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ALMADA FORMA a revista do centro de formação da associação das escolas de almada nº10| junho|2015 ISSN 2183-4083

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A revista do Centro de Formação da Associação de Escolas de Almada

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ALMADAFORMAa revista do centro de formação da associação das escolas de almada nº10| junho|2015

ISSN 2183-4083

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ÍndiceEditorial 3EducaçãoInclusiva 4ProgramadeEstimulaçãonaAtenção 6EspectrodoAutismo 9AAcessibilidadedasPlataformasdeElearning 14ComunicaçãoeAprendizagem 21AsNecessidadesEducativasEspeciais 23PossibilidadeouUtopia? 25AplicaçãodeTécnicasdeRelaxamento 28AEscolaValeaPena... 30OElogiodaDiferença 32Na1ªpessoadoSingular 36TantasLágrimasVertidasPorquê? 41UmaPonteparaaIntegraçãonaVidaAtiva 42AsImplicaçõesdaDoençaCrónicanaFamília 45ConstruçãodeRecursosSensoriaisePedagógicos 50QueRespostas? 56TransiçãoparaaVidaAdultaeAutodeterminação 61OOlhardoAutista 65DasequipasmultidisciplinaresàsRedesdeParceria 69

Editorial

FichaTécnica

Directora:Maria Adelaide Paredes Silva

Colaboradores:Alunos do 10ºL - Curso de Design Gráfico/Escola Secundária de Cacilhas-Tejo,Alexandre Palma,Ana Filipa Viegas, Cecília Tomás, Custódia Cunha, Dulce Gonçalves, Giovana Pires, Gracinda Vilaça, Joana Silva, Lucinda Lourenço, Lurdes Trilho, Margarida Ramos, Maria Clara Martins, Mário Pereira, Odailton Aguiar, Paula Barroca, Pedro Veras, Rafael Pereira, Sandra Marques, Sara Costa, Sofia Ferreira, Sónia Santos, Susana Alves, Vanda Paulo.

Paginaçãoearranjográfico: Domitila Cardoso, Maria da Luz Vieira

Reinventada a natureza, em luz, cores e sentidos, renasce em flor, a 10ª edição da revista AlmadaForma online, inspirada no tema da ação de formação NEE – Das Equipas Multidisciplin-ares às Redes de Parcerias, concorrendo, de forma aberta e plural, para provar que é Possível o Impossível.

Basta querer, diz o poeta. Basta querer, dizem os preciosos colaboradores, conferencistas, especialistas, professores, educadores, formadores, pais e familiares, empresários, médicos e terapeutas, psicólogos e técnicos da educação.

Em redes e parcerias quisemos, fizemos acontecer o tempo especial de pensar e questionar o caminho, de forma organizada, criativa, empenhada e envolvida. Juntos, procuramos encontrar e partilhar respostas inclusivas, dando o sinal de que em equipa de vontades e crenças, será sempre possível buscar as condições para fazer a diferença. Registamos experiências e reflexões, processos de investigação e estudo, desafios e projetos, práticas significativas, contextos de esperança.

As comunicações que vos apresentamos permitem ler e compreender a qualidade dos contribu-tos e o privilégio de trabalharmos em redes de parceiros de excelência.

Os jovens adultos portadores de necessidades especiais mereceram e merecem toda a nossa atenção e respeito. É preciso equacionar os caminhos a fazer entre a escola e a sociedade, com a escola e a sociedade, em geral, mobilizando- nos para o tempo das respostas a procurar, a construir, a partilhar, de modo a incluir, inovar, investir nas pessoas, em particular, nas mais fragilizadas, nas mais dependentes, nas mais sensíveis.

É nossa intenção apelar à responsabilidade da escola e da sociedade, no sentido de se reorientar a sua intervenção, de forma estratégica, em princípios de cidadania, de projetos de vida inclusi-vos, visando a melhor transição para a vida ativa dos jovens adultos, portadores de necessidades especiais, como cidadãos de pleno direito.

Cientes de que é urgente humanizar o mundo, impõe-se desassossegar e fazer sentir e pensar a escola e a sociedade em que vivemos, desafiando-nos sem exceção a ser conscientes agentes de mudança contínua. É preciso acreditar!

O Mundo precisa / de loucos/ loucos/ uns pelos outros. Múcio Goes

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sencialmente competências do respectivo órgão de gestão. Por conseguinte torna-se imprescin-dível o envolvimento deste órgão na consecução dos ideais de inclusão.

Para a construção de escolas inclusivas, é neces-sário que haja um sentido de comunidade, de responsabilidade e de liderança, ambientes de aprendizagem flexíveis com estratégias diversi-ficadas de aprendizagem, padrões de qualidade elevados, uma mudança de papéis por parte dos profissionais de educação ao nível da colabora-ção, da cooperação e do desenvolvimento pro-fissional, pois as escolas inclusivas partilham o sucesso de todos os seus alunos, sem excepção (Correia, 2003).

Segundo Bénard da Costa “(…) Trata-se de uma questão simultaneamente política e pedagógica,

de um desafio que encerra, antes de tudo, um problema de valores e de hierarquia de valores” (Bénard da Costa, 2000: 31).

Bibliografia

BÉNARD DA COSTA, A. M. et al. (2000), Currículos Funcionais – Manual para Formação de Docentes, Lisboa, Instituto de Inovação Educacional.

FREIRE, S. (2008), Um olhar sobre a inclusão, Revista da Educação, Vol. XVI, nº 1, 2008, pp. 5 – 20.

LIMA-RODRIGUES, L. et al (2007), Percursos de Educação Inclusiva em Portugal: dez estudos de caso, Lisboa, Fórum de Estudos de Educação Inclusiva, Edições Faculdade de Motricidade Humana.

NASCIMENTO, A. T. C. B. (2008), Liga Portuguesa dos Deficientes Motores: de Instituição de Educação Especial e Reabilitação a Centro de Recursos; de Centro de Recursos a Fundação. Estudo de caso de uma organização, Tese de Doutoramento, Universidade do Minho.

EDUCAÇÃO

EducaçãoInclusivaEvolução da resposta educativa

Maria Clara Beirão Martins Professora de Educação Especial

Agrupamento de Escolas Romeu Correia

A educação inclusiva implica um esforço de mu-dança e melhoria da própria escola a fim de se-rem proporcionados a todos os alunos as melho-res condições de sucesso e participação, tendo sempre em conta as necessidades de cada um.

De uma escola tradicional, onde eram claramen-te identificados, rotulados e excluídos para insti-tuições ou escolas especiais os alunos com con-dição de deficiência passou-se para uma escola integrativa. No entanto, embora de forma subtil, este modelo de escola continuava a excluir os alunos (Lima-Rodrigues, 2007). Segundo o mo-delo integrativo, perante o aluno que apresen-ta dificuldades em se adaptar às exigências da escola, assume-se que o problema reside nesse aluno, na sua família, ou até no seu meio social, sendo estes que têm que ser mudados. Há uma procura de novas técnicas e estratégias que per-mitam responder aos alunos que apresentam di-ficuldades mas, a escola, em si, permanece inal-terada, pois não é nela que reside o problema (Ainscow, 1999; Clark et al., 1997; F. Armstrong, Belmont & Verillon, 2000; Niza, 1996; Rodrigues, 2000; Sebba & Ainscow, 1996, citados em Freire, 2008).

O movimento de educação inclusiva surge como uma alternativa, ligado à defesa dos direitos, abrangendo os alunos com necessidades educa-tivas especiais, no sentido da resposta apropria-da e com alta qualidade para todos, nas escolas do ensino regular. Esta perspectiva descentraliza

o problema no aluno para nos centrarmos no sistema educativo como o objecto de transfor-mação qualitativa.

Para Nascimento, a “ (…) inclusão não é sinóni-mo de integração, é antes, um conceito que cri-tica a prática de integração e que ultrapassa o conceito de integração. O objectivo é considerar a deficiência e as pessoas com deficiência não como seres especiais, mas, antes, como parcei-ros de pleno direito. Este autor sublinha ainda que devolver a ideia de inclusão da escola para a sociedade significa que a educação de todos, independentemente de diferenças individuais, deve conduzir à participação social de todos, reforçando assim a ligação entre a Inclusão Edu-cacional e a Inclusão Social ” (Nascimento, 2008: 35). Nesta perspectiva, a inclusão passa a ser considerada não um privilégio, mas um direito com todas as implicações de mudança ao nível social e institucional e no caso particular mudan-ças ao nível das escolas.

A definição e o cumprimento dos propósitos ine-rentes à política educativa de uma escola são es-

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A propósito, Correia (1999) acrescenta que “as respostas educativas que venham a ser decidi-das e implementadas deverão sempre partir do currículo comum e das necessidades efetivas dos alunos”. Só em seguida se farão as necessárias adaptações procurando rentabilizar os recursos existentes e eventualmente procurar serviços ou recursos necessários que não estejam disponí-veis a esse tempo.

Déficedeatenção

O défice de atenção é a característica mais pre-eminente nas crianças com Perturbação do Dé-fice de Atenção e Hiperatividade e consiste na dificuldade que a criança tem em focalizar a sua atenção numa determinada tarefa. Esta defini-ção do défice de atenção é corroborada pelos autores Sosin & Sosin (2006, p. 23) que atestam que a “falta de atenção significa dificuldade em se manter concentrado numa determinada tare-fa por muito tempo.”

De acordo com João Lopes “a atenção constitui um constructo multidimensional que se pode referir a problemas relacionados com o alerta, a ativação, a seletividade, a manutenção da atenção, a distratibilidade ou com o nível de apreensão, entre outros.” (2004, p. 60)

Sabemos que a “atenção resulta de fontes con-cretas de conhecimento, enquanto o seu enfra-quecimento é consequência do aumento dos conhecimentos abstratos veiculados pela socie-dade atual.” (Bonnet & Bréjard, 2008, p. 19)

Durante o processo de aprendizagem é funda-mental que a criança se consiga manter atenta de uma forma contínua, ou seja, por um perí-odo de tempo alargado. A criança com falta de atenção não consegue selecionar qual a fonte de informação mais fidedigna e fica desorienta-da e frustrada por ter de fazer este género de seleções. A atenção de uma criança com esta problemática interrompe-se bruscamente com

estímulos que o meio lhe fornece, mas, conside-rados irrelevantes para a tarefa que está a reali-zar. É nesta linha de pensamento, que Falardeau assegura que “a dificuldade em manter a aten-ção da criança diminuirá a sua aprendizagem.” (2009, p. 22)

As características atribuídas às crianças com défice de atenção são inúmeras, mas, é nosso propósito centrarmo-nos naquelas mais focadas pela literatura atual: distraem-se com muita faci-lidade, são desorganizadas; esquecidas; revelam inconsistência do desempenho; têm baixa au-toestima; têm problemas ao nível da memória; apresentam comportamento desafiante; são de-sobedientes; apresentam instabilidade emocio-nal; têm dificuldades auditivas; evidenciam falta de reação; entre outras.

ProgramadeEstimulaçãonaAtenção

O Programa de Estimulação na Atenção surgiu pela necessidade de intervir junto das crianças que apresentam défice de atenção.

Este Programa de Estimulação na Atenção fun-damenta-se em exercícios desenhados e pen-sados para as crianças/jovens que manifestam características do défice de atenção.

É nosso propósito que este programa contribua para o preenchimento de uma lacuna nos recur-sos existentes ao nosso dispor e que minimize o impacto do défice de atenção nas crianças.

O Programa de Estimulação na Atenção apresen-ta exercícios técnico-pedagógicos, e não clínicos, facilitadores da atenção e da reeducação nas áreas que interferem na capacidade atencional. Estes exercícios têm como objetivos:

i. potenciar a atenção;ii. aumentar a concentração;iii. controlar os impulsos; iv. potenciar a reflexividade;v. desenvolver a capacidade para adiar a res-

posta;

EDUCAÇÃO

ProgramadeEstimulaçãonaAtençãoum instrumento inclusivo

Sara Costa Professora do 1º Ciclo do Ensino Básico

Agrupamento de Escolas Elias GarciaMestre em Educação Especial

e Domínio Cognitivo Motor Co-autora do Programa de Estimulação na Atenção

[email protected]

Rafael Pereira Doutor em Ciências da Educação

Coordenador da Equipa de Avaliação e Intervenção Multidisciplinar – DISCLINICA

Pós-Doutorando em Ciências da Reabilitação pela Universidade de São Paulo

[email protected]

Resumo

Nunca como hoje a escola se questionou quanto ao seu papel e às funções que lhe competem. É indiscutí-vel que a escola é um serviço público que se destina a todas as crianças, mas se não queremos uma socieda-de de exclusões, temos que saber construir uma escola inclusiva. Para isso, é necessário que a escola ajuste os seus programas, os materiais didáticos, o equipamen-to escolar, que coloque técnicos capazes de ajudar os professores no apoio às diferentes crianças, por forma a propiciar o seu desenvolvimento e aprendizagem. Neste sentido e consciencializados desta necessidade concebemos um instrumento inclusivo: o Programa de Estimulação na Atenção que pretende ser um recurso para todos os profissionais de educação que trabalham com crianças com necessidades educativas especiais, nomeadamente, com crianças com défice de atenção, visando sempre o seu sucesso educativo.

EscolaInclusiva

Atualmente é colossal o desafio que se coloca à escola de construir uma Escola Inclusiva e de encontrar respostas às necessidades educativas especiais de uma população escolar cada vez mais heterogénea.

O atendimento pedagógico a alunos com neces-sidades educativas especiais assenta no recurso de estratégias de compensação que permitam dar mais clareza às respostas.

A escola inclusiva visa adaptar o seu funciona-mento aos estilos de aprendizagem de todo e qualquer aluno, visando a sua participação no processo ensino-aprendizagem. A inclusão pre-tende acabar com desigualdades e substituí-las por maior justiça e isto pressupõe que se preste mais atenção aos alunos que precisam de mais ajuda.

Assim, Correia (1999) confirma que a escola deve ter em atenção a criança – todo e, não só, a criança – aluno, por forma a proporcionar-lhe uma educação pertinente e relevante que consi-dere três níveis de desenvolvimento essenciais: académico, social/emocional e pessoal.

Para que estes princípios se tornem reais, é ne-cessário que a escola proporcione ao aluno uma educação apropriada, orientada para maximiza-ção do seu potencial, respeitando os níveis de desenvolvimento, acima referidos.

A educação inclusiva não se justifica hoje sim-plesmente porque é eficaz, porque dispensa os elevadíssimos custos das escolas especiais, por-que corresponde ao desejo dos pais. Embora todas estas sejam vantagens inegáveis, a razão última que a baseia consiste na defesa do direito à plena dignidade da criança como ser humano, “livre e igual em direitos e dignidade”.

É nesta perspetiva que defendemos que as es-tratégias educativas devem ter em atenção as di-ferenças individuais e os professores não se po-dem escudar também, de uma forma comodista, nos currículos e nas competências essenciais.

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vi. desenvolver o autocontrolo;vii. desenvolver a capacidade para observar e

analisar cuidadosamente detalhes;viii. aperfeiçoar o uso de estratégias de

observação, de resposta e de resolução de problemas;

ix. aperfeiçoar as estratégias de autoaprendi-zagem.

O Programa de Estimulação na Atenção apresenta uma série de exercícios que pretendem ser um recurso para todos os profissionais de educação que trabalham com crianças com necessidades educativas especiais, principalmente com crianças com défice de atenção. Desta forma, os exercícios que propomos desejam ser mais um instrumento de trabalho inclusivo ao dispor destes profissionais.

É pertinente realçar que os exercícios do nosso programa podem e devem ser adaptados de acordo com as características de cada criança. Acrescentamos que os exercícios que compõem este programa são exercícios que aumentam as funções executivas associadas à atenção e treinam a memória auditiva e a memória visual.

ConsideraçõesFinais

O reconhecimento da importância e necessida-de da intervenção junto das crianças com ne-cessidades educativas especiais despertou-nos o interesse em produzir um instrumento prático e útil, acima de tudo inclusivo, para os profissio-nais de Educação e que denominamos de Pro-grama de Estimulação na Atenção.

O Programa de Estimulação na Atenção é uma ferramenta de trabalho inovador e atuante que pode vir a ser muito profícua no âmbito dos re-cursos ao dispor dos professores que procuram instrumentos inclusivos. Neste sentido, acredita-mos que o nosso Programa de Estimulação na Atenção contribuirá para que os profissionais que intervêm junto das crianças com necessi-dades educativas especiais perspetivem o pro-

blema a partir de novos pontos de vista e enca-rarem estas crianças como tendo necessidades específicas e que requerem uma atenção parti-cular e especial.

Além disso, reconhecemos que os exercícios cria-dos podem contribuir para a reeducação do cére-bro ao nível das funções executivas associadas a este défice, ajudando a colmatar e superar as di-ficuldades vinculadas à atenção e concentração.

Em suma, dar atenção à atenção, a inclusão de todos, a escola para todos, não é um mito. É uma evidência. É uma necessidade vital na organiza-ção das sociedades. É uma urgência incontorná-vel para a escola, cujo adiamento só nos atrasa e empobrece.

ReferênciasBibliográficasBonnet, A., & Bréjard, V. (2008). A hiperactividade na

criança. Lisboa: Climepsi Editores.

Correia, L. d. (1999). Alunos com Necessidades Educativas Especiais. Porto: Porto Editor.

Falardeau, G. (1999). As Crianças Hiperactivas. Mem Martins: Edições Cetop.

Lopes, J. A. (2004). A Hiperactividade. Coimbra: Quarteto.

Sosin, D., & Sosin, M. (2006). Compreender a Desordem por Défice de Atenção e Hiperactividade. Porto:

Porto Editora.

INVESTIGAÇÃO

EspectrodoAutismoBenefícios de uma Intervenção Específica em Desenvolvimento da Linguagem

Maria Gracinda Vilaça Professora Licenciada em Educação Especial

Mestre em Ciências da Educação- - Intervenção Precoce

RESUMO

Trata-se de um estudo de intervenção que pretende avaliar o efeito de uma estimulação individualizada centrada no desenvolvimento de competências linguísticas de Nomeação e Definição Verbal (Sim Sim,1997), em crianças de 4/5 anos com Perturbação do Espectro do Autismo (PEA), cujo atendimento decorre em meio hospitalar com o suporte de uma equipa multidisciplinar.

Fernell et al. (2013), dão relevância aos programas de intervenção em crianças com esta patologia, referindo-os como factor privilegiado na mudança de prognóstico quando a implementação é precoce e multidisciplinar.

Neste estudo participaram 10 crianças com idades compreendidas entre os 4 e os 5 anos, com diagnostico de PEA, mas com linguagem. Todas eram seguidas clinicamente numa instituição hospitalar e estavam a frequentar jardins de infância. Cinco incluíram o grupo de intervenção integrando as restantes cinco o grupo de controle. O grupo de intervenção realizou 15 sessões de estimulação, conduzidas individualmente pelo experimentador e a sua evolução foi discutida regularmente. O grupo de controlo apenas acedeu às consultas de rotina, no hospital.

Os participantes foram avaliados com a “Escala de Desenvolvimento Mental de Griffiths 0-8 anos” (Griffiths, 2006) e com as provas de “Definição Verbal” e de “Nomeação Verbal” da Escala de Avaliação da Linguagem Oral (Sim-Sim, 1997).

Globalmente, os resultados revelaram uma significati-va superioridade das crianças do grupo experimental, quando comparadas com o grupo de controlo. Apesar de o grupo de controlo ter obtido médias superiores ao grupo experimental nas provas linguísticas, no pré-

teste, verificou-se um efeito significativo da interven-ção, no pós-teste, com o grupo experimental a obter resultados superiores, mesmo após controlar as dife-renças em desenvolvimento global e desenvolvimento da linguagem (Griffiths, 2006).

Comprovou-se ainda que o efeito da intervenção foi significativamente relevante tendo em conta que, nas provas iniciais as competências linguísticas do grupo de controle eram superiores às do grupo experimental.

Em conclusão, é possível estimular o desenvolvimento de competências verbais de definição e nomeação em

crianças com Perturbação do Espectro do Autismo.

Palavras-chave: Perturbação do Espectro do Autis-mo; Intervenção Precoce; Definição verbal; Nomeação verbal.

INTRODUÇÃO

“A pratica pedagógica, ao ser objeto de pesquisa e de reflexão, torna-se práxis transformadora de

si mesma e do meio que a circunda.”

(Janssen,2003,p.10)

O facto de às crianças com PEA serem regular-mente atribuídas dificuldades graves na comuni-cação pode explicar a dificuldade em encontrar estudos que especificamente testem a possibili-dade de alterar positivamente aquelas compe-tências.

Neste estudo, aceitámos esse desafio procuran-do verificar se uma intervenção especificamente desenhada, aplicada individualmente pela inves-tigadora e suportada por uma equipa multidis-ciplinar, produziria resultados significativamente diferentes nas competências comunicativas de definição e nomeação verbal (Sim-Sim, 1997) quando comparados com os de outras crianças que fazem apenas o seu acompanhamento de rotina no hospital.

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Quanto a nós, a relevância desta intervenção prende-se com o facto de ser necessário ultra-passar o efeito potencialmente paralisante de um diagnóstico de dificuldades graves de comu-nicação, mostrando que podem ser concebidos instrumentos consistentes para potenciar as ca-pacidades das crianças, nessa área.

Oliveira (2009), defende que a intervenção per-sonalizada, o mais precocemente possível, é prioritária. Pode ter implicações no prognóstico em diferentes áreas, nomeadamente na apren-dizagem geral, desenvolvimento linguístico, social e adaptativo, minimizando também com-portamentos desadequados, que, muitas vezes, decorrem de ausência de intervenção ou da mesma não ser adequada.

