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omercialista Revista de Direito Comercial e Econômico Ano 2 Volume 6 4° trimestre 2012 Modesto Carvalhosa foi professor de di- reito comercial da USP, consultor da Bo- vespa e presidente do Tribunal de Ética da OAB-SP. Trata-se de um dos maiores advogados da história do Brasil, tendo em vista seu trabalho no âmbito jurídico. É autor dos “Comentários à Lei das So- ciedades Anônimas”, publicados em 1977 e ainda de grande relevância nos dias atuais. A entrevista exclusiva transpare- ce uma verdadeira lição de vida para to- dos aqueles que trabalham com o direito. Os limites da cópia: Os debates sobre copycats sob a perspectiva do ordena- mento jurídico brasileiro Considerações em torno do pro- jeto de lei de Código Comercial Liberdade Política, Liberdade Econômica e os caminhos para o desenvolvimento brasileiro Nova Bolsa de Valores. Vantagem? Entrevista exclusiva com Modesto Carvalhosa por Luis Felipe B. Luz e Pedro Henrique S. Ramos por Fábio Ulhoa Coelho por Vinicius Augusto Nunes Pecora por João Pedro de Oliveira de Biazi por Matheus Massari http://colunistas.ig.com.br/guilhermebarros/files/2011/08/7-Modesto-Carvalhosa-Foto-Mario-Leite.jpg

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O Comercialista - Revista de Direito Comercial e Econômico dos Estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco

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Page 1: O Comercialista - Vol. VI - 4º Trimestre 2012

omercialistaRevista de Direito Comercial e Econômico

Ano 2 Volume 6 4° trimestre 2012

Modesto Carvalhosa foi professor de di-reito comercial da USP, consultor da Bo-vespa e presidente do Tribunal de Ética da OAB-SP. Trata-se de um dos maiores advogados da história do Brasil, tendo em vista seu trabalho no âmbito jurídico. É autor dos “Comentários à Lei das So-ciedades Anônimas”, publicados em 1977 e ainda de grande relevância nos dias atuais. A entrevista exclusiva transpare-ce uma verdadeira lição de vida para to-dos aqueles que trabalham com o direito.

Os limites da cópia: Os debates sobre copycats sob a perspectiva do ordena-mento jurídico brasileiro

Considerações em torno do pro-jeto de lei de Código Comercial

Liberdade Política, Liberdade Econômica e os caminhos para o desenvolvimento brasileiro

Nova Bolsa de Valores. Vantagem?

Entrevista exclusiva com Modesto Carvalhosa

por Luis Felipe B. Luz e Pedro Henrique S. Ramos

por Fábio Ulhoa Coelho

por Vinicius Augusto Nunes Pecora

por João Pedro de Oliveira de Biazi

por Matheus Massari

http://colunistas.ig.com.br/guilherm

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Editorial

É de se pensar em como o conhecimento pode nos auxiliar a compreender nosso mundo cada vez mais complexo, permeado por mudanças cujo ritmo parece traçar uma curva de crescimento ex-ponencial. Afirma-se que estamos próximos do “joelho da curva”, momento no qual, essas mudanças se tornam perceptíveis e seus resultados explodem e geram transformações sem precedentes. Exa-mente nesse instante que o debate se faz mais necessário. Nesse contexto, a atual edição de O Comercialista se mostra essencial. Os temas nela desen-volvidos buscam trazer ao leitor a compreensão dos vetores que regem essas mudanças. Primei-ramente, temos a continuação do debate sobre o Novo Código Comercial, com excelente artigo do professor Fábio Ulhoa Coelho, idealizador do projeto. Além disso, em entrevista exclusiva a O Co-mercialista, Modesto Carvalhosa, além de abordar, com a maestria que lhe é peculiar, o tema, pon-derando sobre a necessidade do novo instrumento legal, compartilha suas impressões e vivências. Essas visões, juntamente com o artigo de Erasmo Valladão França e da entrevista de Paula Forgioni (disponíveis na edição do 3° trimestre de 2012) procuram demonstrar a importância da inserção desse debate nas mais variadas searas do conhecimento. Outra questão de importância crucial na atualidade envolve os problemas societários advin-dos do surgimento e expansão da internet. Para muitos, em especial para os que não estão em con-tato com o universo jurídico, considerar essa realidade como uma novidade é extremamente ultra-passado. Contudo, esse assunto demonstra uma das maiores fraquezas de nosso direito, a lentidão com que seus operadores têm compreendido e implementado mudanças, como nos lembrou José Eduardo Faria ainda em nossa primeira edição. Exemplo dessa situação é a recente discussão sobre o Marco Civil da internet e o constante adiamento de sua aprovação. Nesse sentido percebemos que situações inéditas muitas vezes exigem ações também singulares e, por isso, o artigo de Luis Felipe Baptista Luz e Pedro Henrique Soares Ramos, tratando do tema que não mais pode ter sua discussão procrastinada em nosso país, vem em oportuno momento. Em consonância com as principais discussões acadêmicas que se travam na atualidade, a dicotomia liberalismo e intervenção estatal novamente se mostra presente em O Comercialista em excelente artigo de Vinicius Pecora. Essa discussão, por exemplo, é ressuscitada no recém-publicado livro “Keynes Hayek: The Clash that Defined Modern Economics” que retoma o intenso conflito in-telectual entre os dois economistas e sua implicação após a crise financeira de 2008 e na releitura do economista Edmar Bacha de sua fábula da Belíndia para um Brasil redemocratizado e que desfruta de um período de estabilidade e crescimento com melhor distribuição de renda, apesar de em diver-sos aspectos da política continuarem a existir características de um país subdesenvolvido. No campo da economia ainda contamos com o artigo de Matheus Massari sobre a criação de uma nova bolsa no Brasil e suas implicações, em um momento em que se discute se os estímulos da Securities and Exchange Commission para a criação de novas bolsas contribuíram para a crise financeira de 2008. Esses artigos demonstram que sim, pode-se produzir conhecimento inédito e com qualidade no Brasil, ao contrário do que muitos afirmam. Constatação que já fora feita por Albert Hirschman ao analisar a América Latina e detectar sua síndrome de “fracassomania”, isto é, a insistência em apontar as dificuldades e não reconhecer os avanços. Por isso, reconhecemos, de forma nada modes-ta, os avanços que O Comercialista tem proporcionado, neste seu um ano de existência, às discus-sões de direito Comercial e Econômico, oferecendo um espaço democrático para o debate de ponta entre intelectuais de renome, alunos e qualquer um que queira contribuir para a compreensão de um mundo de muitas dúvidas e questões abertas. Agradecemos a todos os leitores de O Comercialista que caminharam juntos conosco, ajudan-do-nos a, cada vez mais, promover o debate e criar oportunidades para se pensar.

Saudações Comercialistas,

Conselho Editorial

Apontamentos Comercialistas

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Corpo Editorial

ÍndiceConselho Editorial

Fábio Murta Rocha Cavalcante

João Pedro de Oliveira de Biazi

João Vicente Carvalho

Pedro Alves Lavacchini Ramunno

Rafael de Oliveira Barizan

Articulistas desta edição

Fábio Ulhoa Coelho

Luis Felipe Baptista Luz

Matheus Massari

Pedro Henrique Soares Ramos

Vinicius Augusto Nunes Pecora

Repórter desta edição

João Pedro de Oliveira de Biazi

Fale Conosco

[email protected]

4 | Opinião

13 | Perfil

19 | Opinião

22 | Atualidades

26 | Doutrina

A Revista de Direito Comercial e Econômico dos Estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – O Comercialista – é uma publicação trismestral, independente, com o escopo de fomentar a produção acadêmico-cien-tífica nas áreas de Direito Comercial e Econômico Contato (11) 981335813 – [email protected] – www.ocomercialista.com.br Editor Responsável Pedro A. L. Ramunno – [email protected] - Nota aos leitores As opiniões expressas nos artigos são as de seus autores e não necessariamente as de O Comercialista nem das instituições em que atuam Reprodução É proibida a reprodução ou transmissão de textos desta publicação sem autorização prévia.

Entrevista exclusiva com Modesto Carvalhosa

Nova Bolsa de Valores. Vantagem?

Liberdade Política, Liber-dade Econômica e o de-senvolvimento brasileiro

Os limites da cópia: Os de-bates sobre copycats sob a perspectiva do ordena-mento jurídico brasileiro

Considerações em torno do projeto de lei de Código Comercial

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Considerações em torno do projeto de lei de Código Comercial

Fiquei muito feliz com o convite que recebi dos editores de O Comercialis-ta para escrever sobre o Projeto de Lei de Código Comercial. Acompanho este veí-culo eletrônico desde o seu nascimento e tenho apoiado a iniciativa com entusias-mo. Aliás, o surgimento, sob as arcadas da mais importante Faculdade de Direito brasileira (FADUSP), de um instrumento dedicado ao debate e difusão dos temas de direito comercial, comprova, ao lado de outros importantes acontecimentos recentes (os Congressos Brasileiros de Direito Comercial, a Jornada de Direito Comercial do STJ, a formação da Câmara Especializada em Direito Empresarial no TJSP, seminários e simpósios em todo o país, etc), a revitalização da nossa disci-plina no Brasil. Esta revitalização não acontece por acaso. A economia brasileira mudou rápi-da e significativamente na última década, reposicionando-se no contexto da eco-nomia global. E mudança dessa magni-tude reclama e provoca um novo direito comercial. Conceitos jurídicos que talvez fizessem sentido até o último quarto do século passado, ou mesmo nos primeiros anos do corrente, mostram-se hoje insufi-cientes ao atendimento das necessidades impostas pelo crescimento e pujança de nossa economia. A unificação do direito privado das obrigações é um claro exem-plo de conceito jurídico descompassado com tais necessidades. Na verdade, as mudanças na con-figuração jurídica da microeconomia já estão em curso e, certamente, serão con-

solidadas. E esta consolidação, se estiver acompanhada da adequada atualização da lei, será mais racional, célere e segu-ra, será menos custosa para as empresas e consumidores. Normas positivadas sob a inspiração de conceitos jurídicos formu-lados quando não era minimamente pre-visível o reposicionamento da economia brasileira da última década atrasam a re-configuração da microeconomia, exigin-do maior esforço doutrinário e jurispru-dencial. Direito positivo ajustado ao seu tempo sempre será um facilitador para a economia. Este artigo está dividido em três partes, além da introdução e uma brevís-sima conclusão. A primeira é dedicada à discussão da necessidade de um Código Comercial, no plano teórico, enquanto a segunda seção trata do mesmo tema, no plano prático. A terceira cuida das críticas e aperfeiçoamentos.

