revista de antropofagia, no. 1

Upload: dylan-stillwood

Post on 31-Oct-2015

56 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Revista de Antropofagia, No. 1

TRANSCRIPT

  • ANNO I - NUMERO I 5 0 0 rs. MAIO - 1928

    Revista de Jfatropofa|ia Direo de ANTNIO DE ALCNTARA MACHADO

    ENDEREO: 13, RUA BENJAMIM CONSTANT - 3. PAV. SALA 7 - CAIXA POSTAL N. 1.269

    Gerencia de RAUL BOPP

    SO PAULO

    ABRE-ALAS Ns ramos xifpagos. Qusi chegamos a

    ser derdimos. Hoje somos antropfagos. E foi assim que chegamos perfeio.

    Cada qual com o seu tronco mas ligados pelo figado ( o que quer dizer pelo dio) mar-chvamos numa s direco. Depois houve uma revolta. E para fazer essa revolta nos unimos ainda mais. Ento formamos um s tronco. De-pois o estouro: cada um de seu lado. Viramos ca-nibais.

    A descobrimos que nunca havamos sido outra cousa. A gerao actual coou-se: apare-ceu o antropfago. O antropfago: nosso pai. principio de tudo.

    No o ndio. O indianismo para ns um prato de muita sustncia. Como qualquer outra escola ou movimento. De ontem, de hoje e de amanh. Daqui e de fora. O antropfago come o ndio e come o chamado civilizado: s le fica lambendo os dedos. Pronto para engulir os ir-mos.

    Assim a experincia moderna (antes: con-tra os outros; depois: contra os outros e contra ns mesmos) acabou despertando em cada con-viva o apetite de meter o garfo no vizinho. J comeou a cordeal mastigao.

    Aqui se processar a mortandade (esse car-naval). Todas as oposies se enfrentaro. At 1923 havia aliados que eram inimigos. Hoje h inimigos que so aliados. A diferena enorme. Milagres do canibalismo.

    No fim sobrar um Hans Staden. Esse Hans Staden contar aquillo de que escapou e com os dados dele se far a arte prxima futura.

    E' pois aconselhando as maiores precaues que eu apresento ao gentio da terra e de todas as terras a librrima REVISTA DE ANTRO-POFAGIA.

    E arreganho a dentua. Gente: pode ir pondo o cauim a ferver.

    Antnio de Alcntara Machado.

    , M A N H

    O jardim estava em rosa, ao p do Sol E o ventinho de mato que viera do Jaragu

    Deixando por tudo uma presena de gua

    Banzava gosado na manh praceana.

    Tudo limpo que nem toada de flauta.

    A gente si quizesse beijava o cho sem formiga, A bocea roava mesmo na paisagem de cristal.

    Um silncio nortista, muito claro!

    As sombras se agarrando no folhedo das rvores

    Talqualmente preguias pesadas.

    O Sol sentava nos baricos, tomando banho-de-luz.

    Tinha um sossego to antigo no jardim, Uma fresca to de mo lavada com limo

    Era to marupiara e descansante

    Que desejei. . . Mulher no desejei no, desejei. . . Si eu tivesse a meu lado ali passeando

    Suponhamos, Lenine, Carlos Prestes, Gandhi, um desses !...

    Na doura da manh quasi acabada

    Eu lhes falava cordialmente:Se abanquem um bocadinho

    E havia de contar pra eles os nomes dos nossos peixes

    Ou descrevia Ouro Preto, a entrada de Vitoria, Maraj, Coisa assim que puzesse um disfarce de festa

    No pensamento dessas tempestades de homens.

    MARIO DE ANDRADE

    "ftli vem a nossa comida pulando" (V. Hans Staden - Cap. 28)

  • Revista de Antropofagia

    RESOLANA P o e m a O mormao a fumaa da macega. Treme o longe diludo na quentura. O boi desce a recosta em procura da sombra

    mas pra logo, abombado. L no alto, voando, voando, bebendo o azul,

    subindo sempre urubu. Feliz. . . O calor queima a terra, ferve no ar. (Memria de marulhos

    gosto de espuma limo areia branca) A cabea do alazo uma chamma esbelta

    cortando o campo a trote largo. Vejo as orelhas agudas que se movem,

    sinto o corpo fremente do cavallo.

    E ha tanta harmonia entre o choque dos cascos e o meu tronco agitado na vibrao febril, que eu compreendo a gloria animal da carreira: vou!

    enrolado na fora do sol. (Rio Grande do Sul) Do livro "Giraluz"

    AUGUSTO MEYER

    Esto no Prelo LARANJA DA CHINA

    DE

    Antnio de Alcntara Machado E

    MACUNAIMA DE

    Mario de Andrade

    A sair brevemente

    M a r t i m - S e r e r VERSOS

    DE

    Cassiano Ricardo E

    Republica dos E. U. do Brasil POEMAS

    DE

    MENOTTI D E PICCHIA

    Ella vae sozinha, tropeando nas colheitas. Bate-lhe o sol nos hombros. Ella sente que um gosto.

    humano deflora-lhe a bocca e illumina-a de absurdos.

    Parece que um choro quer sorrir dentro de si. Parece que o sangue dentro de si quer matal-a e jogar-lhe clares por cima. Aquillo o universo que se despenha dos seus cabellos.

    (Par) ABGUAR BASTOS

    URA, os f i lms que assombram o mundo

    REPRESENTANTE

    Gustavo Zieglitz RUA DOS ANDRADAS, 42

    SO PAULO

    Vacca Christina

    A vacca Christina, de madrugada, Vem de belengue no longo da rua. Uei, Olha o leite da vacca Christina!

