distância entre ele e

ela aumentou, tornando-o apenas

uma mancha em uma clareira ao

longe.

Patrícia começou a correr.

Corria desesperadamente. Final-

mente achou o caminho. Agora era

um belo dia e, à medida que avan-

çava, a floresta ia ficando para trás,

o céu azul se tornava perceptível

acima da copa das árvores. Todos

os sons da fauna que aquele bos-

que podia conter também passaram

a ser pronunciados, acompanhando

o desesperador ruído do vento e

dos passos.

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 21 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

Via ele ao longe. Por mais

rápido que corresse, a aproximação

era lenta. Beirando a exaustão,

lembrou-se novamente de seus

sonhos e de seus desejos, princi-

palmente do último: o de estar ao

lado dele. Encontrou as energias

necessárias e se pôs novamente a

correr.

— Finalmente! Finalmente

te alcancei! – Disse a garota exaus-

ta ao chegar perto do rapaz. Exaus-

ta e eufórica.

— Que pena que chegasse

só agora... – Ele respondeu.

— Como assim? – Indaga

sem entender o que se passava.

— É que eu preciso subir

aquela colina agora. – E disparou a

toda velocidade.

Patrícia ficou ali. Parada.

Sentindo as pernas tremerem. E

sem olhar para trás, ele a abando-

nou, levando consigo todos os so-

nhos, desejos e memórias.

*Escritor.

Criou blog Anarchy Ink www.anarchyink.blogapot.com.br

Co-coordenador do projeto do livro dos “Poetas de Pijama da FURG”

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PPEERRDDIIDDOOSS NNAA EESSCCUURRIIDDÃÃOO

Robert de Andrade*

le me pegou a mão e

pediu um cigarro,

não usou palavras,

mas fez um bico com os lábios e

inspirou o ar. Busquei o último

cigarro que havia no maço, colo-

quei na sua boca e acendi. Quando

eu tinha onze anos e me pegou

fumando suas guimbas, ele enfiou

a mão no bolso e me deu um maço

de cigarros novinho. Nossa casa

não tinha móveis, nem reboco,

nem cômodos. Dividíamos uma

cama de casal que ficava entre o

fogão e a geladeira. Antes daquela

veia se romper e encher seu cére-

bro de sangue, ele era um homem

ativo e firme. Acordava às cinco

da manhã e se locomovia feito um

gato no escuro para não me acor-

dar. Ele nunca me abraçou, nunca

fez nenhuma demonstração de ca-

rinho, mas sempre me senti seguro.

Uma vez me disse que as histórias

se repetiam e que para entender as

coisas era só observar o que estava

acontecendo, pois o que parecia ser

novo era somente algo que estava

se repetindo num tempo diferente,

em um lugar diferente e com pes-

soas diferentes.

Os cigarros dele tinham fil-

tro vermelho e os meus, branco,

era ele quem escolhia as marcas.

Fumávamos vendo a novela das

oito, depois comíamos o que tinha.

Antes de sair para o trabalho, pre-

parava duas garrafas de café, uma

ele levava para o condomínio onde

trabalhava e outra deixava para

mim. Nos fins de semana ele ven-

dia bilhetes da loteria, vendia sorte

e vivia do azar. Nunca perguntou

como eu estava indo na escola,

nem o que eu queria ser quando

crescesse. Eu queria ser ator de

cinema, como John Wayne. O ci-

nema tem uma tela grande e as

personagens se tornam figuras gi-

gantescas.

Nunca lhe perguntei quem

era minha mãe, as faladeiras do

bairro diziam que foi mulher da

vida. Eu também não sabia porquê

não o chamava de pai, mas ele

cuidava de mim desde sempre e

por isso devia ser meu pai. Ele não

me chamava a atenção e me corri-

gia só com o olhar. Na manhã em

que o sangue derramou dentro da

sua cabeça, eu o encontrei caído ao

lado da cama, sua boca espumava

e os olhos estavam vidrados. O

pessoal da ambulância não me

deixou acompanhá-lo. Na porta de

casa dezenas de vizinhos, aqueles

que jamais nos cumprimentavam,

se juntaram e, equilibrados na pon-

ta dos pés, espichavam os olhos

tentando descobrir o que tinha

acontecido.

Tentei seguir a ambulância

com a minha bicicleta, mas só con-

segui chegar ao hospital meia hora

depois. Os médicos não me deixa-

ram vê-lo. Pela primeira vez disse

para alguém que ele era o meu pai.

Uma mulher me levou para uma

sala e pediu para eu ter calma.

Acendi um cigarro e fiquei obser-

vando os quadros com figuras da

turma da Mônica que enfeitavam

as paredes.

“Quantos anos você tem?”,

ela perguntou me olhando nos

olhos.

“Doze”.

“Seu pai sabe que você fu-

ma?”

“O quê que aconteceu com

ele?”

“Uma veia rompeu no seu

cérebro. Ele teve um derrame ce-

rebral”.

Depois que a cabeça dele se

encheu de sangue, pensei que fosse

ver tudo vermelho. Que iria ouvir

vermelho, pensar vermelho e tudo

passaria a ter cheiro de sangue. Ela

disse que as sequelas seriam ou-

tras, mas era cedo para dizer.

Ela me perguntou se eu

queria ter outra família. Disse que

se eu quisesse, arrumaria uma fa-

mília legal para mim.

“Não quero trocar de famí-

lia, minha mãe tá viajando para a

terra dela, quando ela chegar vai

cuidar de tudo, ela sempre cuida de

tudo.”

“Então a sua mãe vive com

vocês. É porque me foi passado

que eram só você e seu pai”.

“O dia que minha mãe via-

jou, as fofoqueiras lá do bairro

perguntaram para ele onde ela es-

tava indo. Ele falou que ela tinha

ido embora. Mas é mentira, era só

para elas pararem de perguntar.”

No dia seguinte eu pude vê-

lo. Os médicos haviam cortado seu

crânio. Ele não ia falar nunca mais

e um lado do seu corpo ficaria pa-

ralisado para sempre. Fui visitá-lo

todos os dias que ele esteve inter-

nado.

Um dia ele voltou para ca-

sa. Os abutres dos vizinhos foram

todos para a rua vê-lo chegar, mas

depois ninguém veio visitá-lo. Mi-

nha mãe nunca voltou, eu contei a

história para a mulher só para ela

parar de querer me trocar de famí-

lia, embora nas horas difíceis eu

quisesse que uma mãe chegasse de

algum lugar e cuidasse de tudo.

Ele passou a andar arras-

tando o lado esquerdo do corpo,

que ficou parcialmente paralisado.

Mudei a televisão de lugar para

que ele não precisasse se levantar

da cama para assistir. Escrevi os

horários dos remédios e colei na

geladeira para eu me lembrar.

Nunca mais voltei à escola. Ele

não disse nada sobre isso, se bem

que se dissesse alguma coisa, eu

não entenderia. O derrame prova-

velmente aleijou a metade de sua

EE

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 23 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

língua também. Com o tempo, ele

desistiu de tentar falar e calou-se

para sempre. Acho que pressentiu

que a qualquer momento eu lhe

perguntaria sobre quem era minha

mãe.

O tempo consumiu os man-

timentos e o pouco dinheiro que

tinha. Eu juntava as guimbas e

fazia cigarros com as folhas dos

meus cadernos. Ele não conseguia

riscar o fósforo, eu colocava o ci-

garro entre seus dedos e acendia.

Um dia uma mulher bateu

na porta de casa. Ela era alta e bo-

nita. Era como sempre havia ima-

ginado minha mãe. Corri para o

banheiro e penteei o cabelo e pro-

curei, em vão, uma camisa que não

estivesse furada por traças. Ele

tentou se levantar da cama, mas

não teve forças.

“Bom dia. É aqui que mora

o senhor Eustáquio?”

Não consegui responder.

Minhas pernas tremiam feito vara

verde, minha garganta apertou e

meus olhos se encheram de lágri-

mas. Corri e a abracei. Quando

senti seus braços envolverem meu

corpo, o aperto que havia na minha

garganta se verteu em choro.

“Ainda bem que você vol-

tou”, falei soluçando.

“Calma, meu filho”.

Ao ouvi-la me chamar de

filho, senti-me à vontade para lhe

chamar de mãe e foi nessa hora

que ela me disse que estava acon-

tecendo um equívoco. Conquanto

eu soubesse o que significava a

palavra “equívoco”, entendi que

ela não era minha mãe. Parei de

chorar e me recompus, não fiquei

triste, porque eu já era triste, ou

não fiquei mais triste do que eu já

era. Ela aceitou minhas desculpas e

perguntou se podia entrar.

Ela segurou as mãos dele e

tentou um diálogo. Eu disse que

ele não falava mais.

“Mas ouvir ele ouve, não

ouve?”

“Ouve, sim senhora”.

“Pois então Seu Eustáquio,

o senhor não pode continuar fu-

mando, tem que parar com isso.

Nós queremos ajudar o senhor e o

seu menino, mas o senhor também

tem que se ajudar”.

Ela me chamou para perto,

disse que eu estava de parabéns

por cuidar dele e que iria nos aju-

dar. Perguntou minha idade e se eu

estava na escola. Ela contou que

ele trabalhava sem carteira assina-

da e que por isso não teria direito a

pensão. Perguntou também se eu

tinha vontade e disposição para

trabalhar no condomínio que ele

trabalhava. Eu aceitei, mas tive

que voltar para a escola e não po-

deria contar para ninguém que

estava trabalhando. Segundo ela,

era crime trabalhar, mas não en-

tendi muito bem o que ela quis

dizer com isso. Antes de ir embora,

ela deixou uma cesta básica.

Comecei a trabalhar na se-

gunda-feira seguinte. Antes de sair,

ainda no escuro, preparei o café e

deixei alguns cigarros, que havia

guardado para alguma emergência,

sobre a pia. Às cinco e meia eu

devia estar no condomínio. O por-

teiro me ensinou a separar papel,

plástico e vidro do lixo, e distribuir

entre as lixeiras da coleta seletiva.

Na hora do almoço peguei minha

bicicleta, corri para casa e lhe dei

os remédios, ele havia fumado três

cigarros, não sei como conseguiu

acender, mas era bom saber que

tinha conseguido.

A síndica, aquela que pen-

sei que fosse minha mãe, me adi-

antou um mês de salário. Comprei

cigarros e café. E disse para ele

que não precisava se preocupar

com mais nada, que eu iria cuidar

dele como ele tinha cuidado de

mim.

Aprendi a acordar na hora

certa sem precisar de despertador.

Nas pontas dos pés, como um gato,

eu circulava pela casa. No escuro

eu achava tudo, às vezes eu me

divertia preparando o café e arru-

mando as coisas com os olhos fe-

chados. Eu fazia tudo para não

acordá-lo, pois ele me parecia mais

feliz quando estava dormindo.

Com o tempo ele passou a

dormir mais cedo e quando eu

chegava da aula ele já estava na

cama. Parei de assistir televisão à

noite e aprendi a cozinhar no escu-

ro, e a fazer tudo no escuro.

Um dia, ao deitar a seu la-

do, percebi que ele estava frio, a

respiração tinha parado e o coração

também. A síndica cuidou do en-

terro, não havia quase ninguém no

cemitério, mas acho que se pudes-

se escolher não iria querer que

ninguém o visse morto.

Depois que ele morreu, eu

quebrei todas as lâmpadas da casa

e vendi a televisão. Eu só conse-

guia ficar na casa se ela estivesse

escura. A escuridão me fazia sentir

como se ele estivesse deitado na

cama e aceitar que minha mãe não

voltaria. Era melhor a certeza da

penumbra do que a incerteza da

claridade.

Continuei o meu trabalho e

os meus estudos. Numa manhã, eu

separava o lixo quando ouvi o cho-

ro de um neném no meio das cai-

xas de papelão. Ele estava dentro

de uma caixa de liquidificador.

Não contei para ninguém, o levei

para casa na hora do almoço e lhe

dei leite com uma colher de sopa.

Eu iria cuidar dele até ele crescer e

poder cuidar de mim. E eu nunca

mais iria tentar saber quem era

minha mãe.

*Cursou Comunicação Social com ênfase em Produção editorial.

Publicou contos e resenhas literárias em diversas antologias, sites e revistas.

Publicou o romance OFF em Lisboa Portugal, pela Chiado Editora.

Page 24: Revista Literária Silêncio - nº 01

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MMOONNUUMMEENNTTOO AAOO HHOOMMEEMM VVIIVVOO

Rody Cáceres*

odas as gavetas es-

tavam abertas. E

vazias. As lápides

caídas, os mausoléus arrombados,

a cidade em ruínas. Durante toda a

madrugada caminhou só, sem sons

de pássaros, ou carros. Nenhuma

perturbação. A paz estéril de um

mundo terminado.

Tinha uma pá deitada no

ombro, do tempo de coveiro, ainda

enlodada de sua última escavação.

Carregava a pá apenas para ter

com quem conversar. Ela não res-

pondia, ele também não esperava

uma resposta, acostumara-se a não

receber atenção das pessoas, pouco

esperava dos objetos. Mas não era

de todo ruim. A solidão tinha seus

benefícios: ninguém reprovaria

seus modos grosseiros, sua língua

torpe, seu gosto pelo regar das

árvores, sua flatulência volumosa e

seu hálito de pinga. E pinga sobra-

va. O estômago ardia de tanto ál-

cool: Omeprazol gratuito em todas

as farmácias!

Numa de suas bebedeiras,

acordou em um lugar novo, apa-

rentemente distante de onde esta-

va. A pinga e a pá desaparecidas,

as paredes do estômago derretidas

e não havia farmácia por perto. Na

sua frente, um obelisco de mais de

cinco metros de altura reluzia a luz

solar que quase lhe cegava. O bri-

lho vinha de uma placa de metal,

onde uma epígrafe, um nome e

uma data aturdiam os pensamentos

do errante. Aproximou-se e leu:

MONUMENTO ERGUIDO EM

HOMENAGEM AO ÚLTIMO

HOMEM DA TERRA, CONDE-

NADO A VIVER EM PAZ. A

data era a do seu aniversário, so-

mente o dia e o mês. Rodeou o

obelisco em busca de um sinal.

Gritava, ninguém respondia. Caiu

sobre os joelhos, deu com os pu-

nhos no chão e chorou. Chorou

como criança desesperada. Exaus-

to, não se aguentava sobre as per-

nas. Sentou na areia fofa e trouxe

os joelhos ao peito. Repousou o

queixo no cume da rótula. Não era

a pá que lhe sofria, muito menos a

pinga ou o estômago em final de

temporada. Não temia a solidão,

doce companheira de passeios pe-

las madrugadas. Não temia a mor-

te, sabia que não morreria. O in-

ferno do último homem, e de todos

os anteriores, era não saber quem o

havia mencionado.