Foram definidas estratégias de desenvolvimento de competências comunicativas para um grupo experimental, conjugando o perfil de funcio-namento destas crianças e a especificidade de cada uma, ouvindo os pais. Assim, foi construído e implementado um programa de intervenção personalizada e individual na área da linguagem oral, no domínio lexical. Os resultados foram comparados com os de um grupo de controlo.

METODOLOGIA

ObjetivoeHipótesesdoEstudo

Este estudo pretende comparar o efeito de uma intervenção individualizada centrada no desen-volvimento de competências linguísticas de No-meação e Definição Verbal (Sim Sim,1997), em crianças de 4/5 anos, diagnosticadas com PEA, com atendimento sistematizado em contexto hospitalar, com o efeito de uma situação de con-trole em que não há intervenção nem o atendi-mento é sistematizado.

Este estudo examina as seguintes hipóteses:

Hipótese 1 - Há um efeito significativo de um programa individualizado de estimulação lin-guística, desenvolvido com o suporte de uma equipa multidisciplinar, no desenvolvimento de competências de Definição Verbal;

Hipótese 2- Há um efeito significativo de um programa individualizado de estimulação lin-guística, conduzido com suporte de uma equipa multidisciplinar no desenvolvimento de compe-tências de Nomeação Verbal.

Os Participantes foram 10 crianças, 8 rapazes e 2 raparigas com idades compreendidas entre os 4 e os 5 anos, com diagnóstico de PEA mas com linguagem. Todas as crianças eram seguidas cli-nicamente na instituição hospitalar de uma cida-de da periferia de Lisboa e estavam a frequentar jardins de infância, não havendo qualquer rela-cionamento entre as mesmas. Trata-se de uma amostra de conveniência que incluiu crianças de diversos contextos sociais e económicos.

Das dez crianças, cinco incluíram o grupo de in-tervenção (4 rapazes e 1 rapariga) integrando as restantes o grupo de controle (4 rapazes e 1 rapariga).

A média de idades das crianças, à data da recolha dos dados, era de 60,75 meses, com idades variando entre os 44,50 e os 69 meses.

Para confirmar se os grupos eram equivalentes no pré-teste fez-se um t-teste para grupos independentes. A análise revelou que não havia diferenças significativas nas idades dos grupos (t (8) = -.191, p = .853).

O Grupo experimental foi alvo de 15 sessões de intervenção individual com o investigador, cuja duração variava entre os 30 a 45 minutos, tinham como objetivo implementar atividades para desenvolver competências na área da linguagem mais especificamente na Nomeação e Definição verbal. O Grupo de controle não foi alvo de nenhuma intervenção.

ProcedimentoseMateriaisUtilizados

Foram administrados os pré-testes pelo investi-gador a todas as crianças, individualmente, de forma oral, no contexto hospitalar e em sala própria. As provas foram aplicadas seguindo a

orientações originais constantes no manual (Sim Sim, 1997).

Etapasdeestudo

Avaliação Psicológica; Pré-teste; Intervenção com o Grupo Experimental; Pós-teste

Variáveis

1 - Variáveis dependentes:-Definição Verbal (Sim-Sim,1997);-Nomeação Verbal (Sim-Sim,1997).

2 - Variável Independente:-Grupo (experimental / controle).

3 - Variáveis de controle:-Idade de Desenvolvimento Mental Global (Griffiths, 2006);

-Idade de Desenvolvimento da Linguagem (Griffiths, 2006).

Grupo IDM

Loco-moção

IDM

Pessoal Social

IDM

Audição Lingua-

gem

IDM

Coordena-ção Óculo

Manual

IDM

Realização

IDM

Raciocínio Prático

Idade Desenvol-vimento Mental (IDM)

IntervençãoN=5

Média 44,60 42,60 36,00 48,00 46,40 42,30 43,40

Dp (11,34) (7,33) (9,27) (17,90) (16,70) (11,22) (11,22)

ControleN=5

Média 46,20 43,00 45,80 51,10 54,00 49,10 47,70

Dp (8,53) (14,35) (17,97) (14,82) (18,04) (16,05) (12,53)

Neste quadro podemos observar que, o grupo de controle tem melhores resultados em todas as áreas avaliadas, o que aparece reflectido na Idade global de Desenvolvimento Mental (média de todas as dimensões).

Se tivermos como referência a análise quanti-tativa dos resultados obtidos no teste Griffiths, podemos constatar uma Idade Mental Global dos grupos bastante abaixo do esperado para as idades cronológicas.

Podemos concluir que, em ambos os grupos, está emergente um atraso global do desenvolvimento. Importa ainda salientar que, os perfis apresentam valores heterogéneos, destacando-se no grupo de intervenção como área forte a área Óculo-Manual e a mais fraca a área da Audição-Linguagem e no grupo de controle a Realização como área forte e a Pessoal e Social como área mais fraca.

RESULTADOS/CONCLUSÃO

Médiase(desviospadrão)notesteGriffiths,emfunçãodogrupo

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Verificamos que também nesta tarefa se obtive-ram médias muito baixas no pré-teste, quer no grupo de controlo (33,70) quer no grupo de in-tervenção (29,10).

A análise das médias e dos desvios-padrão sugerem que ambos os grupos progrediram no pós-teste, mas que o grupo de intervenção teve um progresso bem mais acentuado uma vez que, os resultados no pré-teste do grupo de intervenção eram inferiores aos resultados do grupo de controle.

Concluiu-se que houve um efeito significativo no desenvolvimento de competências de Definição e Nomeação Verbal, quando se intervém com um programa individualizado de estimulação linguística, desenvolvido com o suporte de uma equipa multidisciplinar, mesmo após controlar

diferenças explicáveis pela idade de desenvolvi-mento global e desenvolvimento linguístico.

Na análise estatística comprovámos que as crian-ças alvo de intervenção, aumentaram as suas competências, dando uma melhor definição a mais palavras, levando-as a ter mais facilidade em explicitar características relevantes e adqui-rir os conceitos que os vocábulos representam. Este facto levou a que a comunicação oral se fizesse de forma mais compreensível, respon-dendo já as crianças deste grupo, com alguma intencionalidade e adequadamente às questões que lhes eram feitas.

Também comprovámos que as crianças do grupo experimental, aumentaram de forma significativa as suas competências linguísticas, conseguindo atribuir rótulos lexicais a itens

Médias(edesviospadrão)emDefiniçãoverbal,nopré-testeepós-testes,emfunçãodogrupo

Grupo Definição Verbal

Pré-Teste

Definição Verbal

Pós-Teste

IntervençãoN=5

Média 18,30 38,20

Dp (13,37) (16,42)

ControleN=5

Média 17,50 24,80

Dp (16,57) (14,73)

Neste quadro, verificamos que esta tarefa ob-teve médias muito baixas no pré-teste, quer no grupo de controlo (17,50) quer no grupo de in-tervenção (18,30).

A análise das médias e dos desvios-padrão suge-rem que ambos os grupos progrediram no pós-teste, mas que o grupo de intervenção teve um progresso mais acentuado.

Médias(edesviospadrão)emNomeaçãoverbal,nopré-testenopós-teste,emfunçãodogrupo

Grupo Nomeação Verbal

Pré-Teste

Nomeação Verbal

Pós-Teste

IntervençãoN=5

Média 29,10 47,40

Dp (8,23) (5,41)

ControleN=5

Média 33,70 34,80

Dp (17,94) (18,70)

do seu dia-a-dia, na presença de um estímulo visual. Aumentaram o vocabulário, verbalizaram palavras de forma mais adequada e tornaram, assim, o discurso mais compreensível. Este facto revelou-se facilitador na comunicação oral da criança, dando-lhe mais autonomia, nomeadamente permitindo-lhe fazer pedidos sem a presença dos objetos ou imagens.

Estes resultados levam-nos a refletir sobre o papel da intervenção no desenvolvimento linguístico destas crianças, que apesar de terem menos competências de base, conseguiram evoluir significativamente quando alvo de um programa personalizado.

ImplicaçõesparaaPraticaPedagógica

Este trabalho pode levar-nos a dar algumas su-gestões para as práticas pedagógicas com estas crianças, que são, de certa forma, ”lições apren-didas” durante a realização do presente estudo.

1- Apesar das dificuldades inerentes ao qua-dro clínico destas crianças (dificuldades na relação/comunicação) elas progridem no domínio lexical quando há um programa individualizado, aplicado de forma regular e consistente, acompanhado por uma equi-pa multidisciplinar.

2- O sucesso da intervenção pode ser potencia-do quando há um envolvimento assíduo das famílias em todo o processo e um aferir de procedimentos contínuo com a equipa de suporte multidisciplinar.

3- Os espaços e os materiais têm de ser ade-quados a cada criança tendo em conta os seus interesses.

4- A intervenção tem de ser estruturada e ter como base rotinas bem definidas privile-giando a antecipação das atividades.

REFERÊNCIAS

Albano, E.C. (1990). Da fala à linguagem tocando de ouvido. Martins Fontes. São Paulo.

Fernell, E., Eriksson, M. A., & Gillberg, C. (2013). Early diagnosis of autism and impact on prognosis: a narrative review. Clinical epidemiolog, 5, 33.

Gillberg, C. (2010). The ESSENCE in child psychiatry: early symptomatic syndromes eliciting neurodevelopmental clinical examinations. Research in Developmental Disabilities, 31(6), 1543-1551.

Jordan, R. (2000). Educação de Crianças e Jovens com Autismo. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional.

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Sim-Sim, I. (1997). Avaliação da linguagem Oral, Um contributo para o conhecimento do desenvolvimento linguístico das crianças portuguesas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

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INVESTIGAÇÃO

AAcessibilidadedasPlataformasdeElearningem Instituições de Ensino Superior Público

Cecília Tomás Laboratório de Educação a Distância

e eLearning (LE@D), Universidade Aberta, Portugal

[email protected]

Elaborado no âmbito do Laboratório de Edu-cação a Distância e eLearning (LE@D) da UAb, linha de investigação Educação a Distância e Sociedade em Rede, esta investigação sobre a Acessibilidade das Plataformas de Elearning em Instituições de Ensino Superior Público (contri-butos iniciais) nasceu da necessidade de analisar uma realidade existente (o estado da acessibi-lidade das plataformas de elearning no ensino superior - neste caso público -) à luz de uma con-ceptualidade que liga a tecnologia à educação. De ressalvar é o facto de que foi inspirado numa investigação da Unidade ACESSO, datada de De-zembro de 2013, que analisou o estado da Aces-sibilidade dos sítios Web dos estabelecimentos de ensino superior em Portugal (disponível no site da Direção Geral Ensino Superior).

O problema a partir do qual a investigação parte é precisamente o problema da acessibilidade na educação online que neste trabalho se especifi-ca na questão: Qual o estado da acessibilidade da página inicial das plataformas de elearning no ensino superior público português?

Os objetivos prendem-se com a análise teórica da acessibilidade (Web Content Accessibility Guide-lines ou Diretrizes de Acessibilidade Web, de ora em diante WCAG, especificamente as 2.0), do elearning (potencial de inclusão e barreiras), da legislação existente em Portugal, e com a análise

prática da medição da acessibilidade (através do validador automático AcessMonitor) e da medi-da por índice, nível e principais erros.

Inspirado nos sete princípios do design univer-sal (uso equitativo, flexibilidade no uso, simples e intuitivo, informação percetível, tolerância de erro, baixo esforço físico e tamanho e espaço para aproximação e uso) desenha-se o conceito de inclusão que em 1994 surge dimensionado por Tim Berners-LEE na criação da World Wide Web Consortium com o objetivo de assegurar a compatibilidade e definir protocolos entre as empresas do setor informático, bem como a criação e cumprimento de normas. Neste sen-tido em 1997 surge a Web Accessibility Initiati-ve (WAI) e em 1999 são lançadas as primeiras diretrizes de acessibilidade para os conteúdos web (WCAG1.0) com o sentido de promover a acessibilidade em termos de design que permi-te por um lado a inclusão e usabilidade de / e para todos e por outro a possibilidade de tornar mais rápidas as pesquisas. Em 2008 surgem as segundas recomendações (WCAG 2.0) com o in-tuito de “(...) tornar o conteúdo acessível para

um amplo grupo de pessoas com deficiência, in-cluindo cegueira e baixa visão, surdez e baixa au-dição, dificuldades de aprendizagem, limitações cognitivas, limitações de movimentos, incapaci-dade de fala, fotossensibilidade e suas combina-ções.” porque se compreende que a sociedade é uma sociedade de conhecimento conectivo que pela rede tem de ser acessível. O computador e a internet são cada vez mais as formas de en-contrar informação, de aceder a conhecimento e de proceder a formas de socialização e de edu-cação. Por isso o elearning tem de ser inclusivo potenciando sempre que possível a inclusão social e educacional através da tecnologia. É na tecnologia que agora se coloca a ênfase pois que é pelo conceito de usabilidade (o uso que dela se faz para si e para os outros) que os potenciais inclusivos podem, ao mesmo tempo, tornar-se barreiras. Assim tornar acessíveis as plataformas e os conteúdos é central para que ela se torne inclusiva e não exclusiva.

Para este caráter inclusivo a legislação começa a surgir tanto nacional como internacionalmente. Portugal tornou-se o primeiro país Europeu a re-gulamentar a acessibilidade nas páginas da Ad-ministração pública tendo sido criada a Iniciativa Nacional para os Cidadãos com Necessidades Especiais na Sociedade da Informação (INCNESI) que propõe a criação de condições de acessibili-

dade a toda a informação que circula na Internet, contribuindo para a concretização dos objetivos do Livro Verde. Nesta sequência a Unidade ACES-SO é criada com o intuito de apoiar o Ministério da Ciência e Tecnologia no acompanhamento da INCNESI. Desde 1999 que a legislação começa a aparecer para regulamentar a acessibilidade da web e é em 2001 (resolução Nº 22/2001) que a legislação surge para avaliar o cumprimento das disposições legais relativas à acessibilidade nas páginas da administração pública. Em 2012 a Re-solução do Conselho de Ministros n º. 91/2012 de 8 de novembro vem definir as especificações técnicas e formatos digitais a adotar pela Admi-nistração Pública definindo a obrigatoriedade do nível “A” das WCAG sobre todas as informações fornecidas na internet e o nível “AA” para os ser-viços disponibilizados na internet na Administra-ção Pública. Em termos internacionais em 1999 são criadas as WCAG 1.0 pelo W3C que explicam como tornar o conteúdo web acessível a pesso-as com deficiência tanto para pessoas que de-senvolvam conteúdos web (páginas, sites) como para os que desenvolvam ferramentas; porém é em 2008 que surgem as WCAG 2.0 passando a acessibilidade a especificar-se em pessoas com cegueira e baixa visão, surdez e perda de audi-ção, incapacidades ao nível da aprendizagem, limitações cognitivas, movimentos limitados,

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incapacidades ao nível da fala, fotossensibilida-de e ainda combinações destas incapacidades (as WCAG 2.0 baseiam-se em 4 princípios, têm 12 diretrizes, com 25 critérios de sucesso para o nível A, 13 para o nível AA e 23 para o nível AAA, e técnicas do tipo suficiente e aconselha-das). A acessibilidade pode ser medida através de validadores automáticos dos quais destaco o AcessMonitor (criado pela unidade ACESSO da FCT e que dá um teste pormenorizado tanto das WCAG 1.0 como das WCAG 2.0). Este validador aplica uma bateria de testes (86 na totalidade) conferindo um relatório qualitativo por cada URL que lhe é submetido apresentando o índice, e erros obtidos por nível de prioridade ‘A’, ‘AA’ e ‘AAA’.

Carateristicamente um estudo de caráter quanti-tativo que utiliza a técnica de amostragem, este estudo parte da identificação do conjunto das Instituições de Ensino Superior Público (33 num

total - Universidades e Institutos Politécnicos / escolas superiores de educação públicas) para identificar as que cumprem o requisito central: ter uma plataforma de elearning ‘mãe’ (única) e que fossem visíveis a partir do portal da Insti-tuição e/ou encontradas através da pesquisa no browser “Google Chrome”: ‘nome da instituição’ e ‘elearning’. Foram encontradas 25 URLs que cumpriam o requisito fundamental. De segui-da o URL foi submetido à validação através do AcessMonitor que efetua uma bateria de testes fornecendo informações detalhadas, as quais fo-ram compiladas analisadas.

Analisada primeiramente instituição a institui-ção a análise do índice de conformidade com as WCAG 2.0 revelou que das instituições uni-versitárias a Universidade do Porto é a que tem o índice mais elevado (9,0) e a Universidade de Coimbra o mais baixo (3,1), como visível na seguinte tabela:

Das instituições politécnicas a Escola superior de Hotelaria e Turismo do Estoril e o Instituto Politécnico de Leiria revelaram ter o índice mais

elevado (9.0) e o Instituto Politécnico de Setúbal o mais baixo (3,4), como se pode contatar na seguinte tabela:

Nenhum dos URL analisados passaram a bat-eria de testes de nível ‘A’. Das instituições uni-versitárias apenas a Universidade do Porto não apresenta erros de nível ‘AA’, das politécnicas as 5 identificadas - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril, Escola Superior Náutica Infante D. Henrique, Instituto Politécnico de Leiria, Insti-tuto Politécnico de Portalegre - também não apresentam erros; no que diz respeito ao nível ‘AAA’ são as instituições universitárias - ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, Universidade de Aveiro, Universidade de Lisboa, Universidade do Minho, Universidade do Porto - e politécnicas - Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, Es-cola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril, Instituto Politécnico da Guarda, Instituto Politéc-nico de Leiria - as que não apresentam erros.

Foram identificados, por nível de conformidade, os erros mais frequentes percebendo-se que os que apresentam mais constância são os mesmos nos dois grupos de instituições analisadas, a saber: de nível ‘A’ - Standards W3C: (X)HTML + CSS; de nível ‘AA’ Elementos e atributos de apresentação /obsoletos; de nível ‘AAA’ - Marcação de links, menus e textos de links, como se percebe pelos seguintes gráficos (sendo que o primeiro diz respeito às instituições de ensino superior público universitário e o segundo às instituições de ensino superior público politécnico)

Apesar de o resultado por índice se encontrar, numa escala de 1 a 10 em 6,35 oscilando entre 6,02 nas instituições universitárias e 6,63 nos institutos politécnicos estando assim um pouco acima do nível médio, compreende-se que a

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legislação apesar de existir está longe de ser cumprida - visível, por exemplo no facto de nenhum URL passar a bateria de testes de nível

‘A’ e de os erros recorrentes serem, em geral, os mesmos -. Um longo caminho no domínio da acessibilidade há, ainda, a fazer.

Em conclusão pode dizer-se que apesar de ser um estudo que parte de uma amostragem de conveniência e de não ter sido feita a

avaliação manual das páginas, conjuntamente com a validação automática (o olho humano é também aqui importante para destrinçar),

na verdade este estudo não existia e é uma parte importante para perceber, num mundo cada vez mais ciberculturalizado, o estado da acessibilidade da educação em elearning. Por isso a análise às diferentes páginas disponíveis nas plataformas de elearning, de todas as

plataformas de elearning das instituições de ensino superior português (públicas e privadas) e, por exemplo, a uma página de perfil e a uma Unidade Curricular com conteúdos e estudantes inscritos seria um estudo mais aprofundado e de relevo a efetuar.

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ESCOLA

ComunicaçãoeAprendizagemPT Magic Contact e CalcZapper

Cecília Tomás Unidade de Apoio à Multideficiência

Agrupamento de Escolas Anselmo de Andrade [email protected]

A Maria Inês é uma menina de 8 anos com uma incapacidade de 90% ao nível motor decorrente de um quadro clínico de Paralisia Cerebral, (tetraparésia disquinética). Apesar disso não evidencia dificuldades significativas na aprendizagem, acompanhando as atividades realizadas na turma (2º ano do Ensino Básico da EB1/JI Feliciano Oleiro Agrupamento de Escolas Anselmo de Andrade) através de conteúdos curriculares adequados à especificidade do seu perfil de funcionalidade. Sempre muito motivada e persistente na realização das diferentes tarefas escolares, a Maria Inês quer fazer, sempre, duas coisas: Comunicar e Aprender.

Pelo seu quadro motor a comunicação encontra-se gravemente comprometida, uma vez que só consegue responder sim ou não através de

movimentos corporais que consegue controlar (estender uma perna ou pestanejar, que significam ‘SIM’). Só assim tem conseguido responder tanto no plano da comunicação como no da aprendizagem, dependendo das hipóteses colocadas. Apesar disso a Inês não consegue comunicar o que pensa, quer, sente, nem tão pouco as suas dificuldades no plano da aprendizagem o que dificulta a aplicação, consolidação e avalização dos conhecimentos.

Fez treino desde os 3 anos, com sucesso, com um sistema de comunicação aumentativa MagicEye que neste momento não consegue usar pelo agravamento dos movimentos involuntários e por não dispôr de um suporte de cabeça que permitam um bom posicionamento e estabilização. Além disso este sistema, no plano do hardware, dificulta a possibilidade de portabilidade e mobilidade, cruciais, no caso da Maria Inês.

Até 2014 os instrumentos tecnológicos versus softwares existentes no mercado não constitu-íam uma resposta para a Maria Inês. Porém foi

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precisamente neste ano que a MagicKey lançou um novo software para android PTMagicContact que alargou as possibilidades de comunicação/ aprendizagem da pequena Inês. A aquisição de um tablet android pela família não tardou e as soluções caseiras foram, apesar de tudo a op-ção mais versátil para encontrar respostas que não existem, ainda, no mercado. Assim foi com a balização/estabilização da cabeça da Maria Inês, com a adaptação de um braço de cadeira de rodas para colocar o tablet, com a construção de um switch de mão (um auricular de telefone comunica através da porta áudio) e adaptação do mesmo à mão da Maria Inês.