    No Bango lambido de luzes escassas Estira-se a larga madrugada molle. Amontoa-se a garoa mida. E l adeante. Roda a carroa do lixo da noite. Uei, Quem quer leite da vacca Christina? E a vacca bohemia, de pata pitoca, Vae toda faceira, enfeitada de fita Vae ver as comadres atraz dos tabiques Uei, Viva as tetas da vacca Christina!

    E passa a patrulha noturna da zona. E' a hora em que o Bango cansado cochila. Somente enche o resto da noite deserta O belengue molango no longo da rua: Uei, Quem que o leite da vacca Christina?

    Jacob Pim>Pim.

    Do livro a sahir: "Ai, seu M".

  • Revista de Antropofagia

    MANIFESTO ANTROPFAGO S a antropofagia nos une. Social-

    mente. Economicamente. Philoso-phicamente.

    nica lei do mundo. Expresso mascarada de todos os individualis-mos, de todos os collectivismo. De todas as religies. De todos os trata-dos de paz.

    pobre declarao dos direitos do homem.

    A edade de ouro annunciada pela America. A edade de ouro. E todas as girls.

    Tupy, or not tupy that is the question.

    Contra toda as cathecheses. contra a me dos Gracchos.

    Filiao. O contacto com o Brasil Carahiba. O Villeganhon print ter-re. Montaigne. O homem natural. Rousseau. Da Revoluo Francesa ao Romantismo, Revoluo Bol-chevista, Revoluo surrealista e ao brbaro technizado de Keyserl-ing. Caminhamos.

    S me interessa o que no meu. Lei do homem. Lei do antropfago.

    Nunca fomos cathechisados. Vive-mos atravez de um direito sonam-bulo. Fizemos Christo nascer na Ba-hia. Ou em Belm do Par.

    Estamos fatigados de todos os ma-ridos catholicos suspeitosos postos em drama. Freud acabou com o enigma mulher e com outros sustos da psychologia im-pressa.

    Mas nunca admittimos o nasci-mento da lgica entre ns.

    S podemos attender ao mundo orecular.

    Tnhamos a justia codificao da vingana A sciencia codificao da Magia. Antropofagia. A transfor-mao permanente do Tabu em to-tem.

    Contra o mundo reversivel e as idas objectivadas. Cadaverizadas. O stop do pensamento que dyna-mico. O indivduo victima do syste-ma. Fonte das injustias clssicas. Das injustias romnticas. E o es-quecimento das conquistas interio-res.

    Roteiros. Roteiros. Roteiros. Ro-teiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.

    O instincto Carahiba.

    O que atropelava a verdade era a roupa, o impermevel entre o inundo interior e o mundo exterior. A reaco contra o homem vestido. O cinema americano informa-r.

    Filhos do s o l , me dos viventes. Encontrados e ama-dos ferozmente, com toda a hypocrisia da saudade, pelos im-migrados, pelos tra-ficados e pelos tou-ristes. No paiz da cobra grande.

    Foi porque nun-ca tivemos gram-maticas, nem col-leces de velhos vegetaes. E nunca soubemos o que era urbano, suburbano, fronteirio e continental. Preguiosos no mappa mundi do Brasil.

    Uma conscincia participante, uma rythmica religiosa.

    Contra todos os importadores de conscincia enlatada. A existncia palpvel da vida, E a mentalidade prelogica para o Sr. Levy Bruhl estudar.

    Desenho de Tarcilu 1928 De um quadre que figurar na sua prxima exposio de Junho na galeria Pcrcier, em Paris.

    Morte e vida das hypothe-ses. Da equao eu parte do Kosmos ao axioma Kosmos parte do eu. Subsistncia. Co-nhecimento. Antropofagia.

    Contra as elites vegetaes. Em communicao com o solo.

    Nunca fomos cathechisados. Fizemos foi Carnaval. O indio vestido de senador do Imprio. Fingindo .de Pitt. Ou figuran-do nas operas de Alencar cheio de bons sentimentos portugue-zes.

    J tnhamos o communismo. J t-nhamos a lngua surrealista. A eda-de de ouro. Catiti Catiti Imara Noti Noti Imara Ipej

    Queremos a revoluo Carahiba. Maior que a revoluo Francesa. A unificao de todas as revoltas ef-ficazes na direco do homem. Sem ns a Europa no teria siquer a sua

    Contra o Padre Vieira. Autor do nosso primeiro emprstimo, para ganhar commisso. O rei analpha-beto dissera-lhe: ponha isso no papel mas sem muita lbia. Fez-se o em-prstimo. Gravou-se o assucar bra-sileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe a lbia,

    O espirito recusa-se a conceber o espirito sem corpo. O antropomor-fismo. Necessidade da vaccina an-tropofagica. Para o equilbrio contra as religies de meridiano. E as in-quisies exteriores.

    A magia e a vida. Tnhamos a re-lao e a distribuio dos bens phy-sicos, dos bens moraes, dos bens di-gnados. E sabiamos transpor o nys-terio e a morte com o auxilio de al-gumas formas grammaticaes.

    Perguntei a um homem o que era o Direito. Elle me respondeu que era a garantia do exerccio da pos-sibilidade. Esse homem chamava-se Galli Mathias. Comi-o

    S no ha determinismo - onde ha mistrio. Mas que temos ns com isso?

    Continua na Pagina 7

  • Revista de Antropofagia

    SEIS ROETAS PBDRO-JUAN VIQNALE Sen-tmiento de Germana Buenos Aires 1927.

