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Editorial + Sumário

Continuamos lutando pra trazer pra você uma revista de qualidade. Nesta edição, acabamos a deixando um pouco mais enxuta. Seguimos pometendo o Tabelão. Não podemos perder este tipo de tradição, que ajuda e muito com a documentação da histó-ria do futebol brasileiro.

A intenção é, além de divulgar boas histórias, promover o futebol nacional. É mui-to legal ver o Real Madrid, o Chelsea, e o ~meu Swansea~. Mas nada é melhor do que acompanhar aquilo que é nosso. Aquilo que é próximo de nós e da nossa cultura.

Se somos chamados pelo mundo intei-ro de “país do futebol”, não é à toa. E para manter isso, precisamos tratá-lo como tal. Yuri Casari

4 - O maior andarilho da bola5 - Jaguaré8 - Panenka14 - Abdón Porte

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?Em 2016...

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O maior andarilho da bola

Dizer quem é o jogador que mais clu-bes representou, não é uma pergunta fácil de responder. Principalmente no futebol brasi-leiro, onde inúmeros jogadores fazem contra-tos de apenas três meses, além dos veteranos que atuam por poucos jogos nos mais distan-tes rincões do país. Além disso, existem pou-cos registros na internet com relações do tipo. A única encontrada, é um pequeno ranking desatualizado na bíblia (a RSSSF). Lá, o líder é o húngaro Alfred Schaffer, que vestiu a ca-misa de 21 clubes entre 1910 e 1925. Depois de aposentado, treinou menos clubes do que jogou, e teve destaque como comandante da Roma campeã italiana de 1942, o primeiro scudetto dos giallorossi. Entretanto, no Brasil, outros nomes ultrapassaram esta marca, como Cláudio Adão e Finazzi. Certamente, o grande detentor deste recorde é o folclórico Túlio Maravilha, que sempre foi um forasteiro da bola, e aumen-

tou ainda mais esta fama durante a busca de-senfreada pelo “milésimo gol”. De 87 a 2014, foram 34 clubes diferentes, além das idas e voltas em equipes como Botafogo, Vila Nova e outros. É claro, que assim como a conta dos gols de sua carreira, a conta de clubes tam-bém tem suas controvérsias. Nesta listagem, não foi contabilizado suas passagem pelo Leão de São Marcos, do Espírito Santo, nem pelo Manaus FC. Outras fontes indicam até 40 clubes na carreira do mais irreverente atacan-te do futebol brasileiro nos anos 90. Cnfira a lista: Goiás, Sion-SUI, Botafogo, Corinthians, Vitória, Fluminense, Cruzeiro, Vila Nova, São Caetano, Santa Cruz, Újpest-HUN, Brasiliense, Atlético Goianiense, Tupy, Jorge Wilsterman-n-BOL, Anapolina, Volta Redonda, Juventude, Al-Shabab-ARA, Fast, Canedense, Itauçuense, Itumbiara, Goiânia, Botafogo-DF, Potyguar de Currais Novos, Umuarama-GO, Operário de Várzea Grande, Barras, Bonsucesso, CSE, Ta-nabi, Vilavelhense e Araxá.

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Jaguaré: o primeiro grande goleiro brasileiro

Não era apenas o nome que soava in-comum. Mas Jaguaré também era notado por sua versatilidade em campo, e principalmen-te pela personalidade. Era, na origem da con-cepção da palavra, lendário. Nasceu no Rio de Janeiro em berço humilde, e antes de entrar no mundo do futebol, trabalhava como estiva-dor. Até no porto, lendas fizeram parte de sua história. Dizem que carregava sacos de fari-nha de trigo de 50kg com apenas uma mão. Começou sua carreira no Vasco em 28, após ser levado por Espanhol, um defensor que o viu em peladas no bairro da Saúde, onde era conhecido pelo apelido de Dengoso. Algumas fontes dizem que Jaguaré também jogou pelo Atlético Santista e pelo Pereira Passos (equi-pes amadoras). Sem saber ler nem escrever, foi preciso contratar um professor para lhe ensinar a assinar o próprio nome nas súmu-