Em tempos, a paz se trans-

mutou em um martírio interminá-

vel...

TT

*Escritor.

Publicou: Para onde foram os heróis?

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DDEE CCOORRPPOO PPRREESSEENNTTEE

Edinho da barca

No tempo

Em que Luiz Eurico desapareceu

Eu andava descalço na lua

Catando pedaços de poesia em meu coração,

Atravessava depressa a rua,

Mais um porta-estandarte na contramão;

Estranhava tua face, branca e nua,

Espantar-se com uma nova invenção.

No ano

Em que Luiz Eurico desapareceu

Uma granada explodiu em Berlim

Espalhando estilhaços de vela acesa,

A fome defendida em latim,

A fé traduzida num resto de pão sobre a mesa;

O mundo corre assim-assim

Pra não afugentar a sua presa.

No dia

Em que Luiz Eurico desapareceu

Não houve velório, discurso ou funeral,

Apenas uma dor que consome e alucina,

Não foi notícia em revista semanal,

Afinal cada um carrega a sua sina

Encantando a morte com a leveza habitual,

Arrepiando a pele com carícia clandestina.

De corpo presente

Um velho idioma, uma rara linguagem;

Se o corpo pressente

Ninguém doma, ele flutua: vira miragem.

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 28 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

VVEERRSSOOSS BBRRAANNDDOOSS

Jorge Pinho

Quero um instrumento

Desses que se assovia tipo flauta

Para tocar uma música nostálgica

Que me transporte ao “Um”,

O momento inicial.

E não me importa se a estrada

É de terra

Em meio a lavoura de trigo

E o trigo moído vire pão

Feito a mão

Nas mãos do padeiro.

Quero voltar ao início de tudo.

Quando os pais alimentavam

E amavam seus filhos,

Os homens protegiam seus lares,

As mulheres respeitavam seus corpos...

Escuta...

Escuta a chuva caindo...

Escuta o vento...

Ah! Eu não faço parte desta guerra,

Eu não sou soldado...

E Deus ?

Deus com isso!

—Te vira, meu filho!

Vocês criaram a modernidade,

O carro, a televisão, telefone,

Computador,

A Ferrari, o marketing,

A internet, o celular,

Tornaram-se escravos do poder que não tinham

E prisioneiros de vocês mesmo.

Eu quero voltar ao “Um”,

Ao primeiro momento inicial,

Onde os dias eram longos

E à noite

Dormia-se o sono dos justos.

Os amigos, ah! Os amigos

Eram como uvas, em cacho,

Sem sal,

Sem adubo,

Sem germicida,

Pesticida,

Se espremidos, eram sucos,

Se envelhecidos, eram vinhos,

Se vinagrados, conservavam

Os pimentões,

As azeitonas,

Cebolas...

Temperavam a carne e

O alimento dos amigos,

Dos amigos...

Escuta!

Eu não faço parte desta guerra,

Onde o “não”

Atinge só os fracos.

Os que estão no abismo

São os mais cruéis.

Esquecem os abandonados,

Marginalizam os esquecidos...

Pois que eu esqueça!...

Beijo virtual.

Abraços

Amores

Sexo

Tudo virtual

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 29 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

E as criancinhas, Edson?

Ração

Ração

Ração

De carne,

Com legumes

Cereais

Vitaminas

Cama, banho, tosa,

Hotel, academia e os Cambal.

Vida animal!

E as criancinhas, Edson?

Porque não fizeste nada

Com que fizeram com as criancinhas?

Certo!

Nada! Nada!

Só falasse, afinal

Esta guerra não é tua.

Não é minha também, não é?

Deve ser de outro qualquer,

É de ninguém...

Escuta...

Escuta a chuva caindo...

Sente o cheiro de café

Nesta manhã sombria.

Posso ouvir os gritos dos loucos

Soltos na rua,

Posso ouvir o silêncio

Dos livres, condenados a clausura.

(Panorama sócio-econômico, cultural, filosófico)

Da pedra do reino

Ou reino da pedra

Do crack...

Do Crack...

Eu quero voltar

Tudo do início.

Sentir o perfume do jasmim,

Sentir o sabor do mel,

Ver as cores da flor do maracujá.

Sentir na pele o pó

Que da areia levanta.

Sabe?

Quero colocar meu destino num brechó...

Não! Mundo de trapos e pulgas,

Não!

Vou colocar num bric a brac

Para que fique cheirando a mofo

E empoeirado

Num canto qualquer.

Eis aí, minha alma!

Alma maldita!

No covercash escondida!

E não me deixa voltar

Ao momento inicial

E começar do “Um”

Tudo de novo!

Recomeçar!

Recomeçar!

MALDITA !

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 30 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

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OO PPOOSSSSÍÍVVEELL NNÃÃOO AALLCCAANNÇÇAADDOO

José Paulo Nobre (Inspirado numa frase de Robert Mallet, escritor francês)

É dor aguda carregar o sonho protelado,

acalentá-lo com essas liras do imedível...

carregá-lo tal qual o lado mais sensível

que há do lado de lá do nosso outro mundo...

É dor voraz percebê-lo, bem tangível,

mesmo na medida em que, ao ser sonhado,

deixe em nós apenas o esperar ionizado

que agoniza sem ir além de ser possível...

Ah, compreensão devastadora, terrível,

que não recupera meu sonho despedaçado

e nem concede razão ou fala ao indizível...

Constatação que só me faz inconformado:

o que mais desespera, não é o impossível,

porém, o possível que não foi alcançado...

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 32 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

RRUUMMOOSS

Lúcia Castillo

Que posso dizer da vida,

se esta vida me é incerta?

Se ando por todos os cantos

e em cada canto me desencanto?

Se encontro com um poeta

e ele diz que não estou certa?

Digo apenas que são rumos

que um dia me guiarão,

para a paz infinita

que encontro numa canção.

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 33 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

AA EESSTTRREELLAA DDAALLVVAA EE OO PPEEÃÃOO

Luiz Carlos Molina

O moço novo, campeiro

Sonhava com a Estrela Dalva,

A mais linda flor do pago,

Cheiro de rosa e orvalho

Que alma lhe acalentava.

A noite o moço mirava

O céu bordado de estrelas

E assobiava, cantava,

Apreciando o universo,

Pensando que o longe é perto,

Brincando de namorar.

Imaginava os detalhes

Do corpo, da formosura,

D’aquela bela figura,

De menina, de mulher

Que fazia nos seus sonhos

O pensamento trotear.

Era meados de setembro,

A pampa toda no cio,

A moça pra ele sorriu,

No confirmar da intenção,

E o peão se sentiu patrão

Nas asas do coração.

Se vestiu de joão-de-barro,

Pra o rancho levantar,

Pois tinha em sua consciência

Que aquele rincão da querência

Seria o palco perfeito

Pra Estrela Dalva brilhar

Do imaginário ao real,

De amor cheirando a mato,

Da vida que se costura

Que nem um pano de renda

No meu Rio Grande o altar.

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 34 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

MMOORRDDAAÇÇAA

Quintian

Tira esta mordaça,

Abre a tua boca,

Arranca do peito

O teu grito mais rouco

E lança sobre o Mundo

Um pensamento louco.

Arranca esta mordaça,

Usa a tua voz,

Abre o teu peito,

Ergue os teus braços

E canta,

Canta uma canção de amor.

Saca esta mordaça,

Pega um punhal bem afiado,

Corta, finas, sete tiras,

Trança uma corda grossa

E arranca, pelo pé, toda desgraça.

Mordaça!

Instrumento hediondo

– Maltrata –

Não corta,

Não perfura,

Não contunde,

Mas produz um veneno

Que confunde

E um silêncio

Que mata!

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 35 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

DDIISSTTRRAAÍÍDDAA

Márcia Gomes

Meus pensamentos viajam.

Não faço mais nada.

Me pego distraída pensando em você.

Me vejo amarrada em pensamentos

presa ao relento.

Distraída deslizo em pedra de gelo.

Estou fervendo, derretendo, distraída.

Quero um gesto inocente,

mas distraída me pego indecente.

Escorre um desejo

imploro pelo teu corpo junto ao meu...

Te quero por inteiro.

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 36 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

QQUUAANNDDOO NNOOSS AAPPAAIIXXOONNAAMMOOSS

Lutiene Souza

Quando nos apaixonamos

Tudo parece um sonho

Sem querer nos iludimos

E ficamos fazendo planos

Para o futuro ao lado

de quem amamos

Quando nos apaixonamos

Tudo parece ser mágico

Um pequeno gesto, uma palavra,

Um simples “oi”, um elogio,

Ou até mesmo um olhar

Quando nos apaixonamos

Tudo parece tão perfeito

Não enxergamos maldade no outro

Anulamos todos os defeitos da pessoa amada

Pois, afinal, quem amamos

É muito perfeito a nossos olhos

Quando nos apaixonamos

Tudo parece ser eterno

Pois amar alguém faz bem

Acreditamos cegamente em quem amamos

E quando a ilusão acaba

Enxergamos o quanto vale o amor

E que decepção machuca

Mas é inevitável

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 37 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

MMIINNHHAA EESSCCOOLLAA

Caroline Sigalles Ferreira

Chego na escola

Encontro meus amigos,

Converso com eles,

Surgem muitos sorrisos.

Até que enfim!

Bateu o sinal

Entro para a sala de aula,

Uma falação para tudo quanto é lado!

Quase não dá

Para ter um aprendizado.

Logo, logo,

A professora já vem,

Falando com gritaria

Ninguém aprenderia.

Então, tudo se acalma

E vamos logo aprender

E até guardar na memória

Novas formas de escrever.

Mas, agora tenho uma notícia boa para dizer

Hoje tem aniversário

Da minha escola,

Com prazer!

Ela faz 76 anos

Tudo isso se passou

Estudando aqui,

Muita gente se formou!

Parabéns pra você!

Minha escola querida

Que a muitos anos,

É minha amiga!

Nas férias,

Tenho muita saudade,

Da minha escola querida,

Que me traz tanta felicidade!

Um dia,

Claro que vou me formar,

Mas da minha escola

Sempre vou lembrar! Aluna da 5ª série da Escola Sagrado Coração de Jesus/Pedro Osório-RS – 2012

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 38 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

AAMMOORR TTRRAANNSSCCEENNDDEE OO TTEEMMPPOO

Marcos Costa Filho

Célere, o tempo muda usos e costumes.

No momento são comuns os “ficares”.

Sabe-se lá o que pensar destes lumes,

se deste modo também há os “amares”?

E o amor que vezes brota com perfumes,

num curto tempo, mas perfumando ares,

até se firma não guardando queixumes,

e de repente, enlaça na vida jovens pares.

Amor antigo com respaldo no passado,

acha estranho, diferente o amor nascente,

dos tempos recentes, parece complicado.

Pensando bem, o que rola nesta corrente,

aflorando imediato fogo do ser apaixonado,

assemelha-se à brasa outrora adolescente.

Marcos Costa Filho e Claudiomiro Machado Ferreira na 38ª Feira do Livro do Cassino/RS

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 39 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

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PPOORR QQUUEE AA RREEVVIISSTTAA BBRRAAVVOO!! AACCAA--

BBOOUU??

Armando Antenore

Abril S.A. divul-

gou hoje o fim da

revista BRAVO!

em todas as plataformas. A publi-

cação – uma das únicas no País

dedicada exclusivamente às artes,

onde trabalhei entre agosto de

2005 e julho de 2013, como editor-

sênior e redator-chefe – nasceu em

outubro de 1997. Estava, portanto,

à beira de completar 16 anos. Foi

criada numa pequena editora de

São Paulo, a D’Ávila, já extinta, e

migrou para o grupo Abril em ja-

neiro de 2004. Quando chegou à

seara dos Civita, desfrutava de

prestígio, mas padecia de má saúde

financeira. Não sei dizer quanto

dava de prejuízo à época. Só sei

que, na Abril, o quadro não se alte-

rou substancialmente, mesmo

quando o título adotou linha edito-

rial um pouco mais pop, um pouco

menos “cabeça” que a de origem.

Com todos os defeitos que

pudesse ter – e que realmente ti-

nha, à semelhança de qualquer

publicação –, BRAVO! não perdeu

o respeito do meio cultural. Havia

divergências de vários artistas e

intelectuais em relação à revista.

Os próprios jornalistas que passa-

ram pela redação nem sempre con-

cordavam 100% com a filosofia do

título, ditada obviamente pelos

donos. Uns o acusavam de conser-

vador, outros de elitista, superficial

ou condescendente demais. Mas

havia também muita gente boa que

gostava de nossas edições. O fato é

que mesmo os opositores jamais

recusaram sair nas páginas de

BRAVO!. Quem trabalhava para a

publicação raramente ouvia um

“não” quando fazia pedidos de

entrevista. Até Chico Buarque,

famoso por se expor pouquíssimo

na mídia, topou protagonizar uma

capa junto de Caetano Veloso

(deixou-se fotografar, mas não

abriu a boca, convém lembrar).

Todos, de um modo geral, reco-

nheciam que a publicação buscava

primar pela seriedade.

Mesmo assim, em termos

comerciais, BRAVO! nunca gerou

lucro – ao menos, não na Abril

(como disse, desconheço os núme-

ros da D’Ávila). A revista, embora

contasse com o apoio da Lei

Rouanet, operava no vermelho. Em

bom português, dava prejuízo – ora

de mihões, ora de milhares de re-

ais. Por quê? Vejamos:

1) BRAVO! dispunha de

poucos leitores? Sim e não. A re-

vista contava com cerca de 20 mil

assinantes e 8 mil compradores em

bancas e supermercados. Vinte e

oito mil pessoas, portanto, adquiri-

am a publicação mensalmente. Se

levarmos em conta os parâmetros

do mercado publicitário, cada

exemplar tinha, em média, quatro

leitores. Ou seja: uma edição atin-

gia algo como 112 mil pessoas. No

Facebook, a publicação contava

com 53.600 seguidores e, no Goo-

gle +, com 30.900. Eram índices

desprezíveis? Depende. Em com-

paração com revistas de massa, a

maioria editada pela própria Abril,

os números de BRAVO! nem che-

gavam a fazer cócegas. Mas, con-

siderando que o título se voltava

para um nicho relativamente restri-

to, o da cultura mais sofisticada, as

cifras não parecem tão ruins. Em

geral, BRAVO! falava sobre mani-

festações artísticas que, embora se

destacassem pela qualidade, não

atraíam público quantitativamente

significativo. A revista dedicava

quatro, seis, oito páginas para fil-

mes como Tabu, do português Mi-

guel Gomes, exposições como a

retrospectiva de Waldemar Cordei-

ro no Itaú Cultural, livros como O

Erotismo, de Georges Bataille,

peças como A Dama do Mar, de

Bob Wilson, e espetáculos de dan-

ça como Claraboia, de Morena

Nascimento. Procure saber quantas

pessoas viram tais filmes, mostras

e espetáculos ou leram tais livros.

