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escrevendo juntos 1 escrevendo juntos 41 ARTE DEMOCRÁTICA E HUMANIZADORA Grafite: educação e atitude p. 29 CONQUISTAS E CONTROVÉRSIAS EJA: educação para todos p. 16 A LITERATURA DE UM POVO Entrevista com Ricardo Azevedo p. 46 Outra economia é possível A educação como novo paradigma para a sustentabilidade p. 18 Uma publicação da AlfaSol - janeiro/junho de 2010 - nº 41 - ISSN 1676-0948

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ARTE DEMOCRÁTICA E HUMANIZADORA Grafite: educação e atitude p. 29

CONQUISTAS E CONTROVÉRSIASEJA: educação para todos p. 16

A LITERATURA DE UM POVOEntrevista com Ricardo Azevedo p. 46

Outra economia é possível

A educação como novo paradigma para a sustentabilidade p. 18

Uma publicação da AlfaSol - janeiro/junho de 2010 - nº 41 - ISSN 1676-0948

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Sala de TeleSol no Centro de Reabilitação Agrícola Mariano Antunes (Crama), em Marabá (PA)

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Regina Célia Esteves de

Siqueira é superintendente

executiva da AlfaSol

A AlfaSol completa 14 anos de existência com a missão de disseminar e fortalecer o desenvolvimento social por meio de práticas educativas sustentáveis. Muito do que já foi realizado este ano, em uma nova e mais ampla configuração institucional, será lido aqui, mas há ainda outro tanto a realizar, como a inauguração das instalações do Centro Ruth Cardoso, além dos outros projetos que a Escrevendo Juntos informará em seu tempo.

Dinâmica e diversificada, a Escrevendo Juntos chega a seu número 41 discutindo temas ligados à Educação de Jovens e Adultos (EJA), além de relatar as ações e projetos executados pela Organização. Mas a nossa EJ vai além e trata de temas da atualidade, traz novidades, indicações editoriais, artigos de especialistas.

Neste número, um assunto fundamental na matéria de capa: sustentabilidade. Apesar de estar na moda, o conceito muitas vezes se simplifica em uma reflexão sobre a preservação ambiental. A Redação ouviu vários especialistas que aprofundaram a análise sobre o tema. É possível promover uma transformação de valores e estruturas, e vislumbrar um mundo diferente – social, econômica, cultural e ambientalmente sustentável?

A discussão sobre a utilização da arte do grafite no espaço educativo também enriqueceu as páginas da EJ. Promovemos uma enquete no site da AlfaSol sobre o assunto. Além de conferir o resultado da pesquisa, o leitor lerá uma matéria com o histórico e a cultura na qual se insere essa arte.

Reflexões e experiências sobre os principais desafios das políticas de EJA no Brasil fizeram parte de um dos seminários promovidos pelo

Centro Ruth Cardoso em 2010. André Lázaro, secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC, apontou a mobilização social e o reconhecimento do direito educativo dos jovens e adultos como importantes indutores na promoção e implementação de políticas públicas resultantes da demanda histórica de EJA. A professora Eliane Ribeiro Andrade também participou da discussão e aprofundou o tema com um artigo que a EJ publica acerca dos desafios para entender que a EJA faz parte de uma dinâmica social e educativa que não pode ser vista, entendida e julgada por ela própria.

O escritor Ricardo Azevedo, também artista gráfico, presenteia nossos leitores com a ilustração de capa deste número e uma entrevista na qual conta por que pesquisa e torna públicas as várias formas de manifestação popular do País com livros que, inclusive, fazem parte do programa Incentivo à Leitura da AlfaSol. Outro convidado da edição é Ladislau Dowbor, que defende a necessidade de junção entre o currículo tradicional e a compreensão dos alunos acerca da realidade em que vivem.

Em homenagem ao excepcional trabalho desenvolvido e pelo exemplo como educadora, a Escrevendo Juntos faz uma homenagem à professora Sylvia Bueno Terzi. Parceira da AlfaSol há 14 anos, a experiência no município de Inhapi (AL) é um exemplo de garra e determinação em prol da transformação da vida de um povo.

Esperamos que a EJ 41 seja fonte de informação, entretenimento e conhecimento para toda a sua enorme gama de leitores. Desejamos uma boa leitura a todos!

A palavra escrita

Editorial

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Gostaria de participar do programa adote um aluno. Como posso fazer as contribuições mensais?Walter Munhoz (SP)Agradecemos imensamente a expressão da sua vontade em firmarmos essa parceria. Para contribuir com a Campanha Adote um Aluno, basta efetuar um cadastro por meio do site da AlfaSol ou do telefone 0800 727 17 21.Com apenas R$ 30,00 durante 12 meses, você pode adotar um aluno e colaborar com essa transformação.Equipe do Departamento de Desenvolvimento InstitucionalEm nossa empresa vamos fazer uma campanha de arrecadação de livros novos e usados para serem doados. A ideia inicial era doar para algum município pobre do Nordeste, em especial cidades carentes do estado do Piauí. Procurando bibliotecas e escolas na região, tivemos pouco sucesso, com notícias desencontradas e sites pouco confiáveis. Pesquisando, encontrei o site da AlfaSol e fiquei muito interessada na

história e iniciativa de vocês. Gostaria de saber se vocês têm interesse nos livros que pretendemos doar ou se indicam alguma instituição/escola/biblioteca para destino.Agradeço desde já e parabenizo pelo trabalho de vocês.Vanessa Ramos (SP)Em primeiro lugar, nossos parabéns pela iniciativa e agradecemos o interesse em colaborar com os projetos da AlfaSol.A AlfaSol é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos. Para a realização de suas ações, atuamos em municípios apontados pelo Censo do IBGE como aqueles que detêm os  maiores índices de analfabetismo, em parceria com governos federal, estaduais e municipais, empresas públicas e privadas, além de Instituições de Ensino  Superior. Como mencionado anteriormente, trabalhamos com parcerias, e isso inclui o envio de acervos às localidades atendidas. Para que possamos concretizar sua proposta, é preciso saber qual a previsão para realização da campanha, e se há uma estimativa de quantos livros poderão ser recebidos. Desde já, agradecemos o contato e nos colocamos à disposição para outras informações.Centro de Referência em Educação de Jovens e Adultos (Cereja) da AlfaSol

E você, o que pensa sobre esse assunto? Escreva para [email protected] e dê sua opinião.

porta giratória

Durante o mês de julho, a AlfaSol manteve ativa em seu site www.alfasol.org.br uma enquete com a pergunta: “Na sua opinião, a arte do grafite pode ser explorada no espaço educativo?” Veja o resultado:

A revista Escrevendo Juntos ouviu diversos especialistas cujas respostas renderam uma reportagem sobre o tema para esta edição, “Arte de rua, educação e protesto”, que pode ser lida nas páginas 29 a 34.

Confira abaixo uma prévia sobre o que pensam alguns especialistas entrevistados:

“O grafite é um mosaico de ações e sentidos; tem origem e contexto na cultura hip-hop. Se usado na escola, não deve distanciar-se de sua origem.”Paulo Carrano, coordenador do Observatório Jovem do Rio de Janeiro e professor adjunto da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense.

“A escola faz parte da comunidade, e promover a sua revitalização por meio de oficinas de grafite gera um retorno à valorização deste espaço. Procuramos transformar a escola em um ambiente em que os jovens se sintam bem e empoderados do espaço de aprendizagem.”Satão, grafiteiro do coletivo DF Zulu (Ceilândia – DF).

expediente

correspondência

Regina Célia Esteves de SiqueiraSuperintendente ExecutivaJuliana Opípari Paes BarretoDiretora de PlanejamentoCarlos Henrique de LimaDiretor de DesenvolvimentoInstitucionalMaristela Miranda BarbaraDiretora de Formação eAcompanhamento PedagógicoAlex TakayamaDiretor Administrativo e deTecnologia da InformaçãoEdnéia GonçalvesAssessora TécnicaClaudia CavalcantiAssessora de Comunicação

Jornalista responsávelCarolina GutierrezRedaçãoCarolina GutierrezPriscila PiresProjeto gráfico e diagramaçãoCreatrix DesignIlustrações da capa e mioloStock.XchngImagens licenciadas em Creative CommonsISSN1676.0948Tiragem desta edição3.000 exemplares

AlfaSolRua Pamplona, 1005 Edifício Ruth Cardoso. Jd. PaulistaSão Paulo (SP) CEP: 01405-001Tel.: (11) [email protected]

A revista Escrevendo Juntos é produzida pela AlfaSol (Alfabetização Solidária), uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, fundada em 1996 com a missão de disseminar e fortalecer o desenvolvimento social por meio de práticas educativas sustentáveis. Esta publicação é dirigida a empresas privadas, instituições governamentais e não-governamentais, instituições de ensino superior, municípios, bem como governos estaduais e federal, além de cidadãos de diversos setores da sociedade civil.

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sumárioA Escrevendo Juntos nomeou suas seções com obras de grandes escritores brasileiros. Neste número, com a seção Todos os Nomes homenageamos o português José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura de 1998, falecido em junho de 2010. Veja, a seguir, a relação de obras, seus autores e o ano de sua publicação.

A palavra escrita: Paulo Mendes Campos, 1951 | Correspondência: Machado de Assis, 1932 | Porta giratória: Mario Quintana, 1988 | Estas estórias: Guimarães Rosa, 1969 (obra póstuma) | Caderneta de campo: Euclides da Cunha, 1975 (obra póstuma) | Bagagem: Adélia Prado, 1976 | O caderno H: Mario Quintana, 1973 | Caminho das pedras: Rachel de Queiroz, 1937 | O avesso das coisas: Carlos Drummond de Andrade, 1987 | Noções de coisas: Ziraldo e Darcy Ribeiro, 1995 | Todos os Nomes: José Saramago, 1997 | Ave, palavra: Guimarães Rosa, 1970 (obra póstuma) | Versos e versões: Raimundo Correa, 1887 | Alumbramentos: Manuel Bandeira, 1960 | Linhas tortas: Graciliano Ramos, 1962 (obra póstuma) | A descoberta do mundo: Clarice Lispector, 1984 | É isso ali: José Paulo Paes, 2005 | Lição de coisas: Carlos Drummond de Andrade, 1964 | Páginas escolhidas: Machado de Assis, 1921 | Alfarrábios: José de Alencar, 1873.

Estas estórias 4Acontece na educação

Caderneta de campo 7Acontece na AlfaSol

Bagagem 14EJA: o que é isso?

O caderno H 16Matéria de capa: Outra economia é possível

Caminho das pedras 25Educação e desenvolvimento local | por Ladislau Dowbor

O avesso das coisas 27Arte de rua, educação e protesto

Noções de coisas 35Projetos País afora

Todos os nomes 40 por Arnaldo Antunes

Ave, Palavra 41Você fala internetês?

Versos e versões 44Educação de Jovens e Adultos no Brasil: conquistas e controvérsias | por Eliane Ribeiro Andrade

Alumbramentos 46Um país marcado pela cultura do povo | sobre Ricardo Azevedo

Linhas tortas 51O esporte como multiplicador da paz | por Bernardinho

A descoberta do mundo 54UniSol em ação

É isso ali 58Histórias

Lição das coisas 61Cereja na prática

Páginas escolhidas 64Lançamentos do mercado editorial

Alfarrábios 66O livro que marcou a minha vida

Parceiros 67

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SMS: uma questão de linguagem?

Um estudo publicado pela British Academy afirma que crianças que usam mensagens de texto SMS em celulares

leem e falam melhor do que as demais. A pesquisa, conduzida com um grupo de crianças

entre oito e 12 anos, concluiu que os usuários mais regulares de SMS eram os que tinham menos problemas em ler e falar em sala de aula.

No entanto, os pesquisadores não conseguiram detectar qualquer sinal de que a linguagem utilizada nas mensagens tem efeito na habilidade de escrever dentro das normas corretas da língua inglesa.

Estas estórias

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Baixa qualidade da educação Segundo o Relatório de Monitoramento de Educação

para Todos de 2010, produzido pela Unesco, os índices de repetência e abandono da escola no Brasil são os mais elevados da América Latina.

Apesar da melhora apresentada entre 1999 e 2007, cerca de 13,8% dos brasileiros largam os estudos no primeiro ano no ensino básico. Neste ponto, o país só fica à frente da Nicarágua (26,2%) e, mais uma vez, bem acima da média mundial (2,2%).

Políticas públicas para a juventude

Apesar de demonstrar uma série de êxitos para esse segmento, a real inserção dos jovens nas políticas públicas é algo muito recente – do final dos anos 1990.

O Brasil possui hoje uma população de 50 milhões de jovens, dos quais 31% podem ser considerados pobres e apenas 13% têm acesso ao ensino superior. Segundo pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), tais números são resultado da carência de recursos para qualificar e ampliar processos de gestão.

Para Márcio Pochmann, presidente do IPEA, falta coordenação e articulação dentre as diversas esferas – federal, municipal e estadual – na proposição e implementação das políticas públicas voltadas para a infância e juventude.

Acontece na Educação

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Estas estórias

Brás Cubas no CarandiruA antiga detenção da cidade de São Paulo, agora Parque da

Juventude, é o mais novo lar de Dona Flor, Capitu, Miguilim e, até mesmo, de João Grilo – personagens da literatura brasileira. Eles assumem seus lugares nas estantes da recém-inaugurada Biblioteca de São Paulo.

Com um acervo inicial reduzido – 30 mil volumes –, o novo espaço parece que foi concebido menos para atender à demanda de estudo e pesquisa e mais como isca para a leitura. Best-sellers, lançamentos, revistas, ambiente arejado, pufes coloridos, atrações para crianças, acessibilidade, bibliotecários-vendedores. Uma mega loja de livros gratuitos – um lugar onde Camões conversará com Dan Brown, e Marília de Dirceu disputará atenção com a enigmática Monalisa do Código da Vinci.

Banda larga em 92% das escolas brasileiras até 2010O Ministério da Educação fechou acordo com as operadoras de

banda larga para informatizar e incentivar a cultura digital nas escolas. Segundo o secretário de Educação à Distância do MEC, Carlos

Bielshowsky, até o final deste ano 92% das escolas brasileiras terão acesso à internet. Isso significa a inclusão digital de cerca de 35 milhões de estudantes e a possibilidade de novas estratégias pedagógicas com o uso de conteúdos digitais na sala de aula.

O governo também promoveu a capacitação de professores na área de tecnologia durante a Conferência Internacional – O Impacto das Tecnologias da Informação e da Comunicação na Educação.

Brasil sem analfabetismo e desmatamento até 2022?

Os dois objetivos fazem parte do plano de metas setoriais para 2022 (Plano Brasil 2022), ano em que o país comemora o bicentenário de sua independência.

O ministro de Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães, explica que as metas foram traçadas tendo em vista o alto crescimento anual do Brasil (6 a 6,5%). Além disso, o governo conta com as perspectivas geradas pelas reservas do pré-sal.

Após a fase de elaboração, as metas serão avaliadas por especialistas e pela sociedade. O plano Brasil 2022 foi entregue ao presidente Lula no dia 30 de junho.

O que séries como Lost têm a ver com as salas de aula

Ética com Dr. House? Sociologia à base de The Wire? Metafísica inspirada em Lost?

A ficção invadiu as universidades mais prestigiadas da Espanha e EUA. Professores e alunos encantam-se com a ideia de ter Platão lado a lado com David Simon – criador de The Wire.

Para os professores, recorrer às séries é uma forma de se aproximar da realidade dos alunos. Se a realidade mudou, o ensino também deve mudar.

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Estas estórias

Livros didáticos digitais Após o lançamento do iPad, a discussão em torno do e-book

novamente alvoroçou os ânimos. Os mais românticos veem a evolução do livro digital como a morte do livro impresso. Já

os fissurados por tecnologia e os visionários veem como uma oportunidade para ingressar no filme “De volta para o futuro”.Agora, o mercado editorial do e-book pode invadir o

cenário da educação. Uma pesquisa revelou que, até 2014, 20% dos livros didáticos serão digitais. Mas, por enquanto, essa será

uma realidade somente nos EUA. No Brasil, as escolas ainda esperam pelo acesso à internet.

Pobres usam mais a internet para estudar do que os ricos

Em levantamento sobre o perfil do usuário da web feito pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC.br), chama a atenção o fato de que as classes que mais utilizam a rede para fins educacionais são a D e E.

Dentre os mais pobres, 72% dos usuários da internet a utilizam para a educação própria. Dentre os mais ricos, esse percentual chega a 68%.

Acesso de indígenas à universidade ainda é pequenoA discussão sobre cotas nas universidades brasileiras ainda é tabu. Mesmo com a evolução das

ações afirmativas e acordos entre Funai e Instituições do Ensino Superior, integrantes de povos indígenas não conseguem ingressar na graduação.

Segundo pesquisa do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação, de um total de 2.985.137 vagas oferecidas pelas 2.252 instituições brasileiras, 1.093 foram destinadas a índios, o que representa somente 0,03% do total. O estudo ainda aponta que dos 1.713 inscritos nessas vagas, apenas 282 conseguiram de fato ingressar no ensino superior.

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futuro de Inhapi estava fadado ao insucesso devido à falta de letramento de seus habitantes. O trabalho conjunto desenvolvido entre a AlfaSol e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) proporcionou uma segunda chance à região, que teve a oportunidade de reescrever sua própria história.