    Os versos so de uma ternura forte e grave. Muito differente daquele picguis-mo rimado dos poetas que sussurram no rimado dos poetas que sussurram no ouvidinho da amada. Pedro-Juan Vignale, maestro e entomlogo, ama moderna. E poeta moderna. Seus ditirambos em honra de Germana no so declaraes de namorado bisonho: antes de que tem f convencida e invencvel num senti-mento muito alto mas palpvel. Nada de dvidas cruciantes ou queixumcs suspi-rados. Nenhuma aluso morte salva-dora.

    Atravs da mulher o poeta ama a terra onde ela nasceu: esta terra. Sentir uma sentir a outra.

    En tus manos vidas traes los cielos dei Brasil

    Ouvindo a voz cllda de trpico que le v

    esa tarde paulista exprimirse obre ei Tiet hasta inundarlo

    O" que positivamente lindo. Esse contracto de poeta, to profun-

    damente vigoroso com o tema lrico Bra-sil ainda nos dar (penso eu) muita cou-sa tima.

    JORGE FERNANDES Livro de poemas Natal 1927.

    A poesia de Jorge Fernandes machuca. Deante dela fica-se com vontade de gri-tar como o prprio poeta na Enchente:

    L vem cabeada... E vem mesmo. Poesia bandoleira, vio-

    lenta, golpeando a sensibilidade da gente que nam o tej brigando com a cobra: Lxo! lxo t

    Ao lado disso uma afeio carnal e selvagem pela terra sertaneja como de-monstra entre outras a explndida Can-(5o do inverno. E. feitio rjide de dizer as cousas. Jorge Fernandes tem a mo dura: tira lascas das paisagens que caem nas unhas dele. MSo de derrubar sem du-vida. Aquella mesma trabalhadeira e l-rica Mio nordestina que d o nome a uma de suas poesias mais caractersticas.

    Outra cousa: Jorge Fernandes fala uma lngua que ns do Sul ainda no com-preendemos totalmente mas sentimos ad-mirvel. Eu pelo menos no percebo tre-chos e trechos de vrias poesias suas. No entanto gosto deles. O poema Avoetes por exemplo (no sei se por causa da construco particularfssima de certas frazes) espanta como o desconhecido. E bonito que s vendo.

    O autor do Livro de poemas eviden-temente est passando por um perodo dodo de auto-crtica de que sair melho-rado com' certeza. le mesmo reconhece isso e caoa de suas remmiscncias par-nasianas. Da uma poro de pequenos defeitos nas vsperas de completo- desa-parecimento. Ou eu muito -me engano.

    JORGE D LIMA Poemas e Essa negra Fido Macei 1927 1928.

    A ascenso de Jorge de Lima ma delcia. De soneto Acendedor de lam-peSes ao poema Essa negra Fulfl. Su-jeito inteligente como poucos soube pro-curar e achou. Abenoado Manuel Ban-deira.

    Dos Poemas eu separo G. W, B. R. Gostosura de lirismo vagabundo, alegre, levado dos diabos. D vontade na gente de repetir a viajem tendo o poema bem guardado na memria. Separo esse por ser o meu predileto. Mas no o nico notvel. Rio de So Francisco tambm me agrada bastante. Bala de Todos os Santos, Santa Dica, Floriano-Padre Cf-cero-Lampeo' igualmente tm cousas que a gente no esquece. Principalmente o primeiro. E do magnfico ChangA pula um bodum danado, rebenta um ritmo infernal. Intil querer resistir.

    De vez em quando uma descaida sen-timental ou pueril, livresca, oratria ou conceituosa que desaponta mas no as-sombra. Porque no assim to facil-mente que se Tompe com certos cacoetes literrios. No v. A cousa dura como qu. No tem importncia: Jorge de Li-ma est ficando cada vez mais escovado. Por isso duvido muito que em seus livros futuros apaream versos como Ora&o, Meninice, Poemas dos bons fradinhos,

  • Revista de Antropofagia

    P O E S I A

    (Especial, pra a "Revista de Antropofagia")

    F O M E

    Em jejum, na mesa do "Caf Guarany", O poeta antropfago rima e metrifica o amorzi-

    [nho de sua vida. Elle tem saudades de ti. Elle quer chamar " t i " de: estranha voluptuo-

    [sa linda querida. Elle chama " t i " de: gostosa quente ba

    [ comida.

    Guilherme de Almeida.

    A LNGUA TUPY PLNIO VALGADO A LNGUA T U P Y

    A lngua tupy deve ser estudada com um novo critrio. A contribuio de todos os que escreveram grammaticas e dic-cionarios do idioma falado pelos nossos selvagens certamente muito valiosa, e serve-nos hoje de inicio para as nossas procuras curiosas. Mas os que estudaram o tupy, nos primeiros sculos da colo-nizao inspiravam-se num critrio arca-dico, do mesmo modo que, considcando c indio, tomavam-no sob o ponto de vista da catechese. Perodo de Anchieta, depois de Montoya, de Filgueiras. E preciso notar o caracter, de utilidade pratica im-mediata, desses estudos, naquella poca. O jesuta tinha necessidade de unificar, tanto quanto possive!, as lnguas, num typo geral que servisse a imperialismo catechista. E a necessidade da compre-henso urgente entre catechumenos e evangelizadores. Essa preoecupao uti-litria no podia ter sino uma orien-tao grammatical. E sendo o typo hu-mano dos conquistados reduzido peio do-gma equivalncia intrnseca do con-quistador, passava para um segundo pla-no o estudo do seu espirito e do 3eu ins-tineto, e da lingua do gentio s se to-mavam as concluses finaes, formas paci-ficas passivas da traduco. Que o indio, como valor psychologico e social era to-

    mado como idntico ao homen europeu, no resta a menor duvida. Basta ver-se envergando o habito de Christo, e com o titulo de Dom, que lhe concede Felippe IV, o sr. Antnio Camaro, Poty de nas-cimento. . . Alis, uma bulla papal j de-clarara, aps a descoberta do Novo Mun-do, que todos descendiam de Ado e Eva. Os que estudaram o tupy, desde aquelles tempos, no podiam ter outra orientao que no fosse a do seu sculo e a das ne-cessidades prementes.

