revista comercialista - vol. vii - 1º trimestre 2013

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Revista de Direito Comercial e Econômico

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A Revista Co-mercialista é uma publica-ção trimestral, independente,

com o escopo de fomentar a produção acadêmico-cien-tífica nas áreas de Direito Comercial e Econômico. * Contato (11) 98502-5899

ou (11) 981335813 – [email protected] – www.ocomercialista.com.br * Editores Res-ponsáveis: Pedro A. L. Ramunno – [email protected] e Rafael de Oliveira Barizan - [email protected] * Nota aos leitores: As opini-

ões expressas nos artigos são as de seus autores e não necessariamente as da Revista Comercialista nem das instituições em que atuam * Reprodução É proibida a reprodução ou transmissão de textos desta publicação sem au-torização prévia

Índice3. Editorial

4. PerfilEntrevistas com juristas, acadêmi-cos e profissionais de destaque

10. OpiniãoArtigos de opinião sobre os temas de maior interesse do direito comer-cial e econômico

Nessa edição:

O Antiprojeto de Código Comercial II, por Erasmo Valladão

12. DoutrinaArtigos acadêmicos sobre o que há de mais atual e relevante

Nessa edição:

A eficácia horizontal de direitos fundamentais em procedimentos de dissolução societária, por Ermiro Ferreira Neto

EDITOR EXECUTIVO

Pedro A. Lavacchini Ramunno

EDITOR

Rafael de Oliveira Barizan

CONSELHO EDITORIAL

CONSELHO DISCENTE

Amália BatocchioGustavo Lacerda FrancoPaco Manolo Camargo AlcaldePedro A. Lavacchini RamunnoRafael de Oliveira Barizan

CONSELHO DOCENTE

Ana de Oliveira FrazãoFábio Ulhoa CoelhoSérgio CampinhoWalfrido Jorge Warde Jr.

ARTICULISTAS DESTA EDIÇÃO

Adriana LucenaErasmo ValladãoErmiro Ferreira Neto

REPÓRTER DESTA EDIÇÃO

Rafael de Oliveira Barizan

DIAGRAMAÇÃO E PROJETO GRÁFICO

Gabriel de Castro Hirabahasi

FALE [email protected]

2 Comercialista * www.ocomercialista.com.br

O tratamento legal da propriedade intelectual na falência e na recuperação de empresas, por Adriana Lucena

Nessa edição: entrevista com Sérgio G. Lazzari-ni para a Revista Comercialista. O professor do Insper, PhD em Administração pela Washington University, fala sobre suas inspirações e a inter-disciplinaridade envolvendo o DIreito, Adminis-tração e Economia (p. 5)

Divulgação

*

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Apoio Institucional

Seja também um [email protected]

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4 Comercialista * www.ocomercialista.com.br

Editorial

INOVAÇÕES, IDEIAS E INFORMA-ÇÃO SÃO OS VETORES DE NOSSO MUNDO E DO DIREITO COMER-CIAL. Preocupada em se manter relevante nesse cenário a Re-

vista Comercialista passou por uma completa reestruturação para seu novo número. Não somente aspec-tos técnicos, como a diagramação e a logomarca foram renovados, como também todo o suporte acadêmico da Revista foi repensado.

Criou-se um Conselho Editorial mais forte e representativo. Nele agora se aliam um quadro de profis-sionais extremamente experientes e reconhecidos ao vigor das ideias de jovens graduandos que continu-am a levar o projeto adiante. Por fim, a Revista inseriu-se no circuito de eventos de sua área ao se tornar

uma das apoiadoras do 3º Congres-so Brasileiro de Direito Comercial.

Essas mudanças de grande valor para nosso leitor aliam-se ao sempre interessante e instigante conteúdo da Revista que em seu novo núme-ro mantém e supera a qualidade de suas predecessoras.

Após uma série de entrevistas com juristas, professores de direito e outros profissionais da área, fomos a busca de uma opinião distinta sobre os fenômenos com os quais nós, co-mercialistas, nos deparamos todos os dias. Entrevistamos o professor do Insper, Sérgio Lazzarini, autor do livro Capitalismo de Laços: Os Do-nos do Brasil e Suas Conexões, pre-miado com o Jabuti em 2010. Sua linha de pesquisa esclarece como o capitalismo brasileiro se estrutura,

quais forças o conformam e como o direito permeia suas relações.

O debate acadêmico sobre o Novo Código Comercial continua se delineando em nossas páginas com novo artigo do professor Erasmo Valladão França, no qual sustenta e amplia suas críticas ao atual projeto.

Esperamos que as mudanças im-plementadas agradem aos nossos leitores e queremos continuar a ser um veículo de fomento e divulgação do que há de melhor no direito co-mercial e econômico.

Saudações Comercialistas,

Os Editores

Repensando Normas e Estruturas

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5www.ocomercialista.com.br * Comercialista

C o m e r c i a l i s -ta – O senhor após terminar a graduação em engenharia pela

Universidade de São Paulo, fez o mestrado e doutorado em adminis-tração. O que o levou a se interes-sar por essa área do conhecimento? Como ocorreu a escolha pela carreira acadêmica?

Sérgio G. Lazzarini – Foi um pro-cesso um pouco orgânico, ou seja, foi menos planejado e as coisas foram acontecendo. Resolvi fazer o mes-

trado na área de Adminsitração para adquirir mais experiência nessa área e posteriormente um doutorado no exterior. Terminei meu doutorado em 2002 e acabei me especializando na área de “Estratégia Empresarial”. Ao longo do tempo eu fui adquirin-do interesse nesse tópico por vários motivos, entre eles é que nós estamos no Brasil, onde é um aspecto muito presente

Comercialista – E o in-teresse na área acadêmica surgiram a partir desses tó-picos?

Sérgio G. Lazzarini – Minha mãe era professora de primário, então sem-pre achei interessante essa profissão de professor. Ao longo do tempo fui tendo gosto por essa área, princi-palmente por essa liberdade que você tem de fazer análi-ses e expressar sua linha de opinião.

Comercialista – O senhor gostaria de apontar alguém que o inspira em sua vida acadêmica e profissional?

Sérgio G. Lazzarini – Tem várias pessoas. Ao lon-go da docência, a minha mãe mesmo, ouvindo histórias e vendo ela atuar em sala de

aula. No âmbito dos meus estudos na graduação, um professor que eu tra-balhei que me estimulou muito nes-sa área é o professor Evaristo Neves. Posteriormente, no meu mestrado na FEA, o professor Decio Zylbersztajn sempre foi uma espécie de referência para mim em termos de orientação, preocupação com pesquisa e tudo mais.Comercialista – Muito se comen-

A Interface Direito, Economia e Administraçãopor Rafael Barizan

Sérgio G. Lazzarini é professor titular do Insper, faculdade na qual leciona desde 2002. Suas pesquisas recentes envolvem estratégias empresariais em mercados emergentes e como se estabelecem as relações entre empresas privadas e o setor público

Divulgação

AUTOR DO LIVRO “CAPITA-LISMO DE LAÇOS”, SÉRGIO G. LAZZARINI É PROFES-SOR DO INSPER. NESSA ENTREVISTA, LAZZARINI FALA UM POUCO SOBRE SUAS INFLUÊNCIAS PES-SOAIS, ASPECTOS DAS DISCUSSÕES ACADÊMI-CAS E A NECESSIDADE DA INTERDISCIPLINARIEDA-DE PARA SE COMPREEN-DER ESSES FENÔMENOS. CONFIRA A ENTREVISTA COMPLETA A SEGUIR:

Perfil

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6 Comercialista * www.ocomercialista.com.br

ta hoje em dia sobre a interdiscipli-naridade na academia. Qual o papel desempenhado pelo diálogo entre as áreas do conhecimento? E entre o di-reito, a economia e a administração, em especial?

Sérgio G. Lazzarini – Eu acho que essa área é fundamental. Nós deve-mos caminhar mais nisso. Quando eu comecei o mestrado em Adminis-tração, por exemplo, o prof. Decio estimulava muito essa questão de interdisciplinaridade exatamente entre essas três áreas (Economia, Administração e Direito) e, não coincidentemente, uma das referên-cias dele, que também se tornou re-ferência minha é o professor Oliver Williamson, de Berkeley, que dava aula exatamente nessas três áreas, e a linha de pesquisa dele é muito relacionada a como as empresas fa-zem contratos, quais as razões eco-nômicas nos contratos, e também como as empresas se organizam na sua cadeia de produção, nos seus relacionamentos. E esse tópico é obviamente interdisciplinar, por-que acaba pegando essas três dis-ciplinas. Então eu sempre fui um grande fã disso, e até hoje eu penso que a gente tem que estimular isso. Tanto é que nós temos parcerias com várias escolas (o Insper, a GV, a própria USP, a UFBA, a UFRJ e a UFSCar) para fazer um workshop anual que nós chamamos de “Rese-arch workshop on Institutions and Organizations”. Se você ver a pro-gramação desse workshop, é sempre assim: uma pessoa de Direito com

uma pessoa de Sociologia, econo-mistas, administração, todo mundo conversando.

Comercialista – O senhor vê o Di-reito, a Administração e a Economia como ferramentas capazes de modi-ficar a realidade, em prol do desen-volvimento social ou seria esta uma visão utópica?

Sérgio G. Lazzarini – Sem dúvida. Modificar a realidade talvez seja uma ambição muito grande, mas pelo me-nos a gente pode dizer que permita um melhor entendimento da realida-de. A medida que você lida com ques-tões de como funciona um setor, você obviamente tem aspectos gerenciais das filas, que é Administração, você vai ter aspectos de Economia (o fluxo de recursos, toda eficiência da firma, capital, tudo mais), e você vai ter Di-reito também, que é a forma como as leis, as regulamentações, afetam o setor. Então acho que isso propor-ciona um entendimento muito dife-renciado e eu acho que para que pos-samos fazer uma intervenção é bom que entendamos como funcionam as coisas de uma forma um pouco mais informada.

Comercialista – Compreendendo esse fenômeno de interdisciplinari-dade, o senhor acha que hoje as fa-culdades de Direito, Economia e Ad-ministração estão preparadas para lidar com essa situação?

Sérgio Lazzarini – Eu acho que existem muitas iniciativas surgindo

em várias escolas, mas ainda acho que essas iniciativas estão aquém do desejado. Por vários motivos: é mais fácil ficar na sua área, no seu grupo, desenvolvendo o seu lingua-jar. É mais fácil, é relativamente mais cômodo. Outro motivo é que nosso ambiente regulatório não fa-vorece muito. Isso porque os pro-gramas são avaliadas por áreas. A CAPES, por exemplo, tem avalia-ções por áreas do conhecimento, e às vezes professores compartilha-dos em vários programas acabam sendo penalizados. O sistema tem que dividir o resultado do profes-sor de em vários programas. Então eu acho que a gente tem que evo-luir mais nessa linha. Nós daqui do Insper não temos nem departa-mento, nem de Administração, nem de Economia, é tudo junto até para evitar essa segregação, que é uma tendência natural.

Comercialista – O senhor lembra em seu livro “Capitalismo de Laços” a profética preocupação de Raymun-do Faoro sobre o Brasil de que serí-amos otimistas ou, até mesmo, ingê-nuos de tentar mudar “o que sempre foi”. O senhor pensa que mudanças jurídicas como a Nova Lei do CADE, a criação de um novo segmento na Bolsa para pequenas empresas e as discussões acerca de um Novo Códi-go Comercial são exemplos de que essa preocupação de Faoro tem se tornado uma página do passado?

Sérgio G. Lazzarini – Eu não di-ria página do passado porque sabe-

Perfil

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7www.ocomercialista.com.br * Comercialista

Perfil

mos que ainda existem problemas de corrupção, e também existe uma falta de transparência nessa inter-face entre o setor público e privado. Mas acho que a gente evoluiu, até os julgamentos recentes no Supre-mo Tribunal, o que são coisas extre-mamentes positivas. Não diria que é o suficiente para virarmos a pági-na efetivamente, mas acho que em alguns campos estamos evoluin-do. Infelizmente, em outros cam-pos não estamos. Como exemplo, cito as agências reguladoras ti-veram um certo desvituamento do papel delas e isso é ruim. Em certos casos, acho que estamos voltando com um centralismo decisório por parte governo, o que é ruim. Mas em outros estamos certamente evo-luindo.