A iniciativa chegou aos ouvidos da então professora do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), Sylvia Bueno Terzi. Ela, que viu o trabalho com a Educação de Jovens e Adultos (EJA) interrompido por conta do golpe militar de 1964, teve também sua chance de realizar um sonho com o trabalho que se iniciaria.

Sylvia passou, então, a coordenar as turmas de EJA em Inhapi e Olho d’Água do Casado. No início, com as capacitações realizadas na universidade, a professora conta que ficavam vinte dias com toda a infraestrutura da Universidade à disposição, realizando atividades e discutindo diversos temas – de planejamento

piloto, iniciado em 1997, registrava índice de 60% de analfabetos dentre pessoas de 15 a 19 anos. Naquela época, a cidade, com cerca de 16 mil habitantes, não possuía outros meios de comunicação, além da televisão e de um carro de som que circulava pela cidade anunciando os acontecimentos.

Hoje, 13 anos depois, engana-se quem pensa que o

Sylvia Terzi e o verdadeiro significado da cidadania

Priscila Pires

Inhapi, pequena cidade do sertão alagoano, a cerca de 300 quilômetros de Maceió e um dos primeiros municípios atendidos pela AlfaSol ainda no projeto

Ruth Cardoso e Sylvia Terzi em visita à Sala de Leitura Paulo Freire

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familiar a visitas a teatros e ao planetário. “Beto, um dos cinco filhos de uma família da região, tratava do gado e me disse que era feliz antes da Unicamp. No entanto, foi só depois daquela experiência que ele pôde perceber o quão maior era o mundo do que aquele que ele conhecia. Ele entrou na faculdade e cursou História. Foi discriminado, mas depois que participou dos primeiros grupos perceberam o valor que ele tinha. Os irmãos roceiros viram o sucesso dele e foram para a Universidade também. Exemplo de transformação da vida da família e da comunidade”, conta Sylvia sobre a história do aluno que já foi secretário de Educação de Olho d’Água do Casado, José Alberto Fernandes de Oliveira.

O atendimento, de acordo com a demanda de cada localidade, era minuciosamente estruturado por Sylvia e sua equipe em um mapa, no qual eram demarcados os lugares a serem trabalhados com a visita da coordenadora de porta em porta. Logo, Sylvia conseguiu um aparelho de fax para cada município e passou a enviar matérias de jornais de outras localidades para serem trabalhadas em sala de aula. “Não havia nada na cidade, nenhum jornal. Não circulava nenhum material de comunicação. As aulas eram iniciadas com textos de

jornal e dados da vida real, como a certidão de nascimento, uma conta de água, poemas, crônicas. Tudo começando pelo uso frequente na cidade – ônibus, placas indicadoras –, mas sempre indo além e falando de problemas da própria região. Também disponibilizávamos revistas e material para que os outros se familiarizassem com o uso da língua.”

O trabalho deu tão certo que um jornal-mural foi montado. As notícias de outras cidades eram afixadas em um ponto de grande circulação da cidade. “Até nos mandaram retirar o material certa vez, mas o interesse pela leitura era tanto que muitas pessoas se aglomeravam em torno, insistindo para ler. O que já havia sido publicado era público e ficava lá, à disposição.”

Trabalho de formigaEm 1998, com a doação de 119

livros e 30 revistas, nova demanda surgiu na localidade: era preciso um espaço de convivência e multiplicação que abrigasse o material. Uma das coordenadoras integrantes da equipe, Odaléia Daniel de Souza, não pensou duas vezes: comprou um terreno com dinheiro do próprio bolso, e a construção da Sala de Leitura Paulo Freire começou. “Odaléia era ótima e nós tínhamos o mesmo método de trabalho. Conseguimos

Acesso a informações e discussão de temas em sala de aula

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Em Inhapi, as informações passaram a ser transmitidas por meio de um jornal-mural

Disseminação de informações e estímulo à leitura espontânea

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o avanço dos alunos, e o grupo criou respeito e confiança mútua”, enfatiza Sylvia, ao recordar-se da companheira de trabalho já falecida.

A sala de leitura, hoje com oito mil títulos catalogados, segue mantida pela comunidade, que leva livros, receitas, gibis. O espaço também abriga grupos de jovens da cidade que discutem sobre justiça e demais assuntos ligados à comunidade, como as enchentes que ocorreram em Alagoas em junho de 2010, fazendo reflexões sobre a importância da prevenção e sobre as causas do desastre.

“Não havia problemas, eram desafios”

A transformação social nos municípios alagoanos mostra a força do trabalho realizado. Uma pesquisa da equipe de

coordenadores com cerca de 84 alunos de Inhapi relatou que as expectativas iniciais se limitavam a conseguir identificar o letreiro de um ônibus ou uma placa de sinalização. No final, ficou evidente que ao desejo de saber ler as coisas simples do dia a dia somava-se a ambição de tornar-se cidadão, reconhecido e, sobretudo, ouvido. “O comentário geral era de que agora ninguém andava mais pela cabeça dos outros. Eles queriam a valorização do indivíduo, e quase 30% dos entrevistados deixavam claro que queriam ser respeitados e bem informados”, afirma Sylvia.

Segundo levantamento recente feito em Inhapi, não há analfabetos na cidade. Desde o início, o estímulo para a continuidade dos estudos fez com que 51 ex-alfabetizadores se

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Sala de Leitura Paulo Freire: espaço de convivência e multiplicação da leitura

graduassem. “Inhapi agora tem faculdade, e há mais 30 alunos na graduação. Vários participantes conseguiram o 1° lugar em concursos públicos e outros trabalham em grandes projetos sociais – resultado do empreendimento surgido por meio daquele que realizamos conjuntamente com a AlfaSol.”

Aos 70 anos e prestes a se aposentar, a doutora em Linguística Aplicada despede-se de suas funções como coordenadora do programa nos municípios de Alagoas. “Foram 14 anos de muita empolgação e prazer. Não havia problemas, eram desafios que enfrentamos com confiança, colaboração e respeito mútuo. Nunca pensei que fosse conseguir tudo isso, todos trabalhando pela mesma coisa: educar o povo para transformar a vida, a sociedade. A AlfaSol foi e continuará sendo parte da minha vida. Foi a personificação do meu sonho de alfabetizar.”

A AlfaSol, dando voz aos envolvidos direta e indiretamente no trabalho levado adiante pela professora Sylvia Terzi e sua equipe, presta homenagem a um exemplo de educadora que dedicou grande parte de sua vida ao sonho possível de alfabetizar, que transformou a realidade de milhares de pessoas.

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Políticas e oportunidades

EJA no Brasil. “Finalmente a EJA entrou no

campo da disputa! Mas ainda estamos comendo pelas bordas. Continuamos simbólica, objetiva e materialmente em condição marginal.” A fala da Profa. Dra. da Faculdade de Educação da UERJ e da Pós‐Graduação da UNIRIO, Eliane Ribeiro Andrade, resumiu o debate do terceiro seminário promovido pelo Centro, “EJA: nas bordas da educação?”, no dia 26 de maio de 2010. A mesa foi composta ainda pelo expositor André Lázaro e por Sandra Helena Ataíde de Lima,

sob mediação de Salete Valesan Camba.

André Lázaro, secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (SECAD/MEC), explicou que o reconhecimento do direito educativo dos jovens e adultos, aliado à mobilização social (sobretudo na área rural), foi importante indutor na promoção e implementação de políticas públicas resultantes da demanda histórica de EJA. Lázaro disse ainda que houve grande investimento no setor da educação de jovens e adultos.

Já Eliane Ribeiro Andrade, pesquisadora com larga experiência nas áreas de EJA,

Com o auditório lotado, o Centro Ruth Cardoso, em conjunto com a AlfaSol, trouxe à tona reflexões e experiências sobre os principais desafios das políticas públicas de

Segundo o secretário André Lázaro, R$ 6 bilhões foram destinados à EJA em 2009

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juventude e avaliação – tendo realizado, dentre outros estudos relevantes, a avaliação  do Programa Brasil Alfabetizado –, trouxe para o debate a importância de uma visão mais ampliada de direitos. “Devemos entender a alfabetização como um bem para todos. Desenvolvemos o assunto apenas como um bem para o indivíduo e não para a sociedade”, declarou. Da mesma forma, Eliane foi enfática ao dizer que a EJA deve ser trabalhada e vista como parte integrante e intrínseca ao sistema educacional.

Todas as reflexões expostas durante o seminário foram complementadas pela experiência da distante cidade de Moju (PA). A secretária de Educação do município, Sandra Helena Ataíde de Lima, contou que nas escolas – que se estendem ao longo do rio de mesmo nome – existem 3.500 alunos de EJA.

Em 1991, após grande luta pelo direito à educação e mobilização local, a comunidade conseguiu implementar a primeira escola de 1º e 2º graus. As conquistas aumentaram ao longo dos anos: instalação de um campus da Universidade Estadual do Pará; políticas de educação no campo junto às comunidades quilombolas, ribeirinhas e indígenas; sete escolas no campo com séries finais do fundamental; valorização e formação dos professores e plano de carreira; EAD (educação à distância) pela Universidade Aberta do Brasil; dentre outras.

A moderadora Salete Valesan Camba, diretora de Relações Institucionais do Instituto Paulo Freire, ponderou que, assim como em Moju, as políticas de EJA devem ser transformadas em verbo, em ação.

Segundo a secretária de educação Sandra Helena de Lima, o município de Moju demonstrou grandes avanços nas políticas públicas de EJA

A eficiência das práticas pedagógicas foi rediscutida pela mesa debatedora(da esq. para a dir: Eliane Ribeiro Andrade, André Lázaro, Salete Camba e Sandra Helena Ataíde)

Leia matéria completa no site http://www.alfasol.org.br/site/noticia.asp?id=784

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Da Araraquara dos anos 1930 ao Brasil de muitas datas, os tempos que cercaram o regime militar, o exílio, a vida em Brasília durante os oito anos do governo FHC. Estes são apenas alguns dos cenários que compõem a biografia que relata a vida e a obra acadêmica e social da antropóloga Ruth Cardoso.

Escrito pela socióloga e ex-aluna, Margarida Cintra Gordinho, Livro de Ruth retrata a infância e a juventude, a vida acadêmica e a militância social, a criação e o desenvolvimento da Comunidade Solidária e seus programas, hoje reunidos na RedeSol, a partir de depoimentos de amigos, companheiros de profissão e personalidades da vida pública que conviveram com ela.

Livro de Ruth pode ser adquirido no site http://www.cereja.org.br/livroderuth/, com renda revertida para o Centro Ruth Cardoso, que tem como missão preservar a memória e a obra acadêmica e social da antropóloga, assim como disseminar conhecimento nas áreas ligadas às políticas sociais e às ciências humanas.

Ruth Cardoso em livro

Livro de RuthMargarida Cintra GordinhoCo-edição: Fecap e Imprensa Oficial(IMESP)256 pp.1ª edição – 2009Compras pelo site: http://www.cereja.org.br/livroderuth/

Conte sua história!Pesquisadores, agentes sociais e profissionais da área de

educação, Educação de Jovens e Adultos (EJA), cultura e direitos humanos, poderão relatar suas experiências em um ambiente online. Isto porque está em andamento um espaço no qual poderão ser compartilhados conhecimentos adquiridos por meio da vivência com a EJA.

Organizado pelo Centro de Referência em Educação de Jovens e Adultos (Cereja), da AlfaSol, o projeto Histórias de EJA visa resgatar, sistematizar, preservar, valorizar e disseminar informações e experiências em EJA, criando um ponto de encontro para trocas e colaboração sobre assuntos ligados ao tema.

O projeto tem abrangência nacional e internacional. Acesse o site do Cereja e acompanhe o desenvolvimento do projeto!

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consequentemente, a divulgação do trabalho das Instituições de Ensino Superior (IES) parceiras e dos municípios no empenho para reduzir os índices de analfabetismo do Brasil.

Neste ano, o concurso, coordenado e editado pelo Centro de Referência em Educação de Jovens e Adultos (Cereja), da AlfaSol, será destinado aos alfabetizandos e alfabetizadores, coordenadores de grupo e coordenadores de polo, e realizado em parceria com o governo do Distrito Federal, pelo projeto AbcDF, desde 2007.

Com o tema “Minha vida em Brasília”, o concurso busca fazer uma homenagem aos 50 anos da Capital Federal, incentivando a produção textual dos alfabetizandos envolvidos no projeto com experiências sobre a vivência na localidade.

Para a coordenadora do Departamento de Formação e Acompanhamento Pedagógico da AlfaSol em Brasília, Clélia Rabelo de Oliveira, trata-se de uma oportunidade para a reflexão de cada morador sobre o sentimento de pertencimento àquela cidade. Uma das responsáveis pela seleção das redações, Clélia descreve o trabalho como emocionante e envolvente. “Nasci em

Brasília, por isso me aproximo mais ainda com cada relato, cada descrição feita.”

Após o término do concurso, as melhores redações são compiladas e transformadas em um livro, publicado pela AlfaSol. Além de visibilizar as produções textuais dos participantes do projeto, o livro revela histórias curiosas.

Maria do Socorro Ramalho, por exemplo, nasceu na Paraíba, mas atua como alfabetizadora desde 2004, em Recanto das Emas (DF). No ano passado, em contato com o material produzido pela AlfaSol resultante do Concurso de Redação de 2001, Socorro encontrou o nome de um primo de seu marido em uma das redações participantes. Não teve dúvidas: fez uma cópia e guardou o material para mostrá-lo ao autor em viagem feita à terra natal no início deste ano. “Entreguei o texto e ele sequer lembrava que havia produzido aquele material. Ele se achou super importante e ficou surpreso por ver seu texto no livro”, relata a alfabetizadora.

As redações são escolhidas por uma Comissão Nacional composta por educadores, empresários, representantes de instituições educacionais, artistas solidários e também por um júri popular. As produções vencedoras e os melhores textos inscritos são impressos e distribuídos aos parceiros da AlfaSol.

Minha vida em BrasíliaRealizado pela AlfaSol, o

Concurso de Redação visa incentivar a produção escrita dos alunos e alfabetizadores e,

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Bagagem

Minha mãe queria que eu estudasse, mas meu pai – de jeito nenhum! Ele achava que eu tinha que ficar na fazenda. Acabei que fiz da 1ª à 4ª série lá. Mas eu sempre quis mais! Dizia: “Eu não quero ficar aqui. Eu quero viver! Eu quero ganhar o mundo! Eu quero conhecer, estudar!”

Foi então que vim para Marabá (PA). Passei um tempo aqui, depois voltei para Araguaína, fui para Goiânia, e assim foi. Passei um tempão na casa de um e de outro para estudar e, graças a Deus, consegui!

O interessante é que eu tinha dupla jornada. Durante o dia, trabalhava numa franquia de roupas e, à noite, estudava. Naquela ocasião, um professor meu de português falou assim: “Dheime, você vai conseguir passar no vestibular ainda no

EJA: o que é isso?Meu nome é Dheime da Silva Tadei. Nasci em Araguaína, em Tocantins, de onde é toda minha família. Vim para o Pará ainda pequena. Morava na fazenda. Estudava lá também. Essa parte da minha história não é muito diferente da realidade dos nossos alunos hoje...

Ensino Médio.” Aquilo foi uma injeção de ânimo. Pensava: “Olha, ele falou!” Nunca mais esqueci isso. Depois daquelas palavras, eu falava para mim mesma que iria estudar e passar! E quando terminei meu Ensino Médio automaticamente passei no vestibular. Nem fiz cursinho nem nada...

Meu primeiro grande sonho era fazer Veterinária. Depois pensei em fazer Medicina, mas estava muito longe da minha realidade. Meus pais não tinham condições de pagar o curso e seria mais difícil de passar – teria que estudar mais um ou dois anos. Mas não desisti de estudar! Tanto que cursei mais de uma faculdade, Pedagogia e Administração Pública.

Passei em Pedagogia lá na Universidade Estadual do Pará (UEPA). Na mesma época, resolvi fazer Administração Pública, numa faculdade particular mesmo. Terminei pedagogia primeiro, mas não atuei em nenhum momento. Fiz somente o estágio; foi o suficiente para ficar estarrecida com o que vi. Eram salas de aula quentes, sem ventilação, sem nada... Os alunos

A parceria da Fundação Vale com a AlfaSol já atendeu 11.226 alunos em projetos de alfabetização e TeleSol, em Marabá (PA), de 2003 a 2008.

De aluna a professora, Dheime percorreu um longo caminho até a sala de aula. Hoje, leciona para uma turma de EJA na cidade.

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A alfabetizadora Dheime da Silva Tadei

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Bagagem

iam ao banheiro lavar a blusinha para poder vestir. E eu pensava: “Meu Deus, que realidade é essa? Será que é isso que eu quero para mim? Eu vou dar aula?” Decidi que aquilo não era o que eu queria. Pensava: “Estou muito bem aqui! Trabalho até 2 da tarde, depois pego meu projeto e levo para casa, tenho um leque de amizades legal – prefeitos, secretários, vereadores.”

