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  • 8/11/2014 Revista Cult Entrevista Jacques Rancire

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    Entrevista Jacques RancireTAGS: Entrevista

    A associao entre arte e poltica segundo o filsofo Jacques Rancire

    Gabriela Longman e Diego VianaFotos: Ilana Lichtenstein

    Para Jacques Rancire, poltica e arte tm uma origem comum. Em suas obras, o filsofofrancs desenvolve uma teoria em torno da partilha do sensvel, conceito que descreve aformao da comunidade poltica com base no encontro discordante das percepesindividuais. A poltica, para ele, essencialmente esttica, ou seja, est fundada sobre o mundosensvel, assim como a expresso artstica. Por isso, um regime poltico s pode ser democrticose incentivar a multiplicidade de manifestaes dentro da comunidade.

    Recm-lanado na Frana, seu ltimo livro, Le spectateur mancip (O espectadoremancipado ainda indito no Brasil), debate a recepo da arte e a importncia tica epoltica da posio do espectador. O volume uma compilao de conferncias realizadaspor ele nos ltimos anos, uma delas no Sesc, em So Paulo. Em 2002, uma de suas principaisobras, O mestre ignorante, foi traduzida e distribuda gratuitamente entre professores emformao no Rio de Janeiro. Trata-se da histria de Joseph Jacotot, que, no sculo 19, ensinoua lngua francesa a jovens holandeses da classe operria. Detalhe: nem mesmo o professorconhecia o idioma de Zola.

    Originalmente discpulo do filsofo marxista Louis Althusser e coautor de Ler O capital, de1965, Rancire afastou-se do pensamento do mestre nos anos 1970. Rejeitou a ortodoxiamarxista da poca, mas jamais deixou de se considerar um homem de esquerda. At seaposentar em 2000, foi professor da Universidade Paris 8, fundada para acolher formas depensamento que no encotravam espao no ambiente da Sorbonne. Sua ligao com o Brasil antiga. Sua esposa, Danielle Ancier, era professora de filosofia na USP em 1968. Eles seconheceram quando ele esteve no pas para uma conferncia sobre Ler O capital.

    O filsofo nos recebeu em seu apartamento no nono arrondissement parisiense. Perto decompletar 70 anos, afirma que o presente no muito alegre, mas critica as visessaudosistas de parte da esquerda. Defensor do ativismo social, ele comenta a ascenso dosecologistas e questiona a ideia de um mundo dominado por imagens. Convidado para umcolquio no Rio de Janeiro pelo Ano da Frana no Brasil, ele recusou em funo de umconflito de agenda, mas concendeu a seguinte entrevista para a CULT.

    CULT Seu ltimo livro, Le spectateur mancip, menciona o teatro, as artesperformticas, a fotografia, as artes visuais e o cinema, mas no fala de TV. Oespectador de TV tambm ativo?

    Jacques Rancire No meu livro, eu tentei reinterpretar a relao das pessoas com oespetculo sem me interessar tanto pela questo das mdias. Mas me centrei mais na ideia, tocomum, de que agora no h nada mais alm da TV no h mais arte, no h mais cultura,no h mais literatura, nada.

    H casos em que o espectador est na frente da TV mudando de canal sem prestar ateno aoque est vendo. Eu me preocupei mais com o cinema, as artes plsticas, nos quais uma relaoforte do olhar est pressuposta. A TV, de modo geral, no pressupe um olhar forte, mas umolhar alienado ou distrado.

    No espetculo, o espectador de teatro levado a trabalhar, porque aquilo que ele tem suafrente o obriga a um trabalho de sntese. preciso sair de uma pea, de uma exposio ou docinema com certa ideia na cabea, o que no necessariamente o caso da televiso, em que ascoisas podem simplesmente passar.