NECESSIDADE DO CÓDIGOCOMERCIAL – PLANO TEÓRICO

Convido o leitor de O Comercialista a refletir, inicialmente, sobre qual, entre os dois dos seguintes elementos, seria o mais importante para a segurança jurí-dica: o direito positivado ou os valores cultivados pela sociedade? Não hesito em concluir que o direito positivado tem me-nos peso que os valores sociais, quando o assunto é a segurança jurídica. Normas bem redigidas, claras e racionais são, evi-dentemente, desejáveis, mas não propor-cionam segurança jurídica se estiverem

Opinião

por Fábio Ulhoa Coelho

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Opiniãoem dissonância com os valores cultivados pela sociedade. Veja o tema do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Em relação a este ponto, a norma de direito positi-vo não se alterou, no direito brasileiro, desde a edição da atual Constituição em 1988. O art. 226, da CF, só foi emendado relativamente às condições da dissolução do casamento. O texto é rigorosamente o mesmo quanto à questão da diversidade sexual dos nubentes. Aliás, casamento entre pessoas do mesmo sexo é o exemplo de “ato jurídico inexistente”, encontrado em todos os manuais de direito civil pu-blicados até recentemente. Diziam os ci-vilistas que o direito brasileiro só admitia casamento entre pessoas de sexos dife-rentes. Mas, o que acontece hoje em todo o país? Pessoas do mesmo sexo casam-se nos cartórios de registro civil, sem preci-sarem buscar em juízo o reconhecimen-to deste direito. Assim é desde que o Su-premo Tribunal Federal reconheceu, em 2011, que a Constituição Federal ampara a união estável homoafetiva. Ora, como esta mesma Constituição estimula a con-versão das uniões estáveis em casamentos (art. 226, § 3º, in fine), não se pode con-siderar repudiado pelo direito brasileiro o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Pois bem. O que mudou de 1988 a 2011? Não foi o direito positivo. Como visto, a norma constitucional vigente, em todos estes anos, não se alterou. Muda-ram, na verdade, os valores da sociedade brasileira. Era tão evidente, aos redatores do dispositivo normativo em 1988, que casamento só podia ser enlace entre um homem e uma mulher, que o texto não ex-plicitou esta condição. Alterações nos va-lores sociais puderam se expressar, então, por meio de nova interpretação do mes-mo direito positivo.

Que lições podemos extrair desta reflexão? Penso na seguinte: se queremos maior segurança jurídica (e previsibili-dade das decisões judiciais) no campo do direito comercial, não basta dedicarmos nossos esforços à simples melhoria do di-reito positivo. Se a mudança da qualidade da lei não se fizer acompanhar de ações em torno dos valores nutridos pela socie-dade, podem resultar infrutíferos nossos maiores esforços. Em suma, se o objetivo é buscarmos maior segurança jurídica no campo do di-reito comercial, precisamos nutrir deter-minados valores sociais. Os brasileiros precisam reconhecer a importância que tem, para toda a sociedade, a proteção à empresa (entendida em seu sentido téc-nico, de “atividade econômica organiza-da”). Sem esta maturação nos valores cul-tivados pela generalidade dos brasileiros, dificilmente a mera mudança legislativa proporcionará maior segurança jurídica nas matérias afetas ao direito comercial. Já me referi a esta maturação pela ima-gem do ato de recoser um tecido esgarça-do. A esta premissa, agrego mais uma. O próprio direito positivo pode ser instru-mento de afirmação (ou reafirmação) de valores sociais, desde que tenha determi-nadas características. Em outros termos, um Código Comercial – e é esta a funda-mentação de sua necessidade, no plano teórico – pode ser o veículo do aumento da segurança jurídica e previsibilidade das decisões judiciais; mas só poderá ser-vir a tal intento se for um código princi-piológico. Antes, desfaça-se um equívoco. Código principiológico não é um diplo-ma legal composto exclusivamente por princípios. A Constituição de 1988 é principiológica, mas nela se encontram,

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também, regras; o Código de Defesa do Consumidor é principiológico, mas ao lado dos princípios, há nele várias regras. Que define, então, um código como prin-cipiológico? É a importância concedida aos princípios. Código principiológico é o que confere centralidade aos princípios jurídicos. E aqui adentramos a uma reflexão muito rica, que tem ocupado teóricos e fi-lósofos do direito de todo o mundo nas úl-timas décadas – a questão dos princípios jurídicos. Convido, então, o leitor de O Comercialista a fazer uma pesquisa. De-bruce-se sobre grandes autores nacionais da primeira metade do século anterior, como Clóvis, Vicente Ráo, Carlos Maxi-miliano, Pontes de Miranda, Caio Mário. Veja o que falam acerca do tema. Nestes autores, os princípios correspondem ao derradeiro instrumento de superação de lacunas, consoante o art. 4º da LINDB. Mais que isto, são considerados algo ex-terno ao direito positivo, numa vaga re-ferência à “cultura do povo”. Em seguida, atente aos autores contemporâneos. To-me-se, por exemplo, uma obra preciosa da literatura jurídica dos nossos tempos, o livro Ensaio e discurso de Interpretação/Aplicação do direito de autoria de Eros Grau. Notará o leitor profunda mudança na abordagem do tema. Princípios, hoje, são vistos não mais como simples ins-trumento de superação de lacunas, mas como os fundamentos do direito. Não só isto. Todos consideram que os princípios integram o próprio direito positivo, im-plícita ou explicitamente. Numa palavra, são vistos hoje como espécies de normas jurídicas. O mesmo Eros Grau identifica clara alteração no modo de raciocinar juridica-mente, ocorrida no Brasil, desde a edição da atual Constituição Federal. Fala numa

Opiniãomudança de paradigma: o argumento jurídico passa a construir-se em torno dos princípios. Faço, aqui, mais um con-vite ao leitor de O Comercialista: compul-se o índice dos manuais e cursos de sua estante; confira que, na maioria das áreas jurídicas (constitucional, tributário, ad-ministrativo, trabalhista, previdenciário, consumidor, etc), os autores contempo-râneos dedicam ao estudo sistematizado dos respectivos princípios um dos primei-ros capítulos de suas obras. Esta centralidade dedicada aos princípios somente não se confirma em algumas poucas áreas, entre elas o direito comercial. Nenhum dos manuais e cur-sos de nossa disciplina, surgidos depois de 1988, confere a mesma importância dada aos princípios pelos autores da ge-neralidade das áreas jurídicas. Cheque em Sérgio Campinho, Haroldo Verçosa, Vera Helena de Mello Franco, Gladston Mamede, Ricardo Negrão, Marlon To-mazette, André Luiz Santa Cruz Ramos e demais comercialistas. Anoto que o meu Curso, até a edição de 2011, também não trazia nenhum estudo introdutório dos princípios de direito comercial; e ainda não tive condições de incluí-lo nas edi-ções mais recentes do meu Manual. Na verdade, penso que este distan-ciamento dos comercialistas em relação ao paradigma dos princípios reflete, no campo da doutrina, o esgarçar dos valo-res sociais caros à nossa disciplina. Todas as normas realizam valores, sejam princí-pios ou regras. Mas os princípios, em ra-zão de seu âmbito mais largo de incidên-cia, realizam valores de percepção mais imediata pelas pessoas. É mais fácil expli-car ao leigo o princípio da vulnerabilidade do consumidor do que as regras sobre os prazos decadenciais para reclamar con-tra defeitos nos produtos. E exatamente

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porque os princípios concretizam valores de mais rápida percepção (e assimilação), enunciar e estudar aqueles e recoser estes é um único e mesmo processo. A resistência que o direito comer-cial oferece ao paradigma dos princípios tem custado caro à segurança jurídica na nossa área. Veja a questão da limita-ção da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais. É regra de direito vi-gente, mas como não temos nos dedicado a mostrar o seu enraizamento no princí-pio constitucional da liberdade de inicia-tiva, ela parece, aos olhos desavisados da maioria dos juízes, uma “desculpa de mau pagador”. As regras de direito comercial têm perdido eficácia porque não estamos tendo competência para construir argu-mentos centrados nos princípios. As dis-torções na teoria da desconsideração da personalidade jurídica são desalentado-res resultados da relutância do direito co-mercial em aderir ao paradigma dos prin-cípios, em falar a mesma linguagem que as demais áreas do direito estão falando. Dworkin ensina que o conflito en-tre duas regras é solucionado pela inva-lidação de uma delas. Se duas regras são conflitantes, uma delas não vale (já foi revogada, é inconstitucional, etc). Mas na colisão entre dois princípios, a valida-de não é o critério. Os juízes adotam um princípio em detrimento de outro, não porque o adotado seja válido e o descar-tado, não. Eles prestigiam o princípio que tem maior peso (weight) em cada caso. Atualmente, na Justiça do Traba-lho, muitas vezes conflitam, de um lado, o princípio da hipossuficiência do empre-gado (que impede transferir a ele os riscos da empresa) e, de outro, o da autonomia da pessoa jurídica (que impede cobrar do sócio a divida da sociedade). Neste con-flito, o princípio do direito do trabalho

acaba, em geral, prevalecendo sobre o do direito comercial. Se pretendemos que as regras da nossa disciplina jurídica voltem a ter eficácia, é necessário que encontre-mos meios de conferir maior peso aos princípios do direito comercial. Neste contexto, insere-se o Projeto de Lei de Código Comercial. Trata-se de código principiológico, por conferir cen-tralidade aos princípios, e dar-lhes maior peso. E como este resultado advirá de tal Código? A aprovação de um código princi-piológico tornará os princípios do direito comercial matéria de reflexão obrigatória dos estudiosos do direito. Palestras, semi-nários e simpósios dedicar-se-ão ao tema. Eles passarão a ser pontos dos programas de direito comercial em todas as faculda-des de direito do país. Mais que isto: seu conhecimento será cobrado nos exames da OAB, concursos para juízes e promo-tores de justiça, etc. A reflexão obrigatória sobre os prin-cípios de direito comercial, que a vigência de um código principiológico desencade-ará, corresponde, assim, ao meio mais efi-ciente de recoser os valores sociais caros à nossa disciplina. Não se dissociam os processos de enunciação, difusão e estu-do dos princípios jurídicos fundamentais do direito comercial (liberdade de inicia-tiva, livre competição, função social da empresa, autonomia da vontade, inerên-cia do risco etc) e de introjeção, pela co-munidade jurídica (de início) e por toda a sociedade (em seguida), dos valores cor-respondentes à importância que a prote-ção da empresa tem para todos nós.