    Muita gente depois veio estudando a lingua de nossos ndios, mas com um cri-trio pratico. So subsdios curiosos. Abanheenga, quer dizer, lingua de homem, lingua de gente, chamavam os tupys sua lingua. 0 missionrio foi unificando, systematizando as pequenas modalidades no nheengat, ou seja lingua ba. Donde nasceu o tupy-guarany. As outras tribus ficaram falando o seu nheengahyba, lin-gua ruim. Ruim porque no se submettia reduco clssica do nheengat.

    O critrio scientifico para o estudo das lnguas americanas procede de Mar-tius e da sua classificao. O ramo bra-sileiro, que vem denominado na classifi-cao de Frederico Muller "grupo tupy-guarany", dividido por Martius em nove galhos. Parece-me que ha, dahi por dian-te, uma curiosidade maior em relao s lnguas selvagens. E em relao ao indio.

    tambm. Liga-se o estudo dos Idiomas prpria historia do homem. Depois de Lamarck, G. de Saint Hilaire, Darwin e Spencer, estes assomptos tomam um ou-tro aspecto. A ultima tentativa para redu-zir o indio forma europa, , talvez, a do nosso chamado indianismo, expresso do romantismo em nossa literatura. Mas essa preoecupao lamartinizante dos nossos poetas e romancistas teve a van-tagem de chamar a gtteno brasileira para o bugre, cercal-o de uma sympathia atravs da qual pudssemos chegaT a elle e pesquizal-o melhor. E como esse mo-vimento de Gonalves Dias e Jos de Alencar representa o primeiro passo para uma comprehenso melhor do indgena, justo perdoarmos a esses escriptores os prejuzos inherentes ao seu tempo. E preciso tambm registrar que, no meio de muita phantazia, ha expresses fieis da psychologia selvagem em muitos tre-chos da poesia e do romance romnticos.

    A opinio do nosso historiador Porto Seguro (Vamhagen), to hostil pobre raa dominada, vem logo contrabatida pela sympathia de Couto de Magalhes, de Barbosa Rodrigues, de Baptista Cae-tano a cuja obra podemos juntar o que tem feito Theodoro Sampaio, Cndido Rondon, Alarico Silveira, e outros.

    Novos aspectos nos interessam hoje na lingua dos nossos selvagens O da rl-

    (Continua na pag. seguinte)

  • 6 Revista de Antropofagia

    A LINGUA TUPY - (Continuao) gem, o da sua significao como expri-mindo um estagio humano, e, sobretudo, a intima communho csmica, essa esp-cie de intercomprehenso, de intersensi-bilidade e correspondncia dos elementos idiomaticos representativos dos objectos, (substantivo) das aces (verbos) c das circumstancias, (adjectivos e advrbios) que resumem toda uma syntaxe primi-tiva, que prescindia de -preposies e conjunes, primeiras moletas da deca-dncia na funeo creadora das lnguas.

    A hypotese onamatopaica de Heber, a das interjeces de Horhe Tooke, a do poder inherente natureza humana, de Max Muller, a matria debatida por Con-dillac. Leibnitz. Locke, so indicaes curiosas para indagaes mais remotas, e hoje, pelo menos, nos fazem meditar sobre o acervo lxico das raas que fo-ram desapparecendo em nosso continente. A prpria origem do "honras americanus", pensamento que nos perturba diante da Lagoa Santa ou dos Sambaquis de Igua-pe; ou na considerao phantasiosa dos chronistas das possveis migraes trans-oceanicas precolumbianas; o senso das edades, a edade da nossa terra, tu Io isto se prende, de certa forma, ao estudo do nosso indio e da sua lngua, e o assum-pto hoje multo mais suggestivo.

    Porm, principalmente depois das hy-potheses de Freud, da sua interpretao pela psychanalyse da vida social dos po-vos primitivos ("Totem et Tabou"); de-pois do cansao das civilizaes de que a Europa presente uma grande expres-so; e ao despeitar de um sculo em que o senegatez confraternizou com o""pOilu", e Josephina Backer lanou os requebros yankees do Zanzibar, depois de tudo isto que ha. um novo interesse, e, por-tanto, deve haver um novo critrio para o estudo da nossa lingua tupy

    A doutrina da equivalncia espiritual, denominao que poderemos dar ao pon-to de vista catholico do inicio da colo-nizao brasileira, assume hoje um novo aspecto. E' a equivalncia das foras ori-ginaes humanas, denominador commum de todas ai raas.. , A tendncia primitivista das nossas artes modernas, como das formas da ci-viKzao moderna, o prprio primitivismo desta ra nova, que Keyserling denomina a ra do chauffeur, tudo isto nos jeva s mais intimas confraternizaes com o elemento humano em suas expresses ini-ciaes. Vem dahi a comprehenso mais perfeita que teremos da lingua dos po-vos primitivos.

    A nossa Hngua tupy, no a devemos estudar mais com um senso grammati-cal, philologico, mas com um senso humano. 0 idioma, ou os idiomas falados pelos povos americanos precolombianos repre-sentam uma verdadeira eucharistia: o homem commungando com a natureza.