las. Rapidamente se tornou um dos ídolos da torcida cruz-maltina, também graças à sua ir-reverência. Era tão misterioso, que nem a data de seu aniversário é conhecida. Fontes apon-tam os dias 14 de maio e 14 de junho, além de divergirem também no ano de nascimento, in-dicando 1900 ou 1905. Mas é certo que Jagua-ré nem ligava para isso. As histórias contadas a seguir, são verdadeiras, até que se prove o contrário! Jaguaré, sempre com seu gorrinho de marinheiro, tinha o costume de irritar os ad-versários. Certa vez, em um Vasco e Bangu, o goleiro prometeu a Ladislau, jogador alvirru-bro e irmão de Domingos da Guia, que o iria driblar. Já no primeiro lance envolvendo os dois, Jaguaré deu apenas um tapinha na bola por cima do atacante, que ao tentar impedir a jogada, tomou outro chapéu. Após as defesas,

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tinha o hábito de girar a bola sobre o dedo, como se fosse um jogador de basquete. Além de atirar a bola na cabeça do adversário e pe-gá-la novamente no “rebote”. Em um amistoso entre as seleções pau-lista e carioca, Jaguaré desafiou o lateral-di-reito Grané, ídolo do Corinthians, a bater um pênalti contra ele. O jogador era conhecido pelo chute potente. Após a cobrança de Gra-né, e a consequente defesa, prevalece a ousa-

dia do goleiro que se gabava como um verda-deiro Globetrotter. Em outra situação, o Vasco vencia o São Cristóvão por 5 a 0. O atacante do pequeno clube carioca invadiu a área e chutou. Jaguaré defendeu e devolveu a bola a Vicente: “Vamos, chuta de novo!”. Na segunda oportunidade, Vicente balançou as redes. Pelo Vasco, foi campeão carioca em 1929, e em 1931, após uma excursão pela Eu-ropa, em que o clube venceu 8 de 12 jogos disputados, Jaguaré assinou com o Barcelona,

junto do também jogador vascaíno Fausto dos Santos. Atuou por um tempo pela equipe cata-lã, e depois retornou ao Brasil para jogar pelo Corinthians (34-35). Voltou a jogar no Velho Continente, pelo Sporting de Lisboa na temporada 35-36, sendo campeão do Campeonato de Lisboa. Foi o primeiro brasileiro a vestir a camisa le-onina. Jogou 7 partidas e tomou 4 gols. A in-tenção inicial era ir para a Itália, levado por Fernando Giudicelli junto com Vianinha, mas a guerra entre Itália e Abissínia fez com que o trio ficasse em terras portuguesas. Em 1936, chegou ao Olympique de Marseille, onde alcançou seu maior destaque. No lugar de Bezerra, o sobrenome foi substi-tuído por Besveconne. Foi campeão francês em 37 (o primeiro dos 9 títulos nacionais) e da Copa da França em 38. Nesta mesma tempo-rada, marcou de pênalti um gol no empate em 1 a 1 diante do Séte, em 1º de maio de 1938, mais uma vez se mostrando pioneiro em sua posição. Na mesma partida, ainda defendeu outras duas penalidades! Um espanto! Rece-beu o apelido de Jaguar, por suas estripulias. Pelo clube francês, sofreu 70 gols em 69 parti-das. Outra lenda muito difundida dá conta de que o gol do título da Copa da França, na vitó-ria por 2 a 1 sobre o Metz, teria sido marcado por Jaguaré. Entretanto, o fato é desmentido por inúmeras fontes. Porém, na Europa, suas molecagens não eram tão bem aceitas. Foi duramente repreen-dido pela direção do Olympique ao realizar uma defesa elástica, fazendo um movimento parecido com o de uma bicicleta. Em outra oportunidade, fez com um francês o mesmo que havia feito com Alfredinho, e foi adverti-do pelo juiz, o ameaçando de expulsão. Outro fato importante de sua vida, é que Jaguaré te-ria sido o precursor do uso de luvas de goleiro no Brasil, após o seu primeiro retorno ao país. Pela Seleção, jogou em 3 partidas entre 1928 e 1929, e sofreu 5 gols. Boêmio e alcoólatra, gastava tudo o que ganhava, e voltou para o Brasil, com medo da guerra, com os bolsos vazios. Antes disso,

