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ALMADA FORMA a revista do centro de formação de escolas do concelho de almada nº6| junho | 2014

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A revista do Centro de Formação de Professores do Concelho de Almada

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ALMADAFORMAa revista do centro de formação de escolas do concelho de almada nº6| junho | 2014

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Ficha Técnica

Directora: Maria Adelaide Paredes Silva

Colaboradores: Alunos do 1ºL - Curso de Design Gráfico/Escola Secundária de Cacilhas Tejo, Anabela Magalhães, Ana Marta Moita de Macedo, Ana Mota, Ana Paula Silva, Carla Sofia Laneiro, Carlos Grosso, Carolina Zurzica, Cristina Loureiro, Danuta Wojciechowska, Diogo Pereira (imagem da capa), Edna Moreira, Filipe Oliveira, Florinda Costa, Francisco Duque, Gonçalo Rolo, Guilherme Perdigão, Helena Oliveira, Inês Bonito, Inês Liberato, João Pedro da Ponte, José Carlos Pereira, Luís Miguel Marques, Lurdes Figueiral, Maria da Conceição Neto, Maria do Céu Cardoso, Maria de Lurdes Serrazina, Maria do Rosário Almeida, Maria Paula Pereira Rodrigues, Mónica Rodrigues, Paulo Correia, Paulo Barbosa Rodrigues, Raquel Cordeiro, Rita Chasqueira, Sérgio Valente, Tânia Matos, Teresa Maria Pires Monteiro, Tiago Guerra

Coordenação, paginação e arranjo gráfico: Domitila Cardoso, Maria da Luz Vieira

ÍndiceEditorial 3Educação Matemática em Portugal 4Novos Rumos no Ensino da Matemática 12Exames e Diferenciação 16Aprendizagem da Matemática com Compreensão 20Identificação de Figuras no Plano 24Dedução, Indução e Abdução 34História da Educação Matemática 38Ensino a Distância 44Bom Aluno a Matemática… 46Boa Aluna a Matemática… 49Um Olhar Sobre… 50As Nossas Aulas de Matemática 58A Matemática e a Família 59Contando uma História de Desenvolvimento Profissional 63A Matemática Aprende-se... 67Ensinar e Aprender Matemática 70A Matemática Que (Não) Interessa 74Uma Pequena Reflexão... 78O homem Para Quem os Números... 80As Explicações na Disciplina de Matemática 83Entrevista a Rogério Martins 85Ler e Contar a Brincar 91Conferência 93

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A publicação da 6ª edição da revista AlmadaForma online, dedicada ao tema, A Magia da Mate-mática, honra e dignifica a missão do Centro de Formação de Escolas do Concelho de Almada.

É nosso privilégio reconhecer o valioso contributo de todos os seus obreiros, ilustres especialistas, investigadores, professores do ensino superior, básico e secundário, educadores, pais, encarrega-dos de educação e alunos de diferentes níveis de ensino, cuja sabedoria nos sensibiliza e estimula a cuidar da árvore do conhecimento.

Mobilizamos a vontade de comunicar, interpelar, conhecer e promover a educação, na qualidade de pessoas e profissionais de ensino, em processo de aprendizagem ao longo da

vida.

A magia da matemática revela-se e ganha sentido metafórico, na relação com a vida, como produto do engenho humano, feita por gente real. A matemática é uma linguagem simbólica

e universal, que precisamos de conhecer para compreender o universo, no modo como foi escrito. Sobre o tema em apreço se apresenta um manancial de comunicações de extrema atualidade e interesse, segundo diferentes abordagens e pontos de vista, uma dádiva do saber e do agir de professores, educadores e educandos.

Graças à vida e a tanta generosidade em prol do conhecimento criado e partilhado em contex-tos de referência, universidades, escolas, instituições e associações científicas, em comuni-

dades colaborativas,de pessoas, parceiros da mudança a empreender, num enlace amoroso da ciência, engenho e arte, no sentido da dignidade e do desenvolvimento humano.

Importante é ler e interpretar a emergência da escrita, portadora de informação rigorosa e com-prometida, essencial à compreensão dos caminhos da educação matemática e das suas infinitas

(im) possibilidades.

A magia que habita a matemática poderá contribuir para educar o gosto dos alunos pela dis-ciplina, incentivar o investimento na aprendizagem, inspirar renovados caminhos, tornando

possível construir pontes com futuro.

Da poderosa lição do jovem Francisco Duque, destacamos: “ Sempre tive o interesse de saber mais e confesso que, não fosse a minha professora primária, não sei se hoje estaria aqui a

dar esta entrevista. Por muito mérito que o resto das minhas professoras de matemática (sempre foram professoras curiosamente) tenham tido, porque o tiveram, nada equivale ao trabalho da minha professora primária.”

Matemática “feito assombroso da humanidade, conseguido com algu-ma inspiração e muito trabalho e…coragem. Indivisível da

natureza humana, na matemática, se o sonhamos, conseguimo-lo”. (professor Luís Ayres Marques)

Editorial

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EDUCAÇÃO

Educação Matemática em PortugalAvanços e recuos

João Pedro da Ponte Instituto de Educação da

Universidade de [email protected]

Introdução

A educação matemática constitui um campo de prática social cujo núcleo são as atividades ensi-no dos professores e de aprendizagem dos alunos e que se designa habitualmente por “ensino da Matemática”. Mas também constitui um campo de investigação académica, frequentemente de-signado por “Didática da Matemática”, onde se procura compreender o que se passa no campo do ensino e se produzem materiais que possam apoiar o seu desenvolvimento. Os dois campos sobrepõem-se parcialmente e influenciam-se um ao outro. Essa sobreposição ocorre porque muitos intervenientes atuam simultaneamente em ambos os campos, partilhando os mesmos objetos. Estas influências e relações entre os dois campos, mais do que um fator perturbador, são um elemento constitutivo da própria educa-ção matemática, pois nenhum deles é inteligível se se ignorar a sua relação com o outro.

O campo da prática social de ensino aprendiza-gem da Matemática existe em Portugal desde há vários séculos. Com o surgimento de cursos de formação de professores, o campo académi-co da investigação em Didática da Matemática foi-se constituindo progressivamente – tendo ganho significativa consistência a partir da dé-cada de 1980, com a generalização dos cursos de formação de professores nas universidades e escolas superiores de educação. No nosso país, ao contrário do que se passa em muitos outros, este campo tem procurado manter uma forte relação com o primeiro, como condição de vitali-dade, autenticidade e relevância social.

A educação matemática evoluiu muito na última década em Portugal, como resultado de dois fa-tores principais: o desenvolvimento de equipas de investigação em diversas instituições do en-sino superior, em ligação estreita com o campo profissional dos professores, sustentado orga-nizativamente pela Associação de Professores de Matemática; a existência de políticas edu-cativas, nomeadamente no período 2006-2011, promotoras do desenvolvimento curricular e da formação de professores em larga escala no âm-bito desta disciplina escolar. Este artigo faz uma breve apresentação da investigação que se tem realizado no nosso país, descreve o modo como a investigação tem influenciado o desenvolvi-mento do ensino da Matemática e termina com uma reflexão sobre a problemática atual relativa ao ensino desta disciplina escolar.

Investigação em educação matemática

Áreas de estudo ativas em Portugal

A Didática da Matemática pode ser vista de uma variedade de perspetivas que dão maior ou me-nor expressão aos seus “produtos” – artigos científicos publicados em revistas e livros, comu-nicações em encontros e teses académicas (de mestrado e doutoramento) – ou aos seus “pro-cessos” de trabalho – atividades dos projetos, vivências dos grupos de investigação e outras atividades específicas como comunidade de in-vestigação. Nos últimos dez anos, entre os assun-tos estudados, em Portugal merecem menção especial o ensino-aprendizagem de temas mate-máticos como Números e operações (em espe-cial os números naturais no 1.º ciclo e números racionais no 2.º ciclo), a Álgebra (desde a fase de iniciação no 1.º ciclo ao estudo das funções no secundário), a Geometria e a Estatística. Outros campos de interesse são os aspetos transversais

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ao ensino da Matemática como o desenvolvi-mento do raciocínio matemático, da capacidade de comunicação, da resolução de problemas e da criatividade matemática, o uso de novas tec-nologias no ensino e o uso da Matemática em contextos sociais e os fatores de ordem afetiva e emocional no ensino-aprendizagem desta disciplina. Finalmente, tem sido objeto de aten-ção o conhecimento e a prática profissional do professor, bem como os seus processos de for-mação e desenvolvimento profissional. Existem muitos pontos de convergência entre os grupos e instituições onde esta investigação se realiza, refletindo em muitos casos tendências interna-cionais. Uma descrição detalhada desta investi-gação não cabe neste artigo1 e, por isso, limitar-me-ei apenas a alguns exemplos ilustrativos.