    J um lugar onde os espectadores se encontram, para as artes performticas, por exemplo,implica um recorte fechado no tempo. No uma questo de suporte, mas do tipo de atitude ede ateno criadas. Podemos nos colocar na frente de um filme de TV com a postura de quemest no cinema. Nesse momento, ns agimos como o espectador de cinema.

    CULT O senhor rejeita a ideia de estetizao da poltica que encontramos em

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    Walter Benjamin. Como podemos interpretar a manipulao das sensaesdentro do campo poltico? Por exemplo, o incentivo ao medo do terrorismo, aapresentao de polticos como mercadorias no seriam maneiras de estetizar arelao das pessoas com o poder poltico?

    Rancire Penso que a poltica tem sempre uma dimenso esttica, o que verdade tambmpara o exerccio das formas de poder. De certa maneira, no h uma mudana qualitativaentre o discurso em torno do terrorismo hoje e o discurso miditico contra os trabalhadores nosculo 19, que dizia que os operrios contestadores cortavam pessoas em pedaos. Semprehouve, digamos, uma srie de discursos organizados pelo poder. Eventualmente, eles serviramcomo forma de ilustrao.

    No h novidade radical. A esttica e a poltica so maneiras de organizar o sensvel: de dar aentender, de dar a ver, de construir a visibilidade e a inteligibilidade dos acontecimentos. Paramim, um dado permanente. diferente da ideia benjaminiana de que o exerccio do poderteria se estetizado num momento especfico. Benjamin sensvel s formas e manifestaes doTerceiro Reich, mas preciso dizer que o poder sempre funcionou com manifestaesespetaculares, seja na Grcia clssica, seja nas monarquias modernas.

    H um momento em que preciso distinguir duas coisas: de um lado, a adoo de certasformas espetaculares de mise-en-scne do poder e da comunidade. De outro, a ideia mesma decomunidade. preciso saber se pensamos a comunidade poltica simplesmente como umgrupo de indivduos governados por um poder ou se a pensamos como um organismoanimado.

    Na imaginao das comunidades h sempre esse jogo, essa oscilao entre a representaojurdica e uma representao esttica. Mas no creio que se possa definir um momento precisode estetizao da comunidade.

    Por exemplo, o nazismo, que usado frequentemente como exemplo de poltica estetizada, naverdade tambm recuperou a esttica de seu tempo. Pense nas demostraes dos grupos deginstica em Praga nos anos 1930. Eram associaes apolticas ou absolutamentedemocrticas, com a mesma esttica que encontramos no nazismo.

    Para mim, preciso tomar distncia da ideia de um momento totalitrio da histria marcadoespecialmente pela estetizao poltica, como se pudssemos inscrever isso num momento deanti-histria das formas estticas da poltica e das formas de espetacularizao do poder.

    CULT Uma das crticas mais frequentes arte contempornea aimpossibilidade de definir o que uma obra de arte e o que no . O senhorescreve que, para que uma maneira de fazer tcnica seja qualificada comoartstica, primeiro preciso que seu tema o seja. Como definir a obra de arteou a arte em si?

    Rancire No definimos a obra de arte como obra. O que eu digo, no fundo, que umaforma de arte sempre ligada dignidade dos temas.

    O romance torna-se grande arte quando a vida de qualquer um se tranforma em arte. Afotografia no cinema no s uma forma de mostrar o visvel, mas mostra que uma cena derua ou a vida de qualquer pessoa tem direito de ser citada na arte.

    A partir do momento em que tudo representvel, no h mais especificidade. Aespecificidade no ser dada, enfim, pela tcnica em particular, mas pelos cdigos deapresentao. Mais uma vez, no creio que haja uma radicalidade nova.

    H algumas dcadas, as anlises de Arthur Danto vieram dizer que somente a instituio quem faz a obra de arte. De certa maneira, isso sempre foi verdadeiro. A representao darepresentao ligada a certo tipo de procedimento ou de instituio sempre foi necessriapara identificar uma coisa como pertencente ao universo da arte.