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ainda atuou 9 vezes pelo Académico do Por-to em 1939. No Brasil, ainda tentou jogar pelo São Cristóvão, mas seu período no clube du-rou pouco. Voltou a ser estivador e era motivo de chacota dos colegas, que não acreditavam nele quando contava suas histórias da época de jogador. Se mudou para Santo Anastácio, in-terior de São Paulo. Só foi aparecer novamen-te em 27 de outubro de 1946, quando faleceu. Até em sua morte, há divergências históricas. Fontes afirmam que Jaguaré havia se envolvi-do em uma briga, e foi espancado até a morte por policiais. Outra versão conta que após ser preso, bateu a cabeça na parede. Foi transferi-do para o Manicômio Judiciário de Franco da Rocha (mais conhecido como Juquery), sendo hospitalizado e falecendo pouco depois. Há ainda, uma terceira versão que diz que Jagua-ré foi esfaqueado. Independente da história verdadeira, terminou de forma melancólica a vida de um dos precursores dos futuros golei-ros-artilheiros, como Jorge Campos, René Hi-guita, Chilavert e Rogério Ceni.

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PANENKAQuando a obra torna-se maior que o artista

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20 de junho de 1976. Estádio Marakana, Belgrado. Na sua frente, Sepp Maier, uma muralha em forma de homem. Passar por ele era definir um título inédito para o futebol tchecoeslova-co, que já havia chegado perto do título mundial em 62. A Alema-nha era atual campeã da Copa do Mundo e da Euro, em 72. Seria a coroação da geração mais poderosa da história do país germâ-nico. No tempo normal, 2 a 2 . Svehlik e Dobias haviam colocado a Tchecoeslováquia na frente e Müller e Hölzenbein buscaram o empate. Nas penalidades, já eram 4 cobranças convertidas para a República Tcheca e outras 3 para a Alemanha. Hoeness havia desperdiçado a quarta cobrança, deixando a decisão nos pés de Panenka. O árbitro autoriza a batida. A partir daquele momento, Panenka deixaria de ser apenas mais um ótimo jogador para se transformar em uma lenda.

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Antonín Panenka nasceu em 2 de dezembro de 1948. Desde muito cedo, sem-pre carregava consigo uma companheira: a bola de futebol. Aos 9 anos, entrou na equipe juvenil do Bohemians Praga, clube da vida do maior jogador tcheco depois de Masopust. Em 67, pouco antes da Primavera de Praga, e da consequente invasão soviética, Panenka sobe para a equipe profissional do Bohemians. O Bohemians foi o alvo da dedicação ao futebol de Panenka, sendo jogador, auxiliar técnico e dirigente do clube alviverde.

Com a bola nos pés, o meio-campista era exímio batedor de faltas e tinha nos pas-ses e cruzamentos sua principal habilidade. Defender não era um atributo. Afirmou certa vez que “odiava desarmar”. Foi convocado para a seleção nacional pela primeira vez em 73. Em toda sua carreira, atuou por 59 vezes com a camisa da seleção e marcou 17 gols, sendo o oitavo maior artilheiro da história da Tchecoeslováquia. Nas eliminatórias para a