Aprendizagem dos números naturais: Adição e subtração

Um dos campos que tem sido bastante estudado é a aprendizagem das operações com números naturais. Estes estudos baseiam-se na noção de “sentido de número”, divulgada por McIntosh, Reys e Reys (1991). Para estes autores, o sentido de número respeita ao conhecimento geral que uma pessoa tem acerca de números e das suas operações, a par da capacidade e inclinação para usar esse conhecimento de forma flexível para construir raciocínios matemáticos e desenvolver estratégias úteis para lidar com números e ope-rações. Além disso, estes autores consideram que o sentido de número reflete uma inclinação e uma capacidade de usar números e métodos quantitativos como meio de comunicação, pro-cessamento e interpretação de informação. Esta noção de sentido de número constitui a trave-mestra da abordagem ao tema dos Números do programa do ensino básico (ME, 2007).

Entre trabalhos recentes realizados no campo dos números naturais e operações (tópico do 1.º ciclo) podemos referir o de Elvira Ferreira (2012) (doutoramento) que estuda as estratégias e os procedimentos de cálculo dos alunos na resolu-ção de problemas de adição e subtração de nú-

meros naturais e o seu contributo para o desen-volvimento do sentido de número destes alunos. O enquadramento teórico respeita à noção de sentido de número, à aprendizagem dos núme-ros e das operações de adição e subtração e à organização da aprendizagem. A metodologia é uma experiência de ensino em sala de aula, que foi realizada numa turma do 2.º ano com 24 alu-nos. Foram estudados os casos de quatro alunos. A recolha de dados inclui a observação dos alu-nos na realização dos problemas numa sessão de diagnóstico e durante a experiência de ensi-no, uma entrevista final a cada aluno, análise de documentos por eles produzidos e a transcrição das gravações em vídeo e áudio do trabalho que realizam durante a experiência.

Vejamos o tipo de tarefas usado nesta experi-ência de ensino. Por exemplo, na última sessão, perante o problema “Quantas calorias tem a mais um copo de leite gordo (160) do que um pêssego (35)?”, uma aluna (Catarina) apresenta a resolução apresentada na figura 1, e termina escrevendo que “tem a mais 125 calorias”.

Figura 1 – Resolução de Catarina.

O modo como Catarina resolve o problema evi-dencia ter desenvolvido já um assinalável senti-do de número: inicia o cálculo em 35 e vai adicio-nando múltiplos de 10 e de 5 até chegar a 160, usando, portanto, uma estratégia aditiva. Rela-ciona apropriadamente o contexto do problema e a operação a usar, apresentando um cálculo já bastante formal. O seu trabalho evidencia uma significativa compreensão dos números, da sua estrutura e também segurança em lidar com os números.

Os resultados globais do estudo mostram que os alunos utilizam uma grande variedade de

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estratégias e procedimentos relacionadas com os significados dos problemas apresentados. Os alunos aprenderam em ritmos diferentes, em relação com o desenvolvimento da sua compre-ensão dos números, sendo a evolução das suas estratégias e procedimentos influenciada pela natureza dos problemas propostos (significados, grandeza, tipo de números e sua sequência) e pela seleção das resoluções consideradas na dis-cussão final da aula. Os alunos desenvolveram de forma integrada diversos aspetos do sentido de número, nomeadamente a compreensão do significado dos números e das operações, o re-conhecimento da grandeza relativa dos números e da razoabilidade dos resultados e a sua aplica-ção nos cálculos apresentados.

Raciocínio algébrico: Aprendizagem dos alunos

A Álgebra é outro campo importante da Mate-mática, normalmente associado à manipula-ção de símbolos e expressões e à resolução de equações. A aprendizagem da Álgebra coloca normalmente grandes dificuldades aos alunos que a vêm como a aplicação de regras sem sen-tido. Daí, o interesse pelo que pode ser o “outro lado” da manipulação simbólica, o que gerou um grande interesse de muitos investigadores pela noção de “raciocínio algébrico”. Lins e Kaput (2004) salientam duas características essenciais deste raciocínio: (i) generalizar e expressar essa generalização, e (ii) raciocinar sobre as formas de generalização, incluindo ações guiadas sintá-tica e semanticamente. Recentemente, a ideia que o raciocínio algébrico deve ser desenvolvido a partir dos primeiros anos de escolaridade tem obtido crescente aceitação (Blanton & Kaput, 2005) o que se procurou concretizar no Progra-ma de Matemática do ensino básico de 2007 (ME, 2007). Não se perspetiva o ensino da Ál-gebra de modo isolado, mas sim em interligação com os outros temas matemáticos deste nível de ensino, como base para o desenvolvimento do raciocínio matemático dos alunos.

Um bom exemplo dos trabalhos realizados em Portugal sobre raciocínio algébrico é a tese de

mestrado de Ana Morais (2012). O seu objetivo principal é estudar o modo de promover o de-senvolvimento do raciocínio algébrico de alunos do 2.º ano, dando especial atenção às capacida-des de representação e de generalização. Este estudo tem por base uma experiência de ensino que assenta na hipótese que os alunos desen-volvem estas capacidades realizando tarefas de cunho essencialmente exploratório, interagindo socialmente a partir do trabalho em pequenos grupos e em coletivo, e utilizando diferentes re-presentações matemáticas e estratégias de ge-neralização. A experiência estrutura-se em sete tarefas envolvendo sequências pictóricas repe-titivas e crescentes, sendo as aulas conduzidas pela investigadora, que assume também o papel de professora. A metodologia é de natureza qua-litativa, de cunho interpretativo, sendo a recolha de dados feita por observação participante (com elaboração de diário de bordo e transcrição dos registos áudio e vídeo) e análise documental (de documentos produzidos pelos alunos).

Na primeira parte da experiência, os alunos tra-balharam com sequências repetitivas e na se-gunda parte com sequências crescentes. Nesta sequência todos os termos são diferentes, de-pendendo da sua ordem. A sua regra de forma-ção pode ser identificada pela análise de termos consecutivos ou observando a relação entre o número de elementos de um dado termo e a sua ordem. A primeira sequência apresentada aos alunos está indicada na figura 2.

Figura 2 – Sequência em V.

Os alunos foram respondendo a questões suces-sivamente mais complexas, discutindo entre si. Alguns deles conseguiram descobrir a resposta à questão que pergunta qual a lei de formação desta sequência utilizando uma estratégia de

Figura 1 Figura 2 Figura 3

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generalização por decomposição dos termos, o que representa um raciocínio notável para alu-nos do 2.º ano (figura 3).

Figura 3 – Resposta de Filipe (“É o número da figura mais o que vem a seguir”).

Em termos gerais, os resultados deste estudo re-velam diferenças entre o trabalho realizado pelos alunos em sequências repetitivas e crescentes, tendo os alunos mais facilidade em continuar as sequências repetitivas, e mais facilidade em generalizar as crescentes. De um modo geral, os alunos recorrem a representações informais por eles criadas e à linguagem natural, embora al-guns usem representações mais formais. Os alu-nos conseguem pensar de forma geral e abstrata e, para isso, utilizam diversas estratégias cons-trutivas e também estratégias como a decom-posição dos termos. Tendo em conta a estreita relação entre o raciocínio algébrico e a capaci-dade de generalizar, os resultados mostram que, apesar de algumas dificuldades que por vezes se manifestam, a experiência de ensino proporcio-nou o desenvolvimento do raciocínio algébrico dos alunos.

Raciocínio algébrico: Formação de professores

Outro campo de investigação particularmente ativo em Portugal é o da formação de professo-res de Matemática. O estudo de Branco (2013) (doutoramento) situa-se na confluência de duas temáticas, o ensino-aprendizagem da Álgebra e a formação inicial de professores. Este trabalho assenta em duas grandes ideias: (i) a abordagem exploratória ao ensino da Matemática, segundo a qual, o conhecimento, mais do que “transmi-tido” de professor para aluno é construído por quem aprende a partir da sua experiência e em interação com os outros; (ii) as potencialida-des formativas de se articular a aprendizagem

dos conceitos e processos matemáticos com a aprendizagem sobre o seu ensino, isto é, a sua didática. O objetivo deste estudo é compreen-der o desenvolvimento do raciocínio algébrico de futuros professores e educadores e do seu conhecimento da Didática da Álgebra nos pri-meiros anos de escolaridade, bem como analisar o desenvolvimento da sua identidade profissio-nal no âmbito de uma experiência de formação em Álgebra. O estudo é uma experiência de for-mação que decorreu no 1.º semestre do 3.º ano da Licenciatura em Educação Básica, em que a autora assume o papel de professora e investi-gadora e em que participam 20 formandos, com estudos de caso sobre o trabalho desenvolvido por três deles.