Mas, minha vida mudou demais! Dois anos atrás tive uma perda muito grande. Meu namorado faleceu num acidente de carro. Eram sete anos juntos, estava sozinha, minha família não mora aqui e fiquei desesperada. Trabalhava até as 18 horas, mas precisava ocupar mais meu tempo, fazer alguma coisa! Foi nesse momento crucial que pensei em ir para a área da Educação. Não sabia se daria conta, mas mesmo com tantas dúvidas, decidi arriscar. Fui até a Secretaria Municipal de Educação, fiz entrevistas, levei meu currículo, e eles disseram que dava. E fui para o Ida Valmon, que é a escola onde estou até hoje. Quando cheguei aqui me disseram que iria trabalhar com a Educação de

Jovens e Adultos (EJA). E eu nem sabia o que era isso!

Nas histórias da EJANa primeira semana de aula

pensei que não fosse dar conta, porque na minha mente era tudo uma bagunça. Depois de uma semana fui me atentando à realidade de cada um e vi que eu tinha muito para contribuir aqui. O tempo foi passando, decidi ficar e fui me apaixonando!

Depois fiz a formação da AlfaSol, que foi surpreendente! Passamos uma semana em Canaã dos Carajás, onde conheci outras pessoas e outras realidades. Voltei de lá realizada, com um monte de ideias. Veio um rapaz de São Paulo, o William, e ele fez o treinamento de uma semana. Como estávamos hospedados no mesmo hotel, foi possível trocar muito. Foi maravilhoso! Todo mundo ficou encantado pelo conteúdo que ele passava, pela forma, pelos vídeos, foi muito bom! Ele trouxe um pouco do material, mostrou os vídeos, e como isso facilita muito com relação à educação de jovens e adultos. Não adianta você pegar um livro e dizer que

vai estudar isso e aquilo como em outras turmas. Depois do curso a gente fazia um happy hour, os professores mesmos contavam suas realidades e eu ficava cada vez mais espantada e apaixonada! Agora posso afirmar sem nenhuma dúvida que não quero sair da EJA, não!

Trabalhar com a EJA é muito bom! É uma lição de vida muito gratificante, porque são pessoas que têm uma perspectiva de vida muito mesclada, e você como professor pode falar para essas pessoas que elas podem mais. A melhor parte é saber que você está contribuindo para a formação de alguém. Isso é muito bom!

Baseado em entrevista realizada por Marcela Boni Evangelista

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intencionalidades. A sustentabilidade, na

maioria das vezes associada somente à temática ambiental, envolve diversos aspectos: sociais, econômicos, culturais. Abarca a preocupação ecológica, ações ligadas à reciclagem, fontes alternativas de energia, consumo responsável, eliminação de desperdício. Porém, está intrinsecamente ligada à sustentabilidade social e econômica. É possível vislumbrar outra economia?

Uma nova economia consiste em mudança de comportamento e na adoção de valores socioambientais. Não se pode falar de sustentabilidade, se esta estiver calcada à ordem de um mundo excludente. Significa gerir, produzir, comercializar e consumir

Outra economia é possível

com critérios éticos. Significa uma mudança estrutural da sociedade. Afinal, propõe-se a sustentabilidade de quem?

Para se ter ideia, a economia mundial é organizada em torno de 1/3 da população, o que significa que cerca de quatro bilhões de pessoas se encontram fora do sistema. Dessa forma, torna-se incoerente a defesa simplista da sustentabilidade em uma sociedade cada vez mais insustentável.

Para Ignacy Sachs, socioeconomista e co-diretor do Centro de Pesquisas sobre o Brasil Contemporâneo na École de Hautes Études en Sciences Sociales (Paris), por trás da mudança climática existe um problema social gravíssimo. “As primeiras vítimas das catástrofes ambientais serão, por exemplo, agricultores de Bangladesh, ou habitantes de países insulares. Os holandeses construíram seus diques e vão poder aumentá-los, se necessário.

Muito se fala, mas pouco se reflete sobre sustentabilidade. Como todo conceito guarda-chuva, o termo revela-se abstrato, passível de ser apropriado por distintas acepções e

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Mas em Bangladesh, será difícil. Transformar as populações em refugiados climáticos será um enorme drama. Não é só um problema ambiental, traz no seu bojo um gigantesco problema social”, explica.

Sachs argumenta que a centralidade do debate sobre sustentabilidade deve recair sobre os desafios reais do planeta: o drama ambiental e a desigualdade. “Por mais importante que o debate sobre meio ambiente seja, não nos deixemos encurralar na tese de que ele é a bola da vez e, devido à importância do problema ambiental, o social deve ser varrido para baixo do tapete.”

Os dois temas – ambiental e social – devem ser levados lado a lado. O debate deve configurar-se de forma simétrica. Além da discussão sobre, por exemplo, biocapacidade, a introdução da problemática do trabalho, das disparidades de renda e da dignidade do trabalhador torna-se uma das estratégias alternativas fundamentais.

“Podemos afirmar com segurança que os dois grandes problemas climáticos são devastação ambiental e déficit social – que criamos ao redor dos séculos, mas aprofundamos nas últimas décadas. Geramos um mundo pontilhado de injustiças sociais e com enorme déficit

de oportunidades de trabalho decente”, defende Sachs.

Para o sociólogo e educador Michelangelo Torres, em vez de aderir e reproduzir o status quo da ordem vigente, é necessário atingi-la criticamente, desvelando as restrições materiais e sociais da estrutura capitalista. Dessa forma, qualquer proposta de sustentabilidade que expresse as múltiplas determinações da realidade deve perpassar a busca da superação da desigualdade estrutural. “Se fizermos uma aposta no desenvolvimento sustentável do futuro, o que importa é a indagação acerca do tipo de sustentabilidade que queremos para o planeta. Esse é o tipo de desafio que precisamos enfrentar, a menos que estejamos dispostos a sustentar de modo resignado a realidade opressora. Ou o que talvez seja inevitável, caso persista o curso do atual estágio de desenvolvimento da sociedade: a catástrofe ecológica e a destruição humana.”

Ignacy Sachs durante debate promovido pelo Instituto Envolverde, na PUC-SP

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Dessa forma, para reverter as crescentes anomalias do sistema social, é imprescindível, antes de mais nada, dinamizar as atividades econômicas, assegurar a justiça social e reformular o cenário energético-produtivo com o mínimo de controle ambiental.

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A construção de ações sustentáveis envolve uma diversidade de alianças. A sustentabilidade acaba sendo apropriada por forças ora conflitantes, ora convergentes. Em pouco tempo, tornou-se palavra mágica, pronunciada indistintamente por diferentes sujeitos, nos mais diversos contextos sociais e assumindo múltiplos sentidos.

Setor público, organizações não-governamentais e empresas privadas unem-se para o debate sobre o investimento social. A dimensão da sustentabilidade deixa de ser complemento e assume papel de diretriz frente a processos econômicos e de transformação da sociedade.

No rastro das novas demandas e crescimento da pressão por transparência na gestão dos negócios, os conceitos como responsabilidade social e ambiental surgem com força. Empresas e terceiro setor agarram-se às diretrizes por uma postura mais responsável em suas ações. Porém, muitos ainda confundem o conceito com filantropia.

Nas últimas décadas, nota-se uma ampla associação de interesses das empresas e do terceiro setor ao conceito de sustentabilidade. O investimento no meio ambiente e na área social hoje é condicionante para as ações desses setores. Diversos relatórios e pesquisas foram então criados para avaliar e sinalizar as práticas, obrigatórias e voluntárias, realizadas pelas empresas na garantia de ações mais sustentáveis.

Dentro desta tendência destacamos o BISC (Benchmarking do Investimento Social Corporativo), ferramenta da Comunitas inspirada na experiência pioneira do CECP (Committee Encouraging Corporate Philanthropy), organização que reúne 170 das maiores empresas americanas e levanta dados sobre investimento social corporativo, além de promover discussão sobre avanços e estratégias por meio de fóruns de CEOs.

O BISC realiza anualmente o levantamento e análise de dados qualitativos e quantitativos sobre investimento social corporativo (ISC) das empresas parceiras: os dados são preenchidos no formulário online e geram relatórios individuais e benchmarking e de tendências do ISC no Brasil e no mundo (acesse: www.bisc.org.br).

Por uma gestão social

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Um mundo de novas práticas e valores

Com o padrão de produção e consumo em crise, relações sociais mais sustentáveis e democráticas começam a emergir.

Há um deslocamento da competição para a colaboração. A visão de vantagem e sucesso pessoal, que resultou em impasses planetários, em uma guerra de todos contra todos, é colocada em xeque. Segundo Ladislau Dowbor, economista e consultor de diversas agências das Nações Unidas, se quisermos sobreviver, estamos condenados a desenvolver formas inteligentes de articulação e colaboração dentre os diversos atores que participam da construção social. “O deslocamento consiste na gradual substituição do paradigma da competição pelo da colaboração. Aprendemos que devemos vencer na vida. Mas vencer quem? Atualmente, em meio a sistemas interativos da sociedade da informação, é cada vez mais pernicioso vencer sozinho. Estamos evoluindo para a sociedade do conhecimento, na qual compartilhar se torna o sistema lógico”, argumenta Dowbor.

As economias de colaboração estão materializadas no capital social. Cada vez mais importante,

tal conceito visa recuperar as raízes da economia, colocando-a a serviço das necessidades de todos – do ser humano e da natureza.

Outra economia é possível, e outro mundo poderá ser construído somente se houver, de fato, uma transformação de valores e estruturas. É necessário tecer redes de desenvolvimento local, baseado em trocas solidárias, aliadas às práticas educativas e culturais. Milhares de iniciativas, como formiguinhas, já constroem alternativas. Surgem da necessidade de dar resposta à progressiva deterioração social, devido à crescente desumanização da economia, à destruição do meio ambiente, à piora da qualidade básica de saúde, educação e cultura, à pobreza, ao desemprego, à desigualdade social.

A iniciativa social passa a ser primordial, em um contexto de combate e busca por novas formas de relacionamento pelo coletivo. A Associação Elementos da Natureza e o Azimuth Ponto de Cultura e Sustentabilidade, por exemplo, desenvolvem trabalhos de educação ambiental e social nas comunidades tradicionais do Arquipélago de Ilhabela.

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Segundo Arturo Justicia, coordenador do Ponto de Cultura, as práticas sustentáveis promovidas nas comunidades caiçaras estão ancoradas em um processo de conscientização cidadã e colaboração. “Atualmente, trabalhamos com oficinas de produção de documentários e vídeos em formato digital.

de tecnologias sustentáveis. Todo o trabalho é integrado a programas de geração de renda e fortalecimento local.

Diversas outras iniciativas, em todo o planeta, lutam pela transformação estrutural da sociedade. A construção de redes solidárias é crescente. Economia solidária, consumo ético, comércio justo, agricultura sustentável. Meios alternativos de comunicação e difusão de conhecimento. Cultura livre e solidária. Metarreciclagem de lixos eletrônicos. Desenvolvimento local. Formas de gerir economia e sociedade que contribuem para democratização, socialização e colaboração de um novo mundo possível.

O projeto – Observatório do Arquipélago – é um programa de monitoramento socioambiental popular, no qual utilizamos a linguagem cinematográfica como meio de conscientização e difusão de valores por uma sociedade sustentável”, conta.

Além disso, a comunidade mantém fóruns permanentes de discussão sobre políticas públicas ambientais, focadas no cumprimento da Agenda 21, e iniciativas de educomunicação e uso

Jovens participam do Programa Observatório do arquipélago,

promovido pelo Azimuth Ponto de Cultura e Sustentabilidade

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Educação para a sustentabilidade

A educação tem um papel estratégico no tocante à sustentabilidade. Porém, muitas vezes práticas de educação ambiental não costumam ser valorizadas. A escola deve ser um espaço aberto a novas possibilidades e de sensibilização para questões éticas e solidárias, e não de práticas tecnicistas de valorização do mundo do mercado.

Utilização de dejetos como prática sustentável

Localizada em terras gaúchas, no município de Encantado, a comunidade de Linha de Azevedo promove uma iniciativa pioneira: transforma dejetos animais em renda e ainda reduz o impacto ambiental causado pelo processo envolvido na criação de aves e suínos.

Com o apoio da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), em parceria com o Programa UniSol e o Banco Real- -Santander, grande parte das 50 famílias de agricultores da região (cerca de 170 pessoas) organizou-se e criou a Associação dos Produtores de Composto Orgânico da Linha Azevedo (APCOLA).

O trabalho da Associação partiu de dois grandes problemas da região: poluição ambiental dos solos e evasão dos jovens da área rural em função da falta de renda e trabalho. Para minimizar e reverter os processos tanto ambientais quanto sociais, a comunidade passou por uma série de formações técnicas e estruturais.

Primeiramente, a equipe universitária promoveu uma capacitação em técnicas de compostagem, que consiste em controlar, com monitoramento da qualidade, a decomposição de materiais orgânicos e obter um produto rico em húmus e nutrientes minerais. Para promover o empoderamento de todo o processo de produção e venda do composto, a comunidade ainda passou por formações nas áreas de gerenciamento da associação, construção de unidades de beneficiamento e marketing.

Atualmente, a APCOLA, que já comercializou o primeiro lote do composto, gerando uma renda de R$ 228,00 por família – de um montante de R$ 4.200,00 –, vem articulando novas parcerias para ampliar a comercialização do composto. Além de minimizar os impactos ambientais, a promoção do desenvolvimento local se reflete em geração de renda.

Morador da comunidade de Linha de Azevedo com o composto orgânico produzido pela Associação APCOLA

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A escola configura-se um importante agente de desenvolvimento local. O trabalho pedagógico pode iniciar experiências sustentáveis dentro das dependências escolares. Economia de energia, reciclagem, aproveitamento de recursos naturais são práticas que promovem valores éticos nos alunos.

Para Ademar Bueno, professor de Responsabilidade Social da

Faculdade Getúlio Vargas (FGV) e coordenador do Centro de Cooperação da FGV, não haverá um mundo mais sustentável que não se inicie com a educação para a sustentabilidade. “Fazer com que pessoas tenham consciência e tomem decisões sustentáveis é a premissa desse assunto. Não basta informar. Todos sabem que não se deve jogar lixo no chão. É preciso mudar comportamentos,

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e para tanto é preciso mudar modelos mentais.”

O Centro de Cooperação da FGV, por exemplo, oferta atividades socioambientais na faculdade. Trabalha a promoção de educação para sustentabilidade, por meio de projetos que mostrem a união entre negócios e desenvolvimento sustentável. “O Trote da Cidadania, primeira iniciativa do Centro com os alunos da FGV, abre o caminho para essa visão. Por meio de ações práticas, colocamos nossos alunos em contato com realidades diferentes da imaginável em uma faculdade como essa.” Durante o trote,

diversos calouros e veteranos fizeram, como garis, a varredura da Avenida Paulista, em São Paulo.

“É necessário arriscar, mudar modelos de aula e inovar, no sentido de trazer os alunos para a prática. A sustentabilidade não pode ser encarada como uma ciência que se ensina entre quatro paredes, mas um meio de conduta de um cidadão que tem uma preocupação sistêmica e social. E isso só se pode trabalhar por meio de atividades práticas”, completa Bueno.

Para Dalton Martins, da Escola do Futuro da Universidade de São Paulo (USP), a educação como defensora de uma enorme

Calouros da FGV participam do Trote Sustentável

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quantidade de verdades prontas jamais será sustentável. “Somente a educação como espaço de emergência, como espaço de escuta, conversa e relação permite que o outro surja como legítimo nas relações que construímos”, explica.

A escola relaciona-se com sustentabilidade quando é considerada um eixo dinamizador de práticas que conciliem o desenvolvimento econômico, a preservação do meio ambiente e justiça social. “A sala de aula deve ser usada como meio de convívio, relacionamento. Creio que se entendermos que sustentabilidade não está apenas

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Rumo à Rio +20

O Brasil sediará, pela segunda vez, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento. A primeira, Rio 92, ocorreu em 1992, na cidade do Rio de Janeiro. Vinte anos depois, a segunda, Rio +20, acontecerá em 2012, também na capital carioca.

A Rio +20 será realizada justamente no ano em que terminam os compromissos ambientais dos países signatários do Protocolo de Quioto. Trata-se de uma reunião de cúpula mundial, na qual será avaliada a implementação das ações decorrentes dos comprometimentos assumidos pela comunidade internacional em relação ao assunto. Também serão discutidas as propostas na busca de um desenvolvimento sustentável e eliminação da pobreza para os próximos anos.

O encontro, proposto em setembro de 2007 pelo presidente Lula, tem por objetivo renovar o engajamento dos líderes mundiais com as alternativas às mudanças climáticas. A Rio +20 insere-se na longa tradição de reuniões anteriores da ONU sobre o tema, dentre as quais as Conferências de 1972 em Estocolmo, Suécia, e de 2002, em Joanesburgo.

É muito raro a ONU decidir que conferências desse porte sejam sediadas por um mesmo país mais de uma vez, o que mostra o prestígio atual e o peso político do Brasil. O País, como anfitrião, está diante de uma grande tarefa – pode e deve influenciar com propostas concretas, articuladas com os países emergentes.

Para Ignacy Sachs, a conferência Rio 92 gerou documentos importantes como a Agenda 21, mas estava na contramão da história. O Brasil passava pelo impeachment de Collor, o mundo enfrentava o auge da contrarreforma neoliberal, poucos anos depois da queda do muro de Berlim, em meio ao fim da União Soviética, com a agenda Thatcher-Reagan em alta. Deste ponto de vista, a conjuntura de 2012 é muito mais positiva.