Cinco mil, 10 mil, 20 mil? Como

BRAVO! poderia ter zilhões de

leitores se o universo que retratava

não tem zilhões de consumidores?

A publicação, por sua natureza,

enfrentava o mesmo problema que

amargam todos os artistas do País

dispostos a correr na contramão

dos blockbusters.

2) BRAVO! perdeu leitores

em papel com o avanço das mídias

digitais? Perdeu, seguindo uma

tendência internacional. A perda,

no entanto, não se revelou tão ex-

pressiva e ocorreu num ritmo me-

nor que o de muitos títulos.

3) Era mais caro imprimir a

BRAVO! do que outras revistas?

Sim, bem mais caro, por causa de

seu formato e de seu papel, ambos

incomuns no mercado.

4) BRAVO! tinha poucos

anúncios? Sim. Raramente, a pu-

blicação cumpria as metas da Abril

nesse quesito. O motivo? Falhas

internas à parte, os grandes anun-

ciantes costumam demonstrar pe-

queno interesse por títulos dedica-

dos à “alta cultura”. “O leitor de

revistas do gênero, sendo mais

crítico, tende a frear os impulsos

consumistas”, explicam os publici-

tários, nem sempre com essas pa-

lavras. Pela mesma razão, tantos

cantores, artistas visuais, produto-

res de teatro e bailarinos encon-

AA

Page 41: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 41 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

tram sérias dificuldades para captar

patrocínio.

A soma de tais fatores tor-

nava BRAVO! deficitária. Ao lon-

go dos anos, tentaram-se diversas

medidas para estancar o sangra-

mento. O número de páginas da

revista diminuiu de 114 para 98; as

datas em que a publicação rodava

na gráfica da Abril se alteraram

algumas vezes com o intuito de

reduzir os custos de impressão (é

mais barato imprimir em certos

dias do mês que em outros); a re-

dação encolheu; os projetos gráfico

e editorial sofreram ajustes; cria-

ram-se ações de marketing pontu-

ais na esperança de aumentar a

receita publicitária. Cogitou-se,

inclusive,

mudar o papel e o formato de

BRAVO!. O publisher Roberto

Civita (1936-2013), porém, sempre

vetou a alteração. Acreditava que

fazê-la descaracterizaria em exces-

so a revista.

A Abril poderia ter insisti-

do um pouco mais? Pecou por não

descobrir jeitos inovadores de sus-

tentar a publicação? É difícil res-

ponder – em especial, a segunda

pergunta. A crise está instalada na

imprensa de todo o mundo. Gregos

e troianos dizem que a mídia tradi-

cional precisa se reinventar. Eu

também digo. Mas qual o caminho

das pedras? Não sei. No máximo,

posso arriscar uns palpites.

E seguir investigando, e seguir

apostando. O mesmo vale para os

empresários da comunicação.

Gostaria que a edição de

agosto não fosse a última de

BRAVO!. Entristeço-me com o

fim da publicação porque aprecio

muitíssimo a arte. Filmes, livros,

peças, músicas, instalações, pintu-

ras, balés e quadrinhos me ensina-

ram mais sobre viver do que a pró-

pria vivência. No entanto, não

bancarei o viúvo rancoroso. Não

lamentarei a baixa escolaridade do

brasileiro, o pragmatismo dos pu-

blicitários e dos patrões, o advento

da revolução digital. Tampouco

abdicarei de minhas res-

ponsabilidades frente aos

erros e acertos da revista.

Fiz e ainda faço parte do

complexo jogo em que a

mídia se insere. Procuro

encará-lo com amor,

senso crítico e serenida-

de. Nem sempre consi-

go, mas…

De resto, queria

agradecer tanto à Abril

quanto a todos os leito-

res e profissionais (ar-

tistas, editores, repór-

teres, críticos, ensaís-

tas, revisores, desig-

ners, ilustradores,

fotógrafos, assessores

de imprensa, execu-

tivos, vendedores,

secretárias, motoris-

tas e motoboys) que

tornaram possível

tão longa e ines-

quecível jornada.

Page 42: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 42 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

PPAARRAA SSAALLTTAARR AAOOSS OOLLHHOOSS

Claudiomiro Machado Ferreira

a Idade da Pedra as

cavernas não eram

somente um local

de abrigo das intempéries e das

feras. Com o tempo apareceu quem

defenda que as figuras esculpidas

ou pintadas nas paredes são orien-

tações, como manuais de caça,

apesar de não haver consenso entre

os especialistas. Ao longo do de-

senvolvimento da escrita chega-

mos aos pergaminhos. Estes foram

guardados em rolos, dos quais

muitos se perderam e outros per-

maneceram vivos, sendo achados,

entre outros lugares, no Mar Mor-

to. Já na Idade Média, como era

demorado escrever um, os livros

eram caríssimos, um verdadeiro

artigo de luxo, e em universidades

chegaram a ser amarrados ou acor-

rentados para que não fossem dani-

ficados ou roubados. Uma das

grandes viradas na história do livro

aconteceu com Johannes Guten-

berg (1398-1468) e sua adaptação

da prensa que servia para produzir

vinhos, criando a prensa tipográfi-

ca. Isso permitiu a popularização

desse objeto tão cultuado por al-

gumas pessoas.

Mas para muitos os livros

não são objetos sagrados, que pre-

cisam de um altar ou de um ritual a

cada vez que são pegos para serem

lidos. Há pessoas que se envolvem

tremendamente com o conteúdo do

livro a ponto de marcar, riscar e até

despencar capas e páginas, para o

desespero de muitos bibliotecários.

Afinal, quem já não se apegou

tanto a um livro a ponto de sentir

saudades de certas personagens

depois de uma leitura? Quem não

dialogou, torceu ou odiou algumas

delas? Quem já não se imaginou

em alguma história que estava len-

do? O professor Francisco Valdo-

miro Lorenz (1872-1957) ficou tão

envolvido quando leu Zanoni

(1842/1930), de Edward Bulwer

Lytton (1803-1873), que se aven-

turou a escrever uma continuação.

Escreveu no seu prefácio que ao

concluir a tradução, uma extensa

melancolia apoderou-se dele. As

respostas às suas perguntas, num

instante de tranquila concentração

da sua mente, apresentaram-se aos

seus olhos espirituais em quadros e

visões. Nestes, ele reconheceu a

solução para os problemas que

havia analisado. O Filho de Zanoni

(1931), felizmente, é um livro tão

bom quanto a obra original.

Intervenções espirituais e

divinas à parte, como disse Tho-

mas Edison (1847-1931), muita

gente deve ter precisado transpirar

99% enquanto procurava a solução

para os seus trabalhos. Ou pelo

menos sacrificou muitas noites de

sono, e talvez litros de café, álcool

ou pacotes de tabaco. A propósito,

para muitos, estas são excelentes

companhias quando se escreve em

noites solitárias. Pelo menos essa é

a primeira imagem que se tem de

NN

Page 43: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 43 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

Charles Bukowski (1920-1994) em

frente da sua máquina de escrever.

Mesmo assim, quando se

pensa no esforço que é preciso

empreender para escrever algo,

somos obrigados a concluir que

valeu à pena, principalmente

quando assistimos a filmes como

O Nome da Rosa (The Name of

the Rose, 1986), baseado no livro

homônimo de Umberto Eco (1932-

). O amor e empenho do frade

franciscano Guilherme de Basker-

ville em salvar uns poucos origi-

nais, de toda uma imensa bibliote-

ca de livros raros guardados na

torre que incendiou, demonstra

esse apego quase filial que perpas-

sa os séculos, mesmo hoje em dia

sendo mais fácil adquirir novos

exemplares do mesmo título. Outro

apego surpreendente aos livros

apresenta a personagem Nina, do

desenho animado A Menina que

Odiava Livros (The Girl Who Ha-

ted Books, 2006), adaptado da obra

da indiana Manjusha Pawagi

(1967- ). Depois que as persona-

gens saem dos livros, quando o

gato Max derruba uma pilha deles,

a única forma de voltarem é quan-

do ela lê o livro de cada um deles.

Assim ela se reconcilia com a lite-

ratura e com seus pais, que aparen-

temente amam mais os livros do

que à própria filha.

Não é só na literatura e nos

desenhos animados que as perso-

nagens deixam suas histórias. No

cinema, cada vez que Robin Willi-

ams (1951- ) joga uma etapa do

Jumanji (Jumanji, 1995), um mis-

terioso jogo de tabuleiro, uma par-

te da selva representada toma con-

ta da realidade. Depois de entrar

(literalmente) no jogo, passam-se

décadas até que duas crianças o

jogam de volta para o mundo real.

Assim eles concluem o jogo e tudo

volta ao normal. Tudo isso envolto

em muita aventura de qualidade

que proporciona bom humor.

Essa interação livro-

personagem/ficção-realidade não

fica só aí. No filme O Último Por-

tal (The Ninth Gate, 1999), o espe-

cialista em livros raros interpretado

por Johnny Depp (1963- ) recupera

todas as ilustrações espalhadas ao

longo de alguns exemplares do

livro intitulado Os Nove Portais do

Reino. Depois de concluída a sua

tarefa, e ajudado, não se sabe ao

certo se por um anjo ou demônio,

ele adentra o Nono Portal. Ponto

para Roman Polanski (1933- ), que

dirigiu o filme, para o autor espa-

nhol Arturo Pérez-Reverte (1951-),

que escreveu o livro original intitu-

lado El Club Dumas (1993), e para

os roteiristas, que o adaptaram.

Outros filmes como Cora-

ção de Tinta (Inkheart, 2008), com

Brendan Fraser (1968- ), Um Faz

de Conta que Acontece (Bedtime

Stories, 2008), com Adam Sandler

(1966- ), e Pagemaster - O Mestre

da Fantasia (Pagemaster, 1994),

com Macaulay Culkin (1980- ) e

Christopher Lloyd (1938- ), abor-

dam situações onde a ficção da

história invade a realidade das per-

sonagens, com aventura e humor.

Porém, quem quiser assistir um

filme mais sério pode apostar no

clássico Fahrenheit 451 (Fahre-

nheit 451, 1966), dirigido por

François Truffaut (1932-1984).

Page 44: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 44 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

Baseado na obra de Ray Bradbury

(1920-2012), num futuro assusta-

dor pelo controle que as pessoas

sofrem, ironicamente a tarefa dos

bombeiros é procurar e queimar

livros. A solução encontrada é de-

corar obras inteiras, fazendo com

que certas pessoas virem verdadei-

ros livros ambulantes. O embrião

da história foi o conto Bright Pho-

enix, iniciado em 1947 e publicado

em 1963. O conto foi reformulado

e transformado na novela The

Fireman, que foi publicada em

1951. Em sua estrutura mais co-

nhecida, Fahrenheit 451 foi publi-

cado em 1953.

Alguns acreditam que

Bradbury tentou mudar o futuro

alertando o que poderia vir a acon-

tecer. Algo parecido como teria

feito George Orwell (1903-1950)

quando escreveu 1984 (Nineteen

Eighty-Four, 1949). Muito diferen-

te destas é a atitude da personagem

de um dos episódios da série Além

da Imaginação (The Twilight Zone,

1980), que tenta mudar apenas a

sua vida. Uma bibliotecária desco-

bre que cada livro da biblioteca

onde trabalha é a vida de uma pes-

soa. Para poder escrever um ro-

mance ela encontra o seu livro e

tenta, a todo custo, modificar as

condições que a impedem de reali-

zar seu intento. Como cada altera-

ção que ela faz reflete na vida de

outras pessoas, à certa altura é ne-

cessária, novamente, uma interfe-

rência angelical para arrumar a

confusão gerada.

O certo é que nos dias de

hoje, em tempos de internet, de

manchetes de jornais e de revistas,

as leituras estão cada vez mais

rasas. Então, torna-se um excelente

exercício mergulhar na história, de

um livro ou de um filme adaptado,

como os citados aqui, e permitir

que ela salte das páginas onde fo-

ram escritas. Assim, permitiríamos

que o livro cumpra o seu objetivo,

simplesmente ser lido, ao invés de

ser adorado, cultuado e guardado.

Este, na verdade, é o desejo mais

ardente e secreto dos livros: que

aproveitemos a sua leitura.

Page 45: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 45 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

Page 46: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 46 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

Giselda Leirner nasceu em São Paulo. Artista plástica e escritora, participou de vá-

rias mostras individuais e coletivas, no Brasil e no exterior. É bacharel em Filosofia

pela Universidade de São Paulo, com pós-graduação em Filosofia da Religião. Pu-

blicou A Filha de Kafka (contos, Massao Ono, 1999 e Gallimard, 2005), Nas Águas

do Mesmo Rio (romance, Ateliê, 2005), O Nono Mês (Ed. Perspectiva, 2008).

Page 47: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 47 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

LLAABBOORRAATTÓÓRRIIOO DDEE EESSTTÍÍMMUULLOO ÀÀ

CCRRIIAATTIIVVIIDDAADDEE –– BBIIBBLLIIOOTTEERRAAPPIIAA

Giselda Leirner Fonte: Leitura, n.º 32, ano 32, Paulus, 2007.

heguei à bibliotera-

pia por meio de uma

experiência que tive

com jovens adolescentes, ginasiais

da periferia da cidade de São Pau-

lo. Naquela época eu não sabia da

existência de algo como cura pela

leitura. Nas aulas, empiricamente,

fui criando uma teoria, com resul-

tados surpreendentes.

Os jovens alunos se interes-

savam não só pela leitura dos tex-

tos em voz alta, como pela troca de

ideias que surgiam. Eu lhes permi-

tia interromper a leitura quando

quisessem, nem que fosse para

falar de algo que aparentemente

nem sempre tinha relação imediata

com a página ou o parágrafo lido.