Uma das formandas, Alice reconhece que sentiu dificuldades quando iniciou o trabalho de explo-ração de sequências. Com o desenvolvimento da experiência, a identificação de regularidades foi-se tornando mais simples. Apesar disso, conside-ra complexo determinar a posição numa tabela de um dado número que não está representado, aspeto discutido coletivamente com todos os formandos. Na análise de sequências repetiti-vas, esta formanda salienta a importância da re-lação que se pode estabelecer entre cada termo da sequência e a sua ordem:

A unidade que se repete, e depois era preciso também estabelecer a relação entre o número de ordem com a figura [termo]. E depois poder também descobrir a figura [o termo] tal. Gostei.

Estas sequências despertaram o interesse dos formandos. Numa entrevista foi apresentada a Alice uma sequência pictórica repetitiva e esta identifica a unidade que se repete e a ordem de cada um dos termos representados (figura 4).

Figura 4 – Resposta de Alice identificando a uni-dade que se repete.

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Neusa Branco (2013) apresenta o seguinte relato do trabalho da formanda:

Alice estabelece relações entre os termos e a sua ordem. Identifica, nomeadamente que o termo das ordens múltiplas de quatro é o retângulo, que um triângulo surge nas ordens pares e outro nas ordens ímpares e que ordens ímpares têm também como termo uma estrela. Questiono-a sobre como consegue saber, dada uma ordem, qual o termo dessa ordem pois apenas distingue entre ordens pares e ordens ímpares. Sugere que a estrela é o termo das ordens múltiplas de três mas rapidamente desiste desta conjetura pois não é verdadeira. Indica que se dividir o número da ordem por quatro e considerar o resto, consegue dizer qual dos elementos da unidade que se repete é termo dessa ordem. Diz que divide por quatro por se tratar do número de elementos da unidade que se repete. Ao valor do resto associa a ordenação dos 4 elementos da unidade que se repete. (pp. 250-251)

Os resultados do estudo mostram que as tarefas visando a articulação entre conteúdo e didática e o trabalho de sala de aula privilegiando uma abordagem exploratória contribuíram para a evolução da capacidade dos formandos de ge-neralizar e de expressar essa generalização, bem como de agir sobre essa generalização, ainda que não de modo tão expressivo. Além disso, há uma evolução muito significativa relativamente ao seu conhecimento do ensino da Álgebra nos primeiros anos, com foco no desenvolvimento do raciocínio algébrico dos alunos nas diferentes vertentes. As três futuras professoras manifes-tam distintos padrões de desenvolvimento do seu conhecimento. Numa delas, evidencia-se de um modo mais significativo o desenvolvimento do conhecimento matemático e noutras duas o desenvolvimento do conhecimento do ensino da Álgebra. Estas duas vertentes contribuem para o desenvolvimento da identidade de profissional das formandas, evidenciando uma identificação com a prática do professor dos primeiros anos.

Traços gerais da investigação em Didática da Matemática em Portugal

Procurando caracterizar a investigação em Didá-tica da Matemática em Portugal, podemos dizer que ela se distingue sobretudo por três aspetos. O primeiro diz respeito a assumir orientação cur-ricular inovadora, baseada numa perspetiva ex-ploratória sobre o ensino-aprendizagem da Ma-temática (Ponte, 2005), em consonância com as tendências internacionais (NCTM, 1991, 2007); o segundo é o facto de dar prioridade a temas de grande relevância prática mas também de grande alcance social e profissional; e o último refere-se aos aspetos teóricos e às metodologias de investigação, que procuram equilibrar rigor e relevância.

Estas características da investigação em educa-ção matemática como campo académico têm muito a ver com a sua relação com o ensino-aprendizagem e a formação de professores. Os investigadores foram ou são professores e são muitas vezes formadores de professores. Exis-te uma relação estreita entre investigadores e professores, e que se traduz pela forte presença de professores nos encontros de investigação e pela existência de frequentes projetos colabora-tivos envolvendo investigadores e professores. Esta proximidade tem ajudado a investigação em educação matemática portuguesa a perspe-tivar o estudo do conhecimento profissional do professor, não a partir de teorias externas mas sim das próprias práticas profissionais.

Dinâmica curricular em Portugal

A elaboração do Programa de Matemática do ensino básico (ME, 2007) mobilizou os resul-tados da investigação realizada em Portugal e também no plano internacional. Este programa gerou um grande movimento de discussão entre professores (antes e depois de ser aprovado) e propiciou o surgimento de muitos materiais de apoio e ações de formação. Foi estabelecido um processo de generalização voluntária a partir de 2009 que foi correspondido de forma muito sig-

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nificativa pelas escolas e agrupamentos. Além disso, os manuais elaborados procuraram seguir de perto as indicações deste programa. Outras iniciativas foram igualmente importantes, como o programa de formação contínua para profes-sores do 1.° e 2.° ciclo que decorreu entre 2005 e 2011 e envolveu cerca de 15 000 professores, entre os quais mais de 50% dos professores do 1.° ciclo em exercício. Esta formação decorria ao longo de todo o ano letivo, com trabalho de aprofundamento matemático e didático em ses-sões regulares e acompanhamento e supervisão direta dos professores na sala de aula. Há ain-da a referir o Acompanhamento dos Planos da Matemática, com apoio continuado às escolas ao longo do tempo, proporcionando um apoio de proximidade e múltiplas oportunidades de formação. Devem ainda mencionar-se muitas outras iniciativas como o Projeto dos 1000 itens do GAVE e os momentos de debate consagrados às novas orientações curriculares em encontros nacionais de professores.

Em consonância com os resultados de investiga-ção, este trabalho valorizou:

• Aspetos fundamentais da aprendizagem da Matemática como o sentido de número, o sentido espacial, o pensamento algébrico e a literacia estatística,

• As capacidades transversais de resolução de problemas, raciocínio matemático e comunicação matemática,

• A abordagem exploratória, visando uma formalização progressiva dos conceitos matemáticos,

• A aprendizagem dos procedimentos matemáticos com compreensão.

Verificou-se neste período uma forte convergên-cia entre a política educativa, os contributos da investigação e as preocupações dos professores. Esta convergência é indispensável para que pos-sa existir progresso no ensino da Matemática, e nunca tinha ocorrido com uma vitalidade se-

melhante. Os responsáveis políticos reconhe-ceram a qualidade e a importância do trabalho de investigação realizado no campo da Didática da Matemática em Portugal desde os anos 80 e esse trabalho foi mobilizado para promover uma efetiva melhoria nas aprendizagens dos alunos. Houve também capacidade da parte dos investi-gadores de investirem neste processo de desen-volvimento curricular e de formação de professo-res. O que se passou neste período mostra que a Matemática, longe de ser necessariamente uma disciplina seletiva e frustrante para a maioria dos alunos, pode e deve ter um lugar importante no currículo escolar, constituindo uma experiência de aprendizagem positiva e gratificante.

No final de 2012 e de novo no final de 2013 fo-ram divulgados resultados de provas de avalia-ção internacionais em que participaram alunos portugueses. No TIMMS (Trends in International Mathematics and Science Study), num conjunto de 52 países, os nossos alunos do 4.° ano con-seguiram o 15.° lugar. A maior parte dos itens não são divulgados, conhecendo-se apenas uma pequena parte. Nos itens públicos os alunos por-tugueses situam-se em geral entre o 7.° e o 11.° lugar, sendo que num dos itens mais difíceis, en-volvendo conhecimentos de geometria e racio-cínio lógico, ficaram em 1.° lugar. No PISA (Pro-gramme for International Student Assessement), que avalia o desempenho dos alunos de 15 anos, Portugal ficou dentro da média dos 34 países da OCDE, e se se ajustarem os valores tendo em conta o nível socioeconómico do país, ficou em 6.° lugar. Nestas provas de avaliação internacio-nais os alunos portugueses estão dentro de pa-drões de desempenho internacionais de que só nos podemos orgulhar. O mito que teríamos um problema genético que nos impediria de conse-guir bons resultados em Matemática ficou defi-nitivamente por terra.

