o comercialista - vol. iv - abril 2012

38
omercialista Revista de Direito Comercial e Econômico dos Estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco Ano 1 Volume 4 Abril 2012 Cinco meses após a Presidente Dilma Rousseff sancionar a Lei 12.539/2011, que altera de maneira significativa o Sis- tema Brasileiro de Defesa da Concorrên- cia, Olavo Zago Chinaglia, Presidente Interino do CADE, aborda em entrevista exclusiva a O Comercialista as principais mudanças promovidas pela Lei, a impor- tância do órgão máximo da defesa da con- corrência brasileiro e comenta ainda um pouco sobre sua trajetória profissional. Entrevista com o conselheiro e presidente interino do CADE Olavo Zago Chinaglia Cotas para a Partcipação de Mulheres nos Conselhos Admi- nistrativos El derecho de la Unión Europea y la política industrial de las pequeñas y medias empresas Lex Mercatoria: uma nova ordem jurídica? Seguro, Contrato e Ordem Econômica por Pedro A. Lavacchini Ramunno por Ana Flora Pontes e Desire de Oliveira por João Pedro de Oliveira de Biazi por Ernesto Tzirulnik por Fábio Murta Rocha Cavalcante Foto: http://veja.abril.com.br/noticia/economia/decisao-do-caso-brf-mostra-avanco-do-cade

Upload: o-comercial

Post on 31-Mar-2016

224 views

Category:

Documents


3 download

DESCRIPTION

O Comercialista - Revista de Direito Comercial e Econômico dos Estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco

TRANSCRIPT

Page 1: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

omercialistaRevista de Direito Comercial e Econômico dos Estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco

Ano 1 Volume 4 Abril 2012

Cinco meses após a Presidente Dilma Rousseff sancionar a Lei 12.539/2011, que altera de maneira significativa o Sis-tema Brasileiro de Defesa da Concorrên-cia, Olavo Zago Chinaglia, Presidente Interino do CADE, aborda em entrevista exclusiva a O Comercialista as principais mudanças promovidas pela Lei, a impor-tância do órgão máximo da defesa da con-corrência brasileiro e comenta ainda um pouco sobre sua trajetória profissional.

Entrevista com o conselheiro e presidente interino do CADE Olavo Zago Chinaglia

Cotas para a Partcipação de Mulheres nos Conselhos Admi-nistrativos

El derecho de la Unión Europea y la política industrial de laspequeñas y medias empresas

Lex Mercatoria: uma nova ordem jurídica?

Seguro, Contrato e Ordem Econômica

por Pedro A. Lavacchini Ramunno

por Ana Flora Pontes e Desire de Oliveira

por João Pedro de Oliveira de Biazi

por Ernesto Tzirulnik

por Fábio Murta Rocha Cavalcante

Foto: http://veja.abril.com.br/noticia/econom

ia/decisao-do-caso-brf-mostra-avanco-do-cade

Page 2: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O C

omer

cial

ista

Abril

201

2

2

Editorial

“O governo tem três funções primárias: prover defesa militar, exigir cumprimento de contratos en-tre indivíduos e proteger os cidadãos contra crimes praticados em relação a si próprios e as suas propriedades. Quando o governo – bem-intencionado – tenta rearranjar a economia, legislar a mo-ralidade ou atender a interesses especiais, o custo vem na forma de ineficiência, falta de inovação e perda de liberdade. O governo deve ser um juiz, e não um jogador ativo”.

Embora as palavras de Milton Friedman, membro da Escola de Chicago e um dos mais influentes teóricos do liberalismo econômico do século XX, ainda sejam constantemente acolhidas por inúme-ros pensadores da atualidade, os mais importantes fatos políticos e econômicos de nossos dias, bem como grandes juristas do Direito Comercial contemporâneo, parecem evidenciar a necessidade da ocorrência de fenômeno oposto ao preconizado pelo notável economista.

Em artigo publicado na edição de Março deste O Comercialista, Paula Forgioni defendeu, ao dis-correr sobre o atual papel do Direito Comercial no Brasil de hoje, que “a função do Direito Comer-cial ata-se à implementação de políticas públicas; (...) desdobrando-se também na determinação do papel que o mercado desempenhará na alocação dos recursos em sociedade”. Destacou, ainda, a eminente professora do Departamento de Direito Comercial do Largo de São Francisco, que se deve superar a visão tradicional propugnadora da não intervenção sobre o mercado, pois entregar “a dis-ciplina das empresas a elas próprias” não seria o melhor caminho.

Por um lado, é o que parecem demonstrar os últimos desdobramentos da crise europeia, pois a inter-venção dos Estados na economia, por meio da União Europeia, é talvez a única maneira de se evitar o colapso econômico do Velho Mundo. Diante desse cenário, vem em boa hora o artigo do graduando João Pedro de Biazi, que analisa o impacto do direito e da política de integração da UE sobre o papel das Micro, Pequenas e Médias empresas.

A intervenção do Estado também se faz presente no Brasil por meio do Projeto de Lei Nº 112/2010, que tornará obrigatória a participação das mulheres nos conselhos de administração das empresas públicas e sociedades de economia mista. A fim de ressaltar que a iniciativa está longe de ser ponto pacífico, mesmo entre as “beneficiadas” pela lei, convidamos duas graduandas, uma contra e outra a favor, para exporem seus pontos de vista.

Já o artigo do advogado Ernesto Tzirulnik não poderia abordar tema mais propenso às intervenções governamentais do que o mercado de seguros, uma vez que se trata de setor importante para a ma-nutenção da higidez e equilíbrio de todo o Sistema Financeiro Nacional.

Por outro lado, todavia, ao discorrer sobre a natureza jurídica da Lex Mercatoria, o graduando Fá-bio Cavalcante retoma, ainda que indiretamente, as ideias de Friedman, pois a emergência de um “direito global sem Estado”, com destaque para o importante papel da arbitragem nessa nova ordem jurídica, não deixa de ser um mecanismo que dribla os efeitos da intervenção estatal.

De qualquer forma, diante da atual ocorrência simultânea de inúmeros importantes e graves eventos globais de ordem econômico-político-social capazes de afetar diretamente a vida dos mais diferentes povos do planeta, o futuro parece promissor quando lembramos das palavras de Joseph Schumpe-ter: “progresso econômico, na sociedade capitalista, significa tumulto”.

Saudações Comercialistas,

Os editores.

Intervenção Estatal: ruim com ela, pior sem ela?

Page 3: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O Com

ercialistaAbril 2012

3

Corpo Editorial

ÍndiceEditores Executivos

Pedro Alves Lavacchini Ramunno

Thyago Pereira Trairi

Articulistas desta edição

Ana Flora Pontes

Desiree de Oliveira

Ernesto Tzirulnik

Fábio Murta Rocha Cavalcante

João Pedro de Oliveira de Biazi

Repórter desta edição

Pedro Alves Lavacchini Ramunno

Fale Conosco

[email protected]

4 | Evento

7 | Perfil

15 | Doutrina

24 | Debates

28 | Doutrina

32 | Doutrina

37 | Na estante: Lançamentos

A Revista de Direito Comercial e Econômico dos Estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – O Comercialista – é uma publicação mensal da Associação Civil sem fins lucrativos O Comercialista Endereço Rua Tenente Rocha, 134, Santana – São Paulo – SP – CEP 02022110 Contatos (11) 73016756 – (11) 81335813 – [email protected] – www.ocomercialista.com.br Marketing Thyago Pereira Trairi – [email protected] e Pedro Ramunno – [email protected] - Nota aos leitores As opiniões expressas nos artigos são as de seus autores e não necessariamente as de O Comercialista nem das instituições em que atuam Repro-dução É proibida a reprodução ou transmissão de textos desta publicação sem autorização prévia.

Entrevista com o conse-lheiro e presidente interi-no do CADE Olavo Zago Chinaglia

Seguro, Contrato e Ordem Econômica

Cotas para a Partcipação de Mulheres nos Conse-lhos Administrativos

El derecho de la Unión Europea y la política in-dustrial de las pequeñas y medias empresas

Lex Mercatoria: uma nova ordem jurídica?

O Contexto Brasileiro e o Projeto do Comitê de Fu-sões e Aquisições

Page 4: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O C

omer

cial

ista

Abril

201

2

4

O Contexto Brasileiro e o Projeto do Comitê de Fusões e Aquisições

O presente artigo pretende apresen-tar brevemente o tema do próximo even-to a ser realizado por O Comercialista na Faculdade de Direito do Largo São Fran-cisco. No dia 24.5.2012, a faculdade rece-berá os especialistas Nelson Eizirik, Paulo César Aragão, Érica Cristina Gorga, Mar-celo Barbosa e José Alexandre Tavares Guerreiro para debater a respeito do pro-jeto de criação do Comitê de Aquisições e Fusões, órgão autorregulatório que deve-rá regular e fiscalizar as ofertas públicas de aquisição de ações e as reorganizações societárias envolvendo companhias aber-tas. Dessa forma, nas linhas abaixo serão feitas apenas algumas observações gerais para despertar o interesse daqueles que porventura ainda não tenham entrado em contato com o tema.

Nos últimos dez anos, a conjugação de uma série de fatores permitiu um no-tável crescimento do mercado de capitais brasileiro. A estabilização da economia brasileira e os volumosos investimentos motivados pela liquidez internacional, ao lado da evolução do ambiente institu-cional e regulatório brasileiro, foram os principais desses fatores.

Nesse contexto, uma iniciativa au-torregulatória merece destaque. Trata-se da criação, pela BOVESPA, de segmentos especiais de negociação nos quais as com-panhias são listadas mediante a adoção de regras mais rígidas de governança cor-porativa. O objetivo desta iniciativa era conferir aos investidores ambientes de negociação atrativos e, consequentemen-te, aumentar o valor destas companhias.

O Novo Mercado é o segmento mais popular, com 125 companhias listadas

atualmente. É também o sistema mais rígido e apresenta uma característica im-portante, que procura garantir a intensi-ficação da dispersão acionária : a vedação à emissão de ações preferenciais. Essa re-gra obriga o controlador a empregar um grande volume de recursos para se man-ter no poder.

Até então, as companhias brasilei-ras eram normalmente controladas por acionistas detentores de mais de metade do capital com direito a voto. A regra do Novo Mercado incentivou os controlado-res a modificar essa estrutura de capital e atualmente há uma quantidade conside-rável de companhias apresentando estru-turas de controle minoritário ou pulveri-zado.

Esse novo cenário permitiu a iden-tificação de problemas na atual regulação de operações de transferência de controle de sociedades anônimas. Eles decorrem, por um lado, da constatação de que a Lei das Sociedades Anônimas, pensada para reger companhias de controle concentra-do, disciplina o mercado de controle acio-nário exclusivamente a partir da figura da alienação de controle. Essa definição é insatisfatória para os casos de aquisição originária de controle e dificulta a aplica-ção às alienações de controle minoritário do artigo 254-A, que disciplina a oferta pública de aquisição que o adquirente do controle deve dirigir aos minoritá-rios detentores de ações ordinárias. Há, também, muita insegurança a respeito da obrigatoriedade de oferta pública em alienações de participações acionárias in-tegrantes de bloco de controle, como de-monstram os precedentes da CVM e casos

Eventos

Page 5: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O Com

ercialistaAbril 2012

5

Eventosrecentes, que sequer saíram do noticiário econômico.

A identificação desses problemas despertou um intenso debate na doutrina e entre os agentes do mercado acerca das possibilidades de aprimoramento do atu-al regime jurídico, tendo sido aventadas iniciativas legislativas, regulamentares e autorregulatórias. Estas últimas ganha-ram força, provavelmente em virtude dos riscos e limitações associados às demais, e evoluíram à discussão sobre a criação no Brasil de um órgão semelhante ao Takeo-ver Panel inglês.

O Panel on Takeovers and Mergers é uma entidade privada criada em 1968 na Inglaterra. Suas atribuições são editar e administrar um código sobre fusões e aquisições e supervisar e regular opera-ções de aquisição de controle, entre ou-tras operações societárias. É composto de pessoas atuantes ou com experiência profissional em instituições financeiras e companhias abertas, indicadas pelas as-sociações que representam os participan-tes do mercado de capitais. Sua atuação é referendada pelo Companies Act britâni-co desde 2006 e pela Diretiva 2004/25/CE, aplicável a ofertas públicas de aquisi-ção de ações.

Destaco aqui, a título de curiosi-dade, duas características da atuação da entidade. Em primeiro lugar, a aplicação das regras do código admite ponderações e exceções se adequadas ao atendimento dos princípios gerais que norteiam a atu-ação do Panel. A segunda característica diz respeito ao cumprimento das deci-sões, tema bastante sensível à autorregu-lação. Normalmente, as decisões do Panel on Takeovers and Mergers são cumpridas voluntariamente. Se isso não ocorre, as sanções vão desde uma declaração públi-ca ou privada de censura à comunicação à autoridade reguladora competente para

que inicie um procedimento sancionador. Além disso, o Panel pode determinar a imposição de compensações financeiras caso o descumprimento do Código acar-rete prejuízos. Por fim, a English Court of Appeal entende cabível a revisão das de-cisões do Panel, mas as decisões judiciais somente produzem efeitos no futuro, em razão da especialidade da entidade e da autoridade de seus pronunciamentos. Isso quer dizer que, se eventualmente o Judiciário analisa uma decisão do Panel e a modifica, o entendimento do Judiciá-rio não se aplicará àquela decisão, mas às próximas.

Vale lembrar que os ingleses não es-tão sozinhos. O mercado de capitais aus-traliano, assim como o neozelandês e o irlandês, também tem o seu Takeover Pa-nel, isto é, uma entidade que se ocupa de regular e fiscalizar as operações de reor-ganização societária e as ofertas públicas de aquisição de ações. A principal dife-rença do Takeover Panel australiano com relação ao britânico é o fato de aquele ser um órgão governamental.