A preparação da Rio +20 deve ser meticulosamente alinhada com a participação da sociedade civil. Segundo Sachs, para que a conferência faça sentido, fóruns paralelos devem ocorrer antes do evento. “A sociedade civil organizada deveria promover os fóruns preparatórios antes, em meados de 2011, para que se possa encaminhar documentos para a conferências oficiais. Chegou o tempo em que não basta ter uma ou duas cadeiras em Davos. É preciso criar, aqui no Brasil, um lugar em que se pensa o mundo. Vocês têm um papel a desempenhar na política mundial. Uma das maneiras é gerar, junto ao BNDES, por exemplo, um fórum para preparar ideias que influenciem o que ocorrerá dentro da conferência”, propõe Sachs.

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relacionada a algo exterior a nós, como a floresta que fica na Amazônia, passamos a ver que o meio ambiente é a sala de aula, é o pátio do colégio, é o ônibus na rua, é a nossa casa. Abrir essa visão dentro da escola, abrir mão de ser um local que transmite verdades, para um local que cultiva um viver e conviver humano sustentável”, completa Martins.

compõe a grade das turmas de 6º a 9º anos, desde 2007.

Distante da modernidade, o município elaborou pela educação planos de saneamento básico, geração de renda e melhoria de vida.

Os saberes populares de Pintadas, vindo das famílias dos próprios estudantes, começam a ser respeitados. A disciplina representa o interesse coletivo e trabalha o desenvolvimento local sustentável. O conhecimento da localidade tornou-se matéria-prima para um ensino transformador, com participação popular.

“A educação para sustentabilidade deve estar ligada à qualidade de vida e à redução da desigualdade. Deve-se adaptar currículos às necessidades locais, para a transformação real da comunidade”, diz Dowbor.

O ensino para o desenvolvimento local e empoderamento: do mundo, da cultura, do local, de si – como uma reapropriação da própria sociedade.

A educação é interdisciplinar. O trabalho em conjunto entre redes e iniciativas comunitárias de educação formal e não-formal contribui para o desenvolvimento

sustentável. O município de Pintadas,

localizado na região do semiárido da Bahia, a 272 quilômetros de Salvador, é reconhecido pela cultura do cooperativismo, e mostra como a educação pode se tornar um instrumento científico e pedagógico da transformação local.

Por meio de uma parceria entre Secretaria Municipal de Educação e organizações sociais, criou-se e implementou-se, com base nas necessidades da comunidade, uma nova disciplina no currículo escolar: a Organização Social, Comunitária e Política de Pintadas. A matéria, que trata de questões da realidade local,

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Caminho das Pedras

Educação e Ladislau Dowbor

desenvolvimento localA região de São Joaquim, no sul

do Estado de Santa Catarina, era pobre, de pequenos produtores sem perspectiva, e com os indicadores de desenvolvimento humano mais baixos do Estado. Como outras regiões do país, São Joaquim e os municípios vizinhos esperavam que o desenvolvimento “chegasse” de fora, sob forma do investimento de uma grande empresa, ou de um projeto do governo. Há poucos anos, vários residentes da região decidiram que não iriam mais esperar, e optaram por outra visão de solução dos seus problemas: enfrentá-los. Identificaram características diferenciadas do clima local, constataram que ele era excepcionalmente favorável à fruticultura. Organizaram-se, e com os meios de que dispunham fizeram parcerias com instituições de pesquisa, formaram cooperativas, abriram canais conjuntos de comercialização para não depender de atravessadores. Hoje é uma das regiões que mais rapidamente se desenvolvem no país. E não estão dependendo de uma grande corporação que de um dia para outro pode mudar a região: dependem de si mesmos.

Além do currículo tradicional, alunos devem compreender a realidade de onde vivem. O economista Ladislau Dowbor defende que não basta estudar quem foi, por exemplo, D. João VI, mas conhecer a origem ou as tradições culturais que constituíram a cidade, seus potenciais econômicos, desafios ambientais, desequilíbrios sociais. Pessoas desinformadas não participam, e sem participação não há desenvolvimento.

Texto extraído do artigo Educação e desenvolvimento local, publicado originalmente em IBAM, Municípios, Revista de Administração Municipal, fev/março 2007, www.ibam.org.br.

Leia o artigo na íntegra em: http://dowbor.org/06edulocalb.doc

Esta visão de que podemos ser donos da nossa própria transformação econômica e social, de que o desenvolvimento não se espera, mas se faz, constitui uma das mudanças mais profundas que estão ocorrendo no país. Tira-nos da atitude de espectadores críticos de um governo sempre insuficiente, ou do pessimismo passivo. Devolve ao cidadão a compreensão de que pode tomar o seu destino em suas mãos, conquanto haja uma dinâmica social local que facilite o processo, gerando sinergia entre diversos esforços.

A ideia da educação para o desenvolvimento local está diretamente vinculada a esta compreensão e à necessidade de se formar pessoas que amanhã possam participar de forma ativa das iniciativas capazes de transformar o seu entorno, de gerar dinâmicas construtivas. Hoje, quando se tenta promover iniciativas deste tipo, constata-se que não só os jovens, mas inclusive os adultos desconhecem desde a origem do nome da sua própria rua até os potenciais do subsolo da região onde se criaram. Para termos cidadania ativa, é preciso haver uma cidadania informada, e isto começa cedo.

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Caminho das Pedras

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Ladislau Dowbor é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, professor titular da PUC de São Paulo e consultor de diversas agências das Nações Unidas. É organizador autor de vários livros, sendo o último Formação do Capitalismo no Brasil – Ensaio Teórico, da editora Brasiliense (São Paulo, 2010). Seus numerosos trabalhos sobre planejamento econômico e social estão disponíveis no site http://dowbor.org .Contato:[email protected].

A educação não deve servir apenas como trampolim para uma pessoa escapar da sua região: deve dar-lhe os conhecimentos necessários para ajudar a transformá-la.

Globalização e desenvolvimento local Quando lemos a imprensa, ou

até revistas técnicas, parece-nos que tudo está globalizado. Mas nem tudo foi globalizado. Quando olhamos dinâmicas simples, mas essenciais para a nossa vida, encontramos o espaço local. Assim, a qualidade de vida no nosso bairro é um problema local, envolvendo asfaltamento, sistema de drenagem, infraestruturas.

Este raciocínio pode ser estendido a inúmeras iniciativas, como a de São Joaquim citada acima, mas também a soluções práticas como, por exemplo, a decisão de Belo Horizonte de tirar os contratos da merenda escolar da mão de grandes intermediários, contratando grupos locais de agricultura familiar para abastecer as escolas. Dependem essencialmente da iniciativa local a qualidade da água, da saúde, do transporte coletivo, bem como a riqueza ou pobreza da vida cultural. Enfim, grande parte do que constitui o que hoje chamamos de qualidade de vida não depende muito da globalização – ainda que possa sofrer os seus impactos –, mas da iniciativa local.

A grande diferença, para municípios que tomaram as rédeas do próprio desenvolvimento, é que,

em vez de serem objetos passivos do processo de globalização, passaram a  direcionar a sua inserção segundo os seus interesses. Promover o desenvolvimento local não significa voltar as costas para os processos mais amplos, inclusive planetários: significa utilizar as diversas dimensões territoriais segundo os interesses da comunidade.

 Há municípios turísticos, por exemplo, onde um gigante do turismo industrial ocupa uma enorme área da orla marítima, joga a população ribeirinha para o interior e obtém lucros a partir da beleza natural da região. Outros municípios desenvolveram o turismo sustentável, e aproveitam a tendência crescente da busca de lugares mais sossegados, com pousadas simples, mas em ambiente agradável, ajudando, e não desarticulando, as atividades preexistentes como a pesca artesanal. Tanto o turismo de resorts quanto o sustentável participam do processo de globalização, mas na segunda opção há um enriquecimento da comunidade, que continua a ser dona do seu desenvolvimento.

Com o peso crescente das iniciativas locais, é natural que da educação se esperem não só conhecimentos gerais, mas a compreensão de como os conhecimentos gerais se materializam em possibilidades de ação no plano local.

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O avesso das coisas

graffiti quanto grafite também são escrita. Escrita inscrita nas paredes da cidade. É cor, linguagem, textura, arte, intervenção, protesto, provocação.

A história, as lendas e a Wikipédia dizem que o grafite deriva lá do Império Romano, onde os muros eram utilizados como um dos suportes de diálogo com a esfera pública. Cristo foi crucificado, Maria Antonieta perdeu a cabeça,

Para começo de conversa, é graffiti e grafite! Este é também aquele bastão fininho que tem dentro do lápis que serve para escrever. A grafia difere, mas tanto

“Enfeitar a cidade, transformar o urbano com uma arte viva, popular, da qual as pessoas participem, é a minha intenção.” (Alex Vallauri)

Detalhe da obra do grafiteiro Zezão.

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o muro de Berlim foi derrubado, o Corinthians foi para a Libertadores, e o grafite continua sendo intervenção, arte e denúncia urbana.

A arte dos muros generalizou-se pelo mundo a partir de maio de 1968, quando, no contexto de revolução política e cultural, os muros de Paris foram tomados por inscrições de caráter poético/político; tornou-se popular e adquiriu forma nas ruas de Nova York (EUA). No Brasil, mais fortemente em São Paulo, surgiu na década de 1970. Primeiro através

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O avesso das coisas

Tikka, Nina e tantos outros. Exemplo disso é o sucesso da exposição dos grafiteiros Os Gemeos, Vertigem, que levou milhares de pessoas a uma galeria de arte de São Paulo, em 2006 – fato inédito no Brasil.

O grafite é assim. Nasce da necessidade de passar uma mensagem. Caminha em cores por ruas cinzas. Provoca o olhar para a cidade e suas memórias. Em cada símbolo, torna os muros sociais visíveis. É poético. É ácido. É metáfora. É antítese.

Arte democrática e humanizadora

Embora autoral, o grafite é arte intrinsecamente democrática. O desenho fica exposto a toda população sem distinção ou restrição – basta olhar a cidade. A efemeridade própria desta

das pichações poéticas e depois com a stencil art (com reprodução seriada). Já nos anos 1990, o grafite ampliou sua presença para as periferias no rastro do movimento hip-hop.

Hoje, ele está incorporado de tal forma à vida urbana, que já faz parte da identidade das cidades. Em São Paulo, todo dia 27 de março saúda-se o Dia do Grafite (não oficializado nacionalmente). A data é celebrada desde 1988, em homenagem a Alex Vallauri, um dos pioneiros da arte de rua no país.

Vallauri foi um dos primeiros brasileiros a levar a arte de rua para as paredes de museus. Participou de diversas edições da Bienal Internacional de São Paulo. Como Alex, vários grafiteiros se popularizaram: OsGemeos, Zezão, Binho, Speto,

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arte lhe insere um sentido de desprendimento. A noção de posse da obra é eliminada. “O grafite mantém um diálogo muito rico entre os transeuntes e o poder público. Levanta questões sobre de quem é a cidade. Resgata o verdadeiro conceito de público”, explica a grafiteira Ziza, de São Paulo.

É sempre muito curioso como as pessoas se relacionam com as imagens. O grafite ocupa o espaço e interage o tempo inteiro. De pautar olhares transgressores e reflexivos a situações engraçadas. Quem nunca, ao indicar um caminho, disse “olha só! pega a primeira esquerda e vira na

quarta à direita, na rua onde tem um grafite bem colorido na esquina”, por exemplo? Ou ainda viu estremecerem os pilares da sociedade racista ao ver o grafite do recorrente saci, com as mãos para o alto, ao lado da inscrição “quem tem orgulho de ser negro levanta a mão!”? E ficou chocado ao constatar que, na realidade, um policial apontava uma arma em direção a esse mesmo saci?

“Toda a cultura hip-hop, incluindo o grafite, é ato resistente numa cidade que sonega direito, sonega a voz. Ela ocupa, traz visibilidade, dá voz. Além disso, o grafite tem um papel de revitalização – dá vida ao que não tem cor”, diz Paulo Carrano, professor da Faculdade Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF) e

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coordenador do Observatório Jovem do Rio de Janeiro.

Nesse sentido, o grafite humaniza e transforma o espaço urbano. Embeleza, ao mesmo tempo que defronta a cidade e suas contradições, obrigando-a a contemplar sua própria miséria. Projeta imagens dialéticas. Reflete outro lado da organização social da metrópole. Em cada mensagem, a denúncia pelo direito à cidade – o direito fundamental à dignidade dentro desse mosaico social.

O grafiteiro e artista plástico Zezão, por exemplo, gosta de locações vazias, abandonadas, com backgrounds deteriorados. É conhecido mundialmente por seus grafites azuis nas galerias subterrâneas. Ele dá cor aos intestinos e vísceras de São Paulo.

“Enxergo minha arte como um curativo da cidade. Esse é

o sentido do grafite para mim. Levar arte para as pessoas que habitam os rincões esquecidos da metrópole. É quase um exorcismo do lugar”, contou.

As cores usadas por Zezão, em especial o azul – que, segundo ele, significa calma e positividade –, transformam sentimentos marginais em arte e roubam da miséria urbana o desalento monocromático, inclusive no tapume das obras do edifício que sedia o Centro Ruth Cardoso. Zezão grafitou, no dia 20 de janeiro, um painel de 5x3m, como marco do início da reforma para as instalações do Edifício Ruth Cardoso. Os passantes da Rua Pamplona, em São Paulo, agradecem.

No Rio de Janeiro, vários coletivos de grafite, dentre eles o Comando da Selva, se reuniam para decorar o morro. As casas das comunidades cariocas ganhavam cor, desenho, textura e vida num ambiente de desigualdade aparente – fratura exposta da sociedade. “A ação era toda esquematizada pelo fotolog, e nos encontrávamos no dia combinado. Mas antes mobilizávamos os moradores. A ideia era sempre promover os mutirões envolvendo a comunidade para se criar a noção de pertencimento do grafite”, lembra Muleka, grafiteira do coletivo Comando da Selva. Fo

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Para Mateus Subverso, do coletivo Suatitude (Sindicato Urbano de Atitude), de São Paulo, o grafite assume um papel chave na exteriorização da cultura periférica. “Ao ocupar a cidade, ele volta o olhar para a quebrada (periferia). Existem os muros invisíveis e os que são bem visíveis – onde está dito, aqui você não entra. O grafite é a quebra desses muros.”

A arte que liberta não pode vir da mão que escraviza

Ao falar de grafite, não se pode esquecer sua origem: a rua. Arte transgressora e proibida, contracultura, cultura da periferia. Se, na maioria das vezes, é associado ao movimento hip-hop, não é à toa.

O hip-hop como palavra da periferia, o grafite como expressão gráfica desta palavra. Considerado as artes plásticas do hip-hop, o grafite possui grande potencialidade de comunicação da quebrada. ”O

grafite pode ser encarado como uma mídia (pintura) e o muro como suporte (veículo). É por meio dele, do break, da poesia do MC e da musicalidade do DJ que a periferia pode espraiar sua mensagem”, enfatiza Mateus.

Fruto da necessidade de afirmação, resgata a identidade e valorização da comunidade. Os desenhos, as tags (assinaturas tanto do grafite quanto da pichação) sempre fazem referências à quebrada. “Temos de entender por que vários jovens começam a escrever nos espaços públicos. Para mim, faz parte da construção da identidade. A explosão das tags, por exemplo, expressa a elaboração dessa identidade pelo seu local. A tag conter o local da comunidade é muito significativo. É a construção pelo coletivo. Estamos sempre nos vendo e vendo o nosso coletivo”, continua Mateus.

Com grande apelo dentre os jovens, a arte dos muros é,

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Marca d’água: detalhe do grafite de Zezão para o tapume da reforma do Centro Ruth Cardoso.

Foto: Nina Lacaz

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inclusive, mobilização social. Para Satão, do coletivo DF Zulu, de Ceilândia, em Brasília, o grafite traz uma ideologia para transformação social da comunidade. “Ensina a pensar; ensina que o pensamento vale a pena. É uma cultura que dá alternativas!”

Existem centenas de projetos sociais que utilizam o grafite como forma de inclusão, geração de renda, educação e cidadania. Em Brasília, a associação e coletivo DF-Zulu, na ativa há 21 anos, trabalha para a transformação social da comunidade. São mais de 80 jovens envolvidos nas oficinas de break (dança de rua), DJ e grafite. “O DF-Zulu surgiu

em 1989. Dos trabalhos que promovíamos, nasceu o coletivo os3s (Satão, Sowto, Supla). Fomos um dos primeiros grupos de grafite de Brasília. A partir de 1993 começamos a trabalhar nas ruas e becos da Ceilândia. A ideia sempre foi trabalhar a transformação nos jovens”, explica Satão.

Em São Paulo, destacam-se o Projeto Quixote, ONG vinculada à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) de Interlagos, a ONG Escola Aprendiz, Rede Ivoz e a Ação Educativa. Todas mantêm iniciativas ligadas ao grafite como transformação social.

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Educação: grafite e atitude Dentro ou fora da escola, a

maioria dos coletivos de grafite desenvolve ações educativas. Seja na educação formal ou não-formal, os grupos procuram criar cotidianamente novos meios e espaços para se debater a arte de rua em sua cultura.