    E' sob este ponto de vista que deve-mos tomar os elementos verbaes poly-ryntheticos da lingua dos nossos selva-gens. Veremos desdobrar-se aos nossos olhos atravs de cada palavra, de cada raiz, toda a alma do nosso indio.

    Tenho observado pelos pouqussimos conhecimentos que tenho do tupy que a onomatopa , de facto, a origem mais remota da linguagem dos ndios. No di-rei precisajnente onomatopa. segundo a pWsuropo de Herder, ou seja a imita-o da natureza. Prefiro a onomatopa

    no simplesmente representativa de per-cepes auditivas, mas como representa-o de relaes entre os sentidos e os dois mundos, c objectivo e o subjectivo. Donde se origina a generalizao das si-gnificaes, a analogia que vae ampliando a funeo representativa dos vocbulos, ou das syllabas. Analogia que obedece a um sentido sensorial, ou a uma lgica sentimental. Isso tudo estabeleceu muita confuso entrt os que primeiro estuda-ram as linguas dos nossos aborgenes. Porque no tinha sido interpretado o sentido dessas lnguas, de homens pri-mitivos, em plena idade da pedra lascada.

    Quando, com Raul Bopp, comecei a ine interessar por estes assumptos, estimu-lados ambos pelas nossas conversas com Alarico Silveira, demos para fazer varias "descobertas". No sei at que ponto podem ellas ter valor. Em todo o caso, so caminhos Dar melhores averi-guaes.

    Por exemplo: onde entram as exnros-ses taj te, ti, to, tu, quer dizer que a cousa dura de tinir. Ita pedr.t, fer-ro; ibitii, montanha, de ibi-terra,'e tu, coisa dura, tesa; cunhatan-muihcr vir-gem, de cunh-mulher, e tan-coisa dura, tesa (os seios, naturalmente); taquara-canna de bambu, de ta-duro, e quara-co; tt-fogo, provavelmente porque do atricto de coisas duras que se fogo, e o indio no conhecia mesmo outro proces-so de fazer fogo, alis velho processo que vinha desd os primeiros sambaquis de Iguape, ou desde o homem de Lund; ou de Amegliino, segundo a descoberta feita pelo incanavel Ricardo Croner.

    Como sabemos, gua hy, ou ig. Quem nos dir que pedra, ita, no vem da cir-cumstancia de estar'sempre a pedra liga-da gua, nas minas, nas grutas, no mar, ou em luta, ou em paz? Seixos que rolam, pedregulhos, granitos e basaltos emoldurando as cachoeiras, penedos no mar, tocas onde nascem os crregos...

    Espuma tii. Porque a espuma se ori-gina de choques, de violncias. E tudo o que forte, ardente, traz, por analogia, o t Tal, raiz que arde, gengibre; tainha, den tes; tatarana, insecto que queima; tlqui-ra,. aguardente, pinga; tainha, caroo, se-mente (analogia de dente); tacunhg, membro sexual do macho (t, duro-cunha, mulher); tacape, arma de ma-'tar, etc.

    i A consoante t, lembrando tudo o

    que duro, forte, violento, traz sempre idea de atricto, como se v em tti, fogo, em tu, espuma. Por isso, tlquira. Pois tudo d que qui significa coisa meuda. Ti violncia que o fogo exerce para distil-lar a aguardente, que vae sahindo aos pingos, qui. E tems tambm Quiriri, ou quirirlm, que quer dizer muitos metidos, do mesmo modo que quirera. Como se sabe. o plural em tupy, entre suas varias formas tem a da repetio de rere, ri-n. '

    Isto dito, vejamos Mantiqueira, o nome de nossa grande serra. Man quer dizer ver, enxergar. Tiquera, ou tlquira, quer dizer meudos, pequeninos, razurado, pul-verizado. O indio, naturalmente, do alto da serra, via tudo diludo na distancia via tudo tiquera...

    E' preciso notar-se (e chamo a atteno dos meus leitores para este facto) que nem sempre se encontrar a confirmao destas hypothezes na lingua tupy. Por-

    que tambm, com certeza, depois de feitas as expresses iniciaes, a lingua selvagem soffreu os metaplasmas a que nenhum idioma pde-se furtar. Houve, por certo, transposies, elises, figuras de dimi-nuio ou de augmento, modificaes prosodicas sensveis obedientes a ljis cli-matericas, csmicas e histricas, e de tal forma que se contavam dezenas de diale-ctos na poca da descoberta. Accrescen-te-se a isso a obra unificadora dos je-sutas, as influencias hespanholas, por-tuguezas, francezas e tapuyas. De medo que a documentao desta hypothese se torna mutto difficil. A hypothese apenas para mostrar o espirito que possivelmente presidiu a formao da lingua tupy.