Com inspiração nessas experiên-cias e considerando as particularidades e a problemática do cenário brasileiro, a BM&FBOVESPA está patrocinando a criação de uma entidade de autorregu-lação, a ser formada por representantes dos principais participantes do mercado de capitais nacional, com o escopo de re-gular e fiscalizar todas as modalidades de oferta pública de ações atualmente pre-vistas na legislação e as operações de re-organização societária que envolvam as companhias voluntariamente vinculadas à entidade.

Percebe-se, aqui, uma clara amplia-ção daquela preocupação original com a nova realidade da estrutura de proprieda-de do capital das companhias abertas. O problema das operações de reorganização

Page 6: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O C

omer

cial

ista

Abril

201

2

6

societária envolvendo sociedade controla-dora e suas controladas ou sociedades sob controle comum, por exemplo, está muito mais relacionado a dúvidas interpretati-vas e à natureza dos interesses contrapos-tos que a qualquer lacuna na lei acionária. O mesmo vale para outras modalidades de OPAs, como a OPA para cancelamento de registro de companhia aberta.

O Comitê de Fusões e Aquisições pretende regular e fiscalizar todas as ope-rações mencionadas acima que envolvam as companhias vinculadas à entidade por meio de Termo de Anuência. Ao assinar esse termo, a companhia se tornará con-tratualmente vinculada às decisões que o CAF vier a proferir. As companhias terão, ainda, de promover alteração no estatuto de modo a incluir a remissão ao Código de Autorregulação do Comitê de Fusões e Aquisições. Assim, os preceitos do Código vincularão todos os acionistas da compa-

Eventosnhia e poderão ser exigidos judicialmente ou perante um tribunal arbitral.

Espera-se que o Código consa-gre princípios que garantam tratamento equitativo aos acionistas envolvidos nas OPAs e reorganizações societárias, de forma a solucionar as principais contro-vérsias decorrentes dessas operações na atualidade. São estes mesmos princípios, vale apontar, que deverão permitir o afas-tamento pontual de uma regra quando esta se mostrar, à luz do caso concreto, desproporcional ou contrária aos valores que norteiam o Código.

O Comercialista convida a todos a comparecer à Faculdade de Direito do Largo de São Francisco no dia 24.5.2012 para discutir, na presença de alguns dos maiores especialistas na matéria, estas e muitas outras inovações propostas pelo Código de Autorregulação do Comitê de Fusões e Aquisições.

O Contexto Brasileiro e

o Projeto do Comitê de Aquisições e Fusões

Data: 24 de maio, 19:30hLocal: Largo São Francisco, 95 - Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, no auditório do 1° andar (Prédio Histórico)

Debatedores: Dr. Paulo Cezar Aragão - Sócio do escritório Barbosa, Mussnich & Aragão AdvogadosDr. Nelson Eizirik - Sócio do escritório Carvalhosa e Eizirik Ad-vogados;Professor José Alexandre Tavares Guerreiro - Professor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco;Dr. Marcelo S. Barbosa - Sócio do escritório Vieira, Rezende, Barbosa e Guerreiro Advogados; eProfessora Érica Cristina Gorga - Professora da Fundação Ge-túlio Vargas

Page 7: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O Com

ercialistaAbril 2012

7

Perfil

Formação acadêmica: Doutor em Di-reito Comercial pela Universidade de São Paulo (2008). Especialista em Direito Em-presarial pela Escola Paulista de Magistra-tura (2003). Bacharel em Direito pela Uni-versidade de São Paulo (1997)

Profissão: advogado (licenciado). Atu-almente, exerço meu segundo mandato como conselheiro e a Presidência Interina do Cade – Conselho Administrativo de De-fesa Econômica

Livro que todo estudante de direito deve ler: Formação Econômica do Brasil, de Celso Furtado.

Frase marcante: “Insanidade é fazer sempre a mesma coisa várias e várias ve-zes esperando obter um resultado diferen-te.” (Albert Einstein)

Olavo Zago Chinaglia

O Comercialista – O que o levou a es-colher a carreira jurídica? Qual a área do Direito que mais lhe despertou o interes-se durante a faculdade?

Olavo Zago Chinaglia - Não posso afirmar que escolhi o Direito com gran-de convicção. À época, eu tinha apenas dezessete anos e muito pouca experiên-

cia de vida para entender as implicações daquela decisão. Fui aprovado nos vestibulares da USP, Unesp e Unicamp, onde prestei a prova para a faculdade de Medicina. Acabei optando pela USP porque, funda-mentalmente, não quis sair de São Paulo na ocasião.

Olavo Zago Chinaglia é advogado, graduado e Doutor em Direito Comercial pela FDUSP e Especialista em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Magistratura. Atualmente, exerce seu segundo mandato como conselheiro do CADE e é o atual Pre-sidente Interino órgão. Em entrevista exclusiva, Chinaglia aborda sua trajetória até a Presidência do órgão máximo da concorrência brasileiro, as principais funções do Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência e as mais relevantes mudanças trazidas pela Lei 12.529/2011 que reformula o Sistema Brasileiro de Defesa da Concor-rência.

por Pedro Alves Lavacchini Ramunno

Foto

: htt

p://

ww

w.v

alor

.com

.br/

arqu

ivo/

8986

35/b

rf-d

eve-

vend

er-e

mpr

esa-

fort

e-di

z-ca

de

Page 8: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O C

omer

cial

ista

Abril

201

2

8

O Comercialista – Existe ou existiu al-guém ligado à profissão que o inspirou?

Olavo Zago Chinaglia - Não. Meu pai, que é médico, apenas procurou mostrar--me que o Direito abre um número gran-de de alternativas profissionais. Mas se dependesse dele eu teria feito Medicina.

O Comercialista – Qual foi o percurso trilhado entre sua conclusão do curso de Direito na Faculdade de Direito da Uni-versidade de São Paulo e o cargo que hoje ocupa no CADE?

Olavo Zago Chinaglia - Trabalhei de outubro de 1996 a maio de 1999 no escri-tório do Prof. Luiz Olavo Baptista, inicial-mente como estagiário e, depois, como advogado. Ali, tive uma rica experiência com Direito Internacional, especialmente nas áreas de Contratos e Defesa Comer-cial (medidas antidumping, subsídios e salvaguardas), e com o Contencioso Cível e Comercial. Transferi-me, então, para o Tozzi-ni Freire, onde, ao longo de treze meses, atuei com Direito Societário, Contratos e tive minhas primeiras incursões no Direi-to Concorrencial. Em julho do ano 2000, montei um escritório na Av. Brig. Faria Lima, onde atuava no Contencioso Cível e Comercial e prestava consultoria, principalmente em Contratos, a um número reduzido de poucos e bons clientes. Foi durante esse período que me especializei em Direito Empresarial pela Escola Paulista da Ma-gistratura. Foi também nessa época que conhe-ci o Dr. José Del Chiaro, advogado espe-cialista em Direito da Concorrência. Após diversas experiências bem-sucedidas de trabalho em parceria, o Dr. Del Chiaro convidou-me para ser seu sócio, em de-

zembro de 2002. Trabalhamos juntos até setembro de 2006. Esse período foi determinante em minha carreira profissional. Além de ter estado diretamente envolvido em casos de grande relevância e repercussão, como o conhecido caso Nestlé x Garoto (o escri-tório representou a Kraft, dona das mar-cas Lacta e impugnante da operação), ini-ciei meu mestrado em Direito Comercial pela USP, posteriormente convertido em doutorado. Meu projeto de pesquisa versou sobre a destinação dos elementos intan-gíveis do estabelecimento empresarial e do aviamento nas hipóteses de extinção parcial do vínculo societário. Minha tese, de forma muitíssimo simplificada, é a de que, em tais hipóteses (por exemplo, na impropriamente chamada “dissolução parcial”), os bens intangíveis da socieda-de não integram a base de cálculo dos ha-veres do sócio, na medida em que o valor econômico daqueles pressupõe a ativida-de em exercício, ao passo que, para o só-cio que se desliga, a atividade (e os corres-pondentes riscos) cessa. A indenização pelos bens intangí-veis, portanto, tem natureza de lucros cessantes, do que resulta a constatação de que o sócio dissidente só terá direito a tal pagamento quando não tiver dado causa ao rompimento do vínculo societário ou quando estiver no exercício regular de seus direitos (por exemplo, nos casos le-galmente previstos de recesso). Voltando ao planeta Terra: dentre os diversos créditos preenchidos durante o doutorado, cursei a disciplina “Organi-zação Industrial”, ministrada pela então Presidente do Cade, Dra. Elizabeth Fari-na, na Faculdade de Economia. Foi justa-mente a Dra. Elizabeth Farina quem, em 2008, sugeriu minha indicação para con-selheiro do Cade.

Perfil

Page 9: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O Com

ercialistaAbril 2012

9

Antes da indicação para integrar o Conselho, como mencionado, eu havia me desligado da Advocacia José Del Chiaro para aderir ao Velloso, Pugliese & Guido-ni Advogados (hoje, Vella, Pugliese, Buosi e Guidoni Advogados), onde assumi toda a área de Direito Econômico. Enfim, tomei posse como conse-lheiro do Cade em agosto de 2008, fui reconduzido em agosto de 2010 e, em ja-neiro deste ano, assumi a presidência in-terina do órgão, para conduzir o proces-so de transição da Lei 8.884/1994 para a Lei 12.529/2011, que reestrutura o Siste-ma Brasileiro de Defesa da Concorrência e institui, no Brasil, o regime de análise prévia dos atos de concentração econômi-ca. Faltou apenas dizer que fui profes-sor da FMU entre 2002 e 2004 e da Faap entre 2005 e 2009, tendo lecionado Di-reito Comercial e Direito Concorrencial na graduação e na pós-graduação.

O Comercialista – Quais são as atri-buições do Presidente do Conselho Ad-ministrativo de Defesa da Concorrência (CADE)? Quais características são con-sideradas fundamentais para o exercício desse cargo?

Olavo Zago Chinaglia – O Presiden-te do Cade é o representante legal e insti-tucional do órgão, incumbindo-lhe tanto tarefas administrativas quanto a partici-pação nas deliberações do Conselho, so-bretudo nos processos administrativos de competência da instituição. O Presidente, porém, não relata casos, salvo na fase de cumprimento de decisões ou quando ocu-pa a posição interinamente, como no meu caso. Dessa forma, além das incumbên-cias administrativas, de representar judi-cial e extrajudicialmente o Conselho, de

participar dos julgamentos e de relatar os incidentes de cumprimento de decisões, mantenho as atribuições normais de Con-selheiro, instruindo complementarmen-te, relatando e julgando os processos ad-ministrativos de apuração de condutas anticompetitivas e atos de concentração econômica. Os requisitos estabelecidos em lei para ocupação do cargo são: idade míni-ma de 30 anos, reputação ilibada e notó-rio saber jurídico ou econômico. A indica-ção é feita pela Presidência da República e o Senado Federal deve aprová-la em duas votações: uma, na Comissão de Assuntos Econômicos, após sabatina do candidato, e outra, secreta, no Plenário da Casa.

O Comercialista – O CADE exerce im-portante papel, atuando de forma “pre-ventiva” por meio da análise de atos de concentração, assim como de forma “re-pressiva” por meio da investigação e con-denação de condutas anticompetitivas. Quais são os papéis dessas duas frentes de atuação no exercício da defesa do Direito Concorrencial e como serão afetados es-ses papéis com a implementação do novo regime? O CADE dará mais importância para uma dessas frentes nessa nova fase?

Olavo Zago Chinaglia – A prevenção e a repressão ao abuso de poder econômi-co são atribuições complementares, mas não indissociáveis. Há países, por exem-plo, que não fazem controle de estruturas, mas possuem um sistema de repressão a condutas anticompetitivas. Outros têm, além do controle re-pressivo, um regime de controle de estru-turas em que a notificação dos casos é fa-cultativa. Nessas hipóteses, os órgãos de defesa da concorrência podem, normal-mente, determinar a prestação de infor-mações sobre transações específicas e im-

Perfil

Page 10: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O C

omer

cial

ista

Abril

201

2

10

por-lhes restrições. Chile e Inglaterra são exemplos de sistemas com essa feição. No Brasil, a notificação de atos de concentração, embora compulsória, po-dia ser feita após a celebração da opera-ção, sendo que a implantação do negócio só poderia ser obstada por força de me-dida cautelar imposta pelo Conselho ou por acordo com as partes (esse acordo é conhecido como APRO – Acordo para Preservação da Reversibilidade de Ope-ração). Tratava-se de um esquizofrênico regime de controle preventivo ex post. Com advento da Lei 12.529/2011, essa anomalia é corrigida, passando a análise a ser feita previamente em relação aos efeitos da transação. Relativamente às condutas, o regi-me brasileiro muda pouco com a nova lei. Foram introduzidas alterações no cálculo das penas, que deverão gerar alguma con-trovérsia, e modificados certos aspectos da persecução criminal das infrações à or-dem econômica, em particular no que diz respeito ao nosso programa de leniência, que tendem a tornar mais efetivo o com-bate ao abuso de poder econômico. Outra vertente importante de atua-ção dos órgãos de defesa da concorrência é o que se conhece por “advocacy”: a cons-cientização dos demais órgãos públicos e da sociedade, acerca dos valores consti-tucionais da liberdade de iniciativa e da liberdade de concorrência, com o que se almeja preservá-los nas políticas públicas e estratégias empresariais. Com a nova legislação, esse papel incumbirá, predominantemente, à Seae – Secretaria de Acompanhamento Econô-mico do Ministério da Fazenda, que hoje faz a instrução de atos de concentração no âmbito do SBDC – Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Sobre a questão da ênfase a cada uma dessas atividades no âmbito do novo

Perfilregime, cabe destacar que todas as agên-cias de defesa da concorrência no mundo enfrentam problemas de escassez de re-cursos e de pessoal, quando em compara-ção com os recursos de que dispõe a ini-ciativa privada. Por isso, é indispensável um processo contínuo de planejamento estratégico e priorização, o que significa decidir o que fazer e também o que não fazer. No novo Cade, a prioridade será, evidentemente, demonstrar que somos capazes de fazer análise prévia de atos de concentração de forma tempestiva e sem perda de qualidade técnica. Isso, eviden-temente, não significa abandonar o con-trole repressivo, em especial a estraté-gia nacional de combate aos cartéis, mas apenas que a persecução de determinadas condutas poderá levar um pouco mais de tempo para ser concluída. Isso tende a diminuir na medida em que o número de atos de concentração também seja reduzido (a Lei 12.529/2011 estabelece novos critérios de notificação que, de acordo com nossas estimativas, reduzirão em até 30% o número de casos notificados) e na medida em que nosso quadro de pessoal seja completado (a lei cria duzentos novos cargos de especialis-tas em gestão e políticas públicas, para lotação paulatina no Cade. Há expectati-va de que os primeiros cinqüenta desses novos cargos sejam providos até o final de 2013).