Muitas escolas, sobretudo públicas, oferecem oficinas de grafite para os alunos. A associação DF-Zulu, por exemplo, trabalha com a revitalização dos muros da escola por meio de atividades de grafite com os alunos. “A escola faz parte da comunidade, e promover a revitalização gera um retorno

à valorização deste espaço. Procuramos transformar a escola em um ambiente em que os jovens se sintam bem e empoderados do espaço de aprendizagem. No final, é uma valorização da própria comunidade”, pondera Satão.

Para Guilherme Marin, da Rede IVoz, a escola é um espaço de convivência de alto valor simbólico na comunidade. O grafite, em sua capacidade de envolver o jovem, devolve o lúdico, a identidade e o respeito à comunidade. “Hoje, a maioria das escolas parecem verdadeiros presídios, perdendo o valor simbólico. A revitalização causa

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Alunos de escola pública da Ceilândia (DF) participam de oficinas de grafite

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não deve distanciar-se de sua origem.”

“O professor tem que ser um desbravador, levar os alunos à rua, ver o real, observar cores, técnicas, superfícies. Chega de criar ambientes de reprodução”, completa a grafiteira Ziza.

O educador é, muitas vezes, referência para os alunos. Ele inquieta, provoca, cria verdades. Carrano defende que as mensagens colocadas em sala de aula nunca devem ser impostas, mas negociadas. Os debates e atividades em torno do grafite devem contemplar e valorizar a sua origem – cultura periférica. Uma cultura altiva, consciente de sua condição social e do quanto lhe foi negado.

Agradecimentos especiais aos OsGemeos e a Satão pelas fotos cedidas.

identidade no jovem. O fato do grafite ser usado em sala de aula devolve e demonstra valor pelo conhecimento gerido pela comunidade. É a valorização da cultura periférica – criada na comunidade”, explica.

Porém, o uso do grafite como instrumento pedagógico pode ser controverso se desvinculado de sua origem e história. O coordenador do Observatório Jovem do Rio de Janeiro, Paulo Carrano, argumenta que, dependendo da abordagem em sala de aula, se corre o risco de descontextualização da cultura hip-hop em que o grafite está inserido. “O grafite é um mosaico de ações e sentidos; tem origem e contexto. Se usado na escola,

Oficinas de grafite revitalizam os muros das escolas do Distrito Federal

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Noções de coisas

Entre voos e esperas em aeroportos, a caravana formada por nove empresários, proprietários e representantes de concessionárias Chevrolet do estado de São

Experiência Ana Paula Drumond Guerra

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Paulo, acompanhados pelo diretor de Comunicações e Relações Públicas e Governamentais da General Motors (GM), Marcos Munhoz, chegou à cidade de Pedro II, no Piauí, após três mil quilômetros percorridos em pouco mais de sete horas de viagem.

Há dois anos patrocinando 240 salas de alfabetização em 24 municípios do Piauí e Sergipe com baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) e taxas de analfabetismo maiores do que a média nacional, era chegada a hora de o grupo de empresários e o Instituto GM conhecerem de perto a realidade que eles, por meio do Programa Rede

Chevrolet de Educação Solidária e da AlfaSol, ajudam a transformar.

Ao chegar a Pedro II, a comitiva da GM, acompanhada da superintendente executiva da AlfaSol, Regina Célia Esteves de Siqueira, e de membros da equipe da AlfaSol de São Paulo, se reuniu com o prefeito Alvimar de Oliveira Andrade e a secretária de Educação, Eleonora Maria Alves Costa Andrade; com o secretário municipal de Educação (Semec) de Teresina, Washington Luis de Souza Bonfim, e a coordenadora da Divisão de Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Semec, Sunamita Fontenelli, e com 10 alfabetizadores da AlfaSol, todos moradores de Pedro II. Nessa mesma noite, os parceiros visitaram duas salas de aula.

Parceiros da AlfaSol visitam sala de aula da alfabetizadora

Conceição Maria em Pedro II

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Noções de coisas

A formadora Fabiana Ferreira, da AlfaSol, em visita à sala de aula

Quanto custa?No momento em que a

comitiva chegou à primeira sala de aula a ser visitada, a alfabetizadora Conceição Maria Gomes Galvão, 44 anos, calculava na lousa quanto uma aluna gastava para comprar a matéria-prima para confeccionar suas redes e por quanto deveria então vendê-las para conseguir algum lucro. Com esse exemplo tão próximo da realidade de suas alunas, todas elas redeiras, fica muito mais fácil para as alfabetizandas identificarem o conteúdo e assimilarem o conhecimento. “Eu planejo as aulas de acordo com a realidade dos meus alunos. No exemplo de hoje exploramos a produção de uma rede, quanto custa o tecido, o punho, as varandas... As alunas registram tudo porque sabem bem sobre o que eu estou falando.”

Letra de música é tema de aulaDepois da visita à turma

essencialmente feminina da professora Conceição, os visitantes se dirigiram à casa da professora Elisabete Mendes de Souza, 26 anos, que fica do outro lado da cidade. Compenetrados, os alunos trabalhavam o letramento enquanto a professora escrevia na lousa a letra de uma música do artista da classe, Raimundo

Nonato, também conhecido por seu Sibu. Uma palavra em especial chamava a atenção: “sofoneiro”. Antes que alguém questionasse a estranha grafia do substantivo “sanfoneiro”, Ednéia Gonçalves, assessora técnica da AlfaSol, foi logo explicando: “Em salas de alfabetização de jovens e adultos temos de partir do que os alunos sabem, sem preconceitos, para a construção conjunta dos elementos que farão sentido em sala de aula. Lidamos com diferentes culturas e muitas possibilidades de conotações e significados de uma mesma palavra; o ponto de partida é a ‘validade simbólica’ da palavra, ou seja, seu significado naquele contexto social, naquela cultura especificamente”, explica. Ednéia esclarece que os alfabetizadores da AlfaSol procuram sempre trazer para a sala de aula a experiência dos próprios alunos, seja nas artes, na cultura, na vida diária, como uma fonte legítima de conhecimento.

Segundo ela, além de valorizar a cultura local, isso faz com que os alunos percebam a leitura e a escrita como algo cotidiano. “O primeiro contato acontece pela oralidade: a professora conversa com seu Sibu, por exemplo, ele canta a música para ela, ela faz o primeiro registro escrito e traz esse elemento cultural para o coletivo, ampliando o repertório

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Alunos em sala de aula da alfabetizadora Elizabeth Mendes de Sousa

Marcos Munhoz, diretor de Comunicações e Relações Públicas e Governamentais da GM, participa de recepção na Câmara Municipal de Pedro II

Noções de coisas

dos alunos. Pelo princípio do letramento adotado pela AlfaSol, o educador articula o conhecimento técnico e a cultura com os saberes do aluno. Dessa junção, um conhecimento novo é gerado, conhecimento este compreendido por todos e com potencial de transformar e eclodir na comunidade inteira.”

Pedro II e os visitantesJá era quase meia-noite

quando o grupo deixou Pedro II em direção a Teresina, de onde, poucas horas depois, embarcou de volta para São Paulo. Aparentando menos cansaço do que provavelmente sentia, Marcos Munhoz, que acompanhava com cuidadosa atenção e legítimo interesse cada um dos personagens conhecidos naquela cidade do sertão nordestino, comentava as impressões que a visita havia deixado: “Até hoje havíamos acompanhado a evolução desse

programa em parceria com a AlfaSol por meio de relatórios impressos, das explicações que os representantes nos davam, e até mesmo pelas experiências relatadas pela d. Ruth Cardoso. Tudo isso, por melhor que tenha sido, não pôde transmitir o mesmo sentimento que temos agora, após estarmos dentro das salas de aula. A coisa mais forte que a gente percebeu é que o programa não é simplesmente um programa que ensina pessoas a ler e escrever. Seu maior mérito está em fazer com que em cada sala de aula sejam ensinadas exatamente as mesmas coisas, mas por meios distintos, percebidas de formas distintas, justamente porque as pessoas têm realidades absolutamente distintas. Conhecemos hoje 12 educadores, 20 alunos e alguns representantes da AlfaSol: todos eles orgulhosos do que fazem.” Leia o texto integral em http://alfasol.org.

br/site/noticia.asp?id=744

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A empreendedora imobiliária Cyrela construiu sua história tijolo por tijolo. E agora, telha por telha, promove, em parceria com a AlfaSol, a execução de salas de alfabetização em São Paulo e no Rio de Janeiro.

De acordo com o assessor da Presidência para Assuntos de Responsabilidade Sócio- -Ambiental, Aron Zylberman, os recursos captados partiram da mobilização e contribuição

SP e RJ ganham novas salas de aulados colaboradores. A empresa completou o montante que possibilitou a construção de duas salas de aula em Santo Amaro e Paraisópolis (SP) e uma em Jacarepaguá (RJ).

“A Cyrela adota o princípio do ‘Valor Compartilhado’ na seleção dos projetos que apoia, a fim de que o investimento social traga bons resultados para a sociedade em geral e para a empresa. Uma das condições essenciais para uma

empresa ter sucesso é poder contar com uma mão de obra qualificada, e os projetos da AlfaSol contribuem para que esse objetivo seja atendido. Outro aspecto importante é alcançarmos a ‘paz social’; uma sociedade mais educada é capaz de construir essa paz tão necessária para todos nós”, diz Zylberman.

Em ano de Copa, a bola rolou solta pela educação. Desta vez, não foi a jabulani, mas percorreu os gramados do estádio do Morumbi, em São Paulo, nos pés dos jogadores do São Paulo Futebol Clube (SPFC), durante a Copa Libertadores da América.

Parceria AlfaSol e São Paulo: é bola na rede!

A ligação entre o futebol e a educação é simples. A AlfaSol fechou uma parceria com o SPFC no início do ano. A ideia foi sensibilizar o público para a importância da Educação de Jovens e Adultos, por meio de ações de visibilidade entre as duas organizações. Antes das partidas contra o Nacional e o Once Caldas, da Libertadores, alguns consultores da AlfaSol entraram em campo para divulgar o trabalho realizado pela Organização. Uma faixa com os dizeres “São Paulo Social apoia a AlfaSol” circulou pelo estádio.

A AlfaSol ainda divulgou o telefone 0800 727 17 21 da

Campanha Adote um Aluno e realizou um leilão beneficente da camisa oficial do SPFC autografada por todos os jogadores – gentilmente cedida pelo Clube. O lance final foi de Thiago Lobato. O valor – R$ 380,00 – foi revertido para a Campanha.

Lobato, em vez do que todos pensavam, é vascaíno. “Dei o lance pensando primeiramente na causa da campanha de alfabetização da AlfaSol, mas também para fazer uma surpresa para meu filho que, diferente do pai, é são-paulino.”

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Responda rápido. Qual caneta você usa? Se respondeu azul ou preta, errou. Mais uma chance: qual isqueiro dura mais? Não, não, não. O do camelô pode ser mais barato, mas na hora do aperto, se segura que ele falha.

Lembre-se de que ao nascer você foi registrado com uma caneta. A mesma caneta que você assinou a nota promissória ou o cheque sem fundos na semana passada. Aquela mesma caneta com a qual os alunos da AlfaSol aprenderão a escrever lá em Manaus e Itapororoca. É sempre a mesma! É ela – a BIC.

Não entendeu o que os alunos de Manaus (AM) e Itapororoca (PB) têm a ver com a BIC? Pois bem. A BIC e a AlfaSol acabam de selar uma parceria com o objetivo de diminuir índices de analfabetismo nessas duas cidades. A iniciativa faz parte do projeto BIC Educa, que beneficiará, ainda em 2010, aproximadamente 750 pessoas com mais de 15 anos. Serão 15 turmas de alfabetização em cada um dos municípios.

AlfaSol e Ipiranga reforçam parceria

Você já ouviu falar de Almeirim? E Tailândia, Garanhuns e Milagres? Talvez?

Pois bem, Almeirim é uma cidade do Pará, com 31 mil habitantes. Tailândia é país, mas também é um município do rincão deste mesmo estado do norte. Garanhuns e Milagres: o primeiro fica na região serrana de Pernambuco e, por incrível que pareça, sedia um festival de inverno; e Milagres fica no miolo das terras cearenses – lá bem no sul.

Devidamente apresentados, podemos agora contar que esses quatro municípios – que possuem alta taxa de analfabetismo – serão atendidos em 40 novas salas de alfabetização. A iniciativa é resultado do fortalecimento da parceria entre a AlfaSol e a Ipiranga Produtos de Petróleo (Grupo Ultra).

A empresa fornece a todos os alunos um kit escolar composto por mochila, cadernos, bloco, lápis, caneta, borracha, régua e apontador. De acordo com a Ipiranga, a iniciativa é parte de uma ação de reciclagem nos postos Ipiranga no Rio de Janeiro, desenvolvida em parceria com a Aleris Reciclagem. A cada 250 latinhas de alumínio arrecadadas, um kit é disponibilizado. De 2001 a 2009, foram arrecadadas 548.901 latas, que geraram 2.991 kits escolares aos alunos da AlfaSol.

“Englobamos todas as ações sociais da empresa dentro do projeto BIC Educa. Esta é uma amostra de como a BIC, que atua também no setor de papelaria, pode contribuir com a educação, uma vez que os produtos estão intrinsecamente relacionados à escrita e à leitura”, explica Anderson Gallo, gerente de produto da categoria de papelaria da BIC Brasil.

Você, que respondeu corretamente à pergunta lá do começo, agora tem mais uma razão para se lembrar da velha e boa caneta BIC. Inclusive quando for renovar seu estoque de BIC, não deixe de notar que alguns produtos possuem o selo da AlfaSol. Isso quer dizer que 7% das vendas líquidas serão revertidas ao projeto Bic Educa em parceria com a Organização.

Paralelamente ao projeto BIC Educa, a empresa pretende envolver todos os seus colaboradores, incentivando-os a doarem uma quantia para a AlfaSol. “A BIC contribuirá com o mesmo valor, dobrando o montante a ser entregue à AlfaSol. É uma forma de sensibilizar toda a empresa nesta causa”, diz Gallo.

Assinamos embaixo!

com uma BIC.

Cadê minha BIC?

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Todos os nomes

Pessoas mudas escrevem pra falar. Analfabetos aprendem a escrever. Pessoas sem braços escrevem com os pés. Os surdos escrevem no ar com gestos. Os cegos escrevem com a voz no escuro. Pessoas que esquecem escrevem listas. Canhotos escrevem com a mão esquerda. Pessoas distantes escrevem cartas. O tempo escreve no rosto rugas. Nas palmas linhas, nas pintas pontos. E nas estrelas cadentes. E nas cadeias escrevem nas paredes. E nas carteiras de escola. Neu-rônios escrevem na memória. Os genes escrevem nos corpos vivos. A chuva que escorre escreve nos vidros. E os dedos nos embaçados. E nas cavernas traçados de antepassados. Bisontes, flechas, humanos, arcos. E os médicos nas receitas. Orientais usam outras letras. De cima para baixo, nas verticais. E começando sempre por trás. Nos livros, placas e nos mangás. Escreventes, escrivães, escritores, escribas. Uns tomam notas pra se lembrar. Uns fazem livros pra ser lembrados. Pas-sos escrevem no chão com rastros. Corvos espalham nanquim no alto. Galinhas grafam bicando o chão. Migalhas fazem frases do pão. Palavras ditas morrem no ar. Em pedra escrevem nomes de mortos. E em pla-cas de rua. E quando o texto acaba a escrita continua.

Arnaldo Antunes, no livro n.d.a, da editora Iluminuras (São Paulo, 2010).

Ao lado, foto da capa por Fernando Laszlo

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Ave, Palavra

Você fala internetês?Vc jah leu exe tipo de texto? Ixo eh o internetes... ou melhor,

o tal do internetês. Esta linguagem faz parte do dialeto da web.

Surgiu no meio online para facilitar e acelerar a comunicação

dos internautas. Explodiu dentre os adolescentes fissurados

em computador e é usada, principalmente, em comunicadores

instantâneos, como chats, MSN, Orkut.

Pois eh... ops... pois é! Não se assuste, o internetês veio para

ficar. Na verdade, essa linguagem virtual abrevia ao máximo todas

as palavras, afinal, na internet, em questão de agilidade na escrita,

menos é mais. Em geral, vogais e acentos são eliminados. A ideia é

adaptar as palavras de forma que fiquem mais fáceis de escrever.

Dessa forma, a comunicação fica cada vez mais ágil e interativa.

Para entender o internetês, é preciso entender o

comportamento do usuário do ciberespaço. O atual internauta é

harduser de redes sociais e de comunicadores instantâneos. Ele faz

das ferramentas online uma extensão da vida social. Por meio do

monitor, conversa, opina, marca encontros, faz trabalhos escolares

– interage o tempo todo.

A escrita virtual configura-se, assim, em uma fala digitalizada –

um casamento curioso entre a escrita e a oralidade. O que importa

é a conversação.

— Táh on? Quer tc?

— E ai mulek, fmz?

— Blz, e vc?! =)

— De boua!!!!

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Ave, Palavra

Jargão online

Ok, ok. Mas como assim “vc”, “gnt”, “naum”, “tb”? E o que quer dizer “hauhauhauhauh”? E que raios são aquelas bolinhas amarelas com carinhas?

Você não entendeu nada? Vamos à tradução. “Vc” é a abreviação de “você”; “gnt” quer dizer “gente”; “naum” é mais fácil, significa “não”; e “tb”, claro, é “também”.