Os instrumentos tecnológicos são, agora, uma extensão da Inês; já o era a cadeira de rodas e, mais atualmente, é o tablet e o switch de mão que lhe permitem a comunicação e a aprendi-zagem (não só cognitiva, mas também prática pela manipulação de software e até social pela possibilidade de ‘conversação’).

Depois de conseguir encontrar os instrumentos adequados (aliando a mobilidade e a portabili-dade), o desafio é o de encontrar softwares ma-nipuláveis por varrimento, porém o que existe para o Sistema Operativo android que funcione com esta modalidade é, de momento... apenas o software freeware PT Magic Contact e o Vox4all.

Deste modo nasceu um apelo às várias Institui-ções de Ensino Superior (Politécnicas e Univer-sitárias) e outras, como o Instituto Nacional de Reabilitação (INR), ou o Grupo de Trabalho Ele-arning Inclusivo e Acessível (gteLia), apelo que se alargou às redes sociais.

Da Universidade de Coimbra chegou a primeira resposta pela voz de dois professores/investiga-dores (Pedro Furtado e José Cecílio). Olhando à situação da pequena Inês, José Cecílio criou uma máquina de calcular, a CalcZapper (notícia em diversos jornais e mesmo na televisão), para auxiliar a criança na manipulação dos números e das operações matemáticas. Esta calculadora

funciona por varrimento com os instrumentos que a criança é capaz de manipular (tablet an-droid e switch). Agora a Maria Inês é capaz de acompanhar os colegas na atividade da elabora-ção de contas (manipulação de números e ope-rações) e desde que os manipula tornou-se mais apreciadora do cálculo.

Também da Universidade de Lisboa recebemos um feedback positivo e aguardamos por novidades.

Pela parte da Magic Key foram resolvidos os bugs que ainda restavam no programa e informaram estar a desenvolver esforços para a criação de novas aplicações pedagógicas para o Sistema Operativo Android.

Desde o final de 2014 que a Maria Inês já comu-nica (com mobilidade e portabilidade) através das tabelas de comunicação (sempre em adap-tação à especificidade das suas circunstâncias vi-vidas) do PT Magic Contact e vai fazendo escrita e leitura de palavras através do texto para voz. O início de 2015 trouxe-lhe a possibilidade de ma-nipular números e operações matemáticas atra-vés da sua nova CalcZapper. Estarão para breve novas etapas, certamente, as quais abrirão no-vas perspetivas para a menina que é ‘capaz de tudo’ (como ela diz) através das tecnologias..

PTMagicContactCalcZapper

ESCOLA

AsNecessidadesEducativasEspeciaispráticas e desafios

Custódia Cunha Sónia Santos

Gabinete de Educação EspecialEscola Secundária de Cacilhas-Tejo

O conceito de Escola Inclusiva assenta no respeito pelas diferenças, na igualdade de oportunidades e numa educação de qualidade para todos. Não é possível

exigir que todos os alunos aprendam da mesma maneira, nem que se utilize a mesma metodologia de ensino ou o mesmo tipo de atividades para uma grande variedade de estilos e ritmos de aprendizagem.

Um aluno tem necessidades educativas especiais quando a sua problemática física ou psicológica não lhe permite atingir, da mesma forma que os outros, aquilo que lhes é ensinado normalmente na escola, ou seja, têm necessidade que sejam acionadas estratégias, metodologias e pedagogias diferenciadas para que consigam realizar as mesmas aprendizagens que os seus pares – “chegar ao mesmo destino mas por caminhos diferentes. Responder ao desafio da heterogeneidade dos alunos torna-se um ponto de ligação entre a tarefa de trabalhar com todos - Inclusão - e o objetivo de dar o necessário a todos – equidade.”

A gestão do currículo de forma flexível permite que sejam feitas diversas adequações/modificações ao programa oficial tendo em conta tudo aquilo que o aluno consegue realizar em sala de aula, com os seus pares,

considerando que a diferenciação pode facilitar o acesso ao currículo comum e, portanto, a aquisição de competências finais de ciclo de escolaridade. Por outro lado, podemos recorrer a Adequações Curriculares que constituem a construção das vias de acesso ao currículo e são apontadas como um meio de construção de caminhos alternativos que permitem aos alunos aceder aos conhecimentos escolares. Estas devem ter em conta as diferenças existentes entre os alunos e são da responsabilidade da escola, enquanto unidade organizativa, e das várias equipas de professores. Assim, as Adequações Curriculares devem surgir da constatação e reflexão da realidade da própria escola e deverão assentar numa planificação de ações adequadas, com o objetivo de melhorar os resultados escolares de cada aluno na sua individualidade, particularmente no que diz respeito aos alunos com NEE. Em suma, adequações curriculares são todas as alterações, modificações ou transformações que a escola e os professores introduzem nas propostas curriculares do Ministério da Educação e Ciência, com vista à sua adequação ao contexto local e às necessidades dos seus alunos.

Em termos das adequações curriculares individuais, deve-se hierarquizar os níveis de adequação a partir dos elementos curriculares, de acordo com o grau de afastamento em relação ao currículo comum ou seja, devemos partir dos elementos de menor para os de maior afastamento do currículo comum: 1ºOrganização do Espaço e do Equipamento;2º Estratégias e Atividades; 3º Recursos; 4ºAvaliação; 5º Duração/Tempo; 6º Conteúdos;7ºObjetivos/Competências.

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Assim, se entendermos como situação educativa específica, a situação de cada um dos nossos alunos considerados na sua diversidade plural, o que nós chamamos de adequações curriculares dentro do “REGIME EDUCATIVO ESPECIAL” deverá ser o procedimento normal, “O REGIME EDUCATIVO QUOTIDIANO”- alterar, adaptar condições, tempos, atividades, estratégias, formas de avaliação, conteúdos, etc. - que respeite as diferenças individuais e leve o maior número possível de alunos, a realizar com sucesso as suas aprendizagens curriculares, sendo os objetivos/competências gerais da educação os parâmetros orientadores desse “REGIME EDUCATIVO QUOTIDIANO”. (Heacox, 2006).

É neste sentido que a Escola Secundária de Cacilhas Tejo tenta direcionar a sua atuação face aos alunos com NEE. De acordo com o decreto-lei nº 3/2008 de 7/1, tentamos adequar o melhor possível as medidas educativas às reais necessidades dos alunos. Assim, a par do apoio direto (em gabinete e em sala de aula) e indireto das docentes de educação especial, o apoio pedagógico personalizado dado pelo professor da disciplina, convergem para o sucesso das aprendizagens juntamente com a aplicação de outras medidas educativas, em sala de aula, nomeadamente as adequações no processo de avaliação.

De salientar, também, a importância de todos os professores conhecerem o funcionamento biopsicossocial de cada discente e, em particular, dos alunos com NEE, “saber como aprendem para fazerem aprender” e, acima de tudo, desenvolver e/ou estabelecer uma relação pedagógica construtiva, de empatia e motivação para as atividades de sala de aula. A Relação Pedagógica não é um simples encontro de professores e alunos, alunos e alunos no espaço - sala de aula. É, antes de mais, um conjunto de interações sociais, um encontro formativo, um

encontro que tem como pano de fundo o saber, gerar conhecimento.

A partir daqui, com a colaboração dos pais e encarregados de educação, enquanto parte integrante no processo educativo dos alunos, temos as condições propícias para que os alunos consigam atingir os seus objetivos.

Por outro lado, no início de cada ano letivo, com as turmas do 10º ano de escolaridade, confrontamo-nos com encaminhamentos escolares desajustados face às reais capacidades dos alunos com NEE, fruto, muitas vezes, da inexistência de um programa de orientação vocacional adequado, no 3º ciclo do ensino básico. Nestes casos, sempre que possível, tentamos referenciar os alunos ao Serviço de Psicologia e Orientação para reformular o seu percurso educativo e, muitas vezes, encontrar propostas formativas mais adequadas às suas reais capacidades, uma vez que os cursos científico-humanísticos e profissionais não lhes estão ajustados. Para além disso, há por parte dos alunos a ambição de obtenção do certificado de conclusão do ensino secundário uma vez que não são alunos de Currículo Específico Individual (CEI).

No sentido de colmatar essa necessidade formativa, sentimos a urgência da criação de cursos vocacionais, no ensino secundário, que vão ao encontro das expectativas dos alunos e que lhes dê ferramentas para o mercado de trabalho, tornando-os cidadãos autónomos.

Assim, neste momento, o recurso a cursos de cariz mais prático como os ministrados pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) tem constituído uma mais-valia e uma realidade mais próxima das expectativas de alguns alunos, tornando-os assim mais aptos para o mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, garantindo-lhes a certificação do ensino secundário.

ESCOLA

PossibilidadeouUtopia?Os Currículos Específicos Individuais no ensino secundário

Lucinda Lourenço Professora de Educação Especial

Agrupamento de Escolas Daniel [email protected]

No início do século XX, alguns estudiosos ainda defendiam uma educação “em separado” para as pessoas portadoras de deficiência. Tal princípio levou assim à criação de escolas especiais que segregavam os alunos em função da deficiência e dificuldades que apresentavam.

Esta prática manteve-se durante largas décadas até aos anos 70, quando surgem as primeiras ideias de integração, muito embora mais no plano das intenções e dos discursos do que dos atos propriamente ditos. Só na atualidade, o conceito de integração surge associado à ideia de inclusão, nomeadamente pelo reconhecimento da diversidade e singularidade, pela flexibilização de itinerários educativos e pela valorização do potencial de cada indivíduo.

Os estudos que se têm efetuado não apresentam dúvidas sobre as vantagens da integração, mas é preciso que toda a sociedade se organize no sentido de possibilitar a estas crianças e jovens serviços educacionais adequados aos objetivos que lhes são traçados, tendo em conta as suas caraterísticas individuais.

Ao princípio de integração/inclusão está subja-cente a ideia da flexibilização do sistema face à adequação ao indivíduo, ser único, visto como um todo não comparável. Assim, uma pedagogia deste tipo tenderá a minorar a diferença, procu-rando a igualdade de oportunidades. Uma igual-dade pensada na perspetiva da diferença, mas

centrada nas potencialidades de cada indivíduo. Portanto, a sua integração requer a promoção das qualidades próprias, sem qualquer estigma ou segregação.

Estar integrado deixou de significar ter obrigatoriamente de acompanhar o currículo normal, admitindo-se que uma escola possa acolher projetos educativos diferenciados. Esta modificação teve profundas consequências, quer na organização das estratégias de intervenção dos professores de apoio, quer no papel da própria escola e dos professores do ensino regular. À necessidade do aluno com NEE se ajustar à escola, acrescenta-se a necessidade da escola também se ajustar às suas necessidades específicas.

A atenção às diferenças individuais e ao contexto de aprendizagem implica uma flexibilização da organização escolar, das estratégias de ensino, da gestão dos recursos e do currículo, por forma a proporcionar o desenvolvimento maximizado de todos os fatores enumerados.

Como tantas outras, a Escola Básica de Vale Rosal procurou responder não só ao cumprimento da lei (nº 85/2009) que prolongou o regime de escolaridade obrigatória de nove para doze anos, mas também aos anseios dos encarregados de educação (EE) e dos alunos com currículo específico individual (CEI), que se encontravam em situação de transitarem para o ensino secundário.

Posto isto, analisadas as diferentes possibilida-des, a escolha recaiu na Escola Secundária Da-niel Sampaio (à época totalmente independen-te de Vale Rosal). Procuraram-se os pontos em comum que permitissem encontrar “terreno

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fértil” e que acabaram por se revelar de parti-cular importância. Duas escolas diferentes, duas direções diferentes, porém o mesmo olhar, o mesmo acreditar, o mesmo anseio de produzirmudança.

Depois, realizaram-se encontros entre os professores de educação especial das duas escolas, encarregados de educação e alunos para preparaçãodatransição, nomeadamente, para apurar quais as expectativas de cada um relativamente à nova realidade, apresentação dos espaços físicos da nova escola e “acomodações” a introduzir/preparar.

O profundo conhecimento do corpo docente por parte da direção da escola secundária, permitiu que se formassem conselhosdeturmafacilitadores, isto é, formados por docentes com experiência em situações de acompanhamento a jovens com NEE e/ou perfil considerado mais adequado.

Sabendo que o receio de não ser capaz de responder às NEE dos novos alunos era uma

preocupação real, acrescida do facto de se tratar de um ciclo de ensino que se reveste de particular importância (o ensino secundário), promovemos sessões de sensibilização/informação aos professores que iriam lecionar turmas com alunos com NEE. Basicamente, estas sessões permitiram desmistificar alguns preconceitos em relação à inclusão nas turmas desses alunos e tranquilizar os professores, que se julgam muitas vezes menos capazes de os acompanhar, do que realmente acabam por ser.

Foi importante promover e apoiar processos de reflexão em cada conselho de turma, como forma de partilhar livremente dúvidasereceios. Na verdade, dessa partilha, nasceu a vontade de fazer surgir a mudança, capaz de inverter alguma atitude persistente de rejeição da inclusão, porque não basta que o professor de educação especial e a direção escolar acreditem, também os restantes implicados têm que estar disponíveis para dar coerência e viabilidade à concretização de um ensino diferenciado e que respeite a igualdade de oportunidades. Também

aqui, o trabalho colaborativo e partilhado assumiu particular importância, não só no desenvolvimento das aprendizagens dos alunos, como também no desenvolvimento das formas de intervenção e escolha de caminhos por parte da equipa de professores. Foi importante não ter receio de partilhar, de sugerir, de tentar, de modificar, de dar tempo ao tempo…

Cientes de que a “imersão” dos jovens com NEE nas mais variadas experiências é a mais consis-tente das aprendizagens, procurámos que os nossos jovens com NEE vivessem as mesmasexperiências dos seus pares, diferenciando unicamente o que se revelava impossível de se realizar.

A partilhadedecisões entre os diferentes inter-venientes no processo (jovens, encarregados de educação e professores) permitiu ir construindo um caminho comum, onde as responsabilidades foram igualmente partilhadas por todos. Aos jo-vens e aos EE foi, desde o primeiro momento, dadavozepoderdedecisão sobre o caminho a seguir, assim como, na procura da entidade onde desenvolver o programa individual de transição (PIT), para sensibilização para o mundo do trabalho, deteção de aptidões e motivações, assumindo-se a escola como entidade facilitado-ra e de ligação com a comunidade e o mundo empresarial.

Podemos hoje afirmar sem constrangimentos que os nossos jovens vivem a turma, vivem a escola, vivem a comunidade e aprendem diaria-mente a construir um caminho - o seu.

A especificidade de cada caso, assim como as respostas que a sociedade apresenta no que respeita à intervenção junto destas crianças e jovens, aos sistemas práticos de apoio às famílias, à formação profissional e à inserção e acompanhamento destes no mercado de trabalho continuam a apresentar-se como

grandes desafios para todos os que defendem os seus direitos inalienáveis.

Claro que não podemos dizer que encontrámos a receita certa para a inclusão desejada, mas es-tamos certos de que estamos a trilhar caminhos e a tentar derrubar barreiras. E, se a sensibilida-de, a empatia e a resiliência são competências requeridas para o exercício profissional daque-les que diariamente lidam com necessidades educativas especiais, ainda mais importante é a capacidade de nuncadeixardeacreditar.

Nota: Este texto segue o acordo ortográfico de 1990.

Bibliografia

PERRON, R. (1969). Attitudes et idées face aux déficiences mentales. Paris : Armand Colin.

PORTER, G.(1997). Caminhos para Escolas Inclusivas. Lisboa :IIE

SANCHES, I. (1995). Professores de Educação Especial. Porto: Porto Editora, Lda.

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REFLEXÃO

AplicaçãodeTécnicasdeRelaxamentoem Alunos com Necessidades Educativas Especiais

Dulce Gonçalves Professora da Educação Especial

Formadora certificada

O autocontrolo da consciência humana, desde cedo se manifestou: das tradições religiosas (budismo, taoismo, judaísmo, etc) ao pensamen-to socrático. Contudo, os rituais e cerimónias religiosas acabariam por originar vivências dis-tintas que contribuiriam para uma mudança de paradigmas. Assim, no início do século XX, Mil-ton Erikson aproveitaria para destacar a impor-tância da hipnose como poderoso instrumento terapêutico. Contudo, só nos anos 50 surgiriam os primeiros estudos de Psicologia focados nas alterações das ondas cerebrais, da respiração e do batimento cardíaco que ocorrem durante a meditação.

Graças à contracultura dos anos 60, a meditação transcendental ganhou popularidade até, em 1970, Keith Wallace publicar a sua pesquisa so-bre os efeitos psicológicos desta prática, atrain-do mais estudiosos.

Desde essa altura até à atualidade, e sobretu-do graças ao desenvolvimento tecnológico da imagiologia e à neurociência, técnicas diversas de meditação começaram a ser aplicadas como medidas terapêuticas com impactos reais devi-damente analisados. Com o apoio crescente da comunidade científica, a sua aplicação evoluiu para várias áreas – profissional, saúde, área mili-tar, educação, etc.

Neste último campo, em particular, a reflexão e aplicação de técnicas oriundas da meditação criou vertentes educativas curiosas – a inteligên-

cia emocional, a aprendizagem socio-emocional, ou a educação holística representam todas uma perspetiva que foge ao que é defendido pela educação formal. A título de exemplo, veja-se o caso do projeto “Mindfulness in Schools Pro-ject”: http://mindfulnessinschools.org/about/our-story/. Lançado por dois professores em 2007, no Reino Unido, alargou-se já a 12 países que acolheram nas suas salas de aula a experiên-cia de praticar exercícios de autoconsciência ou consciência plena (“mindfulness”).

Independentemente do nome dado a estas expe-riências, elas centram-se, também, no treino da mente para se focar em algo, no desenvolvimen-to da capacidade de estar atento aos seus senti-mentos, emoções e corpo, no momento presen-te, sem se preocupar em estabelecer juízos de valor. Porém, a verdade é que as neurociências têm atestado os benefícios destas técnicas: re-dução do stress e da ansiedade, autocontrolo em situações de dor e desequilíbrio emocional, entre outros efeitos. A pesquisa baseada em res-sonâncias magnéticas revelou, também, altera-ções físicas e neurológicas que ocorrem com a prática regular destes exercícios, evidenciando fortes indícios de que a prática de “mindfulness”

pode modular e criar alterações neuroplásticas duradouras, incluindo alterações morfológicas em redes neuronais específicas. Como se estas não fossem razões suficientes para uma atenção redobrada sobre estas técnicas, acrescente-se que foi comprovado um aumento da memória de trabalho, relacionada com o incremento da atenção e concentração.

É, portanto, nestes últimos dados que nos deve-mos centrar, uma vez que que os mesmos nos indicam que podemos, de forma deliberada, usar a mente para alterar o nosso cérebro (para o melhorar). As grandes vantagens são que os exercícios são de grande simplicidade e podem ser ensinados entre pares, exigindo, apenas um treino quotidiano num local calmo. Assim, as-sociando exercícios respiratórios a técnicas de visualização, possibilita-se que o aluno foque a sua atenção, concentrando-se, posteriormente, em tarefas cognitivas diversificadas, contribuin-do-se, deste modo, para uma maior flexibilidade cognitiva.

As situações de alunos com necessidades educa-tivas especiais que apresentam diagnósticos de dislexia, disortografia, hiperatividade com défice de atenção e défices cognitivos, entre outros, são cada vez mais frequentes nas nossas escolas. Por outro lado, é extremamente comum obser-var, nestes discentes, um quadro de ansiedade que dificulta o seu desempenho.

Sabendo que a respiração pode ser afetada pe-las circunstâncias e pelas nossas experiências – o que explica a respiração rápida e superficial que adquirimos quando estamos nervosos, en-tão, se controlarmos a respiração, conseguimos gerir emoções, regular o stress, aumentar a nossa atenção e energia, contribuindo para um desempenho superior. Como tal, a aplicação de técnicas respiratórias representa, portanto, uma mais-valia inequívoca, pelos dados comprova-dos. Em situações de avaliação, por exemplo, em

que os níveis de ansiedade aumentam significa-tivamente, o autocontrolo respiratório prévio é fundamental.

Fora desse contexto, porém, acrescentar estra-tégias de visualização ao controlo respiratório quotidianamente, permite, como comprova a li-teratura científica, estimular diferentes áreas do cérebro da mesma forma que o fazem as experi-ências reais que vivemos. Se pensarmos no im-pacto que semelhantes estratégias poderão ter num aluno com necessidades educativas espe-ciais, como os acima referidos, compreendemos, então, que temos uma nova porta aberta para a inclusão, já que esta experiência, comprova-damente geradora de empatia, pode e deve ser alargada aos restantes alunos, à sala de aula, aos professores.

Assim, cabe ao docente de educação especial um papel ainda mais amplo na escola – mediador de alunos, mas também de professores, já que, ad-quirindo ele próprio estas técnicas, também as pode partilhar com os seus pares, ensinando-os, desta forma, a gerir as suas próprias emoções, o seu stress profissional, evitando o “burnout”, característico desta profissão.

BIBLIOGRAFIA

CHAMBERS, R., et al., “The impact of intensive mindfulness training on attentional control, cognitive style, and affect”, Cognitive Therapy and Research, 32, pp. 303–322, 2008.

AUSTIN, J., Selfless Insight. MIT Press, 2009.

BEGLEY. S., Train Your Mind, Change Your Brain, Ballantine, 2007.