    Pa, pe, pi, po, pu, traz sempre ida de superfcie, ponta, extremidade, contacto, contorno, revestimento, limite. Sendo su-perfcie, tambm tudo o que se refere a plano, por exemplo a pequenez, a cha-teza. que s: confunde quasi com a su-perfcie. Donde peua, ou peba, que signi-fica chato, liso. Cachorro pequeno yagu-peua, ou yagu-peba. Mas expri-mindo esta consonncia tambm ponta, extremidade, coisas to relacionadas com superfcie, ( a lgica intima das inter-correspondencias sensoriaes) o indio cha-ma a aza do pssaro pepu, as mos do homem, po, ou pu, Pela mesma razo, as cousas que revestem levam essa conso-nncia. Pelle pe, ou pi. Como vimos, re-re, ou riri so formas do plural. Dahi vem piriri, ou perere, muitas peites, por-que a pelle quando irritada d a ida de que se multiplica em multas pellezinhas. Pelo menos a sensao que se tem, quando nos sentimos arrepiados. Por-tanto, perereca, ou pirirca significam es-tremecer. Ligada essa ida ao ar, ao ven-to, s folhas das arvores, e finalmente a outros rumores da natureza, temo.! a si-gnificao tambm empregada de sus-Isurrar, sussurro. Mas pe , principal-mente, a .expresso do contacto entre os sentidos e os mundos subjectivo e obje-ctivo. Donde a significao de super-fcie, de contorno, de vo ou pell Por isso, petuna (pelle ou vo preto) quer dizer noite. Mas noite que se repousa que se dorme, portanto, pitu o verbo repousar. E o dia em que se descana (domingo ou feriado) para o indio tam-bm pitu. Esta consonncia,,exprime, tambm, por essas intimas analogias o rebentar das superfcies. Assim, temos pororoca, pipoca, pereba, puca, (quebrar, estalo de onde arapuca, ara-ave; e puca-quebrar).. Pelo que vimos, pelle piriricada quer dizer pele que salta irritada. Tudo o que salta, estrebucha, perereca. De onde vem o Sacy-perere, ou perereg. Mais forte do que pirirca, , porm, tirirlea, P'Io que ja vimos do valor de t. Por-tanto, "ficar tirirlea", expresso que usamos tanto, d perfeitamente ida do estado do indivduo que estremece com violncia, ou da pulos de raiva.

    Em outros artigos arranjaremos exem-plos interessantes, no s do ponto de vista das analogias sensoriaes, como ago-ra, mas das sentimentaes, que revelam operaes psychologicas mais difficeis.

    ?e O\ S p a r a mosi

  • Revista de Antropofagia

    Manifesto Antropfago Contra as historias do homem, que

    comeam no Cabo Finisterra. 0 mun-do no datado. No rubricado. Sem Napoleo. Sem Csar.

    A fixao do progresso por meio de catalagos e apparelhos de televi-so. S a maquinaria. os transfu-sores de sangue.

    Contra as sublimaes antagni-cas. Trazidas nas caravellas.

    Contra a verdade dos povos mis-sk narios, definida pela sagacidade de um antropfago, o Visconde de Cayr: a mentira muitas vezes repetida.

    Mas no foram cruzados que vie-ram. Foram fugitivos de uma civi-lizao qe estamos comendo, por-que somos fortes e vingativos como o Jaboty.

    Se Deus a conscincia do Uni-verso Increado, Guaracy a me dos viventes. Jacy a me dos ve-getaes.

    No tivemos especulao. Mas t-nhamos- adivinhao. Tnhamos Po-ltica que a sciencia da distribui-o. E um" systema social planet-rio.

    As migraes. A fuga dos esta-dos tediosos. Contra as escleroses urbanas. Contra os Conservatrios, e o tdio especulativo.

    De William James a Voronoff. A transfigurao do Tabu em totem. Antropofagia.

    O pater famlias e a creao da Moral da Cegonha: Ignorncia real das coisas-f falta de imaginao-r-sen-* timento de authoridade ante a pro-curiosa.

    E' preciso partir de um profundo atheismo para se chegar a ida de Deus. Mas o carahiba no precisava. Porque tinha Guaracy.

    O objectivo creado reage como os Anjos da Queda. Depois Moyss di-vaga. Que temos ns com isso?

    Antes dos portuguezes descobri-rem o Brasil, o Brasil tinha desco-berto a felicidade.

    Contra o indio de tocheiro. O n-dio filho de Maria, afilhado de Ca-tharina de Medicis e genro de D. Antnio de Mariz.

    A alegria a prova dos nove.

    Contra a Memria .fonte do costu-me. A experincia pessoal renovada.

    Somos concretistas. As idas to-mam conta, reagem, queimam gente nas praas publicas. Suprimamos as idas e as outras paralysias. Pelos roteiros. Acreditar nos signaes, acre-ditar nos instrumentos e nas estrei-tas.

    Contra Goethe, a me dos Grac-chos, e a Corte de D. Joo VIo.

    A alegria a prova dos nove.

    A lucta entre o que se chamaria Increado e a Creatura-illustrada pela contradio permanente do homem e o seu Tabu. O amor quotidiano e o modus-vivendi capitalista. Antro-pofagia. Absorpo do inimigo sa-cro. Para transformal-o em totem. A humana aventura. A terrena fina-lidade. Porm, s as puras elites conseguiram realsar. a antropofagia carnal, que traz em si o mais alto sentido da vida e evita todos os ma-les identificados por Freud, males cathechistas. O que se d no uma sublimao do instincto sexual. E' a escala thermometrica do instincto antropofagico. De carnal, elle se tor-na electivo e cria a amizade. Affe-ctivo, o amor. Especulativo, a scien-cia. Desvia-se e transfere-se. Che-gamos ao aviltamento. A baixa an-tropofagia agglomerada nos pecca-dos de cathecismo a inveja, a usura, a calumnia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e christianisados, contra ella que es-tamos agindo. Antropfagos.

    No matriarcado de Pindorama.

    Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do co, na terra de Ira-cema o patriarcha Joo Ramalho fundador de So Paulo.

    A nossa independncia ainda no foi proclamada. Frase typica de D. Joo VI.0: Meu filho, pe essa coroa na tua cabea, antes que al-gum aventureiro o faa! Expulsa-mos a dynastia. E' preciso expulsar o espirito bragantino, as ordenaes e o rap. de Maria da Fonte.