Comercialista – Otávio Yazbek em entrevista a revista Comercialista na edição de abril de 2012, quando questionado sobre se o mercado de capitais brasileiro desempenharia o papel que hoje é exercido pelo BN-DES, ressaltou que isso seria muito importante e afirmou: “Há um con-junto de fatores que leva a crer que a saída para financiar investimentos de mais longo prazo, inclusive em infraestrutura, reside no mercado de títulos de dívida corporativa no

Brasil.” O senhor concorda com essa afirmação?

Sérgio G. Lazzarini – Concordo. Acho que temos muito a desenvol-ver. Eu não sou contra o BNDES e sua atuação, mas acho que ela tem que ser mais seletiva. Não vejo ne-

cessidade de se financiar via BNDES toda e qual-quer conces-são pública que você faz; a e r o p o r t o s , por exemplo, é um projeto que atrai mais investidores privados. Um projeto de

aeroporto tem um fluxo de caixa muito bom, e isso ajuda a atração de investidores privados. Acho que o banco deveria se direcionar para esses que o setor privado não se in-teressaria.

Comercialista – Como o senhor vê a adoção pelo Brasil de um modelo de crescimento fundado no fomen-to a formação de “campeões nacio-nais”?

Sérgio G. Lazzarini – Eu acho que a forma como foi feita essa questão dos “campeões nacionais” foi um tan-to quanto equivocada (principalmen-te no segundo mandato do Governo Lula), porque se criaram grandes empresas sem muito critério claro de

o que a sociedade estaria ganhando com isso. Você não pode simples-mente criar uma grande empresa com o pretexto de que precisamos grandes empresas, já que já temos grandes grupos por aí e eles já estão em seu curso natural de evolução, internacionalização, etc. Por exem-plo, a medida que você cria um cam-peão nacional a partir de uma fusão de duas empresas, você concentra o mercado doméstico, ou seja, fica com menos empresas no mecado domés-tico, o que é ruim para o consumidor. E outra: quando você tem injeções de capital de BNDES, capital público, etc., você se pergunta se esse capital não seria melhor alocado em outras áreas, outros tipos de investimento em que o setor privado estaria menos interessados. Então, não tenho ele-mentos para dizer que isso foi uma boa estratégia. Isso acabou um pouco agora, até porque o BNDES recebeu muitas críticas, o que foi correto ao meu ver.

Comercialista – O senhor avalia como positiva a aprovação da Lei de Acesso à Informação? Em que medi-da esse marco legal contribui para a compreensão dos fenômenos que o senhor estuda?

Sérgio G. Lazzarini – Eu acho que essa lei é excelente. Eu mesmo já a usei recentemente para conseguir algumas informações e consegui, apesar de que em outros casos não deu certo. Mas enfim, eu acho que é um avanço. Tudo que você tem para aumentar a transparência e permitir

“Eu não sou con-tra o BNDES e sua atuação, mas acho que ela tem que ser mais seletiva”

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8 Comercialista * www.ocomercialista.com.br

para, por exemplo, acadêmicos e jor-nalistas coletarem dados e fazerem cruzamentos desses dados é excep-cional. Então acho que essa lei é ex-celente.

Comercialista – A arbitragem no Direito Societário é hoje muito discu-tida. Essa é uma solução para reduzir os custos de transação advindos da morosidade do judiciário brasileiro?

Sérgio G. Lazzarini – Eu sempre digo que é bom atacarmos a raiz do problema. Por exemplo, se você de-tecta que tem um problema no sis-tema jurídico como um todo, você tem que ir direto nesse problema. Acho que a arbitragem tem sido usa-do em vários casos, e tudo bem, mas nós não podemos perder de vista que precisamos reformar todo o sistema. É a mesma coisa que dar incentivos tributários para setor A, B e C. Por que não dar um choque de redução de tributos para toda a economia. Você acaba, na verdade, tomando ações paleativas. Não sou contra, até acho útil, mas não podemos perder de vista a necessidade de reforma, de melhoria contínua no sistema como um todo.

Comercialista – Há um brocardo jurídico que afirma que nem tudo o que é legal é honesto (non omne quod licet honestum est). O senhor acha que isso se aplica, por exemplo, aos conselhos de administração en-trelaçados?Sérgio G. Lazzarini – Os conse-lhos entrelaçados tem vantagens e

desvantagens. Quando o caso é de um proprietário que participa de múltiplas firmas, é óbvio que ele vai sentar em vários conselhos. E, às vezes, você tem conselhos entrela-çados pelo fato de ter fundos de in-vestimento, por exemplo, que você coloca pessoas nos conselhos. Pode até ser bom. Digamos o seguinte: o fundo participa de uma empresa A e de uma empresa B, e ele par-ticipa dos dois conselhos. Então, a melhor prática para a empresa A pode ser a melhor também para a empresa B. Entretanto, há um cer-to medo de que esses conselhos po-dem trazer alguns aspectos negati-vos. Um deles é que o con-selho partici-pa de tantas empresas que ele não tem mais tempo de avaliar in-dividualmente cada empresa. A outra coisa, que preocupa muito os Es-tados Unidos, pode ser um instrumento de conluio, de acertar estratégias comuns, prin-cipalmente quando são empresas atualmente ou potencialmente competidoras.

Comercialista – Em suas pesqui-sas o senhor encontrou evidências de mudanças legislativas que visassem

favorecer o capitalismo de laços?

Sérgio G. Lazzarini – Por exem-plo, houve uma mudança regulatória no sistema de telefonia que favoreceu a fusão Oi e Brasil Telecom. Eu acho que aquilo não foi uma coisa muito boa. Teve uma mudança em relação à exigência dos fundos de pensão para participarem das empresas, en-tão às vezes muitas dessas mudanças vão de uma forma casuística, visan-do atender interesses específicos. De novo, acho interessante que tudo seja feita de uma forma mais ampla, para se ver qual é o impacto geral dessas mudanças.

Comercialista – É correto afirmar que a Economia tem tomado o papel do Direito como regulador das relações so-ciais, por excelên-cia?

Sérgio G. Lazza-rini – Eu acho que quando se tem um diálogo entre as áreas, ninguém as-sume um determi-

nado papel. Quando se tem “Law and Economics”, uma disciplina que fun-de Direito e Economia, existe a con-tribuição dos dois. O fato é, dando um exemplo em particular: o direito anti-truste tem todo o lado regulató-rio, mas tem o lado da racionalidade econômica. É muito importante que

“Eu sou muito favo-rável a se ter diálo-go e mais pessoas analisando essas coisas [problemas interdisciplinares]”

Perfil

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9www.ocomercialista.com.br * Comercialista

Perfil

se tenha um balizador de racionali-dade econômica. A empresa A, por exemplo, está abaixando muito os preços no seu mercado. Será que isso seria considerado uma prática preda-tória, dumping, alguma coisa? Então existe toda uma discussão econômica que deve ser feita. Mas todo processo jurídico tem que ser atendido. Eu não vou acusar uma empresa de uma coi-sa que eu não tenho um marco legal, um procedimento. Então eu vejo isso mais como uma complementaridade, do que uma separação ou alguém to-mando o poder.

Comercialista – O professor José Eduardo Faria afirmou na nossa pri-meira edição que hoje quem discute direito na verdade são professores da FFLCH, que descobriram alguns autores como Dworkin, ou mesmo a FEA e o Núcleo de Direito e Democracia do Ce-brap. O senhor acha que isso é verdade, que outras áreas acabam assumindo esse pa-pel?

Sérgio G. Lazzarini – Eu não sou dessa área, então não posso julgar essas ini-ciativas em particular. Mas eu adoraria que a FFLCH, ou a São Francisco, tivesse discussões da minha área, por exemplo [Gestão de Empresas]. Eu adoraria ter mais gente discutindo isso, e mais gente para dialogar. Na verdade, nós temos que

diferenciar a área do conhecimento e os problemas que você tem que resolver. Os problemas, em geral, são interdisciplinares. Você tem que regular um setor, o que é muito in-terdisciplinar, tem um balisamen-to econômico, princípios jurídicos, princípios de gestão, ou seja, como que vamos conduzir esse processo e como as empresas vão reagir es-trategicamente. Então eu sou muito favorável a se ter diálogo e mais pes-soas analisando essas coisas.

Comercialista – Em artigo de sua autoria, o senhor se refere ao capi-talismo de estado brasileiro como o “Leviathan as a minority sharehol-

der”. Como podemos definir, em poucas palavras tal estrutura? Como o direito a influencia?

Sérgio G. Lazzarini – Na verdade, quando nós privatizamos, nós tive-mos uma forte presença do Estado disseminadas em várias empresas. Você troca o modelo em que se tem uma Telebras e vai para um modelo onde se tem diversas empresas no setor de telecomunicações com parti-cipações minoritárias do BNDES, de fundos de pensões estatais, etc. Isso aconteceu em vários setores. Isso é o que chamamos de “Leviatã mino-ritário”: é o governo participando de vários setores, de várias empresas, e

muito disseminado. Esse mo-delo tem a vantagem de per-mitir uma conjunção do setor privado, tocando os projetos, e algum capital público per-manecendo e ajudando o in-vestimento das empresas em determinadas condições. Em termos negativos, existe uma certa interferência residual do governo nas empresas. O caso da Vale foi típico, quan-do a partir de posições mino-ritárias de fundos de pensão, do BNDES, etc., o governo conseguiu ou tentou influen-ciar diversas estratégias da empresa, inclusive se trocou o CEO da empresa na época. É um modelo que é muito co-mum, não só no Brasil, mas no mundo, mas tem que se tomar um certo cuidado para se evitar, ou pelo menos

A obra mais recente de Lazzarini é “Capitalismo de Laços”, livro que trata dessa vertente do Capitalismo de Estado encontrado no Brasil. Formado em Engenharia, é também PhD em Administração pela John M. Olin School of Business, Washington University

Divulgação

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10 Comercialista * www.ocomercialista.com.br

disciplinar um pouco, isso que a gen-te chama de interferências residuais. Outra coisa é o seguinte: cuidar um pouco para que se traga transparên-cia nas alocações do governo. Eu digo em transparência de critério. A ques-tão é a seguinte: se o governo é mi-noritário em uma empresa A, por que é nessa empresa A e não na empresa B? Ou no setor X e não no setor Y. Acho que esse critério tem que ficar bem claro.

Comercialista – Ainda sobre o Le-viathan as a minority shareholder, seria possível fazer paralelo entre a participação do Estado em compa-nhias e interesse público? Em outras palavras, como o Estado, por meio de sua participação em companhias atua em prol do interesse público?

Sérgio G. Lazzarini – A questão do interesse público vai ser definida em função não só da participação minoritária do Estado, mas tam-bém de todo o ambiente regulatório legal. Em tese, não é necessário que o Governo participe. Aí eu volto ao meu comentário anterior: você não pode desmontar um sistema regu-latório que já se criava a pretexto de que as empresas tem que seguir o que o Governo quer. Na verdade não é o que o Governo quer, mas o que a sociedade quer. Você tem que criar marcos regulatórios claros. A empresa seguir o interesse público não necessariamente quer dizer que ela vai seguir a partir dessas parti-cipações. O que elas vão ter de in-teressante, em determinados casos,

é o capital provindo do Governo, mais de longo prazo. Nosso estu-dos indicam, por exemplo, que, na década passada, tinha até um efeito de empresas receberem alocações do BNDES e investirem mais. Esse efeito se perdeu um pouco agora. A nossa hipótese é que o mercado de capitais se desenvolveu. As empre-sas têm muito mais opções de in-vestimentos. Realmente, para uma participação minoritária fazer a di-ferença, tem que ser um empreen-dedor que careça de capital, tenha um bom projeto, tenha uma compe-tência latente, quer dizer, é alguma coisa muito boa que ele ainda não conseguiu levar ao mercado e que a participação pública pode ajudar. Eu sou extremamente favorável a isso, mas tem que ser extremamen-te seletivo e com critérios bem defi-nidos.