SIEGEL, D., The Mindful Brain, Norton, 2007.

THOMPSON, E., Mind in Life, Belknap, 2007.

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REFLEXÃO

AEscolaValeaPena...mesmo com uma limitação

Alexandre PalmaEscola Básica e Secundária Francisco Simões

[email protected]

Nas escolas encontram-se doentes crónicos e pessoas com limitações a vários níveis. Gente ca-paz e que não desiste de aprender, porque esta é a nossa natureza. Não há nenhum ser humano que não tenha potencial de aprendizagem, con-forme ouvi no passado dia quatro de março na apresentação pública dos Resultados do Estudo: Avaliação das Políticas Públicas – Inclusão de Alunos com Necessidades Educativas Especiais: O Caso dos CRI (APP-IANEE).

João, 16 anos, tem problemas de locomoção e comprometimento a nível cognitivo. As limita-ções não o impedem de frequentar qualquer disciplina. A sua postura é tentar participar em todas as atividades propostas independente-mente das dificuldades. Tem preferências no-meadamente pelas mais lúdicas e tem dias mais difíceis que outros, mas quem os não tem?

É comum alunos sentirem complexos de infe-rioridade. É a toda a comunidade educativa que cabe mudar a vida destas pessoas. Ajudá-las a crescer nas várias componentes de forma a que se tornem mais seguras e crentes nelas próprias. Aprender a aceitar as limitações e que podem fazer grandes realizações.

A entreajuda entre pares pode ser ‘alavanca’ para que estes jovens ganhem a confiança para vive-rem uma vida positiva. Testemunhar o exemplo de jovens mais velhos que têm sucesso também traz os seus frutos.

Aos docentes é pedida sempre atualização nes-ta área. A boa prática tem de estar apoiada na teoria refletida e interiorizada. No desenvolvi-

mento do seu trabalho, como um dos principais agentes de socialização dos alunos com Necessi-dade Educativas Especiais (NEE), devemos con-tinuar a transitar da cultura da justaposição do trabalho para uma real cultura de articulação entre os intervenientes centrados no aluno. A educação inclusiva é responsabilidade de todos os professores em colaboração com os técnicos especializados. Felizmente, segundo a DGEEC, no ano letivo de 2013/14, 98% da totalidade da população escolar com NEE frequentava escolas regulares. Na generalidade alunos e encarrega-dos de educação estão satisfeitos com a escola e o trabalho lá desenvolvido.

Ainda de acordo com o estudo apresentado, APP-IANEE, também os apoios prestados pelos Centros de Recursos para a Inclusão (CRI) tiveram um elevado impacto positivo nos resultados de aprendizagem. Foram um pilar essencial para a implementação do modelo de educação inclusiva. A comunidade local deve estar sensibilizada e

acolher estes jovens, ajudar na sua formação e realização. Podem, em parceria com as escolas recebê-los contribuindo para a sua formação em contexto de trabalho e mesmo posteriormente emprega-los, embora saibamos que nem todos estes jovens vão conseguir realizar tarefas que lhe permitam fazer e receber um vencimento.

Ninguém está livre de vir a ser portador de limi-tações. Aliás, todos as temos embora em graus e de formas muito variadas, mas refiro-me aque-las que condicionam mesmo a nossa a atividade e participação.

Creio que estas ideias são consensuais, mas a realidade não é assim tão perfeita. A legislação existe, a vontade também. Só temos de conse-guir passar do pessimismo das dificuldades que encontramos diariamente ao otimismo da razão. Todos temos direito a uma dignidade, a estar-mos integrados e sentirmos que somos úteis à sociedade.

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REFLEXÃO

OElogiodaDiferençaAs Necessidades Educativas Especiais

Lurdes Aguiar TrilhoProfessora na Escola Básica e Secundária

Francisco SimõesMestre em Estudos Anglo-Portugueses – FCSH-UNL

Doutoranda em Estudos Portugueses – FCSH-UNL Investigadora do IELT-FCSH

Falar de alunos com Necessidades Educativas Especiais não significa abordar um assunto de Coitadinho… Nunca há de conseguir… Não con-segue evoluir… Tem tantas dificuldades… Discur-sos de compaixão, de pena, de derrota, de desis-tência, ao jeito do discurso negativista de Álvaro de Campos, no poema «Tabacaria»:

«Não sou nada.Nunca serei nada.Não posso querer ser nada.À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.»

pertencem àqueles que se conformam e não àqueles que vivem descontentes e que tentam moldar o mundo à sua volta (e o seu próprio). Pretende-se com esta reflexão trazer um raio de luz a quem vive nas trevas, transmitir ânimo a quem não tem esperança e mostrar que é pos-sível ter e pertencer ao sucesso, mesmo tendo o rótulo NEE («necessidades educativas espe-ciais»).

Muitos são os casos de alunos com o estatuto «NEE» que vamos encontrando ao longo dos anos, com problemáticas variadas, umas físicas outras emocionais. Enquanto professores, tra-balhamos com alunos que não conseguem ler/ escrever, outros que têm défice de memória, outros que revelam um ritmo muito lento de compreensão e/ou de produção e tantas outras manifestações que a lei portuguesa prevê que

tenham um acompanhamento particular por parte de técnicos, professores e sistema educa-tivo em geral, ao abrigo de legislação específica. O que se pretende mostrar com esta reflexão é que ser aluno com necessidades educativas es-peciais não significa ser inferior aos outros, a di-ferença não tem de ser encarada como algo me-nor. Existem casos de claro sucesso que poderão servir de encorajamento para todos aqueles que vivem o rótulo «NEE» (alunos e encarregados de educação) e que provem que a diferença pode ser sinónimo de conquista, de vitória… em tudo iguais (e por vezes superiores) aos demais. A diferença é aquilo que é comum a todos nós – diferentes uns dos outros, tal como dizia Carlos Drummond de Andrade, no seu poema «Igual-Desigual»: «Ninguém é igual a ninguém / Todo o ser humano é um estranho ímpar».

Os casos que vou mencionar ilustram este tópico e pertencem a alunos e ex-alunos da Escola Bási-ca e Secundária Francisco Simões. Presto, desde já, o meu agradecimento aos meus colegas que tornaram possível este artigo com os seus tes-temunhos sobre os alunos em causa e que são nomeados ao longo do mesmo.

A Ana Filipa Viegas, atualmente com 24 anos e educadora de infância, é um caso de evidente sucesso, que não deixou que as suas dificuldades limitassem o seu percurso e que, sempre de olhos fixos numa meta, concluiu o seu mestrado em Educação Pré-Escolar em 2014. Durante o tempo que frequentou esta escola, revelou ser uma aluna muito empenhada, muito trabalhadora, que aceitava e correspondia aos desafios propostos pelos professores sem sentimentos de inferioridade nem de fraqueza (ler o seu depoimento que se encontra na pág. 36 desta revista) e que, apesar da sua problemática a colocar num patamar diferente dos seus colegas, o seu estatuto nunca foi encarado pela Ana nem pelos seus professores como uma limitação. É uma aluna que ainda hoje reconhece

o sinuoso caminho que teve de percorrer até à meta, os incentivos que recebeu de todos quantos a rodeavam e (muito importante!) a sua determinação em alcançar o sucesso.

Apesar de já terem decorrido vários anos desde que a Ana Filipa saiu desta escola, ainda é lembrada pelos professores como uma aluna que também marcou os seus percursos, uma aluna que valorizava o investimento que era feito por aqueles que trabalhavam com ela dia-a-dia. A professora de apoio educativo de então, Drª Beatriz Correia, ouviu com satisfação o percurso académico desenvolvido pela aluna de quem não ouvia falar desde que a mesma saiu da Escola Francisco Simões e, com um doce brilho no olhar, recorda-a dizendo:

«Recordo a Ana como uma adolescente simpática, meiga e responsável que se relacionava bem com os seus pares e com os adultos. Passados anos, e atendendo ao percurso académico da Ana, é gratificante reconhecer que as medidas educativas, implementadas na altura, foram consideradas eficazes face às dificuldades manifestadas, aquando do início do terceiro ciclo. As opções tomadas proporcionaram um acompanhamento sistemático durante o desenrolar das atividades, facultando- -lhe o necessário feed-back corretivo, permitindo--lhe fazer aquisições, com sucessos académicos no

seu percurso escolar.»

A professora de Inglês, Drª Cristina Eusébio, tam-bém se lembra da Ana e, apesar de manter com ela contacto regular, não hesitou em prestar o seu testemunho:

«A Filipa foi uma boa surpresa na minha vida pro-fissional e uma excelente aluna. Recordo-me com alegria do seu esforço, empenho e dedicação e, sobretudo, do seu sorriso. Apesar das dificuldades inerentes à sua problemática e à aprendizagem de uma língua estrangeira, a Filipa nunca desistiu. Tem sido com muita alegria que nos temos reencontra-do nestes últimos anos. As notícias têm sido sem-pre boas: conclusão do curso superior e mestrado.

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Através das redes sociais tenho lido que a menina simpática se transformou numa jovem feliz e tra-balhadora.»

Também eu recordo a Ana Filipa com o seu sorriso rasgado e como uma aluna igual às restantes, quer pelos seus desempenhos escolares quer pela forma como (con)vivia com o seu círculo de amigas, a quem a diferença não causava qualquer transtorno e que se destacava pelo seu empenhamento (postura que ela assumia como algo que vinha do seu interior e não porque era uma aluna diferente). A Ana não só tem consciência de quão difícil foi o seu trajeto pelas escolas e universidade como sente um grande orgulho por conseguir brilhar numa sociedade de rótulos e de estigmas sociais e mostrou grande disponibilidade em colaborar com a sua antiga escola, partilhando a sua experiência.

A Catarina Alves tem 15 anos e é aluna do 9º ano. Igual a tantos outros jovens, gosta de ouvir música e jogar computador e tem consciência de que a escola é um sítio onde é preciso trabalhar e estudar muito. Apesar de beneficiar do Decreto-Lei nº3/ 2008 de 7 de janeiro, vê frequentemente o seu nome constar dos Quadros de Mérito e surgir entre os três primeiros classificados do seu ano de escolaridade nos Campeonatos de Gramática, o que a faz corar e sorrir: «Sinto-me alegre quando vejo os resultados do Campeonato de Gramática e sinto-me envergonhada quando vejo o meu nome nos Quadros de Mérito porque eu não gosto de ter muita gente a olhar para mim quando recebo os prémios», afirmou com simplicidade.

A Catarina é uma aluna muito trabalhadora, mo-tivada (quer ser dentista e sabe que a escola a pode encaminhar para a concretização desse sonho), interessada e com bons resultados es-colares. «A percentagem mais alta que já obtive foi 100% e isso aconteceu na disciplina de Por-tuguês numa ficha de Gramática, também tive

99% e 96% a Geografia, 98% a Francês, 93% a Físico-Química, 90% no Writing e 99% a Inglês», afirmou sorrindo. A Catarina reconhece o impor-tante contributo que os seus pais e professores têm tido na sua formação: «A minha mãe estu-da comigo Português, Ciências, Físico-Química, Francês, Geografia, História e Inglês. O meu pai estuda comigo Matemática. Os professores ajudam-me mandando fazer exercícios e passar tudo do quadro para depois estudar» e é uma aluna que, com o seu jeito simples, cativa os adultos que com ela trabalham, que «olha sem estar a olhar» e «quer saber tudo já e agora», nas palavras da professora de Físico-Química, Drª Rosário Proença:

«Por vezes a Catarina até parece zangada, mas a sua zanga não é para com a professora, mas com ela própria pois não admite não saber, ela quer saber tudo já e agora. A Catarina é verdadeira, autêntica, não usa a simulação para agradar, gosta ou não gosta. É reconfortante ser sua professora pois todos os gestos de carinho (quando vem ter comigo no pátio para contar pequenas histórias ou até contar pequenos incidentes do seu dia-a-dia ou entregar um desenho) são dos mais genuínos de todos os gestos que eu recebi dos meus alunos.»

Dotada de grande capacidade de trabalho, a Catarina é apreciada pelos seus professores como uma aluna que reage positivamente às propostas/ atividades dos docentes e que é genuína nas suas manifestações de felicidade. A professora de Geografia, Drª Beatriz Correia, que a acompanha desde o 7º ano afirma:

«Constato que a persistência e a força que utiliza para ultrapassar dificuldades têm sido uma constante no seu percurso escolar. Revela-se sempre recetiva às recomendações que lhe são feitas, sem conseguir esconder expressões de felicidade sempre que obtém êxitos no seu desempenho. O seu entusiasmo com as aulas e a satisfação com o seu aproveitamento têm contribuído de forma positiva para os resultados académicos alcançados, tornando o trabalho com a Catarina bastante gratificante.»

Pela minha parte, que também acompanho a Catarina desde o 7º ano, tenho a dizer que é uma aluna que lê fluentemente, que escreve com correção, não sendo necessário alterar quase uma vírgula nos seus textos, que obtém quase sempre a percentagem máxima no domínio «Gramática», que não se coíbe de se colocar em frente à turma e fazer as suas apresentações orais acompanhadas de powerpoints ou pequenas encenações teatrais, que é autónoma na resolução das propostas de aula não necessitando de ajuda do professor e que gosta de contar o seu dia-a-dia a quem lhe dá atenção. A Catarina gosta de escrever e de ouvir declamação de poemas e gosta de assistir e de fazer teatro, encontrando-se, neste ano letivo, a participar com a sua turma no projeto «Vamos representar O Auto da Barca do Inferno» que vai ser apresentado à Escola no 3º período. É uma aluna de sucesso que se encontra entre os melhores alunos da sua turma. A mãe e encarregada de educação da Catarina disponibilizou-se a refletir sobre o percurso da sua educanda (pág. 41 desta revista) .

A Mariana tem 14 anos e também beneficia da legislação atrás referida por motivos de saúde (doença degenerativa) com reflexos a nível psi-cológico e emocional. Apesar das intervenções cirúrgicas a que foi sujeita e consequentes perí-odos prolongados de ausência à escola, é reco-nhecido o seu mérito por professores e colegas, fruto da sua enorme força de vontade, resultan-do numa aluna de sucesso, tal com o compro-vam as palavras da professora de Inglês, Drª Rita Neves:

«A sua fragilidade física oculta uma força de von-tade férrea; a sua generosidade discreta revela o talento em ajudar os outros; a sua persistência e coragem denunciam o seu amor e entusiasmo pela vida. Colegas e professores reconhecem-lhe o mé-rito pessoal e escolar. Apesar da situação clínica que a obrigou a estar ausente da escola durante um período prolongado, a Mariana obteve bons

resultados escolares resultantes do seu esforço e empenho académicos. Foi proposta durante dois anos consecutivos para Quadro de Mérito. Mais do que uma boa aluna, a Mariana é, acima de tudo,

uma BOA pessoa.»

A Mariana é uma aluna responsável, autónoma, persistente e generosa: «Foi, recentemente, distinguida pelo seu contributo e empenho no projeto “Partilhar faz sorrir”, com recolha de material escolar destinado a uma escola necessitada, no âmbito do Projeto “Entrelaçar Culturas, do Pessoal ao Virtual”, acrescentou a mesma professora.

Muitos outros casos existirão que ilustram a tese que aqui defendo que ser diferente não significa ser menor; muitos outros alunos haverá por esse país/mundo fora que transformaram as suas dificuldades em mais-valias e delas retiraram proveito; muitos serão os encarregados de educação que investiram nos seus educandos com necessidades educativas especiais e que se orgulham de vê-los no grupo de adultos/ profissionais com uma carreira de sucesso; muitos técnicos e professores se lembrarão de alunos com problemáticas diversas que acompanharam e que ajudaram ou viram-nos libertar-se do rótulo que lhes foi atribuído.

Este artigo homenageia, pois, todos os interve-nientes do sucesso dos alunos com necessida-des educativas especiais que contribuem para que estes se transformem em adultos que veem os sonhos tornar-se realidade, dando lugar a su-cessos e vitórias ao jeito de António Gedeão, em «Pedra Filosofal», para quem

«o sonho comanda a vidaQue sempre que um homem sonhaO mundo pula e avançaComo bola colorida

Entre as mãos de uma criança.»

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REFLEXÃO

Na1ªpessoadoSingularas Necessidades Educativas Especiais

Ana Filipa ViegasEducadora de Infância

ex-aluna da Escola Secundária Francisco Simões

Quando me foi pedido para dar o meu teste-munho sobre o tema “necessidades educativas especiais”, cujo objetivo seria desmistificar o (pre)conceito que existe ao redor deste tema e incentivar alunos e encarregados de educação que vivem esta problemática a lidar com ela de forma positiva, não tive dúvidas em dizer que sim a este desafio. Embora seja uma pessoa bas-tante reservada, e este não seja um tema nada fácil de falar para mim, sei o quão importantes são estes testemunhos, vividos na primeira pes-soa, quer para alunos quer para pais que muitas vezes desesperam por respostas e anseiam por conquistas.

Desde muito cedo percebi que o meu percur-so escolar não seria semelhante aos dos meus colegas. Logo no 1º ciclo, senti essa diferença. Embora não houvesse qualquer diagnóstico que afirmasse o quer que fosse em relação às minhas dificuldades escolares, a minha professora sentiu desde cedo que eu necessitava de mais atenção da sua parte para que conseguisse alcançar os objetivos pretendidos para aquela etapa da vida escolar. Assim, e estando a sala organizada em forma de U e tendo ao centro algumas mesas para os alunos que a professora sentia que de alguma forma tinham necessidade de ter mais atenção da sua parte, foi sempre esse o meu lugar durante todo o 1º ciclo. Durante todo o meu percurso escolar, as minhas maiores DIFI-CULDADES foram a leitura e a escrita. Lembro-

me do quão difícil foi juntar as primeiras sílabas, escrever as primeiras palavras, ler as primeiras frases em voz alta. Escrever era sem dúvida o maior dos PESADELOS… os ditados uma TORTU-RA… desde juntar as sílabas mais simples às mais complexas… Existiam alturas em que os sons se misturavam todos na minha cabeça e por mais que tentasse sair daquele emaranhado em que a minha cabeça se encontrava, NÃO ERA CAPAZ.

Ler era algo que simplesmente não existia como sendo um prazer, um gosto, mas sim uma obri-gação, quase como um CASTIGO. Lembro-me que os livros, durante a minha infância, nunca foram objeto de escolha para as minhas brinca-deiras, não faziam parte dos meus interesses, julgo mesmo que durante a minha infância o prazer, a fantasia, a ilusão e a magia que um li-vro pode despertar numa criança nunca me foi transmitido.

Este tema “dificuldades escolares” não era de todo desconhecido para mim, pois desde sem-pre ouvia falar das dificuldades que o meu irmão enfrentava na escola, na época, e tendo o meu irmão oito anos de diferença de mim, recordo a ANGÚSTIA e a TRISTEZA vivida pelos meus pais na procura de respostas e ajuda, para que lhe pudessem dar os mais fortes alicerces, de forma a ele conseguir delinear o seu percurso escolar recheado de sucessos.

Em outubro de 1998, início do meu 3º ano de escolaridade, a minha professora aconselhou os meus pais a levarem-me a efetuar uma ob-servação psicológica que apenas revelou uma “atividade intelectual dentro dos valores norma-tivos para o grupo etário em que está inserida, contudo o seu rendimento encontra-se afectado por interferência emocional”. Ou seja, pouco ou

nada foi dito sobre as minhas reais necessidades e forma de as contornar. Continuei o meu per-curso, sempre com muitas dificuldades no que diz respeito à escrita e à leitura. Os trabalhos e testes que realizava chegavam até mim repletos de correções, onde a caneta vermelha era a “rai-nha”, uma vez que apenas o que saltava à vista eram os erros assinalados e, sentia eu, valoriza-dos, enquanto que as competências adquiridas eram quase omitidas. Os anos passavam e as melhorias não chegavam, os objetivos a atingir eram cada vez maiores e mais difíceis de alcan-çar. Embora nunca tenha ficado retida nenhum ano durante o meu percurso escolar, no 1º ci-clo transitei sempre com os objetivos mínimos alcançados.

Iniciei o 2º ciclo na Escola Conceição e Silva, onde tive apoio pedagógico acrescido, por in-dicação da minha professora do 1º ciclo. Iniciei aqui outra fase complicada do meu percurso. Quem iria explicar, a uma criança de 10 anos, o porquê de agora começar a ter um apoio indivi-dualizado? Nunca rejeitei esse apoio, aliás sem-pre tirei o melhor partido desses momentos, pois acreditava que eles existiam unicamente com o intuito de me AJUDAR. No entanto eram muitas as questões que levantavam no meu inte-rior: porque não conseguia eu atingir os mesmos objetivos que via tão facilmente serem alcança-dos pelos meus colegas? Por que é que, mesmo empenhando-me tanto ou mais que eles, me era difícil superar os mínimos e obter os máximos? Por que tinha que ter apoio se era uma criança igual a tantas outras? Mil e uma perguntas eram feitas, e nenhuma resposta era dada. Visto não existir nenhum exame médico que indicasse ob-jetivamente que era uma criança que realmente necessitava de um apoio individualizado, esse mesmo apoio foi-me retirado no 6º ano de es-colaridade.

No entanto os meus pais continuavam a verificar que necessitava de mais apoio e como forma de

procurar respostas para o que se passava comi-go, levaram-me a uma psicóloga que após alguns exames me encaminhou para uma terapeuta da fala. Mais uma vez aceitei esta ajuda de forma positiva, visto que o que mais ansiava era ver as minhas maiores dificuldades, pelo menos, atenuadas e sabia que sozinha não iria conse-guir. Três vezes por semana, tinha apoio com a terapeuta, e lá realizava diversas atividades que depois em casa tentava reproduzir. Mantive este apoio durante vários anos, era um ESFORÇO constante, mas que acreditava teria resultados num futuro próximo.