NECESSIDADE DO CÓDIGOCOMERCIAL – PLANO PRÁTICO

Há juristas resistentes à ideia de um

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Código Comercial por considerarem que a matéria empresarial deve ser discipli-nada em diplomas legais específicos para cada sub-área (falam, em geral, em “mi-crossistemas”). É, por exemplo, a opinião de Rachel Stzajn. Outros consideram que as codificações são fenômenos do passa-do e não mais se justificam nos dias atu-ais. Entre estes últimos, Calixto Salomão Filho propôs uma lei de declaração de princípios e regras identificadoras dos in-teresses em jogo (que denominou de “dis-positivos declaratórios”), tendo ademais redigido a minuta do respectivo projeto. Finalmente, há aqueles que consideram oportuno proceder-se simplesmente à revisão do Código Civil, mediante lei que fundamentalmente altere o Livro II da Parte Especial. A civilista Judith Martins--Costa é defensora desta solução. A necessidade de um Código Co-mercial, como sustento, bem assim cada uma destas alternativas, podem e devem ser discutidas e esmiuçadas no plano te-órico. Mas acho altamente improvável chegarmos a solução que entusiasme a unanimidade dos doutrinadores e comer-cialistas. No plano prático, porém, há larga margem para chegarmos a um denomina-dor comum, que, mesmo não recebendo unânime aceitação, tem o inegável poten-cial de aglutinar contingente significati-vamente maior de comercialistas. A que me refiro, ao falar em plano “prático”? Especificamente às diferenças entre a tramitação de um projeto de lei “de código” e a de um projeto de lei “sim-ples” (isto é, que não se refere a “código”). Dar consistência à tramitação de um projeto de lei “de código” é muito difí-cil. Os regimentos internos das Casas Le-gislativas limitam a dois os projetos deste tipo que podem tramitar simultaneamen-

te. Desencadear as providências regimen-tais, por outro lado, depende de eficiente articulação política com as lideranças de todos os partidos representados no Par-lamento, como explicarei mais à frente. Mas, uma vez superadas estas dificulda-des iniciais, a tramitação do projeto de lei “de código” revela-se o caminho significa-tivamente mais rápido para os que dese-jam aperfeiçoar o direito em vigor. Como se faz a tramitação de proje-to de lei “simples”? Ele deve ser discutido e votado no âmbito de várias Comissões Permanentes, sendo obrigatoriamente a Comissão de Justiça a primeira delas em qualquer caso. Em cada uma das comis-sões permanentes, é escolhido um relator e abrem-se prazos para emendas. De cada comissão permanente participam dife-rentes parlamentares. Quer dizer, os es-forços para eles se informarem a respeito da matéria sobre a qual vão deliberar se reiniciam em cada uma das duas, três ou quatro comissões permanentes por que normalmente transita o projeto de lei “simples”. Mais que tudo, porém, é a circuns-tância de que o projeto de lei “simples” disputa a pauta, em cada uma das comis-sões permanentes, com milhares de ou-tros projetos. Cada propositura aguarda silenciosa e ansiosamente chegar o mo-mento político mais propício para ser dis-cutida e votada em cada uma das comis-sões permanentes. E como acontece a tramitação dos projetos de lei “de código”? Os regimen-tos preveem a discussão e votação numa única comissão especial. Os parlamenta-res que devem se informar para discuti-rem e votarem o projeto não são alterados (como ocorre na passagem de uma comis-são permanente a outra). É um só relator--geral (auxiliado pelos relatores parciais)

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e os prazos para entrega de emendas não se reiniciam. Mais importante, porém, é que o projeto de lei “de código” não dis-puta a pauta com nenhuma outra propo-situra: sempre que a comissão especial se reúne trata exclusivamente daquele pro-jeto. Claro, como eu disse de início, dar consistência à tramitação de um projeto de lei “de código” é muito mais difícil. Isto porque o Presidente da Casa Legislativa deve criar a comissão especial. E na mesa dele repousam, em geral, centenas de pe-didos de criação de comissões especiais. É necessário, assim, em primeiro lugar, que o Presidente da Casa Legislativa se convença da importância e necessidade daquele “código”. Mas não basta o Presidente da Casa Legislativa considerar relevante determi-nado “código” para que a comissão espe-cial se viabilize. Os regimentos internos, numa disposição bastante saudável, pre-veem que a comissão especial só se instala depois das indicações dos seus integran-tes pelas lideranças de todos os partidos políticos. Quer dizer, se estas lideranças não estiverem igualmente convencidas de que certo “código” é necessário e impor-tante para o país, a comissão criada sim-plesmente não é instalada – e isto, aliás, acontece com alguma frequência. O Projeto de Lei de Código Co-mercial foi apresentado pelo Deputado Vicente Cândido (PT-SP) em junho de 2011. Logo em seguida, chegou à Câma-ra dos Deputados o projeto de Código de Processo Penal, vindo do Senado. Como já estava tramitando o projeto de Código de Processo Civil, somente um deles po-deria ter sua tramitação iniciada. O De-putado Marco Maia (PT-RS), presidente da Câmara dos Deputados, em dezembro de 2011, criou a comissão especial para

o Código Comercial. Seguiu-se o recesso parlamentar. Iniciada, em 2 de fevereiro, a sessão legislativa de 2012, as lideranças dos partidos políticos fizeram suas indica-ções e a comissão foi instalada em março, com a eleição do Deputado Arthur Maia (PMDB-BA) para a presidência e a esco-lha do Deputado Paes Landim (PTB-PI) para a relatoria geral. Com a instalação da comissão es-pecial para o Código Comercial, abriu-se uma janela de oportunidades única para ajustarmos a legislação de direito comer-cial às necessidades atuais da economia brasileira. Todo e qualquer assunto pode ser revisto, seja trazendo a disciplina do tema para o Código, seja fazendo mudan-ças pontuais na respectiva lei, mediante disposição transitória. Note que nenhuma das demais al-ternativas aventadas, entre os comercia-listas e civilistas, para o aprimoramento do direito positivo empresarial (lei princi-piológica, diplomas específicos para cada microssistema ou revisão do Código Ci-vil), abriria a mesma janela de oportuni-dades. Como seriam viabilizadas por pro-jetos de lei “simples”, a tramitação destes enfrentaria inevitavelmente a sucessiva substituição dos parlamentares envolvi-dos e do relator, além do reinício dos pra-zos para emendas, na chegada a cada uma das comissões permanentes; e, acima de tudo, a árdua disputa política pela pauta. O projeto de lei “de código”, em suma, possibilita a concentração e otimi-zação dos ingentes esforços que gover-no, políticos, comercialistas, advogados, contadores, empresários e suas entidades devem necessariamente despender para promoverem o ajuste da legislação em-presarial, exigida pelo reposicionamento do Brasil na economia global. A modernização da disciplina da

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sociedade limitada é uma alteração con-siderada necessária e urgente por todos os comercialistas. Viabilizá-la, no bojo de um projeto de lei de “código” (depois de superadas as negociações políticas ini-ciais para a sua tramitação) é muito mais fácil do que mediante um projeto de lei “simples” acerca da mesma matéria. Os comercialistas, a despeito de suas divergências teóricas sobre o mode-lo ideal para o direito positivo brasileiro, podem, deixando-as de lado, unir suas in-teligências e energias para contribuírem, no plano prático, para o almejado aperfei-çoamento do nosso direito positivo, rela-tivamente a assuntos de extrema impor-tância como são os da sociedade limitada, documentação eletrônica, títulos de cré-dito, obrigações e contratos empresariais, crise da empresa, direito comercial marí-timo, agronegócio etc. Nesta união de inteligências e ener-gias, o modelo ideal considerado por cada jurista cede lugar à percepção pragmática de que temos em nossas mãos, hoje, uma oportunidade única para aprimorarmos o direito empresarial.

CRÍTICAS E APERFEIÇOAMENTOS

As críticas ao Projeto de Código Co-mercial são inevitáveis e desejadas. São inevitáveis as críticas, em pri-meiro lugar, porque naturalmente o Pro-jeto comporta aprimoramento. Aliás, a tramitação da propositura visa exata-mente identificar os pontos em que deve ser melhorado, suprimido, acrescido etc. Como diz Ivo Waisberg, devemos compa-rar qualquer projeto de lei com o direito existente, e não com o direito ideal. Con-frontado com as leis postas, podem ser identificadas suas qualidades e defeitos; contraposto ao direito ideal, inevitavel-

mente qualquer projeto se mostrará in-satisfatório. Aliás, neste último caso pre-cisaríamos, antes de fazer a comparação, definir consensualmente qual seria o di-reito ideal paradigmático, empreitada fa-dada ao inexorável insucesso. São inevitáveis as críticas, também, porque cada comercialista pensa, em ra-zão de seus próprios estudos e valores, em soluções diferentes para os mesmos pro-blemas. Se todos escrevessem, em separa-do, as suas minutas de Código Comercial, não teríamos duas iguais, tanto na forma como, principalmente, no conteúdo. Não podemos esquecer, ademais, que a maioria dos advogados cultiva dois traços de personalidade bastante nítidos, não encontrados em nenhuma outra pro-fissão (nem mesmo entre os demais pro-fissionais jurídicos). Estes traços, em mui-tos casos, vão se acentuando com a idade. Refiro-me, de um lado, à resistência ini-cial às novidades, e, de outro, ao constan-te exercício do contraditório. Temos sido treinados nestas duas capacitações, nos últimos séculos, para podermos desem-penhar as funções ligadas à advocacia. A habilidade em construir pontos de vista alternativos (ao apresentado pelo autor da demanda ou pelo promotor de justiça), partindo das mesmas premissas (o direito vigente), é, em certo sentido, a marca da competência entre os advogados. Tenho ouvido relatos de alguns de-putados de que, quando está em discus-são projeto de lei concernente a tema liga-do à medicina ou engenharia, os técnicos conseguem alcançar relativo consenso, agindo cooperativamente, e contribuindo para a decisão política. Mas, quando em pauta questão eminentemente jurídica, frustram-se as mais tênues expectativas quanto a atitudes cooperativas dos pro-fissionais da área na construção de con-