Comercialista – E ele teria de ter metas a cumprir, o senhor fala de política de “Chicote e Cenoura”...Sérgio G. Lazzarini – Isso, é um modelo coreano que nós tentamos tanto seguir, mas o modelo coreano foi baseado em metas e desempenho. Então, se você não tiver um alto de-sempenho, você sai. O que se vê aqui no Brasil às vezes é: você não teve alto desempenho, eu vou te resgatar. Isso não pode acontecer.

Comercialista – A dívida pública interna é por vezes referida como a “Benção de Hamilton”. É corre-to afirmar que ela é, atualmente, o maior empecilho para o desenvol-

vimento econômico-social do Bra-sil?

Sérgio G. Lazzarini – Eu acho que, dívida por dívida, com a eco-nomia crescendo e investindo em grandes projetos, não vejo necessa-riamente tanto problema. A econo-mia vai crescendo, você tem uma ca-pacidade crescente de pagamento da dívida, e vamos em frente. O que não pode acontecer são alocações que au-mentam a dívida e com dois efeitos: você não entende porque está sendo feito esse endividamento do Estado, não ocorre uma contrapartida em termos de crescimento nem de me-lhorias do serviço público; e a outra coisa que pode acontecer é não ter clareza aonde você quer chegar. Tem que se priorizar e definir bons proje-tos, e nisso nós estamos falhando um pouco. Estamos querendo resolver fazer transferências indiscriminadas para o BNDES, que aumentam a dí-vida pública. E, à medida em que se aumenta a dívida, você tira uma pos-sibilidade de reduzir despesas do Go-verno, o que poderia ter um impacto positivo em redução de tributos. Isso também acaba não sendo feito. Vou colocar da seguinte forma: eu coloco X de recursos em bancos públicos, mas seria melhor se eu reduzisse isso um pouco e gerasse um abatimento de impostos para empreendedores em geral.

Perfil

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12 Comercialista * www.ocomercialista.com.br

Opinião

FAÇO REFERÊNCIA AO ARTI-GO PUBLICADO NO ÚLTIMO NÚMERO DESTE VEÍCULO ELETRÔNICO, DENOMINADO “Considerações em torno do

projeto de lei do Código Comercial”, que se seguiu ao meu artigo, intitu-lado “O antiprojeto de Código Co-mercial”.

Defende-se ali, inicialmente, que os “valores cultivados pela socie-dade” têm mais peso que o “direito positivado”. E que “normas bem re-digidas, claras e racionais são, evi-dentemente, desejáveis, mas não proporcionam segurança jurídica se estiverem em dissonância com os valores cultivados pela sociedade”.

Essa é a tosca justificativa aven-tada para tentar explicar as normas pessimamente redigidas, obscuras e verdadeiramente irracionais que o Antiprojeto contém. Como, por exemplo, o de que a dissolução par-cial acarreta o desligamento do só-cio falecido da sociedade1; o de que o controle totalitário ocorre “quan-do o controlador titula a totalidade ou quase a totalidade das ações com direito a voto”; o de que o contro-le pulverizado se identifica com o controle gerencial; o de que, “na so-ciedade limitada, o sócio responde pelas obrigações sociais até o limite

do capital social subscrito e não in-tegralizado”2, etc.

A seguir, envereda o artigo por uma lenga-lenga acerca da suposta principiologia do Antiprojeto, ape-sar do art. 8º afirmar, textualmente: “Nenhum princípio, expresso ou im-plícito, pode ser invocado para afas-tar a aplicação de qualquer disposi-ção deste Código ou da lei”. Entre esses princípios, relembre-se, acha-se aquele segundo o qual há “subsi-diariedade da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais” (art. 113, III) !

Sustenta-se, ainda, que há vanta-gens, no processo legislativo, na tra-mitação de um Antiprojeto de Códi-go (e não de lei). Abriu-se, com isso, segundo diz o artigo, “uma janela de oportunidades única para ajustar-mos a legislação de direito comercial às necessidades atuais da economia brasileira. Todo e qualquer assunto pode ser revisto, seja trazendo a disciplina do tema para o Código, seja fazendo mudanças pontuais na respectiva lei, mediante dispo-sição transitória” (negritos nossos).

Está aí, fielmente revelado, o conteúdo do Antiprojeto: fez-se um rascunhão, que pode ser integral-mente revisto, desde que seu autor – que preside, de forma despudo-

ramente conflitante, a Comissão de Juristas constituída na Câmara dos Deputados –, leve a gloríola de ter seu nome associado à lamentável obra – pela qual, como se vê, ele não nutre o menor apreço!

Esclareço, de outra parte, naqui-lo que me diz respeito, que não te-nho a menor resistência quanto ao novo, muito pelo contrário.

Sucede que o Antiprojeto sim-plesmente não contém absoluta-mente nada de novo.

Oh, mas que injustiça! Agora me lembrei de várias – e extraordiná-rias inovações!

Por exemplo: aquela segundo a qual, ninguém pode “ser obrigado a se tornar sócio de sociedade contra-tual contra a vontade” (art. 114); ou aquela que prescreve que, “em caso de inadimplemento, o empresário credor pode exigir judicialmente o cumprimento da obrigação” (art. 276)3; ou aquela que diz que o con-trato...vincula os contratantes (art. 303, II) !!!

Estou sendo totalmente infun-dado para com o Antiprojeto, ele tem realmente inúmeras novidades, todas fantásticas, jamais ouvidas, inauditas!

Recordo ainda aquela que auto-riza os sócios a gravar as próprias

por Erasmo Valladão

O Antiprojeto de Código Comercial II

1 Como eu disse em outro artigo, onde quer que esteja o grande José Maria Eça de Queiroz, es-tará sentindo um frisson por não ter colocado essa magnífica frase na boca do Conselheiro Acácio.2 Compare-se essa grosseira obscuridade com a

lapidar clareza do Código Civil, em regra que ja-mais foi questionada: “Art. 1.052: Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é res-trita ao valor de suas quotas, mas todos respon-dem solidariamente pela integralização do capi-tal social”. Se é para comparar o que está com o

que vem, estamos todos muito bem!3 Estou escrevendo uma carta ao ilustre Prof. Richard Posner para que ele me auxilie a desco-brir por quais insondáveis razões quem alegada-mente não conhece análise econômica do direito é incapaz de compreender esse dispositivo!

*

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13www.ocomercialista.com.br * Comercialista

Opiniãoquotas (art. 180); ou ainda aquela que cria a figura do “facilitador” em processos de mais de 500 páginas (art. 657). Lembram-se dessa figura edificante?

O Antiprojeto é realmente inova-dor, é pleno de refrescantes novida-des !

Esclareço, outrossim, que a ve-emência de minhas críticas está di-retamente ligada ao baixo nível do documento. Representa apenas a justa revolta de um cidadão brasi-leiro que, por acaso, é também pro-fessor de Direito Comercial – e que, ademais, tem sangue nas veias, não aceita ultrajes. Baseei-me em argu-mentos, contra os quais não há res-posta. E também não desrespeitei a ninguém, muito menos ao leitor. Se alguém cometeu desrespeito – des-respeito ao leitor e à Nação, regis-tre-se – foi quem teve a ousadia de permitir o arremesso desse mons-trengo contra o Congresso Nacional.

Vejam, apenas para dar mais um exemplozinho, este outro achado:

“Art. 291. Prescreve:

I – Em um ano, a pretensão: a) contra os peritos e subscri-

tores do capital, para deles haver reparação civil pela avaliação dos bens que entraram para a forma-ção do capital de sociedade em-presária, contado da publicação da ata da assembleia que aprovar o laudo ou, no caso de não ser a realização desta obrigatória, da data do instrumento de contrato social ou de alteração contratual;... (omissis)...

II – em três anos, a pretensão:a) para cobrar dividendos ou

qualquer outra forma de partici-pação nos resultados da socieda-de empresária, contados da data em que tenham sido postos à dis-posição do sócio ...(omissis)...

III – Em um ano, a pretensão:a) de executar os endossantes

e o sacador de letra de câmbio, a contar do protesto feito em tem-po útil ou, no caso da cláusula “sem despesas”, do vencimento;...(omissis)...

IV – Em seis meses, a pretensão do endossante de letra de câmbio de executar os demais endossantes ou o sacador, a contar do dia em que ele pagou a letra ou em que ele pró-prio foi acionado”.

Os leitores percebem a razão da minha indignação?

Quando eu aprendi a contar, na infância, depois de três anos seguiam-se quatro anos, cinco anos e assim por diante. Mas para o Antiprojeto, após três anos, re-torna-se para um ano e daí para seis meses, num movimento de retrocesso mental! 4

Tem cabimento mandar algo des-se nível para o Parlamento?

Mas tem mais. O Antiprojeto re-voga, irresponsavelmente, no art. 669, inciso I, o Código Comercial vi-gente (Parte Segunda – Do Comér-cio Marítimo). E, como diz jovem e querido jurista amigo meu, “para naufragar de vez o direito comercial

marítimo, não coloca nada em troca!”.Não é outra extraordinária con-

tribuição?Por derradeiro, no que diz res-

peito a colaborar com essa obra de inexcedível desleixo e descaso, po-dem todos ficar tranquilos.

Não o farei, por um motivo muito simples: é impossível. A estrovenga é tão ruim que necessita ser intei-ramente reescrita. É um amontoa-do assistemático de platitudes, de absurdos jurídicos, realizado aos trambolhões, sem nenhum conteú-do, sem nenhum compromisso com a precisão e a seriedade, unicamente para aproveitar um momento políti-co, numa ação entre amigos – para criar um fato consumado!

A lógica do seu autor – que eu me recuso a aceitar – é a de que supos-tamente temos todos o dever de me-lhorá-lo, com críticas construtivas, com a sugestão de nova redação, etc.

É a lógica da ditadura: a coisa está lá, você tem o dever de ajudar a construir, não pode só criticar...

Para finalizar, não se atira um texto desse péssimo padrão contra o Congresso Nacional. Faz-se, como em toda a democracia, um antepro-jeto, com a participação das classes interessadas, para então encaminhá-lo aos representantes do povo.

É positivamente uma lástima!

Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França é professor associado do Departamen-to de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

ERASMO VALLADÃO

4 Seria isso já um sintoma de senilidade – e ca-ducidade – precoce?5 Lembro-me muito bem do tenebroso governo

Médici: “Brasil, ame-o ou deixe-o!” Ou seja, co-labore com a ditadura militar (o Brasil!) ou se escafeda.

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14 Comercialista * www.ocomercialista.com.br

Eficácia de direitos fundamen-tais em procedimentos de dis-solução societária1

O TEMA A RESPEITO DA VIN-CULAÇÃO DE PARTICU-LARES A DIREITOS FUN-DAMENTAIS, NO BRASIL, desenvolveu-se, sobretu-

do, à luz de sua aplicação no âmbito de procedimentos de dissolução de pessoas jurídicas e de exclusão de seus sócios ou associados.

Foi em um tal contexto, no jul-gamento do Recurso Extraordiná-rio n. 158215-4/RS, que o Supremo Tribunal Federal, pela primeira vez, conquanto de modo sucinto, se ma-nifestou no sentido da eficácia ho-rizontal de um direito fundamental – no caso, o direito fundamental à ampla defesa (artigo 5º, inciso LV, Constituição Federal).

Conforme consta do acórdão, re-latado pelo Ministro Marco Aurélio, os associados de uma cooperativa não podem ser excluídos sem que lhes seja oportunizada a apresenta-ção de defesa, sob pena de invalida-ção do ato de exclusão. O acórdão, proferido em 1996, mas divulgado no Diário da Justiça somente em 07 de junho de 1997, restou assim ementado:

Cooperativa exclusão de as-sociado - caráter punitivo - devi-do processo legal

Na hipótese de exclusão de associado decorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe-se a observância do devido processo legal, viabilizando o exercício da ampla defesa.