À entrada para o 7º ano de escolaridade, na Es-cola Secundária Francisco Simões, a psicóloga que me continuava a seguir aconselhou os meus pais a levarem-me a efetuar uma avaliação es-pecífica das aquisições académicas para despis-te de dislexia/disortografia, e foi aí que chegou o “nome/rótulo” para designar aquilo que me “assombrava” desde o início do meu percurso escolar. Foi-me diagnosticada uma perturbação mista (Dislexia e Disortografia) das aquisições académicas. Para mim, pouco ou nada tinha mudado, a não ser que já poderia dar um nome a todas aquelas dificuldades que sentia. No en-tanto, muita coisa mudou. Na escola Secundária Francisco Simões, desde o 7º ao 12º ano sempre tive acompanhamento individualizado nas áreas em que recaíam as minhas maiores dificulda-des, Português e Inglês. Era ainda acompanhada pela psicóloga da escola com quem me reunia pelo menos três vezes por mês. Com todos estes apoios, fora e dentro da escola o meu horário era mais preenchido que o dos meus amigos, as-sim, nem sempre era fácil não falhar às minhas obrigações, muitas vezes tive que abdicar de cer-tos momentos entre amigos para não falhar aos meus compromissos, no entanto, sempre soube onde me deveria encontrar.

Durante todo o meu percurso escolar sempre tentei omitir, não direi esconder porque de uma

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forma geral quase todos os meus colegas sabiam que eu tinha este apoio fora das aulas, no entan-to nunca conversava sobre isso, nem lhes con-tava o real motivo para ter aquele apoio, nem eles se mostravam muito interessados em saber o porquê. NUNCA SENTI por parte dos meus colegas e amigos qualquer sentimento de DIFE-RENÇA, sempre me trataram de maneira igual, sempre mantive as minhas relações de amizade de forma natural. Talvez por isso tivesse medo que, ao saberem que me tinha sido atribuído um mero “rótulo” para as minhas dificuldades, co-meçassem a tratar-me de forma diferente, que sentissem “pena”. Esse era o meu maior MEDO.

Contudo, no final do secundário, todos os meus colegas ficaram a saber que tinha dislexia, não que tivesse tomado a decisão de lhes contar, mas porque uma professora contou para toda a turma. Não o fez com o propósito de me pre-judicar ou diminuir, bem pelo contrário, sempre foi dos professores que mais me apoiou durante todo o meu percurso, abordou o assunto pen-sando que todos sabiam o que se passava comi-go. No entanto, este foi um dos momentos mais difíceis que tive que enfrentar no que diz res-peito à tomada de consciência das minhas reais fragilidades. Naquele momento a minha única reação foi a de CHORAR, saí da sala em lágrimas, na altura nem os meus melhores amigos, aque-les de todos os dias, de todas as horas sabiam o que realmente se passava comigo. No fim, cons-tatei que os meus medos eram infundados, pois não senti por parte de nenhum colega qualquer diferença na forma de tratamento, NUNCA ME SENTI INFERIOR a ninguém, nem nunca ninguém demonstrou ter qualquer sentimento de “pena” para comigo. Claro que houve quem me ques-tionasse, quem quisesse saber mais sobre as minhas dificuldades, perceber afinal o que era aquele nome estranho…dislexia! Não soube res-ponder a muitas das questões colocadas, pois na altura nem eu percebia muito bem porque dava

tantos erros e me custava tanto ler. Ao fim de pouco tempo já ninguém questionava o assunto nem falava sobre ele.

Apesar de todos os obstáculos que fui encontran-do ao longo do meu percurso escolar, sempre me senti muito apoiada, principalmente pelos meus pais e professores. Todos os dias eram encara-dos como mais um DESAFIO, onde nem sempre saí vitoriosa mas com a certeza que estava no caminho certo. Todo o apoio que ia recebendo quer por parte da minha FAMÍLIA quer por parte dos meus PROFESSORES foi essencial para que dia após dia fosse ganhando mais FORÇA e VON-TADE para ultrapassar as minhas dificuldades. Os meus pais sempre me incentivaram, sempre me mostraram o quão importante era a escola para o meu futuro, o quão importante era alcançar os meus objetivos para um dia poder ser aqui-lo que eu quisesse, porque não eram as minhas dificuldades que iriam dizer quem eu era, mas sim AQUILO QUE EU CONSEGUISSE CONQUIS-TAR. Alguns professores foram sem dúvida um necessário e relevante apoio, aqueles que cami-nharam comigo durante alguns anos, conhecen-do de perto a minhas dificuldades sem nunca me delimitarem os sonhos, pelo contrário, VA-LORIZAVAM SEMPRE AS MINHAS CONQUISTAS, incentivando-me e mostrando-me que era capaz de ultrapassar qualquer dificuldade.

Nunca quis ser vista como a criança que tinha necessidades educativas especiais, não porque sentisse que isso fosse visto com preconceito, mas porque queria ser uma criança, uma adoles-cente, como tantas outras, que tinha que se es-forçar, que tinha que passar por tudo aquilo que os seus colegas passavam para alcançar os seus objetivos. Por isso, durante a minha escolaridade recordo alguns momentos onde me senti real-mente “diferente” dos meus colegas, momentos que nunca desejei viver, foram-me impostos. Re-cordo-me que no final do 9ºano existiam umas provas das quais, visto eu ter nota para passar e

qualquer que fosse o meu resultado nessas pro-vas em nada iria alterar as minhas notas finais, fui “dispensada”. Custou-me muito não realizar essas provas, pois sentia que se os meus colegas as tinham de fazer era minha obrigação também realizá-las. Outro dos momentos que me recor-do com alguma tristeza e que de certa forma me marcou pela negativa ocorreu durante as provas do 11º ano. Nesse ano foi pedido aos meus pais que me levassem novamente a realizar exames médicos para saber se teria direito ou não a “tempo extra” durante a realização dos exames. Durante a realização das provas médicas, a mi-nha ansiedade era só uma: saber se de alguma maneira as melhorias que sentia seriam tam-bém observáveis nos relatórios médicos. Para minha grande satisfação, essas melhorias foram mencionadas no relatório embora fossem ainda muito pouco visíveis e o diagnóstico continuasse a ser o mesmo. Chegado o dia de realizar a pri-meira prova de 11ºano, em plena prova existia ainda a dúvida se teria direito ou não a mais 30 minutos de tempo de realização de prova. Esta

indecisão e o constante rebuliço que se gerou à volta daquela questão já em tempo de prova foi bastante constrangedor para mim.

Com a chegada do final do 12º ano, e apesar de desde sempre ter tido comigo o SONHO de trabalhar com crianças, sentia que esse sonho nunca poderia ser uma realidade. Como pode-ria eu trabalhar com crianças tendo passado por tantas dificuldades no que diz respeito à leitu-ra e escrita, áreas tão importantes e essenciais para o desenvolvimento das crianças?... Eram imensas as dúvidas, os medos, os anseios que “inundavam” o meu pensamento. Seria capaz de tirar o curso superior? Seria capaz de me tornar Educadora de Infância? Nesta altura da minha vida, onde eram maiores as dúvidas do que as certezas, tive do meu lado quem me apoiasse e me transmitisse as forças necessárias para conti-nuar. Se tinha conseguido finalizar com sucesso o secundário, porque não iria agora conseguir seguir a vida académica da mesma forma? E assim foi, em 2009 entrei na Escola Superior de

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Educação de Lisboa, e foi aí que senti as minhas maiores evoluções no que diz respeito à escrita e à leitura. O nível de exigência durante a licen-ciatura ia sendo cada vez maior com o passar dos meses, eram inúmeros os trabalhos pedi-dos, exames, uns atrás dos outros, e o medo de não estar a altura ia também aumentando. Ali, era para mim, um mundo diferente, ninguém conhecia a minha história, o meu percurso, ali era uma aluna como tantas outras e sempre fiz questão de nunca contar a nenhum professor quais as dificuldades que tinha vivido durante o meu percurso escolar, o mesmo não aconteceu com as amizades que criei. Não sei o real motivo que me fez ter o à-vontade suficiente de con-versar com as minhas colegas sobre a dislexia, se terá sido por ter ganho alguma maturidade se por me sentir, finalmente, de igual para igual com qualquer outra aluna da faculdade.

Durante os três anos de licenciatura, muitas ve-zes passou pela minha cabeça DESISTIR, foram muitos os sacrifícios vividos, muitos obstáculos sentidos, muitas horas de sono perdidas, mas tive a sorte de ter ao meu lado pessoas mara-vilhosas, amigos, familiares que nunca me dei-xaram baixar os braços. Faziam-me recordar as inúmeras dificuldades que já tinha conseguido ultrapassar, mostravam-me o quanto importan-te era para mim a concretização daquele sonho, que tantas vezes me ouviam falar, da paixão que sentia e que não podia deixar para trás. O mais importante, transmitiam-me sempre que EU ERA CAPAZ, que eu ia conseguir, que eu poderia ser sempre aquilo que eu quisesse ser.

Com o passar do tempo, e vendo a meta final ficar cada vez mais próxima, a minha confiança e força ia aumentado, os medos deram lugar à certeza que, num futuro próximo, iria conseguir alcançar o meu sonho - ser Educadora de Infân-cia! Após concluída a licenciatura em Educação Básica, arregacei as mangas e entrei no Mestra-do em Educação Pré-Escolar com a convicção

que não ia ser uma etapa nada fácil de ultrapas-sar, mas que iria conseguir, mais uma vez, sair VITORIOSA e ORGULHOSA do meu percurso. Confesso que apesar de saber muito bem qual o caminho a percorrer, muitas vezes tive receio de desiludir quem sempre me deu força para lutar pelos meus objetivos, foi um período da minha vida vivido com muita ansiedade, mas que no fi-nal se revelou bastante POSITIVO. Ao longo do mestrado, recebi alguns ELOGIOS por parte de professores, que pela primeira vez estavam a conhecer a minha forma de trabalho, quanto à minha forma de escrever. O mesmo aconteceu, no final do mestrado, quando defendi o meu re-latório final de estágio, ouvir este tipo de elogio sobre a minha escrita, após todas as dificuldades que tive que ultrapassar para conseguir concre-tizar o meu maior sonho, enchia o meu coração de FELICIDADE e ORGULHO. Sei que nunca teria chegado onde cheguei sem o apoio incondicio-nal dos meus familiares, amigos e professores.

Todas as minhas vivências, todos os obstáculos que tive que ultrapassar, todas as dificuldades que senti fizeram-me crescer, fizeram de mim a pessoa que sou hoje, BATALHADORA e DETERMI-NADA. Sempre tentei lidar com todas as minhas dificuldades de forma positiva, utilizando-as como uma ferramenta de superação, nem sem-pre foi fácil, mas depois de todo o esforço sentir que ERA CAPAZ DE CHEGAR ONDE OS MEUS CO-LEGAS CHEGAVAM era um sentimento bastante confortante!

REFLEXÃO

TantasLágrimasVertidasPorquê?

Susana AlvesEncarregada de Educação

de uma aluna com NecessidadesEducativas Especiais

Não me posso esquecer que, quando a Catarina tinha dois anos, me foi dito por um neuropediatra que a minha filha tinha um atraso mental médio a grave e que aos quatro anos me foi dito que talvez não iria falar ou que a única alternativa seria como escola uma sala “Theach”. Hoje, olho para ela e digo para mim mesma: “Tantas lágrimas vertidas porquê?”.

A Catarina tem vivido o seu percurso escolar com vários “altos e baixos”. Tem dias em que está muito motivada e outros em que é difícil tirá-la da cama. Uma das suas maiores motiva-ções é agradar aos pais e aos professores. Tem como ambições ser dentista e tirar a carta de condução e sabe que tem de estudar muito para o conseguir. A sua maior frustração prende-se com a sua integração na turma que tem sido tarefa complicada, pois, às vezes, é difícil fazer entender aos adolescentes que é possível ser “uma menina diferente” e poder tirar boas no-tas. É complicado quando se tem associado um estigma incutido pela sociedade… ser diferente pode ser incompreendido.

Os seus pontos fortes são o comportamento na sala de aula e a grande capacidade de me-morização. É muito responsável, empenhada e preocupada. Os cadernos diários estão sempre organizados e impecáveis. Não podem faltar su-mários. Chega a passar diversas vezes as lições mesmo que essa tarefa lhe retire tempo ao es-tudo. Começa a estudar vários dias antes para os testes pois torna-se motivo de ansiedade es-tudar de véspera. Gosta de realizar as suas tare-

fas (trabalhos escolares e outros) sem pressas. Odeia chegar atrasada às aulas.

Posso afirmar que o sucesso da Catarina se deve a todos os intervenientes do processo de ensino-aprendizagem: ela, a família e os professores. É sua preocupação atingir os objetivos que foram estabelecidos em conjunto com a família, psicóloga e pedopsiquiatra, já que ela precisa das metas bem determinadas e depois de as conhecer encarrega-se de as cumprir. A família assume na vida da Catarina o papel principal. Sei que é sua grande preocupação não dececionar os pais nem a irmã. Quando as notas se situam dentro dos patamares estabelecidos, fica orgulhosa e pergunta sempre se estamos contentes com ela. Considera as “boas “classificações provas de amor. Não posso deixar de referir que a atenção e dedicação que são dadas à Catarina fazem-se, muitas vezes, à custa de vários sacrifícios familiares. A Catarina é a minha prioridade sobre tudo e todos na minha vida. Os professores também são responsáveis pelo seu sucesso. Ela sabe bem qual é a sua função e gosta muito deles. Tem um enorme respeito por todos e sente que é acarinhada por eles. Quando lhe pergunto se ela tem alguma questão a colocar sobre alguém, a resposta é sempre a mesma: “Mãe, não tenho nada a dizer dos meus professores”. Ela sabe que pode confiar neles e segue sem qualquer desvio as indicações que lhe são dirigidas.

O que torna a Catarina feliz é o reconhecimento das suas capacidades pelos seus professores e colegas; o que me torna feliz é vê-la crescer e sorrir e sentir que ela pode construir o seu fu-turo como qualquer outra jovem. Tem havido um enorme progresso no seu percurso escolar. É uma boa aluna e tenho a certeza que vai conti-nuar a trabalhar para surpreender todos os que vaticinavam um futuro pouco risonho em ter-mos escolares e até pessoais!

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REFLEXÃO

UmaPonteparaaIntegraçãonaVidaAtivaA implementação do Plano Individual de Transição

Sandra MarquesPaula Barroca

Professoras de Educação EspecialAgrupamento de Escolas Prof Ruy Luís Gomes

[email protected]@msn.com

A escola é uma instituição onde impera a diversidade dos alunos que a integram, devendo proceder-se a uma adequação do currículo regular, de modo a torná-lo acessível a todos e para todos. Na sua missão de fomentar o desenvolvimento global da criança, a escola deverá ter sempre um papel facilitador da integração na sociedade, não deverá limitar-se à função de transmissor de conhecimento; deverá propiciar a igualdade de oportunidades aos discentes, quer no acesso quer no sucesso educativo, valorizando-se a escola inclusiva e equitativa. A escola deve, assim, adaptar-se e readaptar-se, sucessivamente, aos vários estilos e ritmos de aprendizagem, garantindo o direito universal no acesso ao ensino e à inclusão na sociedade, ainda que tal implique uma reorganização constante do sistema educativo e das metodologias pedagógicas.

Em 1994, a Declaração de Salamanca e o en-quadramento da ação na área das Necessidades Educativas Especiais emanada da Conferência Mundial, realizada em Salamanca de 7 a 10 de junho, constitui um documento fulcral, no âm-bito dos princípios, política e práticas na área das necessidades educativas especiais. De acor-do com as novas conceções sobre necessidades educativas especiais presentes nesse documen-to, considera-se que:

“O princípio fundamental das escolas inclusivas consiste em todos os alunos aprenderem juntos, sempre que possível, independentemente das di-ficuldades e das diferenças que apresentem. Estas escolas devem reconhecer e satisfazer as necessi-dades diversas dos seus alunos, adaptando-se aos vários estilos e ritmos de aprendizagem, de modo a garantir um bom nível de educação para todos, através de currículos adequados, de uma boa or-ganização escolar, de estratégias pedagógicas, de utilização de recursos e de uma cooperação com as respetivas comunidades. É preciso, portanto, um conjunto de apoios e de serviços para satisfa-zer o conjunto de necessidades especiais dentro da escola.”

Nessa declaração, salienta-se a necessidade de um método de ensino centrado na criança e que promova o sucesso educativo de todas as crianças. Para que essa igualdade de oportunidades seja possível, as escolas deverão proporcionar oportunidades curriculares que correspondam aos alunos com capacidades e interesses distintos.

“As crianças com necessidades especiais devem re-ceber apoio pedagógico suplementar no contexto do currículo regular e não um curriculum diferente. O princípio orientador será o de fornecer a todas a mesma educação, proporcionando assistência e os apoios suplementares aos que deles necessitem.”

Desta forma, a inclusão e a equidade constituem os princípios fundamentais desta declaração; realça-se ainda a necessidade de implementar estratégias que possibilitem o acesso ao currícu-lo regular.

Nessa declaração salienta-se ainda que os jovens com necessidades educativas especiais (NEE) de caráter permanente:

“ (…) precisam de ser apoiados para fazer uma transição eficaz da escola para a vida ativa, quando adultos. As escolas devem ajudá-los a tornarem-se ativos economicamente e proporcionar-lhes as competências necessárias na vida diária, ofere-cendo-lhes uma formação nas áreas que corres-pondem às expetativas e às exigências sociais e de comunicação da vida adulta, o que exige técnicas de formação adequadas, incluindo a experiência direta em situações reais, fora da escola.”

Em Portugal, o Decreto-Lei n.º 319/91 de 23 de agosto de 1991 é um passo importante para a escola inclusiva, na medida em que regula a in-tegração dos alunos com NEE nas escolas regu-lares, definindo um regime educativo especial que consiste na adaptação das condições em que ocorre o processo de ensino-aprendizagem desses alunos.

A implementação da medida “ensino especial” visa criar condições para a adequação do pro-cesso educativo às necessidades educativas especiais, sendo criado para isso um Programa Educativo Individual (PEI).

O PEI assume-se como um plano de intervenção psicopedagógica multidimensional, de forma a alterar/estimular a estrutura cognitiva, nomeadamente, ao nível da autonomia do pensamento do aluno, estabelecendo um plano de análise, um plano de estratégia, de modo a atingir as metas cognitivas globalizantes, processos de pensamentos adaptáveis a novas situações, respeitando sempre os ritmos de aprendizagem.

Quando o aluno apresentar necessidades edu-cativas especiais de carácter permanente que o impeçam de adquirir as aprendizagens e com-petências definidas no currículo, o PEI deverá será complementado com um Plano Individual de Transição (PIT), previsto no artigo 14º do De-creto-Lei 3/2008, com o objetivo de promover a transição para a vida ativa. O PIT tem que ser delineado três anos antes de o jovem atingir o limite da escolaridade obrigatória e deve promo-ver a capacitação e a aquisição de competências sociais necessárias à inserção familiar e comu-nitária.

As aprendizagens realizadas na escola ganham particular clareza e utilidade na vida adulta, quando promovem o sucesso pessoal e social, a inserção profissional e a participação ativa na comunidade. Assim, para potenciar um percurso bem-sucedido do aluno com NEE será necessá-rio iniciar a transição para a vida ativa/ adulta, sendo imprescindível a articulação entre a esco-la, a família, a comunidade e o jovem, de modo a proporcionar-lhe uma educação e formação que vão ao encontro das suas necessidades; os con-teúdos deverão ser funcionais de acordo com o perfil de funcionalidade e as necessidades do aluno e, tendo em conta a transição para a vida ativa, deverão preparar o aluno para as vivências da vida diária. Assim, as estratégias a privilegiar devem incidir, sempre que possível, na aprendi-zagem em contextos reais ou, pelo menos, na simulação de situações práticas na comunidade.

A escola tem, um papel fundamental na elabora-ção do PIT, nomeadamente, na orientação voca-cional/interesses, na definição de necessidades e capacidades; na promoção da cooperação en-tre os diferentes intervenientes, na articulação com parceiros locais ou sociais, na avaliação e supervisão do processo.

No presente ano letivo, no Agrupamento de Es-colas Professor Ruy Luís Gomes, tendo em con-

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sideração os interesses pessoais dos alunos com PIT e a comunidade envolvente estabeleceram-se protocolos com algumas entidades locais (jar-dim-de-infância, cabeleireiro, papelaria, oficina de automóveis, entre outras) que foram bastan-te recetivas relativamente aos discentes. Temos efetuado um acompanhamento frequente nos locais de estágio e temos recebido um feedba-ck muito positivo em relação ao desempenho dos discentes, registando-se, de acordo com os responsáveis das instituições, uma melhoria significativa desde o início do ano letivo. Os dis-centes denotam um parecer favorável no que concerne a experiência vivenciada nesses locais e consideram-na um importante contributo para a integração na vida ativa.

Na nossa prática pedagógica constatamos que os alunos têm mais sucesso quando estão a realizar os seus estágios na comunidade e que, enquan-to docentes de Educação Especial, assumimos uma função importante em todo este processo de transição, na medida em que passamos a ser mediadores/promotores de mudança no suces-so educativo, pessoal/social e profissional dos nossos alunos.

O PIT implementado na perspetiva de transição para a vida ativa deve favorecer um plano de carreira e um projeto de vida, estabelecer a li-gação indispensável entre a escola e o mercado laboral, fornecendo ferramentas que perdurem além da vida escolar e favoreçam a integração na vida ativa. Mas que futuro, após o PIT?