O Comercialista – Do seu ponto de vis-ta, como tem sido a evolução do Direito da Concorrência, tal qual estudado e apli-cado atualmente no Brasil? Como o Brasil se compara a outras jurisdições mais tra-dicionais, tais como os EUA e a Europa?

Olavo Zago Chinaglia – O Brasil é, atualmente, uma referência mundial no

Page 11: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O Com

ercialistaAbril 2012

11

Direito da Concorrência, em função do excelente trabalho desenvolvido pelas au-toridades e pelos profissionais que mili-tam na área. Somos membros observadores do Comitê de Concorrência da OCDE – Or-ganização para Cooperação e Desenvol-vimento Econômico, sendo que nossa participação é considerada exemplar pelo Ministério de Relações Exteriores. Somos membros ativos da Interna-tional Competition Network – ICN, ten-do sediado agora em abril a Conferência Anual da entidade, que reuniu cerca de 500 delegados de mais de oitenta jurisdi-ções para discussão de assuntos de inte-resse da comunidade antitruste. Foi a pri-meira vez que tal conferência foi sediada na América do Sul. Somos, ainda, signatários de diver-sos acordos de cooperação internacional, que nos dão oportunidades para troca de experiências, informações e permitem uma atuação globalizada no controle de concentrações e condutas transnacionais. Nossa produção acadêmico-cientí-fica é, ainda, inferior a de jurisdições mais tradicionais, como os Estados Unidos e a União Européia. Não obstante, é crescen-te o número de trabalhos de qualidade, tanto sob a ótica jurídica quanto sob a óti-ca econômica.

O Comercialista – Ainda falta uma conscientização e disseminação dessa área no Brasil, sobretudo do ponto de vista jurídico-acadêmico? Por mais que tenhamos grandes expoentes brasileiros que abordam o Direito da Concorrência, há uma dependência da doutrina estran-geira? O que poderia ser feito para mudar esta realidade?

Olavo Zago Chinaglia – Não diria que existe dependência da doutrina estran-

Perfilgeira. O Direito da Concorrência, por suas características, é multidisciplinar e não se confina aos limites da produção científi-ca nacional. É, aliás, bastante salutar que tenhamos acesso a experiências estran-geiras. O importante é saber discernir de forma tais experiências se aplicam ou não à situação da economia brasileira. O que me parece que ainda precisa ser desenvolvido é o grau de familiaridade do Poder Judiciário com questões afetas ao Direito da Concorrência. As decisões do Cade podem ser objeto de questiona-mento no Poder Judiciário e, não raro, os juízes reconhecem desconhecer as especi-ficidades da área. Não obstante, face à qualificação incontestável de muitos dos nossos ma-gistrados, da atuação competente da Pro-curadoria Federal especializada do Cade e da estrita observância do devido proces-so legal nos processos que tramitam no Sistema Brasileiro de Defesa da Concor-rência, temos obtido sucesso em mais de oitenta por cento das demandas judiciais que versam sobre as decisões proferidas pelo Conselho.

O Comercialista – Não raro, os casos submetidos ao CADE geram enorme re-percussão na mídia, como ocorreu com o caso BRF Foods. A participação dos veí-culos de comunicação mais contribui ou atrapalha o desenvolvimento das ativida-des do CADE?

Olavo Zago Chinaglia – A imprensa exerce um papel fundamental em qual-quer democracia, de informação ao públi-co e de fiscalização da atividade adminis-trativa. Nesse sentido, chamar a atenção da sociedade para a atuação do Cade é ex-tremamente positivo, não apenas porque obriga-nos a fundamentar as decisões da melhor forma possível, mas também por-

Page 12: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O C

omer

cial

ista

Abril

201

2

12

que aumenta o grau de consciência do cidadão comum com relação aos valores tutelados pela nossa atividade. Há, porém, como em qualquer área, bons e maus profissionais. Os jornalistas e veículos da imprensa, quando fazem sensacionalismo, publicam informações imprecisas ou incompletas ou, simples-mente, divulgam inverdades, prestam um enorme desserviço, seja por causa da mera desinformação, seja por comprome-ter injustamente a legitimidade de uma entidade pública absolutamente séria como o Cade. Seja como for, as decisões do Cade são pautadas por critérios estritamente técnicos. Não aceitamos pressões de ne-nhuma natureza.

O Comercialista – Dentre todos os ca-sos analisados, qual foi, na sua opinião, o de maior relevância, em termos de im-pactos, reais ou potenciais, ao mercado e os consumidores? Descreva a atuação do CADE nesse caso e quais foram as me-didas tomadas para impedir ou encerrar tais efeitos negativos à sociedade.

Olavo Zago Chinaglia – São inúme-ros os casos em que a atuação do Cade foi determinante para preservação do inte-resse público associado à defesa da con-corrência. Um caso menos conhecido, mas não por isso menos importante, foi relatado por mim em 2009. Trata-se da acusação de fechamento do mercado formulada pela Secretaria de Direito Econômico em face da Visa e da então Visanet (hoje, Cie-lo), que mantinham entre si uma relação de exclusividade nos serviços de creden-ciamento, captura e liquidação das tran-sações com cartões de pagamento. Conseguimos celebrar um termo de compromisso de cessação com as empre-

Perfilsas, por meio do qual elas se comprome-teram a fomentar, de maneira objetiva e precisa, a competição no setor. O cum-primento das obrigações de resultado ali estabelecidas foi determinante para o in-gresso de novos concorrentes, tanto no mercado de administração de cartões de crédito e débito como no de serviços de credenciamento, captura e liquidação de transações. Dentre as principais consequências do acordo, destaco a disponibilização de máquinas de captura de transações com bandeiras múltiplas, que beneficiou dire-tamente o pequeno e o médio varejo e ini-ciou um movimento de reequilíbrio com-petitivo no setor. As máquinas da Cielo, hoje, capturam transações com cartões Visa, Mastercard e outros, a exemplo do que ocorre com as máquinas da Redecard (que precisou readequar seu modelo de negócios para fazer frente ao novo para-digma de concorrência). Além disso, houve ingresso de no-vos agentes econômicos no setor, o que contribuiu decisivamente para o objetivo principal da celebração do acordo, que era a tutela das liberdades de iniciativa e de concorrência.

O Comercialista – A Lei 12.529/2011 que visa ampliar o poder de ação dos ór-gãos de defesa da concorrência, reformu-lando o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, foi sancionada pela Presi-dente Dilma Rousseff em 30.11.2011. No geral, qual a sua opinião em relação à Lei e às reformas propostas?

Olavo Zago Chinaglia – A lei repre-senta um avanço em relação ao sistema anterior, pois racionaliza procedimentos, aumenta a estrutura e confere instrumen-tos para uma atuação mais efetiva dos ór-gãos de defesa da concorrência, notada-

Page 13: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O Com

ercialistaAbril 2012

13

mente no que diz respeito à análise prévia dos atos de concentração econômica. Considero, porém, que algumas mudanças legislativas pontuais, como a mudança na base de cálculo e nos percen-tuais das multas por condutas anticompe-titivas, foram inoportunas e desnecessá-rias. Isso, contudo, não modifica a cons-tatação de que o saldo da nova lei será amplamente positivo para a sociedade.

O Comercialista – Uma análise prévia, conforme a Lei 12.529/2011, seria posi-tiva para a economia e atividade empre-sarial brasileiras? O potencial excesso de burocracia tem sido um dos pontos mais debatidos da Lei, ensejando diversas crí-ticas negativas. O senhor é partidário des-ta visão?

Olavo Zago Chinaglia – Como eu dis-se, a análise prévia é condição essencial para uma atuação efetiva e eficiente dos órgãos de defesa da concorrência e coa-duna-se amplamente com as melhores práticas internacionais. Muito ao contrário do que se pode pensar, a análise prévia não implica au-mento de burocracia. Os procedimentos serão racionalizados, as sobreposições de competências serão suprimidas, o núme-ro de casos de notificação obrigatória di-minuirá e o tempo médio de análise cer-tamente irá diminuir. Casos complexos, que demanda-rão análises mais aprofundadas e, evi-dentemente, mais demoradas, recebem tratamento idêntico na grande maioria das economias desenvolvidas. Além dis-so, o fato de as partes serem obrigadas a aguardar o posicionamento das autori-dades concorrenciais para tornar eficaz a operação contribui imensamente para o ambiente de investimentos, pois o custo

Perfilde eventuais restrições pode ser precifica-do desde logo pelas partes, aumentando a segurança jurídica. Não por acaso, a implantação do re-gime de análise prévia de atos de concen-tração no Brasil, a despeito de compreen-síveis apreensões quanto ao período de implantação do novo sistema, vem sendo amplamente louvada pela comunidade antitruste nacional e internacional.

O Comercialista – Qual a sua opinião acerca de um potencial Novo Código Co-mercial, de matriz principiológica, como ocorre com o PL 1.572/2011, capitaneado pelo Professor Fábio Ulhoa Coelho?

Olavo Zago Chinaglia – Ainda não consegui formar um juízo definitivo a res-peito da proposta. Por um lado, considero pertinen-te o argumento de que a consolidação de princípios jurídicos em normas pode con-tribuir para a respectiva disseminação e aplicação. Por outro lado, parece-me que os problemas identificados hoje na aplica-ção do Direito Comercial dizem respeito menos aos princípios do que às regras deles derivadas. Afinal, ninguém contes-ta os princípios da limitação de respon-sabilidade empresarial, de proteção aos direitos dos acionistas minoritários, de autonomia e independência de títulos de crédito, de responsabilidade objetiva pelo risco da atividade, etc. Todavia, as regras para implantação desses princípios, tal como interpretadas pelos Tribunais, aca-bam por não tutelá-los de forma consis-tente. Em suma, tenho dúvidas se o proje-to de Código Comercial ataca o cerne des-se problema.

O Comercialista – De que feito profis-

Page 14: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O C

omer

cial

ista

Abril

201

2

14

sional o senhor sente mais orgulho?

Olavo Zago Chinaglia – Procuro exercer minha profissão da maneira mais dedicada possível, zelando sempre pelo rigor técnico e pela responsabilidade. Te-nho vários trabalhos de que me orgulho mas, se tiver que apontar um, fico com a minha tese de doutorado, sobretudo pelo esforço que me demandou e pelo resulta-do alcançado.

Pedro A. Lavacchini Ramunno é estudante do 4° ano da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e estagiário na área de Direito Empresarial do Pinheiro Neto Advo-gados.E-mail:[email protected]

Perfil

Page 15: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O Com

ercialistaAbril 2012

15

No setor de seguros a infração à or-dem econômica pode partir do próprio aparato estatal, formado pela sociedade de economia mista resseguradora (IRB), pela autarquia federal fiscalizadora (SU-SEP) e pelo órgão normatizador (CNSP). 1

Ao invés de avançar sem titubeio no sentido da proteção dos consumidores e da amplificação do acesso da sociedade ao seguro, zelando pelo conteúdo e pela acessibilidade dos seguros privados, o Estado, despercebidamente ou captura, algumas vezes atentará contra a ordem econômica, promovendo a restrição de acesso ao serviço securitário ou a redução do conteúdo deste. Isso acontece com tal reiteração que confirma a velha definição de soberania como o direito de excluir.2

Se a razão do desvio estatal é a cap-tura da Administração pelos interesses empreendedores da atividade segurado-ra, a verdadeira caixa de pandora em que consiste esse negócio transindividual tão ausente da experiência civilista será o sal-vo conduto para que ele ocorra com maior frequência e menor notoriedade do que em outros setores da atividade econômi-ca.