Copa de 74, a República Tcheca foi eliminada no grupo 8, apenas um ponto atrás da Escócia. Na sequência, os tchecos iniciaram a luta para a disputa da Eurocopa. Na época, a principal competição do Velho Continente tinha um formato bastante peculiar. Apenas quatro se-leções disputavam a fase final, constituída de semifinal e final em um país-sede. Para chegar a esta fase, as equipes eram distribuídas em grupos, e os melhores classificados disputa-vam um play-off. Na prática, uma disputa de quartas-de-finais, em ida e volta. O caminho da Tchecoeslováquia não iniciou bem. sofrendo uma dura derrota para a Inglaterra por 3 a 0, em Londres. Mas já na rodada seguinte, a história começou a mudar, com uma goleada por 4 a 0 diante do Chipre. Panenka brilhou, marcando três gols na parti-da. Em seguida, goleada ainda mais impres-sionante: 5 a 0 contra Portugal. No jogo seguin-te, vitória sobre os ingleses por 2 a 1. Na ponta da tabela, bastou um empate em Portugal, e nova vitória sobre a frágil equipe do Chipre, para garantir classificação à próxima fase. Nas quartas-de-finais, difícil duelo dian-te da União Soviética, revanche da Euro de 60, vencida pelos soviéticos, que eliminou a Tchecoeslováquia nas semifinais. Na primeira partida, em Bratislava (atual capital eslovaca), Panenka volta a brilhar marcando o segundo gol da vitória por 2 a 0. Na volta, o empate em 2 a 2 definiu nova classificação. Já na Iugoslávia, nas semifinais, o adver-sário era nada menos que a poderosa Holanda, vice-campeã mundial em 74, e adepta do “fu-tebol total”. Em Zagreb, a Tchecoeslováquia desbancou os holandeses por 3 a 1. No tempo normal, 1 a 1, com o tcheco Ondrus marcando o gol que abriu o placar no primeiro tempo, e anotando contra já na segunda etapa. Na pror-rogação, Nehoda e Veselý decretaram o resul-tado final. Voltamos ao início do texto. Final da Eurocopa. Tchecoeslováquia e Alemanha. Pa-nenka de frente para Maier. O tcheco já havia

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percebido uma tendência do alemão em cair para o lado esquerdo com antecedência. Com frieza, Panenka fez nada mais do que repetir o que já fazia em treinos no seu clube. Panenka partiu para a corrida um pouco antes da meia lua. “Eu costumava fazer uma longa corrida que me desse tempo para ver o que o golei-ro faria e como ele iria reagir. E o fazia rápi-do, porque é mais difícil para o goleiro ler sua linguagem corporal”. Ao chegar a bola, bateu com um leve toque, firme, por baixo da bola. Maier já havia caído para a esquerda, e a bola foi caindo lentamente para depois da linha de fundo. Explosão de Panenka que pouco pôde correr, logo imobilizado pelos abraços dos companheiros.

Em entrevista para a UEFA, Panenka falou sobre a decisão, o pênalti e sobre Sepp Maier: “Depois de cada treino costumava ficar mais um pouco, juntamente com o nosso go-leiro (Zdenek Hruska) treinando a cobrança de penalidades. Apostávamos uma barra de chocolate ou uma cerveja. E vencer ele foi se tornando difícil, pois ele era um goleiro muito bom. Por isso, às vezes antes de durmir, pen-sava em formas de o bater. Tive a ideia de que se atrasasse o pontapé e em vez disso tocasse a bola por cima, devagar, um goleiro que se atirasse para um dos lados não tinha tempo de voltar atrás, e essa tornou-se a base da minha filosofia”. “Comecei a testar lentamente e a co-locar em prática nos treinos. Como efeito secundário aumentei de peso, já que come-çava a ganhar as apostas. Comecei a usá-lo em amistosos, em jogos de menor importân-cia, e acabei por aperfeiçoar o chute e usei-o igualmente na primeira divisão. O ponto alto foi quando o utilizei na Euro. Acho que o Sepp Maier não encarou muito bem. Talvez ainda esteja um pouco sentido e talvez ainda não goste sequer de ouvir o meu nome. Nunca foi minha intenção ridicularizá-lo. Não conheço ninguém que seja capaz de brincar com ou-tra pessoa quando a conquista de um europeu está em jogo. Pelo contrário. Bati assim o pê-nalti porque percebi que era a forma mais fá-cil de marcar. Uma receita simples”. Outro fator decisivo, segundo Panenka, foi a união do grupo. Em geral, as equipes da Tchecoeslováquia se dividiam naturalmente em grupos de tchecos e eslovacos. Mas o téc-nico Vaklav Jezec, eslovaco, e o capitão Tonda Ondrus, tcheco, souberam formar um espírito de grupo. “Quando partimos para a fase final, ninguém esperava sucesso da nossa parte. Mas nós, os jogadores, tínhamos uma opinião diferente, mesmo que também não estivés-semos muito otimistas. Ainda assim, o certo é que possuíamos uma equipe muito forte. A sua composição era impressionante, com indivi-dualidades excepcionais. Tínhamos um gran-de equilíbrio. Possuíamos jogadores que luta-