“Oventoéomesmo:masasuarespostaédiferente,emcadafolha.”Cecília Meireles, O Vento, 1945

REFLEXÃO

AsImplicaçõesdaDoençaCrónicanaFamília

Margarida RamosEnfermeira Especialista

Saúde Infantil e PediátricaVanda Paulo

Assistente Social

“As patologias crónicas da infância, têm cada vez mais relevância, por se tratar de crianças e famílias com necessidades especiais, que têm de aprender a viver com o seu problema”1. As implicações do diagnóstico de uma doença cró-nica numa criança, implica para a sua família, uma alteração profunda da sua dinâmica e a re-adaptação de cada um dos seus membros à nova realidade.

Adoençacrónicaeoluto

As doenças crónicas - “doenças de curso prolon-gado e irreversível, incuráveis” - “ estão associa-das a perdasinevitáveis nos doentes, nos fami-liares e nos profissionais de saúde, conduzindo a sofrimento e a processos de luto algumas vezes complicados cujos principais sinais importa diag-nosticar precocemente, para que uma interven-ção de ajuda pertinente possa ser desencadeada e realizada em tempo útil.”2

Segundo as autoras Ana Fonseca e Maria Cristi-na Canavarro, a investigação empírica descreve, perante um diagnóstico de anomalia congénita (pré ou pós-natal), reações parentais iniciais se-melhantes à resposta de luto (choque, tristeza, ansiedade, culpa e raiva), que evoluem num pro-cesso gradual de adaptação, geralmente condu-cente à restituição do equilíbrio emocional2.

“Perante o confronto com o diagnóstico, e de forma mais ou menos independente do momen-to em que este é conhecido, um acontecimento conotado positivamente – como o nascimento de um bebé – passa a ter uma tonalidade emo-cional predominantemente negativa. Para ospais,odiagnósticoconstituiumaperdadobebéperfeitoesaudável,dosprojectoseexpectati-vas,mas tambémdo seupapelparental, cuja vivência extravasa a intimidade familiar e passa a ser amplamente partilhada pelos profissionais e contextos de Saúde.”2

O processo de adaptação à doença, à semelhan-ça de um processo de luto, “é multidimensional habitualmente muito activo, altamente persona-lizado e determinado por inúmeros factores de vida. É um processo complexo que envolve si-multaneamente aspetos emocionais, cognitivos, comportamentais, sociais e espirituais.”3

Causas do Luto4:

1. Perda de um ente querido resultante de morte, separação, divórcio, emigração ou prisão;

2. Perdadefantasia(expectativa)deafetoporinterrupçãodegravidezounascimentodeumfilhocomdeficiência;

3. Dano ao amor-próprio (perda por dano narcisista) por paraplegias, mastectomia, amputação,…

4. Desqualificação social (perda de um objeto de elevado valor afectivo) por desvalorização da imagem pública ou do estatuto profissional, desemprego, não reconhecimento de competências.

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Na intervenção com crianças, jovens com doen-ça crónica e suas famílias é fundamental ter pre-sente, em cada momento, qual a fase de adap-tação à doença em que família se encontra, pois tal determina ou condiciona, a disponibilidade

dos cuidadores para realizar uma escuta activa, para participar na elaboração de um plano de in-tervenção, em última análise, para dinamizar o processo de readaptação.

O luto, “nãoéumprocessolinear, com limites concretos, mas um compósito de fases erráticas, fluidas, sobrepostas, que variam de pessoa para pessoa e ao longo do tempo.”3

Neste processo, um dos principais parâmetros condicionadores é o tempo, que é obrigatoria-mente longo. No decurso de um processo de luto existirá um tempo específico para a expressão de diferentes emoções, sendo que na sua evolução normal, são frequentes as manifestações de carácter patológico aos mais diversos níveis (emocional, físico, cognitivo, comportamental). Tais manifestações visam recuperar o equilíbrio

somático e psíquico alterado em consequência da perda.4

ProcessodeLuto

1

ChoqueNegação

Evitamento

DesorganizaçãoDesespero/Culpa

Consciencialização

ReorganizaçãoRecuperação

Restabelecimento

Choque, trauma, ruptura com a concepção prévia do mundo – associada à perda das expectativas prévias de um bebé saudável; (disrupção emocional, choro intenso e desespero).

Negação (expectativa de que tenha existido um erro de diagnóstico), descrença e alienação do mundo/ fuga da realidade; (desejo de libertação da inevitabili-dade do diagnóstico ou de negação do seu impacto).

Frustração;Raiva;Irritabili-dade;Culpa;Tristeza.

Ambivalência entre espe-rança e medo, sofrimento e confiança, optimismo e pes-simismo; entre a procura e o evitamento de informação sobre o diagnóstico; pela procura de determinantes causais.

Procuradesignificado para o diagnóstico.

Necessidades de confrontarereenquadrar expectativas e projectos, crenças, …

Movimento para a constru-ção de um novo significado sobre a anomalia fetal e a assunção de uma visão positiva do futuro – estádio de reconstrução.

Adaptação e subsequente reorganização.

Pela progressiva diminuição da reactividade emocional negativa bem como pela crescente percepção de conforto face à situação e à capacidade de cuidar do bebé.

Tendo em consideração o impacto que o diag-nóstico de uma doença crónica pode provocar nas famílias, o reconhecimento das necessida-des reais e sentidas de cada utente e seus cui-dadores, é um elemento fundamental para con-substanciar a intervenção de toda a equipa.

NecessidadesdeSuporteSocial

“ (…) No caso de uma situação crónica, o supor-te social tem sido identificado como o fator que contribui para o bem-estar pessoal e adaptação familiar.” 5

As necessidades de Suporte Social manifestadas pelos cuidadores de utentes com doença crónica foram identificadas por Norbeck, Chaftez, Skodol-Wilson e Weiss 6 e agrupadas em quatro categorias:

a) Necessidades de Suporte de Diminuir a An-siedade;

b) Necessidades de Suporte Emocional;c) Necessidades de Suporte de Informação;d) Necessidades de Suporte Instrumental.

Posteriormente, estas foram corroboradas por outros autores 5 e 7 e descritas por Malheiro7 da seguinte forma:

Impactodadoençacrónicanafamília

O processo de adaptação da família à doença crónica exige um confronto com novas necessi-dades individuais e familiares, novas exigências,

alterações nas suas rotinas, mudanças constan-tes e readaptações diversas. Este processo tem um impacto com efeitos a vários níveis e subse-quentemente em várias dimensões:

Níveis Dimensões Exemplos

Pessoal Psicológico / Emocional / SaúdeAuto-estima diminuída, períodos de cansaço e sensação de impossibilidade de realizar a sua

vida diária…

FamiliarRelacional

(família nuclear e alargada)Isolamento, relações conjugais tensas, divórcio,

alterações de comportamento nos irmãos, …

SocialReintegração social (escolar) / Rede de suporte informal e

formal

Afastamento por parte dos amigos e vizinhos, dificuldade de integração escolar da criança, vivência familiar amplamente partilhada por

profissionais de várias áreas, …

Económico Profissional / FinanceiroDesemprego, sobrecarga financeira, precarie-

dade económica,…

Categoria Sub-categorias Definições

Necessidades de Suporte deDiminuir a Ansiedade

(Feedback)

FalarNecessidade de ter a oportunidade de falar com outras

pessoas.

Ser ouvidoNecessidade de escuta ativa pela pessoa de suporte,

funcionando como uma “descompressão” para os pais/cuidadores.

AfirmaçãoNecessidade de validação de ações, sentimentos e de-

cisões associadas ao seu papel de prestador de cuidados.

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Categoria Sub-categorias Definições

Necessidades de Suporte de

Suporte Emocional

AceitaçãoNecessidade de ter a oportunidade de falar com outras

pessoas.

Compromisso Necessidade de escuta ativa pela pessoa de suporte, funcio-nando como uma “descompressão” para os pais/cuidadores.

Envolvimento social

Necessidade de validação de ações, sentimentos e decisões associadas ao seu papel de prestador de cuidados.

AfetividadeNecessidade que lhe demonstrem amor e carinho incluindo preocupação pelo seu bem-estar (com qualidade de simpa-tia, compaixão e ocasionalmente de verdadeira empatia).

Mutualidade Necessidade de reciprocidade nas trocas de suporte.

Categoria Sub-categorias Definições

Necessidades de Suporte de

Suporte de Informação

Informação sobre a doença

Necessidade de informação sobre a doença da criança/jo-vem, sobre o seu cuidado ou supervisão.

Gestão do re-gime terapêutico

Necessidade de informação sobre estratégias de gestão do regime terapêutico.

Coping Necessidade de informação sobre estratégias de coping.

DecisãoNecessidade de ajuda no processo de tomada de decisão

sobre questões do cuidado e oferta de soluções.

PerspetivaNecessidade de interações de suporte que dão aos pais/

cuidadores uma nova perspetiva sobre o cuidado ou situação de cuidado da criança/jovem.

Categoria Sub-categorias Definições

Necessidades de Suporte

Instrumental

Retaguarda Necessidade de ajuda disponível quando necessária, incluin-do a ajuda financeira (direitos dos utentes).

Orientação para os recursos

Necessidade de ajuda na localização de recursos, sistemas de negociação ou na defesa de certas necessidades sentidas.

Repouso e descanso

Necessidade de provisão de tempo fora do cuidado e suporte para que os pais/cuidadores satisfaçam as suas próprias

necessidades básicas de vida.

Ajuda no cuidado Necessidade de provisão de ajuda com as verdadeiras tarefas de cuidado incluindo cuidados físicos, assistência e

monitorização das atividades.

Trabalho doméstico

Necessidade de interações de suporte que dão aos pais/cui-dadores uma nova perspetiva sobre o cuidado ou situação

de cuidado da criança/jovem.

Segundo a mesma autora, “muitos pais podem gerir responsavelmente os cuidados aos seus filhos, se lhes for fornecido o suporte que neces-sitam, ou seja, se contarem com alguém que os auxilie na satisfação das suas necessidades.”7

Intervençãocentradanafamília

Ajudar os pais a lidar com um filho com doença crónica, “torna-se possível se envolvermos, activamente, os pais no processo de intervenção de tal modo que eles possam descobrir as próprias competências e capacidades. Este apoio pode ser orientado de forma a que os pais consigam tornar-se competentes, o mais rapidamente possível, nos cuidados a ter com o filho (...) Assim, poderemos evitar que se sintam sós no seu ajustamento emocional e influenciar positivamente o processo de adaptação e aproximação ao filho real”.1

A família “está no processo de cuidados porque é família, porque tem uma função a desempe-nhar, porque é em si, o alvo dos cuidados.”8

A família é essencial no processo de adaptação da criança à sua condição de saúde porque os seus elementos individualmente e a sua dinâmi-ca intrafamiliar influenciam directamente este processo.

Para a definição de estratégias, que conduzam os cuidadores a uma reorganização e recupera-ção da sua dinâmica, é essencial que exista um trabalho efectivo de parceria entre a equipa de saúde e a família da criança.

“Os cuidados centrados na família são uma abordagem baseada nos benefícios mútuos de uma parceria entre doentes, família, outros sig-nificativos e profissionais de saúde.”9

Em suma, identifica-se a necessidade que o diagnóstico e a intervenção sejam realizados por uma equipa multidisciplinar coordenada, que proporcione um contexto seguro de prestação de cuidados e que integre a criança e a sua famí-

lia como elementos, com capacidade de decisão e intervenção, na satisfação das suas próprias necessidades.

Bibliografia

1. NEVES, Cristina (2001). A criança com doença crónica e seus pais. Nursing, 14(153), 18-22.

2. Fonseca, A. & Canavarro, M. (2010). Reacções parentais ao diagnóstico perinatal de anomalia congénita do bebé implicações para a intervenção dos profissionais de saúde. PSICOLOGIA, SAÚDE & DOENÇAS, 11(2), 283 -297.

3. Barbosa, A. & Neto, I. (2010). Manual de Cuidados Paliativos (2.ª Edição). Lisboa, Portugal: Centro de Bioética, Faculdade de Medicina da Universidades Lisboa.

4. Rebelo, J. (2003). Contributos para o estudo do processo de luto (Dissertação de Mestrado em Psicologia da Saúde e Intervenção Comunitária). Universidade Fernando Pessoa, Porto, Portugal.

5. Ferreira, A. & Vaz, F. (1997). Necessidades de Suporte Social dos Pais de Crianças com Diagnóstico de Asma Brônquica (Trabalho de Investigação no âmbito do Curso de Estudos Superiores Especializados em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica). Escola Superior de Enfermagem Maria Fernanda Resende, Lisboa, Portugal.

6. Norbeck, J., Chaftez, L., Skodol-Wilson, H. & Weiss, S. (1991). Social Support Needs of Family Caregivers of Psychiatric Patients From Three Age Groups. Nursing Research, 40(4), 208-213.

7. Malheiro, A. (2006). Aconsultadeenfermagemnasatisfação das necessidades de suporte socialdos pais/ cuidadores de crianças/jovens comdoença crónica (Trabalho de Investigação no âmbito do Curso de Complemento de Formação em Enfermagem). Instituto Politécnico de Setúbal – Escola Superior de Saúde de Setúbal, Portugal.

8. Santos, J. (2004). Um olhar sobre as práticas: Das pessoas e das suas necessidades em saúde aos enfermeiros e o respectivo contributo para a satisfação dessas necessidades. Ordem dos Enfermeiros, 14, 39-43.

9. Marçal, M. (2003). Cuidados Centrados na Família: Filosofia e Práticas dos Enfermeiros num Serviço de Pediatria (Dissertação na área científica de Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica). Escola Superior de Enfermagem Maria Fernanda Resende, Lisboa, Portugal.

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REFLEXÃO

ConstruçãodeRecursosSensoriaisePedagógicospara Alunos com Necessidades Educativas Especiais

Giovana PiresDoutora em Educação

Formadora na área de Inclusão e [email protected]

Neste artigo pretendemos apresentar um relato de experiência que foi desenvolvido em Portu-gal junto aos formandos da área de Educação no período de 2010 a 2014. O trabalho foi funda-mentado pelos estudos desenvolvidos na área das Tecnologias Assistivas (TA) entendida como um auxílio que promove a ampliação de uma ha-bilidade funcional deficitária por circunstância da deficiência (Bersch, 2006).

Os recursos sensoriais e pedagógicos constru-ídos nesta experiência teve especial atenção a criação, o desenvolvimento e a utilização de meios alternativos para auxiliar ou maximizar as potencialidades das pessoas com paralisia cere-bral, deficiência visual, baixa visão, deficiência intelectual e síndrome de down no contexto in-clusivo. Para Sartoretto et al (2010) estes recur-sos podem eliminar as barreiras impostas pela deficiência e/ou pelo meio educativo, para que os alunos participem de todas as atividades es-colares em interação com os seus colegas.

Nosso objetivo foi orientar os professores sobre a construção de recursos com baixa tecnologia1 para alunos com Necessidades Educativas Es-peciais (NEE) incluídos na escola regular. Consi-deramos que a utilização deste tipo de recurso pedagógico possibilita a comunicação e realiza-ção das atividades pelo aluno com deficiência na sala de aula através dos procedimentos técnicos e metodológicos direcionados para o seu pro-cesso de aprendizado.

RecursosPedagógicosnaSaladeAulaInclusiva

Uma análise sobre as terminologias realiza-da pela Organização Mundial da Saúde (OMS), possibilitou uma discussão sobre a conceção de deficiência no contexto educacional e social. Foi instituído a International Classification of Im-pairments. Disabilities, and Handicaps (ICIDH) na década de 80, baseada na trilogia impairment (deficiência), disability (incapacidade) e handi-cap (desvantagem). A ICIDH entende a deficiên-cia como uma “manifestação corporal ou como a perda de uma estrutura ou função do corpo; a incapacidade refere-se ao plano funcional, desempenho do indivíduo e a desvantagem diz respeito à condição social de prejuízo, resultan-te da deficiência e/ou incapacidade” (Schimer et al, 2007, p. 20).

No ano de 2001 houve uma alteração neste do-cumento criando-se a ICIDH2 com base na tríade deficiência, atividade e participação confirman-do a necessidade de superação de conceitos mas, sobretudo, na compreensão da interação do individuo com deficiência e os recursos pe-dagógicos utilizados com o interesse de criar ambientes escolares menos restritivos possíveis (WHO, 2001).

Este cenário contribuiu para o entendimento que os apoios criados para estas pessoas esti-mulam suas capacidades e sua participação no meio envolvente. Embora reconheçamos os li-mites das terminologias, devemos ter claro que elas podem nos auxiliar a compreender e buscar serviços e recursos que garantam a pessoa com deficiência sua participação na sociedade (Schi-mer et al, 2007).

Neste contexto cria-se alternativas no sentido de otimizar o processo de intervenção junto a esta clientela. Poderiamos falar sobre a TA como um auxílio que visa estimular a capacidade funcio-nal das pessoas. É uma área do conhecimento e de atuação que desenvolve serviços, recur-sos e estratégias que auxiliam na resolução de dificuldades funcionais das pessoas com defici-ência na realização de suas tarefas. Este tipo de intervenção pedagógica possibilita a criação de diferentes alternativas com o interesse de me-lhorar a comunicação e interação da pessoa que apresenta NEE.

A área da TA que se destina, especificamente, à ampliação de habilidades de comunicação é denominada de Comunicação Aumentativa e Al-ternativa (CAA). A Comunicação Aumentativa e Alternativa discute a construção de novos canais de comunicação para a pessoa com deficiência através da valorização de todas as formas ex-pressivas de comunicação (Schimer et al, 2007 e Sartoretto et al, 2010) .

O impedimento do acesso dos alunos com NEE

ao conhecimento suscitou a criação de formas adaptadas de recursos que possibilitem a acessibilidade e aprendizagem do aluno com deficiência nas aulas. Os professores, devem estar atentos, portanto, aos recursos a serem construídos para que os alunos realizem as atividades escolares. Ao produzirem materiais para e com seus alunos, devem ter atenção a acessibilidade e funcionalidade deste material para os mesmos.

No mesmo sentido, o Comitê de AjudasTécnicas (CAT) definiu TA como “uma área do conheci-mento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, es-tratégias, práticas e serviços que objetivam pro-mover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas com deficiência, inca-pacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social” (CAT 2009, p 26).

Por isto é importante que ao identificar uma ne-cessidade do aluno incluído o professor, em cada situação, deve ter clareza do objetivo pretendido e, consequentemente, o manuseio e exploração da atividade pelo aluno em diferentes situações com o apoio dos seus pares.

É importante considerar que não é o resultado da execução da tarefa que deve ser avaliado, mas se o recurso permitiu a participação do alu-no na atividade e se o objetivo educacional foi conseguido. Para isto, é considerável uma orien-tação clara e objetiva do uso do recurso, não so-mente aos professores da turma e aos colegas na sala mas também a família sobre a maneira mais eficiente de utilizá-los visando oferecer su-porte a comunicação, autonomia e autoestima do aluno.

Os saberes subjacentes a estes recursos, envol-vem desde conhecimentos simples até saberes mais complexos que otimizam a área funcional deficitaria como também a área educacional de Maqueta da Escola Inclusiva construída com materiais sensoriais

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forma evolutiva possibilitando a apropriação do conhecimento pela pessoa com deficiência pro-movendo, desta forma, sua autonomia pessoal.

O recurso pedagógico planeado deve procurar atender determinada faixa etária, os interesses, dificuldades e também as necessidades exigidas pelo aluno com NEE. Favorece, também, a inicia-tiva e a imaginação, aproximando-o de sua reali-dade educativa e do seu contexto familiar. Tudo isto é possível com a preparação do ambiente e dos estímulos recebidos através dos recursos aplicados.

O meio escolar é para qualquer aluno o espa-ço por natureza de interação com seus pares. É nesse espaço que nos vemos motivados a es-tabelecer diálogos, a sentir a necessidade de se locomover, aprender dentre outras habilidades que nos fazem pertencer aos grupos de convi-vência e ir ao encontro de expetativas e novas possibilidades.

ConstruçãodosRecursosSensoriaisePedagó-gicos

Este trabalho foi acompanhado no âmbito dos módulos das NEE apresentados nos referenciais de formação do Instituto de Educação e Formação Profissional (IEFP) no período de 2010 a 2014. O relato de experiência foi desenvolvido junto a grupos de formandos do curso da área de Educação através dos módulos denominados de Intervenção Pedagógica para Crianças com NEE (50 horas) e Atividades Pedagógicas para Crianças com NEE (50 horas).

Esta atividade foi fundamentada e orientada no curso através da construção de recursos denominados de sensoriais e pedagógicos que foram criados a partir das necessidades identificadas no estudo das deficiências. O termo sensorial refere-se a captação de estímulos e informações do ambiente que cerca o aluno e o seu próprio corpo. É através de diversas

possibilidades de interações com objetos e materiais de texturas diferenciadas que o aluno processa a informação. Estes recursos de baixa tecnologia oferecem experiências sensoriais e percetivas (auditivas, olfativas, táteis, visuais e cinestésicas) em atividades funcionais que estimulam a sensorialidade através do manuseio e interação com o recurso e a atividade proposta pelo professor.

Destacamos, sobretudo, o carater pedagógico do recurso que através da sua exploração estimula os alunos a serem atores do seu processo de descoberta e aquisição do conhecimento. Para isso podemos introduzir um recurso sensorial e pedagógico que favoreça o desempenho e a participação do aluno na atividade pretendida acompanhando ou modificando-se a atividade, para que possa ser concluída de outra forma.