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sensos mínimos. A maioria de nós é assim mesmo: cultores do contraditório. Além de inevitáveis, as críticas são desejadas. Em primeiro lugar, para que a deci-são política em torno do futuro Código seja a mais eficiente. Sadam Hussein acredita-va que o exército iraquiano era capaz de vencer o norte-americano, quando ocor-reu a invasão de 2003, porque já manda-ra matar alguns dos seus comandantes militares que, lucidamente, tinham pos-to em dúvida esta capacidade. Depois de tal sandice, nenhum outro comandante aventurava-se a lhe trazer qualquer in-formação negativa, preferindo sacrificar a verdade. A democracia é, sob todas as perspectivas, um regime bem mais efi-ciente que a ditadura porque pressupõe a plena liberdade de crítica. Em segundo lugar, porque o Códi-go é sempre o resultado de um trabalho coletivo, em que tudo está exposto à crí-tica. Não existe nenhum Código escrito por uma só pessoa, embora sempre haja alguém encarregado (ou que se encarre-ga) de rascunhar o texto inicial, a minuta. Além disto, e por mais paradoxal que seja, as críticas são desejadas porque, sem elas, não há condições políticas para a tramitação de qualquer projeto de lei. As críticas delimitam as alternativas apre-sentadas à decisão dos Parlamentares; oxigenam a política. Na história da tra-mitação do Projeto de Código Comercial, a explicitação das críticas mostrou sua importância. Até novembro de 2011, não havia ecoado na Câmara dos Deputados nenhuma das críticas então manifestadas por alguns advogados de empresa. Na au-diência pública realizada na Comissão de Justiça, somente vozes favoráveis à ini-ciativa haviam se manifestado. Pois bem, naquele mês de novembro, um jornal de

circulação nacional, ao noticiar as conclu-sões de simpósio ocorrido na FIESP, deu destaque apenas às críticas, e omitiu as referências favoráveis ao Projeto (feitas, entre outros, por Luciano Timm e por Sér-gio Campinho). A repercussão da matéria jornalística na Câmara dos Deputados foi imediata e, passadas duas semanas, esta-va criada a comissão especial do Código Comercial. Percebe o leitor de O Comercialis-ta que algumas críticas não resultam em qualquer aperfeiçoamento do Projeto. Estão entre estas as veiculadas por meio de trocadilhos infames, “objurgatórias destemperadas” (a expressão é de Fábio Konder Comparato) ou desonestos false-amentos de premissas. Importam, a rigor, verdadeiro desrespeito à inteligência dos leitores; e responder a críticas desta natu-reza seria igualmente desrespeitoso. Ademais, críticas fundadas na dou-trina e jurisprudência produzidas sob a égide de determinado direito positivo não são sempre relevantes. O direito proje-tado, se e quando tornado vigente, pode tornar totalmente ultrapassados alguns entendimentos doutrinários e jurispru-denciais. Outra atitude que convém pedir ao crítico é a de se atualizar constante-mente com o andamento do Projeto. Não tem sentido insistir em criticar assuntos já superados (é este, entre outros, o caso do tratamento da sociedade anônima no Projeto de Código Comercial), omitindo do interlocutor notícias sobre a evolução da discussão. Alguns dispositivos do Projeto, en-fim, têm sido criticados em razão de su-posta “obviedade”. Acontece, porém, que o óbvio para alguns não o é para outros. E aqui registro uma curiosidade: o “ób-vio” pode decorrer tanto do excesso como

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da carência de conhecimentos. Só vê ob-viedade, por exemplo, no dispositivo que assegura ao contratante o cumprimento judicial do contrato, em caso de inadim-plemento, quem não está familiarizado com a análise econômica do direito. Um tema caro a esta abordagem é a discussão sobre a eficiência ou ineficiência da exe-cução específica dos contratos. O art. 276, assim, ao assegurar ao empresário o di-reito ao cumprimento judicial do contra-to inadimplido, nada tem de óbvio e ser-ve a uma definição clara nesta discussão. Mas não é só isto. Na verdade, todos os diplomas legais de maior abrangência os-tentam disposições óbvias. Nossa Cons-tituição Federal, por exemplo, diz que se consideram “brasileiros natos os nascidos no Brasil” (art. 12, I, a, primeira parte). Mas se, de um lado, há críticas que não levam a qualquer aperfeiçoamento do Projeto, de outro, não é possível aper-feiçoamento sem crítica. A história da tra-mitação do Projeto de Código Comercial também mostra isto. O adequado trata-mento da questão afeta à sociedade anô-nima e da referente à lei de falências de 2005, por exemplo, resultaram das críti-cas repercutidas no âmbito da Comissão de Juristas nomeada pela Câmara dos De-putados, que presido; a definição do me-lhor critério de identificação do empresá-rio (formal ou material) alimenta-se das críticas manifestadas, entre outros, pelos internautas na consulta pública promovi-da pelo Ministério da Justiça, e assim por diante. Neste momento da tramitação do Projeto de Código Comercial, inegavel-mente as críticas mais úteis são as que vêm acompanhadas de sugestão de reda-ção para dispositivos normativos. Aque-les que criticam de modo consistente, mas não se lançam ao penoso exercício

de redação da norma que reproduziria a crítica, acabam dando uma contribuição menor ao aprimoramento do Projeto. In-felizmente, porque muitas vezes fazem considerações oportunas e instigantes. Encarregar-se, contudo, uma pessoa de traduzir, em norma projetada, as preocu-pações expostas por outra, não é conve-niente, em razão dos ruídos de comunica-ção que esta divisão de tarefas obviamente ocasiona.

CONCLUSÃO

O Comercialista tem sido um dos veículos mais atentos à tramitação do Pro-jeto de Código Comercial. Inclui a ques-tão nas diversas entrevistas feitas com comercialistas e juristas desta mais que secular instituição de ensino, patrimônio da cultura brasileira. É uma honra e uma alegria poder participar deste debate, nas páginas eletrônicas de O Comercialista. Sempre que convidado, estarei à inteira disposição para esclarecer, ouvir, ponde-rar, refletir, amadurecer, informar e, de modo geral, somar esforços com todos que estejam realmente interessados na efetiva melhoria do ambiente institucio-nal para os negócios no Brasil.

Fábio Ulhoa Coelho é Professor Titular de Direito Comercial da Pon-tifícia Universidade Católica de São Paulo

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Perfil

Livro que todo estudante de direito deve ler: Os livros, em geral, sobre Introdução ao Estudo do Direito, além de livros de Filosofia e a parte geral do Direito Privado. É muito importante ficar atualizado.

Música, filme ou obra literária: Na música, Hendel, Bach, Mozart, Stra-vinsky, entre outros. É impossível dizer qual obra é a preferida, mas poderia citar Machado de Assis como um grande autor, com genialidade acessível.

Conselho para a vida: Viva o dia como se fosse uma eternidade, não fique pensando se o ano passou depressa. Viva o dia, sem se preocupar se há uma escassez de dias que você vai viver. Também é importante manter a alegria e o bom humor. Manter o bom humor e a alegria é um exercício que deve ser fre-quente.

Modesto CarvalhosaModesto Carvalhosa é uma lenda viva do Direito. Seu nome está presente em qualquer lista que tente incluir os maiores advogados da história do Brasil. Carvalhosa foi professor da Faculdade de Direito da USP durante a ditadura militar. Sua intensa atuação política contribuiu para a consolidação do mo-vimento de resistência cívica contra o regime militar. Modesto Carvalhosa nos presenteia com pareceres sobre os mais atuais desafios que o Direito Co-mercial vem enfrentando. A entrevista vence os limites técnicos, sendo uma verdadeira lição de vida para todos aqueles que trabalham com o direito.

por João Pedro de Oliveira Biazi

Formação acadêmica: Graduado e Doutor pela USP, foi professor de Direito Comercial da USP, consultor jurídico da Bolsa de Valores de São Paulo, Presidente do Tribunal de Éti-ca da OAB e membro da Internatio-nal Faculty for Corporate and Capital Market Law and Securities Regulation na Filadélfia. É palestrante e confe-rencista em seminários acadêmicos e encontros profissionais, e de autor de inúmeros livros e artigos.

Profissão: Advogado.

Jurista que mais admira: São mui-tos, é impossível dizer um só.

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O Comercialista – Primeiramen-te, qual o segredo para chegar aos 80 anos de idade com tamanha lucidez e disposição para ainda comparecer ao escritório?

Modesto Carvalhosa – Isso é uma questão de formação. Comecei a trabalhar com 14 anos, não por ne-cessidade, mas por hábito da minha família. Com isso, peguei esse gosto pelo trabalho, coisa que faço há 66 anos ininterruptos. É um hábito e, por conta disso, uma verdadeira ne-cessidade. Pretendo sempre conti-nuar com meus compromissos com o escritório e minhas atividades com a sociedade civil com o maior prazer. Enquanto eu tiver saúde, não cogito aposentar-me.

O Comercialista – Onde o senhor nasceu e como foi sua infância? Ha-via algum sonho em especial?

Modesto Carvalhosa – Foi uma infância extraordinária. Vivi no inte-rior, na cidade de Araraquara. Meu pai era professor do ginásio e minha mãe também era professora na es-cola pública. Meu pai também era pastor presbiteriano e eu, nas dé-cadas de 30 e 40, tive uma infância em uma cidade muito bem equipada para a época, com uma enorme clas-se média, sem grandes problemas com segurança. Era um lugar exce-lente para passar a infância.

O Comercialista – O que lhe le-vou a escolher a carreira jurídica e a partir de quando começou o interes-se pelo Direito Comercial? Modesto Carvalhosa – A carrei-

ra jurídica, principalmente a carrei-ra de advogado, foi instruída pelos modelos que tive. Meu tio-avô, Mo-desto Carvalhosa, foi um grande ad-vogado. Ele foi um grande modelo para mim, um homem que tinha um enorme prestígio na capital. Aque-le era outro mundo. Meu tio tinha seu próprio escritório, no qual ele mesmo usava as máquinas da época para datilografar suas peças. Ele foi o modelo que me motivou a seguir essa carreira jurídica. Eu queria ser respeitado como advogado, como ele foi. Como todo aluno da faculda-de de direito daquela época, fui logo atraído pelo Direito Penal. O Direi-to Penal tem uma riqueza enorme nos seus debates, sendo o sinônimo da humanidade na sua própria con-duta. Tal disciplina é, sem dúvida, apaixonante. Mesmo sendo um excelente aluno em Direito Penal, recebendo inclusive o prêmio Basileu Garcia, dado ao melhor aluno de direito pe-nal do ano, no quarto ano fui traba-lhar no escritório do Benedito Batti, que tinha atuação basicamente toda dedicada ao direito societário. O Be-nedito Batti foi um dos discípulos de Ascarelli. Trabalhei lá como es-tudante e, depois de formado, como advogado júnior. Com essa experi-ência, acabei me apaixonando pelo direito societário graças a este gran-de mestre. Também devo essa escolha ao professor Sílvio Marcondes, que também foi um professor que mar-cou muito essa escolha.

O Comercialista – Quais foram as dificuldades encontradas no iní-

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cio da carreira como advogado?