    CULT Mas, hoje, mesmo uma grande parte do pblico questiona o fato de estarvendo arte. No h uma maior distncia entre a apresentao e a recepo?

    Rancire Vivemos hoje em dia a contradio mxima, qualquer coisa pode entrar na esferada arte. Mais do que nunca, a arte, hoje, se constitui como uma esfera parte, com as pessoasque a produzem, com as instituies que a fazem circular, seus crticos.

    Numa poca em que os afrescos de uma igreja eram o que se considerava arte, essa questosimplesmente no se colocava, porque a arte no existia como instituio. a contradioconstitutiva do regime esttico.

    CULT A ltima Bienal de So Paulo tinha um andar inteiramente vazio,simbolizando o vazio na arte. Como podemos interpretar esse vazio? O senhorfala do fim da arte utpica. O vazio seria a arte atpica?

    Rancire Podemos fazer o vazio significar vrias coisas. H artistas que organizamretrospectivas de suas obras, e o que vemos? Nada. H apenas guias que falam. H muitaspossibilidades. Podemos conceber uma exposio sobre o tema do vazio no modernismo duro.Ou ento imaginar uma exposio ps-moderna desencantada mostrando o vazio porque aarte contempornea vazia. Ou ainda criar uma exposio em termos conceituais, em queefetivamente substitumos as obras pelo discurso sobre as obras, e assim por diante.

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    Mas a verdade que eu nunca estou muito interessado por esse tipo de estratgia. Se partimosda ideia de que no h nada, preciso mostrar que no h nada, e mostrar que o que h novale nada, e assim por diante.

    So estratgias eficazes, mas no to interessantes. Quando no sabemos muito bem comoqualificar algo, sempre podemos fazer uso do vazio. Eu me lembro da Bienal de Veneza dedois anos atrs, em que havia uma multiplicidade de obras neo-naf, neoexpressionistas, comoiconografia provocante. H multiplas estratgias.

    CULT O senhor critica muitas vezes a separao a priori entre atividade epassividade. Nesse contexto, como analisa as tecnologias colaborativas queesto surgindo na atividade artstica?

    Rancire O que digo no especialmente ligado arte colaborativa. Em primeiro lugar,toda atividade comporta tambm uma posio de espectador. Agimos sempre, tambm, comoespectadores do mundo.

    Em segundo lugar, toda posio de espectador j uma posio de intrprete, com um olharque desvia o sentido do espetculo. minha tese global, que no est ligada s a uma arteinterativa.

    Todas as obras que se propem como interativas, de certa maneira, definem as regras do jogo.Ento, esse tipo de obra pode acabar sendo mais impositivo do que uma arte que est diantedo espectador e com a qual ele pode fazer o que bem entender.

    Podemos dizer, ento, que as obras esto no museu, na galeria, na internet, e o espectador convidado a colaborar. Mas isso s mais uma forma de participao, e no necessariamente amais interessante.

    CULT O senhor recupera o lado poltico da literatura, graas a seu poder dereconfigurar os modos de existncia, e evoca a passagem de Aristteles em queele diz que o ser humano poltico porque possui o logos, ou seja, capaz defazer discursos. Hoje, os meios de publicao tradicionais, jornais, editoras etc.esto ameaados por formas como blogs e redes sociais. Que tipo de mudanaspodemos esperar na vida poltica com essas novas formas?

    Rancire Isso depende de at que ponto a internet define uma escritura especfica. Paramim, na verdade, a internet define essencialmente apenas um modo especfico de circulaoda informao, que no nega as formas anteriores da escrita. D para consultar, numainfinidade de sites, as obras clssicas da literatura e da filosofia, ao mesmo tempo em queexiste a linguagem SMS.

    Tudo circula, cada vez mais rpido e com mais facilidade: da linguagem minimalista dos SMSaos livros todos, digitalizados pelas grandes bibliotecas. Muitas vezes, recuperam-se livros queno podem mais ser encontrados no papel. Desconfio sempre desse discurso de que o Googlevai matar o livro. No h motivo, porque podemos ler livros no Google.