Entretanto, a partir de 2011 começou a registar-se um perigoso retrocesso. Para o compreender-mos, temos de recuar até ao movimento inter-nacional de renovação curricular conhecido pela

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Matemática moderna no qual Portugal partici-pou, sendo José Sebastião e Silva a figura mais conhecida. Na sequência desse movimento, na década de 1970, registou-se em numerosos pa-íses uma forte reação que ficaria conhecida por back to basics. No entanto, estranhamente, isso não se verificou em Portugal. No nosso país, os programas baseados na Matemática moderna duraram longos anos, até ao início dos anos 90, altura que foram substituídos por programas ba-seados numa perspetiva multidimensional valo-rizando conhecimentos, capacidades, aptidões, atitudes, valores e também a resolução de pro-blemas. No entanto, em 2011, o back to basics finalmente chegou finalmente a Portugal, e em grande força.

O que defende esta perspetiva? Essencialmente que a aprendizagem tem por base a memoriza-ção de longas listas de “conhecimentos básicos” e procedimentos de cálculo, cuja ligação e razão de ser, os alunos, mais tarde, poderão vir even-tualmente a compreender. No fundo, trata-se do regresso às perspetivas de ensino dos anos 40 e 50 do século XX, anteriores à Matemática mo-derna, baseados na prática repetitiva de exercí-cios e na memorização acrítica.

Este movimento back to basics não é especifica-mente português nem se restringe à disciplina de Matemática. É um movimento que se desen-volve em vários países e é transversal a todas as áreas da educação. Procura fazer crer que o ensino do passado, baseado na memorização acrítica, no treino de exercícios repetitivos, no ouvir e calar, na submissão à autoridade do pro-fessor e do manual, seria o mais adequado para os nossos dias. A verdade é que o ensino do pas-sado, já criticado na sua altura por educadores e políticos, é completamente desadequado para a sociedade de hoje, que tem outras formas de comunicação, outras tecnologias, outros valores e, não esqueçamos, outros alunos. No entanto, teimosamente, os responsáveis atuais têm es-tado a produzir documentos curriculares inade-quados e inaplicáveis.

Os defensores do back to basics, que antes usavam os (fracos) resultados dos alunos por-tugueses neste tipo de provas como arma de arremesso para dizer que tudo ia mal no ensi-no da Matemática, chegando a falar em “desas-tre nacional”, desta vez ficaram sem palavras e acabaram cilindrados pela comunicação social. O discurso que o ensino da Matemática estaria entregue ao “eduquês” e que este reduzia os alunos à ignorância ficou completamente desa-creditado.

Como aconteceu com anteriores movimentos curriculares do mesmo género, este back to ba-sics irá ser um fenómeno efémero. Na sua prá-tica profissional, os professores de Matemática irão fazer com os documentos curriculares atu-ais o que sempre têm feito – adaptá-los aos seus contextos de trabalho, às necessidades dos seus alunos, ao que a sua capacidade profissional indicar como o mais apropriado para cada cir-cunstância. Farão isso tanto melhor quanto me-lhor estudarem estes documentos com atenção, percebendo a sua lógica e as suas contradições, analisando a sua inadequação, e discutindo as suas consequências para a aprendizagem dos alunos.

O back to basics baseia-se na simples ideologia. A Didática da Matemática baseia-se nos resulta-dos da investigação educacional em articulação com o trabalho dos professores. O confronto entre as duas perspetivas levará a distinguir o trigo do joio, gerando uma afirmação de valores educacionais positivos, centrados na compre-ensão, no gosto pela Matemática, no prazer da descoberta, na capacidade dos alunos raciocina-rem matematicamente pela sua própria cabeça, e voltará a conduzir o ensino da Matemática ao bom caminho.

1Uma apresentação da investigação realizada nos anos de 1980 e início dos anos de 1990 pode ser vista em Ponte (1993) da investigação mais recente encontra-se em Ponte (2008).

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Referências

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Branco, N. (2013). O desenvolvimento do pensamento algébrico na formação inicial de professores dos primeiros anos (Tese de doutoramento, Instituto de Educação da Universidade de Lisboa). (disponível em http://repositorio.ul.pt/)

Ferreira, E. G. (2012). O desenvolvimento do sentido de número no âmbito da resolução de problemas de adição e subtração no 2.º ano de escolaridade (Tese de doutoramento, Instituto de Educação, Universidade de Lisboa). (disponível em http://repositorio.ul.pt/‎)

Lins, R., & Kaput, J. (2004). The early development of algebraic reasoning: The current state of the field. In K. Stacey, H. Chick & M. Kendal (Eds.), The future of the teaching and learning of Algebra: The 12th ICMI Study (pp. 47-70). Norwell, MA: Kluwer.

McIntosh, A., Reys, B., & Reys, R. (1992). A proposed framework for examining basic number sense. For the Learning of Mathematics, 12(3), 2-8.

Ministério da Educação (2007). Programa de Matemá-tica do Ensino Básico. Lisboa: DGIDC. (dispo-nível online)

Morais, A. M. (2012). Exploração de sequências e re-gularidades como suporte para o desenvolvi-mento do pensamento algébrico (Dissertação de mestrado, Instituto de Educação da Uni-versidade de Lisboa). (disponível em http://repositorio.ul.pt/)

NCTM (1991). Normas para o currículo e a avaliação em Matemática escolar. Lisboa: APM e IIE.

NCTM (2007). Princípios e normas para a Matemática escolar. Lisboa: APM.

Ponte, J. P. (1993). A educação matemática em Portu-gal: Os primeiros passos de uma comunida-de de investigação. Quadrante, 2(2), 95-126. (disponível em http://repositorio.ul.pt/)

Ponte, J. P. (2005). Gestão curricular em Matemática. In GTI (Ed.), O professor e o desenvolvimento curricular (pp. 11-34). Lisboa: APM. (disponí-vel em http://repositorio.ul.pt/)

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EDUCAÇÃO

Novos Rumos no Ensino da MatemáticaOs novos Programas de Matemática

Filipe Oliveira Universidade Nova de Lisboa

Coordenador dos novos Programas e Metas Curriculares de Matemática do Ensino Básico e do Ensino Secundário

(Matemática A)

Para compreender o sentido e a oportunidade das recentes reformas de que foi alvo o currículo nacional na área da Matemática, é imprescindí-vel conhecer alguma da história recente do de-bate em torno do ensino desta disciplina.

A publicação, em 1989, do Curriculum and Eva-luation for School Mathematics, pelo National Council of Teachers of Mathematics (NCTM), lançou nos Estados Unidos uma polémica que muito rapidamente se propagou à grande maio-ria dos países ocidentais. Neste documento defende-se o abandono do ensino de procedi-mentos matemáticos rotineiros bem como da aquisição, por parte do aluno, de conhecimentos e de capacidades elementares. O treino de tare-fas mecanizadas (como por exemplo os algorit-mos das quatro operações) são particularmente diabolizadas, considerando-se que os alunos devem ser expostos diretamente a situações problemáticas, desenvolver as suas próprias re-presentações matemáticas e aprender de forma ativa pela descoberta, construindo desta forma o seu próprio conhecimento. Uma das ideias subjacentes a estas metodologias consiste em considerar que o aluno deve, à imagem de um cientista, aprender investigando. Esta sobre-valorização do método pelo qual o aluno deve aprender leva, como não podia deixar de ser, a uma subvalorização daquilo que efetivamente aprende, ficando associada a esta corrente uma desvalorização dos conteúdos e uma conse-quente perda de hierarquia entre eles: «Não é o

que se ensina, é como se ensina.». Neste quadro estrito não se distingue o estudo de um teore-ma estruturante da geometria do plano, como o Teorema de Tales, de uma mera curiosidade geométrica, como a classificação de todas as in-terseções possíveis de um cubo com um plano. A importância está na forma como o aluno deve abordar estes temas, preconizando-se que faça experiências, conjeturas, e que chegue assim às suas próprias conclusões, com orientações míni-mas por parte do professor. Esta ideia de um en-sino pouco diretivo, que coloca o aluno “ao cen-tro”, conferindo-lhe até poder decisório quanto à própria dinâmica das atividades em sala de aula é, na verdade, bem mais antiga (ver Rugg, H.O. & Shumaker A., 1928), sendo aqui reapro-veitada e apresentada com uma nova roupagem de modernidade. À imagem da investigação em Matemática propriamente dita, que obriga mui-tas vezes, nos seus estádios iniciais de descober-ta, a visões mais intuitivas e menos formalizadas dos objetos em estudo, também o NCTM pre-coniza um ensino vago e intuitivo dos conceitos matemáticos, com etapas de formalização pos-teriores sucintas se não mesmo inexistentes. Fi-nalmente, com o intuito de suprir as necessida-des de tarefas e procedimentos rotineiros, que não são especialmente trabalhados, aposta-se numa visão pandémica da tecnologia em sala de aula. Acredita o National Council of Teachers os Mathematics que são estas as bases para que se possa desenvolver, no aluno, a «compreensão matemática», conceito que iremos abordar de novo um pouco mais adiante.