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vam muito, outros que criavam e outros ainda que finalizavam. A combinação e variedade eram os ideais. Tínhamos excelentes treina-dores e em 20 jogos antes da Euro, ninguém nos venceu. Com os dois encontros na fase fi-nal, completamos 22 jogos sem perder, o que por si só é um testemunho suficiente da força da nossa equipe”. Ainda segundo Panenka, políticos disseram a ele após o jogo, que se tivesse errado aquele pênalti, poderia ser pu-nido pelo regime comunista a trabalhar por 30 anos na mineração do país. Após o título continental, a expectativa era que a seleção disputasse a Copa de 78. No mesmo grupo que a eliminatória anterior, ao lado de Escócia e País de Gales, nova decep-ção. Para 82, o sistema de disputa das elimina-tórias expandiu o número de equipes por gru-po, classificando as duas melhores equipes. A União Soviética ficou com a primeira vaga, e a Tchecoeslováquia passou em segundo graças ao saldo de gols, empatando em pontos com País de Gales. Em 80, a Eurocopa assumiu novo formato, com 8 equipes divididas em dois gru-pos. Panenka novamente foi um dos destaques da equipe que terminou na terceira colocação, vencendo a disputa pelo 3º lugar por 9 a 8 nas penalidades diante da Itália, país-sede do tor-neio. E como já habitual, Panenka não desper-diçou sua cobrança. Finalmente participando de uma Copa do Mundo, na Espanha, a esperança era de ao menos avançar de fase. Entretanto, a atu-ação coletiva do time foi decepcionante. Na estreia, o jogo mais fácil na teoria, se tornou num grande problema. Panenka, de pênalti, abriu o placar diante do Kuwait, que buscou o surpreendente empate na segunda etapa. Na segunda partida, contra a Inglaterra, Panenka não jogou, e viu de fora a derrota por 2 a 0 frente a Inglaterra. Mas ainda havia chance de classificação. Uma vitória contra a França bas-tava. Mas novo empate em 1 a 1 sepultou as esperanças. Panenka deixou sua marca outra vez em cobrança de pênalti. Em 1981, com o início da flexibilização política do regime comunista, Panenka deci-