Lembranças, associações,

comparações feitas com outras

leituras. Às vezes, surgiam revela-

ções pessoais, tais como o relato

de experiências vividas em suas

casas ou de problemas que aflora-

vam conforme surgiam em suas

mentes. Entusiasmados, passaram

a trazer poemas, contos, anotações

em páginas de diários elaborados

fora do horário de aula.

Quando fui obrigada a me

afastar, criei uma atividade equiva-

lente com um grupo de adultos

composto de psicanalistas, profes-

sores, teólogos. O resultado foi

igualmente rico em descobertas e

foram adicionadas as contribuições

de cada um para a interpretação do

livro lido em classe, o que não só

enriqueceu o conteúdo descoberto

na leitura, como ampliou a análise

sobre o tema escolhido. Foram

trabalhados textos de Faulkner e

Henry James.

Acreditando na ocorrência

do que Jung chamou de “sincroni-

cidade”, de que as coisas vão acon-

tecendo por alguma razão que a

própria razão desconhece, caiu em

minhas mãos o texto de um filóso-

fo contemporâneo francês, intitu-

lado Bibliotherapie. Investigando

sobre o assunto, pude verificar que

a palavra, mesmo desconhecida

nos dicionários franceses, não era

nova, e o método, muito semelhan-

te ao desenvolvido por mim, estava

sendo usado não só na França,

como na Alemanha e Estados Uni-

dos.

A “Biblioterapia” é com-

posta de dois termos de origem

grega e , livro e

terapia. Assim, a “biblioterapia” é

a cura pela leitura. Esta definição,

que parece simples, implica em um

conjunto de questões complexas,

tais como: “O que é um livro?”;

“O que é a leitura?”; “O que é uma

doença e que sentido dar à palavra

terapia?”; e “Será somente a cu-

ra?”.

Venho, cada vez mais, en-

riquecendo o meu trabalho, agora

busco criar diálogos entre As mil e

uma noites e Heráclito, entre Dom

Quixote e a Cabala, entre os contos

de Grimm e os do Rabino Nahman

de Braslav, entre Kafka e o Tal-

mud, entre Proust e Aristóteles,

Joyce e Ricoeur, Lévinas e o baal

Chem Tov, Freud e Philon de Ale-

xandria... Como se vê, com tal

conteúdo, não se trata de uma tera-

pia no sentido comum, pois esta-

mos lidando com textos literários e

desenvolvendo conhecimentos a

respeito dos livros analisados, en-

contrando significações que pre-

tendem nos trazer novas perspecti-

vas sobre o mundo e nós mesmos.

E esse caminho em direção ao au-

toconhecimento resgata o sentido

original de terapia: os primeiros

terapeutas eram os filósofos,

amantes da verdade mesmo que

essa possa ser uma utopia dogmá-

tica –, e do “amor à sabedoria”.

Freud, antes de utilizar a palavra

psicanálise, usava a expressão “tra-

tamento da alma”. Seguindo textos

bíblicos, poderíamos também dizer

que o visível é a voz tornada escri-

ta. Entender a voz da transcendên-

cia é passar pela materialidade

física do livro. Entender este “re-

encontro com o outro, portanto, se

dá no grupo de leitura de um texto

em voz alta na “companhia” dos

seus autores. Dizia Descartes: “A

leitura de todos os bons livros é

como uma conversação com as

pessoas mais honestas de séculos

passados que foram seus auto-

res”.

Existem bons livros, livros

quaisquer e maus livros. Entre os

bons existem os honestos, os inspi-

radores, os que comovem, os pro-

féticos edificantes. Mas em minha

linguagem existe uma outra cate-

goria, aquela dos livros-há! Os

livros-há! São aqueles que deter-

minam na consciência do leitor

uma mudança profunda. Eles dila-

tam uma sensibilidade de maneira

tal que faz ver os objetos os mais

familiares, como se fossem obser-

vados pela primeira vez. Os livros-

há! galvanizam. Eles atingem o

centro nervoso do ser, e o leitor

recebe um choque quase físico.

Um estremecimento de excitação o

percorre da cabeça aos pés.

Vernon Proxton

CC

Page 48: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 48 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

(Sua biblioteca precisa de você.)

Page 49: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 49 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

DDIINNHHEEIIRROO PPAARRAA BBIIBBLLIIOOTTEECCAASS

Gaúcho publica em revista de Universidade de São Paulo trabalho que ajudará

bibliotecas públicas de todo o País a ter recursos financeiros próprios.

Lídio Lima

er crescido em volta

dos livros e ver a

precariedade da bi-

blioteca pública de seu município

natal, Pedro Osório, fez com que

Claudiomiro Machado Ferreira

procurasse uma forma para que as

bibliotecas públicas pudessem ter a

sua independência financeira.

Paciência e determinação

são duas características desse as-

sessor e consultor de direitos auto-

rias e registro de obras literárias,

não fosse assim teria desistido há

muito tempo, pois do seu Estado

teve muito pouco espaço para di-

vulgar seu trabalho. A força para

continuar veio das redes sociais e

sites de compartilhamento. Come-

çou publicando em seu próprio

blog e nunca desistiu de enviar

para todo órgão ou instituição afim

com o objeto do texto. De nenhum

deles obteve retorno. A surpresa

veio do Blog do Galeno, antes

mesmo de saber que Galeno Amo-

rim é o atual presidente da Biblio-

teca Nacional, instituição que ad-

mira e sonha um dia conhecer, pois

como ele mesmo diz: “Ela tem

tudo a ver com meu trabalho”.

Para seus clientes ele é taxativo na

questão do registro no órgão e do

uso da ficha catalográfica. Aspec-

tos que, segundo ele, são funda-

mentais para, perante a lei, que um

livro seja considerado como tal.

Mas se engana quem pensa

que esse envolvimento com os

livros é recente. Desde cedo Clau-

diomiro viu-se envolvido por eles.

De pequeno foi com a leitura.

Mesmo afastando-se um pouco na

adolescência, nunca os abandonou

de vez. Já na fase adulta se viu

mais envolvido que nunca. Partici-

pou de campanhas para revitaliza-

ção da Biblioteca Municipal de

Pedro Osório e da criação da Bi-

blioteca de Cerrito, sendo que des-

ta recebeu uma homenagem. Certa

vez precisou de uma autorização

especial do Secretário de Cultura

de Pedro Osório para que pudesse

frequentar a biblioteca à noite.

Todavia, justamente pelo fato de

estar tão ligado à batalha das bibli-

otecas por sobrevivência e por

perceber que a luta é individual ou,

no máximo, de um pequeno grupo

de amantes da leitura que ele co-

meçou a pensar em uma forma das

bibliotecas poderem suprir as suas

próprias necessidades sem ter de

contar apenas com doações, com a

boa vontade de seus frequentado-

res e apoio esporádico de sua man-

tenedora.

Parte do problema começou

a ser resolvido quando teve conhe-

cimento da lei federal nº10.753, de

2003, mais conhecida como “Lei

do Livro”. O artigo 16 prevê que

os municípios consignarão em seus

respectivos orçamentos verbas às

bibliotecas para a sua manutenção

e aquisição de livros. Essa foi a

porta de entrada, o começo do ca-

minho por onde toda a elaboração

do trabalho seria executada. Co-

meçada a pesquisa a primeira

constatação foi que a lei é muito

difundida na sua íntegra, mas o

entendimento dela mesma é algo

raro e fragmentado, mesmo por

profissionais das áreas do Direito,

Biblioteconomia e Administração.

A todos esses profissionais Clau-

diomiro procurou, mas teve pouco

sucesso. Ajuda imprescindível teve

do contador aposentado que traba-

lhou na Prefeitura de São José do

Norte, onde trabalha desde 2008.

Justamente essa convivência com o

poder público municipal e sua ro-

tina, aliadas com sua persistência,

dedicação e estudo fez com que ele

concluísse o trabalho. Lendo livros

de direito administrativo, enten-

dendo como funciona a tramitação

de processos e até mesmo com

conversas com o Ministério Públi-

co, de onde teve a informação de

que até então, ninguém havia ques-

tionado este aspecto da lei, o texto

foi finalizado.

O primeiro contato com a

Revista Digital de Biblioteconomia

e Ciência da Informação foi feito

em março de 2011. Desde então o

trabalho passou por avaliações,

modificações e adequações para

poder ser publicado. A revista é

uma publicação oficial de divulga-

ção do Sistema de Bibliotecas da

Universidade Estadual de Campi-

nas - UNICAMP, e tem avaliação

B3, nacional, pela Qualis/Capes. A

íntegra do trabalho pode ser aces-

sada e lida no endereço

http://www.sbu.unicamp.br/seer/oj

s/index.php/sbu_rci na Seção Notí-

cias e Informação.

“O reconhecimento por

parte de uma Universidade é uma

grande conquista, mas é apenas

mais uma das etapas desse projeto.

Meu objetivo de conscientizar con-

tinua. Só começarei a ficar satisfei-

to quando as bibliotecas aplicarem

os procedimentos e começarem a

receber o que é seu por lei”, con-

clui.

TT

Page 50: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 50 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

AA PPAAIIXXÃÃOO DDEE JJOOAANNAA DD’’AARRCC,, DDEE

CCAARRLL TTHHEEOODDOORR DDRREEYYEERR

Matheus Magalhães da Silva

arl Dreyer foi um

cineasta dinamar-

quês. Morto em

1968, Dreyer conseguiu, dentre 14

obras, ganhar o encômio de um

dos melhores diretores de todos os

tempos. Também pudera; é dele

“A Paixão de Joana D’arc”, um

dos mais importante filmes de to-

dos os tempos. Apesar de alguns

êxitos prévios como “Michael”, o

corajoso longa que levou o tema

do homossexualismo para as telas

em 1924, foi com Jeanne D’arc

que o diretor tomou o mundo de

assalto, baseado nos papéis origi-

nais do julgamento da adolescente

francesa que foi canonizada na

época em que a obra foi lançada.

Apesar da amálgama de

sentimentos presente na história do

julgamento da mártir francesa, o

grande êxito de Dreyer veio da

criação de uma linguagem tão pu-

ramente cinematográfica. Apesar

de mudo, o filme conta com pou-

cos intertítulos – as telas com os

diálogos comuns à natureza desta

era do cinema. Seu grande valor é

estético e está inebriado na perfo-

mance definitiva de Maria Falco-

netti, representando a sofrida Jean-

ne com uma pletora de expressões

e lágrimas, muito bem documenta-

das pelos closes do mestre dina-

marquês. Abrilhanta o elenco a

presença do dramaturgo Antonin

Artaud, homem inquieto que pro-

pôs uma revolução em seu meio

com o Teatro da Crueldade.

Filmado em apenas dois

cenários, Jeanne D’arc não estiliza

o julgamento, o cerne do roteiro. A

estética das locações é acurada,

fruto de estudos do diretor e sua

equipe. Apesar de caros, Dreyer

não fez questão de exibi-los, uma

vez que o calvário de Falconetti e a

fúria dos juízes católicos são a

força motriz do roteiro. Ainda em

uma análise técnica, o misé en

sceneé próximo à perfeição, sendo

corajosamente empurrado em dire-

ção à vanguarda, com enquadra-

mentos onde a câmera fica abaixo

dos personagens, capturando-os

com semblantes ameaçadores ou,

CC

Page 51: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 51 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

no caso de Jeanne, sempre de ma-

neira cândida mas irreprímivel

através dos closes fechados em seu

rosto.

Para enteder a importância

do cinema de Dreyer, é preciso

situar-se historicamente: fazia ape-

na três anos que Sergei Einsenstein

havia lançado O Encouraçado Po-

temkin, com a inacreditável e desa-

fiadora sequência da escadaria de

Odessa. Este desafio aos limites

técnicos do cinema ainda estava

em sua infância quando Dreyer

utilizou-os para efeitos dramáticos

em Jeanne D’arc. A perspectiva de

um cinema que fugisse das con-

venções do teatro e passasse a ver

na câmera um instrumento estético

em si era subversiva e totalmente

longínqua. Desta forma, o cinema

que utilizava a imagem como ins-

trumento narrativo e não apenas

como meio foi obra de Dreyer e

seu filme.

O diretor flertou com o

cristianismo na totalidade de sua

obra. Apesar de não se interessar

pela ortodoxia católica, assim co-

mo Roberto Rossellini e boa parte

do neorrealismo italiano – formado

por seus admiradores – Dreyer via

no misticismo um elemento narra-

tivo de contato com a alma de seus

personagens, bem como um catali-

zador da moral em seus roteiros.

Em sua outra obra-prima “Ordet”

(A Palavra), ele novamente traba-

lha com valores transcendentais

aos do formalismo católico, atra-

vés de um personagem que passa

boa parte da trama sendo julgado

como insano mas, ao fim, revela-se

um emissário de Cristo, detentor

do poder de conceder o milagre da

ressurreição. A impossibilidade da

crença no místico e sobrenatural

por parte dos cristãos modernos

devido à consonância aos valores e

métodos empíricos da ciência, é o

esteio para que Dreyer trabalhe a

questão da fé em seu magnum

opus, um dos mais belos filmes

que já tive o prazer de assistir.

A moral dos juízes em Je-

anne D’arcé outro ponto interes-

sante da trama. Em filmes como

The Devils, de Ken Russel, o ma-

gistrado católico é corrupto e já

possui o veredito antes mesmo de

julgar o réu. Neste filme, apesar do

ceticismo e hostilidade, os juízes

sentem condolência e se constra-

gem em penalizar a jovem. Suas

súplicas para que ela renuncie ao

herético discurso de ser uma envi-

ada de Deus para expulsar os in-

gleses da França são rechaçadas

pela fé irrestrita de Jeanne. Como

Cristo, ela enfrenta seu momento

de dúvida e se diz confundida pela

ação do Diabo com o fim de evitar

sua incineração para, logo em se-

guida, em uma epifania, descobrir

em júbilo que o martírio era o des-

tino que Deus quis para finalizar

sua curta jornada.

Para encerrar, deixo as pa-

lavras de Luis Buñuel que escre-

veu um artigo sobre o filme na

época do lançamento. Para con-

cluí-lo, o lendário diretor espanhol

encapsula o sentimento que a téc-

nica de Dreyer tão bem representa

em sua obra: “Nós assistimos, uma

a uma, suas pequenas lágrimas,

que rolaram sobre nós. Uma lágri-

ma sem cheiro – insípida – uma

gota da mais pura primavera”.