    Para pensar essa questo da poltica e da literatura na era da internet, precisamos primeiropensar nas relaes entre tipos de mensagem. A internet , para mim, um suporte que no vemassociado a um tipo de mensagem particular. Portanto, no deve causar grandes mudanas.

    diferente do que aconteceu com a chegada do cinema, por exemplo. Podemos constatar quea literatura no tem hoje o papel que tinha no sculo 19. Apesar do nmero enorme deromances publicados, poucos so os que remodelam a imagem do indivduo e da comunidade.Esse papel foi assumido pelo cinema. A literatura oferecia uma capacidade de alargar asformas de percepo do mundo e da comunidade, ela agia sobre a viso e o sentimento depraticamente qualquer um. Hoje, quem faz isso o cinema, a televiso, a internet.

    CULT At h pouco tempo, havia Bush e Dick Cheney de um lado e, de outro, aEuropa como uma espcie de guardi do bom senso na poltica. Agora, osnorte-americanos elegeram Obama e os europeus escolheram Sarkozy eBerlusconi, acompanhados por um fortalecimento geral dos partidosconservadores. Falando das eleies de 2002, o senhor disse que no se podevencer a extrema direita associando-se ao consenso e s oligarquias. O ano de2009 a concluso do que comeou em 2002?

    Rancire No acho que podemos comparar. Em 2009, foram eleies europeias. Setomamos o caso da Frana, em 2005 houve o referendo da Constitio Europeia e a Uniotriunfou.

    Em 2007, Sarkozy chegou ao poder e renegociou os poderes dessa Constituio. Ele decidiuque no se submeteria ao referendo pois, segundo ele, havia questes importantes de Estadoenvolvidas. Esse um primeiro ponto. preciso dizer que falamos de 40% do eleitorado quevotou e preciso pensar nos 60% que no votou.

    A mudana entre 2002 e 2009 que a parte do corpo eleitoral que no votou est mais esquerda. A vitria da direita est ligada mais ao fato de que o eleitorado de esquerda no sereconhece nos partidos de esquerda, do que numa converso da populao inteira aosarkozismo. O eleitorado de direita est contente com o que tem, est contente com Sarkozy eBerlusconi.

    O eleitorado de esquerda no est satisfeito nem com os homens que esto poder, como

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    Gordon Brown, nem com os que esto na oposio, e o melhor exemplo a oposio socialistana Frana. No acho que haja um crescimento extraordinrio da direita e da extrema direita,mas sim um desencanto da esquerda.

    CULT Mas a crise gerou nos Estados Unidos um abandono da direita,representada por Bush

    Rancire Houve uma mobilizao enorme em torno das eleies norte-americanas. Umasrie de pessoas que nunca tinham votado foi votar pela primeira vez, especialmente os negros.

    No caso da Europa, foi o contrrio. H pases onde apenas 20% dos eleitores votaram, e s40% na Frana. No acho que esse contraponto deva ser pensado em relao direta com acrise financeira.

    O resultado foi precipitado por ela, mas a ideia de Obama contra Bush remete a umainsatisfao anterior e mais fundamental do que a mera reao crise econmica.

    CULT Os desinteresses pela poltica e pela arte seriam duas vertentes damesma situao?

    Rancire No tenho certeza, at porque o desinteresse pela poltica no to claro assim.Muita gente votou nas eleies presidenciais h dois anos. Nas eleies europeias,aparentemente muitas pessoas que normalmente votam no votaram, e muita gente que nocostuma votar saiu de casa porque queria salvar o planeta. Esse um primeiro aspecto.

    O segundo que no creio que haja um desinteresse pela esttica, pela arte. As pessoas aindavo ver Jeff Koons em Versalhes. O interesse pelos artistas ainda muito importante. verdade que de vez em quando h coisas desastrosas, teve La force de lart no Grand Palais eestava sempre deserto, mas as pessoas se davam cotoveladas para ver Picasso.