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de respirar outros ares e se transfere para o Rapid Viena, conquistando duas vezes o cam-peonato nacional, três vezes a copa nacional e chegando ao vice-campeonato da Taça das Taças, perdida para o Everton. Depois disso, atua por mais duas temporadas pelo St. Pölten (de 85 a 87), antes de jogar em divisões infe-riores pelo Slovan Vienna (87-89), Hohenau (89-91) e Kleinwiesendorf (91-93), encerran-do sua carreira com 44 anos! Em 2014, Panenka recebeu o Golden Foot, premiação dada a grandes nomes do fu-tebol mundial. Na ocasião, esteve ao lado de outras estrelas, como Andrés Iniesta, Roger Milla, Jean-Marie Pfaff, Ardilles, Nakata, Hakan Sukur e Mia Hamm. No mesmo ano, tentou se eleger senador em seu país, mas não alcançou tal feito. Atualmente, é o presidente do Bohe-mians, cargo que ocupa desde 2005, sendo um dos líderes do resgate que o Bohemians sofreu, por conta de problemas que quase de-cretaram o fim de uma das mais tradicionais equipes tchecas. O clube, campeão tchecoes-lovaco em 1983 (sem Panenka), tem alternado entre a primeira e segunda divisão do país. Na temporada passada, salvou-se do rebai-xamento por apenas um ponto, e no certame atual, briga novamente para não cair. Marcado pelo modo de bater pênaltis, Panenka influenciou centenas de jogadores durante os anos seguintes, que vez ou outra revivem a famosa “cavadinha”. Pirlo, Zidane, Loco Abreu, Totti são alguns dos muitos nomes que se tornaram adeptos deste estilo, que nem sempre é executado com perfeição, como já demonstrado por Maicosuel e Alexandre Pato. “Eu não tenho o costume de rever, ou de lem-brar (sobre o pênalti). Mas me faz feliz que os jovens venham me perguntar sobre isso, eles querem saber os detalhes, meu ponto de vista. Fico contente que eu deixei alguma coisa de-pois de mim, por assim dizer. Sou um prisio-neiro deste pênalti. Por um lado, me orgulho muito disso, e me sinto sortudo por ter mar-cado o gol. Mas aquele pênalti ofuscou toda minha carreira: minhas performances, meus passes, e meus outros gols”.

O modo Panenka de bater pênaltis era tão eficiente, que até mesmo os goleiros que o conheciam de perto falhavam na tentativa de defender. Em maio de 76, pouco antes da final europeia, o Bohemians enfrentou o Dukla. O goleiro Ivo Viktor era companheiro de quarto de Panenka e conhecia seu estilo de cobrança e mesmo assim foi vencido pelo colega. “Você tem que o persuadir com seus olhos, sua cor-rida, ângulo, corpo, de que você está mirando em um dos cantos”. Diz a lenda que Viktor, in-clusive, tentou usar a persuasão para impedir Panenka de cobrar daquela maneira, na deci-são de 76. “Eu me vi como um artista, e vi este pênalti como um reflexo da minha personali-dade. Eu queria dar aos fãs algo novo para ver. Fazer algo que ninguém esperava. Eu queria que o futebol fosse mais do que simplesmente chutar uma bola”.

Panenka no colo do canguru, mascote do Bohe-mians. A aparência sisuda esconde a irreverên-cia de um dos grandes meias europeus.

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Suicídio no círculo central Na madrugada do dia 4 para o dia 5 de março de 1918, o silêncio da noite foi que-brado por um estampido vindo do interior do estádio Gran Parque Central, em Montevidéu. Horas depois, Severino Castillo, o zelador do campo, acordou, tomou seu chimarrão para espantar o frio, e botou suas luvas antes de partir rumo ao gramado do Parque Central acompanhado de seu fiel cão. Andava de ca-beça baixa quando avistou algo estranho. Seu coração já sentia a tragédia. Ao chegar ao meio de campo, encontra o corpo de um ho-mem que havia ajudado a mudar a história do Nacional e daquele estádio. Abdón Porte, ca-pitão tricolor durante 7 anos, havia se matado com um tiro no coração e caído no centro do

campo em que anos mais tarde, seria dado o primeiro (ou segundo, como queiram) ponta-pé da história das Copas do Mundo. Era o fim de uma história de paixão e suor eternizada em uma das tribunas de honra da acanhada casa do Decano. Voltamos para 1893, ano de nascimen-to de Porte, no departamento de Durazno. Em 1908, aos 15 anos, desembarcou na capital uruguaia. Em 1910, começou a jogar no pe-queno Colón e depois passou pelo já extinto Libertad. Chegou ao Nacional em 1911, graças à democratização pela qual o clube passou, apoiada pelo presidente José Maria Delgado, que permitia o ingresso ao clube de pesso-as de todas as classes. Fez sua estreia em 12