Já as carinhas alegres, tristes ou por vezes raivosas são os chamados emoticons. A palavra emoticon surge da mescla entre emotion (emoção) e icon (ícone). Ou seja, significa a expressão de sentimentos por meio de símbolos. É uma maneira desconstraída de humanizar as reações na conversa da web.

Entendeu?

E para quem ainda tem dúvidas sobre o que significam outras expressões do internetês, segue um minidicionário. Divirta-se, e se não quiser ficar de fora dessa onda, se jogue na internet!

Internetês Tradução Internetês Tradução

Vc, CE, vuxe, c você Blz, bls Beleza

xau tchau fmz Firmeza

Kbça cabeça aki Aqui

N, naum não ksa Casa

jg jogo eh É

hj hoje abç Abraço

q que vlw Valeu

p para flw Falou

axo acho fla Fala

Kkkk,hauhauhahu, rsrs, hehehe

risos Bjs, bjoks, bju Beijos

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Ave, Palavra

A hora e a vez dos hipertextos

Diferente de um texto de jornal ou mesmo uma revista, como esta que você está lendo agora, a escrita digital transcende a folha de papel. Como Arnaldo, aquele Antunes, disse aí na página 40, “quando o texto acaba a escrita continua”.

Pois, é mais ou menos isso que acontece quando se lê alguma coisa na internet. Pense! Você entra na web para verificar seus emails ou acessar algum portal de notícias e quando se dá conta, já está com milhares de janelas abertas. São tantos links interconectados que você vai navegando de página em página, fuçando aqui, fuçando ali, interagindo e construindo a leitura de uma escrita que nunca acaba.

O conteúdo digital, seja imagem, vídeo, áudio ou texto, permite múltiplas interações e leituras. Um conteúdo se conecta a outro por meio de hipertextos – links. O resultado de tantas ligações é a leitura em rede.

São milhares de textos interconectados produzindo conteúdos simbólicos e capital social. A linguagem web é de praxe “hiperlinkada”. Sempre em movimento, é dinâmica e interativa. Continua infinita no ciberespaço.

E para quem acha que internet é coisa de outro mundo e que esse negócio de hipertexto e leitura em rede não está com nada, lembre-se do livro O Jogo da Amarelinha, do autor argentino Julio Cortázar. De forma analógica, o livro possibilita diversas leituras – lineares ou não-lineares. Quer ler? O brasileiro caiu na rede

Estudos apontam que o Brasil é o país mais sociável da internet – com mais usuários conectados e no topo do ranking dos países que mais usam redes sociais no mundo.

• 25 milhões de pessoas conectadas

• 11 milhões acessam internet móvel (SMS, navegação web e acesso a e-mail)

• 55 milhões de usuários de redes sociais

• 17 milhões de usuários únicos no Youtube

• 1,5 milhão de usuários no Facebook

• 19 milhões de usuários no Orkut

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Versos e versões

No Brasil, chegamos em 2010 com avanços significativos no campo da Educação de Jovens e Adultos. A EJA foi incluída nas pautas e agendas governamentais, na legislação

e no financiamento público. Pode-se verificar uma expressiva ampliação da oferta nas redes locais de ensino (municípios e estados), aproximando governos municipais, estaduais e federal, além de organizações não-governamentais e movimentos sociais (que acumulam a mais longa trajetória na área). É possível perceber, também, um ganho de quantidade e qualidade na elaboração de propostas e projetos, materiais didáticos, metodologias e, sobretudo, de pesquisas relacionadas à área, incorporando a tematização da EJA no âmbito das universidades (ensino, pesquisa e extensão).

Alguns resultados positivos aconteceram de forma indireta, como, por exemplo, a percebida mobilidade educacional de muitos professores que passaram por distintos programas e projetos de EJA, especialmente aqueles voltados para a alfabetização. Pesquisas recentes têm demonstrado que a participação em tais projetos acionou desejos, demandas e necessidades para muitos desses educadores.

Enfim, ampliamos a concepção de EJA para além da alfabetização stricto sensu, incorporando-a como uma modalidade da Educação Básica (LDB 9.394/96) e colocando-a na perspectiva da educação ao longo da vida, como garantia do direito de todos à educação, respeitando, sobretudo, a diversidade dos seus sujeitos.

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Eliane Ribeiro AndradeProfessora da Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Educação de Jovens e Adultos no Brasil:

conquistas e controvérsiasEliane Ribeiro Andrade

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Versos e versões

também, educar-nos para essa compreensão.

Deste modo, os desafios ainda são imensos e vão muito além dos 14 milhões de analfabetos. O primeiro deles é entender que a EJA faz parte de uma dinâmica social e educativa que não pode ser vista, entendida e julgada por ela própria. As pesquisas têm mostrado que medidas isoladas muito pouco têm cooperado para efetivas mudanças. Como exemplo, podemos lembrar que os jovens trazem, da infância, uma significativa defasagem idade-série escolar, representando uma demanda potencial para a EJA, que já chega, hoje, a cerca de 60 milhões de pessoas jovens e adultas. É fácil perceber esse isolamento, quando se foca nos inúmeros modelos de oferta (por sinal, todas bastante semelhantes), que pouco dialogam entre si, chegando a se chocar e criando disputas lesivas em inúmeros territórios, contribuindo muito pouco para a permanência e conclusão desses alunos.

Em sua trajetória, a Educação de Jovens e Adultos, no Brasil, esteve sempre associada a novas alternativas, estratégias, flexibilizações, ações que primavam por relativa ousadia

criativa, fator de renovação do campo educacional mais amplo, influenciando, mesmo, o tradicional ensino regular. Mas hoje, analisando as distintas ofertas de EJA, podemos observar que as concepções da educação tradicional seguem vivas em suas práticas, sob os olhos de atores estratégicos para o seu desenvolvimento com qualidade, como gestores, educadores e pesquisadores. Continuamos concebendo, quase tão somente, programas de EJA que cabem na estrutura física e simbólica dos modelos escolares, não dimensionados para, de fato, caber na vida dos sujeitos que os demandam.

Como alerta Helena Abramo, precisamos de uma educação que caiba na vida dos jovens, e não o contrário. Ou seja, precisamos criar possibilidades para novas inserções e aprendizagens e, mais do que tudo, entender que esse sujeito, quando procura ou retorna a uma classe de EJA, está nos dando uma chance incomensurável de provar que o sistema educacional brasileiro, no conjunto de seus atores, não é distintivo. Acredita, deseja e investe em uma educação para todos.

Dessa forma, podemos afirmar, hoje, que a EJA ingressou no fechado campo de disputa do sistema educacional brasileiro. Saudamos suas conquistas! Contudo, apesar de tão significativas, podemos também afirmar que os resultados referentes à permanência e à aprendizagem de seus alunos não têm acompanhado a potencialidade do conjunto de ações que vêm sendo desenvolvidas. É fácil observar que, material e simbolicamente, a EJA continua transitando nas bordas da educação. Ocupando, na tradicional hierarquia que comanda o sistema educacional brasileiro, um lugar de pouco valor, o que, sem dúvida, guarda estreita relação com o lugar social da população à que se destina.

De um modo geral, é possível perceber que a sociedade brasileira ainda não naturalizou o direito à alfabetização, à escolarização e aos demais processos educativos, escolares e não-escolares. Ainda não admitimos que a educação é um bem coletivo, que vai muito além do indivíduo que aprende. Na verdade, precisamos,

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Um país marcado pela cultura do povo

Ana Paula Drumond Guerra

“O ser humano é múltiplo, é contraditório e por isso mesmo carrega consigo todo um universo, tantas memórias, tantas tradições. Não existe pessoa sem cultura, e é aí que está a imprescindível riqueza do ser

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humano.” Foi assim que o escritor Ricardo Azevedo explicou, em entrevista concedida à Escrevendo Juntos, por que se dedica tanto a pesquisar e difundir, por meio de seus livros, as várias formas de manifestação da cultura popular. Um de seus títulos, Meu livro de folclore (Ática, 1999), faz parte do programa Incentivo à Leitura da AlfaSol, que estimula nas comunidades atendidas a capacidade de representação e comunicação de histórias pessoais e coletivas por meio da cultura da leitura”. Nascido em 1949, na cidade de São Paulo, Ricardo Azevedo cresceu em meio aos livros e descobriu, ainda garoto, nas aulas de redação, o gosto e o dom para a escrita. O primeiro livro, Um autor de contos para crianças, foi escrito quando ainda tinha 17 anos e lançado 13 anos mais tarde com o nome Um homem no sótão. Até hoje, mais de uma centena de títulos e prêmios Jabuti depois, é uma de suas publicações mais premiadas. Bacharel em Comunicação Visual, começou a pesquisar de maneira organizada formas literárias populares, como contos maravilhosos, quadras, adivinhas, ditados e trava- -línguas, e também a iconografia popular, particularmente a xilogravura, técnica reproduzida em suas ilustrações. Estudou a fundo a cultura popular tanto no mestrado, quando produziu a dissertação “Os vestígios da cultura popular na literatura infantil”, quanto no doutorado, com a tese sobre letras de samba “Abençoado e danado

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se perpetuado e acabariam esquecidas. Para isso, busca sempre o máximo possível de versões de um mesmo conto e só então monta sua própria versão. “Ajo como um contador de histórias e construo meu texto a partir da oralidade, ou seja, escrevo quase como se estivesse falando num contato face a face. Nesses casos, escrevo principalmente para ser ouvido.”

“Sempre fugi do discurso complicado”, conta. “Busco uma linguagem simples, clara, direta e pública que possa ser compreendida pela maioria das pessoas.” Neste caminho, Ricardo foi aos poucos percebendo que a “literatura infantil”, gênero do qual muitas vezes é rotulado, é, na verdade, literatura popular. “Escolho temas que geram identificação em crianças, jovens, adultos, independentemente de graus de instrução e classes sociais.” Dentre seus assuntos preferidos estão aqueles bem triviais, próximos de nosso dia a dia, como amor, paixão, morte, trabalho, envelhecimento, família, conflito de gerações. “São temas da vida cotidiana assim como a construção da voz pessoal, a busca do autoconhecimento, a existência de diferentes pontos de vista (a dupla existência da verdade), as questões éticas, a questão da responsabilidade social, o encontro e a descoberta do Outro, a incompreensibilidade do Outro, as ambiguidades e contradições humanas etc.”, explica.

do samba – Um estudo sobre as formas literárias populares: o discurso da pessoa, das hierarquias, do contexto, da oralidade, do senso comum e da folia”.

Pesquisa de cultura popular e temas da vida cotidiana

Para recontar histórias do povo, o escritor vem fazendo uma ininterrupta pesquisa há quase trinta anos. Além de extensa investigação bibliográfica, ele se mete a desvendar sebos e bibliotecas de todas as cidades que visita. Dá especial valor às narrativas orais até mesmo como uma forma de documentá-las. Acredita que sem esse trabalho de pesquisa e documentação muitas dessas histórias não teriam

Ilustração de Ricardo Azevedo

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Cultura popularA admiração pela cultura popular

vem de quando ainda era criança.

isso acaba fazendo com que o aluno se envergonhe de seus pais, pois eles não sabem nada que a escola ensina, uma vez que muitos desconhecem a leitura, escrita, gramática, matemática, história etc. Imagine o que isso representa em termos de autoestima! Tudo isso faz com que seja levado a desprezar a própria família. Depois, se esse aluno, por um lado, vai desmerecer a própria cultura, por outro não consegue se identificar com o que é ensinado na escola, o que é péssimo!”

Outro ponto analisado pelo escritor é que a sociedade atual está submetida, desde a infância, a um impressionante volume de textos utilitários, de extrema objetividade e impessoalidade. “Esses textos basicamente pretendem exprimir verdades estabelecidas ou têm como objetivo informar, ensinar, prescrever, explicar, determinar, comandar, anunciar, recomendar ou orientar sobre determinado assunto”, analisa. Ricardo defende que a esse modelo tecnocrata seja aliado um modelo espontâneo, construído a partir da experiência prática de vida e também do conhecimento transmitido oralmente, por exemplo, pelos mais velhos. Neste caso, compreender os procedimentos da cultura popular pode ser muito útil e até servir como referência.

“Durante a infância, passei a maioria dos fins de semana e férias na roça. Convivi e frequentei a casa de muitos caipiras, participei de festas populares. Ainda garoto, li muitos

contos populares, principalmente aqueles do Tesouro da Juventude, uma coleção maravilhosa de 18 volumes que tínhamos em casa. Mais tarde conheci da obra de Sílvio Romero, Câmara Cascudo, Leonardo Mota, Lindolfo Gomes, Teófilo Braga, Adolfo Coelho e tantos outros.” Para Ricardo, a beleza das formas literárias populares está no fato de que todo mundo, independentemente de idade, classe social, nível de escolaridade, se identifica com seus diversos gêneros de contos de encantamento, quadras, parlendas, frases feitas, ditos populares,anedotas, adivinhas, trava-línguas, quadras etc.

Segundo ele, o contato com a cultura popular deveria ser amplamente incentivado pelas escolas, até mesmo como disciplina letiva, pois pode funcionar como mediador cultural entre o discurso e a cultura oficial (escrita e escolarizada) e o discurso e a cultura do povo. “Se a escola impõe de cima pra baixo o modelo que não é o popular, um modelo técnico-científico,

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“Vou dar um exemplo muito comum no Brasil: um homem que migrou da Paraíba para São Paulo à procura de emprego. Às vezes lá ele era um violeiro, uma pessoa importante em seu contexto por organizar festas do Divino. Chegando

Patrimônio insubstituívelRicardo Azevedo aponta

como agravantes para o pouco interesse do brasileiro pela literatura a baixa escolaridade, poucas bibliotecas e poucas livrarias país afora, além do fato crônico de que nem pais, nem professores são leitores. Para ele, um não-leitor não pode formar leitores: seria a mesma coisa de alguém que nunca pescou querer ensinar alguém a pescar. “As pessoas sabem que é politicamente correto defender a leitura e a literatura, mas não sabem por quê. Acho que a grande luta é tentar mostrar aos adultos, pais e professores que a literatura não é um símbolo de status, mas uma tentativa de, através da ficção, da linguagem poética e do discurso subjetivo, tratar de temas complexos da existência e assim dar sentido à vida concreta. A leitura é um patrimônio completamente insubstituível.”

De acordo com o escritor, além da concorrência com as novas mídias, o livro teve seu caráter lúdico e humanizador colocado na berlinda por uma sociedade que tem dado valor apenas às atividades funcionais e utilitárias. “Creio que as pessoas leem, mas quase somente livros didáticos e técnicos, para assim obter informações, aprender um novo programa de computador

aqui ele vira um pedreiro e perde essa identidade cultural. Ou seja, lá ele era um artista e aqui passa a ser uma pessoa sem identidade. Se o filho desse homem for para uma escola aqui em São Paulo que saiba o que é a cultura popular e que a valorize em sala de aula, talvez o filho possa dizer ‘Meu pai conhece isso! ’, e de repente ele até leva seu pai na escola para falar um pouco de sua experiência e de como eram as festas populares na terra dele. Isso é muito significativo, pois cria uma sinergia, faz com que esse homem pense ‘eu sou alguém, eu tenho conhecimento, eu tenho cultura, eu estou contribuindo com a escola do meu filho.’ Uma professora pode solicitar a um aluno: ‘Peça a seu avô para contar as histórias dele; vamos fazer um trabalho com isso!’. Acho esse um papel fundamental da escola brasileira: construir uma ponte entre a cultura popular e a cultura oficial e escolarizada. Ambas são muito ricas, mas hoje só uma tem voz. Essa cultura popular poderia ser usada beneficamente para aproximar as pessoas da escola”, observa.

Manifestação cultural durante a festa do Divino em São Luiz de Paraitinga

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ou alguma técnica ligada ao trabalho. O que não se lê é literatura e poesia.” Ricardo argumenta que o fato de muitas pessoas ainda confundirem livros técnicos e didáticos com literatura prejudica a formação de leitores no Brasil. “A criança fica achando que todo livro tem necessariamente uma lição objetiva que ela precisa aprender. Não sabe que existem livros diferentes, que, ao contrário dos didáticos, permitem diversas conclusões, livros que tratam da condição humana com os quais ela pode se emocionar, se identificar, sonhar, se escangalhar de dar risada, chorar e até especular sobre sua própria existência. Na minha visão, enquanto essa confusão persistir, a gente não vai conseguir formar leitores nunca. Aliás, é o que se vê.”

Mas a solução para esse problema, diz, pode estar exatamente no resgate da cultura popular. “As adivinhas e contos populares podem representar excelentes e divertidas formas de iniciação à linguagem metafórica e poética. Num país onde a grande maioria das pessoas, por motivos sociais e familiares, está próxima da cultura do povo e da oralidade, entrar em contato e valorizar as expressões de origem popular, sempre marcadas pela oralidade,

pode ser extraordinariamente importante.” O escritor explica que outra fonte extraordinária de cultura, também desperdiçada pelas escolas, é a música popular brasileira: “Nenhum de nossos alunos deveria se formar sem conhecer profunda e sistematicamente as obras de compositores como Dorival Caymmi, Chico Buarque, Noel Rosa, Caetano Veloso, Zé Kéti, Paulinho da Viola e outros. Depois de conhecê-las, seria muito mais fácil para o aluno ler Drummond, Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Murilo Mendes, Ferreira Gullar, Manoel de Barros.”