Um recurso de comunicação pode variar quanto ao formato, ao tamanho, à quantidade de mensagens que contém e quanto ao material utilizado para sua confeção. Para “projetar e construir um recurso considera-se as habilidades motoras, sensoriais (visuais e auditivas) e cognitivas do usuário, bem como a portabilidade e praticidade de uso” (Sartoretto et al. 2010, p 26).

Para a construção dos recursos de baixa tecnologia tivemos como análise o tipo de deficiência, a seleção adequada do recurso, a funcionalidade e a aplicação no contexto da aula. Procuramos construir materiais visando atender aos alunos incluídos na sala de aula regular levando em consideração seu baixo custo e as necessidades dos alunos.

Vamos ilustrar alguns recursos sensoriais e pedagógicos orientados no decorrer da ação de formação construídos pelos formandos visando atender a necessidade educativa do aluno, tendo como referência os objetivos propostos para sua utilização.

LuvaemcoresFavorece a estimulação de resíduos visuais atra-vés do seu contraste. No material podemos utilizar as cores preto, vermelho, verde ou amarelo como contraste. Favorece potencializar os resíduos vi-suais com os movimentos realizados pelo professor, articulação dos dedos e da mão em direção ao alu-no através de diálogos e interações estabelecidos.

FichaparaescritaEste material é utilizado na cor preta para estimular o enquadramento do grafismo no papel através do seguimento das pautas e do seu posicionamento na folha. Facilita o processo de construção da escrita para o aluno com dificuldades na acuidade visual.

ÁbacoconstruídocomcaixadeovosOrganizado com cores e texturas diferentes. Contribui na perceção do espaço, contagem de objetos, correpondência de texturas, adição e raciocínio lógico através dos objetivos pretendidos.

ÁbacoconstruídocomcaixadesapatoNeste recurso utilizamos caixa de sapato, musga-mi, pau de espetada e papel adesivo. O objetivo é organizar o campo de intervenção do aluno através da diminuição do espaço e compreensão da função dos signos núméricos e das bases superior e infe-rior no que tange na compreensão de conceitos como unidade, meia dezena, dezena dentre outros.

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Estes recursos de baixo custo foram criados com o interesse de reconhecer e responder as neces-sidades apresentadas pelos alunos com NEE em sala de aula. É importante que o professor utilize diferentes formas para estimular a função defi-citária tendo como referência o desenvolvimen-to e apropriação do aluno sobre o recurso como também poderá introduzir outros conteúdos no contexto da atividade.

Para sua realização é fundamental haver indi-cativos marcando o início e o término da sua exploração, ampliando-a e sistematizando-a no contexto. O aluno ao interagir com o recurso vai apresentando condições de entender que todas as tarefas tem começo, meio e fim, e que após uma atividade podem acontecer outras com ob-jetivos diversos mas sempre mantendo um fee-dback entre professor e aluno acompanhado.

Neste processo, o professor deverá observar e estimular as respostas do aluno, focando as dú-vidas e hesitações num contínuo diálogo verbal e não verbal. Essa busca de comunicação en-volverá, por parte do professor, a avaliação do recurso bem como sua adequação no sentido de otimizar a participação do aluno com gestos,

sinais, emissão verbal, movimentos, expressões corporais, dentre outros através do processo in-terativo envolvido na atividade.

É importante salientar que a TA para a inclusão escolar, “não deve se voltar unicamente a pro-mover uma habilidade no aluno, mas fazendo com que ele realize tarefas como as de seus colegas” (Schimer et al. 2007, p.53). Este tipo de intervenção será o meio pelo qual o aluno participa ativamente da atividade mas faz do seu jeito e assim ele se tornará protagonista de sua história, ativo na construção de seus conhe-cimentos.

ConsideraçõesFinais

Podemos concluir que este trabalho desenvolvi-do junto aos formandos foi fundamental para a descoberta, exploração e criação de recursos de baixa tecnologia. Estes conhecimentos contri-buíram para ampliar a visão dos formandos so-bre a TA como auxilio na otimização do processo de aprendizado do aluno com NEE.

Os educadores tiveram consciência da impor-tância de criar e adaptar os materiais em bene-ficio dos objetivos pretendidos junto ao aluno e

suas individualidades bem como dos parceiros potenciais para o desenvolvimento do trabalho como os pais, os colegas e os demais professo-res e a escola, o que fomenta a necessidade de colaboração e cooperação de todos os envolvi-dos com o trabalho.

Ficou notório que os materiais selecionados para a construção do recurso devem ser sim-ples e que a aparência é o que menos importa na sua implementação. Os cuidados devem ser voltados para sua acessibilidade e funcionalida-de necessitando ser pensado, construído e tes-tado para que possíveis adaptações possam ser realizadas com o interesse de otimizar a comu-nicação e o processo de aprendizado do aluno de acordo com as suas características e neces-sidades.

Na perspetiva da educação inclusiva temos que desafiar os futuros profissionais a apropriar-se de conhecimentos teórico-práticos que funda-mentam seu fazer pedagógico e, mais do que isto, que criem condições reais de maximizar o potencial dos alunos com NEE no contexto pedagógico tendo o conhecimento sobre a TA como aliado as novas situações práticas que sur-gem no cotidiano escolar.

1 É compreendida como recursos sensoriais e peda-gógicos que podem ser utilizados pelo professor para construir diferentes materiais educativos com obje-tivos pré-definidos para o aluno incluído na sala de aula.

ReferênciasBibliográficas

Bersch, R. (2006) Tecnologia assistiva e educação in-clusiva. In: Ensaios Pedagógicos, Brasília: SEESP/MEC.

Comitê de Ajudas Técnicas - CAT (2009). Tecnologia Assistiva. – Brasília: CORDE. Subsecretaria Na-cional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. MEC

Schirmer, Carolina R. et al.(2007). Formação Continua-da a Distância de Professores para o Atendimento Educacional Especializado Deficiência Física. Bra-sília: SEESP / SEED / MEC.

Sartoretto, Mara Lúcia. et al. (2010). A Educação Es-pecial na Perspectiva da Inclusão Escolar: recursos pedagógicos acessíveis e comunicação aumentati-va e alternativa. Brasília. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial v. 6. (Coleção A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Es-colar).

World Health Organization - WHO (2001). Internatio-nal Classification of Functioning, Disability and Health. Classification, Assessment, Surveys and Terminology Team World Health Organization Geneva, Switzerland.

Célula Braille (Livro das vogais)

Cds Conceituais (Silhueta das imagens e uso do contraste)

Prancha de comunicação(Construção de história)

Tapete Sensorial

TrifásicoAuxilia na consciencialização da preensão e pressão do lápis o que viabiliza o controlo motor no momento da escrita. Na imagem há lápis com trifásicos confecionados com musgami, esferovite ou esponja que facilitam o manuseio e a perceção do aluno ao imprimir força na sua preensão do lápis e na sua pressão ao realizar o ato gráfico. Modifica-se, assim, a qualidade do grafismo e escrita.

PranchadecomunicaçãoConfecionada com papel cartão, velcro, folha de cortiça e papel colante. Seu objetivo é possibilitar a comunicação alternativa com o aluno através da introdução de diálogos, conceitos ou temáticas. Este trabalho favorece a interação com os cartões temáticos, objetos e respostas que são codifica-das com o aluno e o grupo. Trabalha, também, a ação e coordenação motora ao manusear as fichas com velcro na prancha através do plano inclinado

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COMUNIDADE

QueRespostas?para Crianças com Necessidades Educativas Especiais

Maria José Fonseca*Chefe de Serviço de Pediatria Médica

Neurologista PediátricaHospital Garcia de Orta - Almada

”O Segredo do Homem é a própria Infância”

João dos Santos

Contextualização

Evolução dos conceitos da Infância numa pers-pectiva histórica

Nos dias de hoje a infância tornou-se um perío-do tão específico que até é dificil imaginar que nem sempre assim foi. Contudo o respeito da criança como pessoa com direitos é um con-ceito relativamente recente, com pouco mais de cem anos. Um historiador (Philippe Aries, 1962) concluiu que as sociedades europeias não atribuiam à criança qualquer estatuto especial antes de 1600. A elevada mortalidade infan-til atingindo cerca de 50%, significava que em cada dois recém-nascidos, apenas um atingiria a idade adulta e daí a sua baixa valorização. A ideia de que a criança tem direitos surge após a 1ª grande guerra, pouco depois de algum pro-gresso concreto em prol da igualdade da mulher. A conquista dos direitos da criança tem assim acompanhado, em paralelo, os direitos da mu-lher. A necessidade de garantir uma protecção especial à criança foi enunciada pela Declaração de Genebra de 1924 e depois, adoptada pelas Nações Unidas em 1954, com a Declaração dos Direitos da Criança. A evolução das condições socioeconómicas e os avanços tecnológicos, com a melhoria das condiçoes de vida e da assistên-

cia no parto e aos recém-nascidos, conduziu a uma enorme diminuiçao da mortalidade infantil e assim, é sobretudo a partir da segunda meta-de do século passado, que a visão relativamente às crianças mudou dramaticamente. Todavia, embora esteja explícito na Declaração Universal dos Direitos do Homem que todo ser humano tem direito a usufruir de condições de aprendi-zagem e acção para se desenvolver como pessoa e como membro actuante de uma comunidade, tais condições nem sempre têm sido disponibi-lizadas ao portador de necessidades especiais. Todavia a ampliação do conceito de saúde, com uma visão actual, que integra o bio-psico-social e, esse reconhecimento de que as crianças de-vem ser respeitadas como indivíduos com di-reitos próprios, tem condicionado um interesse crescente pelo desenvolvimento infantil, nas úl-timas décadas.

Breves considerações sobre o Desenvolvimento Psicomotor da Criança

A criança é um ser em contínuo desenvolvimen-to físico, motor, mental, emocional, social, cultu-ral… O recém nascido apresenta já actividades extremamente elaboradas e complexas, mas

estas são primeiramente respostas reflexas, que progressivamente desaparecem para dar lugar a novas competências. Para se compreender o desenvolvimento, produto de determinantes genéticas modificado por influências bioquimi-cas e acontecimentos ambienciais, é importan-te conhecer os mecanismos subjacentes que o suportam. Desde a concepção até à idade adul-ta, é a progressiva maturação e mielinização do Sistema Nervoso Central (SNC), que permite à criança a aquisição de diferentes capacidades, segundo determinada sequência, que é seme-lhante para todas as crianças, embora o ritmo seja variável. A criança segue um padrão do sim-ples para o complexo, do centro para a periferia e do geral para o especifico. O desenvolvimento do controle motor progride no sentido cefalo caudal, isto é a criança primeiro desenvolve o controle cefálico, depois o controlo do tronco (sentar-se) e finalmente controla os membros inferiores (marcha).

Cada criança tem uma capacidade inata para se desenvolver, que vai ser muito influenciada, pela interacção social com a sua mãe. A resposta ao seu sorriso, as manifestações de carinho, esti-mulam o bebé a repetir as suas acções e assim, inicia-se o processo de aprendizagem. O brincar, começa como parte integral da comunicação en-tre a mãe e a criança e é um aspecto essencial ao longo de todo o desenvolvimento da crian-ça, meio natural de estimulação de maturação das estruturas cerebrais favorecendo as expe-riências sensoriomotoras. Em todo o processo do desenvolvimento verifica-se que existe uma interacção complexa entre as diferentes áreas: visão, audição, linguagem, realização, motricida-de grosseira e capacidades cognitivas. Assim, um défice numa das áreas irá afectar o desenvolvi-mento das outras, podendo levar ao atraso no aparecimento de determinadas capacidades.

Para que a detecção precoce dos problemas do desenvolvimento seja eficaz, há que aproveitar

todas as alturas em que a criança é observada para as avaliações médicas gerais. A avaliação do desenvolvimento, tem que ser integrada no exame clínico de toda a criança e deverá come-çar no primeiro momento em que a criança con-tacta os serviços de saude. Por outro lado sera também fundamental que nos estabelecimentos de ensino que frequente se avalie como a crian-ça interage com o meio ambiente, com os pares, com os adultos e avaliar a sua capacidade de realização nas diferentes áreas e a forma como responde às actividades propostas, adequadas ao seu grupo etário. É necessário ter sempre presente que o todo é mais importante que a soma de parâmetros e, mais que saber se faz, é importante saber como faz.

Sublinha-se que o atraso em alcançar as diferen-tes etapas e/ou padrões anormais de desenvol-vimento poderão ser indicadores importantes de doença neurológica subjacente, todavia, é fundamental bom senso e muitas vezes reava-liações seriadas, pois que uma discrepância em uma ou várias areas, ou ligeiras alterações po-derão não ser necessariamente anormais, mas representarem variações individuais. Nestes casos será fundamental o estabelecer estraté-gias psicopedagógicas e actividades que possam ajudar a promover a aquisição das competências em falta, e evitar alguns dos problemas relacio-nados com factores ambientais, erros ou lacunas que estejam a afectar a estimulação da criança.

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Os critérios de referência deverão ter em conta não só a própria criança mas também a ansieda-de dos pais; as suas preocupações deverão ser sempre valorizadas, e a sua integração em todo o processo é fundamental. Muitos pais necessi-tam do apoio de profissionais de várias areas, alguns têm dificuldades nos aspectos básicos, outros no reconhecimento dos sinais de alarme, outros, pela ansiedade em que se encontram, falham na procura da ajuda adequada aos pro-blemas dos seus filhos.

Por ultimo, gostaria de referir que não interes-sará diagnosticar precocemente se não se pro-videnciarem os meios para um eficaz apoio à criança e à familia. A intervenção deverá ser o mais precoce possível com o objectivo de uma correção dos défices ou desenvolvimento de es-tratégias compensadoras, numa altura em que a plasticidade cerebral é maior. Dada a comple-xidade da situação das crianças com problemas do desenvolvimento é fundamental desenvolver um trabalho de equipa, com uma comunicação eficaz.

As crianças comNecessidades EducativasEspeciais(NEEs)–comomelhorsatisfazerassuasnecessidades?

O papel dos Centros de Desenvolvimento da Criança

Considerando os múltiplos problemas que as crianças com perturbações neurológicas e do desenvolvimento apresentam, a sua satisfação adequada só poderá ser encontrada com o es-forço conjunto dos vários serviços implicados e com a rentabilização dos recursos. Neste con-texto surgem os Centros de Desenvolvimento da Criança (CDC) que, de um forma mais específica e organizada atendem as diferentes situações e, juntando sinergias, promovem uma formação contínua e a partilha de experiências.

Por outro lado, tendo em conta a complexidade da problemática da criança e do jovem com de-

ficiência e o número de profissionais envolvidos, dentro e fora do hospital, os Centros de Desen-volvimento deverão permitir organizar uma rede de serviços e atendimentos que consigam, com um mínimo de custos, prestar serviços e cuida-dos adequados.

O Centro de Desenvolvimento da Criança Torra-do da Silva – Hospital Garcia de Orta

É longa a história!...

Uma das metas prioritárias do Serviço de Pe-diatria do Hospital Garcia de Orta, desde a sua abertura, em 1992, foi a criação de um Centro de Desenvolvimento que, de acordo com o definido nas recomendações do relatório da Comissão Nacional de Saúde Infantil, publicado em 1993, deveria constituir um centro multiprofissional, dispondo de condições humanas e técnicas es-pecializadas, para avaliação e coordenação do tratamento de crianças com necessidades es-peciais. Apesar da vontade existente no hospital para a sua construção, os anos foram passando e apesar dos inúmeros esforços para a sua concre-tização, apenas em 1998 foi integrado num pro-jecto mais amplo e, com o apoio do programa saúde XXI e da Fundação Calouste Gulbenkian, começou a tornar-se realidade. Nas vicissitudes da construção e nos atropelos da burocracia, fi-nalmente o sonho tornou-se realidade e é inau-gurado em 1 de Junho de 2007. Assim, nasceu o Centro de Desenvolvimento da Criança Torrado da Silva, homenageando o primeiro director do Serviço de Pediatria do Hospital Garcia de Orta o prof António Nuno Torrado da Silva, que mui-

to contribuiu para a mudança da Pediatria em Portugal.

Objectivos que estiveram na base da implemen-tação do projecto:

- Constituir um centro multiprofissional para atendimento de crianças com problemas neuro-lógicos e do desenvolvimento, proporcionando investigação, avaliação e tratamento/interven-ção de forma coordenada, integrado num hospi-tal público do Serviço Nacional de Saúde.

- Agregar recursos humanos e tecnológicos, já existentes, em diferentes Serviços do Hospital, de forma a se proceder à sua rentabilização e simultaneamente promover uma melhor acessi-bilidade e, conseguir uma maior eficácia e efici-ência das intervenções realizadas e assim incre-mentar a satisfação de utentes e profissionais.

- Promover a articulação entre o trabalho hos-pitalar e o realizado nos Cuidados de Saúde Pri-mários

- Reforçar a articulação com os educadores e professores, para dar continuidade à acção de-senvolvida no Centro

- Prosseguir a cooperação e articulação com as associações de doentes, com as quais já tínha-mos projectos conjuntos, nomeadamente com a Associação Portuguesa de Familiares, Amigos e Pessoas com Epilepsia (Epi-AFPAFE), Federação

Portuguesa de Autismo e o então Núcleo de Pa-ralisia Cerebral Almada-Seixal, hoje já constitui-do como Associaçao.

- As actividades realizadas no centro repartem-se fundamentalmente por três áreas:

- ActividadeAssistencial - Consultas individua-lizadas de diferentes especialidades (Desenvol-vimento, Neuropediatria, Epilepsia; Reabilitaçao Pediatrica, Psicologia, Enfermagem…)

- Consultas pluridisciplinares para as patologias mais complexas (Espinha Bifida, Autismo, Segui-mento de Recém-nascidos de Alto Risco….)

- Intervenções terapêuticas nas diferentes áre-as (Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Terapia da Fala e Psicomotricidade), nas situações mais complexas e de mais baixa idade, até que os apoios na comunidade estejam organizados.

- ActividadeFormativa através de estágios para médicos, psicólogos, enfermeiros e outros téc-nicos do Hospital Garcia de Orta e também para profissionais de outros hospitais e instituições. Acções de formação dirigidas a pais e técnicos das áreas da saúde, da educação e da segurança social.

- ActividadeCientífica com trabalhos e projectos de investigação clínica, regularmente apresen-tados em reuniões nacionais e internacionais e também sob a forma de publicações em revis-tas especializadas nacionais e internacionais. Criação/Dinamização um pólo de investigação clínica para experimentação e ensaio de ajudas técnicas e novas tecnologias, nomeadamente na área da comunicação, em estreita ligação com institutições do ensico superior, nomeadamente o Instituto Politécnico da Guarda e a Universi-dade de Trás os Montes e Alto Douro (Curso de Engenharia de Reabilitaçao) .

Consultadoria a outros hospitais - a par do apoio que prestamos às populações da zona de influ-ência directa, (concelhos de Almada, Seixal e

ww.cdc-hgo.comCentro de Desenvolvimento da Criança Torrado da Silva

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Sesimbra até 2014) o Centro de Desenvolvimen-to Torrado da Silva, serve como referenciação especializada, nas suas áreas clínicas, a grande parte do sul do país. Proporciona ainda um ser-viço de consultadoria a outros hospitais, com o duplo objectivo de contribuir para a formação dos colegas desses hospitais e para melhorar a acessibilidade, evitando a deslocação dos doen-tes aos hospitais centrais.

Notasfinais

Ao longo destes sete anos muito temos conse-guido fazer; como destaque final salientaria que a concertação entre todos os técnicos interve-nientes tem permitido uniformizar actuações e assim rentabilizar os recursos e o tempo. Tem contribuido indubitavelmente para a melhoria da qualidade de vida destas crianças e famílias, evitando a sua dispersão por vários serviços e reduzindo o número de deslocação ao Hospi-tal para múltiplas consultas. A implementação deste projecto numa area de grande fragilidade económica e social tem assumido particular im-portância, pretendendo-se garantir a estas crian-ças e jovens, a universalidade do acesso, pois que a maioria dos centros de desenvolvimento constituídos actuam a nível privado. Como re-conhecimento público deste trabalho, em 2009, foi-nos atribuido o 1º prémio de Boas Práticas em Saúde, organizado pela Associação Para o Desenvolvimento Hospitalar. Este prémio tem como objectivo primordial distinguir e galardoar o trabalho dos profissionais ou das equipas dos serviços de saúde dos sectores público, privado e social, que tenham vindo a cooperar para a

melhoria dos resultados em saúde num dos três eixos: Equidade, Efectividade e Eficiência.

Muito mais gostarímos de realizar, todavia a dificil situação económico-social e as politicas, dos últimos anos, de “quase estrangulamento” das instituições públicas, nomeadamente na area da saúde e da educação, deixam-nos muito apreensivos relativamente ao futuro. Urge unir esforços de todos os que lidam com estas crianças e familias, nas diferentes vertentes, de forma a que se estabeleça uma articulação real entre o trabalho hospitalar, os cuidados de saúde primários e os intervenientes a nível educativo e de apoio social.

Como conclusão diria que é fundamental inte-grar os diferentes níveis de actuação política, para melhor se racionalizarem os recursos. A prevenção e intervenção o mais precocemente possivel são indispensaveis para maximizar o potencial de cada criança, numa altura de maior plasticidade cerebral e assim tenatr diminuir as suas incapacidades e comorbilidades.

Sendo a área da doença crónica, ainda defici-tária a nível de atendimento multidisciplinar, pensamos que seria fundamental a replicação de centros, com organização semelhante, ainda que com diferentes níveis de diferenciação, de acordo com o hospital a que estivessem agrega-dos, de forma a se criar uma rede de atendimen-to em doença crónica.