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de março contra o Club Dublin. Era um mé-dio-centro vigoroso, bom no jogo aéreo, do tipo que a América do Sul criaria aos montes com o passar dos anos. Pela garra, recebeu o apelido de El Indio. Foi capitão por inúmeras vezes e conquistou 19 títulos pelo Nacional: 4 campeonatos uruguaios, 5 Copas de Honra, 4 Copas Competencia, 1 Copa Aldao, 2 Copas Competencia Chevallier Boutell e 3 Copas de Honra Cousenier. Esteve na delegação uru-guaia no título do Sul-Americano de 1917, a primeira edição da atual Copa América. Um de seus maiores orgulhos era jamais ter per-tido para o CURCC (Central Uruguay Railway Cricket Club), grande rival da época. Porte tinha uma visão parecida com a de muitos de nós. Sem futebol e sem seu clube do coração, não havia porque viver. “O dia em que eu não puder mais jogar futebol, me dou um tiro”, costumava dizer. Em 1917, depois de vencer a Copa Uruguaya de Propiedad, uma de suas maiores glórias, o futebol físico de Porte começou a cair de desempenho, sendo relegado aos poucos para a reserva de Alfredo Zibecchi, algo inaceitável para ele. No dia 4 de março, ajudou o Nacional a vencer o Charley por 3 a 1, e comemorou junto aos companhei-ro até a noite. Por volta da uma da madrugada,

se despediu de todos dizendo que iria pegar o trem. Mudou de ideia. Afundado em depres-são reforçada pela morte recente de seus dois irmãos, Bolívar e Carlos, vítimas de varíola, El Indio decidiu não mais fazer parte deste mundo. Caminhou até o círculo central, como se fosse dar a saída de jogo da vida. Com um único tiro no próprio peito, Porte, então com apenas 25 anos, entrou para a eternidade do Club Nacional, camisa que vestiu por 207 ve-zes. Dentro de um chapéu de palha, uma carta destinada ao presidente José Maria Delgado, responsável por sua chegada, e também por sua definitiva partida: “Querido Doctor José María Delgado. Le pido a usted y demás com-pañeros de Comisión que hagan por mí como yo hice por ustedes: hagan por mi familia y por mi querida madre. Adiós querido amigo de la vida”. Logo abaixo da assinatura, versos que representavam toda a paixão e loucura de Porte

Nacional aunque en polvo convertidoy en polvo siempre amante.

No olvidaré un instantelo mucho que te he querido.

Adiós para siempre

O bangue-bangue uruguaio

Um pouco menos de dois anos depois da trágica despedida de Porte, uma história ainda mais extraordinária aconteceu no mes-mo trecho de campo do Gran Parque Central. Em 2 de abril de 1920, o jornalista, escritor e político Washington Beltrán Barbat, trava um duelo digno de Velho Oeste contra ninguém mais ninguém menos que um ex-presiden-te uruguaio, o também jornalista José Batlle y Ordoñez. O antigo mandatário máximo do país desafiou Beltrán por conta de um artigo escrito no dia anterior. Orgulhoso, o jornalista aceitou o desafio. Beltrán tinha 35 anos contra incríveis 63 do presidente, que se mostrou um

exímio atirador, e assassinou o desafeto com um tiro na axila. Batlle y Ordoñez morreria apenas 10 anos depois, durante uma cirurgia em razão de um tromboembolismo pulmonar. O episódio, inclusive, deu vida ao livro Qué tupé: Duelo o asesina-to? do jornalista, es-critore diretor de ci-nema uruguaio Diego Fischer, que conta o causo de uma maneira documentada, menos folclórica, e contextu-aliza o fato com a vida política da época.

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