Ricardo AzevedoAlém de autor de mais de uma centena de livros, Ricardo Azevedo também é desenhista e ilustra, ele mesmo, suas obras. Considera escrever e desenhar duas formas de expressão, ambas riquíssimas, cada qual com suas peculiaridades. Primeiro ele escreve e só depois de deixar descansar o texto é que parte para ilustrá-lo. Assim, acredita, evita soluções fracas e óbvias. Algumas vezes deixa para seus desenhos o que o texto não consegue explicar tão bem. Noutras, é o texto o melhor veículo de uma ideia. Para ele, o importante mesmo é não deixar que as ilustrações redundem o que a escrita traz; afinal, o grande valor do desenho é ampliar o universo significativo do texto.

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O esporte comomultiplicador da paz

– ao apresentar desafios e proporcionar a sensação gratificante da superação – e pela sua visibilidade nos meios de comunicação, que transformam atletas em ídolos e fomentam as aspirações dos jovens.

No âmbito pedagógico, a prática esportiva estimula a socialização e transmite valores como respeito, cooperação, disciplina, dentre outros. O esporte em si proporciona esta vivência, pois ensina a ganhar e a perder, a trabalhar em equipe, a lidar com diferenças e a respeitar a si mesmo e aos outros. E quando desenvolvido com uma metodologia adequada e conduzida por um professor de educação física preparado e com visão educacional, o esporte passa a ser um meio no qual crianças e adolescentes interessados apreendem tais valores no decorrer das atividades.

Foi acreditando neste conceito do esporte educacional que idealizei o Instituto Compartilhar. Sempre me preocupei com a falta de perspectiva e de oportunidades para os jovens de hoje em dia. Com o sucesso que obtive no esporte, senti que deveria retribuir à sociedade tudo que havia conquistado.

Desta forma, em 1997 formei uma parceria com a empresa Unilever e o governo do estado do Paraná para levar a Curitiba (PR) uma equipe feminina de voleibol junto com um projeto social de iniciação esportiva. Foi o primeiro passo para o desenvolvimento

O esporte é visto a cada dia mais como um importante meio para a formação de jovens, principalmente por seu caráter motivacional

Bernardo Rocha de Rezende, o Bernardinho, é técnico da Seleção brasileira masculina de vôlei e da equipe feminina Unilever. Integrou como atleta a “geração de prata” do voleibol. Hoje é uma referência de sucesso no Brasil. Engajado em causas sociais, em 2003 fundou o Instituto Compartilhar, do qual é diretor.

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do projeto Centro Rexona Ades de Voleibol, hoje chamado de Programa Esporte Cidadão Unilever, que atende há 13 anos mais de 3.800 crianças e adolescentes por todo o estado do Paraná.

O Instituto Compartilhar surgiu do sucesso desta iniciativa. Ao perceber a utilidade do esporte na formação integral de crianças e adolescentes, precisávamos de um meio para replicar a metodologia de iniciação desenvolvida para outros lugares do País. Com essa missão, a entidade desenvolveu novos projetos e ampliou sua abrangência. Hoje, o Instituto Compartilhar atende cerca de 5.800 crianças e adolescentes em cinco estados brasileiros.

Além disso, o Instituto promove ações educacionais que utilizam o esporte como base para a abordagem de diversos assuntos ligados à realidade jovem. Na nossa visão, a motivação gerada pela prática esportiva não está restrita às quadras, e seu papel educacional pode ser fortalecido a partir de ferramentas que estimulem criativamente a conscientização e a mobilização.

A iniciativa mais recente neste sentido é a 2ª edição do programa Escolha Certa. Iniciado em 2006, por meio da parceria com o Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), uma ONG de São Paulo (SP), partimos para a elaboração da 1ª edição do

programa Escolha Certa – Esporte sem Álcool. Agora, buscamos os conhecimentos do Projeto Não-Violência, entidade de Curitiba, para desenvolver o novo tema: Esporte sem Violência.

Nesta edição, enfocamos o professor de educação física como principal multiplicador da temática. Percebendo a necessidade de subsídios de qualidade para a aula de educação física, foram elaborados instrumentos para disseminar a cultura de paz nas escolas utilizando o esporte como elemento motivador. Novamente partimos da ideia de que o professor precisa estar sensibilizado para uma visão do esporte como educação, e não apenas para a formação de atletas ou ocupação de tempo.

Assim, o Esporte sem Violência engloba um guia impresso para entrega aos jovens e uma série de materiais de apoio – dentre eles um vídeo em formato de revista eletrônica e sugestões de atividades – para professores que queiram trabalhar a temática em suas aulas. Todos os conteúdos estão disponíveis em um portal online e podem ser acessados gratuitamente por meio de um cadastro.

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O material conta, ainda, com o apoio de diversos atletas multicampeões, como Fofão e Sérgio “Escadinha”, do vôlei; Flávio Canto, do judô; Daniel Dias, para-atleta de natação; e Maya Gabeira, do surfe. Todos eles participaram com mensagens de respeito e tolerância para inspirar os jovens.

Acredito que a temática da cultura de paz é importante no mundo do esporte. Estamos sempre fazendo escolhas, e estas não podem se limitar somente ao campo de jogo ou a regras obrigatórias, mas devem permear nosso comportamento em todos

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Jovens praticam esporte em projeto promovido pelo Instituto Compartilhar

os momentos, ajudando a formar uma sociedade mais justa.

Quem acredita no esporte como um multiplicador da paz pode conhecer mais sobre o programa Escolha Certa – Esporte sem Violência no site www.programaescolhacerta.com.br.

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A descoberta do mundo

Prêmio Santander Universidade Solidária chega a sua 13ª edição

Conheça a trajetória do prêmio que há 15 anos contribui para fortalecer as ações das Instituições de Ensino Superior (IES) na extensão universitária e para a formação cidadã de estudantes universitários.

Projeto para a melhoria e ampliação das

atividades da Associação dos Recicladores

Esperança, do Instituto Federal de Educação

e Tecnologia (IFET/SC)

Projeto Construção da marcenaria coletiva

autogestionária, desenvolvido em conjunto

com a Universidade de São Paulo (USP)

1995

Lançamento do Programa Universidade Solidária.

1996

Parceria do UniSol com o Banco Real. Na 1ª edição, foram premiados os melhores: equipe, professor e dois universitários e município.

2ª edição do Prêmio – 70 equipes participaram, cinco foram contempladas com o prêmio de R$ 10 mil e oito homenageadas.

1997

3ª edição do Prêmio – 120 equipes inscritas e cinco vencedoras. O valor do Prêmio subiu para R$ 12 mil. Outra novidade: nove equipes receberam menção honrosa no valor de R$ 3 mil a R$ 5 mil.

1998

Em sua 4ª edição, o Prêmio passou a contemplar projetos executados em comunidades do entorno das IES. Foram 58 projetos inscritos, três vencedores e seis menções honrosas. Mais uma vez, o valor do prêmio subiu: R$ 20 mil.

1999

A 5ª edição do Prêmio surgiu sob o tema “Saúde e Qualidade de Vida”. Dos 77 projetos inscritos, três foram vencedores e 4 receberam menções honrosas.

2000

A UniSol foi instituída como Oscip e realizou a 6ª edição do Prêmio. Foram 68 projetos inscritos, cinco vencedores e duas menções honrosas. O prêmio? R$ 20 mil.

2001

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O Concurso Banco Real Universidade Solidária está de cara nova. Agora integra o conjunto de iniciativas dos Prêmios Santander Universidades – juntamente com os prêmios Ciência e Inovação, Empreendedorismo e Guia do Estudante – e passa a se chamar Prêmio Santander Universidade Solidária. Serão oito projetos apoiados no valor de R$50 mil cada.

2010

A descoberta do mundo

Cultivo de Peixe e ecoturismo

visando à segurança alimentar,

renda e preservação ambiental das

Redes-Tupé, no Amazonas

2002

Na 7ª edição do Prêmio houve cinco vencedores, com prêmio de R$ 20 mil e duas menções honrosas, no valor de R$ 5 mil.

2003

A 8ª edição do Prêmio chegou sob o tema “Desenvolvimento Sustentável, com ênfase em geração de renda”. A menção honrosa foi extinta, e de 58 projetos inscritos, 10 foram aprovados com um prêmio de R$ 20 mil.

2004

A 9ª edição do Prêmio recebeu 195 projetos, sendo 10 selecionados; houve uma dilatação do período de execução dos projetos para nove meses.

A 10ª edição teve 132 projetos inscritos e 10 selecionados. Ao mesmo tempo, iniciaram-se as discussões para reformulação do Edital. Em 2006, o concurso passou por uma renovação.

2005

Na 11ª edição, o Prêmio apareceu renovado. Houve um aumento de recursos para os projetos (R$ 20 mil para R$ 40 mil); consolidação do processo de monitoramento dos projetos; aprimoramento do processo de seleção; e a possibilidade de renovação dos projetos por mais um ano – oito dos 10 projetos selecionados foram apoiados por dois anos. Foram 212 inscrições.

2007

A UniSol, integrante da RedeSol, passa a ocupar o Edifício Ruth Cardoso, local onde também se encontram o Centro Ruth Cardoso, a AlfaSol, o ArteSol e a Comunitas.

2008

A 12ª edição contou com 184 projetos inscritos, e os 10 projetos em execução mobilizaram, até o momento, 153 estudantes e 30 professores. Os projetos estarão em execução até o final de 2011. Nessa edição, a fase de seleção passou a contar com visitas técnicas.

2009

Projeto Vereda Sustentável, no assentamento de Vereda I, em Padre Bernardo (GO)

Projeto Cuidar de Gente e do Meio

Ambiente, da Universidade Estadual do

Rio Grande do Sul (UERGS)

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A descoberta do mundo

compartimento grande, como aqueles de entregador de água, pão, pizza. Só que nessa bicicleta modificada seriam transportados litros e litros de óleo de cozinha. Isso mesmo! Aquele óleo que o pasteleiro e sua avó usam para fazer pastéis e bolinhos de chuva.

A ideia partiu de um grupo de estudantes da Faculdade de Tecnologia Industrial (Fatec), e o projeto acabou selecionado na 11ª edição do então Concurso Banco Real Universidade Solidária, realizado em 2007.

A proposta da bicicleta modificada descrita acima surgiu com utilidade e objetivo bem definidos. Na verdade, o recolhimento de óleo de cozinha e outros materiais recicláveis seria feito por catadores de lixo

Desenvolvimento sustentável na prática de uma cooperativa – a Renascer

– lá de Tatuí mesmo. E a bicicleta facilitaria o trabalho, que antes dela era braçal e a pé.

Porém, toda a ideia mudou de caminho. Ao acompanhar de perto as atividades da cooperativa, o grupo de estudantes, orientados pelo professor e coordenador do projeto Luís Antonio Galhego Fernandes, perceberam que a bicicleta não era a necessidade maior dos catadores cooperados. Descobriram, então, que a logística ou a forma para a coleta do material porta a porta – com a bicicleta – não era o grande problema, e sim a necessidade de conscientização da população com relação aos materiais reciclados. “Nem 10% das casas contribuíam para a coleta seletiva”, afirma Galhego.

Foi aí que novos caminhos se abriram para Tatuí. Galhego e uma equipe de alunos de várias especialidades – o grupo BioFatec – iniciaram, então, um trabalho junto à Cooperativa para fazer um

Começou com uma bicicleta. Duas rodas, um guidão e um banquinho. Mas tinha algo a mais. Na parte de trás, um

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Equipes de coleta auxiliam na colocação dos bags de material reciclável no caminhão da Cooperativa Renascer

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diagnóstico sobre a situação da coleta seletiva na cidade, a avaliação dos procedimentos internos de gestão, além de propor equipamentos que auxiliassem na coleta e no tratamento do material. “O trabalho foi realmente transformador para ambos os lados. A confiança se conquista devagar, com visitas frequentes e, fundamentalmente, com muito respeito ao tempo e espaço dos cooperados”, ressalta o professor.

Danilo Menezes da Silva é aluno de Gestão Empresarial da Fatec Tatuí e participa desde o início do projeto. Para ele, as ações envolvendo do planejamento estratégico ao acompanhamento dos cooperados na coleta de material reciclado nas ruas proporcionou importantes ganhos pessoais e profissionais. “Tratar as pessoas como seres humanos é a base de tudo. Não interessa se ela é catadora de recicláveis, ou se é presidente de uma empresa multinacional: o que as pessoas possuem não as deixa melhores ou piores do que as outras. Todos têm direito de comer, sorrir, cantar.”

Ele afirma que havia certa desconfiança no início, mas que os resultados mudaram a maneira como os cooperados viam o trabalho. “No começo,

era aquele ar de desconfiança, como quem diz ‘o que essas pessoas querem mexer no nosso negócio?’. Para mim, o resultado positivo foi a melhora na autoestima e na qualidade de vida dos envolvidos. Mas não podemos tapar o sol com a peneira: tudo isso só foi possível com o aumento de renda de cada um.”

Lixo modernoPara estimular o ato da

reciclagem na sociedade e diminuir os desperdícios na região, decidiu-se promover uma campanha de conscientização. Um projeto-piloto para arrecadação de materiais coletados foi realizado em uma única escola, na qual se criou o ponto central do projeto, envolvendo todas as 25 escolas do município. Durante um mês foram coletados 395 bags – compartimento para coleta –, e chegou-se a quase 11,5 toneladas de material reciclável, fazendo com que o projeto atingisse pouco mais de 10 mil alunos da rede municipal de educação do Ensino Fundamental.

Galhego afirma que a intenção é que a Campanha de Reciclagem seja instituída de forma permanente nas escolas do município. “Esperamos que, passado algum tempo, o hábito

esteja consolidado em boa parte de Tatuí para que possamos realizar a coleta seletiva por meio do caminhão que passa diariamente, intercalando os dias de material reciclável e material destinado ao aterro. Queremos ampliar a coleta por pontos de entrega voluntária (PEVs) nas escolas com lixo eletrônico, pilhas e baterias e ainda a coleta de lâmpadas em pontos-chave da cidade. Nossa expectativa é que isso aconteça ainda em 2012.”

Trabalhar a conscientização da população para o reuso e reciclagem do lixo eletrônico também faz parte das ações do grupo BioFatec. Uma ação do Ministério Público realizou a apreensão de caça-níqueis na região, que foram entregues à Fatec Tatuí. Com o apoio de pessoas que cumprem pena alternativa e um gestor para auxiliar no projeto, a equipe realizou a desmontagem e descaracterização do material. “Estamos estudando a possibilidade para abertura de um novo braço da Cooperativa Renascer, com novos cooperados e com capacitação para pessoas com necessidades especiais. Tudo isso em parceria com os diversos órgãos públicos da cidade e visando sempre a Campanha de Reciclagem.

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Nasceu em Esperantinópolis, no coração do Maranhão, há 36 anos. Começou na lida da roça ainda menino. De lavoura em lavoura, saiu da cidade da esperança e chegou a Açailândia – terra dos açaizeiros e de alguns parentes.

Continua no batente. Hoje é feirante lá no mercado. Vende de tudo um pouco: pulseira para relógio, pente. É camelô! É Francisco Simão de Lacerda.

Lacerda, miudinho que só ele, conta que, como em todo lugar, trabalho em Açailândia é coisa complicada. Mas explica que é difícil mesmo para quem não tem leitura. “Imagina que para trabalhar de gari tem que ter pelo menos até o 3º ano. E olha que ainda tem muitos garis que não têm leitura, porque foram contratados na etapa velha. Mas de agora para frente, é diferente.”

Ele mesmo não possui nem a 1ª série. Fala que na época da meninice não tinha tempo para escola. E mesmo se tivesse tempo entre uma enxadada e

Corre que já bateu o sinal!

A parceria da Fundação Vale

com a AlfaSol já atendeu

5.141 alunos em projetos de

alfabetização e TeleSol, em

Açailândia (MA), de 2003 a 2009.

Francisco é um deles.

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O alfabetizando Francisco Simão de Lacerda participa das aulas do programa TeleSol em Açailândia

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outra, era muito difícil. “Sempre morei no interior. Tudo era muito longe e, em alguns lugares, não tinha nem colégio. Quando acontecia de ter algum, passavam dois, três meses e fechava, às vezes por falta de aluno mesmo.”

cansado da labuta, prefere ir aprender com quem ensina, em vez de ficar em frente à TV. “Por que ficar em casa não dá! Olha, chego cansado do trabalho, mas ir para a escola é melhor que ficar em casa vendo televisão. Na aula, pelo menos, a gente aprende alguma coisa, e lá na televisão, não. O que tem na televisão são aquelas programações que ninguém vai aprender e nem ganhar nada com aquilo”, diz.

“Eu já tinha mesmo a vontade de estudar, mas antes não tinha essa oportunidade, porque só pegavam jovens. Agora também tem para o pessoal que nem eu. Vou à aula agora para ver o que consigo aprender, porque acho que as pessoas têm que voltar a estudar para aprender nem que seja um pouquinho”, continua animado.

A sala de Francisco tem uma grande diversidade geracional. Há alunos de 15 a 50 anos. Homem, mulher, menino e menina. A professora se chama Hélia. Ela é muito boa, segundo conta. Alfabetizadora e alunos se veem de segunda a sexta-feira, quase religiosamente. As aulas são em formato de vídeoaulas – todo o conteúdo de 1ª a 4ª séries do ensino fundamental são dados por meio da

Lacerda tem poucas recordações da sala de aula. Estudava um pouco e parava. Mais um pouco e parava de novo. Lembra somente aquela cartilhinha, que não teve a oportunidade de chegar nem na

metade. Ah! Frequentou uma escola particular, que nem escola era, durante uns três, quatro meses. Aprendeu o abecê, mas as letras continuavam sendo desenhos em folhas em branco.