Numa primeira leitura, algumas destas ideias são de facto bastante sedutoras, razão pela qual esta visão do Ensino da Matemática alastrou, durante a década de 90, a praticamente todos os currículos dos países ocidentais. Mas desde cedo suscitou um grande número de interroga-ções, que se foram transformando com o tempo

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em acérrimas críticas, dando início àquilo que ficou conhecido, nos Estados Unidos, como as “Guerras da Matemática” (Math Wars). Durante esse período, os críticos do NCTM nunca deixa-ram de referir que a Matemática é uma ciência cumulativa que se aprende passo a passo, exis-tindo uma clara hierarquia que deve ser respei-tada na aquisição de novos conceitos. Não fará sentido investigar-se, por exemplo, a existência e as propriedades dos polígonos regulares cru-zados sem o conhecimento prévio de proprieda-des elementares relacionadas com paralelismo, perpendicularidade e ângulos. Um outro tema central da discórdia é a importância que deve ser dado ao treino de procedimentos algorítmi-cos ou rotineiros. Para os críticos do NCTM, me-morizar procedimentos e rotinas elementares é um passo fundamental na aprendizagem da Matemática. Da mesma forma que um exímio e criativo pianista deve dedicar muitas horas a ta-refas repetitivas, como o treino de escalas, tam-bém a Matemática obriga à automatização de um certo número de procedimentos e técnicas, que permitem, em particular, libertar memó-ria de trabalho e dedicá-la a tarefas cognitivas mais complexas. Não é razoável pensar-se que se pode ser criativo e resolver problemas ori-ginais e não rotineiros sem uma aprendizagem prévia, estruturada e séria de teorias e procedi-mentos clássicos. Defende-se desta forma que “memorização/compreensão” ou “memoriza-ção/criatividade” constituem falsas dicotomias. Relativamente à abordagem sistematicamente investigativa, os críticos consideram não ser razoável considerar que os alunos conseguem, por si só, redescobrir os conteúdos matemáticos tradicionalmente presentes nos diferentes pro-gramas do ensino básico, que levaram à huma-nidade séculos (e, em muitos casos, milénios) a compreender, apurar e limar. É parte deste pa-trimónio que se pretende transmitir a crianças e jovens no curto espaço de nove anos. Ainda que seja naturalmente importante confrontar os alu-nos com situações novas que deverão explorar, investigar e, a propósito delas, estabelecer con-jeturas, basear todo um sistema de ensino nesta metodologia da forma radical preconizada pelo

NCTM parece ser pouco realista.

Tal como foi referido, esta polémica acabou por romper as fronteiras americanas. Várias reações ficaram famosas, como por exemplo a de sete matemáticos franceses de topo, três deles ga-lardoados com a prestigiosa medalha Fields, ga-lardão usualmente considerado como o “Prémio Nobel da Matemática”. Em 2004, num longo do-cumento intitulado Les savoirs fondamentaux au service de l’avenir scientifique et technique, cri-ticam fortemente algumas ideias preconizadas pelo NCTM e entretanto introduzidas parcial-mente no currículo francês. Denunciam o esfa-relamento do corpo de conhecimentos matemá-ticos, em particular a forma exageradamente intuitiva e vaga com que se pretende imprimir ao Ensino da Matemática. Referem concretamente que «A falta de conhecimentos estruturados dos jovens que finalizam o 12.º ano é de tal ordem que a Matemática, a Física, e todas as ciências do Ensino Superior tornaram-se simplesmen-te demasiado difíceis para eles.» Insurgem-se ainda contra a utilização indiscriminada de no-vas tecnologias, que comparam textualmente a «próteses eletrónicas» e contra o uso indevido do termo «compreensão», que polvilha usual-mente os documentos próximos das ideias do NCTM. Algumas passagens são até bastante vio-lentas: escrevem os matemáticos: «(…) um obje-tivo fixado para o 8.º ano é o de “compreender as operações matemáticas”. Trata-se das quatro operações ou de outra coisa, que nós matemáti-cos, não compreendemos? Tomam os jovens por

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idiotas ou querem torná-los idiotas?»

Em 2006, no seguimento deste amplo debate nacional que durou perto de vinte anos, o NCTM publica um novo documento, Curriculum Focal Points, usualmente interpretado como um im-portante recuo relativamente ao que defendia em 1989, nomeadamente no que diz respeito à importância dada aos procedimentos rotineiros e à exagerada contextualização dos problemas a propor aos alunos. Em 2008, o recém-criado pai-nel National Mathematics Advisory Panel publi-ca o seu relatório final (Foundations for Sucess: Final Report of the National Mathematics Advi-sory Panel), que pretende ser uma síntese equi-librada dos argumentos antagónicos esgrimidos durante a “Guerra da Matemática” um pouco por todo o mundo. Depois de realizar o trabalho hercúleo de analisar os milhares de artigos que constituem a principal literatura científica relati-va ao ensino e à aprendizagem da Matemática do século XX, o painel faz várias recomendações quanto ao que deve ser feito para promover a qualidade do Ensino da Matemática. Destaca-mos aqui alguns deles: introduzir os conteúdos de forma progressiva, estruturada e coerente; indicar claramente os objetivos a atingir pelos alunos em cada ano curricular; não colocar em oposição a memorização e a compreensão, são aspetos que se reforçam mutuamente; treinar procedimentos rotineiros e conhecer factos e re-sultados elementares, por forma a que possam ser facilmente mobilizados quando necessário; promover a compreensão conceptual dos obje-tos matemáticos; colocar ênfase no estudo das frações e da geometria; utilizar a tecnologia de forma cuidadosa e criteriosa; sensibilizar a co-munidade educativa para a estreita relação que existe entre o esforço desenvolvido pelo aluno e o sucesso à disciplina. O painel constata também que a literatura da especialidade parece indicar que não existe uma metodologia de ensino uni-versalmente mais adequada. Observa-se até que um ensino mais diretivo e centrado no professor e menos investigativo é claramente mais eficaz junto dos alunos com maiores dificuldades.

Contrariamente ao Novo Programa de Mate-

mática do Ensino Básico de 2007 e ao Programa do Secundário - Matemática A (cuja primeira versão data de 1997), que, na suas conceções e filosofias são documentos muito marcados pe-las ideias defendidas inicialmente pelo NCTM nos anos oitenta, os novos Programas e Metas Curriculares de 2013 refletem uma postura equilibrada e moderna, em grande consonância com as conclusões acima referidas. Introduzem passo a passo e de forma consistente os diferen-tes conteúdos matemáticos, do simples para o complexo e por forma a que cada novo conceito se venha alicerçar em outros previamente ad-quiridos. Definem objetivos concretos, precisos e avaliáveis para cada ano de escolaridade. Re-forçam consideravelmente o estudo das frações no 1.º ciclo, quer em termos operatórios quer em termos conceptuais, reforçando aquilo que é a sua natureza: são números que podem ser colocados na reta numérica e não fatias de pizza, confusão que resulta da abordagem por vezes dita de “holística”, em que se sobrepõem de for-ma confusa várias definições distintas de fração. Sendo omissos no que diz respeito às metodo-logias de ensino que devem ser utilizadas em sala de aula, estes novos documentos procuram dar grande autonomia ao professor na escolha das técnicas de ensino que melhor ajudarão os seus alunos a atingir os objetivos requeridos. Por outro lado, os novos Programas dão muita atenção às técnicas e procedimentos de reso-lução de problemas rotineiros, sem o domínio das quais, tal como foi explicado, se torna im-praticável abordar problemas não rotineiros: são Programas muito exigentes no que diz respeito à capacidade de resolução de problemas, preco-nizando por exemplo que os alunos no final do 1.º ciclo sejam capazes de resolver problemas de vários passos e de elevada complexidade. Promovem o rigor de raciocínio, a precisão da redação e da comunicação matemática e a con-ceptualização adequada dos objetos matemá-ticos, partindo do concreto e movendo-se, de forma criteriosa, para a abstração. Está bem es-tabelecido (ver por exemplo Kaminski, Sloutsky & Heckler, 2008) que a capacidade para aplicar conhecimentos matemáticos a novas situações é

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profundamente facilitada pela aprendizagem de conhecimentos abstratos.