Page 52: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 52 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

Sylvester Stallone

Page 53: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 53 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

UUMMAA DDAASS HHIISSTTÓÓRRIIAASS MMAAIISS TTRRIISSTTEESS

NNOOSS BBAASSTTIIDDOORREESS DDEE HHOOLLLLYYWWOOOODD

Tiago Stechinni

eu nome é Sylvester

Stallone. Um lutador

em todos os sentidos

da palavra. Nasceu com uma para-

lisia facial, o que lhe rendeu apeli-

dos e bullying na infância. Em um

ponto de sua vida estava tão pobre

que roubou as poucas jóias que sua

mulher tinha e as vendeu. As coi-

sas ficaram tão ruins que ele aca-

bou morando na rua. Sim, ele dor-

miu na estação de ônibus de Nova

York por 3 dias. Incapaz de pagar

aluguel ou comprar comida. O

fundo do poço chegou quando ele

teve de vender seu cachorro em

uma loja de bebidas para um estra-

nho qualquer, pois não tinha di-

nheiro para alimentá-lo mais. Ele o

vendeu por $25, entregou seu ca-

chorro e saiu chorando.

Duas semanas depois ele

viu uma luta de boxe entre Mo-

hammed Ali e Chuck Wepner e

essa luta o inspirou a escrever o

roteiro de ROCKY. Ele escreveu o

roteiro durante 20 horas seguidas!

Tentou vendê-lo e recebeu a oferta

de $125,000, mas tinha apenas UM

PEDIDO. Ele queria ESTRELAR

no filme como o personagem prin-

cipal ROCKY, mas o estúdio disse

NÃO. Eles queriam uma “estrela”

de verdade.

Disseram que ele “tinha um

rosto engraçado e falava engraça-

do”. Ele saiu com seu roteiro. De-

pois de algumas semanas o estúdio

o ofereceu $250,000, ele recusou,

então ofereceram $350,000, e ele

ainda recusou. Queriam o seu fil-

me mas não o queriam. Ele disse

NÃO! “Eu tenho que estar nesse

filme”.

Depois de um tempo o es-

túdio concordou em lhe dar

$35,000 pelo roteiro e o deixaram

estrelar o filme. O resto entrou

para a história do cinema. O filme

GANHOU prêmios de MELHOR

FILME, MELHOR DIREÇÃO,

MELHOR EDIÇÃO e o prestigio-

so OSCAR de MELHOR FILME.

Ele ainda foi nomeado como ME-

LHOR ATOR! O filme ROCKY

entrou para o s registros america-

nos da indústria de cinema como

um dos maiores filmes até então

feitos.

E você sabe a primeira coi-

sa que ele fez com os $35,000?

COMPROU DE VOLTA O

CACHORRO QUE HAVIA

VENDIDO. Ficou parado na loja

por 3 dias até que o homem voltas-

se com seu cachorro. O homem se

recusou a vendê-lo mesmo por

$100, Stallone então ofereceu

$500, ele recusou. Ele então ofere-

ceu $1.000. Acredite ou não

Stallone teve de pagar $15.000

pelo mesmo cachorro que ele ven-

dera por $25.

O mesmo Stallone que mo-

rou na rua, que vendeu seu cachor-

ro, pois não podia alimentá-lo, é

um dos maiores ícones do cinema

mundial hoje.

SS

Não ter dinheiro é ruim, MUITO RUIM. A vida não será fácil. Oportunidades passarão por você ser

um ninguém. Pessoas vão querer seu produto e não VOCÊ. É um mundo cruel. Se você ainda não é famoso,

ou rico, ou bem conectado você vai achar ainda mais difícil. Portas se fecharão . Pessoas roubarão sua glória

e esmagarão sua esperança. Você vai se esforçar, se esforçar e nada acontecerá. Então desolado, quebrado,

pobre, você aceitará trabalhos que não o completam por sobrevivência. Quem sabe pode até acabar dormin-

do na rua. Mas NUNCA deixem que destruam seu sonho. Seja o que for que aconteça CONTINUE SONHAN-

DO, mesmo quando esmagarem sua esperança CONTINUE SONHANDO, mesmo quando te deixarem sozinho

CONTINUE SONHANDO. Ninguém sabe do que você é capaz a não ser você mesmo. Enquanto você estiver

vivo, a sua história ainda não acabou.

Sylvester Stallone

Page 54: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 54 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

JJUUSSTTIIÇÇAA UUSSAA CCÓÓDDIIGGOO PPEENNAALL PPAARRAA

CCOOMMBBAATTEERR CCRRIIMMEE VVIIRRTTUUAALL

Coordenadoria de Editoria e Imprensa

rimes contra a honra

(injúria, calúnia e

difamação), furtos,

extorsão, ameaças, violação de

direitos autorais, pedofilia, estelio-

nato, fraudes com cartão de crédi-

to, desvio de dinheiro de contas

bancárias. A lista de crimes come-

tidos por meio eletrônico é extensa

e sua prática tem aumentado geo-

metricamente com a universaliza-

ção da internet. Levantamento

realizado por especialistas em Di-

reito da internet mostra que atual-

mente (23/11/2008) existem mais

de 17 mil decisões judiciais envol-

vendo problemas virtuais; em 2002

eram apenas 400.

A internet ainda é tida por

muitos como um território livre,

sem lei e sem punição. Mas a rea-

lidade não é bem assim: diaria-

mente, o Judiciário vem coibindo a

sensação de impunidade que reina

no ambiente virtual e combatendo

a criminalidade cibernética com a

aplicação do Código Penal, do

Código Civil e de legislações es-

pecíficas como a Lei nº9.296 – que

trata das interceptações de comu-

nicação em sistemas de telefonia,

informática e telemática – e a Lei

nº9.609 – que dispõe sobre a pro-

teção da propriedade intelectual de

programas de computador.

Na ausência de uma legis-

lação específica para crimes ele-

trônicos, os tribunais brasileiros

estão enfrentando e punindo inter-

nautas, crakers e hackers que utili-

zam a rede mundial de computado-

res como instrumento para a práti-

ca de crimes. Grande parte dos

magistrados, advogados e consul-

tores jurídicos considera que cerca

de 95% dos delitos cometidos ele-

tronicamente já estão tipificados

no Código Penal brasileiro por

caracterizar crimes comuns prati-

cados por meio da internet. Os

outros 5% para os quais faltaria

enquadramento jurídico abrangem

transgressões que só existem no

mundo virtual, como a distribuição

de vírus eletrônico, cavalos-de-

tróia e worm (verme, em portu-

guês).

Para essa maioria, a inter-

net não é um campo novo de atua-

ção, mas apenas um novo caminho

para a realização de delitos já pra-

ticados no mundo real, bastando

apenas que as leis sejam adaptadas

para os crimes eletrônicos. E é isso

que a Justiça vem fazendo. Adap-

tando e empregando vários dispo-

sitivos do Código Penal no comba-

te ao crime digital.

E a lista também é extensa:

insultar a honra de alguém (calúnia

– artigo138), espalhar boatos ele-

trônicos sobre pessoas (difamação

– artigo 139), insultar pessoas con-

siderando suas características ou

utilizar apelidos grosseiros (injúria

– artigo 140), ameaçar alguém

(ameaça – artigo 147), utilizar da-

dos da conta bancária de outrem

para desvio ou saque de dinheiro

(furto – artigo 155), comentar, em

chats, e-mails e outros, de forma

negativa, sobre raças, religiões e

etnias (preconceito ou discrimina-

ção – artigo 20 da Lei nº7.716/89),

enviar, trocar fotos de crianças

nuas (pedofilia – artigo 247 da Lei

nº8.069/90, o Estatuto da Criança e

do Adolescente – ECA).

No caso das legislações es-

pecíficas, as mais aplicadas são as

seguintes: usar logomarca de em-

presa sem autorização do titular,

no todo ou em parte, ou imitá-la de

modo que possa induzir à confusão

(crime contra a propriedade indus-

trial – artigo 195 da Lei

nº9.279/96), monitoramento não

avisado previamente (interceptação

de comunicações de informática –

artigo 10 da Lei nº9.296/96) e usar

cópia de software sem licença

(crimes contra software “Pirataria”

– artigo 12 da Lei nº9.609/98).

CC

Page 55: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 55 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

Consolidando dispositivos

O STJ, como guardião e

uniformizador da legislação infra-

constitucional, vem consolidando a

aplicação desses dispositivos em

diversos julgados. Nos casos de

pedofilia, por exemplo, o STJ já

firmou o entendimento de que os

crimes de pedofilia e divulgação

de pornografia infantil por meios

eletrônicos estão descritos no arti-

go 241 da Lei nº8.069/90 (apresen-

tar, produzir, vender, fornecer,

divulgar ou publicar, por qualquer

meio de comunicação, inclusive

pela rede mundial de computado-

res ou internet, fotografias ou ima-

gens com pornografia ou cenas de

sexo explícito envolvendo criança

ou adolescente), e previstos em

convenção internacional da qual o

Brasil é signatário.

Mais do que isso: a Corte

concluiu que, por si só, o envio de

fotos pornográficas pela internet

(e-mail) já constitui crime. Com

base no artigo 241 do Estatuto da

Criança e do Adolescente (ECA),

os ministros da Quinta Turma do

STJ cassaram um habeas-corpus

concedido pelo Tribunal de Justiça

do Estado do Rio de Janeiro (TJ-

RJ) que determinava o trancamen-

to de uma ação penal sob o argu-

mento de que o ECA definiria co-

mo crime apenas a “publicação” –

e não a mera “divulgação” – de

imagens de sexo explícito ou por-

nográficas de crianças ou adoles-

centes.

Em outro caso julgado, a

Turma manteve a condenação de

um publicitário que participou e

filmou cenas eróticas envolvendo

crianças e adolescentes. Ele foi

denunciado pelo Ministério Públi-

co de Rondônia com base no artigo

241 do ECA, nos artigos 71 e 29

do Código Penal (crime continua-

do e em concurso de agentes) e por

corrupção de menores (Lei

nº2.252/54: constitui crime, punido

com a pena de reclusão de um a

quatro anos e multa, corromper ou

facilitar a corrupção de pessoa

menor de 18 anos, com ela prati-

cando, infração penal ou induzin-

do-a a praticá-la).

Os casos de furto e estelio-

nato virtual também já foram devi-

damente enquadrados pela Corte.

A Terceira Seção do STJ consoli-

dou o entendimento de que a apro-

priação de valores de conta-

corrente mediante transferência

bancária fraudulenta via internet

sem o consentimento do correntista

configura furto qualificado por

fraude, pois, nesse caso, a fraude é

utilizada para burlar o sistema de

proteção e vigilância do banco

sobre os valores mantidos sob sua

guarda. Também decidiu que a

competência para julgar esse tipo

de crime é do juízo do local da

consumação do delito de furto, que

se dá no local onde o bem é subtra-

ído da vítima.

Em outra decisão, relatada

pelo ministro Felix Fischer, a

Quinta Turma do STJ definiu cla-

ramente que, mesmo no ambiente

virtual, o furto – “subtrair, para si

ou para outrem, coisa alheia mó-

vel” (artigo 155 do Código Penal)

– mediante fraude não se confunde

com o estelionato – “obter, para si

ou para outrem, vantagem ilícita,

em prejuízo alheio, induzindo ou

mantendo alguém em erro, medi-

ante artifício, ardil, ou qualquer

outro meio fraudulento” (artigo

171 do Código Penal) – já que no

furto a fraude é utilizada para bur-

lar a vigilância da vítima e, no es-

telionato, o objetivo é obter con-

sentimento da vítima e iludi-la

para que entregue voluntariamente

o bem.

Crimes contra a honra

Em uma ação envolvendo

os chamados crimes contra a honra

praticados pela internet, o desem-

bargador convocado Carlos Fer-

nando Mathias de Souza manteve a

decisão da Justiça gaúcha que con-

denou um homem a pagar à ex-

namorada indenização por danos

morais no valor de R$ 30 mil por

ter divulgado, pela internet, men-

sagens chamando-a de garota de

programa. No recurso julgado, a

ex-namorada alegou que, após a

falsa publicação de e-mails com

seus dados pessoais junto com uma

fotografia de mulher em posições

eróticas, ela passou pelo constran-

gimento de receber convites por

telefone para fazer programas se-

xuais.

Em outro julgado, a Quarta

Turma do STJ determinou que o

site Yahoo! Brasil retirasse do ar

página com conteúdo inverídico

sobre uma mulher que ofereceria

programas sexuais. A empresa

alegou que o site citado foi criado

por um usuário com a utilização de

um serviço oferecido pela contro-

ladora americana Yahoo! Inc., por-

tanto caberia a essa empresa o

cumprimento da determinação

judicial.

Em seu voto, o relator do

processo, ministro Fernando Gon-

çalves, sustentou que a Yahoo!

Brasil pertence ao mesmo grupo

econômico e apresenta-se aos con-

Page 56: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 56 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

sumidores utilizando a mesma lo-

gomarca da empresa americana e,

ao acessar o endereço trazido nas

razões do recurso como sendo da

Yahoo! Inc. – www.yahoo.com –,

abre-se, na realidade, a página da

Yahoo! Brasil. Diante desses fatos,

o ministro conclui que o consumi-

dor não distingue com clareza as

divisas entre a empresa americana

e sua correspondente nacional.

A Terceira Turma decidiu

que ação de indenização por danos

morais pode ser ajuizada em nome

do proprietário de empresa vítima

de mensagens difamatórias em

comunidades do site de relaciona-

mentos Orkut. O tribunal conside-

rou legítima a ação proposta por

um empresário de Minas Gerais

contra duas pessoas que teriam

difamado o seu negócio de criação

de avestruzes, causando-lhe sérios

prejuízos. Segundo a relatora, mi-

nistra Nancy Andrighi, as mensa-

gens divulgadas na internet não

foram ofensivas somente ao em-

presário e a seu filho, mas também

ao seu comércio de aves.

Atrás das grades

Aplicando os dispositivos

do Código Penal, o STJ vem ne-

gando habeas-corpus a acusados e

condenados por diversas modali-

dades de crimes eletrônicos. Entre

vários casos julgados, a Corte

manteve a prisão do hacker Otávio

Oliveira Bandetini, condenado a

10 anos e 11 meses de reclusão por

retirar irregularmente cerca de R$

2 milhões de contas bancárias de

terceiros via internet; negou o re-

laxamento da prisão preventiva de

um tatuador denunciado por divul-

gar fotos pornográficas de crianças

e adolescentes na internet; de um

acusado preso em operação da

Polícia Federal por participar de

um esquema de furto de contas

bancárias; de um hacker preso

pelos crimes de furto mediante

fraude, formação de quadrilha,

violação de sigilo bancário e inter-

ceptação telemática ilegal; e de um

técnico em informática de Santa

Catarina acusado de manipular e-

mails para incriminar colegas de

trabalho.