Pois o tempo passou. Lacerda já é pai de três filhos – duas meninas e um menino, estudantes de primeira mão. Mas agora suas memórias de sala de aula são vivência. Não é que o rapaz voltou a estudar?

Um dia desses, ele descobriu que alguns de seus vizinhos estavam estudando. E logo que ficou sabendo das aulas para jovens e adultos, não pensou duas vezes e foi se matricular. As aulas são de noite, dá tempo de sobra para trabalhar. Mesmo

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teledramaturgia . Fazem parte do programa TeleSol da AlfaSol.

“Nesse plano, por exemplo, se a gente estudar dois ou três anos, o pouco que a gente aprender já é muito. Para quem não sabe nada, né? Eu estou gostando muito, a professora Hélia coloca as teleaulas para gente ver, aí ela explica aquele assunto para nós. Esses dias, por exemplo, a aula foi sobre os índios... E a gente vai indo aos poucos”, conta.

Lacerda começou a estudar faz pouco tempo, mas sequer por um minuto pensa em parar. Como ele disse lá no início deste relato, a vida das pessoas sem leitura nenhuma está muito difícil – “e até para quem está trabalhando!”.

Francisco Simão de Lacerda não pôde estudar de pequeno. A necessidade do trabalho o privou da sala de aula, como outros muitos Franciscos. E não é que agora tudo se inverteu? Lacerda vê no letramento a conquista e manutenção de seu espaço no mercado de trabalho.

“A aula aqui é muito legal! E os colegas, como a gente falou, quase todo mundo tem a mesma idade, coisa de um ano ou dois de diferença. Isso ajuda porque a gente chega, conversa com todo mundo, todo mundo é alegre um com o outro. Nossa professora é bem divertida também. O tempo que a gente fica aqui passa rapidinho e, apesar de estar todo mundo numa boa, o tempo passa que a gente quase nem vê. Quando a gente vê, o sinal já bateu pra gente voltar pra casa...”

Baseado em entrevista realizada por Marcela Boni Evangelista

“Muitas vezes você vai a uma empresa e eles vão te avaliar pelo estudo, mesmo quem tem um estudo mais ou menos. Tendo pelo menos uma 6ª série já facilita um pouco. Agora,

se você chega dizendo que estudou até a 1ª ou a 2ª série, fica difícil conseguir emprego, mesmo os mais simples. A gente que trabalha de feirante, tudo bem, não é que nem empresa. Mas na empresa, você tem mais segurança. Imagina, se trabalhar três ou quatro anos, já tem os direitos garantidos. É pouco, mas já é alguma coisa”, afirma esperançoso.

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O Projeto Alfabetização Solidária e seu impacto na atuação dos professores e nas práticas de letramento de jovens e adultos de Maracanaú-CE Ana Luzia Cavalcante Medeiros Universidade Federal do Ceará Orientador: José de Anchieta Esmeraldo Barreto

A autora investigou as práticas de letramento e o impacto da escolarização na vida dos sujeitos que passaram pela alfabetização e o letramento no projeto da AlfaSol, em parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC) e o município de Maracanaú (CE), em 2006. Nesta investigação, averiguou-se como ocorreu a inserção dos egressos do projeto no mercado de trabalho e como sucedeu a formação dos alfabetizadores responsáveis pela alfabetização de 293 alunos, distribuídos em 15 salas de aulas, em várias localidades do município.

Lição das coisas

Estudo sobre a Empresa Social como uma ferramenta para se alcançar a prosperidade duradoura Carlos Eduardo de Faria RoncaFundação Getúlio Vargas – FGV

O estudo analisa como o desenvolvimento das Empresas Sociais pode contribuir na transição para uma sociedade próspera e duradoura. O objetivo é verificar como esse modelo inovador, ao propor a substituição do princípio da maximização dos lucros pelo princípio da maximização do benefício socioambiental, poderá auxiliar na ruptura com a dependência pelo crescimento econômico reinante nas economias mundiais, sujeição que ameaça a sustentabilidade de nossa existência neste planeta.

DissertaçõesO Centro de Referência em Educação de Jovens

e Adultos (Cereja), da AlfaSol, reúne e disponibiliza em seu portal trabalhos

acadêmicos relacionados à educação. Confira aqui as mais recentes

dissertações que discutem o tema Educação de Jovens e Adultos (EJA).

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Lição das coisas

O impacto do discurso docente na redação de alunos da Educação de Jovens e Adultos: um olhar sobre a autoriaAna Paula Torres de Queiroz RochaUniversidade Católica de PernambucoOrientador: Junot Cornélio Matos

O estudo investigou redações de alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA), a fim de averiguar o impacto do discurso docente na construção das mesmas. Ancorado nos princípios da teoria dialógica do discurso e nas concepções de Bakhtin sobre polifonia, dialogismo, verificaram-se indícios de autoria nas redações escolares, apontando os fatores que favorecem, limitam ou impedem o aluno de posicionar-se como autor nesse processo.

Tá vendo aquele edifício moço? A especificidade da inclusão digital para trabalhadores da construção civil não alfabetizadosAmaleide Lima dos SantosUniversidade Federal da BahiaOrientador: Maria Helena Silveira Bonilla

A pergunta “Como o imenso contingente da população não alfabetizada pensa, interage e utiliza as tecnologias digitais?” foi o mote para o desenvolvimento desta pesquisa. A dissertação busca compreender as agruras vivenciadas pelos trabalhadores não alfabetizados – especialmente os profissionais da indústria da construção civil com os recursos digitais.

Transformando as velhas formas do viver: o desafio da permanência dos alunos adultos no ensino noturno Aurelina de Jesus Cruz CariasUniversidade do Estado do Rio de JaneiroOrientador: Andrea Rosana Fetzner

O trabalho tem como foco a questão da permanência dos alunos adultos do ensino noturno; busca analisar as razões da permanência escolar dos adultos, por meio do estudo qualitativo de suas narrativas quanto às trajetórias de vida, expectativas escolares, razões de seu retorno à escola e os sonhos que acalentam sobre o universo escolar.

Extensão universitária e Educação de Jovens e Adultos: política da universidade ou ação assistencialistaIclair Bessi FreireUniversidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita FilhoOrientador: José Vaidergorn

O estudo faz um resgate histórico, por meio de relatórios e entrevistas do Projeto de Educação de Jovens e Adultos (PEJA) – projeto extensionista da UNESP –, no período 2000 a 2005. No contexto da extensão universitária, a pesquisa procura apreender os processos de elaboração de conhecimentos e de subjetividades dos atores envolvidos – como eles significam e re-significam os objetos do conhecimento.

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Lição das coisas

Educação de Jovens e Adultos: desafio do trabalho docente voluntárioLiberace Maria Ramos FerreiraUniversidade de Uberaba – MGOrientador: Dirce Maria Falcone Garcia

As políticas públicas para EJA continuam à margem das agendas governamentais: problemas na regulamentação, financiamento, implementação. A pesquisa mostra que, em grande parte, as ações de EJA têm sido desenvolvidas a partir de trabalho docente voluntário. A pesquisadora analisou o trabalho docente de um projeto não formal em Uberlândia (MG), na perspectiva dos professores, e no modo como o mesmo repercute dentre os alunos da Educação de Jovens e Adultos

A ressocialização através do estudo e do trabalho no sistema penitenciário brasileiroElionaldo Fernandes JuliãoUniversidade do Estado do Rio de JaneiroOrientador: Jose Ignacio Cano Gestoso

Hoje no Brasil não possuímos informações consistentes sobre a reincidência em egressos do sistema penitenciário. Este estudo tem como objetivo central compreender como funcionam os programas laborativos e educacionais no sistema penitenciário brasileiro; qual a percepção e o impacto dos diversos agentes operadores da execução penal quanto aos programas de ressocialização e educação.

A apropriação das tecnologias da informação e comunicação por jovens e adultos não alfabetizados – um direito humano a ser garantido: as diretrizes da Unesco Monica Gardelli FrancoPontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SPOrientador: Fernando Jose de Almeida

A inexistência de políticas públicas que prevejam a apropriação das TICs para a promoção da EJA como direito inalienável do ser humano foi o ponto de partida para esta pesquisa. A pesquisadora utiliza documentos oficiais da Unesco considerando a relevância do papel da mesma e extrai deles diretrizes à elaboração, consolidação e aperfeiçoamento de políticas públicas que pressuponham a integração das tecnologias da comunicação e informação em propostas de alfabetização da população jovem e adulta.

A tela do computador como suporte de texto: novas práticas de leitura e escrita na escola Lúcia BarcelosUniversidade Federal do Rio Grande do SulOrientador: Sérgio Roberto Kieling Franco

O estudo discute como adolescentes do III Ciclo do Ensino Fundamental de uma escola pública de periferia vivenciam a leitura e a escrita na tela do computador. Os estudantes sujeitos da pesquisa são moradores da Vila Dique, em Porto Alegre (RS), onde grande parte das famílias sobrevive com a renda obtida na coleta e reciclagem de lixo seco.

As pesquisas estão disponíveis para download gratuito no site do Cereja: www.cereja.org.br

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Lançamentos do mercado editorialMarco de ação de Belém Brasília: Unesco, 2010. 25 páginas.

Aprovado durante a 6ª Conferência Internacional de Educação de Adultos – Confintea VI –, o Marco de Ação de Belém é resultado do longo processo participativo de mobilização e preparação nacional e internacional, que teve início em 2007. O Marco organiza as suas recomendações em torno de sete eixos fundamentais: alfabetização de adultos; políticas; governança; financiamento; participação, inclusão e equidade; qualidade e monitoramento da implementação do Marco de Ação.

Faça o download gratuito da publicação pelo site do Cereja: www.cereja.org.br

Interação escola-família: subsídios para práticas escolares Organização de Jane Margareth Castro e Marilza RegattieriBrasília: UNESCO: Ministério da Educação/Secretaria de Educação Básica, 2009. 104 páginas. ISBN: 978-85-7652-111-2 Interação escola-família defende a tese de que a conquista da participação das famílias na vida escolar dos alunos deve ser vista como parte constituinte do trabalho de planejamento educacional. E prova, por exemplo, que quando a escola melhora seu conhecimento e compreensão sobre os alunos, sua capacidade de comunicação e adequação das estratégias didáticas aumenta e, em consequência, aumentam as chances de um trabalho escolar bem-sucedido.

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EJA: planejamento, metodologias e avaliação Jussara Margareth de Paula Loch, Katiuscha Lara Genro Bins, Maria Conceição Pillon Christofoli, Maria Inês Côrte Vitória, Salete Campos de Moraes e Susana Huerga; [prefácio de] Carlos Rodrigues Brandão. Porto Alegre: Mediação, 2009. 128 páginas. ISBN 978-85-7706-049-8Uma das principais ações do grupo de educadores/autores deste livro é a formação de professores, todos eles integrantes do Núcleo de Educação de Jovens e Adultos (NEJA) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), constituído desde 1997, mas reconhecido oficialmente em 2001 como ambiente de pesquisa, formação, discussão e debates direcionados para a Educação de Jovens e Adultos.

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Páginas escolhidas

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Páginas escolhidas

O ensino médio no Brasil Nora Krawczyk São Paulo: Ação Educativa, 2009 – (Em questão, 6). 77 páginas. ISBN 978-85-86382-17-8

Um dos debates atuais da educação é impulsionado pela queda nas matrículas, ausência de professores especialistas, desempenho insatisfatório dos estudantes nos exames, além da recente discussão sobre sua obrigatoriedade. A obra traz reflexões e mostra alguns dos desafios que se impõem perante o poder público e a sociedade civil.

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Juventude: tempo presente ou tempo futuro? Dilemas em propostas de políticas de juventudes Grupo de Institutos, Fundações e Empresas – GIFE; [pesquisa e redação de]  Mary Garcia Castro, Miriam Abramovay, Alessandro Lufty Ponce de Leon.São Paulo: Gife, 2007. 189 páginas. ISBN 978-85-88462-12-0

A publicação resulta do seminário “Juventude: tempo presente ou tempo futuro? Dilemas em propostas de políticas de juventudes”, realizado em Brasília, em 2007, e traz a análise dos documentos “Política Nacional de Juventude: Diretrizes e Perspectivas” e “Relatório de Desenvolvimento Mundial 2007: o Desenvolvimento e a Próxima Geração, assinado pelo Banco Mundial”.

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Em Aberto Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, v. 22, n. 82, 2009. ISSN 0104-1037 (impresso) 2176-6673 (online)

Neste número evidenciam-se as questões atuais e relevantes ligadas à EJA – tema do periódico em 1992 (v. 11, n. 56). Naquela ocasião, a questão central foi “Tendências atuais na educação de jovens e adultos”. Os pontos de vista versavam sobre as políticas das organizações internacionais para educação, as políticas para EJA no Brasil, as perspectivas da educação popular na década de 1990.

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Alfarrábios

O livro que marcou a minha vida

Antonio Bivar, dramaturgo, diretor teatral e escritor. É autor de Contos Atrevidos.“Foram tantos! Sou uma pessoa definitivamente marcada por livros. Mas o livro que, acredito, mudou minha vida foi As Ondas, de Virginia Woolf. Hospedado em uma casa que tinha uma excelente estante, procurei um livro e vi As Ondas. Em português, uma tradução dos anos 40. Até então não tinha lido Woolf. O tema do romance é o encontro, anos depois, de um grupo de amigos da juventude. Tão profundo nos seus múltiplos significados do sentido da vida, o estilo da autora, a poesia em forma de prosa, fui definitivamente fisgado e tornei-me um ‘virginófilo’.

De Woolf gosto de praticamente tudo. E li tudo sobre ela: biografias, estudos críticos. Sem contar (e contando) que

sou o membro número 94 de The Virginia Woolf Society of Great Britain. E tudo porque em 1973 a descobri por acaso lendo As Ondas.”

José Mindlin (1914-2010), um dos maiores bibliófilos brasileiros. Sua coleção foi doada em vida para a Universidade de São Paulo

“Uma das características da bibliofilia é a poligamia. Não há como dizer ‘prefiro este ou aquele’!” (Em entrevista à Folha de S. Paulo, questionado sobre se existia um livro preferido em meio a tantos que adquiria) 

Ignácio de Loyola Brandão, escritor e editor. Finaliza atualmente a biografia de Ruth Cardoso.“O livro que marcou minha vida foi lido na infância, relido na juventude e na maturidade. É o Robinson Crusoe, de Daniel Defoe. Criança, fiquei impressionadíssimo – era uma edição adaptada para o público infantil, claro – com a situação de um homem absolutamente só em uma ilha, sem contatos com o mundo, sem ter com quem falar. Solidão absoluta. Eu me identificava com Robinson, porque eu era esquisito, complicado, sentia-me melhor sozinho do que na companhia dos outros, cheios de normas.Na juventude, ao reler, vi que Robinson foi um homem que superou a solidão por meio da criação e da determinação. A vida vale a pena, em qualquer condição. Maduro, reafirmei a visão de juventude, acrescentando: o homem pode, mas não nasceu para viver sozinho.”

Ismael Rocha, diretor de  Operações da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM)“Li há muito tempo Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, quando era adolescente, e essa obra se tornou recorrente em minha vida, pois tenho lido muitas vezes e com certa frequência. A cada leitura que faço, em momentos diferentes da vida, aprendo alguma coisa diferente;  o livro traz um pouco da história de cada um de nós, refletida ali: das nossas neuroses, dos nossos sonhos, das nossas decepções, das nossas expectativas, das pessoas com as quais nos relacionamos. Machado de Assis foi brilhante;  se tivesse nascido num país onde a literatura fosse mais valorizada, ele certamente seria um dos escritores mais reconhecidos no mundo inteiro.”

Qual livro marcou a sua vida? Escreva para: [email protected]

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Parceiros

Parceiros dos programas da AlfaSol

Parceiros do Centro Ruth Cardoso

Parceiros de apoio da AlfaSol

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Parceiros

Parceiros da Campanha Adote um Aluno

Instituições de Ensino Superior (IES) parceirasCentro Universitário Barão de Mauá (CEUBM)Centro Universitário FEEVALE (FEEVALE)Centro Universitário Módulo (UNIMODULO)Faculdade de Excelência Educacional do Rio Grande do Norte (FATERN)Faculdade de Tecnologia de Tatuí (FATEC Tatuí)Fundação Mineira de Educação e Cultura (FUMEC)Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO)Universidade Castelo Branco (UCB-RJ)Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL)Universidade de Mogi das Cruzes (UMC)Universidade de São Paulo (USP)Universidade de Sorocaba (Uniso)Universidade de Taubaté (UNITAU)Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG)Universidade do Estado do Pará – Núcleo de Educação Popular Paulo Freire (UEPA – NEP)Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS)

Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS)Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” (UNESP Bauru)Universidade Federal da Paraíba (UFPB)Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)Universidade Federal do Alagoas (UFAL)Universidade Federal do Amazonas (UFAM)Universidade Federal do Maranhão (UFMA)Universidade Federal do Piauí (UFPI)Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR)Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ)Universidade Federal de Uberlândia (UFU)Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA)Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)

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