Modesto Carvalhosa – Minha carreira como advogado começou em 1957, trabalhando no escritório em que estagiei. Em 1961, montei meu próprio escritório, que come-çou com muita humildade, com uma sala e uma máquina de escrever. Felizmente, tive muitos clientes in-teressantes, dentre eles, arquitetos, pessoas envolvidas com o teatro. Acabei conhecendo grandes artistas, como Cacilda Becker, Paulo Autran, entre outros. Também conheci gran-des arquitetos, enfim, existia um grupo muito interessante de pesso-as que estavam envolvidas com meu trabalho nessa época.

O Comercialista – Existe ou exis-tiu alguém ligado à profissão que o inspirou e que, até hoje, o inspira?

Modesto Carvalhosa – Eu tive vários modelos. Nós nos tornamos adultos através dos modelos que elegemos. Eu tive vários modelos na minha vida. Na época do começo da minha carreira, tive modelos como Dimas de Oliveira Cezar, Filomeno Costa, Cezarino Júnior, entre ou-tros. Eram pessoas que marcaram muito minha existência.

O Comercialista – O que se exi-ge de um bom advogado e como ele deve se preparar para exercer a pro-fissão? Qual tipo de profissional você gosta de ter na sua equipe ou acha importante ter no escritório?

Modesto Carvalhosa – Eu, par-ticularmente, sou um advogado à moda antiga. No meu tempo, a ad-

vocacia era voltada ao prestígio pes-soal. Buscava-se o reconhecimento perante a sociedade civil, não havia uma afinidade material. Havia, tam-bém, uma vocação política muito grande. Hoje em dia, eu noto que os advogados não almejam mais esse prestígio, mas sim a possibilidade de ter grande acesso ao consumo. Atu-almente, noto grande especialida-de entre os advogados. O advogado conhece profundamente o assunto que escolheu para se especializar, com muito mais preparo do que an-tigamente. Sem querer generalizar, vejo que a vontade entre os advoga-dos modernos não é a de ficar rico, mas sim ostentar a riqueza. Houve, sem dúvida, uma perda muito gran-de do sentido da vida coletiva. Na atividade advocatícia, reduziu-se a inquietação social entre os advoga-dos, ficando somente esse desejo por consumir. É claro que não são todos os advogados que tomaram essa pos-tura, mas não posso deixar de notar esse movimento. No meu tempo, havia entre os advogados uma forte inquietação política, com preocupações envol-vendo o futuro do país e da socie-dade brasileira. Hoje, os advogados apresentam enorme competência e especialização, mas nenhuma liga-ção com os problemas sociais.

O Comercialista – O que é a ad-vocacia para o senhor?

Modesto Carvalhosa – Advoca-cia deveria ser algo que interviesse na sociedade de forma a garantir os direitos individuais e coletivos, além de garantir, principalmente sobre

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a atuação de órgãos competentes, como a OAB, uma fiscalização atu-ante perante a conduta dos políticos.Hoje em dia, não vemos muito disso. A advocacia como papel social se en-contra pouco prestigiada. Isso gera uma acomodação muito grande.

O Comercialista – O seu “Co-mentários à Lei das S.A.” é, sem dú-vida, indispensável para a biblioteca de todos os comercialistas. Como foi a elaboração desse verdadeiro “clás-sico” e como senhor se sente sendo, diariamente, professor de todos os interessados pela área?

Modesto Carvalhosa – Essa obra foi fruto de uma temporada que ini-ciei na International Faculty, na Pensilvânia, atuando como semina-rista. Lá eu aprendi como devemos escrever um livro jurídico. Devemos fornecer opiniões, com economia de palavras e frases. Nenhuma palavra é perdida, alegórica. Assim, você faz um trabalho de opinião e sem perda de linguagem. O trabalho também não fica atrelado à opinião de tercei-ro, algo comum na cultura jurídica brasileira, que sempre foi coloniza-da, salvo algumas exceções. Foi den-tro dessa filosofia que procurei tra-balhar na concepção do livro. Sobre meu sentimento sobre o uso constante da obra, é arquigrati-ficante esse reconhecimento. O ho-mem vale pelo que escreve, e não pelos títulos que ele tem. A sobre-vivência do profissional depende de sua obra. Com isso, chego à minha idade sendo professor até hoje, pois sei que existem pessoas todo dia con-sultando essa obra. É uma enorme gratificação saber que minha obra

Perfilfoi reconhecida.

O Comercialista – Atualmente, houve intensa evolução dos regimes de governança coorporativa no mer-cado de capitais brasileiro. Como o senhor vê essa reação?

Modesto Carvalhosa – Eu penso que a governança tem uma ideologia que deixa filtrar para o governo das companhias gente de alta competên-cia. É uma forma de aprimoramen-to extremamente importante para a administração das companhias. Por outro lado, a governança não resolve problemas fundamen-tais da própria conduta de setores da companhia. A governança do se-tor financeiro, por exemplo, não im-pediu o desastre de 2008. Ela, an-teriormente, não impediu a falência de empresas norte-americanas, em 2002. A governança não tem, tam-bém, uma preocupação com elemen-tos fundamentais da companhia. Ela vê a companhia como um objetivo de produtividade máxima. Não en-contramos preocupação social na governança. A produtividade máxima da companhia, promovida pela gover-nança, colaborou para danos sociais irreversíveis. Assim, a governança, mesmo tendo um lado muito bom para a produtividade da companhia, também tem um lado muito nega-tivo, relativo principalmente à des-truição de empregos. Muitas empresas apresentam balanços sociais, dizendo como as empresas contribuem para a socie-dade. No entanto, essas contribui-ções são direcionadas para fora da empresa. Uma empresa ajuda esco-

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las, o desenvolvimento da cultura, mas nenhuma postura que coloca a empresa como elemento fundamen-tal para o equilíbrio social. O balan-ço social não inclui a empresa como agente de equilíbrio da sociedade. A governança, assim, tem defeitos gra-ves. A governança chegou a um ní-vel em que as empresas eliminam até diretores da mais alta qualifica-ção: não diz respeito só aos sistemas de automação, mas também aos se-tores de gerência. A perversidade so-cial elimina até mesmo os próprios governantes.

O Comercialista – Outro ponto muito em voga hoje diz respeito à arbitragem no Direito Societário. No Brasil, a arbitragem já aparece como forma viável de solução de conflitos societários?

Modesto Carvalhosa – A arbi-tragem é muito viável e é um cami-nho que sempre deve existir para a solução de conflitos societários. As causas de interesse privado devem encontrar na arbitragem um cami-nho preferível. Os conflitos particu-lares encontram na arbitragem o ca-minho mais coerente e especializado para sua solução. É verdade que os conflitos so-cietários ainda são poucos, mas isso não tira a importância da arbitra-gem.

O Comercialista – E a câmara do mercado (CAM)? Como o senhor vê sua evolução?

Modesto Carvalhosa – Vejo a evolução da CAM de maneira fantás-

Perfiltica. Sou do grupo da primeira lista de árbitros. Nós mantemos a persis-tência e, hoje, a câmara do merca-do já se encontra institucionalmen-te constituída. Essa persistência e constantes reuniões que tive para a formação da CAM foi mais um mo-delo de vida para mim, uma experi-ência muito gratificante.

O Comercialista – O que o se-nhor acha da atual discussão acerca da necessidade de um novo código comercial, defendido pelo Profº Fá-bio Ulhoa Coelho?

Modesto Carvalhosa – A lei tem que ser fruto de uma legitimidade. Legitimidade envolve necessidade de regulação de interesses coletivos. Esses interesses coletivos podem ser gerais ou direcionados a determi-nados grupos. Quando as relações da sociedade estão mal geridas por uma lei que é incapaz de fornecer uma regulação necessária, surge a legitimidade para o surgimento de uma nova legislação. No caso, não vejo legitimidade. Ninguém está precisando e pedindo um código comercial. Tenho profun-do respeito e admiração pelo Profº Fábio Ulhoa, mas penso que o pro-jeto ousa em coisas muito perigosas. Primeiramente, a própria interfe-rência em uma lei com enorme arca-bouço jurisprudencial e administra-tivo como a lei societária. O projeto também tenta definir princípios ju-rídicos, limitando a atuação destes. O projeto, na minha concepção, é inoportuno e com falta de necessi-dade.

O Comercialista – O senhor, em

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recente entrevista, afirmou “se so-mos um país moderno hoje, um país emergente, um país cuja estru-tura econômica é sólida, em parte isso se deve a essa legislação [Lei 6.404/76], a um trabalho excepcio-nal feito numa época tão difícil”. O senhor tem a mesma opinião em re-lação à produção legislativa atual?

Modesto Carvalhosa – A Lei das S.A. foi muito bem redigida por ho-mens de alto padrão de genialidade. O objetivo da lei era capitalizar di-nheiro para as companhias. O con-gresso ainda conseguiu aperfeiçoar muito bem a lei. Naquele tempo, com a ditadura militar, não se po-dia discutir quase nada no congres-so. Quanto se tinha uma lei ligada ao Direito Societário, no entanto, a liberdade para discutir os assuntos era maior. As pessoas estavam in-teressadíssimas, era outro mundo. Não sei se esse ambiente foi manti-do na produção legislativa atual.

João Pedro de Oliveira Biazi é graduando do terceiro ano da Faculdade de Direito da Universidade de São PauloE-mail: [email protected]

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OpiniãoNova Bolsa de Valores. Vantagem?

por Matheus Massari

Atualmente há de fato um mo-vimento trabalhando para a entra-da de uma nova bolsa de valores no mercado brasileiro. Sem tomar par-tido se a ideia é boa ou não, vamos analisar a situação e avaliar prós e contras e principalmente, definir se isto é de fato viável para o mercado e, portanto, provável de acontecer. Não vou destacar os nomes dos maiores interessados neste projeto, mesmo porque no mercado financei-ro, assim como em qualquer segmen-to, há uma formação muito grande de boatos e falatórios, por isso só sabe-remos de fato o nome dos envolvidos depois do negócio concluído. Qual-quer coisa divulgada precocemente corre grande risco de estar errada. Vamos começar do básico. Existe mercado para comportar mais uma bolsa? Em países onde a renda variá-vel é um produto maduro e de am-pla penetração entre a população economicamente ativa, há um mer-cado compatível em tamanho e em movimentação de recursos que com-porta mais de uma bolsa de valores. Um exemplo disto é o mercado ame-ricano – já vi estudos distintos que estimam a participação em investi-mentos em renda variável de 40% a 65% da população economicamente ativa. E no Brasil? Esbarramos aí no que, a meu ver, é o primeiro entra-ve para a entrada de uma nova bolsa – o tamanho do mercado. O número de contas abertas versus a população economicamente ativa nos dá um re-sultado aproximado de 2% a 3%.