Escoltado pela espada da estatística e da atuária, o fenômeno securitário so-mente será acessível para os iniciados no idioleto “segurês” formado com base em fatos técnicos muitas vezes de falsa, po-rém divulgada, complexidade. Essa bru-ma propiciará a exclusão desafiadora do direito do consumo, como adverte Pierre Bourdieu: “Talvez não haja pior privação, pior carência, que a dos perdedores na luta simbólica por reconhecimento, por acesso a uma existência socialmente re-conhecida, em suma, por humanidade.”3

Não há qualquer exagero em afir-

Doutrina

mar que o não oferecimento das garan-tias possíveis e a exclusão do sistema e dos proveitos comuns da proteção securi-tária lesarão cada indivíduo para além da sua condição de consumidor, chegando à própria ordem psíquica, pois como lem-bra Enrique Dussel, “Há um campo onde o sujeito é intersubjetivo. Temos que par-tir de um conceito novo de sujeito. Somos intersubjetivos. Nós levamos conosco o nosso pai, a nossa mãe, nossa família, nossa comunidade, e temos de pedir aju-da a Freud para mostrar como o incons-ciente é comunitário e intersubjetivo.”4

A depressão do conteúdo e o afuni-lamento do acesso ao seguro constituem, na sociedade atual, uma face terrível da discriminação, especialmente se consi-derarmos a impossibilidade de enfrenta-mento individual para os efeitos da infor-tunística. Na busca da erradicação dessa tendência não se deve esperar que raios salvadores levantem-se do horizonte em-presarial dos seguradores, tendo razão André Comte-Sponville quando afirma que “se quisermos que exista moral numa sociedade capitalista (...), essa moral, como em toda sociedade, só pode vir de outra esfera que não a economia. Não contem com o mercado para ser moral no lugar de vocês!”5

Essa busca cabe ao Direito, valendo notar com Jason J. Kilborn que até mes-mo os legisladores, casualmente ou não, acabam “atirando os consumidores no oceano repleto de tubarões...”6

A questão que se coloca para a socie-dade e, logicamente, para o Direito, não é simplesmente de corriqueira proteção dos direitos subjetivos individuais, mas da própria afirmação de soberania para o es-tabelecimento de uma ordem que proteja

Seguro, Contrato e Ordem Econômicapor Ernesto Tzirulnik

Page 16: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O C

omer

cial

ista

Abril

201

2

16

os cidadãos contra as tendências do capi-tal e da tecnocracia capturada, o que em alguns casos exige a cooperação interna-cional, como lembra Benjamin R.Barber: “Precisamos da soberania democrática para moderar a anarquia e o monopólio de mercado. Mas a soberania já não é vi-ável de modo isolado dentro das nações. Paradoxalmente, como seus defensores mais entusiasmados reconhecem, o pró-prio capitalismo requer essa moderação para ele próprio florescer. Mas, conside-rando a realidade do etos cultural aqui retratado, moderar o capitalismo e re-novar o chamado cívico são tarefas enor-mes, principalmente porque terão de ser realizadas tanto global como domestica-mente”7. Essa reflexão é compartilhada por Comte-Sponville, para quem “A ver-dadeira questão não é ser a favor ou con-tra a mundialização; é saber que tipo de mundialização queremos. Uma mundia-lização ultra liberal, que retiraria todo o poder dos Estados? Uma mundialização coletivista, com a qual alguns continuam a sonhar? Ou uma mundialização regula-da, controlada, acompanhada, o que su-põe instâncias internacionais de decisão e de controle?”8

A cooperação internacional para a contenção de políticas lesivas às ordens públicas econômicas, por certo, impõe ser tal que não aprofunde ainda mais as exclusões, o que há de sempre merecer maior atenção no campo do seguro, onde já é conatural a dependência do resseguro internacional, altamente concentrado em um reduzido número de fornecedores, dependência que se verifica, do ponto de vista nacional, com redobrada ênfase em países subdesenvolvidos como o Brasil.9

Os governantes e a sociedade civil como um todo não podem esquecer que a atividade securitária é a mais importan-te técnica de socialização das responsa-

Doutrinabilidades postas à disposição num mun-do que se caracteriza pelos acidentes. Aí cresce a importância da seguinte questão formulada por François Ewald: “sabendo que o processo de transformação social que agita nossas sociedades desde dois séculos pode acolher políticas do pior, em quais condições pode ele conduzir ao me-lhor?”10

As melhores respostas estão situa-das na ordem do comunitário, no campo do direito da solidariedade, na compreen-são de que somos todos unidos pelo aci-dente e interessados no enfrentamento de suas conseqüências, individualmente impotentes, ao fim e ao cabo.

Essas respostas, em certa medida, não podem descartar o engessamento da liberdade negocial. Como preconiza Eros Grau, citando não por mera coincidência os seguros, deve ceder “em nome da rea-lização de justiça social – mas também do desenvolvimento – o princípio da liber-dade de contratar”11.

Tais respostas, contudo, na seara jurídica e por quaisquer outros espaços da humanidade confrontam com a tradi-ção individualista e a tendência à inter-nalização solitária do exógeno social, de forma que as posturas concretas dos indi-víduos em geral, mesmo os mais atentos, incluídos aí de forma muito destacada os juristas, tendem a ignorar a dimensão so-cial dos fenômenos: “Toda vez, ou quase, diante de problemas que são coletivos, sociais, conflituais – logo, políticos -, a tendência é, nas duas últimas décadas, dar apenas respostas individuais, morais, para não dizer às vezes sentimentais, cla-ro que perfeitamente respeitáveis em sua ordem, mas, como é óbvio, igualmente in-capazes de resolver e, no fundo, até de co-locar esses problemas sociais, conflituais, políticos com que nos confrontamos.”12

Essa perspectiva individualista difi-

Page 17: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O Com

ercialistaAbril 2012

17

culta a percepção de que “O acidente mo-derno implica, para ser compreendido em sua realidade específica, uma forma de conversão intelectual, uma nova forma de julgamento: é quando se julgam os danos conforme a regra da normalidade que eles se tornam acidentes.”13

Quando hoje falamos com as pes-soas sobre os seus seguros de perfil e ponderamos que elas estão pagando um pouco menos do que pagariam pelos se-guros comuns, mas em contrapartida es-tão deixando desprotegida a sociedade como um todo e, em largo prazo, legiti-mando uma política de exclusão dos não “perfilizados”, o mais provável será escu-tarmos que nosso interlocutor não está preocupado ou não pode ficar aí fazendo generosidade. E algum segurador ainda fará sua publicidade divulgando “seguro perfil: o seguro feito exclusivamente para você” ou “a Cesar o que é de Cesar” para o consumidor que pensará “seguro comum não contrato, é fácil querer fazer gentileza com o chapéu alheio”.

O que falta ser compreendido é que a generosidade “é diferente da solidarie-dade, que consiste em levar em conta os interesses do outro porque você compar-tilha esses interesses. Você faz um benefí-cio a ele, e isso lhe traz ao mesmo tempo um benefício. (...) Quanta generosidade! (...) Ora, que eu saiba ninguém contrata uma apólice de seguro por generosidade: todos nós o fazemos por interesse. Mas essa cotização para cobrir os riscos, que é um seguro, permite-nos criar uma con-vergência objetiva de interesses entre os diversos segurados, em outras palavras, pelo menos uma solidariedade objetiva. É assim que nós nos protegemos – ao mes-mo tempo todos juntos e cada um por si – contra as vicissitudes da existência. É o princípio do seguro: compartilhamen-to dos riscos, adição dos meios, conver-

Doutrinagência dos interesses, solidariedade. O que cada um faz para si faz também, quer queira, quer não, para os outros; o que faz para os outros, os outros também fazem por ele. Não é preciso ser generoso para tanto: o seguro é um negócio; o que equi-vale a dizer que funciona na base do ego-ísmo. É sem dúvida por isso que funciona tão bem.”14

A superação das lesões adquiridas no convívio social não podem prescindir dessa solidariedade tecida com fios de ne-cessidade e de egoísmo, mais do que tin-gida com o amor ao outro. A tarefa que se impõe é a de estabelecer-se uma nova forma de julgamento, aquele que se atém à regra fundamental da repartição social: “O acidente moderno é contemporâneo das sociedades de massa e seu tipo de promiscuidade. Isto é evidente para os acidentes de trânsito: pode-se atribuí-los a falhas ou a erros pessoais; sabe-se, aliás, que a sua probabilidade aumenta com a circulação, o estado das estradas, etc. No limite, poder-se-ia dizer que, em certas condições de circulação, o acidente, longe de ser exceção, tende a tornar-se a regra; e que aquilo que é excepcional é não ha-ver acidentes ou mais acidentes.”15

Hoje se colocam em cheque até mesmo as teorias que, sob o influxo da necessidade de atribuir indenizações às vitimas, foram criadas pelos juristas para objetivar as responsabilidades. A objetivi-dade social do acidente permite a Ewald até mesmo concluir que não faz sentido as leis recorrerem à idéia de ilícito para a fixação da responsabilidade, partindo da reflexão sobre o desenvolvimento do ra-ciocínio jurídico: “Isto é verdade também para os acidentes do trabalho. Seria ne-cessário proibir as máquinas porque elas eram perigosas? A questão, derivada do pensamento jurídico clássico, colocou-se aos juízes do século XIX confrontados aos

Page 18: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O C

omer

cial

ista

Abril

201

2

18

acidentes do trabalho ou aos acidentes de estrada de ferro. Teria sido uma falha in-troduzir na vida coletiva atividades que, sabia-se, implicavam riscos específicos? O legislador prussiano havia respondido pela afirmativa, em 1938, com relação às estradas de ferro: qualquer acidente, seja qual fosse a causa, seria atribuído à falta do explorador. Isto não fazia muito senti-do.”16

Ewald insiste, com muita razão, em que a saída está no distanciamen-to daquele vezo a que se referiu Comte--Sponville e que todos nós, operadores do direito, amiúde flagramo-nos a cometer, o “dar apenas respostas individuais, mo-rais, para não dizer às vezes sentimen-tais”, e aduz em conclusão que não nos cabe afirmar que o progresso é ilícito: “Não era possível assentar o progresso so-bre a indústria e dele fazer uma atividade faltosa. O julgamento do comportamento individual do industrial perdia toda perti-nência. O problema era mais saber como se dividiam os encargos ligados à pro-dução dos bens coletivos. A objetivação dos danos sofridos pelos trabalhadores no seu trabalho como “acidentes”, e não mais como delitos ou casos fortuitos, está ligada a esta nova forma de julgamento que considera a atribuição dos bens e dos males individuais não mais em função de um indivíduo sozinho, com relação ao seu comportamento, mas como produtos da repartição social de um bem comum, como se os indivíduos, e o que lhes acon-tece, fossem partes de um todo, a socieda-de, ela mesma objetivada como o sujeito do mencionado bem comum.”17

É bastante elucidativa a conclusão a que chega Guillaume Etier: “Do risco à falta: é dessa evolução dogmática que o direito da responsabilidade civil ainda é tributário. Resta-nos desejar que o movi-mento inverso, surgido há alguns anos, se

Doutrinaperpetue, e que a responsabilidade entre, enfim, numa era renovada: aquela que a fará voltar da falta ao risco.18”

Essa função, a de socializar a res-posta dos indivíduos perante o acidente, única forma de enfrentar ou atenuar suas agressões, mais do que uma utopia é pre-cisamente a função securitária. E ela não se restringe ao campo da previdência (ris-cos aferidos, constatados - estatística), mas extravasa para a precaução (riscos suspeitados).19 20

O fluir dessa ampla função proteti-va que os seguros potencializam, contu-do, não poderá depender dos governan-tes, quanto mais dos empreendedores dos seguros, sejam públicos sejam privados, como dá mostra o depoimento de um pre-sidente do IRB: “Outros riscos poderão ser aceitos, porém serão olhados com lupa. É o caso dos seguros de responsabilidade civil, um ramo de pouca tradição no Bra-sil. Nesse caso, o IRB poderá entrar para ficar com uma pequena fatia, apenas para acompanhar o setor, obter informações para formar um banco de dados. ‘Mas desde que tenha cláusulas muito claras de exclusão de determinados riscos’ ”. 21

Abra-se um parênteses para recor-dar que se de um lado o ângulo pelo o qual é encarada a responsabilidade civil no meio judicial é ainda bastante individu-alista, de outro é justamente esse seguro de responsabilidade civil que pode fazer avançar a solidarização social, como res-salta Anderson Schreiber, o que, no en-tanto, será mais do que nunca freado pela lupa do maior e mais próximo do Estado underwriter brasileiro, o IRB22: “Tem-se, em síntese, de reconhecer que a constru-ção da responsabilidade social mostra-se, hoje, como um caminho a ser trilhado. No Brasil, embora as cortes judiciais tenham acelerado o processo de solidarização com relação aos pressupostos tradicio-

Page 19: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O Com

ercialistaAbril 2012

19

nais da reparação, as decisões continuam necessariamente vinculadas à resposta individual que lhes reserva o ordenamen-to jurídico. A superação desta incoerência flagrante exige uma revisão critica da fun-ção da responsabilidade civil, que só mais recentemente vem-se propondo. As solu-ções securitárias, relativamente bem-su-cedidas em outras experiências, devem ser estudadas com afinco, procedendo-se às necessárias adaptações do instituto à realidade dos países latino-americanos.”23

Dissemos que os empresários e os governantes não poderiam garantir a ten-tativa de construção de uma ordem eco-nômica que fluísse rumo à proteção da sociedade. Quem então pode contribuir para isso? A resposta está na Constituição econômica.