*Como representante e impulsionadora do projecto, desde a fase de concepção à operacionalização e primeira coorde-nadora da equipa multidisciplinar do Centro de Desenvolvi-mento Torrado da Silva.

COMUNIDADE

TransiçãoparaaVidaAdultaeAutodeterminação

Mário PereiraSofia Simões Ferreira

ASSOL

O projeto Transição para a Vida Adulta e Autodeter-minação é uma parceria entre a ASSOL – Associa-ção de Solidariedade So-cial de Lafões (uma IPSS

sediada em Oliveira de Frades), a Associação Pais em Rede e o ISPA – Instituto Universitário, sendo financiado pela Fundação Calouste Gul-benkian no âmbito do Programa Cidadania Ativa (EEA Grants).

O projeto surgiu de um desafio da Associação Pais em Rede, para tentar a replicação da me-todologia utilizada no Centro de Recursos para a Inclusão (CRI) da ASSOL, ao nível da transição entre a escola e a vida adulta dos mesmos com Necessidades Educativas Especiais (NEE), nou-tras regiões do país.

A ASSOL tem vindo a desenvolver e aplicar uma metodologia de transição baseada na realização de experiências em ambientes comunitários, acreditando que estes estágios ajudam os jovens com NEE a consolidarem redes de apoio social e a aumentarem as suas possibilidades de par-ticipação no espaço público, nomeadamente o acesso a formas de integração profissional: for-mação profissional ou emprego.

Além de confirmar essa crença, a nossa experi-ência demonstra que a auto estima dos alunos tem grandes ganhos, bem como a motivação dos alunos para as atividades escolares.

Quando foi fundada, em 1987, uma das primei-ras decisões foi assumir que a ASSOL não iria construir nenhuma escola especial e que aposta-ria tudo na criação de um serviço que ajudasse a manter as crianças e jovens com NEE integrados na escola.

O primeiro Acordo de Cooperação com o Mis-tério da Educação data de 1991, estando a AS-SOL entre as primeiras entidades que assinaram protocolos para a contratação de técnicos que depois eram colocados a trabalhar junto das escolas e das equipas de educação especial que então existiam.

Este Acordo de Cooperação permitiria criar o Projeto Integrado de Lafões, através do qual a ASSOL colocou alguns técnicos à disposição da Equipa de Educação Especial de Oliveira de Fra-des e das escolas e que sempre funcionou como um Centro de Recursos. Aliás, só em 2013 a AS-SOL foi acreditada como CRI, porque no primeiro concurso de acreditação não cumpria os critérios ao nível dos recursos humanos exigidos.

Acompanhando as alterações das políticas edu-cativas e também as alterações organizativas que aconteceram ao longo destes 25 anos, o Projeto tomou várias formas e foi adaptando os recursos e modos de intervenção, contudo, sem deixar de se focar na promoção da inclusão escolar, que é essencial ao desenvolvimento de todas as crianças e jovens e base indispensável a uma vida adulta socialmente integrada.

Em 1998, o protocolo alargou-se a Tondela e ali ganhou uma forte orientação para a Transição para Vida Adulta (TVA), sendo nesse concelho designado por Projeto TRANSIT, cujo objetivo principal era, também, apoiar o processo de

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transição para a vida adulta dos alunos com deficiência. Posteriormente, em 2008 o âmbito de intervenção do Projeto foi alargado a Castro Daire.

Uma das linhas orientadoras de todas as ações é o facto de os apoios, desde sempre, decorrerem nas escolas e integrados na dinâmica de trabalho de cada agrupamento, com as especificidades próprias de cada equipa de educação especial. Procura-se que, em cada escola, os técnicos da ASSOL se adaptem às condições locais, de forma a melhor interagirem com as direções de escola, com os professores e com toda a comunidade educativa. A articulação com as escolas é, por isso, a base e a essência do trabalho desenvolvido.

Este facto faz com que o trabalho realizado seja, claramente, um trabalho complementar da ação das escolas, que mantêm inteira responsabilida-de sobre o desenvolvimento das ações de apoio.

Apesar de todas as limitações, nomeadamente ao nível dos financiamentos, o CRI tem permitido potenciar a ação inclusiva das escolas, ao ponto de hoje todas as crianças e jovens, independen-temente das suas limitações, frequentarem a escola até ao final da escolaridade obrigatória, o que faz da nossa região um dos primeiros luga-res de Portugal onde isso acontece.

As ações de TVA, procuram dar resposta às necessidades de alunos com NEE que, na ado-

lescência, começam a revelar menor interesse pelas atividades académicas e, pelo contrário, mostram motivação para atividades práticas. Embora a ASSOL desde sempre desenvolvesse este trabalho com estes jovens, a partir do DL 3/2008, os processos de Transição passaram a fazer parte do percurso escolar do aluno: Artigo 14.º - Plano Individual de Transição. De acordo com esta informação, os alunos deverão iniciar estes processos três anos antes do términus da escolaridade obrigatória, ou seja com 15 anos e/ou no início do 10.º ano. Sendo esta premissa por nós inteiramente respeitada, é um facto que a Transição para a Vida Adulta não deverá ser en-carada como uma fase estanque mas sim como um processo contínuo do desenvolvimento do aluno, o que significa que, ao longo de todo o seu percurso escolar vão sendo desenvolvidas atividades de promoção de autonomia e desen-volvimento de várias competências essenciais a este processo.

A TVA pretende, acima de tudo, dar a esses jovens uma motivação acrescida para continuarem na escola e, ao mesmo tempo, facultar-lhes conhecimentos e experiências muito úteis para a formulação de projetos de vida e sonhos futuros.

Esta é a medida de apoio em que intervêm, di-retamente, os Técnicos de Transição, cuja tarefa principal é facilitar o processo de transição dos

alunos com NEE da escola para o mercado de trabalho, proporcionando-lhes a possibilidade de desenvolverem atividades de cariz prático, em contexto real de trabalho.

Um dos trabalhos fundamentais destes técnicos é contactar as empresas e serviços da comunida-de, no sentido de despertar o seu interesse em colaborar na formação de alunos com NEE.

De acordo com a legislação em vigor, o elemento estruturante do processo é o PIT (Plano Individual de Transição), que faz parte do PEI – Programa Educativo Individual, onde são definidos os objetivos a cumprir. O PIT é, por natureza, um documento aberto, em constante construção e atualização, de acordo com as experiências que o aluno vai vivenciando. A realização de estágios ou experiências em ambientes normais de trabalho são o elemento estruturante de todos os PIT’s.

Para o sucesso destes estágios, é necessário rea-lizar um despiste vocacional e, para isso, em vez de se apresentar teoricamente cada possível área de trabalho, opta-se por levar os alunos a visitar as diferentes atividades profissionais, para que possam optar, com mais segurança, pela área que melhor corresponde aos interesses e expe-tativas próprios e da família. Garantimos assim a autodeterminação destes jovens na medida em que potenciamos escolhas informadas. A esco-lha dos locais de estágio resulta sempre de uma

opção pessoal do aluno e de alguma negociação com ele e com a família. Aprender fazendo e fazê-lo em contextos da vida real permite ao alu-no com NEE fazer escolhas bem fundamentadas e desenvolver projetos consistentes para a vida pós escolar.

Quer nos concelhos em que a ASSOL desenvolve a TVA, como agora nos novos concelhos abran-gidos pelo atual projeto, a adesão das empresas é muito positiva e imprescindível ao trabalho. A experiência revela também que muitos profis-sionais são verdadeiros pedagogos e dão con-tributos enormes para o desenvolvimento dos jovens. Para cada estágio, é organizada uma lista de tarefas que o aluno poderá realizar, a qual, na prática, funciona como o currículo da ativi-dade e que, além de servir de guia orientador para todos os envolvidos, permite elaborar um certificado de frequência para os alunos que ter-minam a escolaridade, descrevendo as tarefas que conseguem realizar.

Apesar de realizado fora da escola, o trabalho de TVA é muito influenciado pelas dinâmicas internas de cada escola. Uma das condições de sucesso é conseguir um bom envolvimento de toda escola.

Para um eficaz funcionamento de todo este processo é essencial a negociação dos apoios a prestar com cada aluno, no sentido de identifi-car quais são os seus desejos, as suas vontades e os seus sonhos. Também a família tem um papel determinante nesta negociação, aferindo expetativas e desejos desta em relação ao seu educando.

O Projeto “Transição para Vida Adulta e Autode-terminação” só tem financiamento para o ano letivo 2014/2015 pelo que foi pensado de modo a conseguir uma rápida implantação e também condições facilitadoras da sua continuação. As-sim, este projeto permitiu contratar seis técnicos para trabalharem no terreno.

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Procurando ter polos em diferentes áreas do país, a ASSOL convidou a associarem-se ao pro-jeto os CRIs das seguintes entidades:

Cercimarante – que cobre os concelhos de Amarante e Resende – nesta região foram co-locadas duas técnicas;

APPACDM de Viseu – que cobre o concelho de Viseu – onde foi colocada uma técnica;

ASSOL - para o concelho de Castro Daire e APCV de Viseu para os concelhos de Vila Nova de Paiva, Satão e Mangualde – foi colo-cada uma técnica;

CECD de Mira Sintra – que cobre os concelhos de Sintra e Odivelas – onde foram colocada duas técnicas.

Inicialmente foi feita uma semana de formação a toda a equipa, pois nenhuma técnica tinha experiência ou conhecimento específico nesta atividade. Ao longo do ano tem sido assegurada supervisão às técnicas e apoio diverso às esco-las e CRIs envolvidos. No final será editado um pequeno livro com toda a metodologia e instru-mentos de trabalho, a avaliação do projeto feita pelos alunos, as suas famílias, as escolas, as em-presas e os CRIs.

Em jeito de balanço, poder-se-á dizer que em fevereiro de 2015, sensivelmente a meio do pro-jeto:

- As escolas sentem que o projeto respondeu a uma necessidade de apoios específicos nesta área;

- Os 110 alunos já abrangidos estão radiantes com a experiência;

- Da parte dos CRIs e das escolas das áreas abrangidas há uma genuína vontade de dar continuidade a este trabalho;

- Fica também demonstrado que em todos os territórios é possível encontrar empresas e outras entidades disponíveis para acolhe-rem os alunos, sem receberem qualquer contrapartida;

- O projeto demonstra também que usando uma metodologia adequada será possível assegurar na comunidade boas experiências de TVA aos alunos com NEE, com os recursos atualmente disponibilizados pelo Ministério da Educação para a realização de PITs (no âmbito dos Planos de Ação).

Para finalizar, a ASSOL agradece aos Pais em Rede o desafio que nos fizeram, pois o contacto com outras escolas e com outras entidades congéne-res à nossa tem-nos permitido aprender muito. O ISPA está a ajudar-nos a refletir e a consolidar as nossas próprias práticas.

Esperamos e acreditamos que as experiências em curso na região de Amarante/Resende, Sin-tra/Odivelas e Viseu se tornem polos de irradia-ção e de contaminação de outras escolas e CRIs, pois continuamos a acreditar que esta metodo-logia é aquela que permite dar aos alunos com NEE as melhores experiências.

Esta experiência poderá servir de ponto de parti-da para outros CRI abarcarem um trabalho idên-tico, ficando o desafio lançado, concretamente ao CRI que atua no concelho de Almada, poden-do contar com o apoio da ASSOL naquilo que se revelar necessário.

COMUNIDADE

OOlhardoAutistapara Crianças com Necessidades Educativas Especiais

Odailton Aragão AguiarProfessor Associado

Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP, Coordenador PIBID Artes Visuais/UFPIL

A exposição “A arte de fazer arte: sob o olhar do autista” é fruto de um trabalho do PIBID/Artes Visuais/UFPI realizado na Associação de Amigos do Autista – AMA. O PIBID – Programa Institucio-nal de Bolsas de Iniciação a Docência1, financiado pelo Ministério da Educação através da CAPES2, que tem como princípio básico desenvolver inte-resse dos alunos dos cursos de licenciatura pela docência, oportunizando vivências significativas no campo da pesquisa educacional, fazendo com que estes, após o final do curso, perseverem na carreira docente.

O nosso desafio foi o de acompanhar e analisar as proposições de Arte do PIBID do Curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Federal do Piauí – UFPI, acreditando que nossa proposta contribua, como conhecimento per-tinente, para o desenvolvimento da comunica-ção e interação social de alunos especiais, com Transtorno do Espectro Autista - TEA3 assistidos pela AMA/PI.

Assim, objetivo de nosso trabalho foi analisar importância do trabalho do Professor de Artes, principalmente, no desenvolvimento da comuni-cação e interação social de pessoas TEA, partindo da hipótese de que suas proposições artísticas oportunizadas contribuam para o seu desenvol-vimento de modo geral, bem como, constituam forma de interação e integração.

Dessa maneira, os sujeitos da pesquisa foram pessoas diagnosticados com TEA, com idades e níveis educacionais variados, assistidos pela AMA/PI.

Pensando na importância da brincadeira e do jogo, no processo de ensino e de aprendiza-gem, resolvemos trazer imagens de pinturas que contivessem bastante ludicidade e colori-do, por entendemos que, naturalmente, estes elementos atraem a atenção dos alunos, dessa forma, escolhemos as obras do pintor brasilei-ro Cândido Portinari4, mais especificamente, as que apresentam brincadeiras populares. Assim, aproveitamos essas telas com temática lúdica desse grande pintor brasileiro para ensinar as crianças a lerem estes textos visuais e, depois, as recriarem partindo das obras a eles apresen-tadas. São elas:

1. “Futebol” 2. “Meninos soltando papagaios”

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Isto posto, cremos que o educando deve ser es-timulado e o professor de arte, enquanto facili-tador e instigador interativo, deve transformar o aprendizado em uma atividade lúdica, isto é, em uma “brincadeira de aprender”, extremamente rica. Como forma de reforçar a afirmação ante-rior é que trazemos à luz o que diz Aguiar (2005, 23) sobre o tema, “(...) durante a brincadeira5, (...), cria-se uma fresta em que a vida ‘real’ coti-diana deixa de existir, propiciando um mundo de novas possibilidades”.

Assim, após escolhermos as imagens das pintu-

ras, resolvemos imprimir duas cópias de cada, em tamanhos 50X50, depois, decidimos recortar uma de cada, para transformar em um quebra-cabeça, a outra, deixamos inteira. Ambas foram coladas em pranchas de isopor.

O processo se deu da seguinte forma: primeiro, os alunos foram estimulados através da obser-vação da imagem completa. Depois, eles foram convidados a montar o quebra-cabeça da ima-gem observada e, em seguida, eles realizaram a releitura da imagem em papel para, depois de vários exercícios, iniciarem a pintura em tela.

3. “Meninos brincando” 4. “Menino com pipa”

Assim, ao longo de seis meses, durante a cria-ção de cerca de cinquenta telas, observamos, na maioria dos alunos, o crescimento do interesse em realizar o trabalho e, consequentemente, o aumento da concentração, também observamos melhora na interação e na comunicação, princi-palmente, com a supervisora e com os bolsistas. Também conseguimos identificar a presença da sensibilidade, suas capacidades mental e sensí-vel de elaboração e compreensão dos símbolos, sendo que, em alguns casos, foram capazes de apreender seu contexto, abstraindo-o e trans-

formando-o. Abaixo, algumas das 22 obras que foram selecionadas para a exposição:

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NOTÍCIA

DasequipasmultidisciplinaresàsRedesdeParceriaProjetos de Vida Inclusivos – Parcerias e Respostas

Nos dias 10 e 17 de janeiro de 2015, o Centro de Desenvolvimento da Criança Torrado da Silva do Hospital Garcia de Orta, em parceria com o Centro de Formação de Escolas do Concelho de Almada, de-senvolveu um curso de formação destinado a educa-

dores, professores e comunidade em geral, promovendo não só a reflexão em torno das questões da transição para a vida ativa dos jovens portadores de deficiência, como também o levantamento de necessidades de formação nesta área. O Seminário contou com a participação de 25 oradores espe-cialistas e de aproximadamente 90 participantes, entre os quais professores em formação, técnicos especializados, assistentes operacionais, médicos, pais, entre outros.

As Necessidades Educativas Especiais (NEE) são uma área que perspetiva uma resposta com uma abordagem conjunta da comunidade desde a infância e que se perpétua ao longo da vida adulta em múltiplas facetas da vida pessoal, quotidiana e profissional.

Deste modo, o curso foi pensado numa lógica evolutiva, sustentando-se nos seguintes objetivos:

• Esclarecer conceitos inclusivos relacionados com a legislação em vigor;

• Partilhar respostas da comunidade;

• Identificar os contextos e as suas necessidades;

• Promover o diálogo e a interação para construção de redes de parceria;

• Potenciar práticas educativas e percursos de vida inclusivos;

• Refletir sobre as diferentes realidades na promoção de caminhos de sucesso;

• Promover o conhecimento adquirido nas práticas profissionais;

• Diagnosticar as necessidades de formação.

A organização do Seminário contou com o apoio dos seguintes parceiros: Escola Secundária Caci-lhas-Tejo, com os alunos do Curso Profissional de Secretariado, Agrupamento de Escolas Da-niel Sampaio, com os alunos do Curso Profis-sional de Informática de Gestão, Agrupamento de Escolas da Caparica, com os alunos do Curso de Restaurante-Bar, Areal Editores, APPACDM- Quinta dos Inglesinhos, com os alunos do Curso de Culinária. Destaca-se o papel fundamental de todos estes alunos, que com os seus professores demonstraram muito profissionalismo, revelan-do-se uma das componentes essenciais para o sucesso deste evento.

Através do estudo que realizamos percebemos que a Associação de Amigos dos Autistas do Piauí (AMA/PI) vem realizando, de forma responsável, o trabalho a que se propõe, contribuindo signi-ficativamente para a melhoria na qualidade de vida não só das pessoas com TEA, como também dos seus familiares.

1 No PIBID o bolsista é coordenado por um professor do seu curso na Universidade Federal do Piauí/UFPI e é conduzido ao trabalho docente em escolas da rede pú-blica, estadual ou municipal. Na escola ele tem um su-pervisor, o professor da disciplina. Através de todo um planejamento do coordenador, em reuniões realizadas na UFPI, os alunos vão para escola para desenvolver o que foi planejado. Nosso PIBID tem um desafio ainda maior, pois se desenvolve no ensino especial na Asso-ciação de Amigos dos Autistas do Piauí – AMA/PI, uma instituição sem fins lucrativos fundada em 2000, por pais e amigos dos autistas residentes em Teresina-PI. 2 Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ní-vel Superior (CAPES).3 De acordo com a definição contida no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disordes (DSM IV, 1996), um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento que pode causar prejuízos severos nas diversas áreas do desen-volvimento humano (habilidade de interação social, de comunicação ou presença de comportamento e/ou interesse estereotipado). Esse Transtorno é caracteri-zado por desvios qualitativos na comunicação, intera-ção social e uso da imaginação.

4 Pintor brasileiro que nasceu em Brodósqui, cidade do interior paulista, em 1903. Adorava pintar crianças brincando em mangueiras frondosas ou participantes de “peladas” de futebol e de festas de São João, todas elas trazem a lembrança da vida rural. Espantalhos, pipas, luas e estrelas são elementos recorrentes que refletem o apego à cultura rural e à paisagem do inte-rior (ROSA, 1999).5 Segundo AGUIAR (2005) a ideia de brincadeira é ba-seada nos estudo HIZINGA, 1971, Homo ludens, no qual ele engloba no conceito de brincadeira e o jogo propriamente dito.

Bibliografia:

AGUIAR, Odailton Aragão. Guizos da Transgressão: Mamonas Assassinas e Falcão – Rio, cultura e Mídia. Teresina: EDUFPI, 2005.

AMA/PI – Estatuto da Associação de Amigos dos Autistas do Piauí – AMA/PI, 2002.

Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disordes (DSM IV, 1996).

MELLO, Ana Maria S. Ros de. Autismo: guia prático. 4. ed. São Paulo: AMA; Brasília: CORDE, 2005.

OSTROWER, Fayga. Universos da Arte. 9°ed. Rio de Janeiro: Campus, 1991.

OSTROWER, Fayga. Acasos e Criação Artística. 2°ed. Rio de Janeiro: Campus, 1995.

ROSA, N. S.S. Candido Portinari. São Paulo: Moderna,1999 (Coleção Mestres das artes no Brasil).

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No primeiro momento do Seminário foram abordadas as questões relacionadas com o enquadramento legislativo destas dinâmi-cas, a importância da intervenção precoce, mecanismos de diagnóstico e análise da situação destes alunos face à sua aprendi-zagem e participação.

Num segundo momento abordaram-se as questões da transição para a vida ati-va destes alunos, numa perspetiva de (re)pensar os seus percursos de forma inclu-siva no mercado de trabalho, em parceria com empresas, famílias e escolas.

Um dos momentos relevantes do encontro foi a apresentação de testemunhos de em-presas que contratam jovens portadores de deficiência, bem como associações que desenvolvem programas de estimulação e inclusão e a presença de jovens com defi-ciência a desempenhar funções na área do trabalho protegido.

Ao longo dos dois dias de formação foi notável a motivação de todos os envolvidos, reforçando a importância da troca de contatos, experiências e da construção de redes de parceiros onde estão incluídas as escolas, para a construção de um plano eficaz

e ajustado às expetativas e necessidades, perspetivando a inclusão destes jovens na sociedade e no mercado de trabalho.

Joana Silva

Escola Secundária Cacilhas-Tejo Alunos do Curso Profissional de Secretariado

Agrupamento de Escolas da Caparica Curso Profissional de Restaurante-Bar

Professores que participaram no Curso de Formação

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