    Contra a realidade social, vestida e oppressora, cadastrada por Freud a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituies e sem pe-nitencirias do matriarcado de Pin-dorama.

    OSWALD DE ANDRADE.

    Em Piratininga. Anno 374 da Deglutio do Bispo Sardinha.

    BRASILIANA RAA

    De uma correspondncia de Sarutay (Est. de S. Paulo) para o Cottelo Paulis-tano, n. de 15-1-927:

    O Sr. Abraho Jos Pedro offereceu aos seus amigos um lauto jantar com-memorando o anniversario de seu filh-nho Jos e baptizado do pequeno Fuad, que nessa data foi levado pia baptismal.

    Foram padrinhos o sr. Rachide Mustafa e sua esposa d. lorgina Mustafa.

    O Sr. Paschoalino Verdi proferiu um discurso de saudao.

    POLTICA Da viesma correspondncia: O Sr. Rachid Abdalla Mustafa, escrivo

    de paz, muito tem trabalhado para au-gmentar o numero- de eleitores.

    DEMOCRACIA Telegrama de Fortaleza (AB): A bordo do "Itassuss" passou por

    este porto com destino ao norte, S. A. D. Pedro de Orleans e Bragana, acom-panhado de sua esposa filho.

    S. A. desembarcou, visitando na Praa Caio Prado a estatua.de Pedro II. 0 povo acclamou com enthusiasmo o prncipe. A off.cialidade do 23. B. C. e banda de musica cercada de enorme multido, aguardou a chegada de S. A. naquella praa.

    Compacta mana, acompanhou os dis-tinetos viajantes at a praa do Ferreira, onde o tribuno Quintino Cunha fez uma enthusiastica saudao em nome da po-pulao.

    Na volta para bordo, um preto catraeiro, de nome Vicente Fonseca, destacando-se da multido abraou o prncipe dizendo:' "Fique sabendo que as opinies muda-ram mas os coraes so os mesmos".

    RELIGIO Telegramma de Porto Alegre para a

    Gazeta de S. Paulo n. de 22-3-927: Vindo de S. Paulo chegou a esta ca-

    pital o sr. Sebastio da Silva, que fez o raide daquelle (Estado ao nosso, a p, tendo partido dalli em outubro.

    O "raidman" tomou essa resoluo em virtude de uma promessa feita a Virgem Maria, para que terminasse a revoluo no Brasil. Quando se achava prximo a esta Capital, teve conhecimiito do ter-mino da lucta, proseguindo at aqui,- alim de cumprir a sua promessa.

    Sebastio Antnio da Silva conta actualmente 35 annos de edade.

    NECROLGIO De um discurso do professor Joo Ma-

    rinho na Academia Nacional de Medicina do Rio de Janeiro (Estado de S. Paulo, n. de 3-8-921):

    O dr. Daniel de Oliveira Barros e Al-meida nasceu num dia e morreu em outro, de doena de quem trabalha, corao can-ado antes de tempo.

    Entre os dois, correu-lhe a vida. SURPRESA

    Telegramma de Curityba para a Folha da Noite de S. Pauio, n. de 2-11-927:

    Informam de Imbituba que o indivduo Juvenal Manuel do Nascimento, ex-agen-te do correio, reuniu em sua casa todos os amigos e parentes sob o pret:xto de fazer uma festa. Durante o almoo, Ju-venal mostrou-se alegre e,-ao terminar a festa foi ao seu quarto, do qual trouxe um embrulho contendo uma dynamite, di-zendo que ia proporcionar a todos uma surpresa.

    Todos estavam attentos e esperando a surpresa q-uando, com espanto geral, o dono da casa approximou um cigarro acceso do embrulho que explbdiu, ma-tando Juvenal e ferindo gravcnuiite sua esposa e todas as pessoas que haviam assistido ao convite fatal.

  • 8 Revista de Antropofagia

    A "Descida" Antropophaga A "descida" agora outra.

    O Autor

    Ha quatro sculos, a "descida" para a escravido. Hoje, a "descida" para libertao. O Dilvio, foi o movimento mais serio que se fez no mundo. Deus apa-gou tudo, para comear de novo. Foi intelligente, pra-tico e natural. Mas teve uma fraqueza: deixou No.

    O movimento antropophago, que o mais serio depois do Dilvio vem para comer No. NOE* DEVE SER COMIDO.

    Penso que no se deve confundir volta ao estado natural (o que se quer) com volta ao estado primitivo (o que no interessa). O que se quer simplicidade e no um novo cdigo de simplicidade. Naturalidade, no manuaes de bom tom. Contra a belleza canonica, a bel-leza natural feia, bruta, agreste, barbara, iMogica. Instincto contra o verniz. O selvagem sem as missan-gas da cathechese. O selvagem comendo a cathechese.

    Os PEROS que ainda existem entre ns ho de sorrir por seus dentes de ouro o sorriso civilisado de que, reagindo contra a cultura, estamos dentro da cul-tura. Que besteira. O que temos no cultura euro-pa: experincia delia. Experincia de quatro sculos. Dolorosa e po. Cem Direito Romano, canal de Veneza, julgamento synthetico a priori, Tobias, Nabuco e Ruy. O que fazemos reagir contra a civilisao que inven-tou o catalogo, o exame de conscincia e o crime de de-floramento. SOMOS JAPY-ASSU':

    "Ce venerable vieillard Japi Ouassou fut merveil-leusement attentif, comme tons les outres Indiens l presens aux discours susdicts quoi il replique ce qui s'ensuit. Je m'estonis extremement 'de vous voir et me manqueray tout ce ie vous ay promis. Mais ie me es-tonne comme il se peut faire que vous autres PAY ne vouliez pas de femmes. Estes vous descendus du Ciei? Estes nays de Pere et Mere? Quay donc! n'estes pas mortels comme nous ? D'ou vient que non seulement vous ne prenez pas de femmes ainsi qu les autres Fran-ois que ont trafique avec nos -depuis quelque quarante et tant d'annes; mais ancore que vous les empechez maintenant de se servir de nos filies: ce que nous esti-mions a grand honeur et grandheur, pouvans en avoir des enfans".