Esta informação dada de ma-neira isolada pode ser interpretada no modelo “copo meio cheio ou meio vazio”. É evidente que o mercado bra-sileiro é promissor para os envolvidos em renda variável. A situação econô-mica mais estável pressiona os juros para baixo e a consequência natural disto é a procura por alternativas de investimentos mais rentáveis, como a renda variável. Isto justificaria so-bremaneira o interesse na abertura de uma nova bolsa. Mas a concreti-zação deste potencial de crescimento do mercado pode ser mais demorada do que muitos imaginam. Vemos isto através do ritmo na abertura de novas contas, muito aquém do previsto pela própria Bo-vespa, que postergou a meta de cin-co milhões de contas abertas de 2014 para 2015 em seguida para 2018, mostrando uma grande incerteza no crescimento do mercado. O fato é que, embora exista toda uma conjuntura favorável ao crescimento rápido deste mercado, batemos num problema cultural – a visão que o investidor pessoa física, em sua esmagadora maioria, tem do mercado de ações: Bolsa é jogo. Esta visão em parte se justifi-ca pela péssima qualidade de infor-mação e transparência do mercado de renda variável brasileiro em seu início e parte se justifica pelo como-dismo gerado pela renda fixa inflada vigente durante anos pagando taxas estratosféricas. Trocando em miúdos, a gera-ção passada – que ainda compõe boa

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Opiniãoparte da população economicamente ativa e com bons recursos disponí-veis para investimento – teve, no ge-ral, experiências desagradáveis com a renda variável. Não que o mercado de variável seja ruim, mas na época, a coisa funcionava de maneira muito menos transparente e os próprios in-vestidores pouco conheciam do que estavam fazendo. Além disso, a ren-da fixa pagava boas taxas – na épo-ca da ciranda financeira foi o auge para esta geração. Então, por que ir para renda variável? Essa questão norteou por anos e ainda influencia muitos investidores, que agora en-contram uma situação de quebra de paradigma, de mudança cultural, e esse processo não é fácil e sem dúvi-da, não é rápido. Bem, até agora analisamos a viabilidade deste projeto do ponto de vista do negócio. Vamos olhar pelo lado dos usuários deste mercado. O grande problema da si-tuação atual é o monopólio da BM&FBovespa. Desde 2008 – ano em que houve a fusão entre a Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) e a Bovespa (Ações) – temos uma úni-ca bolsa ativa e sabemos que o mo-nopólio gera condições muitas vezes desfavoráveis ao consumidor, prin-cipalmente no que tange aos preços dos serviços. É importante esclarecer aqui que a corretagem remunera a corretora não a bolsa. A bolsa é re-munerada principalmente – no caso de uma operação de compra ou ven-da de ações – pelos chamados emo-lumentos. Hoje, em uma negociação com ações no mercado a vista, a bolsa recebe 0,035% do montante negocia-do em um Day trade (operação que é encerrada no mesmo dia e através da mesma corretora) e 0,025% em

operações Finais (que duram mais de um dia). Há também receitas ge-radas por outras vias, como os custos para abertura de capital por exemplo. Mas o que quero demonstrar é que do meu ponto de vista, uma nova bol-sa não geraria grandes reduções nos custos operacionais para a massa de clientes a ponto de ser um estímulo para operar através desta nova bol-sa. Afinal, reduzir algo que já está na ordem de 0,025% não gerará grande economia em valores nominais para a massa de investidores de varejo. Então até agora temos dois pon-tos relevantes destacados. O merca-do ainda numa condição de pouca penetração e com um crescimento em ritmo lento e a falta de vantagens para estimular o consumidor desta nova empresa. O terceiro ponto é a constitui-ção de uma nova Clearing. De uma maneira generalizada, a clearing é responsável por todo andamento da operação desde a negociação no âm-bito virtual até a sua liquidação, que no mercado de ações acontece em D+3. Sendo assim, a clearing res-ponde pela operação neste período inclusive nos aspectos financeiros. É ela que assume riscos no caso de fraudes e operações mal sucedidas que podem gerar danos absurdos – pelo menos até a apuração dos fatos caso exista alguém agindo de má fé que deva ser responsabilizado. A questão “clearing” tem, portanto um fator crucial na viabilidade do proje-to. Sem clearing, sem bolsa. Há também mais um ponto a ser levado em consideração. O nú-mero de empresas listadas é insu-ficiente. Em outras palavras, falta produto para ser negociado. Para termos uma ideia desta escassez de

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Opiniãoempresas, atualmente o IBOVESPA (Índice Bovespa) que responde por cerca de 80% do volume negociado na bolsa de São Paulo é composto por 67 ações – destas ações, algumas são da mesma empresa, sendo lista-das as preferenciais e as ordinárias. Em suma, em um mercado ainda pequeno, com baixo ritmo de crescimento, sem grandes vantagens que estimule os consumidores a ope-rarem via nova bolsa, poucas em-presas listadas e ainda com grandes dificuldades na escolha de uma nova clearing, acredito que a entrada da Nova Bolsa venha a ser viável num futuro um pouco mais distante do que a maioria espera.

Matheus Massari é graduado em Administração de Empresas. Desde 2005, dedica-se ao Mercado Finan-ceiro, sendo fundador de um blog de análise técnica de investimentos. Certificado como analista de mer-cado (CNPI pela CVM e ANCORD), tem especialização nos mercados de ações e de opções. É coordenador da unidade de São Paulo da Trader Brasil – Escola de Investidores, em que ministra vários treinamentos e palestras sobre planejamento finan-ceiro, renda fixa e variável, além de consultoria de investimentosE-mail: [email protected]

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Liberdade Política, Liberdade Econômica e os caminhos do desenvolvimento brasileiro

Em 2007, quando a crise fi-nanceira atingiu os Estados Unidos e o mundo, eclodiu um movimento crítico ao modelo de estado liberal. Entre as causas da crise foi aponta-da a omissão do estado em regular o sistema financeiro. As críticas ao modelo liberal, entretanto, foram muito além de apontar que a esta-bilidade do mercado financeiro de-pende do controle do governo: a crise representaria a falência desse sistema em benefício de um modelo de intervenção direta do estado na economia. A origem dessa ideia re-side, possivelmente, no sucesso das economias asiáticas na segunda me-tade do século XX, mas reflete, so-bretudo, a ascensão da China como a segunda maior economia do mun-do e o êxito com que determinados países em desenvolvimento supera-ram a crise financeira. O fato da cri-se não ter representando um perigo significativo para a estabilidade do Brasil é positivo. Isso não significa, entretanto, que não enfrentamos enormes desafios para consolidar um caminho sólido para nosso de-senvolvimento nas próximas déca-das. Nesse aspecto, o debate sobre o fim do modelo liberal se mostra central para o país. Historicamente, o país se desenvolveu com base em uma intensa política de industria-lização conduzida pelo estado – na primeira metade do século XX com

Getúlio Vargas e na segunda meta-de, com o governo militar. A Cons-tituição Federal de 1988 marcou o início de um processo de regressão do estado da economia, contribuin-do para a expansão do setor priva-do e o surgimento de uma economia mais dinâmica e competitiva. Duas décadas após a democratização do país esse quadro parece estar se re-vertendo. Incentivado pela ascensão chinesa e a crise de 2007, o Brasil tem acelerado um projeto de desen-volvimento focado na atuação do es-tado. São diversos os exemplos do crescente controle do estado brasi-leiro sobre a produção econômica: sua expressiva presença no mercado de crédito1; uma maior participação no capital de empresas privadas; novas restrições alfandegárias para ‘proteção’ da indústria nacional; e o patrocínio às chamadas “campeãs nacionais”. As limitações tradicionais de um estado interventor são conhe-cidas: contribui para um ambiente imprevisível, desfavorável à inicia-tiva privada e anticompetitivo, be-neficia grupos econômicos com um relacionamento privilegiado com o estado e cria uma burocracia infla-da e mais inclinada à corrupção2. Em uma democracia, as limitações do modelo são ainda mais graves. Isso porque, a coordenação ativa da economia pelo estado depende de um governo cuja atuação é minima-

Atualidades

por Vinicius Augusto Nunes Pecora

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Atualidadesmente restringida. Essas restrições, via de regra, representam direitos e garantias que protegem instituições como a propriedade privada e a li-berdade de iniciativa. No contexto do state capitalism, essas institui-ções podem até existir, mas não na forma de direitos e garantias; são políticas de estado extinguíveis à discrição do governo. À medida em que o papel do estado cresce, o espa-ço do indivíduo diminui. Ocorre que uma nova linha aca-dêmica vem defendendo a compati-bilidade entre estado interventor e os direitos e garantias que susten-tam uma democracia. Tal modelo, chamado de desenvolvimentismo, traz o Brasil como um dos mais im-portantes exemplos do modelo hí-brido de liberdade política e domí-nio estatal da economia. A partir da premissa de que uma atuação inten-sa do governo pode acelerar o cresci-mento do país, o principal argumen-to da tese desenvolvimentista reside na alegação de que novas estruturas jurídicas criaram instrumentos de intervenção compatíveis com os di-reitos e garantias individuais de um estado de direito e, portanto, per-mitiriam a simbiose entre público e privado. São exemplos desses ins-trumentos as parcerias público-pri-vadas, os investimentos de private equity do BNDESPar e CEFPar e a semiprivatização dos ativos do esta-do - no qual o estado mantém uma participação expressiva, porém mi-noritária, no capital da empresa pri-vatizada. Tais ideias são preocupantes, uma vez que tendem a focar em ape-nas um aspecto da democracia – a liberdade política. O discurso de-

senvolvimentista aceita que o esta-do possa atuar como principal ator do desenvolvimento econômico en-quanto permanecem preservadas as liberdades políticas dos indivíduos. Ocorre que as próprias característi-cas do modelo intervencionista ine-vitavelmente restringem um segun-do pilar da democracia: a liberdade econômica. Tal liberdade não se ca-racteriza simplesmente pela garan-tia ao direito a propriedade e à livre iniciativa. Em outras palavras, uma democracia econômica requer mui-to mais do que uma serie de restri-ções ao poder do estado; representa um ambiente de participação efetiva do indivíduo na economia. Esse am-biente se concretiza a partir de liber-dades como a de empreender sem o suporte do governo e sem conta-tos na burocracia estatal, negociar de forma livre com o mercado e ter acesso a uma oferta ampla de pro-dutos e serviços a preços competiti-vos. Ao analisarmos com atenção o modelo híbrido instituído no país, é difícil concluir que vivemos uma de-mocracia econômica. Em geral, te-mos uma economia pouco dinâmica e inovadora, marcada pelo alto custo dos produtos e serviços, concentra-ção do poder econômico, subinves-timento de longo prazo e restrições à capacidade negocial dos indivídu-os. Essa condição reflete uma serie de estruturas relacionadas ao mo-delo híbrido: carga tributária ele-vada (necessária para o custeio da máquina pública), controle intenso (e, em geral, complexo) da ativida-de econômica e políticas de desen-volvimento que criam vantagens competitivas para grupos próximos