A Constituição Federal traz o con-junto de princípios e regras essenciais or-denadores da economia justamente por causa da impossibilidade de entregarmo--nos à militância da moral ou da ética es-pontâneas da economia. Não se trata de um julgamento moral, mas da realidade histórica, como lembra Eros Grau: “As imperfeições do liberalismo, no entan-to, associadas à incapacidade de auto--regulação dos mercados, conduziram à atribuição de nova função ao Estado. À idealização de liberdade, igualdade e fra-ternidade se contrapôs a realidade do po-der econômico.”24 O papel do Estado será regular a economia: “Evidente a inviabi-lidade do capitalismo liberal, o Estado, cuja penetração na esfera econômica já se manifestara na instituição do monopó-lio estatal da emissão da moeda – poder emissor-, na consagração do poder de po-lícia e, após, nas codificações, bem assim na ampliação do escopo dos serviços pú-blicos, assume o papel de agente regula-dor da economia.”25

Mas, o Estado atuará – ao menos

deve atuar - segundo os princípios e re-gras conformadores da ordem econômica juridicamente projetada através da Cons-tituição econômica: “conjunto de prin-cípios que institui determinada ordem econômica (mundo do ser) ou conjunto de princípios e regras essenciais ordena-doras da economia, é de se esperar que, como tal, opere a consagração de um de-terminado sistema econômico.”26

Cabe verificar que os objetivos da República são consignados na Constitui-ção Federal de 1988 por meio de coman-dos democratizadores do “mercado inter-no, que integra o patrimônio nacional” (CF, art. 219), e que buscam um projeto de desenvolvimento, ao mesmo tempo, internalizador dos centros de decisão (CF, art. 3°, caput) e redutor das desigualda-des sociais (CF, art. 3°, incisos).

A constituição econômica está aí para que se garanta a construção de uma “sociedade livre, justa e solidária” (art. 3°, I) e, para tanto, estabelece no art. 170, entre outros, os princípios que se coor-denam com os “objetivos da República” (art. 3° e incisos), a soberania nacional, a função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego e o tratamento favore-cido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Isso já é o bastante para dar con-ta do tema que ora nos ocupa, bastando lembrar que lesões à ordem econômica são inconstitucionalidades, do que resulta também evidente que se a regulação dos contratos (por norma ou decisão) verter no sentido contrário ela será inconstitu-cional.

São tantos os casos que sucedem no âmago da própria Administração especia-

Doutrina

Page 20: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O C

omer

cial

ista

Abril

201

2

20

lizada, como a SUSEP, que a descaracte-rização ou a desnaturação dos contratos somente não acontece com plenitude por-que as instituições tendem a sobreviver.

Vamos exemplificar casos de lesão à ordem pública com efeito direto no di-reito dos consumidores. Na “Era Collor”, quando, no início de 1990, foi implantan-do no Brasil um plano econômico que, entre outras coisas, substituía a moeda então em curso, o Cruzado Novo, pelo Cruzeiro, deixando aquela na condição de título com valor sujeito a deflação e cir-culação restrita (meio de compensação para dívidas tributárias etc.). Com o obje-tivo de salvar as companhias seguradoras e ajudá-las a despejar o lastro de Cruza-dos Novos a SUSEP expediu a Circular nº 6/90, de 02 de abril de 1.990, cujo § 1o do art. 2o dispunha: “Os sinistros ocorridos anteriormente a 16 de março de 1.990, ainda pendentes de pagamento, poderão ser indenizados, a critério do segurador, mediante transferência de titularidade dos cruzados novos correspondentes ao segurado.”

Essa regra, como se vê, permitiria que as companhias seguradoras extin-guissem as dívidas de indenização por si-nistros ocorridos até 16 de março de 1990 com a simples transferência da titulari-dade de Cruzados Novos aos segurados e beneficiários, contrariando frontalmente até mesmo a norma de alerta do art. 2o do Decreto-lei no 73/66, violava princípio fundamental (princípio indenizatório) instalado no art. 1.458 do Código Civil velho: “O segurador é obrigado a pagar, em dinheiro, o prejuízo (...) e conforme as circunstâncias o valor total da coisa segu-ra.” Em suma, os segurados com sinistros compreendidos no Período arbitraria-mente escolhido pela autarquia federal ao invés de receberem moeda com poder li-beratório e, assim, verem-se aptos para a

continuidade dos seus negócios, repondo as mercadorias incendiadas ou a máqui-na que quebrou, ou simplesmente terem seus carros de passeio, teriam apenas um titulo governamental incapaz de torná-los indenes. Coube ao Judiciário a tarefa de censurar a abusividade numa “decisão, harmonizada com os preceitos legais que regem a questão concernente ao paga-mento do prêmio [rectius: indenização] do seguro, em moeda corrente nacional, preserva-se a finalidade precípua do con-trato celebrado, possibilitando aquele que teve o bem sinistrado adquirir outro da mesma espécie: noutras palavras, é o seguro inspirando segurança. (Mandado de Segurança no 90.0009504-2, da 14ª Vara Federal Cível de São Paulo).”27

Na seara seguradora essa infelicida-de do governo Collor não se traduz numa excepcionalidade. Em 2007 o presidente Lula, aplaudido por federações de segura-doras e corretores, nomeou um corretor de seguro para o cargo de superintenden-te da SUSEP. Tratava-se de corretor que além de Secretário de Assuntos Institu-cionais do Estado de Goiás era presidente da FENACOR, a Federação Nacional dos Corretores de Seguros.

Todos comemoraram o fato de o presidente Lula ter, pela primeira vez, nomeado um corretor de seguros para chefiar a agência fiscalizadora e regu-ladora dos seguros. No blog Amigos do Presidente Lula se lê: “Ele é o primeiro corretor a assumir a missão de fiscalizar e regular os mercados de seguros, previ-dência aberta, capitalização, resseguros e também os corretores.”28 Em 19 de mar-ço de 2010, o corretor de seguros afastou--se da SUSEP para disputar um mandato como Deputado Federal pelo Estado de Goiás. Antes, porém, expediu a Circular SUSEP 401, de 25 de fevereiro de 2010 aumentando o chamado “custo de apóli-

Doutrina

Page 21: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O Com

ercialistaAbril 2012

21

ce” de R$ 60,00 para R$ 100,00, custo esse que algumas seguradoras já não mais cobravam e era considerada abusiva pe-los próprios corretores de seguro. Aquilo que estava para ser abolido, acabou sendo agravado em prejuízo dos consumidores. Logo após a expedição da circular, a FE-NACOR e a FENSEG, uma das federações de seguradoras, celebraram um acordo. Os consumidores pagarão mais R$ 40, a cada apólice ou alteração emitida, metade cabendo às seguradoras e metade aos cor-retores de seguro, durante algum lapso de tempo sendo destinada parte da cobrança à FENACOR. No mercado brasileiro emi-tem-se centenas de milhões de apólices de seguro e aditivos. Os números envolvi-dos são elevadíssimos.

Recentemente, em março de 2012, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica do Ministério da Justiça, no curso do procedimento referente a ato de concentração de seguradoras, acabou deparando com práticas abusivas que vie-ram a ser condensadas em determinação aprovada pela unanimidade dos Conse-lheiros no sentido de que a Secretaria de Direito Econômico apurasse o desvio de comportamento em “questões de grande relevância”, como as “cobranças de taxas indevidas em seguros”, exemplificando com o “custo de apólice”. A SDE ainda não tomou iniciativas concretas, mas a SUSEP expediu a Circular 432/2012 que, embora tímida, suspende os efeitos da Circular 401/2010.

São muitos os exemplos de regula-ção com desvio de finalidade envolvendo os órgãos de ação intervencionista no se-tor de seguros, essa terra de ninguém.

Despercebidamente perseveramos criando discriminação e promovendo grupos legitimados para ascender a um paraíso formado por produtos e serviços tão dignificantes para os clientes quanto

desprovidos de sua potencial utilidade, para a sociedade como um todo e, em especial, para os próprios consumidores aquinhoados. Sente-se a dificuldade a que alude Pietro Perlingieri: “Não é possível colher aquilo que de saliente tem ocorri-do nesses últimos anos na justiça civil e na cultura jurídica, assim tão condicio-nadas no nosso país por um desenvolvi-mento econômico nem sempre apreciável pela qualidade e assim profundamente diversificado e desequilibrado. Não basta colocar em evidência a grande diferença entre as garantias formais e aquelas que concretamente encontram atuação na justiça vivente, na história de cada dia, que se de um lado representa a história das empresas, dos problemas da produ-ção, da distribuição e financiamentos, re-presenta também a história dos últimos, de tantos marginalizados, por escolha ou por necessidade, pelo ciclo produtivo. (...) A justiça é derrotada quando a sociedade se consolida no particularismo dos indi-víduos e dos grupos, nas recomendações, (...)29”

É muito difícil viver num país em que as pessoas não têm a menor ideia de contra quem, nem do que, devem se defender. Todo mundo fala que existem direitos humanos, mas eles são violados diariamente, até pela polícia. Proclamam a ilicitude das gravações não autorizadas, mas acontecem, aos montes, e as autori-dades cuidam de vazá-las. Todos falam que temos um avançadíssimo Código de Defesa do Consumidor, mas os abusos contra os consumidores despencam das prateleiras.

O então deputado paulista José Eduardo Cardozo, hoje Ministro da Jus-tiça, com base em Anteprojeto desenvol-vido por comissão de juristas coordenada pelo Instituto Brasileiro de Direito do Se-guro (IBDS), apresentou um projeto para

Doutrina

Page 22: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O C

omer

cial

ista

Abril

201

2

22

criar a primeira lei do contrato de segu-ro do Brasil, em cujos artigos sempre se enfatiza que o órgão fiscalizador só pode praticar atos em favor dos consumidores, nunca contrários (PL 3.555/2004). O Pro-jeto, hoje, é considerado prioritário pelo Ministério da Justiça. Na última versão, consolidada no PL 8.034/2010, de auto-ria do deputado Rubens Moreira Mendes, a Lei de Contrato de Seguro que se pre-tende outorgar inicia com a seguinte re-gra: “Art. 1°. A atividade seguradora será exercida de modo a viabilizar os objetivos da República, os fins da ordem econômi-ca e a plena capacidade do mercado inter-no, nos termos do artigo 3°, 170 e 219 da Constituição Federal de 1988.”

Tudo indica que finalmente o Esta-do brasileiro percebeu que a garantia da transparência e a eticidade nas relações de seguro é tão ou mais importante do que os números envolvidos.

Notas

1 IRB Brasil Resseguros S.A. (anteriormente Instituto de

Resseguros do Brasil) é o ressegurador que até o início de

vigência da Lei-Complementar nº 126/2007 além de deter

o monopólio do resseguro (seguro dos riscos da ativida-

de das seguradoras) normatizava-o. SUSEP é a Superin-

tendência de Seguros Privados, autarquia federal fiscali-

zadora das operações de seguro e resseguro, vinculada ao

Ministério da Fazenda. CNSP é o Conselho Nacional de

Seguros Privados, presidido pelo Ministro da Fazenda e

integrado por representantes do Ministério da Justiça, Mi-

nistério da Previdência, Comissão de Valores Mobiliários

e Banco Central, com função normativa. Ver, a respeito, o

Decreto-lei 73/66.

Bibliografia

2 TZIRULNIK, ERNESTO. Direito ao seguro privado: dis-

criminação e ação afirmativa in Tratado Luso-Brasileiro

da Dignidade Humana, MIRANDA, Jorge e SILVA, Marco

A. Marques da (coord.). São Paulo: Quartier Latin, 2008.3 P. BORDIEU, Meditações pascalianas apud Z. BAUMAN,

Vida para consumo – a transformação das pessoas em

mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p. 7.4DUSSEL, Enrique, Vivemos uma primavera política in

Jornadas Bolivarianas. Disponível em http://www.iela.

ufsc.br/?page=noticias_visualizacao&id=785, acesso em

09 de novembro de 2009.5 COMTE-SPONVILLE, André. O capitalismo é moral?,

São Paulo, Martins Fontes, 2005, p. 79.6 KILBORN, Jason J. Comportamentos econômicos, supe-

rendividamento; estudo comparado da insolvência do con-

sumidor: buscando as causas e avaliando as soluções? Es-

tudos de Direito Comparado sobre o superendividamento

in Direitos do Consumidor Endividado. LIMA MARQUES,

Cláudia e LUNARDELLI CAVALLAZZI, Rosângela (co-

ord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 79.7BARBER, Benjamin R.Consumidor - Como o mercado

corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos.