Também no ano de 1996, fora do contexto de dissolução, mas também no sentido da eficácia horizontal, o mesmo Supremo Tribunal Federal registraria ainda o julgamento do Recurso Extraordinário n. 161.243-6/DF, relatado pelo Ministro Carlos Mário da Silva Velloso. No caso, en-tendera a Corte ser inconstitucio-nal a discriminação realizada pela companhia aérea Air France entre empregados franceses e brasileiros, quando ambos exerçam suas fun-ções no Brasil. Para chegar a tal con-clusão, a 2ª Turma asseverou que a conduta da companhia empregado-ra violava o princípio da igualdade.

Curiosamente, no entanto, re-gistra a doutrina a circunstância de que, em nenhum desses casos jul-gados pelo Supremo Tribunal Fede-ral, a temática da eficácia horizontal fora desenvolvida de modo mais aprofundado. Em que pese tenha a

Corte aplicado sem ressalvas direi-tos como o devido processo legal e a igualdade material, não houve ex-pressa menção ao tema, nem desen-volvimento teórico digno de tudo o que, à época, já havia sido aludido pela bibliografia especializada2.

Assim é que, somente no ano de 2005, no julgamento do Recurso Extraordinário 201.819/RJ, o Su-premo Tribunal manifestou-se ex-pressamente sobre a eficácia hori-zontal. Novamente sob a hipótese de exclusão de associado, ponderou a 2ª Turma que o ato de exclusão de componente de associação sem a observância da garantia da ampla defesa viola a Constituição, precisa-mente o direito fundamental previs-to no artigo 5º, inciso LV. A ementa do acórdão, originalmente relatado pela Ministra Ellen Gracie, mas cujo voto condutor fora proferido pelo Ministro Gilmar Mendes, restou as-sim redigida:

Sociedade civil sem fins lucra-tivos. União brasileira de compo-sitores. Exclusão de sócio sem garantia da ampla defesa e do contraditório. Eficácia dos direi-tos fundamentais nas relações privadas. Recurso desprovido.

I. Eficácia dos direitos funda-mentais nas relações privadas:

As violações a direitos fun-damentais não ocorrem so-mente no âmbito das relações

por Ermiro Ferreira Neto

A eficácia horizontal de Direitos Fundamentais em procedimentos de dissolução societária

Doutrina

1 O presente ensaio é parte integrante da mono-grafia de mesmo título, vencedora do Prêmio Mário e Inah Barros, concedido por ocasião do

1º Congresso Baiano de Direito Empresarial.2 SARMENTO, Daniel. op. cit. p. 250.

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Doutrinaentre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito priva-do. Assim, os direitos fun-damentais assegurados pela Constituição vinculam direta-mente não apenas os poderes públicos, estando direciona-dos também à proteção dos particulares em face dos po-deres privados.

II. Os princípios constitucionais como limites à autonomia privada das associações

A ordem jurídico-constitu-cional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos pos-tulados que têm por funda-mento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de pro-teção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associa-ções não está imune à incidên-cia dos princípios constitucio-nais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em de-trimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de ter-ceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitu-cional, pois a autonomia da vontade não confere aos par-ticulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder

de transgredir ou de ignorar as restrições postas e defini-das pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos par-ticulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais.

III. Sociedade civil sem fins lucrativos.Entidade que integra espaço público, ainda que não-es-tatal. Atividade de caráter público. Exclusão de sócio sem garantia do devido processo legal. Aplicação dereta dos direitos fundamentais à ampla defesa e ao contraditório

As associações privadas que exercem função predo-minante em determinado âm-bito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência eco-nômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores - UBC, socie-dade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus as-sociados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucio-nal, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impos-sibilitado de perceber os direi-tos autorais relativos à execu-ção de suas obras. A vedação das garantias constitucionais

do devido processo legal acaba por restringir a própria liber-dade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela socie-dade e a dependência do vín-culo associativo para o exercí-cio profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88).

IV. Recurso extraordinário des-provido

A aparente adesão do Supremo Tribunal Federal à tese da eficácia horizontal, todavia, não pode levar à conclusão de que o tema não enseja mais controvérsias. A posição exte-riorizada pela Corte, por exemplo, não cria parâmetros para a ponde-ração de outros direitos fundamen-tais, como a liberdade de contratar. Afinal, sendo uma relação privada, não se pode descurar da circunstân-cia de que as partes podem, em prin-cípio, auto-regular seus interesses, criando – ainda a título de exemplo – mecanismos para a rápida exclu-são de um associado.

Para além disso, os julgados do Supremo Tribunal foram proferidos em hipóteses envolvendo associa-ções e cooperativas – entes em que o interesse econômico, sem dúvida, não é primário. Existindo situações de saída de sócios, por diversas ra-zões, inclusive por expulsão, parece necessário perquirir se eventuais questões econômicas ou uma maior sofisticação das convenções societá-rias seriam incapazes de interferir

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na conclusão a respeito da incidên-cia de direitos fundamentais tam-bém em procedimentos de dissolu-ção de sociedade.

Neste particular, já se vê que as conclusões aparentemente unâni-mes da incidência de direitos funda-mentais no âmbito de procedimen-tos de exclusão de associados não podem simplesmente ser transferi-das para as hipóteses de dissolução de sociedades.

A verificação de como e em que medida direitos fundamentais inci-dem em relações societárias depen-de da análise de questões anteceden-tes, como a existência de sociedade de pessoas e de capital; a existência de desigualdade fática no âmbito da sociedade e, finalmente, do grau de influência da função social da em-presa, não apenas em suas relações externas, como internas, entre os sócios.

Bem ponderados, estes fatores servem de peso para o delicado ba-lanceamento que envolve a limi-tação da autonomia societária em vista da garantia de certos direitos fundamentais. Três exemplos ilus-tram este problema.

Exclusão de sócio e eficácia do devido processo legal

Em decorrência do direito fun-damental ao devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV, Constituição Federal) os sócios encontram-se protegidos de exclusões sumárias,

sem que seja oportunizada a apre-sentação de defesa prévia. A mesma cláusula constitucional impede a re-tomada forçada de ações ou quotas societárias por “mão própria”, sem que haja um processo judicial para tanto.

É sabido que o devido processo legal é elemento essencial do pró-prio Estado Democrático de Direito. Por meio de tal direito fundamental, cria-se uma sujeição do poder pú-blico às garantias constitucionais de ampla defesa e do contraditório, eri-gindo-se uma barreira de proteção contra a possibilidade de invasão do patrimônio ou de restrição da li-berdade dos cidadãos sem que seja, previamente, oportunizado a mani-festação prévia dos interessados.

Ao perfil clássico do devido pro-cesso legal, voltado para a garantia formal de direitos no âmbito de pro-cessos administrativos ou judiciais (procedural due process), deve-se acrescer a existência do devido pro-cesso legal substancial (substantive due process).

Mais do que a mera garantia re-gular do direito de defesa, a cláusu-la do devido processo impõe que as decisões proferidas após a manifes-tação das partes interessadas sejam razoáveis e proporcionais.

Em feliz lição, Nelson Nery Jú-nior ensina que enquanto o devido processo legal formal espraia seus efeitos no âmbito das garantias pro-cessuais, o devido processo subs-tancial tem seu âmbito de aplicação

no direito material3. Visto sob este ângulo, e conferindo interpretação sistemática à Constituição Federal, nada parece impedir a eficácia da cláusula do devido processo legal – em suas duas acepções – em hipóte-ses de processos particulares, e não apenas aqueles promovidos pelo Es-tado, no âmbito administrativo ou judicial.

A mesma premissa, com efeito, inspirou Paula Sarno Braga a pon-derar que “o devido processo legal, enquanto existência de moderação e legalidade no exercício do poder, deve vincular os particulares, para deter e reprimir abusos e desman-dos privados e negociais” . Em pri-moroso estudo, a autora defende uma ampla eficácia do due process no âmbito dos negócios jurídicos privados, seja na fase pré-negocial, seja no curso de sua execução, to-mando como exemplo de hipótese de tal incidência os “processos puni-tivos de associados, sócios e condô-minos”.

De fato, por mais prestígio que se empreste à autonomia privada das partes envolvidas, não se imagina, sob uma interpretação constitucio-nal, que o particular possa ser pri-vado de seus bens sem que lhe seja oportunizado apresentar sua mani-festação prévia, tanto mais nos ca-sos de dissolução por rescisão con-tratual (exclusão de sócio).

Este fora o entendimento encam-pado pelo Supremo Tribunal Fede-ral no julgamento do Recurso Ex-

Doutrina

3 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 35.4 BRAGA, Paula Sarno. op.cit. p. 204.5 BRAGA, Paula Sarno. op.cit. p. 213.

6 Tão contundente fora o acórdão que inspirou o legislador a promover, por meio da Lei federal n. 11.127/2005, ligeira alteração no artigo 57 do Código Civil para prever que “a exclusão do asso-ciado só é admissível havendo justa causa, assim

*reconhecida em procedimento que assegure di-reito de defesa e de recurso, nos termos previsto no estatuto”.

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Doutrina

traordinário n. 201.819, já analisado anteriormente. As conclusões do acórdão, naquilo que toca o fato da “autonomia privada (...) não poder ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional”, podem ser transportadas para a hi-pótese também de dissoluções de sociedades empresárias, e não ape-nas de associações , como no caso julgado.

No âmbito das sociedades, como se sabe, poderá o sócio ser afastado da pessoa jurídica por ele integra-da em virtude de manifestação de vontade (dissolução por resilição) ou por exclusão (dissolução por res-cisão). Em ambos os casos – tanto mais no segundo, é bem verdade – impõe-se que se atraia para a hipó-tese a garantia do devido processo legal, a fim de evitar, como sói ocor-rer nos processos administrativos e judiciais, arbitrariedades e desfal-ques patrimoniais sem a garantia de defesa prévia.

De lege lata, o legislador mirou nos objetivos acima indicados ao prever o artigo 1.085 do Código Ci-vil:

Art. 1.085. Ressalvado o dis-posto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representa-tiva de mais da metade do capi-tal social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gra-vidade, poderá excluí-los da so-ciedade, mediante alteração do

contrato social, desde que pre-vista neste a exclusão por justa causa.

Parágrafo único. A exclusão somente poderá ser determinada em reunião ou assembléia espe-cialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu compare-cimento e o exercício do direito de defesa.

A despeito do referido dispositivo garantir que somente a “justa causa” pode ensejar a exclusão do sócio (devido processo legal substancial), resguardado o seu direito ao exercí-cio do contraditório em assembléia especialmente designada para este fim (devido processo legal formal), é possível propor uma interpretação ampliativa da norma, à luz da teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. É de se questionar, por exemplo, se seria possível ao só-cio em vias de ser excluído produzir provas, requerer a oitiva de teste-munhas ou apresentar, por escrito e através de advogado, sua defesa.

A eficácia de direitos fundamen-tais entre particulares parece con-duzir a uma resposta positiva. Assim como a perda de bens para o Estado não prescinde da garantia do devido processo legal, a perda de quotas so-cietárias também não pode dispen-sar a possibilidade de apresentação de defesa escrita ou mesmo, se for o caso, de produção de prova, à mín-gua da falta de previsão nesse senti-do nos estatutos da sociedade.

À mesma conclusão – sem, no en-

tanto, mencionar a possibilidade de produção de prova - chega Modesto Carvalhosa ao propor um legítimo procedimento que deverá preceder a exclusão do sócio. A fim de garan-tir o devido processo legal, observa o autor paulista que a decisão de exclusão do sócio deve ser o ponto final de uma série de atos, que de-verá observar a sua notificação regu-lar, a oportunidade de apresentação de defesa escrita, a possibilidade de participação da deliberação assem-blear e nova notificação referente à decisão tomada7.