    CULT Se a mudana do mundo passa por reconfiguraes da maneira depensar e entender a realidade, ento ela no passa pelas revolues como asconhecemos?

    Rancire Podemos pensar nisso baseados nas revolues que j aconteceram. Em primeirolugar, uma revoluo uma ruptura na ordem do que visvel, pensvel, realizvel, o universodo possvel. Os movimentos de revoluo sempre tiveram a forma de bolas de neve.

    A partir do momento em que um poder legtimo se encontra deslegitimizado, parece que noest em condies de reinar pela fora, porque caram todas as estruturas que legitimam afora. Criam-se cenas inditas, aparecem pessoas que no eram visveis, pessoas na rua, nasbarricadas. As instituies perdem a legitimidade, aparecem novos modos de palavra, novosmeios de fazer circular a informao, novas formas da economia, e assim por diante. umaruptura do universo sensvel que cria uma mirade de possibilidades.

    No penso as revolues, nenhuma delas, como etapas de um processo histrico, ascenso deuma classe, triunfo de um partido, e assim por diante. No h teoria da revoluo que digacomo ela nasce e como conduzi-la, porque, cada vez que ela comea, o que existia antes j no vlido.

    Existe uma carta interessante de Marx, um pouco aps 1848, quando os socialistas pensavamque as estruturas seriam abaladas mais uma vez. Ele diz que as revolues no funcionamcomo os fenmenos cientficos normais, so mais como os fenmenos imprevisveis, osterremotos. No sabemos como elas vo se comportar. Todas as teorias cientficas, estratgicas,das revolues demonstram isso.

    CULT No podemos antecip-las

    Rancire Podemos prepar-las, mas no antecip-las. A temporalidade autnoma de umarevoluo, os espaos que elas criam no correspondem jamais ao quadro conceitual que temosno incio.

    CULT A estratgia da esquerda tradicional o confronto aberto, o que se ope sua teoria de reconfigurao esttica da vida poltica

    Rancire Temos de pensar na esttica em sentido largo, como modos de percepo esensibilidade, a maneira pela qual os indivduos e grupos constroemo mundo. um processo esttico que cria o novo, ou seja, desloca os dados do problema.

    Os universos de percepo no compreendem mais os mesmos objetos, nem os mesmossujeitos, no funcionam mais nas mesmas regras, ento instauram possibilidades inditas. No simplesmente que as revolues caiam do cu, mas os processos de emancipao quefuncionam so aqueles que tornam as pessoas capazes de inventar prticas que no existiamainda.

    No sou contra processos cumulativos, claro: se imigrantes ilegais tm capacidade de fazergreves e manifestaes em condies perigosas para eles mesmos, isso define um alargamentono s do poder e das capacidades que temos, mas tambm do mundo no qual inscrevemosnossas aes e nosso pensamento.

    A transformao dos mundos vividos completamente diferente da elaborao de estratgiaspara a tomada do poder. Se h um movimento de emancipao, h uma transformao do

    rica Sarmet

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    universo dos possveis, da percepo e da ao, ento podemos imaginar como consequnciatambm um movimento de tipo revolucionrio, de tomada do poder. claro que estamosfalando do passado, porque o presente no muito alegre.

    CULT Por que o presente no muito alegre?

    Rancire O presente no alegre porque no h esperanas fortes, digamos assim, quesustentem os movimentos existentes.

    Por exemplo, a recente greve das universidades, que criou algumas formas de manifestao,digamos, particulares: cursos na rua, no metr, invenes para deslocar para o campo dasociedade como um todo o problema que atinge o ensino superior francs.

    Mas todas essas inovaes foram completamente isoladas do ponto de vista da informao. Oano de 1968 existiu em parte porque o rdio cobria profundamente o movimento estudantil,sabia-se tudo que acontecia, havia uma gerao de jovens reprteres de rdio que fez circularas informaes.