Rio: Record, 2009, p. 376.8 Op. cit., p. 182 e ss.9 Ver nota anterior contendo matéria jornalística a respeito

do IRB e suas interações com o resseguro internacional.10 EWALD, François. L’Etát Providence. Introdução – fi-

nal. Paris: Grasset, 1986, Introdução, trad. livre.11 GRAU, Eros Roberto. Elementos de Direito Econômico.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, Pp. 179-81.12 Comte-Sponville , op. cit., ps. 23-4.12 François Ewald, op. loc. cit.13 Comte-Sponville, op. cit., p. 122 e ss.14 François Ewald, op. cit., Introdução.15 François Ewald, op. cit., Introdução.16 Op. loc. cit.17 ETIER, Guillaume. Du risque à La faute – Evolution de

La responsabilité civile pour Le risque Du droit romain au

droit commun. Bruxelas: Bruylant, 2006, p. 376.18 TAPINOS, Daphné. Prevention, Precaution et Responsa-

bilité civile, p. 59. Paris: L’Harmattan, 2008.19 M. MAYAUX, LUC. “Réflexions sur le principe de pré-

caution et le droit des assurances” in Revue genérale du

droit des assurances, n°2. Paris: L.G.D.J., 2003, pp. 269-

86.20 Disponível em http://www.fazenda.gov.br/resenhaele-

tronica/MostraMateria.asp?page=&cod=601936 – Acesso

Doutrina

Page 23: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O Com

ercialistaAbril 2012

23

em 20.04.2012.21 Idem anterior.22 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da respon-

sabilidade civil - Da erosão dos filtros da reparação à dilui-

ção dos danos, 2ª ed. São Paulo: Atlas,2009, p. 237.23 GRAU,Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constitui-

ção de 1988, 9a ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 17.24 GRAU. Op. Cit. p. 21.25 Idem anterior, p. 72.26 EJZENBERG, Wolf. “Fiscalização da atividade segura-

dora – Limites do controle estatal” in Revista brasileira de

Direito do Seguro e da Responsabilidade Civil, ano I, 1ª

ed., p. 311 e ss. São Paulo: MP, 2008.27 Disponível em http://osamigosdopresidentelula.blogs-

pot.com/2007/08/lula-nomeia-armando-verglio-para.

html - acesso em 23 de julho de 2010.28 PERLINGIERI, Pietro. O Direito Civil na Legalidade

Constitucional, ps. 37-8. Rio de Janeiro: Renovar, 2008

Ernesto Tzirulnik é Presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Se-guro, sócio fundador do IDEC – Ins-tituto Brasileiro de Defesa do Con-sumidor, coordenador da Comissão Elaboradora do Anteprojeto de Lei de Contrato de Seguro (PL 3.555/2004 e PL 8.034/2010), autor dos livros Re-gulação de Sinistro - ensaio jurídico, São Paulo, Max Limonad, 1999 (co-laboração de Alessandro Octaviani Luis) e Contrato de Seguro de Acordo com o Novo Código Civil, São Paulo, RT, 2002 (coautores Flavio Queiroz de Bezerra Cavalcanti e Ayrton Pi-mentel) e mais de uma centena de ar-tigos. Advogado em São Paulo, é dou-torando pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco.E-mail: [email protected]

Doutrina

Page 24: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O C

omer

cial

ista

Abril

201

2

24

Cotas para a Participação de Mulheres nos Conselhos Administrativos

A Comissão de Assuntos Econô-micos do Senado (CAE) aprovou, no primeiro semestre do ano passado, o projeto de lei n° 112/2010, de autoria da senadora Maria do Carmo (DEM-SE) o qual tornará obrigatória a participação das mulheres nos Conselhos de Admi-nistração das empresas públicas e so-ciedades de economia mista, suas sub-sidiárias e demais empresas, nas quais a União detém a maioria do capital social, com direito a voto. A proposta prevê, ainda, que o preenchimento dos cargos deverá ocorrer de maneira gradual, atin-gindo até 40% em 2022. A senadora alega a necessidade

de correspondência entre a participa-ção das mulheres na produção dos bens públicos e sua presença nos “órgãos que decidem os destinos dos recursos pro-duzidos a partir do esforço de toda a sociedade”. Afirma, também, que deve ser função do Estado promover uma iniciativa direta para que sejam postos em prática os imperativos constitucio-nais de igualdade entre homens e mu-lheres, conforme disposto no artigo 5° da Carta Magna. A questão que perma-nece é: A intervenção estatal, pro-movida por meio do Projeto de Lei 112/2010, é, realmente, uma medi-da positiva?

Quotas: quebrando um teto de vidropor Ana Flora Pontes

Ao criar uma lei que estabelece quo-tas para mulheres nos Conselhos de Ad-ministração, o Congresso Brasileiro esta-rá realizando movimento absolutamente coerente com os compromissos assumi-dos em âmbito internacional para cons-trução de uma sociedade mais justa, igua-litária e democrática. Quando ratificou a Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Dis-criminação contra a Mulher (CEDAW), o Estado brasileiro se comprometeu ex-pressamente a tomar as medidas apro-priadas para eliminar a discriminação contra a mulher praticada por qualquer pessoa, organização ou empresa1.

De acordo com o artigo 4º da Con-venção, “a adoção pelos Estados-Partes de medidas especiais de caráter tempo-rário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma de-finida nesta Convenção”. A medida em questão deve, portanto, ser entendida como ação afirmativa, ou seja, espécie de medida cujo objetivo é acelerar o proces-so necessário para alcance da igualdade material entre homens e mulheres. Cabe frisar também que o dispositivo destaca o caráter temporário desse tipo de medida, já que pela sua natureza, devem ser revo-gadas quando já se constatar atingida a

Debatees

Sim

Page 25: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O Com

ercialistaAbril 2012

25

igualdade material pretendida. A partir de uma análise de estatís-ticas com recorte de gênero, torna-se evi-dente o fato de que embora as mulheres tenham avançado muito em termos de anos de escolaridade e capacitação profis-sional, as mudanças qualitativas na forma de ocupação dos espaços no mercado de trabalho não vem ocorrendo de maneira satisfatória. De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)2, em 1998, as mulheres com 15 anos ou mais de idade tinham, em média, 6 anos de estudo; dez anos mais tarde, chegaram a 7,6 anos, comparados a 7,2 anos entre os homens. Se restringirmos o âmbito de análise apenas ao ensino superior, para cada 100 alunos havia 133 alunas no ano de 2008. Ainda assim, o trabalho doméstico e de cuidados permanece sendo visto como uma responsabilidade feminina, fato que tem influência direta nas possibilidades de ascensão no emprego: quando não diminui a disponibilidade das mulheres para ocupar cargos de liderança, atua ali-mentando o entendimento generalizado de que as mulheres não tem as mesmas condições para exercer cargos de maior prestígio. Mesmo as mulheres mais prepara-das enfrentam, portanto, uma espécie de “teto de vidro”, uma barreira que embora não seja visível, dificulta que as mulheres alcancem os postos de comando nas or-ganizações, gerando uma representação desproporcional em relação à sua partici-pação na força de trabalho. Comparando os dados, percebe-se, então, que a velocidade das transforma-ções no âmbito educacional é muito supe-rior ao avanço das mulheres nos quadros de carreira das organizações. Conside-

rando a generalidade desse quadro, não é razoável supor que suas justificativas sejam a falta de mérito ou capacidade de liderança das mulheres. Trata-se de uma distorção de bases estruturais que exige intervenções. As quotas são apenas uma manei-ra (desejável) para alterar esse quadro. Sua implantação não é incompatível, pelo contrário, com outras políticas que podem ser adotadas pelas organizações. Fato é que estimulam uma alteração de cultura organizacional, pressionando as empresas a investirem na qualificação e preparação de suas funcionárias, muitas vezes preteridas e com potencial subapro-veitado. Dessa forma, defende-se que o pro-jeto de lei, diga-se de passagem, bastan-te tímido se considerarmos seu restrito âmbito de incidência e prazo estabelecido para implantação/implementação, é me-dida muito bem vinda para a construção de um país com mais igualdade de gêne-ro.

Notas

1 http://www.agende.org.br/docs/File/convencoes/ce-

daw/docs/Convencao.pdf2 http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/comunicado_pre-

sidencia/100308_ComunicaIpea_40_Mulheres.pdf

Ana Flora Pontes é estudante do 4° ano da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e inte-grante do Coletivo Feminista Dan-dara.E-mail: [email protected]

Debatees

Page 26: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O C

omer

cial

ista

Abril

201

2

26

Mérito própriopor Desire de Oliveira

A questão das cotas é no mínimo controversa e gera dúvidas e inseguran-ças tanto para os empresários como para as próprias profissionais das grandes em-presas. Inúmeras pesquisas, dentro e fora do país, demonstram a divergência entre homens e mulheres nos cargos de chefia das grandes sociedades e companhias, sendo que no Brasil, conforme dados do Instituto Brasileiro de Governança Cor-porativa (IBGC), por exemplo, somente 8% das mulheres que trabalhavam em grandes corporações em 2009 exerciam cargos de liderança, à época em que as pesquisas foram realizadas. Esse baixo índice de mulheres nos Conselhos de Administração levou à ge-ração do sistema de participação mínima, principalmente na Europa, e que se ex-pandiu para o restante do mundo. Contu-do, essa solução não é única e, tampouco, suficiente para a resolução do problema, além de não ser bem vista pelos empresá-rios e profissionais. Uma recente pesquisa feita pela Harvey Nash, consultoria de recrutamen-to global de profissionais (www.harvey-nash.com), mostrou que 64% das mulhe-res ouvidas não se mostram favoráveis a políticas afirmativas de introdução de quotas legais. Para elas, as mulheres de-vem alcançar seu espaço nas grandes empresas por sua competência e mérito próprio e não por uma obrigação estatal, somente pelo fato de serem de um deter-minado sexo.

Na verdade, a criação de quotas pode ampliar ainda mais o distanciamen-to entre homens e mulheres, na medida em que a chegada destas profissionais em altos cargos de liderança se dará por meio de uma imposição autoritária estatal que não permite às empresas selecionarem seus próprios funcionários da maneira natural, mas obrigando-as a seguirem tais imposições. Percebe-se, assim, uma visão menosprezada e inferior da mulher, como se ela não fosse suficientemente capaz de alcançar aquela posição profissional por sua própria qualificação. Heloisa Bedicks, superintendente--geral do Instituto Brasileiro de Gover-nança Corporativa (IBGC) entende que “as mulheres têm competência suficiente para se tornarem conselheiras por méri-tos, sem a necessidade de cotas. A con-tratação compulsória compromete sua participação efetiva no conselho, gera desconfiança por parte de seus pares, além de provocar mal-estar na profissio-nal que não aceitaria ocupar o cargo ape-nas pelo fato de a empresa ser forçada a cumprir a cota. Há outra preocupação, já que colocar mulheres que não estejam devidamente qualificadas para compor o conselho pode comprometer o desempe-nho do órgão”1. Um caminho mais razoável e sen-sato para incentivar a participação dessas mulheres seria, por exemplo, a adoção de métodos de avaliação de funcioná-rios, uma ótima prática de governança, oferecendo-lhes cursos de especialização

DebateesNão

Page 27: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O Com

ercialistaAbril 2012

27

e treinamento dentro das empresas e pro-porcionando, dessa maneira, uma aber-tura de vagas para novos participantes. Isso garantiria uma renovação no quadro administrativo, permitindo a entrada de um maior número de mulheres nele, es-tando estas especializadas, preparadas e competentes para os cargos de liderança e a tomada de decisões nessas companhias. Pode ser um longo caminho a ser percor-rido, contudo, os resultados seriam, de-finitivamente, mais efetivos do que uma simples obrigação legal. A presença feminina em Conselhos de Administração no país é um processo já em andamento, que evolui gradualmente conforme a qualificação das mulheres também se expande. Dessa maneira, con-fiando completamente na competência dessas mulheres, uma imposição legal de cotas de gênero se torna desnecessária e meramente desagregadora.

Notas

1 h t t p : / / w w w . d i a r i o d e c u i a b a . c o m . b r / d e t a l h e .

php?cod=405725

Desire de Oliveira é estudante do 3° ano da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, escrito-ra e colaboradora das Organizações Bradesco.E-mail: [email protected]

Debatees

Page 28: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O C

omer

cial

ista

Abril

201

2

28

El derecho de la Unión Europea y la política industrial de las pequeñas y medias empresas

Doutrina

por João Pedro de Oliveira de Biazi

Introducción

El proceso de integración europeo, desde el inicio de las relaciones fraccio-nadas después de la segunda guerra, se caracterizó por la idea de progresividad. Esa concepción tiene una proyección es-pecial en tres ámbitos: (i) la ampliación de las materias o competencias puestas en común en el proceso de integración; (ii) la creación de nuevas estructuras al servicio de la integración; y (iii) la definición de los modelos de relación entre los Estados y el proceso de integración. Por último, la identificación de valores, principios y ob-jetivos que están en la base del proceso de integración. Es con ese carácter progresivo de construcción de la Unión Europea que es-timuló el desarrollo de una política de in-tegración económica hasta una integraci-ón política, que se encuentra en un puesto de destaque actualmente. Los objetivos de la Unión Europea se encuentran enunciados en el artículo 3 del Tratado de la Unión Europea (TUE). Entre ellos, es posible destacar:

“La Unión establecerá un mercado inte-rior. Obrará en pro del desarrollo sostenible de Europa basado en un crecimiento económico equilibrado y en la estabilidad de los precios, en una economía social de mercado altamente competitiva, tendente al pleno empleo y al pro-greso social, y en un nivel elevado de protección y mejora de la calidad del medio ambiente. Asi-mismo, promoverá el progreso científico y técni-co.”1

El desarrollo económico de los pa-íses miembros siempre fue una preocu-pación del proceso de integración2. Con esa mentalidad, la Unión Europea tra-bajó juntamente con sus miembros para construir una comunidad con franco cre-cimiento económico, actuando, en ese sentido, en varios puntos distintos, por medio de inúmeros reglamentos, directi-vas, decisiones, etc. Dentro del campo de las pequeñas y medias empresas (PYME), la Unión ha colaborado con una cooperación de tra-bajo entre los países europeos. Varias po-líticas de creación de empresas, de incen-tivo a la inserción de las empresas en el escenario internacional, del desarrollo de la educación empresarial y de otras polí-ticas ayudaron a unificar las directrices normativas de los países de la UE. Hace poco tiempo que la Unión Eu-ropea renovó el concepto de PYME. Con El objetivo de actualizar los umbrales, promover las microempresas, y mejorar el acceso al capital, las pequeñas y medias empresas ahora son definidas como mi-cro, pequeña o media empresa con base en nuevos criterios: Unidades de trabajo anual (UTA), Volumen de negocios anual y Balance general anual3. El presente artículo analizará los impactos del derecho y de la política de integración europea en las mejorías del papel de las pequeñas y medias empresas en el escenario europeo.