No mesmo sentido, Arnoldo Wald defende a necessidade da de-cisão pela exclusão ser justa e pro-porcional ao ato praticado pelo sócio excluído. Ainda que não mencione expressamente, a posição do autor também ratifica a possibilidade de incidência do devido processo le-gal em dissoluções societárias, sob a acepção do substantive due pro-cess.8

Deliberações sociais e a eficá-cia de direitos políticos

Ainda sob a premissa da eficá-cia horizontal das normas jusfun-damentais em procedimentos de dissolução societária, é de se ques-tionar qual o grau de incidência de direitos constitucionais políticos nas deliberações entre sócios.

Tradicionalmente, os direitos po-líticos decorrentes de relações socie-tárias somente são apreciados pela doutrina estritamente sob o ponto de vista das prerrogativas inerentes à condição de sócio. Sob esta ótica, já se afirmou, por exemplo, “que o direito de voto é um direito natu-

7 CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil. v. 13. Antônio Junqueira de Aze-vedo (coord.). São Paulo: Saraiva, 2003, p. 317.

8 WALD, Arnoldo. Comentários ao Código Civil. v. XIV. Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.). Rio de Janeiro, Forense, 2005, p. 574.

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ral do acionista”9. Esta, no entanto, não tem sido a posição majoritária no campo doutrinário, que de modo contundente parece reiterar que o direito de voto não é essencial à con-dição de acionista10, tanto que não incluído como tal no rol do artigo 109 da Lei 6.404/7611.

Seja como for, a teoria dos di-reitos fundamentais descortina um horizonte diferente de estudo dos direitos político-societários. É que, se a Constituição Federal garantiu a todos os cidadãos exercer o sufrágio “pelo voto direto e secreto”, erigindo tal prerrogativa à condição de direi-to fundamental (artigo 14); e se, por outro lado, admite-se a eficácia de direitos fundamentais em relações privadas, logo, num lance aparente-mente lógico, o exercício do direito de voto entre os particulares não po-deria ser suprimido.

A hipótese, todavia, não é tão simples quanto parece. Nas relações particulares é próprio, como se viu, um alto grau de autonomia confe-rido às partes, de modo que nada justificaria uma tal intervenção na liberdade de auto-regulação dos in-teresses. É sob este caminho, aliás, que anda a legislação societária ao prever que “o estatuto poderá dei-xar de conferir às ações preferen-ciais algum ou alguns dos direitos reconhecidos às ações ordinárias, inclusive o de voto” (artigo 111, Lei n. 6.404/76).

É inegável, portanto, que os di-reitos políticos – se detém eficácia perante particulares – não incidem do mesmo modo como incidem nas relações cidadão x Estado. Ainda assim, colocando-se de lado as par-ticularidades decorrentes do regi-me de Direito Privado (sobretudo o elemento de autonomia das partes), não parece possível desconsiderar as possibilidades de criação – e exi-gência - de espaços democráticos no âmbito das pessoas jurídicas.

E por espaços democráticos de-ve-se entender, tanto mais, o es-paço de respeito às minorias. No contexto do Direito Societário, se é certo que é atribuído ao contro-lador o direito de conduzir as ati-vidades da empresa (artigo 116, Lei 6.404/76), tal bônus vem acompa-nhado do ônus de conduzir-se sem ferir os interesses da companhia e sem exercer ato abusivo em face dos minoritários (artigo 117, §1º, Lei n. 6.404/76).

Assim, os direitos dos sócios de influírem nas decisões da empresa, ainda que respeitados os limites es-tabelecidos nos atos constitutivos, antes de decorrerem dos regula-mentos legais, configura verdadeira imposição constitucional. Trata-se de interessante ponto de vista que encontra seu fundamento no fato de que a democracia também merece espaço no âmbito de entes privados, considerando que “o autoritarismo

exercido em outras esferas sociais [...] podem ser tão ou mais opressi-vas do que a estatal”12.

Estas premissas parecem aplicá-veis para justificar, por exemplo, a possibilidade de exclusão do sócio controlador da sociedade por parte de um ou mais sócios minoritários.

É certo que tal situação atrai um grave inconveniente econômico: com a saída do controlador, certa-mente a sociedade se verá desfal-cada de mais de metade de seu pa-trimônio social, o qual deverá ser apurado para pagamento dos have-res do referido sócio. No entanto, este obstáculo de ordem prática não pode servir de fundamento – à luz da incidência de direitos políticos nos procedimentos de dissolução societária – para a proibição desta exclusão. Nesse sentido se orienta a própria legislação de regência, ao dispor que “pode o sócio ser exclu-ído judicialmente, mediante inicia-tiva da maioria dos demais sócios” (grifou-se), nos termos do artigo 1.030 do Código Civil.

Afinal, seria totalmente contrário ao princípio democrático a possibili-dade do sócio faltoso votar contra a sua exclusão, bloqueando qualquer tentativa de sanção contra si, ainda que pratique todo tipo de arbitra-riedade na condução dos negócios sociais, mesmo no caso de graves danos causados a todos os outros sócios e à própria sociedade. À mes-

Doutrina

9 LOBO, Jorge. Direitos dos acionistas. São Pau-lo: Campus Jurídico, 2011, p. 94.10 PROENÇA, José Marcelo Martins. Direitos e deveres dos acionistas. Sociedades Anônimas. Maria Eugênia Reis Finkelstein e José Marcelo Martins Proença (coord.). São Paulo: Saraiva, 2007, p. 50.11 Art. 109. Nem o estatuto social nem a assem-

bléia-geral poderão privar o acionista dos dire-itos de:I - participar dos lucros sociais;II - participar do acervo da companhia, em caso de liquidação;III - fiscalizar, na forma prevista nesta Lei, a gestão dos negócios sociais;IV - preferência para a subscrição de ações, par-

tes beneficiárias conversíveis em ações, debên-tures conversíveis em ações e bônus de sub-scrição, observado o disposto nos artigos 171 e 172;V - retirar-se da sociedade nos casos previstos nesta Lei.12 SARMENTO, Daniel. op. cit. p. 310.

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19www.ocomercialista.com.br * Comercialista

Doutrinama conclusão chega Fábio Konder Comparato, argumentando que “não é a deliberação da maioria e sim o poder resolutório conferido aos prejudicados, pelo inadimple-mento do dever de colaboração social, sejam eles, ou não, majori-tários” que justifica a exclusão do sócio13.

Demais disso, o voto do sócio que se deseja excluir, nesse caso, afronta claramente o artigo 1.074, §2º, que dispõe que “nenhum sócio, por si ou na condição de mandatário, pode votar matéria que lhe diga respeito diretamente”.

Assim, efetivamente, interpretan-do-se o já referido artigo 1.030 do Có-digo Civil à luz do direito fundamental de influência política – cujos efeitos podem se espraiar inclusive nos pro-cedimentos de dissolução societária – chega-se à conclusão de que, à parte inconvenientes de ordem econômica, não podem os atos constitutivos criar barreiras à exclusão de qualquer só-cio, inclusive o controlador.

O uso do Voto de Minerva, do Voto Cumulativo e o Princípio da igualdade

Outro problema extremamente interessante diz respeito ao uso do chamado “voto de Minerva” ou, em situação distinta, do “voto cumula-tivo”, em deliberações sociais – par-ticularmente em deliberações re-lacionadas à expulsão de um sócio

– e a possível afronta ao princípio da igualdade.

A expressão “voto de Minerva” tem origem na mitologia grega e corresponderia ao voto de desempa-te dado pela deusa Atena (Minerva, para os romanos), o qual fora deci-sivo para a absolvição de Orestes. Este último, na lenda clássica, era assassino confesso de sua mãe e do amante dela, crime este motivado pela vingança do homicídio pratica-do pelos dois contra o pai de Ores-tes, Agamenon.

Atualmente, a expressão desig-na o voto de qualidade proferido por um dos integrantes de um ór-gão colegiado, ao qual, além do voto ordinário, incumbe desempatar o sufrágio, em caso de igualdade de número de votos com relação a de-terminada deliberação. Trata-se de instrumento largamente previsto na praxe forense brasileira, no âm-bito, inclusive, do próprio Supremo Tribunal Federal, conforme prevê o artigo 13 do Regimento Interno da-quela Corte14.

O voto de qualidade, entretanto, não se confunde com o chamado voto cumulativo. Enquanto na pri-meira hipótese, a prerrogativa deve ser exercida por quem, ordinaria-mente, não vota – exercendo este mister apenas para desempatar -, no caso de voto cumulativo o detentor deste múnus poderá votar duas ve-zes: uma na votação ordinária, outra no caso de empate.

É o caso, por exemplo, da atri-buição conferida ao Presidente do Conselho Administrativo de Defe-sa Econômica (CADE), órgão que, dentre outras atribuições, é respon-sável pela regulação da concorrên-cia no Brasil (art. 8º, inc. II, Lei n. 8.884/94)15.

Disposições semelhantes tam-bém podem ser encontradas em estatutos de algumas companhias. Apenas a título de exemplo, confi-ra-se, à propósito, o quanto previsto no §5º do artigo 31 do Estatuto So-cial da Petrobrás S/A, o qual prevê que nas deliberações do Conselho de Administração, “em caso de em-pate, o Presidente do Conselho terá o voto de qualidade”. Ainda à guisa de exemplo e de modo semelhante, o estatuto da sociedade Eternit S.A prevê em seu artigo 17, §2º que o “Presidente do Conselho de Admi-nistração exercerá além de seu voto normal, o voto ‘de minerva’ (voto de desempate), quando o colegia-do, constituído por número par de membros, não conseguir a maioria estatutária para deliberação de ma-téria de interesse social”.

Diante do que, aparentemente, tem se tornado uma previsão sem maiores questionamentos, parece adequado avaliar se tal possibilida-de – o voto duplo ou de desempa-te – poderia ser utilizado à luz do princípio da igualdade, previsto na Constituição Federal. Com efeito, fixada a premissa de que direitos

13COMPARATO, Fábio Konder. Ensaios e pare-ceres de direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 152. 14 Art. 13. São atribuições do Presidente:(...)IX - proferir voto de qualidade nas decisões do

Plenário, para as quais o Regimento Interno não preveja solução diversa, quando o empate na votação decorra de ausência de Ministro em virtude de: a) impedimento ou suspeição;b) vaga ou licença médica superior a 30 (trinta)

dias, quando seja urgente a matéria e não se pos-sa convocar o Ministro licenciado.15 Artigo 8º — Compete ao Presidente do Cade:(...)II - presidir, com direito a voto, inclusive o de qualidade, as reuniões do Plenário;

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fundamentais incidem nas relações societárias, é de se registrar que o artigo 14 do texto constitucional prevê que o voto deverá ter “igual valor para todos” – o que em um primeiro raciocínio, conduz à con-clusão de que não seria possível es-tabelecer votos duplos ou mesmo de desempate16.

Mais uma vez, esta primeira hipó-tese deve ser observada cum granu salis. A referida disposição consti-tucional refere-se expressamente ao voto enquanto expressão de ‘sobe-rania popular”, situação que à toda vista difere do voto manifestado no âmbito de um processo decisório, privado, interno a uma sociedade. Conquanto não se deve afastar-se da premissa deduzida, no sentido de que as normas jusfundamentais podem vincular entes particulares, também não se pode ignorar que tal incidência horizontal deve pressu-por algum nível de desigualdade fá-tica ou mesmo de arbitrariedade na deliberação societária, o que, de or-dinário, não pode ser tomado como regra.

Nada obstante, o Supremo Tribu-nal Federal, no contexto de célebre disputa da companhia Vale S/A con-tra determinação do CADE, foi ins-tado a se manifestar sobre a consti-tucionalidade do artigo 8º da Lei n. 8.884/94, o qual, como se viu, con-fere ao Presidente daquele conselho votar duas vezes (ordinariamente e em caso de empate). O Ministro Marco Aurélio, na oportunidade, consignou no julgamento do Agra-vo Regimental no Agravo de Instru-

mento n. 682.486/DF:

“Surge outro aspecto, liga-do à natureza da matéria. Per-gunta-se: habita o mesmo teto dos novos ares constitucionais democráticos o voto de mi-nerva? É possível que, em um Colegiado, o cidadão, falível – como outro qualquer, e assim também nós o somos – profira um voto e, neutralizando-se os votos ante o empate verificado, venha a decidir, fazendo-o, no campo republicano e democrá-tico, isoladamente? O voto de qualidade, para mim, acaba por consubstanciar a existência de um superórgão”.