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Atualidadesao governante da vez (como crédito subsidiado). Este modelo beneficia agentes econômicos com posição estabelecida no mercado em detri-mento de novos agentes que ten-deriam a ser mais competitivos e inovadores. Em outras palavras, os agentes econômicos existentes con-tam com enormes vantagens, uma vez que têm a estrutura capaz de lidar com as complexidades de um big state e contam com seu relacio-namento próximo ao governo para garantir que se beneficiem das polí-ticas de desenvolvimento. Permitir que o mercado atue como agente principal do processo de desenvolvimento econômico do país não se mostra, portanto, ape-nas mais eficiente. É também mais justo. Politicamente, isso não signi-fica uma redução do papel do esta-do, mas uma mudança qualitativa desse papel. Primeiro, pelo fato de que nossa percepção do livre merca-do se tornou mais sofisticada desde o laissez-faire do século XIX. Hoje é evidente que os benefícios de uma democracia econômica são desfru-tados apenas pelos que têm a con-dição de participar deste ambiente livre e dinâmico. Cabe ao poder pú-blico, então, implementar medidas de democratização do mercado – por meio da educação, saúde, segurança e redução da miséria – para garantir a efetiva participação de todos nesse sistema. Sobretudo, entretanto, cabe ao poder público contribuir para que a democracia econômica funcione de forma plena. Raghuram Rajan e Luigi Zingales, professores da Uni-versidade de Chicago, identificaram dois grupos que tendem a combater

a expansão de liberdades econômi-cas: os agentes econômicos com po-sição garantida no mercado e parce-la da sociedade que tende a perder com a ‘destruição criadora’ de uma economia livre3. A força política desses grupos, aliada ao seu interes-se em manter o status quo, constitui a maior ameaça para um mercado livre, competitivo e precursor do de-senvolvimento. Em outras palavras, a defesa do livre mercado é uma ta-refa difícil, uma vez que preservá--lo beneficia a coletividade no longo prazo enquanto a criação de barrei-ras interessa tanto ao poder econô-mico estabelecido quanto aos grupos sociais politicamente organizados. Nesse contexto, nosso sistema político enfrenta um desafio: defen-der um interesse difuso, cujo reco-nhecimento pelos que dele se bene-ficiam é incerto. Essa é uma tarefa que, apesar de difícil, é fundamental para assegurar uma economia dinâ-mica, inclusiva e conduzida por um setor privado competitivo e inova-dor. É tempo de o Brasil repensar o caminho de seu desenvolvimento econômico e isso depende, necessa-riamente, do nosso sistema político aceitar a liberdade econômica como valor indispensável à democracia e fator central para o enriquecimen-to do país. Em diferentes momen-tos nosso país esteve próximo de se estabelecer como um país próspero, mas falhou. A Constituição de 88 foi, nesse aspecto, um passo importante para introduzir um caminho sólido ao desenvolvimento, ao trazer a in-clusão política e social dos nossos cidadãos. Mas isso é insuficiente: o futuro do país depende, também, da inclusão econômica dos brasileiros4.

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AtualidadesNotas

1 Tanto do ponto de vista da tomada quanto da concessão de recursos. A dívida pública representa mais da meta-de do endividamento do país, enquanto as instituições financeiras públicas como o BNDES, Banco do Brasil e CEF detêm uma quantidade enorme de ativos financeiros. 2 Dos inúmeros exemplos de corrupção, um específico noticia-do pela revista Bloomberg Markets é paradigmático: Chinese See Communist Land Sales Hurting Mao’s Poor to Pay Rich. Disponível em: http://www.bloomberg.com/news/2011-10-23/chinese-see-communist-land-sales-hurting--mao-s-poor-to-pay-rich.html (acesso em 03/02/2012).3 Podemos citar como exemplos desta parcela da socie-dade: trabalhadores que, por terem sua profissão rigo-rosamente regulada, se beneficiam de uma reserva de mercado; e sindicatos, uma vez que representam aque-les atualmente empregados em face daqueles que es-tão procurando emprego. Vale citar uma matéria noti-ciada pelo Financial Times sobre a profissão de taxista na cidade de Milwaukee, EUA: Economics and society: Barrier to a breakthrough. Disponível em http://www.ft.com/intl/cms/s/0/7e316f80-5c80-11e1-911f-00144fe-abdc0.html#axzz1nKRq1xlO (acesso em 24/02/2012).4 Faço referência aqui a um livro e a uma frase. Em Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity and Pro-fits, Daron Acemoglu e James Robinson indicam a forte relação entre uma economia inclusiva e a prosperidade de um país. A frase que gostaria de citar é uma do Profes-sor Arnold Wald, em sua análise do Plano Real: “Vencer a inflação foi tão relevante para o país quanto restabele-cer o Estado de Direito e, pode-se, assim, fazer certo pa-ralelismo entre o Plano Real e a Constituição de 1988”.

Vinicius Augusto Nunes Pecora é graduado em Direito pela Faculda-de de Direito da USP (2011) e funda-dor da Ayty (www.projetoayty.com.br)E-mail: [email protected]

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Doutrina

INTRODUÇÃO

A Internet possibilitou o surgi-mento de diversos modelos de negó-cio inovadores e eficientes. Compras coletivas, produtos por assinatura, redes sociais, publicidade persona-lizada, armazenamento em nuvem e locadoras virtuais são só alguns exemplos de um mercado que pos-sui, somente no Brasil, mais de 46 milhões de consumidores ativos.

As características inerentes à arquitetura da Internet e ao cresci-mento exponencial desse mercado trazem um ambiente fértil não só à inovação, como também à replica-ção de modelos de negócio em dife-rentes países ou, ainda, em um mes-mo mercado. Os copycats, expressão comumente utilizada para sites e empresas que reproduzem modelos de negócio consagrados, são hoje peças importantes num setor cada vez mais relevante da economia, e sua presença acende não só um de-bate moral sobre a replicação de ne-gócios como também um rico campo de discussão na esfera jurídica.

A ORIGEM DO TERMO

O primeiro uso escrito que se tem notícia da expressão copycat surge no final do século XIX no ro-mance Bar Harbor Days, de Cons-

tance Cary Harrison, como uma gíria pejorativa que designava indivíduos que deliberadamente copiavam ou apoderavam-se de alguma ideia de outro – significado que, em sua es-sência, aproxima-se da sua utiliza-ção contemporânea. Mas o termo só ganhou notoriedade em 1982, com uma série de crimes cometidos nos EUA, que tiveram ampla cobertura pela empresa e envolviam a substi-tuição do conteúdo de cápsulas de Tylenol por cianureto.

No universo tecnologia e infor-mática, a expressão alcançou rápida notoriedade. Em 1983, o New York Times já utilizava o termo copycat para se referir à batalha judicial que estava sendo travada entre a Apple Computers e a Franklin Computer Corporation, esta acusada de copiar o software da empresa de Steve Jobs.

Com a popularização da Inter-net no final dos anos 90, a expressão passa a ser utilizada com frequência para designar sites que se utilizam das mesmas estratégias, métodos e modelos de negócio de um outro. No olho deste furacão, Oliver, Marc e Alexander Samwer, irmãos e em-preendedores alemães, iniciaram seus primeiros negócios digitais ao basear-se em modelos de negócio desenvolvidos com sucesso nos EUA e replicá-los em outros países. Sua primeira empreitada copycat foi o

Os limites da cópia: O debate sobre copycats sob a perspectiva do

ordenamento jurídico brasileiropor Luis Felipe Batista Luz e Pedro Henrique Soares Ramos

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DoutrinaAlando.de, um site de leilões online que seguia a mesma fórmula de su-cesso do eBay e que, quatro meses após seu lançamento, foi adquirido pelo próprio eBay por 43 milhões de dólares. Desde então, os irmãos Samwer já criaram “clones” da Ama-zon, Groupon, Airbnb, Pinterest, Zappos e de dezenas de outras com-panhias, com presença em cerca de 58 países (inclusive o Brasil) e um faturamento estimado de mais de 1 bilhão de dólares e mais de 20 mil empregos gerados.

Em verdade, o exército de clo-nes na Internet cresce de maneira exponencial. Na Alemanha, o Stu-dioVZ, notadamente inspirado no Facebook, já possui cerca de 13 mi-lhões de usuários no país. Em 2011, o site HoneyTech Blog listou 250 clones do Twitter. No Brasil, o mer-cado de compras coletivas, inaugu-rado pelo Groupon nos EUA, já pos-sui mais de mil empresas, que juntas faturam mais de 800 milhões de re-ais por ano.

Na China, os números são mais surpreendentes. O YouKu, clone chinês do YouTube, faturou 897 mi-lhões de dólares em 2011 e é o 47o site mais acessado do mundo. O Bai-du, clone do Google Search, tem nú-meros ainda mais impressionantes: seu faturamento em 2011 atingiu 2,3 bilhões de dólares, é o 5o site mais acessado do mundo e, desde julho, suas ações são listadas na NASDAQ.

DIFERENTES VISÕES SOBRE OS COPYCATS

Odiados e ao mesmo tempo elogiados, os copycats tem acompa-nhado os principais debates sobre

inovação e tecnologia desde os pri-mórdios desse mercado. Nos anos 80, embora as cópias de progra-mas de computador fossem tratadas como crime pela lei americana e bas-tante condenáveis pela sociedade, os piratas de software eram extrema-mente comuns na cultura empreen-dedora do Vale do Silício, epicentro da cultura tecnológica moderna. Um dos mais notáveis casos é narrado em detalhes por Walter Isaacson em sua biografia sobre Steve Jobs, em que conta como este utilizou concei-tos da Xerox para criar o seu Macin-tosh – cujo sistema operacional foi utilizado como modelo literal para o Windows de Bill Gates, poucos anos depois.