Uma última palavra sobre o conceito de com-preensão. Tal como é referido nos Programas de 2013, em todo o seu articulado «...está subja-cente a preocupação de potenciar e aprofundar a compreensão, que se entende ser um objetivo central do ensino. Efetivamente, o desenvolvi-mento da compreensão (…) deve ocupar o centro das preocupações das escolas e dos professores, com vista a melhorar a qualidade da aprendiza-gem da Matemática no nosso país». Este termo, “compreensão”, é infelizmente utilizado, mesmo em documentos curriculares oficias, de forma exageradamente coloquial e por vezes muito pouco técnica. Aqui, entende-se que a compre-ensão, objetivo de qualquer aprendizagem, re-sulta do desenvolvimento contínuo e gradual de um conjunto de conhecimentos adquiridos pre-viamente e que incluem regras, procedimentos e conceitos. Compreender significa dispor de uma rede complexa de conhecimentos e capacida-des de natureza diversa que podem ser usados de forma flexível para resolver problemas em diferentes contextos e não de algo difuso a que o aluno recorreria para aprender Matemática (eg. Anderson & Schunn, 2000). A compreensão vai-se concretizando de forma gradual ao longo dos anos, tratando-se de um processo moroso no qual a prática e a manipulação continuada dos diferentes conceitos matemáticos têm um papel fundamental.

Para saber mais

Anderson & Schunn, Implications of the ACT-R learning theory: No magic bullets. In R. Glaser (Ed.), Advances in instructional psychology. Educational design and cognitive science (pp.1-33). Mahwah: Lawrence Erl-baum, 2000.

Roger Balian, Jean-Michel Bismut, Alain Connes, Jean-Pierre Demailly, Laurent Lafforgue, Pierre Lelong & Jean-Pierre Serre, Les savoirs fondamentaux au servi-ce de l’avenir scientifique et technique : comment les réenseigner, Institut Henri Poincaré, 2004.

Bivar A., Grosso C., Oliveira, F., Timóteo, M.C., Progra-ma e Metas Curriculares – Matemática – Ensino Bási-co, Direção Geral de Educação, 2013.

Common Core State Standards for Mathematics, Common Core State Standards Initiative, Preparing America’s students for college & Career, 2011.

Curriculum Focal Points , National Council of Teachers of Mathematics , 2006.

Curriculum and Evaluation Standards for School Ma-thematics , National Council of Teachers of Mathema-tics Commission on Standards for School Mathematics , 1989.

Foundations for sucess: The Final Report of the Natio-nal Mathematics Advisory Panel, U.S. Department of Education, 2008.

Geary, D., Berch, D.B., Ooykin, W., Embretson, S., Rey-na, V. & Siegler, R., Learning mathematics:

Findings from The National (United States) Mathema-tics Advisory Panel, in N. Crato (Org.), Ensino da Ma-temática: Questões e soluções, (pp. 175-221), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2008.

Kaminski, Sloutsky & Heckler, The advantage of abs-tract examples in learning mathematics, Education Forum, 320, 454-455 , 2008.

Ponte, J.P., Serrazina, L., Guimarães, H.M., Breda, A., Guimarães, F., Sousa, H., Menezes, L., Martins, M.E. & Oliveira, P.A., Programa Nacional do Ensino Básico, Ministério da Educação: Direção Geral da Inovação e Desenvolvimento Curricular, 2007.

Rugg, H.O. & Shumaker A., The Child-centered School: An Appraisal of the New Education, World Book Com-pany, 1928.

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EDUCAÇÃO

Exames e Diferenciação Uma encruzilhada para os professores de Matemática

Cristina Loureiro Escola Superior de Educação de Lisboa

Elejo estes dois temas para discussão porque a meu ver eles estão na ordem do dia para os professores. Muitas vezes são encarados como um dilema para o qual a resposta ao primeiro, os exames, não permite responder ao outro, a diferenciação pedagógica. Prefiro pensar neles como uma encruzilhada para a qual o professor pode encontrar respostas conciliadoras.

Os exames de Matemática no 4.º e 6.º anos constituem neste momento uma pressão enor-me para os professores. Perante as exigências de mostrar resultados, muitos professores passam a encarar o trabalho em Matemática como pre-paração para os exames, levando os seus alunos a fazer fichas atrás de fichas, com caráter muitas vezes repetitivo de resolução de questões análo-gas às que saem nas provas de exame. Aprender matemática não é nem pode reduzir-se a isto. A Matemática não faz parte do currículo para preparar alunos para responder a questões de provas de exame. Porém, ao mesmo tempo que os professores sofrem a pressão dos exames, a diversidade de alunos na sala de aula, bem como a heterogeneidade dos alunos em cada turma, exigem cada vez mais que o professor ponha em prática processos de diferenciação pedagógica que permitam trabalhar com todos os alunos, valorizando os processos de cada um.

Exige-se assim ao professor um conhecimento cada vez maior dos instrumentos e recursos di-dáticos, para que as aprendizagens proporciona-das aos alunos, embora diferentes, concorram para o avanço e sucesso de todos, permitindo que os melhores tenham níveis mais elevados e os mais fracos também sejam bem sucedidos. Será isto possível em turmas tão grandes e com tantas diferenças?

Tenho que acreditar que sim, embora continu-ando a lutar para que os exames sejam abolidos. Enquanto as políticas educativas continuarem a valorizar apenas determinadas aprendizagens, sobrepondo aos processos educativos de de-senvolvimento procedimentos elitistas e de ex-clusão, as soluções têm que passar por resistir procurando armas para continuar a trabalhar a inclusão e a valorizar o papel da escola, e neste caso da Matemática, no desenvolvimento de to-das as crianças.

Voltando à nossa encruzilhada, vou discuti-la a partir de uma pergunta da prova de exame do 4.º ano em 2014. Nesta prova, uma das questões de geometria pedia aos alunos que completas-sem duas afirmações a partir de três figuras (Fig. 1). As afirmações pediam a identificação de duas figuras que não são triângulos escalenos, B e C, com a respetiva justificação.

Figura 1 — Polígonos da questão 22 da prova de Mate-mática do 4.º ano

Esta questão está formulada de maneira pouco habitual por ser feita pela negativa e por exigir a justificação da escolha. Além disso, uma das figuras a escolher não é um triângulo e os triân-gulos é que estão em posições não habituais. O desafio que se coloca é como preparar os alunos para pensarem em geometria sem ser através da simples atribuição de nomes a figuras. Uma boa sugestão é realizar tarefas abertas como a que vou propor e discutir.

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Esta tarefa tem algumas caraterísticas que apon-tam para a diferenciação pedagógica. Todos os alunos podem participar e a abertura da tarefa permite que cada aluno represente várias figuras diferentes de acordo com as suas capacidades. A pintura do interior dos triângulos é um contri-buto importante para a visualização da figura, que se destaca relativamente à rede ponteada. O estímulo está na multiplicidade de triângulos que se conseguem desenhar facilmente neste papel, entre os quais o equilátero e o isósceles. Os alunos mais avançados irão desenhar mais triângulos e em posições menos comuns. A pre-ocupação não é o certo ou errado, mas sim a dis-cussão sobre a multiplicidade de figuras obtidas.

A discussão coletiva vai permitir que os alunos mais avançados participem de modo mais ela-borado, mas todos poderão participar. É nesta discussão coletiva que se trabalham os aspetos geométricos críticos que estão em jogo na classi-ficação de triângulos: a congruência ou igualda-de geométrica; a construção da ideia de classe a partir de muitos exemplos; o reconhecimento de exemplos de uma classe e de contraexemplos, com as respetivas justificações; a construção de definições económicas e inclusivas; a classifica-ção inclusiva de triângulos. A tarefa permite dis-cussões coletivas diferentes conforme a turma e o ano de escolaridade, por isso apontam-se al-gumas sugestões para a discussão coletiva.

Desenhar, comparar e classificar triângulosTarefa

Desenha triângulos diferentes no papel ponteado.Não deves desenhar triângulos repetidos. Se um triângulo for igual a outro mas estiver noutra posição considera-se repetido.Pinta o interior de cada triângulo.

RecursosFolha de papel isométrico ponteado para os alunos desenharem (em dois ta-manhos)Folha com vários triângulos desenhados pelo professor.Folha com várias figuras que são contraexemplos de triângulos desenhados pelo professor.

Objetivos da tarefaProporcionar aos alunos a análise e comparação de vários tipos de triângulos, em posições não habituais.Realizar a classificação inclusiva de triângulos quanto aos lados. Na classificação inclusiva o triângulo equilátero é um triângulo isósceles especial.