Política de la Unión Europea para las Pequeñas y Medias Empresas

Page 29: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O Com

ercialistaAbril 2012

29

Las pequeñas y medias empresas desempeñan un papel decisivo en la com-petitividad y dinamismo de la economía europea4. Para ayudarlas, la Unión Euro-pea y sus países miembros trabajan para facilitar el ejercicio del espíritu empren-dedor entre los ciudadanos europeos. Es con tal objetivo que la Unión tiene un conjunto normativo que contribuí para la creación de un marco empresarial más respetuoso con las pequeñas y medias empresas. Una de las más importantes leyes que procura contribuir para esos objeti-vos es la Ley de la Pequeña Empresa para Europa, más conocida como Small Busi-ness Act (SBA). Sin duda, el Small Business Act es un importantísimo marco político euro-peo de actuación a favor de las pequeñas y medias empresas. Adoptado en 2008 y revisado en 2011, trae diez principios que guiarán la concepción y aplicación de las políticas a nivel europeo y también en-tre el nivel nacional. También tiene en su contenido un paquete concreto de medi-das legislativas y no legislativas para la aplicación de los principios puestos. La mayoría de las medidas adop-tadas por la ley son non legislativas y sin grandes vínculos jurídicos. Sin embargo, el SBA es un importante marco de actua-ción, teniendo una fuerza política que in-tenta coordinar las acciones de los países miembros en la política de las pequeñas y medias empresas5. Vale conocer los diez principios del Small Business Act6:

“I. Establecer un marco en el que los empre-sarios y las empresas familiares puedan prospe-rar y en el que se recompense el espíritu empre-sarialII. Garantizar que los empresarios honestos que hayan hecho frente a una quiebra tengan rá-pidamente una segunda oportunidadIII. Elaborar normas conforme al principio de

Doutrina“pensar primero a pequeña escala”IV. Hacer a las administraciones públicas permeables a las necesidades de las PYMEV. Adaptar los instrumentos de los poderes públicos a las necesidades de la PYME: facilitar la participación de las PYME en la contratación pública y utilizar mejor las posibilidades de ayu-da estatal ofrecidas a las PYMEVI. Facilitar el acceso de las PYME a la finan-ciación y desarrollar un marco jurídico y empre-sarial que propicie la puntualidad de los pagos en las transacciones comercialesVII. Ayudar a las PYME a beneficiarse más de las oportunidades que ofrece el mercado únicoVIII. Promover la actualización de las cualifica-ciones en las PYME y toda forma de innovaciónIX. Permitir que las PYME conviertan los de-safíos medioambientales en oportunidadesX. Animar y ayudar a las PYME a beneficiar-se del crecimiento de los mercados”

Juntamente con las reglas de la lla-mada Estrategia 20207, los objetivos son puestos en práctica por iniciativas nacio-nales. Aunque la Comisión y los Estados miembros son solamente “convidados” a poner en práctica los principios de la ley, hay una fuerza política responsable por canalizar los esfuerzos legislativos en una dirección específica. Así, mismo sin la responsabilidad jurídica evidenciada, los países miembros desarrollan políticas de acceso a la financiación, mejoran las con-diciones marco, los derechos de propie-dad intelectual, de incorporación de las empresas al mercado internacional, etc.

Actuación nacional: ejemplo es-pañol Como los campos de actuación de la política industrial de las pequeñas y me-dias empresas europeas es de competen-cia de los Estados miembros, es necesario analizar cómo los países han contestado las políticas propuestas en el ámbito eu-ropeo, como vimos anteriormente. Para

Page 30: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O C

omer

cial

ista

Abril

201

2

30

el interés del presente artículo, usamos como ejemplo la España. Es posible citar el desarrollo es-pañol en el área al analizar la estrategia de economía sostenible8, con actuación has-ta 2020. En el plano, hay veinte medidas que procuran mejorar la ley concursal, implantar políticas sectoriales, impulsar la innovación, hacer reformas en las re-glas administrativas, etc. También es obligatorio conocer el Plan Integral de Política Industrial 2020 (PIN-2020)9, que procura mejorar el peso de la industria en el PIP español, hacién-dola más innovadora y competitiva. A respecto de la creación de empre-sas, en España, son las comunidades au-tónomas que hacen las medidas de ayuda al desarrollo del proceso para empezar un negocio. El Estado español ayuda con reu-niones que acuerdan el reparto de dinero a algunas medidas. La gestión directa de los programas es de las comunidades au-tónomas. Juntamente con otros programas que ayudan en el desarrollo de empre-sas10, es posible notar la fuerza política de los documentos de ordenen europea11 en la política industrial estatal española.

Conclusión: ¿y la actuación del Mer-cosur?

Como vimos, la política industrial de la Unión Europea es motivada por do-cumentos con fuerza jurídica pequeña, pero con capacidades políticas capaces de introducir una línea de desarrollo norma-tivo a los países de la Unión. Pero, ¿y en el caso de Latinoamérica, más específica-mente, del Mercosur? ¿Es posible crear un conjunto de directrices semejante? Es importante conocer la naturaleza completamente distinta de la Unión Eu-ropea y del Mercosur. La Unión Europea es una organización supranacional, una vez que los Estados miembros atribuyen

Doutrinacompetencias para alcanzar sus objeti-vos12. Las instituciones europeas y la re-lación con los países miembros son mar-cadas por la existencia de una jerarquía. Con eso, las normas de la unión siguen el principio de primacía, del efecto directo, de autonomía y de todos los otros princi-pios del derecho comunitario supranacio-nal. El Mercosur es un típico ejemplo de organización de derecho internacional intergubernamental. Aquí no hay atribu-ción de competencias entre los Estados miembros, tampoco una estructura jerár-quica. Su desarrollo se encuentra limita-do a las situaciones de total consenso y cooperación entre los miembros. No hay supranacionalidad13. Es importante mencionar las po-líticas que han sido desarrolladas por el Mercosur actualmente. No podemos ol-vidar que existe una preocupación con la evolución normativa de la política indus-trial y de apoyo a las pequeñas y medias empresas de los países miembros, y esa preocupación es evidenciada en varios documentos del grupo14. Sin embargo, dada la diferencia de las comunidades, es visible percibir que el camino de integración de las políticas industriales en el Mercosur tiene más di-ficultades y que ellas tienen origen en la propia naturaleza intergubernamental del Mercosur. Sin embargo, existe la posi-bilidad de empezar un trabajo de formu-lación de documentos y instrumentos de fuerza política que pueden ayudar o sim-plemente suportar el desarrollo común entre los países del Mercosur. Es verdad que la responsabilidad jurídica por el in-cumplimiento de las metas de esa política industrial es más difícil de existir en el Mercosur que en la Unión Europea, pero nada obsta el desarrollo de directrices po-líticas para la evolución coordenada de la política industrial entre los países del Mercosur.

Page 31: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O Com

ercialistaAbril 2012

31

Notas

1 Artículo 3.3, TUE. 2 El desarrollo del proceso de integración europeo, desde el posguerra, demostró una disponibilidad de integración económica logo en su principio. Con el pasar de los años, la integración política ganó mayor destaque, aunque siempre fue presente la preocupación económica.3 Para tener más informaciones de los umbrales nuevos e de las distinciones entre las empresas del concepto de PYME: COMISSIÓN EUROPEA. La nueva definición de PYME. en http://ec.europa.eu/enterprise/policies/sme/files/sme_definition/sme_user_guide_es.pdf.4 “Las microempresas y las pequeñas y medianas empresas (PYME) son el motor de la economía europea. Constituyen una fuente fundamental de puestos de trabajo, generan es-píritu empresarial e innovación en la UE y, por ello, son vitales para promover la competitividad y el empleo.” CO-MISSIÓN EUROPEA. La nueva definición de PYME. en http://ec.europa.eu/enterprise/policies/sme/files/sme_definition/sme_user_guide_es.pdf.5 Es posible entender que el Small business act es un ejem-plo típico del llamado Soft Law. Sobre el tema: NASSER, Salem. Fontes e Normas do Direito Internacional: Um Estudo sobre a Soft Law, 2. ed., São Paulo: Editora Atlas, 2006.6 COMISSION OF THE EUROPEAN COMMUNITIES. Small Business Act. en http://eur-lex.europa.eu/LexUri-Serv/LexUriServ.do?uri=COM:2008:0394:FIN:en:PDF.7 Más informaciones: http://ec.europa.eu/europe2020/index_es.htm.8 Ley 2/20119 Más informaciones: http://www.mityc.es/es-es/gabine-teprensa/notasprensa/documents/planintegralpoliticain-dustrial2020.pdf10 Como ejemplo e programas, tenemos: InnoEmpresa, Iniciativa RSE – PYME, Programa de promoción de Cen-tros de Apoyo a Emprendedores (CEAEs) y otros. Más in-formaciones: http://www.ipyme.org.11 Hay también otros documentos además de la Small Business Act que tienen como objetivo mejorar el entor-no empresarial, promover el espíritu emprendedor, etc. Para tener acceso a otros documentos de la Unión: http://ec.europa.eu/small-business/policy-statistics/policy/in-dex_es.htm#1. 12 Artículo 1, TUE.13 Hay varios artículos del Tratado de Asunción que evi-

Doutrinadencian el carácter intergubernamental del Mercosur y su consecuente falta de supranacionalidad. Los artículos 1, 2, 14, 16 y otras normas del grupo evidencian la necesidad de cooperación, consenso y unanimidad en variadas situ-aciones. 14 Hay objetivos en ese sentido en el Tratado de Asunci-ón, el Protocolo de Ouro Preto, la resolución Nº 90/93 del Grupo Mercado Común (GMC) y la recomendación Nº 5/98 del SGT Nº7 – “Indústria”.

Bibliografía

ANDRES SÁENZ DE SANTAMARÍA, M.P.; GONZÁLEZ VEGA, J. y FERNÁNDEZ PÉREZ, B. La Unión Europea. En http://www.iustel.comDEL POZO, C.F.M.(coord.). Evolución histórica y jurídica de los procesos de integración. Buenos Aires, 2011.DEL POZO, C.F.M. Derecho de la Unión Europea. 2. ed. Madrid: Editora Reyes, 2011.DEL POZO, C.F.M. Tratado de Lisboa. 2. ed. Madrid: Edi-tora Reyes, 2011.FERNÁNDEZ SOLA, N. La subjetividad internacional de la Unión Europea, Revista de Derecho Comunitario Euro-peo, vol. 11, pp. 197 y ss. 2005.HERNÁNDEZ, C.E.(coord.). Instituciones de Derecho Co-munitario. 1.ed. Valencia: Editora Tirant lo Blanch, 2006.LIÑÁN NOGUERAS, D. Derechos Humanos y Unión Eu-ropea. Cursos Euromediterráneos Bancaja de Derecho in-ternacional, vol V. pp. 371 y ss. 2000.NASSER, Salem. Fontes e Normas do Direito Internacio-nal: Um Estudo sobre a Soft Law, 2. ed., São Paulo: Edito-ra Atlas, 2006.PILLORENS, M. Los derechos fundamentales en el orde-namiento comunitario. Madrid, 1999.TRUYOL Y SERRA, A. La integración europea. Madrid, 1999.

João Pedro de Oliveira de Biazi es estudiante de grado por la Univer-sidad de São Paulo, especializado en Teoría y Práctica de la Integración Regional por la Universidad Alcalá de HenaresE-mail:[email protected]

Page 32: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O C

omer

cial

ista

Abril

201

2

32

Introdução

Novos atores transnacionais, de-senvolvimento tecnológico, complexifi-cação da cadeia produtiva: eis a dinâmi-ca do comércio internacional dos últimos tempos. Ampliaram-se as relações em-presariais entre diferentes partes do glo-bo, de modo que tal dinâmica implicou a demanda por soluções jurídicas que não estivessem limitadas a um certo “direito local”, revelando o enfraquecimento da distinção nacional/internacional em face da emergência de um direito transnacio-nalizado do comércio internacional. Com efeito, a interpretação de normas pela Lex Mercatoria é evidência da relativização do caráter público do Direito Internacional2, diante da transnacionalização dos merca-dos. Temos, assim, uma “ordem jurídica diferenciada não em termos territoriais, como as ordens jurídicas estatais, mas em termos da reação a um determinado setor da sociedade (economia), portanto, diferenciada ao nível dos programas nor-mativos”3.

O presente artigo tem como obje-tivo principal realizar uma breve análise acerca da natureza jurídica da Lex Mer-catoria, destacando o importante papel da arbitragem no tocante à construção de uma ordem jurídica que possibilite decisões consistentes (ordem jurídica re-

Doutrina

flexivamente “forte”)4. Cumpre salientar que não é nossa pretensão exaurir todo o tema neste espaço; pretende-se ape-nas transparecer uma nova perspectiva de abordagem que considera o alto grau de complexidade da sociedade moder-na (pluralidade discursiva, sistemas di-ferenciados funcionalmente). Para isso, requer-se uma análise pautada por uma teoria do direito que ofereça adequadas ferramentas para lidar com essa comple-xidade.

Global law without state?

O cenário multifacetado da globali-zação gerou diversas implicações no âm-bito jurídico. Do mundo esportivo (lex sportiva internationalis) ao regime jurí-dico interno das grandes multinacionais, podemos constatar, na sociedade moder-na, diversos exemplos de “direitos glo-bais” (aqueles que não decorrem direta-mente dos Estados). Teubner aponta que, diante dessa nova realidade, as teorias sobre o pluralismo jurídico devem mudar o foco de seus conceitos-chave de grupos e comunidades para discursos e redes co-municativas, pelo fato de que o direito global possui diferentes especificidades em relação ao direito internacional das nações5: as fronteiras do direito global não decorrem de um território, mas são

Lex Mercatoria: uma ordem jurídica?por Fábio Murta Rocha Cavalcante

“The debate on Lex Mercatoria is one of the rare cases in which practical legal decision-making becomes directly dependent upon legal theory. But it is astonishing how poor its theoretical foundation actually is. The entire debate is trapped in the categories of those defunct legal theories which legal practitioners seem to remember from their undergraduate jurisprudence courses”1.

(Gunther Teubner)

Page 33: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O Com

ercialistaAbril 2012

33

formadas a partir de “redes sociais invisí-veis que transcendem as fronteiras terri-toriais”; com relação às fontes jurídicas, o direito global se torna independente das legislações estatais, produzindo-se atra-vés de processos auto-organizacionais e estabelecendo laços difusos de dependên-cia perante setores sociais especializados; sua unidade consiste na variabilidade de discursos jurídicos, o que revela seu cará-ter fragmentário6.