O Tribunal também enfren-

tou a questão da ausência de fron-

teira física no chamado ciberespa-

ço ao entender que, se o crime tem

efeitos em território nacional, de-

ve-se aplicar a lei brasileira. No

caso julgado, um acusado de pedo-

filia alegou que as fotos pornográ-

ficas envolvendo crianças e ado-

lescentes foram obtidas no sítio da

internet do Kazaa, um programa

internacional de armazenamento e

compartilhamento de arquivos

eletrônicos sediado fora do Brasil.

A Corte entendeu que, como o

resultado e a execução ocorreram

em território nacional, o fato de os

arquivos terem sido obtidos no

Kazaa, com sede no estrangeiro,

seria irrelevante para a ação.

O Poder Legislativo ainda

não concluiu a votação do projeto

de lei que visa adequar a legislação

brasileira aos crimes cometidos na

internet e punir de forma mais rí-

gida essas irregularidades. O proje-

to, que já foi aprovado pelo Sena-

do, define os crimes na internet,

amplia as penas para os infratores

e determina que os provedores

armazenem os dados de conexão

de seus usuários por até três anos,

entre outros pontos.

Enquanto a lei que vai tipi-

ficar a prática de crimes como

phishing (roubo de senhas), porno-

grafia infantil, calúnia e difamação

via web, clonagem de cartões de

banco e celulares, difusão de vírus

e invasão de sites não é aprovada

no Congresso Nacional, o Poder

Judiciário continuará enquadrando

os criminosos virtuais nas leis vi-

gentes no mundo real, adaptando-

as à realidade dos crimes cometi-

dos na internet.

Page 57: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 57 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

OO DDOOWWNNLLOOAADD DDEE LLIIVVRROOSS

Claudiomiro Machado Ferreira

e tempos em tem-

pos precisamos nos

deparar com a rea-

lidade, mesmo que ela seja virtual.

Um fato do qual não podemos fu-

gir é o de milhares de sites dispo-

nibilizarem no mundo virtual li-

vros digitados ou digitalizados.

Vários deles o fazem gratuitamen-

te, mas também há os que cobram

pelo download. Direta ou indire-

tamente essa prática atinge de for-

ma negativa a todos. Os mais pre-

judicados acabam sendo as edito-

ras e os autores. Não há como ne-

gar: todo site que libera, para

download, livros sem autorização

dos detentores dos direitos patri-

moniais comete um ato ilícito, ou

seja, uma ação contrária à lei e que

resulta dano a outrem.

Um grande esforço para

combater a prática do download

ilegal tem sido feito pela Associa-

ção Brasileira dos Direitos Repro-

gráficos, ABDR. Segundo o site

Aristoteles Atheniense Advogados,

só em 2010, no mês de fevereiro,

foram localizados 2.203 links que

ofereciam download ilegal de li-

vros na internet. Destes, 2.151

foram retirados do ar depois de

serem detectados pela entidade. De

todos os links registrados no mês,

2.144 foram localizados após bus-

cas da ABDR, outros 59 foram

denunciados.

Desde que começou a fisca-

lização em agosto de 2009, setem-

bro de 2010 havia sido o mês re-

corde, com 3.914 links detectados.

De janeiro a junho de 2010, 24.365

mil sites para download ilegal de

livros no Brasil foram identifica-

dos, com 92,4% deles (22.524 mil)

sendo removidos. Esta ação resul-

tou da campanha Combate à Pira-

taria Digital, que teve seu próprio

departamento instalado na segunda

metade de 2009, resultado de uma

parceria entre a ABDR e o Sindi-

cato Nacional dos Editores de Li-

vros, SNEL.

Uma das alegações de

quem defende a disponibilização e

o download de livros na internet se

baseia em uma corrente que advém

dos Estados Socialistas, que adota-

ram a ideia de que o Direito Auto-

ral era um direito da coletividade.

Se nenhuma criação é em verdade

original e sofre ou sofreu alguma

influência, então, o resultado da

criação deveria pertencer ao meio,

ou seja, à coletividade. Sendo de

todos, deveria retornar a todos.

Esse conceito foi reavivado

e tem em Lawrence Lessig, criador

das licenças Creative Commons,

seu maior expoente na atualidade.

Já a Cultura Livre é um movimen-

to social que se baseia na liberdade

de distribuir, modificar trabalhos e

obras criativas. No Brasil a Cultu-

ra Livre tem como seu difusor a

Fundação Getúlio Vargas, FGV.

Creative Commons, por sua vez, é

uma organização não governamen-

tal sem fins lucrativos voltada a

expandir a quantidade de obras

criativas disponíveis, através de

licenças que permitem a cópia e

compartilhamento com menos res-

trições.

Os mais sinceros apenas di-

zem que não querem pagar e que

não estão nem aí para os autores

ou editoras. Querem apenas ter

acesso e ler. Não se importam com

os aspectos que envolvem a produ-

ção literária como um todo. Infe-

lizmente muitos têm distorcido os

conceitos de Lessig e do movimen-

to Cultura livre para seus propósi-

tos.

Desses aspectos que envol-

vem a produção literária podemos

citar os esforços dos autores em

pesquisar e produzir, os custos das

gráficas, das editoras e das distri-

buidoras e os ganhos (lícitos) ad-

vindos da venda dos livros. Ga-

nhos estes que em vários casos são

usados para custear ações assisten-

ciais, como é o caso de várias insti-

tuições espíritas que sobrevivem

dos direitos patrimoniais de livros

cujos direitos foram a elas doados.

Uma destas instituições é o Grupo

Espírita Emmanuel, GEEM, que de

tão prejudicada por downloads

ilegais de seus livros, obrigou-se a

divulgar um Comunicado cujo

título é Violação de Direitos Auto-

rais, onde lamenta o ocorrido, des-

creve as dificuldades de manter

sua produção e chama a atenção

para o uso que faz dos recursos das

obras que edita.

Analisando a questão do

GEEM, o Prof. Jáder Sampaio

levantou importantes considera-

ções sobre a disponibilização e

download de livros espíritas em

particular e que se aplicam a livros

em geral. Em seu blog Espiritismo

Comentado Sampaio considera

sete aspectos. Destes, destacamos

como o mais importante o perigo

de uma obra mal digitada. Sampaio

é uma dessas pessoas que publicou

um livro (Voluntários, Ed. UNI-

FRAN/EME, 248p, R$ 28,00) e

doou os direitos para uma institui-

ção, daí entende-se o apoio que dá

ao GEEM.

Como aspectos legais in-

questionáveis podemos destacar a

Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de

1998, que altera, atualiza e conso-

lida a legislação sobre direitos au-

torais. Nela temos o conceito do

termo contrafação, ou seja, a re-

produção não autorizada (sem de-

finir se física ou digital); que são

obras intelectuais protegidas as

criações do espírito, expressas por

qualquer meio ou fixadas em qual-

quer suporte, tangível ou intangí-

vel, conhecido ou que se invente

DD

Page 58: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 58 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

no futuro; e, que depende de auto-

rização prévia e expressa do autor

a utilização da obra, para reprodu-

ção e distribuição (novamente sem

fazer alusão ao suporte, se físico

ou digital). Já do Código Penal

podemos destacar os artigos que

tratam dos crimes contra a propri-

edade imaterial e intelectual. Do

artigo 184 ao 186 estão descritas as

ações e penas para quem violar os

direitos dos autor, sejam reprodu-

ção, depósito ou oferecimento ao

público. As penas podem ser de

detenção ou reclusão e podem va-

riar, dentro destas, de 03 (três)

meses a 4 (anos). A aplicação de

multa também é prevista neste

código.

Quem considerar exagerada

a penalidade para o download pode

analisar o magnífico texto de Val-

domiro Soares, Os Perigosos Ru-

mos da Pirataria, publicado no

Jornal do Comércio, de Porto Ale-

gre, em 1º de agosto de 2012, e

disponível para leitura on-line no

endereço eletrônico

http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.p

hp?codn=99894. Nele são expos-

tos todos os prejuízos que a pirata-

ria proporciona. Entre estes estão

os prejuízos financeiros, qualitati-

vos e de desemprego. Segundo

Soares a Polícia Internacional,

Interpol, definiu a pirataria como o

Crime do Século, pois esta movi-

menta cifras superiores ao tráfico

de drogas, entre US$ 500 e US$

600 bilhões anualmente. Se o con-

sumidor de drogas sustenta todo o

tráfico atrás de si, o violador indi-

vidual de direitos autorais, tam-

bém. O conceito de Crime Menor

ou de Crime de Pequena Monta

não pode ser aplicado nesses casos,

pois receptação de roubo e apro-

priação indébita também tem puni-

ções já previstas. Assim, defende-

mos penalidades para todos esses

casos, apesar do consultor jurídico

da ABDR, Dalízio Barros, afirmar

em uma reportagem de um portal

de notícias que o usuário não é

punido se baixa um livro digital

ilegal, mas sim quem o publicou

na web.

Defensores que somos dos

Direitos Autorais em sua integrali-

dade apoiamos o GEEM, mas

acreditamos que ele deve ir além,

validamos o que diz o Prof. Sam-

paio e convocamos a todos, autores

ou não, para que denunciem os

casos de disponibilização de livros.

Para isso a ABDR disponibiliza os

endereços eletrônicos co-

[email protected] e co-

[email protected], mas as

denúncias também podem ser fei-

tas através do formulário on-line

acessível em

http://www.abdr.org.br/site/denunc

ie.asp. O fornecimento de dados

pessoais não é obrigatório e a aju-

da prestada será muito valiosa,

pois como afirma a própria ABDR,

“o respeito ao direito autoral é

fundamental para ampliar a cultu-

ra, a educação e a circulação do

conhecimento de um país.”

Page 59: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 59 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

Rua Tobias Barreto, 364

Esquina Av. Pelotas

Rio Grande – RS

Fone 53 9108-0146

Page 60: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 60 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

Page 61: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 61 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

PPAARRAA FFAALLAARR EE EESSCCRREEVVEERR BBEEMM Como Escrever, O que Escrever, Bons Discursos e Oradores.

Joseph Devlin, M.A.* Tradução: Claudiomiro Machado Ferreira**

egras de gramática

e retórica são boas

quando usadas no

lugar certo. Essas diretrizes devem

ser aplicadas com o objetivo de

expressar pensamentos e ideias de

forma adequada. E estas devem ser

expressas com sentido e

significado claros e de uma

maneira agradável e aceitável.

Entretanto, não se faz um escritor

ou autor com regras prontas e

instantâneas. A aplicação de leis

naturais é tarefa da velha Mãe

Natureza e nada pode tomar seu

lugar. Se a natureza não dotou uma

pessoa com determinadas

faculdades, elas não surgirão

naturalmente. Ela não terá nada

para dizer. Se uma pessoa não tem

nada para dizer, ela não poderá

dizê-lo. O nada não consegue

produzir algo. O autor deve ter

pensamentos e ideias antes, para

depois colocar no papel. E essas

veem naturalmente e pelo meio em

que vive e são desenvolvidas e

fortalecidas pelo estudo. Há uma

antiga citação latina a respeito do

poeta que diz: “Poeta nascitur non

fit”, a tradução é: “O poeta nasce

poeta, não se faz poeta.” Em

muitos aspectos o mesmo se aplica

ao autor. Algumas pessoas são

muito cultas, tanto quanto um livro

permite, mesmo assim não

conseguem se expressar de uma

forma aceitável. Seu conhecimento

é como ouro trancado em um

cofre, onde não tem valor para si

próprio ou para o resto do mundo.

A melhor maneira de

aprender a escrever é sentar e es-

crever, da mesma forma que a me-

lhor maneira de aprender a andar

de bicicleta é montar em uma e

pedalar. Primeiro escreva sobre

coisas simples, assuntos que são

familiares para você. Tente, por

exemplo, em ensaio sobre um gato.

Diga algo original sobre ele. Não

diga: “Ele é muito travesso quando

jovem, mas torna-se sério à medi-

da que envelhece.” Isso já foi dito

milhares de vezes antes. Diga o

que você viu seu gato fazer, como

ele caça um rato no sótão e o que

fez depois de pegá-lo. Temas fami-

liares sempre são os melhores para

quem está começando. Não tente

descrever uma cena de um lugar se

você nunca esteve lá e não conhece

nada do país. Não procure assun-

tos, há milhares à sua volta. Des-

creva o que viu ontem – um incên-

dio, um cavalo em disparada, uma

briga de cães na rua e seja original

na sua descrição. Imite os melho-

res escritores em seu estilo, mas

não exatamente em suas palavras.

Desista do caminho que já foi tri-

lhado, tente um caminho novo.

Faça você mesmo sua trilha.

Saiba sobre o que vai es-

crever e escreva sobre o que você

sabe. Esta é uma regra de ouro que

você deve seguir. E para conhecer

você deve estudar. O mundo é um

livro aberto e todos que nele vi-

vem, devem lê-lo. A Natureza é

um grande número de páginas que

estão abertas, tanto para o campo-

nês quanto para o nobre. Estude os

modos e os tempos da Natureza,

porque eles são vastamente mais

importantes do que os da Gramáti-

ca. Livros didáticos podem ser

mais fáceis, já que são mais técni-

cos, mas, no final das contas, são

somente teoria e não prática. A

maior alegoria escrita em inglês,

na verdade em qualquer idioma,

foi escrita por um ignorante, su-

posto ignorante, um funileiro cha-

mado John Bunyan.1 Shakespeare

não foi culto no sentido em que

conhecemos o termo nos dias de

hoje, no entanto, nenhum homem

jamais viveu ou provavelmente

viverá que o igualou ou igualará na

manifestação do pensamento. Ele

simplesmente leu o livro da natu-

reza e o interpretou do ponto de

vista de sua própria e impressio-

nante genialidade.

Não pense que é preciso

uma formação escolar para ter su-

cesso como um escritor. Longe

disso. Alguns de nossos teóricos

são maçantes, ineficientes, monó-

tonos e parasitas na sociedade, não

só sem importância para o mundo,

mas até para eles mesmos. Se uma

pessoa for muito enfeitada ela po-

de tornar-se sem atrativos para

outro ponto de vista. Como regra

geral, enfeites servem, mas são de

pouca utilidade. Quem conhece de

tudo um pouco, acaba por não co-

nhecer nada. Isto pode parecer

paradoxal, mas, no entanto, a expe-

riência prova que é verdade.