Desenhar, comparar e classificar triângulos

Sugestões para a discussão coletiva1. O professor apresenta a sua folha com triângulos desenhados por si e os alunos têm

que descobrir se o seu está lá ou não. Depois desta fase da discussão o professor pede aos alunos que desenhem uma figura que não seja triângulo. De seguida o professor apresenta a sua folha com contraexemplos diferentes. Desenvolve-se as-

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Desta forma os alunos verão o mundo dos triân-gulos com uma grande multiplicidade de exem-plos em várias posições, construindo a ideia de que as figuras se organizam em classes e que trabalhamos sempre com representantes das classes. É habitual dar o nome de protótipo a um representante da classe que facilmente permite identificar as propriedades dos elementos dessa classe. A maior parte das vezes os alunos apenas contactam com um protótipo desenhado numa posição prototípica comum (fig. 2), associando deste modo apenas um nome a um determina-do desenho e não tendo a mínima ideia de que há muito tipos de figuras na mesma classe. Se repararmos na figura da prova (fig. 1), os triân-gulos não estão em posições prototípicas e o quadrilátero, embora não sendo triângulo, está numa posição que o pode fazer parecer um tri-ângulo escaleno.

Figura 2 — Triângulos em posições prototípicas co-muns

É importante destacar aqui o recurso a um papel com elementos orientadores, neste caso o papel ponteado isométrico. Neste papel os triângulos surgem naturalmente, muitos deles com lados iguais que são imediatamente identificados (Fig. 3). O papel quadriculado não permite desenhar triângulos equiláteros cujos vértices sejam os pontos fundamentais da rede. No entanto o pa-pel isométrico permite representar triângulos retângulos (Fig. 4). Neste caso, o ângulo reto pode ser facilmente identificado com recurso ao detetor de ângulos retos e que não é mais do que um canto de uma folha de papel A4. O recurso a papéis com elementos orientadores é indispensável para trabalhar a geometria das figuras planas sem o peso de instrumentos de medida.

Figura 3 — Triângulos representados em papel ponte-ado isométrico

sim a argumentação, sobre figuras construídas pelos alunos e pelo professor, entre ser um triângulo ou não ser um triângulo.

2. Os alunos passam um dos seus triângulos para uma folha com ponteado maior e é feita uma exposição com os seus exemplares. A partir da exposição faz-se uma discussão com o objetivo de classificar os triângulos em duas classes: triângulos com lados iguais e tri-ângulos sem lados iguais. Depois de feita esta classificação pode analisar-se o conjunto dos que têm lados iguais e identificar que há alguns com os 3 lados iguais. Estes, os triân-gulos equiláteros, são triângulos isósceles especiais. Depois de feita uma organização em classes é sempre importante desenhar mais elementos para as classes obtidas.

3. A partir dos triângulos construídos pelos alunos, o professor pode dinamizar outras dis-cussões, como por exemplo, classificar os triângulos em duas outras classes: o conjunto dos que têm um ângulo reto e o conjunto dos que não têm. Entre os que não têm ângulo reto pode ainda identificar a existência ou não de um ângulo obtuso. Neste caso subdi-vidindo esta classe em duas outras classes. É interessante registar que na discussão do ponto anterior a classe dos triângulos isósceles deve ser inclusiva, nesta discussão, a classe dos que não são triângulos retângulos divide-se em duas classes separadas, a dos triângulos acutângulos e a dos triângulos obtusângulos.

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Figura 4 — Triângulos retângulos representados em papel ponteado isométrico

A discussão das potencialidades didáticas desta tarefa é um exemplo que permite ilustrar como pode não haver um dilema entre exames e di-ferenciação pedagógica. É importante notar que esse potencial advém da sua natureza aberta e exploratória. As tarefas com este tipo de cara-terísticas são muito favoráveis à prática da dife-renciação pedagógica.Defendo assim que trabalhemos com os alu-nos no sentido de desenvolver o seu raciocí-

nio matemático partindo sempre do que eles sabem fazer, criando situações estimulantes e desafiantes que permitem dar saltos qualitati-vos, formalizando os conhecimentos informais, construindo novos conhecimentos e levando-os a apropriarem-se de novas ferramentas de ra-ciocínio. Só assim estaremos a preparar os alu-nos para pensarem matematicamente e usarem as ferramentas do raciocínio matemático para pensar melhor e não apenas para responder a questões de provas de exame. Este é um cami-nho que se pode escolher na encruzilhada dos exames com a diferenciação pedagógica. Não é um caminho fácil, pois exige dos professores mais conhecimentos didáticos e mais formação realizada em trabalho colaborativo. Porém, é um caminho que valoriza o nosso papel de pro-fessores.

Composição de Rita ChasqueiraCurso Profissional de Design - Escola Secundária de Cacilhas-Tejo

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Maria de Lurdes Serrazina Escola Superior de Educação de Lisboa

[email protected]

A diferentes alunos foi proposto o seguinte problema: “João tinha 5 berlindes e ganhou 6 berlindes. Com quantos berlindes ficou?”.

Alguns alunos resolveram-no da seguinte forma:

EDUCAÇÃO

Aprendizagem da Matemática com CompreensãoQue desafios?

João está no 1.º ano de escolaridade. Depressa compreendeu que tinha de juntar o 5 com o 6, isto é calcular 5+6. João: É cinco mais seis...Pegou nos cubos que tinha à sua disposição, contou cinco e colocou-os à parte, depois contou 6 e fez outro “montinho”.

Olhou para os dois grupos que acabou de de fazer. Voltou a contar todos desde o início, começando no 1 e respondeu: João: são 11.

Ana, aluna da mesma turma, fez o seguinte:Ana: Tenho de saber 5+6, posso fazer 6+5. Posso fazer com os dedos?Prof.ª: Podes.Ana: Então é: 6, 7, 8, 9 ,10, 11[usando os dedos para contar 5]. Ficou com 11

Maria também do 1.º ano, perante a mesma situação, reagiu assim:Maria: 5+6, posso fazer 5+5 são 10, 6 é 1 mais que 5, logo 5+6 são, é 1 a mais que 10, logo 11. Ficou com 11.

David, está a iniciar o 2.º ano, perante a mesma situação, responde imediatamente: 5+6 são 11. Já sei de cor, decorei.

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Estes quatro alunos encontram-se em fases diferentes na sua aprendizagem do número. João e Ana, embora se encontrem em níveis diferentes de desenvolvimento, usam ambos a contagem para chegar à resposta. Utilizam estratégias de contagem1, isto é, utilizam objetos contáveis (ou dedos) ou a contagem verbal para obter o resultado. Ana já percebeu que pode começar a contar a partir do número maior e que contando o correspondente ao outro número, obtem o resultado, enquanto que João necessita de voltar a contar todos. Já Maria utiliza estratégias de raciocínio1, ou seja, utiliza factos conhecidos e relações, que entretanto já compreendeu, para logicamente deduzir a resposta de um facto desconhecido. Quanto a David já se encontra numa fase de mestria1, isto é, obtem uma resposta eficiente (rápida e correta) a partir da memória.

O objetivo é que todos alcancem a mestria, isto é, memorizem estes e outros factos básicos para poderem usá-los prontamente em situações de cálculo, mas como chegar a essa mestria? Tradicionalmente o papel atribuído às duas primeiras fases (estratégias de contagem e estratégias de raciocínio) era pouco relevante. Ainda hoje, as opiniões divergem, dependendo da perspetiva que se tem sobre a aprendizagem. Aqueles que acreditam que os alunos vão construindo o seu conhecimento partindo daquilo que já sabem e em interação com as situações com que se vão defrontando, consideram que as três fases correspondem a uma progressão na aprendizagem do número tendo cada uma um papel essencial nesse caminho. As duas primeiras são fundamentais para chegar à mestria, pois deste modo os alunos vão memorizando os procedimentos de forma compreensiva e à custa da sua repetição em diferentes situações acabam por retê-los na memória.

Pelo contrário, os que têm uma visão tradicional do ensino da matemática desvalorizam as duas primeiras fases pois consideram a aprendizagem uma memorização de factos isolados, através da prática repetida e do reforço. Para estes últimos o que interessa é memorizar, como se se tratasse

de uma frase, os vários factos básicos, neste caso “5+6 são 11”, independentemente de outros factos básicos que já conheçam. Consideram ainda, que todos os factos básicos devem ser memorizados do mesmo modo, isoladamente, não os relacionando com os que já foram memorizados anteriormente. É a perspetiva que primeiro pratica-se e a compreensão virá, eventualmente, depois.

Numa aprendizagem com compreensão, os alunos aprendem novos factos, estabelecendo relações com aqueles que já sabem e a sua memorização acontece através do seu uso em diferentes situações. No caso das relações numéricas, os alunos aprendem os factos básicos de um sistema de informação interrelacionada, não como factos isolados e desligados, pois o conhecimento aritmético, incluindo o conhecimento dos factos básicos é um sistema coeso de idéias compreensíveis, princípios e processos. Nesta perspetiva, as duas primeiras fases são essenciais para construir esta teia de conhecimento e necessárias para conseguir domínio e fluência.