(...)“Não consigo, diante das bali-

zas da Constituição, dita ‘cidadã’ por Ulysses Guimarães, concluir que alguém possa ter o poder tão grande de provocar um empate e, posteriormente, reafirmando a óptica anterior, dirimir este mes-mo empate”.

Em que pese, no entanto, a ma-nifestação do Ministro Marco Au-rélio – no que fora acompanhando pelo Ministro Ayres Brito – o agra-vo não fora admitido, em função de ausência de prequestionamen-to. É certo que a questão da consti-tucionalidade do voto de Minerva não fora objeto de apreciação pela Turma, mas não se pode descon-siderar que a aparente adesão de dois Ministros do Supremo Tribu-nal Federal à tese revela importan-

te obiter dictum sobre o tema.A tese, todavia, se restringiu ao

âmbito do Direito Público. Consi-derando a incidência larga da au-tonomia privada no campo das re-lações societárias, não parece, de pronto, ferir a Constituição Federal eventual disposição estatutária que permita o voto de Minerva ou o voto cumulativo. A aparente regularida-de, ademais, torna-se tanto mais clara quando se estar a tratar de deliberações no âmbito de órgãos fracionários da sociedade, como o Conselho de Administração, onde os votos são tomados no formato “uma pessoa, um voto” (one man, one vote).

A questão, no entanto, torna-se tormentosa quando analisada sob a ótica de um procedimento de dissolução societária. É que aqui, considerando, de um lado, a natureza sancionatória de uma tal deliberação e, do outro, o fato dos votos serem colhidos diretamen-te junto aos sócios – hipótese em que vale a regra uma quota, um voto - - uma disposição desse tipo iria de encontro diretamente com o princípio da igualdade, alçado à condição de direito fundamental no art. 5º, caput da texto consti-tucional.

Aparentemente, aliás, esta fora a diretriz em que se firmou o le-gislador, ao menos no âmbito das sociedades limitadas, ao prever ex-pressamente que “prevalece a deci-são sufragada por maior número de sócios no caso de empate e, se este persistir, decidirá o juiz” (art. 1.010,

Doutrina

16 Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos (...). 17 Art. 1.010, Código Civil. Quando, por lei ou

pelo contrato social, competir aos sócios decidir sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor das quotas de cada um.

*18 Art. 110, Lei n. 6.404/76. A cada ação ordinária corresponde 1 (um) voto nas deliberações da as-sembléia-geral.

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Advogado. Professor de Direito Civil da Faculdade Baiana de Di-reito e da Escola Superior de Ad-vocacia (ESAD). Professor-Substi-tuto de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade Fed-eral da Bahia (2009/2011). Me-strando em Direito Privado pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Fed-eral da Bahia (PPGD/UFBA)

Ermiro Ferreira Neto

§2º, Código Civil). Como se vê, não houve abertura para concessão de voto de qualidade mediante previ-são nos atos constitutivos, se afigu-rando o dispositivo, à toda vista, em norma de ordem pública, inspirada diretamente no princípio da igual-dade (eficácia, portanto, mediata) e que não pode ser afastada por mera vontade das partes.

Conclusão

O tema, precisamente por imbri-car com questões tão importantes como colidentes, como a segurança jurídica, a liberdade de autonomia privada e a intervenção estatal no âmbito das relações societárias, ins-pira cuidados.

Longe de se tratar de problema meramente retórico, definir qual o regime constitucional dos procedi-mentos de dissolução de socieda-des constitui passo importante para calibrar o alcance do fenômeno da constitucionalização da atividade empresarial. Por um lado, já vai lon-ge o tempo em que não se admitia qualquer tipo de intervenção (ju-dicial, inclusive) na atividade em-presarial; por outro, no entanto, é forçoso reconhecer que qualquer li-mitação no campo da liberdade que deve nortear as relações societárias depende da prova efetiva da neces-sidade de tal intervenção, como for-ma de garantir o respeito a direitos fundamentais, como a propriedade, o devido processo legal e a igualdade entre agentes econômicos em posi-ções jurídicas semelhantes.

A tal conclusão se chega, confor-me exposto ao longo deste breve en-saio, a partir da constatação aponta-

da pela doutrina, no sentido de que os direitos fundamentais buscam erigir um campo de proteção dos particulares em face de arbitrarie-dades e violências decorrentes do poder econômico, social ou técnico. Se assim é, some-se o fato de que não apenas no âmbito das relações do particular com o Estado tais vio-lações são possíveis, e tem-se aí o pano de fundo teórico que justifica a incidência nas relações societá-rias.

Questões de fundo econômico – como a maximização de lucros, o valor financeiro das participações societárias e a instabilidade própria dos negócios – permitem divisar que o desenlace das relações havi-das entre sócios é, possivelmente, ponto tão fundamental para o Di-reito Empresarial quanto a própria constituição da sociedade. Daí a ne-cessidade de se criar um regime ju-rídico mínimo, composto de regras (extraídas da legislação constitucio-nal) e princípios, estes diretamente conectados com as normas de direi-tos fundamentais.

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Referências

Doutrina

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Doutrina

Introdução

A PROPRIEDADE INTELEC-TUAL NA VISÃO DESSA SUBSCRITORA É POUCO LEMBRADA TANTO NOS PROCESSOS DE FALÊNCIAS

como de recuperação judicial e, no entanto deveria ser o primeiro bem a ser avaliado e alienado devido à provável depreciação de seu valor nos processos de falências e, nos processos de recuperação judicial, a alienação do referido bem deveria constar no plano de recuperação, desde que devidamente avaliado e discriminado.

Estabelecimento comercial e os bens incorpóreos

Para o estudo do tema é impor-tante trazer à baila a definição de es-tabelecimento do ilustre jurista Os-car Barreto Filho, que assim o define como “o complexo de bens, materiais ou imateriais, que constitui o instru-mento utilizado pelo comerciante para a exploração de determinada atividade mercantil”1. Consta no Có-digo Civil, em seu art. 1.142, que o estabelecimento comercial é “todo o

complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresá-rio, ou por sociedade empresária.”

Assim, o estabelecimento é um conjunto de bens corpóreos e in-corpóreos que constitui uma reali-dade distinta dos elementos que o compõe; constitui o patrimônio da empresa e, como tal, pode ser alie-nado, independentemente dos bens tangíveis.

É no entendimento do ilustre doutrinador ser o estabelecimento comercial uma universalidade de di-reito justamente por ser um conjunto de bens materiais e imateriais que a lei assim define, pois “constitui uni-versalidade de direito de uma pessoa o complexo de relações jurídicas do-tadas de valor econômico”, nos ter-mos do art. 91 do Código Civil pátrio.

Nesse passo, faz parte do estabe-lecimento, além dos bens corpóreos, os bens incorpóreos tais como: os sinais distintivos (ex: marca de pro-duto ou serviço); privilégios indus-triais (ex: patentes de invenção, de-senhos industriais); obras literárias, artísticas ou cientificas; ponto ou lo-cal da empresa e aviamento (fundo de comércio).

1. Marcas, patentes e outros

bens incorpóreosAs marcas2 caracterizam-se como

sinais de diferenciação destinados a apresentar e identificar, de forma direta ou indireta, produtos e servi-ços oferecidos ao mercado.

Patente3 é um direito conferido pelo Estado que dá ao seu titular a exclusividade da exploração de uma tecnologia, conferindo-lhe durante determinado tempo o direito exclu-sivo e absoluto da exploração de in-venção em território delimitado.

Considera-se como modelo de utilidade4 o aperfeiçoamento ou me-lhoramento de invenção já paten-teada, aumentando-lhe a utilidade industrial ou facilitando sua fabri-cação.

Desenho Industrial5 aplica-se a todo desenho novo e a toda forma plástica nova, a todo o objeto indus-trial que se diferencie de seus simi-lares, seja por uma configuração dis-tinta e reconhecível, conferindo-lhe novidade.

2. O bem incorpóreo e sua impor-tância

Como visto, os bens incorpóreos são de extrema importância, pois

por Adriana Lucena

O Tratamento Legal da Propriedade Intelectual na Falência e na Recuperação de Empresas

1 BARRETO FILHO, Oscar. Teoria do Estabe-lecimento Comercial. 2ª ed. São Paulo:Saraiva, 1988, p.75.2 Art. 122. São suscetíveis de registro como mar-ca os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais. ( Lei 9279 de 14.05.1996)

3 Art. 8º É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.( Lei 9279 de 14.05.1996)4 Art. 8º É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.5 Art. 95. Considera-se desenho industrial a for-

*ma plástica ornamental de um objeto ou o con-junto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resul-tado visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir de tipo de fabricação industrial.

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são elementos que muitas vezes identificam a atividade da empre-sa, tanto para o consumidor como também entre os concorrentes do mesmo segmento de mercado, pois todos os sinais são usados pelo em-presário e portanto, devem receber a mesma tutela contra a concorrência desleal, independentemente de sua especialização.

Por isso, para cada bem intangí-vel o legislador atribui uma tutela específica. É o que preleciona Prof. Newton Silveira ao dispor que “a marca evoluiu da assinatura do pro-dutor aposta ao produ¬to, ou de um sinal de propriedade aposto às mer-cadorias em trânsi¬to ou deposita-das em armazéns, a um sinal que vai atuar diante dos consumidores para identificar uma procedência cons-tante de deter¬minado produto, mercadoria ou serviço, oferecidos em concorrência com outros de pro-cedência diversa.”6

O que diferencia os produtos similares de um mesmo segmen-to, além de suas caracteristicas é a marca que o acompanha, tal como a cor da embalagem, seu formato e a forma utilizada para sua divulga-ção, tornando-o um elemento único, que pode ser distinguido pelo con-sumidor no momento da compra e respeitado por seus concorrentes, estando protegido contra a concor-rência desleal. “Isso torna possível aos consumidores reconhecer, de imediato, os produ¬tos que preten-dem adquirir (ou os serviços que de-

sejam utilizar) e ao empresário refe-ri-los em sua publicidade.”7

A marca possui importância eco-nômica não só por sua utilidade para os consumidores, mas também pelo estímulo que representa à livre con-corrência. Assim o legislador, para coibir a concorrên¬cia desleal e os atos confusórios, conferiu à marca o status de bem imaterial exclusivo, decorrente primeiramente do res-pectivo registro junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial.

Destaca o renomado jurista Tulio Ascarelli, que há duas categorias de direitos, com faculdades di¬versas, mas ambas decorrentes do uso (do simples uso ou do uso qualificado pelo registro). Uma caracterizada pelo direito exclusivo, oponível erga omnes, outra caracterizada pelo di-reito de excluir apenas aqueles que concorram sobre determinado mer-cado utilizan¬do signos ensejadores do desvio de clientela pela confusão entre produtos8.

Os bens incorpóreos desempe-nham função preponderante no ga-nho da clientela, na medida em que conferem aos seus titulares condi-ções de melhor disputar o mercado, seja com a marcação de seus pro-dutos através de sinais distintivos (marcas) fortes, seja com o emprego de tecnologias (patenteáveis ou não) mais avançadas, proporcionando, assim, melhor qualidade de seus produtos em face da concorrência.

Ressalva deve ser feita, quanto a contribuição da marca no valor to-

tal da empresa ou na arrecadação de ativos para os credores nos casos de falência ou ainda na valorização de ativos em um processo de recupe-ração judicial, pois o que interessa nesses processos é o que faz o con-sumidor escolher determinada mar-ca, ou seja, o acesso, a qualidade, o design, entre outros atrativos. Com isso, chega-se a um índice do papel da marca na escolha. Para perfumes, por exemplo, pode-se superar 90% do valor total da empresa.

Proteção dos bens e o papel do administrador judicial na falên-cia.

Dispõe o art. 75 da Lei nº.