    (Claude d'Abbeville"Histoi-re de Ia Mfssion des Pres Capucins en 1'Isle de Mara-gnan et terres circonvoici-nes.")

    Contra o servilismo colonial, o tacape inheigura, "gente de grande resoluo e valor e totalmente impa-ciente de sujeio" (Vieira), o herosmo sem rosrta de Commendador dos carahybas, "que se oppuzeram a que Diogo de Lepe desembarcasse, investindo contra as ca-ravelas e reduzindo o numero de seus tripulantes" (Santa Rosa "Historia do Rio Amazonas").

    Ningum se illuda. A paz do homem americano com a civilisao europa paz nheengahiba. Est no Lisboa: "aquella apparatosa paz dos nheengahibas no passava de uma verdadeira impostura, continuando os brbaros no seu antigo theor da vida selvagem, dados antropophagia como dantes, e baldos inteiramente da luz do evangelho."

    Como se v, facilimo ser antropophago. Basta eli-minar a impostura.

    Foram estas as conseqncias dos versos ruimzi-zinhos que Anchieta escreveu na areia de Itanhaen: Ordenaes do Reino, grammatica e ceia de Da Vinci na sala de jantar. E no houve ainda quem comesse Anchieta!

    Portugal vestiu o selvagem. Cumpre despil-o. Para que elle tome um banho daquella "innocencia conten-te" que perdeu e que o movimento antropophago agora lhe restitue. O homem, (falo o homem europeu, cruz credo!) andava buscando o homem fora do homem. E de lanterna na mo: philosophia.

    Ns queremos o homem sem a duvida, sem siquer a presumpo da existncia da duvida: n, natural, an-tropophago.

    Quatro sculos de carne de vacca! Que horror! (a) OSWALDO COSTA.

    VISITA DE SO THOME' Quando a Bahia no se chamava Bahia,

    muito antes de Pedro Alvares Cabral, So Tho-m foi l um dia.

    No sei se foi por acaso ou para vr. Mas viu.

    Viu e protestou contra as coisas que viu. Fez um discurso cheio de conselhos que os

    indios escutaram de boceas abertas: Que era preciso adorar a Deus, fugir do de-

    mnio, no ter mais que uma mulher. Conselhos bons.

    Emquanto falava, fazia nascer da terra a planta da mandioca e a bananeira que ainda hoje d bananas de So Thom.

    Ento os indios gostaram. Quando So Thom, cansado, sentiu que

    devia acabar, acabou com estas palavras: E no comam nunca mais carne de gente! Ento os indios no gostaram. Avanaram. Quizeram comer o santo. Felizmente So Thom corria mais do que

    elles. Chegou na beira da praia, deu um passo de

    meia lgua e foi parar numa ilha onde no tinha selvagens.

    (Quem me ensinou isto foi Frei Vicente do Salvador. . .)

    LVARO MOREIRA.

    NOTA INSISTENTE

    Neste rabinho do seu primeiro numero a "Revista de Antropofagia" faz questo de repe-tir o que ficou dito l no principio:

    Ella est acima de quaesquer grupos ou tendncias;

    Ella acceita todos os manifestos mas no bota manifesto;

    Ella acceita todas as criticas mas no faz critica;

    Ella antropfaga como o avestruz co-milo;

    Ella nada tem que ver com os pontos de vista de que por acaso seja vehiculo.

    A "Revista de Antropofagia" no tem orientao ou pensamento de espcie alguma: s tem estmago.

    A de A. M. R. B.

  • BRASILIANA DIGITAL ORIENTAES PARA O USO Esta uma cpia digital de um documento (ou parte dele) que pertence a um dos acervos que participam do projeto BRASILIANA USP. Tratase de uma referncia, a mais fiel possvel, a um documento original. Neste sentido, procuramos manter a integridade e a autenticidade da fonte, no realizando alteraes no ambiente digital com exceo de ajustes de cor, contraste e definio. 1. Voc apenas deve utilizar esta obra para fins no comerciais. Os livros, textos e imagens que publicamos na Brasiliana Digital so todos de domnio pblico, no entanto, proibido o uso comercial das nossas imagens. 2. Atribuio. Quando utilizar este documento em outro contexto, voc deve dar crdito ao autor (ou autores), Brasiliana Digital e ao acervo original, da forma como aparece na ficha catalogrfica (metadados) do repositrio digital. Pedimos que voc no republique este contedo na rede mundial de computadores (internet) sem a nossa expressa autorizao. 3. Direitos do autor. No Brasil, os direitos do autor so regulados pela Lei n. 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998. Os direitos do autor esto tambm respaldados na Conveno de Berna, de 1971. Sabemos das dificuldades existentes para a verificao se um obra realmente encontrase em domnio pblico. Neste sentido, se voc acreditar que algum documento publicado na Brasiliana Digital esteja violando direitos autorais de traduo, verso, exibio, reproduo ou quaisquer outros, solicitamos que nos informe imediatamente ([email protected]).