Se você tem poucos recur-

sos isto não é um problema, mas

uma vantagem. A falta de recursos

é um incentivo para esforçar-se,

não uma desvantagem.2 É melhor

nascer com um cérebro bom e ati-

vo do que receber as coisas sem ter

de fazer esforço. Elas acabam por

perder o valor. Se o mundo depen-

desse de amuletos de sorte, já teria

acabado muito tempo atrás.

Dos poços da pobreza, das

arenas do sofrimento, dos casebres

1 O autor refere-se a “O Peregrino”. (Nota

do Tradutor) 2 A este respeito, ver o filme Pergunte ao

pó, de 2006. Roteiro e direção de Robert

Towne, com Colin Farrell e Salma Hayk.

Baseado no romance de 1939 escrito por

John Fante. (Nota do Tradutor)

RR

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Page 63: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 63 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

da negligência, dos barracos da

obscuridade, dos becos e dos ca-

minhos da opressão, dos sótãos e

porões escuros, de intermináveis e

penosos trabalhos surgiram ho-

mens e mulheres que fizeram his-

tória. Eles tornaram o mundo mais

esclarecido, melhor, mais elevado

e mais sagrado pela sua própria

existência nele. Fizeram do mundo

um lugar melhor para viver e res-

peitável para morrer. Homens e

mulheres que fizeram isto por ini-

ciativa própria e assim santifica-

ram essa atividade com sua pre-

sença. Em muitos casos fizeram

isso dando seu próprio sangue.

Falta de recursos é uma graça, não

uma desgraça. É uma benção das

mãos de Deus se aceita de boa

vontade. Em vez de atrasar, tem

elevado a literatura em todas as

épocas. Homero era um mendigo

cego que declamava parte de suas

poesias por esmolas. O velho e

grande Sócrates, o oráculo da sa-

bedoria, enquanto ensinava os jo-

vens de Atenas, muitas vezes fica-

va sem comer porque não tinha

recursos para isso. O divino Dante

não era nada mais do que um men-

digo, um morador de rua sem casa,

sem amigos, que vagava pela Itália

enquanto compunha seus cantos

imortais. Milton, que em sua ce-

gueira “viu o lugar onde os anjos

tem medo de ir”, era muito pobre

quando escreveu sua maior cria-

ção, “Paraíso Perdido”. Shakespe-

are ficava alegre ao cuidar e lavar

os cavalos dos frequentadores do

Teatro Cavalo Branco por umas

poucas moedas para poder comprar

comida. Burns criou seus poemas

imortais enquanto guiava um ara-

do. O pobre Heinrich Heine, me-

nosprezado e pobre, de seu “col-

chão cripta3“, com seu sofrimento,

em Paris, adicionou louros literá-

rios à coroa de flores da Alema-

3 Em 1848 Heine adoeceu devido à sífilis

e passou a sofrer de paralisia, passando os

oito últimos anos de sua vida em um

colchão, que chamou de “colchão-cripta”,

em alemão: Matratzengruft. (Nota do

Tradutor)

nha, sua terra natal. Na América,

Elihu Burritt enquanto trabalhava

na bigorna, estudou e aprendeu

vários idiomas e tornou-se o leão

literário de sua época e de seu país.

Em outras áreas, ainda tra-

tando de esforço, a pobreza foi um

estímulo para a ação. Napoleão

nasceu na obscuridade, filho de um

simples escrivão em uma atrasada

ilha da Córsega. Abraham Lincoln,

glória e orgulho da América, o

homem que combateu a escravi-

dão, nasceu em uma casa rústica

na afastada Ohio. Assim também

foi com James A. Garfield. Ulys-

ses Grant veio de um curtume para

tornar-se um dos maiores generais

do mundo. Thomas A. Edison co-

meçou como vendedor de jornal

em uma estrada de ferro.

Os exemplos dessas pesso-

as são incentivos para a ação. A

pobreza impulsionou-os a ir adian-

te em vez de fazê-los desistir. En-

tão, se você é pobre, faça das suas

circunstâncias um meio para atin-

gir um fim. Seja ambicioso, man-

tenha um objetivo e aplique toda a

sua energia para alcançá-lo. Conta-

se uma história de Thomas Carlyle.

Do dia em que ele alcançou a mais

alta honra que o mundo erudito

poderia conferir-lhe quando foi

eleito Reitor da Universidade de

Edinburgh. Depois do seu discurso

de investidura, caminhando pelos

corredores, ele encontrou um estu-

dante aparentemente absorto em

seu estudo. Com sua forma áspera,

brusca e peculiar o Sábio de Chel-

sea perguntou ao jovem:

— Para quê você está es-

tudando?

— Não sei. – Respondeu o

jovem.

— Você não sabe? – Tro-

vejou Carlyle. — Jovem, você é

um tolo.

Então ele aplicou uma ve-

emente repreensão:

— Meu rapaz, quando ti-

nha a sua idade eu trabalhava,

vivia na pobreza na pequena cida-

de de Ecclefechan, nos campos de

Dumfrieshire, onde, em todo o

local, somente o Sacerdote e eu

sabíamos ler a Bíblia. Mesmo po-

bre e ignorante como eu era, na

minha imaginação via uma cadei-

ra esperando por mim na Galeria

da Fama. Dia e noite, noite e dia

eu estudava. Até que cheguei a

este cargo hoje de Reitor da Uni-

versidade de Edinburgh.

Um outro escocês, Robert

Buchanan, o famoso escritor foi de

Londres para Glasgow com nada

mais do que meia coroa no seu

bolso. “Aqui vamos nós”, disse ele,

“para uma sepultura na Abadia de

Westminster”. Ele não era mais do

que um estudante, mas sua ambi-

ção levou-o e ele tornou-se um dos

grandes leões literários da princi-

pal cidade do mundo. Henry M.

Stanley era um órfão cujo nome

real era John Rowlands. Ele foi

educado em um orfanato de Welsh,

mas era ambicioso, assim ele tor-

nou-se um grande explorador, um

grande escritor, vindo a ser mem-

bro do Parlamento e Cavaleiro do

rei da Inglaterra.

Ambicione ter sucesso e

você será bem sucedido. Risque a

palavra “fracasso” do seu dicioná-

rio. Não admita isso. Lembre-se:

“Na batalha ardente da vi-

da/somente vence/Quem todo dia

marcha adiante/e nunca diz: fra-

cassei.”4 Deixe cada obstáculo que

você encontrar ser nada mais do

que um degrau no caminho do

progresso contínuo para o sucesso.

Ainda que circunstâncias

desagradáveis cerquem você, deci-

da por superá-las. Bunyan escre-

veu “O Peregrino” na prisão de

Bedford com pedaços de papel de

embrulho enquanto passava a pão

e água. O infeliz gênio americano,

Edgar Allan Poe, escreveu “O

Corvo”, a mais maravilhosa con-

cepção e o mais artístico poema de

toda a literatura inglesa em uma

pequena casa na região de

Fordham, Nova Iorque, enquanto

4 Tradução em versos livres, sem

regularidade métrica, do poema Nunca

diga Fracassei, autoria desconhecida.

(Nota do Tradutor)

Page 64: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 64 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

estava na mais horrível situação de

necessidade. Durante toda sua cur-

ta e maravilhosamente brilhante

carreira, o pobre Poe nunca ganhou

um dólar que pudesse dizer que era

seu próprio. Isso, porém, é culpa e

desgraça dele próprio e é um mau

exemplo.

Miguel de Cervantes Saa-

vedra ficou três meses em uma

cadeia em Sevilha, na Espanha,

por causa de dívidas. Foi na prisão

que começou a escrever Dom Qui-

xote. Marco Polo, ao retornar da

China, comandou uma esquadra

veneziana na guerra contra Gêno-

va. Capturado, passou pelo menos

um ano no cárcere. Ditou As Via-

gens de Marco Polo para um com-

panheiro de cela. Graciliano Ra-

mos ficou nove meses preso, entre

1936 e 1937, por motivos políti-

cos. Mas seu livro Memórias do

Cárcere, relatando os dias de ca-

deia, só seria publicado no ano de

sua morte, em 1953. Voltaire, entre

1717 e 1718, passou onze meses

na Bastilha, a famosa prisão fran-

cesa, por escrever poemas contra a

monarquia. Ali, traçou as primeiras

linhas do poema épico Henriade.5

Não pense que é necessário

o conhecimento de uma biblioteca

inteira para ter sucesso como escri-

tor. Uma grande quantidade de

livros só atrapalha. Conheça pou-

cos, mas bons livros. Conheça-os

bem e terá tudo o que é necessário.

Um grande especialista disse uma

vez: “Tenha cuidado com o homem

que conhece bem apenas um li-

vro”, o que significa que o homem

de um livro é um mestre. Há quem

diga que um conhecimento pro-

fundo só da Bíblia já fará qualquer

pessoa um mestre da literatura.

Certo é que a Bíblia e Shakespeare

são um resumo da essência do co-

nhecimento.6 Shakespeare reuniu

5 DOMINGUES, Luiz Carlos. Zero Hora,

Porto Alegre, RS. 26 janeiro 2011.

Almanaque Gaúcho, p 66. Escrevendo no

Xadrez. Adaptado. (Nota do Tradutor) 6 Thomas C. Foster em seu trabalho “Para

ler literatura como um professor”, diz no

título do capítulo 6: “Quando estiver em

tudo que veio antes dele. Plantou

as sementes para todos que virão

depois. Foi o grande oceano inte-

lectual cujas ondas banharam os

continentes de todo pensamento.

Livros são baratos hoje em

dia. Os mais importantes trabalhos,

graças às editoras e gráficas, estão

ao alcance de todos, e quanto mais

você ler, melhor, desde que sejam

dignos de ler. Às vezes a pessoa

ingere veneno sem saber, como no

caso de certos alimentos, e é muito

difícil livrar-se de seus efeitos.

Então, tenha cuidado com o que

você escolhe para ler. Se não pude

ter uma grande biblioteca, e como

foi dito, isto não é necessário, sele-

cione uns poucos livros dos gran-

des trabalhos de alguns mestres,

assimile-os e compreenda-os de

forma que sejam um auxílio em

seu aprendizado literário.

Seu cérebro é um depósito,

não o ocupe com coisas que não

vai usar. Ocupe-o com o que é

proveitoso. Separe somente o que

tem valor e utilidade. O que você

pode usar para aquilo que você

precisa naquele momento.

Como para ser um bom au-

tor é necessário estudar os melho-

res autores, da mesma forma é

necessário estudar os melhores

oradores para falar com proprieda-

de e estilo. Para falar corretamente

você deve imitar os mestres do

discurso falado. Escute os melho-

res interlocutores e como eles se

expressam. Ouça as principais pa-

lestras, discursos e sermões. Não é

necessário imitar as formas de elo-

cução. É a naturalidade, não a in-

terpretação, que faz o orador. Não

é como um orador se expressa, mas

a linguagem e a maneira que ele a

usa que devem despertar interesse.

Você escuta os oradores da atuali-

dade? Houve mestres no passado,

mas suas línguas estão caladas no

pó do túmulo e agora só podemos

ler o que eles falaram. Você pode,

dúvida, é de Shakespeare.” e no título do

capítulo 7, continua: “... ou da Bíblia.”.

(Nota do Tradutor)

porém, ouvir os vivos. Para muitos

de nós, as vozes ainda falam das

sepulturas, nas vozes que ouvimos

quando inflamadas com a divina

essência do discurso.

Talvez você tenha se im-

pressionado com o entusiasmo das

palavras de Beecher e Talmage.

Ambos estimularam o espírito hu-

mano e converteram milhares de

pessoas a viver o Evangelho. Am-

bos foram mestres das palavras.

Espalharam as belezas da retórica

no santuário da eloquência e dis-

tribuíram verdadeiros buquês aos

seus ouvintes que ficavam avida-

mente dominados por Talmage,

enriquecendo seus depósitos de

informação. Ambos eram eruditos

e filósofos, ainda assim passaram

longe de sobrepujar Spurgeon, um

simples homem do povo com pou-

ca ou nenhuma instrução, no mo-

derno sentido da palavra. Spurge-

on, através de seus discursos,

atraiu milhares de pessoas a seu

Tabernáculo. Protestantes e católi-

cos, turcos, judeus e muçulmanos

corriam para ouvir e prestar aten-

ção, hipnotizados por sua lingua-

gem. Assim também foi Dwight L.

Moody, o maior evangelista que o

mundo jamais conheceu. Moody,

não era um homem de estudos. Ele

começou a vida como vendedor de

sapatos em Chicago, mesmo assim,

não há homem que tenha existido

que tenha atraído tantos ouvintes e

os fascinado com a encanto de seu

discurso.

“Ele tinha um magnetismo

pessoal.”, alguns poderão pensar,

mas não foi nada disso. Foram as

inflamadas palavras que pronunci-

ava para aqueles homens. Era a

forma, a maneira, a força com que

usava as palavras que juntava e

atraía as multidões para escutá-lo.

Magnetismo ou aparência pessoal

não são fatores essenciais para o

sucesso. Na verdade, até na ques-

tão física alguns deles eram limita-

dos. Spurgeon era um homem bai-

xo e gordo, Moody parecia um

fazendeiro, Talmage, com sua

grande capa, era um dos homens

Page 65: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 65 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

mais desalinhados e só Beecher era

aceitável no que diz respeito a

comportamento refinado e gentil.

A aparência física não é, como

muitos pensam, o principal para

despertar o interesse de um públi-

co. Daniel O'Connell, o tribuno

irlandês, era um homem simples,

feio, desajeitado, rude, mesmo

assim suas palavras atraíam um

grande número de pessoas e lhe

valeram a hostilidade do Parlamen-

to Britânico. Ele era um mestre da

eloquência e soube exatamente o

que dizer para cativar aqueles que

o ouviam.

Em quase todas as ocasiões

são as palavras bem colocadas que

contam. Não importa quão refina-

da a pessoa seja em outros aspec-

tos. Se ela usa palavras de forma

errada e se expressa de uma forma

inadequada com a construção das

frases, irá afastar quem a ouve.

Entretanto, quem usa as palavras

corretamente e emprega a lingua-

gem em harmonia com as regras e

diretrizes do bom discurso, deixa-o

sempre simples, atraindo e tendo

influência sobre quem o ouve.