A Lex Mercatoria aparece como um importante exemplo do chamado “direi-to global sem estados”. Desde as societas mercatorum da Idade Média, o comércio internacional revela a tendência da uti-lização de “normas jurídicas” próprias e específicas às suas necessidades, de modo que a Lex Mercatoria não é “fruto de es-quematizações preestabelecidas, mas é uma estrutura montada a partir do gênio inventivo dos comerciantes, que soube-ram gerar toda matéria-prima, hoje in-dispensavelmente manipulada pelos ju-ristas”7. Conforme aponta Bortolotti, é a partir da década de 60 do século passa-do que se inicia a consolidação de uma Nova Lex Mercatoria, tendo em vista três importantes fatores que se interrelacio-nam8: (i) a prática contratual havia de-senvolvido uma certa uniformidade em determinados setores, porém, com o pas-sar do tempo, a dinâmica dos contratos no comércio internacional conduziu ao desenvolvimento de uma generalização no tocante à regulamentação contratual que envolvia distintos setores; (ii) com o crescimento do comércio internacional, aumentou o número de conflitos entre regimes jurídicos estatais diversos, de modo que surgiram diversas formulações de princípios gerais do comércio inter-nacional, a fim de dirimir tais conflitos; e (iii) houve um aumento dos contratos “deslocalizados” (delocalizzati), discipli-

Doutrinanados em um primeiro plano pelos usos do comércio internacional.

Na década de 70, aumentam o nú-mero de sentenças arbitrais que aplicam “principes généralement admis” ou os “principes généraux largement admis ré-gissent de droit commercial internatio-nal”, formando uma jurisprudência arbi-tral que reconhece a Lex Mercatoria9. É nesse período que podemos notar indícios da formação de uma nova ordem jurídica e, como se pode perceber, não podemos analisá-la “pelo prisma comparativo dos sistemas nacionais”, já que decorre de peculiariades do comércio internacional, sendo a fundamentação dessa nova or-dem totalmente diferente daquela ineren-te às ordens estatais10.

Lex Mercatoria: uma ordem jurídi-ca

Com relação a natureza jurídica da Lex Mercatoria, não há um consenso en-tre os autores que abordam o tema. Para uns11, a Lex Mercatoria emerge como uma ordem jurídica independente das sobe-ranis estatais, pelo fato de haver uma di-retiva privada uniforme, evidenciada pe-los contratos padronizados, por práticas comerciais globais, códigos de condutas e pelas decisões arbitrais internacionais. Esse ponto de vista (defendido sobretudo por juristas franceses), segundo Teubner, pode ser dividido em três linhas princi-pais: (i) a primeira relaciona a Lex Merca-toria com a noção de direito costumeiro, o que transparece uma certa deficência no tocante aos critérios operacionais ado-tados pela Lex Mercatoria; (ii) a segunda trata a Lex Mercatoria como um “droit corporatif” dos atores econômicos glo-bais, revelando uma certa inadequação de tal posicionamento diante da realida-de atual dos dinâmicos mercados globais,

Page 34: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O C

omer

cial

ista

Abril

201

2

34

pois uma “corporação” em escala global se mostra extremamente inviável na so-ciedade hodierna; e (iii) a terceira linha afirma a presença de “contrat sans loi” e é falha justamente quando tenta conciliar a Lex Mercatoria com a tradicional doutri-na das fontes do direito.

Um segundo ponto de vista12, de-fendido largamente por juristas norte--americanos e britânicos, sustenta que a Lex Mercatoria é uma ficção jurídica, de maneira que qualquer fenômeno jurídico do mundo deve ter uma mínima ligação com certa ordem jurídica nacional. Tais juristas afirmam que costumes jurídicos não criam direito por eles mesmos (pre-cisam de um ato formal soberano de um estado para isso), que contratos padro-nizados estão sujeitos ao regime jurídico de certa ordem estatal e que a arbitragem internacional não é capaz de desenvolver um conjunto relevante de sentenças arbi-trais que se posicionem como preceden-tes de valor.

Diante dos distintos posicionamen-tos acerca da Lex Mercatoria ora explici-tados, constata-se que, a fim de entender a natureza jurídica da Lex Mercatoria, é necessária uma abordagem a partir de uma moderna teoria do direito. Utilizan-do-se os conceitos da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann, os tribunais estatais aparecem como centro do sistema jurí-dico, que, organizados, garantem a uni-versalidade da competência para decidir questões jurídicas. Com efeito, a periferia do direito consistiria de atividades usual-mente descritas como privadas, sendo o espaço que funciona como zona de con-tato entre o direito e outros sistemas fun-cionais da sociedade, onde “interests of all kinds can be represented and enforced to the best of one’s ability, notwithstanding a distinction between legal and non-legal interests”13. Nesse sentido, a Lex Merca-

Doutrinatoria emerge na periferia do sistema ju-rídico como uma ordem jurídica que se diferencia “mediante a tematização refle-xiva de regras por meio de regras”, com uma observação de segunda ordem que atribui o adjetivo de jurídico14.

Há um jogo discursivo decorrente da arbitragem internacional que possibi-lita a diferenciação dessa ordem jurídica, de modo que a arbitragem aparece como instância decisória adequada para dirimir controvérsias de negócios transnacionais (ela está no “centro da periferia”15). Seu desenvolvimento ao longo do tempo re-vela a formação de critérios operacionais, evidenciados pelo aparecimento de “di-retrizes, standards de interpretação, re-gras de direito material, regras de direito processual, estratégias de observação de regras jurídicas, regras sociais e condu-tas”16. Nesse sentido, os tribunais arbi-trais tematizam episódios comunicacio-nais a fim de possibilitar “um incremento da autoreferencialidade da ordem jurídi-ca a partir de uma ‘lógica’ de lembrança e esquecimento, de onde são selecionados os episódios comunicativos jurídicos (e.g. precedentes) que serão utilizados para comunicações e conexões futuras, esque-cendo outros não mais adequados para enfrentar as questões que se colocam ao direito”17.

O direito aparece na sociedade mo-derna multicêntrica como um sistema di-ferenciado funcionalmente. Dentro dele, manifestam-se ordens jurídicas (Lex Mer-catoria, Lex sportiva etc) subordinadas ao código binário lícito/ilícito, não obstante os diversos programas e critérios utiliza-dos por tais ordens18. Assim, diante das ideias brevemente transparecidas, perce-be-se que a Lex Mercatoria aparece como uma ordem jurídico-econômica mun-dial inserida dentro do sistema jurídico, “cuja construção e reprodução ocorrem

Page 35: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O Com

ercialistaAbril 2012

35

primariamente mediante contratos e ar-bitragens decorrentes de comunicações e expectativas recíprocas estabilizadas nor-mativamente entre atores e organizações privadas”19.

Conclusões

Constata-se que muitos trabalhos no tocante à Lex Mercatoria utilizam um paradigma ultrapassado para lidar com a emergência de novas ordens jurídicas que não guardam relação de dependência com as ordens estatais. A análise da situação realizada por Teubner e Rodrigo Men-des, utilizando como ponto de partida a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann, considera a complexidade da sociedade moderna e revela o desenvolvimento da Lex Mercatoria como uma ordem que se reproduz através do código lícito/ilícito e utiliza seus próprios critérios operacio-nais, de maneira que a arbitragem inter-nacional ganha destaque (posição central na periferia) no âmbito da produção de sentido dessa nova ordem.

Notas

1 TEUBNER, Gunther. Global Bukowina: Legal Pluralism

in the World-Society. In: Gunther Teubner (ed.), Global

Law Without A State. Dartsmouth, London 1996.2 FARIA, José Eduardo. A globalização econômica e sua

arquitetura jurídica (dez tendências do direito contempo-

râneo). Pg. 18 e ss.3 MENDES, Rodrigo Octávio Broglia. Arbitragem, Lex

Mercatoria e Direito Estatal: uma análise dos conflitos

ortogonais no Direito Transnacional. São Paulo: Quartier

Latin, 2010. Pg. 95.4 Marcelo Neves aponta que a Lex Mercatoria “é oportuna

para favorecer a estabilidade jurídica do jogo econômico,

mas não está em condições de garantir a igualdade jurídi-

ca. Diante dos processos reflexivos altamente dinâmicos

do mecanismo monetário no plano da economia mundial,

Doutrinaa reflexividade da lex mercatoria é ainda muito débil” (NE-

VES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Edito-

ra WMF Martins Fontes, 2009. Pg. 112). Este artigo tem

como objetivo destacar de que forma a arbitragem, fonte

da lex mercatoria, pode colaborar positivamente no que

concerne ao desenvolvimento de uma ordem jurídica cada

vez mais eficiente no que tange ao atendimento das de-

mandas do comércio internacional.5TEUBNER, Gunther (1996). 6 TEUBNER, Gunther (1996). 7 STRENGER, Irineu. Direito do comércio internacional e

Lex Mercatoria. São Paulo: LTr, 1996. Pgs. 151-152.8 BORTOLOTTI, Fabio. Manuale di diritto commerciale

internazionale. Padova, CEDAM, 2009. Pgs. 31-32.9 BORTOLOTTI, Fabio (2009) Pgs. 33-34.10 STRENGER, Irineu. Direito do comércio internacional e

Lex Mercatoria. São Paulo: LTr, 1996. Pg. 166.11 TEUBNER, Gunther (1996). 12 TEUBNER, Gunther (1996). 13 LUHMANN, Niklas. Law as a social system. Oxford Uni-

versity Press, 2004. Pg. 293.14 MENDES, Rodrigo Octávio Broglia (2010) Pgs. 94-95.115 MENDES, Rodrigo Octávio Broglia (2010) Pg. 88.16 MENDES, Rodrigo Octávio Broglia (2010) Pg. 101.17 MENDES, Rodrigo Octávio Broglia (2010) Pg. 92.18 NEVES, Marcelo (2009) Pg. 115.19 NEVES, Marcelo (2009) Pg. 189.

Bibliografia

BORTOLOTTI, Fabio. Manuale di diritto commerciale in-

ternazionale. Padova, CEDAM, 2009.

FARIA, José Eduardo. A globalização econômica e sua ar-

quitetura jurídica (dez tendências do direito contemporâ-

neo).

LUHMANN, Niklas. Law as a social system. Oxford Uni-

versity Press, 2004.

MENDES, Rodrigo Octávio Broglia. Arbitragem, Lex Mer-

catoria e Direito Estatal: uma análise dos conflitos ortogo-

nais no Direito Transnacional. São Paulo: Quartier Latin,

2010.

NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo:

Editora WMF Martins Fontes, 2009.

STRENGER, Irineu. Direito do comércio internacional e

Page 36: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O C

omer

cial

ista

Abril

201

2

36

Lex Mercatoria. São Paulo: LTr, 1996.

TEUBNER, Gunther. Global Bukowina: Legal Pluralism in

the World-Society. In: Gunther Teubner (ed.), Global Law

Without A State. Dartsmouth, London 1996.

Doutrina

Fábio Murta Rocha Cavalcante é estudante do 3° ano da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, bolsista-pesquisador da Fundação ao Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e membro do Grupo de Estudos “Arbitragem e contratos internacionais - ABCINT”.E-mail:[email protected]

Page 37: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O Com

ercialistaAbril 2012

37

Na estante: LançamentosMANUAL DE DIREITO EMPRESARIAL

3ª edição - 2012

Apresentação: Prof. Dr. Enrique Ricardo Lewan-dowski

Manual de Direito Empresarial re-sulta da experiência acadêmica do autor há mais de uma década no magistério do Direito Comer-cial, aliada à sua atividade profissional no exer-cício da advocacia empresarial em São Paulo.

Elaborado de acordo com a nova Lei da Empresa Individual de Responsabilidade Limi-tada (Lei n. 12.441, de 11-7-2011) e com as mais recentes alterações introduzidas na legislação comercial, o livro aborda os principais aspectos do programa da disciplina Direito Comercial (Direito Empresarial) adotado pelas faculdades de Direito do Brasil.

A matéria, muitas vezes complexa e de difícil entendimento, é apresentada por meio de uma didática simples, voltada à sua correta defi-nição e entendimento, sendo, por isso, este Ma-nual de Direito Empresarial recomendado aos profissionais e estudantes dos cursos de Direito, Ciências Contábeis e Administração de Empre-sas, bem como aos candidatos aos concursos pú-blicos para ingresso nas carreiras jurídicas.

Editora Revista dos Tribunais3ª edição – 2012 – 450 páginas

AUDITORIA DAS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS

A auditoria externa de demonstrações contábeis é um instrumentos importante para o desenvolvimento do mercado, pelo fato de adi-cionar credibilidade e segurança às informações financeiras prestadas pelos agentes econômicos que buscam captar recursos junto ao público in-vestidor. Este livro traz uma abordagem conjun-ta, a fim de possibilitar a comunicação das duas ciências e compartilhar os problemas que o tema apresenta. A obra contempla assuntos como a natureza dos principais institutos de auditoria; seu relacionamento e importância na economia; as características jurídicas do contrato, suas obrigações, as partes contratantes e os terceiros interessados; o desenvolvimento contábil de sua execução e seu relacionamento com os sistemas de governança corporativa. Além disso, o texto examina as tendências quanto ao sistema de ris-cos e responsabilidade civil do auditor, matéria amplamente discutida no âmbito internacional.

Editora Atlas308 páginas

Page 38: O Comercialista - Vol. IV - Abril 2012

O C

omer

cial

ista

Abril

201

2

38

Apoio Institucional

Seja um apoiador

[email protected]