Também não é incomum em outros mercados a banalização dos conceitos de propriedade intelectu-al e não concorrência. Na indústria de moda, há uma clara leniência na aplicação dessas regras, o que é co-mumente visto como um incentivo à criatividade e à inovação. Na litera-tura, a Internet ajudou a popularizar as fan fictions, obras que criam no-vas histórias a partir de personagens e histórias best sellers – e que aca-bam possuindo um enorme impac-to no aumento das vendas dos livros originais.

O mesmo não ocorre em outras indústrias. A Walt Disney Corpora-tion é atualmente uma das maiores litigantes do mundo em matéria de propriedade intelectual, com mi-lhões de dólares gastos anualmente com a proteção de seus personagens, filmes e direitos de merchandising, inclusive através de lobbys no Con-gresso americano pelo aumento do prazo de duração dos direitos de co-

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Doutrinapyright – motivo pelo qual a lei que estendeu esses direitos em 1998 tor-nou-se pejorativamente conhecida como Mickey Mouse Protection Act.

Na verdade, o embate entre a liberdade de criação e os direitos do criador sempre fez parte da cultu-ra ocidental. Em recente pesquisa, professores da Universidade de San Diego apontam que a República de Veneza emitia, em pleno século XIV, cartas de monopólio, permitindo que determinados comerciantes ex-plorassem, com exclusividade, cer-tos ramos de atividade. Na França, a doutrina do laissez-faire, positivada em 1791 no Decreto de Allarde, com-bateu duramente os monopólios ga-rantidos por regulação estatal, atra-vés de uma defesa apaixonada da livre iniciativa - e que se tornou a gênese das leis contemporâneas so-bre propriedade intelectual e domí-nio público.

Já no mundo oriental, a questão possui contornos culturais distintos, em que o confucionismo exerceu um papel fundamental na filosofia por trás da cópia. Na China Imperial, a cópia de negócios, textos e até pintu-ras não era considerada uma ofensa moral, mas sim uma “homenagem” ao artista original: desde cedo, as crianças chinesas aprendiam a me-morizar e copiar clássicos da litera-tura oriental, como forma de pres-tar respeito aos seus antepassados. Essa cultura influenciou conside-ravelmente a visão ocidental que se tem da economia chinesa, repleta de produtos “similares” a criações oci-dentais e como um ambiente de difí-cil consolidação para inventores em geral.

ASPECTOS LEGAIS

Mas, em que ponto um copycat deixa de ser um modelo lícito e pas-sa a ser um crime?

No Brasil, a Constituição de 1988 estabeleceu como fundamento da ordem econômica a livre inicia-tiva, tendo como um dos seus prin-cípios cardeais a livre concorrência. Esses dois dispositivos, reciproca-mente complementares, possuem como principal objetivo regular o sistema de mercado, mitigando a natural tendência de concentração de riquezas.

A própria Constituição já orien-ta, em seu artigo 170, qual é a finali-dade da ordem econômica: assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Esse comando parece inevitavelmente se voltar à ideia de que a defesa da li-vre iniciativa não se baseia em uma política econômica exclusivamente voltada às empresas, e sim uma polí-tica voltada aos cidadãos como titu-lares de direito. A livre concorrência é, nesse sentido, um direito do cida-dão enquanto consumidor, pois fa-vorece a desconcentração de poder e de riqueza, a igualdade formal entre pequenos e grandes agentes econô-micos e a competição por preços.

A liberdade de empresa tam-bém relaciona-se diretamente com outro princípio basilar de nossa Car-ta Magna: a função social da pro-priedade. Nosso ordenamento, ao contrário de uma visão hobbesiana, afastou o conceito de propriedade como direito absoluto, consagran-do-a como um direito que deve ser interpretado de acordo com os dita-mes da justiça social e do desenvol-

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Doutrinavimento econômico. Nessa ótica, a propriedade exclusiva sobre um de-terminado modelo de negócios im-pediria que toda uma sociedade pu-desse se valer de uma nova forma de comércio ou serviço, na medida em que um monopólio jamais seria ca-paz de atingir todo o mercado con-sumidor de maneira justa e eficiente.

Há que se reconhecer ainda que a existência de várias empresas explorando uma mesma atividade traz importantes benefícios econô-micos: (i) a ampliação do alcance de determinado serviço para um nú-mero maior de regiões e consumi-dores; (ii) o estabelecimento de pre-ços justos e margens de lucro mais razoáveis; (iii) o estímulo à pesquisa e inovação dentro do próprio setor, com o aperfeiçoamento de métodos e técnicas de produção que, como consequência, geram o aperfeiçoa-mento da própria oferta no merca-do; e (iv) a promoção do desenvol-vimento econômico lato sensu, com o aumento da circulação de riqueza, distribuição de renda e geração de empregos.

Nossa legislação infraconsti-tucional e jurisprudência parecem albergar com consistência esses ob-jetivos. A Lei de Direitos Autorais, em seu artigo 8°, afasta da proteção do direito autoral as ideias, procedi-mentos normativos, sistemas, mé-todos, projetos ou conceitos mate-máticos; e os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios. Há, nesse coman-do, uma preocupação em proteger a própria liberdade de expressão e de mercado.

O mesmo princípio parece ter orientado a redação do artigo 10° da

Lei de Propriedade Industrial que afasta os programas de computador da proteção do sistema de patentes de invenção, sendo os programas de computador protegidos pelo direito autoral.

Nesse mesmo sentido, dois im-portantes diplomas vieram consoli-dar a liberdade de criação como um dos vetores do software no Brasil: a Lei 7.232/84, que estabeleceu, como princípio da Política Nacional de Software, a proibição de situações monopolísticas, de direito ou de fato; e o artigo 6° da Lei 9.609/98, que afastou da proteção dos direitos au-torais “a ocorrência de semelhança de programa a outro, preexistente, quando se der por força das caracte-rísticas funcionais de sua aplicação, da observância de preceitos norma-tivos e técnicos, ou de limitação de forma alternativa para a sua expres-são”.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, entre 2000 e 2010, julgou di-versas ações intentadas pelo canal de televisão ShopTour, que buscou tutela de seu modelo de negócio pe-rante outros concorrentes, com o argumento da similitude do mode-lo de programas, no vestuário dos apresentadores e na abordagem de clientes. Em uma dessas decisões, o desembargador Francisco Loureiro ponderou que “a concorrência agres-siva, ainda que com a finalidade de desviar clientela alheia e arrogar-se uma melhor posição no mercado, não é reprimida pelo ordenamento, sen-do, aliás, inerente ao próprio funcio-namento do capitalismo. A entrada no mercado de novos concorrentes e o ataque à clientela alheia são antes incentivados pela própria Constitui-

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Doutrinação Federal”. O Superior Tribunal de Justiça também já se posicionou no mesmo sentido: no Recurso Espe-cial 906.269, essa Corte afirmou que os “estilos, métodos ou técnicas não são objetos de proteção intelectual; o que se tem sob guarida legal são as obras resultantes da utilização de estilos, métodos ou técnicas”.

Naturalmente, a liberdade de iniciativa tampouco é princípio ab-soluto, e deve ser interpretada em conjunto com outros dispositivos constitucionais. O artigo 170 da Constituição Federal coloca, ao lado da livre iniciativa, a valorização do trabalho humano como princípio da ordem econômica. Tal fundamento constitucional é o fundamento de todo o sistema de Propriedade Inte-lectual no país, que garante ao cria-dor o direito de explorar exclusiva-mente a sua obra ou invenção por um período determinado de tempo.

O mesmo conceito vale para as marcas: a construção da reputação de uma marca ao longo do tempo, baseada em serviços e produtos con-fiáveis, é uma consequência natural de uma economia de mercado, favo-recendo consumidores e merecendo proteção estatal. Frise-se que o obje-tivo do ordenamento não é somente defender o inventor: em última ins-tância, a proibição de cópias e uso não-autorizado de marcas visa pro-teger o consumidor, que não deve ser exposto a práticas e atividades que possam induzi-lo a erro ou con-fusão em relação a certo produto ou serviço.

É de se notar que nossa legis-lação é rigorosa na punição das vio-lações aos direitos de Propriedade

Intelectual: a violação de direito autoral é crime previsto no Código Penal (art. 184), agravado quando a violação consistir em reprodução to-tal ou parcial com intuito de lucro. As violações de marcas e patentes também são crimes previstos na Lei de Propriedade Industrial, puníveis com detenção ou multa.

Assim, é preciso cotejar, de um lado, os princípios da função social da propriedade e da livre iniciativa e, de outro, o princípio da valorização do trabalho humano. Assim, pode--se afirmar que nem toda forma de copycat é bem recebida em nosso or-denamento jurídico. Aqueles que se baseiam na utilização e no vazamen-to de informações confidenciais e no emprego de outros meios desleais e fraudulentos para desvio de cliente-la, aliciamento de colaboradores e obtenção de vantagens competitivas têm sido reiteradamente repudiados por nossos tribunais (nesse sentido, AC 994.09.325734-5 SP).

CONCLUSÃO

O debate sobre os copycats, constantemente carregado de fato-res ideológicos, interesses econô-micos e concepções políticas, traz à tona dilemas importantes entre inovação, criatividade, liberdade de iniciativa e propriedade intelectu-al, elementos estes que também são carregados de fatores jurídicos.

Todavia, não se pode ter uma visão destes conflitos desconectada da percepção da realidade socioe-conômica, especialmente no que concerne ao acesso à Internet e ao desenvolvimento do setor de tecno-logia. A ordem constitucional brasi-

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Doutrinaleira, ao preservar o direito dos cria-dores sobre suas obras e invenções e permitir a liberdade de empresa para criação de modelos de negó-cios similares possui um importante papel indutor de desenvolvimento econômico: num mercado em plena adolescência, o amadurecimento da oferta e das condições de consumo na Internet abre espaço para novas formas de inovação dentro de uma mesma atividade, proporcionando também a investidores um impor-tante referencial de que determina-do empreendimento traz segurança e solidez, haja vista a sua aplicação prática anterior.

Luis Felipe Baptista Luz é advo-gado, formado na Faculdade de Di-reito da USP – Largo São Francisco, especializado em fusões e aquisições e em estruturações de investimentos no Brasil e exterior. É mentor e pa-lestrante em diversas aceleradoras e programas de apoio a startups em São Paulo. É sócio fundador do Bap-tista Luz, Gimenez e Freitas Advoga-dos.

Pedro Henrique Soares Ramos é advogado, formado na Faculda-de de Direito da USP – Largo São Francisco, com especialização pela University of Southern California. Advogado especializado em direi-to digital, é palestrante em diversos eventos e programas de apoio a star-tups em São Paulo. É advogado as-sociado no Baptista Luz, Gimenez e Freitas Advogados.

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