O bom e correto orador, es-

tá sempre pronto a controlar a

atenção. As portas estarão abertas

para ele e ficarão fechadas para

outros não equipados com a capa-

cidade de se expressar. Quem fala

bem e é dedicado não fica sem

trabalho. É necessário em quase

todas as áreas da vida e do conhe-

cimento humano. O mundo precisa

de alguém assim a todo instante.

Há uma busca constante por bons

interlocutores, por aqueles que são

capazes de atrair o público e con-

vencer outras pessoas pela força da

sua linguagem. Uma pessoa pode

ser capaz, educada, refinada e de

caráter irrepreensível, apesar disso,

se não for capaz de se expressar,

de expor sua opinião de forma

agradável e apropriada, ficará para

trás enquanto outra, com muito

menos habilidade, terá a oportuni-

dade de tomar à frente se der for-

ma às suas ideias em palavras e

falar bem.

Pode-se, de novo, dizer que

a natureza, não a arte, faz do ho-

mem um orador fluente. Em boa

parte isso pode ser verdade, mas é

a arte que faz dele um bom orador.

É a prática que leva à fluência. É

possível para qualquer um tornar-

se um bom orador se, além disso,

perseverar, se esforçar e tiver cui-

dado.

Correndo o risco de ser re-

petitivo, um bom aviso deve ser

aqui enfatizado: Ouça os melhores

oradores e anote cuidadosamente

as palavras que mais impressiona-

rem você. Carregue um bloco de

notas e escreva as palavras, frases

e sentenças que são de alguma

forma destacáveis ou fora do uso

comum. Se não entender o exato

sentido de uma palavra, ouça e

procure no dicionário. Há muitas

palavras, chamadas sinônimos, que

tem quase o mesmo significado, no

entanto, quando examinadas, elas

expressam diferentes nuanças de

sentido e em alguns casos, em vez

de estarem relacionadas, são muito

divergentes. Tenha cuidado com

essas palavras, encontre seu exato

sentido e aprenda a usá-las de for-

ma correta.

Por fim, esteja aberto às

críticas, não se ressinta com elas,

especialmente peça que as façam e

olhe para elas como amigas que

apontam suas deficiências para que

você possa saná-las.

Tradução do capítulo X, Suggestions:

How to Write, What to Write, Correct

Speaking and Speakers, 10ª Edição, 2004.

*Autor do livro How to Speak and Write

Correctly, de onde este capítulo foi extra-

ído, disponível em

http://www.gutenberg.net. Todos os livros

deste site são de Domínio Público.

**Servidor público. Publicou a tradução

“História da Liberdade de Pensamento”

pela Editora da UFPel/RS, escreveu o

livro “Figuras & Vícios de Linguagem” e

o texto “As Bibliotecas Públicas Munici-

pais e a Administração Pública Direta”,

publicado na Revista Digital de Bibliote-

conomia e Ciência da Informação, RDB-

CI, da UNICAMP, e apresentado no I

Seminário de Estudos Literários de Pelo-

tas/RS. Ministra palestras, presta consul-

toria e assessoria na área de Direitos Au-

torais e Registro de Obras. Edita livros

para terceiros e o blog “Direitos Autorais

e Registro de Obras”. E-mail: claudiomi-

[email protected], Blog:

http://direitosautoraiseregistrodeobras.blo

gspot.com.

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 66 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

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OO SSIILLÊÊNNCCIIOO

Arnaldo Antunes / Carlinhos Brown

antes de existir computador existia tevê

antes de existir tevê existia luz elétrica

antes de existir luz elétrica existia bicicleta

antes de existir bicicleta existia enciclopédia

antes de existir enciclopédia existia alfabeto

antes de existir alfabeto existia a voz

antes de existir a voz existia o silêncio

o silêncio

foi a primeira coisa que existiu

um silêncio que ninguém ouviu

astro pelo céu em movimento

e o som do gelo derretendo

o barulho do cabelo em crescimento

e a música do vento

e a matéria em decomposição

a barriga digerindo o pão

explosão de semente sob o chão

diamante nascendo do carvão

homem pedra planta bicho flor

luz elétrica tevê computador

batedeira, liquidificador

vamos ouvir esse silêncio meu amor

amplificado no amplificador

do estetoscópio do doutor

no lado esquerdo do peito, esse tambor

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 68 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

SSIILLÊÊNNCCIIOO

Heróis da Resistência

Eu costumo sorrir demais

E fingir que eu posso tudo

Ninguém sabe o que eu sou capaz

Pra conquistar o mundo

Eu não posso perder meu tempo

Com alguém que eu não preciso

E se agente se amar um dia

Pensa bem, o que é que eu ganho com isso

Mas quando a noite chega

E eu não tenho mais pra quem fingir

Só eu sei o que isso dói

Eu te vejo sorrir demais

E esse olhar que pode tudo

E eu nem sei se acho graça ou não

Porque eu sei, eu sei que lá no fundo

Sempre que a noite chega

E você não tem pra quem fingir

Sempre que a noite chega

Você queria tanto

Alguém igual a mim

E a gente acaba a noite sempre assim

Bebendo orgulho e solidão

Chorando em frente a televisão

Mantendo silêncio

Pra ninguém ouvir

Pra ninguém ouvir

Shh...

Esse mundo é cruel demais

Mais você é mais que o mundo

Seu dinheiro, poder e fama

Você acha que te protegem de tudo

Mas quando a noite chega

E ninguém tem mais pra quem fingir

Mas quando a noite chega

Você tem tanto medo

Você é tão igual a mim

E a gente acaba a noite sempre assim

Bebendo orgulho e solidão

Chorando em frente a televisão

Mantendo silêncio, oh

E a gente acaba a noite sempre assim

Bebendo orgulho e solidão

Chorando em frente a televisão

Mantendo silêncio, oh..

Pra ninguém ouvir

Pra ninguém ouvir

Pra ninguém ouvir

Sofrendo em silêncio pra ninguém ouvir.

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 69 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

AASS RRIIMMAASS MMAAIISS UUSSAADDAASS NNAA MMÚÚSSII--

CCAA BBRRAASSIILLEEIIRRAA......

Claudiomiro Machado Ferreira

estudo mais amplo

sobre as rimas mais

usadas foi realizado

por um repórter que escreve sobre

a matéria. Em seu trabalho de con-

clusão de curso - o tão conhecido

TCC - de jornalismo Gustavo Mar-

tins analisou as 500 músicas mais

tocadas nas rádios do Brasil entre

os anos de 2001 e 2005. Para um

estudo mais aprofundado de todo o

conjunto de músicas nacionais

seria necessário analisar cerca de 2

milhões de músicas. A média de

rimas delas é de 6 em cada uma.

O autor do trabalho elabo-

rou uma tabela com as 6 mais re-

petidas. Uma breve análise mostra

que as músicas românticas são as

que mais usam esse recurso: de

3.073 rimas pesquisadas, 87% fa-

lam de amor. A rima que mais apa-

receu foi: “assim/mim”. Duas ex-

plicações seriam porque é um par

de palavras bastante comum e por-

que a música de amor mais popular

quase sempre é uma conversa entre

quem canta e a pessoa amada. Se-

gundo Martins não é por acaso que

a palavra mais usada em todas as

combinações de rimas que ele ana-

lisou é “você”.

......EE QQUUEEMM QQUUIISSEERR CCOOMMPPOORR UUMM

SSUUCCEESSSSOO,, FFAAÇÇAA IISSSSOO::

se letras repetitivas e batidas altas. Segundo a Revista Superinteressante uma pesquisa da Uni-

versidade de Cincinnati, nos EUA, mostrou que algumas melodias causam uma “comichão” no

cérebro, e, por isso, são mais facilmente assimiladas. As músicas YMCA e Macarena, por

exemplo, teriam propriedades parecidas com a histamina, proteína liberada pelo organismo quando somos pica-

dos por algum inseto, que se comunica com os neurônios, criando assim, a sensação de “coceira”.

Para saber se a música que você fez será um sucesso, basta perguntar ao computador, brinca a Revista.

Um software foi criado, o Hit Song Science, analisa ritmo, harmonia e cadência e dá nota para a canção. Os

criadores do programa garantem que mesmo com estilos diferentes, cantores de sucesso apresentam as mesmas

características. Segundo experiências a famosa banda irlandesa U2 e o famoso compositor Beethoven teriam

recebido as mesmas notas. O jeito é tentar para ver, ou ouvir...

OO

UU

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 70 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

FFOOTTOOGGRRAAFFIIAA

AA AARRTTEE DDEE WWIILLSSOONN FFOONNSSEECCAA

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 71 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

Poeta e fotógrafo. Há 4 anos desen-

volveu o projeto “Abstração Digi-

tal”, que já expôs diversas vezes.

Contatos: [email protected]

ou pelo telefone 53 9977-4271.

Page 72: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 72 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

AARRTTEESS VVIISSUUAAIISS

RROOSSAALLII CCOOLLAARREESS

Cartunista, caricaturista e estudante de Artes Blog: humorzerocartum.blogspot.com.br

Page 73: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 73 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

Annibale Carraci ( Itália, 1560-1609) Pintor barroco e criador do termo caricatura.

Virginia Woolf

The Beatles

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 74 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

Page 75: Revista Literária Silêncio - nº 01

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 76 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

“As Artes Liberais ensinam como viver; elas treinam uma pessoa a erguer-se acima de seu ambiente natural para viver uma vida intelectual e racional, e, portanto, a viver uma vida conquistando a verdade.”

Miriam Joseph Autora do livro O Trivium

Informações pelo e-mail: [email protected]

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 77 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

HHUUMMOORR

Autoria desconhecida

Redação feita por uma aluna do curso de Letras da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco -

Recife), que obteve vitória em um concurso interno promovido pelo professor titular da cadeira de Gra-

mática Portuguesa:

ra a terceira vez que

aquele substantivo e

aquele artigo se en-

contravam no elevador. Um subs-

tantivo masculino, com um aspecto

plural, com alguns anos bem vivi-

dos pelas preposições da vida. E o

artigo era bem definido, feminino,

singular: era ainda novinha, mas

com um maravilhoso predicado

nominal. Era ingênua, silábica, um

pouco átona, até ao contrário dele:

um sujeito oculto, com todos os

vícios de linguagem, fanático por

leituras e filmes ortográficos. O

substantivo gostou dessa situação:

os dois sozinhos, num lugar sem

ninguém ver e ouvir. E sem perder

essa oportunidade, começou a se

insinuar, a perguntar, a conversar.

O artigo feminino deixou as

reticências de lado, e permitiu esse

pequeno índice. De repente, o ele-

vador pára, só com os dois lá den-

tro: ótimo, pensou o substantivo,

mais um bom motivo para provo-

car alguns sinônimos. Pouco tem-

po depois, já estavam bem entre

parênteses, quando o elevador re-

começa a se movimentar: só que

em vez de descer, sobe e pára jus-

tamente no andar do substantivo.

Ele usou de toda a sua flexão ver-

bal, e entrou com ela em seu apos-

to. Ligou o fonema, e ficaram al-

guns instantes em silêncio, ouvin-

do uma fonética clássica, bem sua-

ve e gostosa. Prepararam uma sin-

taxe dupla para ele e um hiato com

gelo para ela. Ficaram conversan-

do, sentados num vocativo, quando

ele começou outra vez a se insinu-

ar. Ela foi deixando, ele foi usando

seu forte adjunto adverbial, e rapi-

damente chegaram a um imperati-

vo, todos os vocábulos diziam que

iriam terminar num transitivo dire-

to.

Começaram a se aproximar,

ela tremendo de vocabulário, e ele

sentindo seu ditongo crescente: se

abraçaram, numa pontuação tão

minúscula, que nem um período

simples passaria entre os dois. Es-

tavam nessa ênclise quando ela

confessou que ainda era vírgula.

Ele não perdeu o ritmo e sugeriu

uma ou outra soletrada em seu

apóstrofo.

É claro que ela se deixou

levar por essas palavras, estava

totalmente oxítona às vontades

dele, e foram para o comum de

dois gêneros. Ela totalmente voz

passiva, ele voz ativa. Entre beijos,

carícias, parônimos e substantivos,

ele foi avançando cada vez mais:

ficaram uns minutos nessa prócli-

se, e ele, com todo o seu predicati-

vo do objeto, ia tomando conta.

Estavam na posição de

primeira e segunda pessoa do sin-

gular, ela era um perfeito agente da

passiva, ele todo paroxítono, sen-

tindo o pronome do seu grande

travessão forçando aquele hífen

ainda singular. Nisso a porta abriu

repentinamente. Era o verbo auxi-

liar do edifício. Ele tinha percebido

tudo, e entrou dando conjunções e

adjetivos nos dois, que se encolhe-

ram gramaticalmente, cheios de

preposições, locuções e exclamati-

vas. Mas ao ver aquele corpo jo-

vem, numa acentuação tônica, ou

melhor, subtônica, o verbo auxiliar

diminuiu seus advérbios e declarou

o seu particípio na história.

Os dois se olharam, e viram

que isso era melhor do que uma

metáfora por todo o edifício. O

verbo auxiliar se entusiasmou, e

mostrou o seu adjunto adnominal.

Que loucura, minha gente. Aquilo

não era nem comparativo: era um

EE

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 78 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

superlativo absoluto. Foi se apro-

ximando dos dois, com aquela coi-

sa maiúscula, com aquele predica-

tivo do sujeito apontado para seus

objetos.

Foi chegando cada vez

mais perto, comparando o ditongo

do substantivo ao seu tritongo,

propondo claramente uma mesó-

clise-a-trois. Só que as condições

eram estas: enquanto abusava de

um ditongo nasal, penetraria ao

gerúndio do substantivo, e culmi-

naria com um complemento verbal

no artigo feminino.

O substantivo, vendo que

poderia se transformar num artigo

indefinido depois dessa, pensando

em seu infinitivo, resolveu colocar

um ponto final na história: agarrou

o verbo auxiliar pelo seu conecti-

vo, jogou-o pela janela e voltou ao

seu trema, cada vez mais fiel à

língua portuguesa, com o artigo

feminino colocado em conjunção

coordenativa con clusiva.

Page 79: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 79 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

VVIIDDAA DDEE BBIIBBLLIIOOTTEECCÁÁRRIIOO

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 80 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

LLIIVVRROOSS,, LLEEIITTOORREESS && AAUUTTOORREESS

Page 81: Revista Literária Silêncio - nº 01

Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 81 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]

CCAARRIICCAATTUURRAA

José Saramago – Fonte: Internet, autoria desconhecida.

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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 82 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]