11.101/20059 que o devedor será afastado de suas atividades, o que promoverá a dissociação do empre-sário da empresa, tendo em vista a sua preservação e a otimização dos ativos. O legislador procurou man-ter a função social da propriedade e o respeito ao preceito constitucional.

Ao afastar o devedor de suas ati-vidades com a decretação da falên-cia, necessário será a nomeação de um administrador judicial, cujo car-go é de confiança do juízo, pessoa responsável pela preservação dos bens da falência entre outras atri-buições, em beneficio dos credores da massa falida, nos termos dos arts 10810 e 11311, ambos do diploma fa-limentar. Assim o Administrador Judicial deverá providenciar a ven-

Doutrina

6 Newton Silveira. Propriedade Intelectual. São Pau-lo. 3ªEd. São Paulo.2005. p.227 Newton Silveira. Op.cit. p.248 Op, cit.p.239 Art. 75. A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a preservar e otimi-zar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos

produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa.10 Art. 108. Ato contínuo à assinatura do termo de compromisso, o administrador judicial efetuará a arrecadação dos bens e documentos e a avaliação dos bens, separadamente ou em bloco, no local em que se encontrem, requerendo ao juiz, para esses fins, as medidas necessárias.

* 11 Art. 113. Os bens perecíveis, deterioráveis, sujeitos à considerável desvalorização ou que sejam de con-servação arriscada ou dispendiosa, poderão ser vendidos antecipadamente, após a arrecadação e a avaliação, mediante autorização judicial, ouvidos o Comitê e o falido no prazo de 48 (quarenta e oito) horas

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24 Comercialista * www.ocomercialista.com.br

da extraordinária dos bens conside-rados perecíveis, deterioráveis, de considerável desvalorização ou que sejam de conservação arriscada ou dispendiosa.

“O Administrador Judicial promoverá a arrecadação de bens e documentos do devedor, segundo o artigo 22 inciso III, ‘f’ da lei falimentar e será um dos momentos mais importantes de todo o processo falimentar haja vista que da boa arrecadação dos bens decorrerá a maior possibi-lidade de satisfação dos créditos ou, até de reorganização da uni-dade produtiva”.12

Ao promover a arrecadação de todos os bens na falência, deverá o Administrador Judicial estar aten-to para os registros e os prazos de vigências dos bens incorpóreos de titularidade da falida, em especial àqueles que estejam depositados no Instituto Nacional de Propriedade Industrial.para que sejam devida-mente arrecadados.

A I. Ministra Nancy Andrighi13 ressalta os bens incorpóreos e pre-leciona que sob ótica econômica, a continuação do negócio revela-se como medida de prevenção a dano grave ou de difícil reparação, consi-

derando que, em algumas situações, a súbita cessão das atividades em-presariais poderá motivar a “perda do aviamento ou o dever de indeni-zar, resultante do não cumprimen-to de certos contratos, como os de produção e entrega de bens ou pro-dutos, ou, até mesmo, prestação de determinados serviços”.

Com efeito, caberá ao adminis-trador judicial, como representante da massa falida, providenciar a ma-nutenção do registro do bem imate-rial, junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial, não bastan-do a simples arrecadação para tan-to, deverá a massa falida arcar com as despesas para manutenção desses bens. Caso não haja recursos, o men-cionado registro restará perdido por caducidade, conforme entendimento do Instituto Nacional de Propriedade Industrial corroborado pela jurispru-dência do Egrégio Tribunal de Justi-ça do Estado de São Paulo14.

Posicionamento do Instituto Nacional da Propriedade Indus-trial na falência.

A propriedade industrial é o con-junto dos institutos jurídicos que visam garantir os direitos de autor sobre as produções intelectuais do domínio das indústrias e manter a

lealdade da concorrência comercial e industrial15.

Os bens imateriais devem ser registrados nos respectivos órgãos competentes, sendo a marca, a pa-tente, o desenho industrial e os modelos de utilidades registrados junto ao Instituto Nacional de Pro-priedade Industrial. Esse instituto que cujos bens intangíveis são depo-sitados, examina as considerações e argumentos e define pela aceitação que por vezes envolvem logotipos, cores e outros que não podem con-flitar com os já existentes da mesma natureza.

Na realidade, o registro efeti-vo faz-se após aproximadamente 5 (cinco) anos de uso não contestado. Em outros países com Alemanha, França, Estados Unidos, México e Argentina o registro definitivo ocor-re em período menor.

O prazo de validade do registro da marca é de dez anos, contados a partir da data de concessão. Esse prazo é prorrogável, a pedido do ti-tular por períodos iguais e sucessi-vos. Em caso contrário, será extinto o registro e a marca estará, em prin-cípio, disponível. Deve ainda o titu-lar da marca, quando questionado, demonstrar o seu uso efetivo.

Para o Instituto Nacional da Pro-priedade Industrial – INPI, a con-

Doutrina

12 Adalberto Simão Filho - Comentários À Nova Lei de Recuperação de Empresas e de Falências – Newton de Lucca e Adalberto Simão Filho São Paulo: Quartier Latin, 2005 – Pg. 47413 Ministra Nancy Andrighi - Comentários à Nova Lei de Falência e Recuperação de empresas, Co-ordenadores: Osmar Brina Corrêa-Lima e Sérgio Mourão Corrêa Lima, editora Forense Rio de ja-neiro, Pág. 494.14 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Seção de Direito Privado Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais - A I n° 575.516.4/9-00,Co-marca : São Paulo – 2ª Vara de Falências e Re-

cuperações Judiciais - Agte : Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI; Agda : Tintas Viwalux indústria e Comércio Limitada (massa falida) - Voto N° 16.173 “Agravo de Instrumento. Falência. Arrecadação de marcas comerciais. De-cisão do Juízo da falência determinando ao INPI a suspensão da cobrança das taxas de retribuição das marcas registradas em nome da falida e do curso do prazo decadencial de caducidade do reg-istro pela interrupção do uso da marca previsto no art. 143, II, da Lei n° 9.279/96. A arrecadação dos direitos sobre marcas registradas em processo de falência não autoriza seja a massa falida exonerada

*de cumprir as obrigações e os prazos previstos na Lei n° 9.279/96 - LPI. Compete ao Administrador Judicial, a teor do art. 22, III, alíneas “I” e “o”, da Lei n° 11.101/2005, praticar todos os atos conser-vatórios de direitos e ações necessários à preser-vação dos direitos da propriedade intelectual ar-recadado pela massa falida. Agravo provido.15 CERQUEIRA, João da Gama – Tratado da Pro-priedade Industrial, atualizado por Newton Silvei-ra e Denis Borges Barbosa- Rio de Janeiro:Editora Lumen Juris – 2010.p. 40

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25www.ocomercialista.com.br * Comercialista

servação do bem intangível inclui o pedido de registro administrativo e sua prorrogação, que deverá ser devidamente instruído com o devi-do recolhimento da retribuição de proteção decenal, não sendo previs-ta prorrogação de oficio no sistema de direito industrial vigente. Sobre a questão, assim dispõem os artigos 133 e 142 da Lei 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial – LPI)16.

A autarquia federal entende que a norma supra citada é de direito cogente e não pode ser afastada por disposição em contrário. O coman-do “deverá” indica que o pedido de prorrogação formulado pelos inte-ressados (titulares dos registros), nos termos e prazos da lei, é obriga-tório, consistindo em condição in-dispensável para que haja a prorro-gação do registro.

Por outro lado, segundo a Autar-quia, se a massa falida, por seu re-presentante, não proceder na forma acima indicada, o protocolo tempes-tivo, junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial, perder-se-á o registro mesmo que haja deter-minação judicial do juízo da falên-cia, para arrecadação dos referidos bens, tendo em vista a caducidade do registro por falta do pagamento da retribuição devida17.

Ademais, a propriedade da mar-

ca é um direito real, cuja manuten-ção é um ônus a que se sujeita seu titular, de modo que o não exercício do pedido de prorrogação, no tempo e forma estabelecidos, enseja a per-da do direito. A lei de propriedade industrial, não prevê causas suspen-sivas ou interruptivas para os prazos nela estabelecidos.

Procedimentos adotados para avaliação dos bens intangíveis na falência e na recuperação ju-dicial.

O administrador judicial deverá avaliar os bens arrecadados e, se não estiver habilitado para o desenvolvi-mento dessa função, deverá contra-tar avaliadores, de preferência ofi-ciais, mediante autorização judicial, conforme art. 22, inciso III , letra “h” da Lei de Falência e Recupera-ção Judicial.

Como é feito o cálculo do va-lor de um bem imaterial, como, por exemplo, uma marca? Existe uma lista de premissas e parâmetros, com variantes para cada tipo espe-cífico de marca. Os pontos gerais na avaliação levam em conta o tempo em que a marca está no mercado, a fim de determinar a tradição do pro-duto e o percentual que ela apresen-ta em seu segmento, além do estado

falimentar da titular.Oportuno frisar que, quanto

maior o número de fatores compa-ráveis, maior a confiabilidade des-tinada à avaliação da marca, o que gera, em conseqüência, um aspecto mais consistente no seu valor, sem-pre interligado a uma “patente” ou a um processo típico de fabricação, à originalidade, etc.

É feito um estudo sobre a aná-lise histórica18, ou seja, as vendas apresentadas nos últimos 5 (cinco) anos (tempo considerado repre-sentativo e de manutenção do ne-gócio) de um determinado produto em comparação ao seu equivalen-te competitivo, trazem a primeira parte da contribuição da marca em análise19. Por outro lado, es-tas vendas são correlacionadas à quantificação do mercado durante o mesmo período e o crescimento no período.

Por outro lado estuda-se tam-bém a análise projetada e este con-ceito possui o mesmo teor da aná-lise histórica, visto que as marcas continuariam existindo dentro dos seus respectivos mercados, oportu-nidade em que serão estimadas as projeções futuras para os próximos anos.

O processo de seleção da marca começa pela idéia de um indivíduo

Doutrina

16 Art. 133 – O registro de marca vigorará pelo pra-zo de 10 (dez) nos, contados da data da concessão do registro, prorrogável por períodos iguais e su-cessivos. § 1º O pedido de prorrogação deverá ser formulado durante o último ano de vigência do registro, instruído com o comprovante do paga-mento da respectiva retribuição.§ 2º Se o pedido de prorrogação não tiver sido efetuado até o ter-mo final da vigência do registro, o titular poderá fazê-lo nos 6 (seis) meses subseqüentes, mediante o pagamento de retribuição adicional.Parágrafo 1 – o pedido de prorrogação deverá ser formula-do durante o último ano de vigência do registro,

instruído com o comprovante do pagamento da respectiva retribuição. Art. 142 – O registro da marca extingue-se:I – pela expiração do prazo de vigência; 17 Art. 143 - Caducará o registro, a requerimento de qualquer pessoa com legítimo interesse se, decor-ridos 5 (cinco) anos da sua concessão, na data do requerimento: II - o uso da marca tiver sido inter-rompido por mais de 5 (cinco) anos consecutivos, ou se, no mesmo prazo, a marca tiver sido usada com modificação que implique alteração de seu caráter distintivo original, tal como constante do certificado de registro.

*18 1ª Vara de Falências e Recuperações do Foro Cen-tral de São Paulo – Prox. nº 583.00.2005.070715-0MASSA FALIDA da Viação Aérea São Paulo S/A – VASP - Avaliação: R$ 335.273.990,00 - Aguar-dando leilão.19 31ª Vara Cível do Foro Central de São Pau-lo- Processo nº 583.00.1997.801470-8 - Massa Falida de Giovanna Fabrica Ltda. - Avaliação: R$ 4.486.520,67 - Venda: R$ 5.531.000,00

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ou de um grupo de uma empresa de criação. A pesquisa é conduzida no sentido de determinar um nome, o símbolo, o logotipo, a imagem e as cores que tenham sido previamente escolhidos.

Considera-se também o goo-dwill da empresa, cuja avaliação pode ser obtida através da men-suração do comportamento in-tangível da empresa, ou seja, está relacionado com a boa adminis-tração, o bom relacionamento com os clientes, os fornecedores, os funcionários e a comunidade, bem como a vantagens negociais e, localização favorável ao negó-cio, sendo considerada a empresa como um todo.