    Agora, aconteceu o contrrio. A mdia aprisionou o movimento universitrio numa espcie depaisagem hostil, gente que no entendia, que dizia coisas alucinantes. O partido majoritrio dedireita (UMP) criou associaes de pais de estudantes exigindo o reembolso das inscriesporque os estudantes no tiveram aula. Isso era impensvel h dez anos.

    As foras da dominao e da explorao aumentaram consideravelmente seus meios de ao.Diante da crise financeira, no vimos nenhum discurso forte e srio contra o capitalismo, sesses pequenos grupos e partidos anticapitalistas com as mesmas ideias de dcadas atrs.Nada que trouxesse esperana, movimentos com ideias alternativas a uma concepohegemnica confrontada com suas prprias contradies.

    O presente no muito alegre porque as foras da dominao e da explorao fizeramprogressos considerveis. Estudei, por exemplo, o movimento operrio do sculo 19, que criounovas formas de associao e de viso do mundo e que resultou em movimentos polticos que,como sabemos, falharam. Mas certo que o universo dos possveis foi amplamentereformulado. O povo em manifestao podia algo que no podia antes, diante da realeza.

    No mesmo sentido, o operariado adquiriu novos poderes e direitos face aos patres. As formasde comunicao se comunicam entre elas e criam um universo de circulao de energia, ideias,vontades. Foi muito marcante, em 1968, vermos surgirem de repente, em diversos lugares aomesmo tempo, formas de contestao e de ao.

    claro que tudo isso caiu com o movimento, mas foi um momento em que os estudantes viramque podiam fazer o mesmo que os operrios, e vice-versa. Criaram-se formas de aocompletamente imprevistas. O que se transmite so aberturas do campo do possvel, no docampo estratgico.

    CULT No interior de sua distino entre poltica e polcia, como podemosinterpretar o crescimento da vigilncia e do controle? Por que fizemos essaescolha, em vez do encontro poltico?

    Rancire a lgica do funcionamento dos Estados como instncias de administrao, edos sistemas miditicos: trocar a poltica pela identificao de problemas que precisam sersolucionados. Se no o conflito que motor, o motor uma espcie de patologia da vidapoltica que a administrao se prope a remediar. o modo de funcionamento do Estadomoderno.

    De um lado, h uma pretenso ao objetivismo, identificar os problemas e as imperfeies dasociedade, e, de outro lado, precisamente essa espcie de objetivismo idealizado ,essencialmente, uma questo de gesto das opinies.

    Tomando a questo da segurana, qual o balano da gesto de Sarkozy, primeiro comoministro do Interior, depois como presidente da Repblica? Um desastre. Estamos muitomenos seguros do que antes. O que est em funcionamento a gesto da insegurana comoum sentimento para agregar as pessoas em torno de um poder que gerencia a segurana.

    Resisto muito s teorias paranoicas de sociedade de controle que dizem que somosobservados e controlados em todo canto. No 11 de Setembro, vimos como as pessoas podempassar tranquilamente diante das cmeras de segurana e fazer seu atentado sem seremmolestadas. Acredito muito mais na ideia de uma administrao ideolgica, no sentidotradicional, dos sentimentos, particularmente no que diz respeito segurana.

    Criamos um sentimento de que vivemos na insegurana e precisamos de gestores de segurana.Isso cria uma legitimao de decises autoritrias que podem se estender a praticamente tudo.No fim, a segurana acaba significando qualquer coisa. A pobreza dos subrbios, a sade dosidosos, os pases terroristas pelo mundo, os poluidores, qualquer coisa.

    A segurana vira um sentimento de perigo onipresente, extrapolando a ideia da proteo daspessoas de bem contra os maus de qualquer tipo. Isso cria estruturas de gesto estatais einterestatais, que no so necessariamente da ordem do controle minucioso ou do terror, masde um sentimento flutuante.

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