Outro ponto importante, é o valor presente da diferença positiva entre o lucro futuro esperado e o retorno considerado normal sobre o inves-timento total, não incluindo o goo-dwill, sendo que para esse enfoque o que será considerado é o valor pre-sente dos superlucros. O goodwill neste caso é mensurado pelo valor presente das expectativas de lucros futuros em excesso.

E por fim, a mensuração do que seria o goodwill da empresa con-sidera-se a diferença entre o valor total da empresa e as avaliações de seus ativos líquidos tangíveis e in-tangíveis individuais.

Analisa-se ainda, a média de

despesas administrativas, através do histórico extraído do banco de dados do Instituto Nacional de Pro-priedade Industrial – INPI, para a manutenção da marca como exemplo, desde o seu pedido de registro.

Ressalta-se que o valor dos ativos intangíveis representa na maioria das vezes 56% do valor da empresa, e essa proporção varia de empresa para empresa. Na categoria de cos-méticos, por exemplo, os intangí-veis representam aproximadamente 96% do negócio e em empresas de serviços 88%20.

Assim, do valor dos ativos intan-gíveis é separada a importância da marca na geração de valor ao acio-nista e para chegar a esse número são feitas pesquisas de mercado com consumidores finais, clientes e investidores com o objetivo de compreender qual a contribuição da marca em relação a outros intangí-veis da empresa.

Por isso, a contribuição da marca é baseada nos seus diferenciais ver-sus seus principais concorrentes na categoria, por outro lado, também é feito um estudo múltiplo de mer-cado que considera o risco da marca em função da sua força, levando-se em conta parâmetros como conheci-mento, lealdade, condições de mer-cado e proteção legal.

Neste cenário é que emerge a

importância estratégica dos bens imateriais aqui mencionados, tu-telados pelo direito de propriedade intelectual, como elementos que agregam valor à atividade empre-sarial21.

Quanto à alienação dos bens in-tangíveis, tanto na falência como na recuperação judicial, frise-se que o procedimento será o mesmo ado-tado para alienação dos bens cor-póreos com percentuais de desva-lorização de acordo com cada caso concreto, extraídos de instruções normativas expedidas pela Receita Federal do Brasil.

Sendo assim, deve a alienação de bens incorpóreos constar no plano de recuperação da empre-sa devedora, tal como foi feito na recuperação judicial da empresa titular da marca Daslu22, cujo ar-rematante visava não somente a marca, mas tudo que com ela seria adquirido, ou seja, a sua clientela, os contratos etc.

Em contrapartida, a lei falimen-tar privilegia a venda dos bens em bloco, pois seria acrescido maior valor para a venda da unidade pro-dutiva isolada, mas nada impede que todos os bens ora arrematados em leilão, por propostas fechadas ou pregões sejam devidamente identi-ficados em respeito ao principio da transparência.

Em acréscimo, para a alienação

Doutrina

20 Ressaltam-se os dados extraídos do ranking elaborado pela empresa BrandAnalytics/Mill-wardBrown, em 18 de maio de 2011, como meio de demonstrar a importância e o valor de merca-do que uma marca é capaz de gerar e representar em termos de ativos, cujos dados são elucidativos para o presente trabalho: 1. A marca Petrobras, ramo de exploração de petróleo, encontra-se em 1ª lugar no ranking das marcas mais importantes do Brasil, cujo valo corresponde a US$ 13.421

(treze bilhões, quatrocentos e vinte e um milhões de dólares), os valores das demais marcas avalia-das também encontram-se em moeda estrangeira (dólar), cuja 2 colocada é a marca: 2 - Itaú repre-senta que US$ 9.600 (bilhões) – instituição finan-ceira; 3 - Bradesco - US$ 8.600 (bilhões) - insti-tuição financeira; 4 - Banco do Brasil – US$ 8.259 (bilhões) instituição financeira.; 5 - Natura – US$ 4.612 (bilhões) setor Cosméticos (Revista: Isto é Dinheiro, edição 710 – 18.05.2011 – ano 14, n.710

*e site: www.istoedinheiro.com.br)21 23ª Vara Cível do Foro Central de São Pau-lo - Processo nº 583.00.1998.607692-9 - Massa Falida de Giovanna Fabrica Ltda. Avaliação: R$ 279.060,00 - Venda: R$ 351.875,00.22 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central de São Paulo, processo nº 0024498-11.2010.8.26.0100 – Recuperanda: Lommel Em-preendimentos Comerciais S/A.

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27www.ocomercialista.com.br * Comercialista

dos bens incorpóreos poderiam ser aplicados os mesmos parâmetros destinados para a alienação judicial dos bens corpóreos, ou seja, livre de todo e quaisquer ônus nos termos do parágrafo único do art. 6023, mantidas as formalidades previstas no art. 142 do diploma falimentar, uma vez que tais bens integram o fundo de comercio e devem ser va-lorizados, em contrapartida a ava-liação dos bens intangíveis deverá ser feita por profissional capacita-do. Ou ainda, em caso de venda da unidade produtiva isolada, os bens intangíveis deverão avaliados e dis-criminados.

O procedimento de alienação dos bens da massa falida deverá ser assim respeitado, conforme acima, mas caberá ao administrador ju-dicial, devido ao afastamento dos sócios, promover sua arrecada-ção, avaliação e alienação, respei-tando os preceitos legais previs-tos nos arts. 14024 a 142 da Lei nº 11.101/2005.

Nota-se que mesmo em procedi-mentos falimentares ou de recupe-ração de empresas, os produtos ou serviços continuam na mente e no desejo do consumidor, possibilitan-do a retomada do produto ao mer-cado. Cite-se como exemplo: leite: Parmalat; perfume: Giovanna Baby; esponja de aço: Bombril; marca de luxo: Daslu; confeitaria: Brunella entre outros

Doutrina

Conclusão

Conclui-se que muito embora, os bens intangíveis sejam de enor-me importância para as empresas, tal preceito não tem sido utilizado nos processos de falência e recupe-ração judicial, conquanto, que tais bens intangíveis não perderam por completo seu poder atrativo face aos consumidores.

Existem determinadas marcas que são o principal ativo da empre-sa falida ou que esteja em recupera-ção judicial, cujo procedimento de avaliação e venda de tais bens ain-da é pouco utilizado, no entanto, as pechas decorrentes do Decreto Lei 7661/45 deveriam ser superadas e aplicadas uma nova sistemática para realização de ativos, em respei-to aos novos conceitos trazidos pela Lei 11.101/2005, como por exemplo, a venda extraordinária de bens sus-cetíveis a maior depreciação, o que sem dúvida privilegiaria não somen-te os credores, mas também os con-sumidores, a economia e a função social da empresa.

Através desse estudo, tentou-se demonstrar a importância dos bens intangíveis mesmo nos casos de fa-lência. Deveríamos olhar tais bens sob outro prisma, aplicando-se a distinção entre empresa e empre-sário de acordo com o artigo 1.142 do Código Civil, porque se os bens

tangíveis têm o seu valor nos pro-cessos falimentares como também nos processos de recuperação de empresas, os intangíveis podem ser decisivos para o sucesso da lei fali-mentar.

Ademais, é possível firmar con-tratos com representante da massa falida ou com o recuperando para a licença do uso do bem intangível e adquirir o fundo de comercio, a car-teira de clientes, os contratos já exis-tentes, o aviamento, entre outros itens. Uma empresa que esteja em recuperação judicial ou falida ainda pode ter um grande valor no merca-do, e isso foi visualizado pelo legisla-dor através da possibilidade da ven-da da unidade produtiva isolada sem sucessão fiscal ou trabalhista, do rol exemplificativo que elenca os meios de recuperação judicial nos termos de cada plano de reestruturação e nas atribuições do administrador ju-dicial na falência, como também na continuidade dos contratos firmados com terceiros ou na continuidade de negócios, por exemplo .

Por outro lado, ressalta-se a questão do pagamento das retribui-ções do Instituto Nacional da Pro-priedade Industrial – INPI, para prorrogação dos registros dos bens intangíveis, mesmo nos casos de fa-lências, atribuindo ser de responsa-bilidade do administrador judicial tal providência.

Ocorre que existem muitas falên-23Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei. Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, ob-servado o disposto no § 1o do art. 141 desta Lei (

n.11/101/2005).24 Art. 140. A alienação dos bens será realizada de uma das seguintes formas, observada a seguinte ordem de preferência: I – alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos em bloco; II – alienação da empresa, com a venda de suas filiais ou unidades produtivas isoladamente; III – alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos do devedor; IV – alienação

*dos bens individualmente considerados. Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, in-clusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo: Art. 142. O juiz, ouvido o administrador ju-dicial e atendendo à orientação do Comitê, se hou-ver, ordenará que se proceda à alienação do ativo em uma das seguintes modalidades:

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28 Comercialista * www.ocomercialista.com.br

cias que não possuem recursos para pagamentos de tais retribuições, devendo o Juiz, a pedido do admi-nistrador judicial, expedir ofício para o INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial determinan-do que tais bens sejam arrecadados. Contudo, segundo entendimento da própria Autarquia Federal, essa ordem judicial não seria suficiente para que determinado bem intangí-vel fosse preservado em beneficio da massa falida, ocorrendo a perda do direito do registro.

No entanto, a Constituição Fede-ral determina em seu art.109, que será competência da Justiça Fede-ral, as causas em que a União, a en-tidade autárquica ou a empresa pú-blica federal sejam interessadas na condição de autoras, rés, assistentes

ANDRIGHI Nancy. Comentários à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas, Coordenadores: Osmar Brina Corrêa-Lima e Sérgio Mourão Corrêa Lima, editora Forense Rio de janeiro.2009BARRETO FILHO Oscar. Teoria do Estabelecimento Comercial. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1988.CERQUEIRA João da Gama – Tratado da Propriedade Industrial, atualizado por Newton Silveira e Denis Borges Barbosa- Editora Lumen Juris – 2010, Rio de JaneiroLISBOA Roberto Senise - Comentários À Nova Lei de Recuperação de Empre-sas e de Falências – Coords. Newton de Lucca e Adalberto Simão Filho São Paulo: Quartier Latin, 2005.Revista: Isto é Dinheiro, ano 14, n.710 e site: www.istoedinheiro.com.brSILVEIRA Newton. Propriedade In-telectual. São Paulo. 3ªEd. São Pau-lo.2005

Referências

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem inter-essadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; Art. 5º Todos são iguais perante a lei,

sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos ter-mos seguintes: XXIII - a propriedade atenderá a sua função social.

*

Doutrinaou oponentes, com a exceção daque-las que envolvam falência.

A vista do acima exposto, obser-va-se que nos casos de falência de-veria o INPI acatar a ordem judicial prolatada pelo juízo universal, pro-movendo a arrecadação dos bens intangíveis de titularidade da massa falida, independentemente do reco-lhimento das contribuições, em res-peito ao preceito da Carta Magna, bem como, do interesse dos credo-res e da função social da empresa.

Em contrapartida, o INPI teria o direito de habilitar seu crédito no processo falimentar, obtendo o privilégio de ser considerado como crédito extraconcursal, conforme dispõe o art. 84, inciso III da Lei nº 11.101/2005.

Advogada especializada em direito falimentar e recuperacional pela Es-cola Paulista da Magistratura e INSPER - Instituto de Ensino e Pesquisa de São Paulo. Professora assistente do Prof. Newton De Lucca na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Administradora Judicial pela Nova Lei de Falências e Recuperações Judiciais de n. 11.101/2005, atuante nas Varas Especializadas do Fórum Central nesta Capital e interior de São Paulo. Perita Judicial em Propriedade Intelectual. Membro da Associação dos Peritos Judiciais do Estado de São Paulo. Membro efetivo da Comissão de Estudos de Recuperação Judicial e Falência da Ordem dos Advogados - Secção São Paulo. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Membro do Instituto Brasileiro de Estudos de Recuperação de Empresas.Professora da FADISP – Faculdade Especializada em Direito. Palestrante.

Adriana Lucena

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