À medida que na 1ª fase se vão construindo estratégias de contagem relativamente eficientes, são criadas condições para que se construam uma multiplicidade de padrões e relações necessários para avançar para a 2.ª fase. Por exemplo, se na 1.ª fase se constrói a ideia de dobro (por exemplo, se chegou a 7+7=14) esse conhecimento pode ser usada para construir a ideia de dobro +1 ou -1 (e concluir, por exemplo que 7+8=7+7+1). Estas e outras estratégias de raciocínio através da prática tornam-se semi-automáticas ou automáticas e uma base para a mestria com fluência. Assim, o processo de mestria é gradual e envolve mudanças quantitativas e qualitativas.

Já no final do século XIX o filósofo William James afirmava numa palestra que fez a professores: “a arte de relembrar é a arte de pensar … quando queremos fixar uma coisa nova na nossa mente ou na de um aluno, o nosso esforço consciente não deve ser tanto inculcá-la e retê-la, mas conectá-la com algo que já lá está. A conexão é

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o pensar, e, se claramente prestamos atenção à conexão, a coisa conectada permanecerá provavelmente na memória”2.

A aprendizagem com compreensão é essencial pois os nossos alunos devem desenvolver não apenas a fluência de cálculo mas também a proficiência matemática3. Esta é composta por cinco vertentes interligadas e interdependentes relativas a:

- Compreensão conceptual — compreensão dos conceitos matemáticos, operações e relações;

- Fluência procedimental — capacidade de fazer procedimentos de modo flexível, correto, eficiente e adequado;

- Competência estratégica — capacidade para formular e representar e resolver problemas matemáticos;

- Raciocínio adaptativo — capacidade para pensamento lógico, reflexão, explicação e justificação;

- Disposição positiva perante a Matemática — disposição para ver a matemática como razoável, útil e válida e uma tendência para acreditar no seu próprio trabalho e eficácia.

Estes cinco aspetos devem ser trabalhados desde o início, partindo do conhecimento informal que os alunos têm, devendo o seu desenvolvimento integrado e equilibrado orientar o ensino e a aprendizagem da matemática escolar.

Ao iniciarem formalmente a escolaridade (no início do 1.º ciclo do ensino básico) os alunos já desenvolveram, desde a infância e ao longo da educação pré-escolar, um conjunto de destrezas, conceitos e conceções sobre a Matemática. Fora da escola encontram inúmeras situações quantitativas que lhes permitem desenvolver aspetos relativos ao número, mas também à visualização, à organização do espaço e à medida. Por exemplo, o número de colegas que participam na sua festa de anos, o número de andares do prédio onde moram, a concretização dos ingredientes para a receita do seu bolo

preferido, a divisão do seu bolo de aniversário por todos os presentes e de modo a que cada um receba a mesma quantidade, as construções que conseguem fazer com o material de encaixe, os puzzles que já conseguem fazer, o trajeto para chegar à escola, etc.

Durante o jardim de infância vão desenvolvendo o processo de contagem, utilizando-o na resolução de problemas simples de adicionar, subtrair, multiplicar ou dividir. Também observam e manipulam diferentes objetos, que lhes permitem ir reconhecendo diferentes formas geométricas, iniciar atividades de classificação informais, desenvolver capacidades de visualização e de orientação espacial. São ainda capazes de identificar o local onde se encontra um dado objeto e de descrever informalmente caminhos para ir de um local a outro. Simultaneamente vão adquirindo e desenvolvendo vocabulário próprio e específico para cada um dos casos.

Como referido, é a partir do conhecimento informal que o aluno tem, quando inicia o 1.º ciclo do ensino básico, que deve ser dada continuidade à aprendizagem da matemática, caminhando no sentido de uma progressiva formalização. Por exemplo, é hoje uma ideia consensual que, para que os alunos caminhem no sentido de um progressivo desenvolvimento do sentido do número, é fundamental que este não seja algo que é imposto aos alunos, mas que os professores:

1. ajudem os alunos a construir ideias-chave, como composição e decomposição de um número, a dezena como uma unidade do sistema de numeração e a representação dos números em dezenas e unidades;

2. conduzam um ensino que promova a memorização com significado de factos básicos, encorajando as crianças a estabelecer padrões e relações, utilizando estas descobertas para construir estratégias de raciocínio e partilhar, justificar e discutir essas estratégias;

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3. elaborem tarefas especialmente desenhadas para a aprendizagem e a prática de factos básicos;

4. considerem a prática importante, mas que deve ser usada com sensatez, nomeadamente para descobrir padrões e relações e construir estratégias de raciocínio mais automáticas;

5. considerem a proficiência definida de forma ampla incluindo qualquer estratégia eficiente e encorajem os alunos a usar flexivelmente uma variedade de estratégias.

Conhecimento aprendido com compreensão fornece as bases para gerar novos conhecimentos e para resolver problemas novos e não familiares. Quando os alunos adquirem compreensão conceptual num dado domínio, veem as conexões entre conceitos e procedimentos e conseguem argumentar porquê alguns factos são consequência de outros. Ganham confiança, o que lhes dá uma base para se movimentarem para outro nível de compreensão.

Compreensão concetual ajuda os alunos a evitar muito erros de cálculo na resolução de problemas, nomeadamente, erros que têm a ver com a ordem de grandeza do resultado. Por exemplo se têm de multiplicar 7,05 por 9,5 e obtêm 669,75, concluem de imediato que não pode estar certo, pois sabem que 8 x 10 são 80 e os números que se estão a multiplicar são menores que 8 e que 10, respetivamente.

Quando os procedimentos são aprendidos sem compreensão, são aprendidos como pedaços isolados de conhecimento. Aprender novos tópicos torna-se mais difícil pois não há uma rede de conceitos previamente adquiridos e destrezas para ligar a um novo tópico. Esta prática conduz a uma compartimentalização dos procedimentos e que os alunos acreditem que os procedimentos nada têm a ver uns com os outros.

Os alunos que aprendem procedimentos sem os compreender, não conseguem fazer mais do que aplicá-los, enquanto que os alunos que aprendem procedimentos com compreensão, podem modificar ou adaptar procedimentos para os tornar mais fáceis. Por exemplo um aluno com uma compreensão limitada da adição faria apenas o algoritmo da adição com transporte para calcular 598+747. Um aluno que compreende matemática perante a necessidade de adicionar 598 a 747 não necessita obrigatoriamente do algoritmo, pois compreende que 598 são menos dois que 600 e 747 são menos 3 que 750, logo basta calcular 600+750 que dá 1350 e retirar 5, 1345; ou 600+747=1347 e retirar 2.

O objetivo do professor é que os alunos aprendam. Para que os professores tenham sucesso devem também ter em conta que os alunos não pensam todos da mesma forma e perante a mesma tarefa podem usar estratégias diferentes e trabalhar de diferentes modos. Esta situação implica que o professor não pode ensinar à turma inteira do mesmo modo e no mesmo ritmo. Ao fazer isso, corre o risco de deixar alguns para trás por falta de interesse ou porque já estão mais avançados ou porque ainda não estão naquele nível. O professor tem pois uma tarefa difícil e um grande desafio, dado que a eficácia do ensino e da aprendizagem da matemática é uma função do conhecimento do professor, do conteúdo a ensinar, da atenção do professor para o trabalho dos alunos e do envolvimento dos alunos nas tarefas.

1 Baroody, A. J. & Rosu, L. (2004). Adaptive Expertise with Basic Addition and Subtraction Combinations—The Number Sense View. Paper presented at the annual meeting of the American Educational Research Association, San Francisco, CA.

2 Ver James, W., (1958). Talks to teachers on psychology and to students on some of life’s ideals. NY, W. W. Norton & Company, pp. 101-102.

3 Ver Kilpatrick, J., Swafford, J & Findell, B. (2001). Adding it up: Helping children learn mathematics. Washington, DC: National Academic Press.

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Maria Paula Pereira RodriguesUnidade de Investigação do Instituto de Educação,

Universidade de Lisboa, [email protected] t

Maria de Lurdes SerrazinaEscola Superior de Educação de Lisboa, Unidade de

Investigação do Instituto de Educação,Universidade de Lisboa,

[email protected]

Resumo

Neste estudo exploratório, baseado em Clements, Swaminathan, Hannibal e Sarama (1999), pretendeu-se identificar quais os conhecimentos que três alunos do 1º ano de escolaridade, com idades compreendidas entre os seis e sete anos de idade, manifestam na identificação de círculos, quadrados, triângulos e retângulos.

Foram realizadas três entrevistas individuais audiogravadas, onde foram colocados à disposição dos alunos quatro conjuntos de figuras distintos em que, no primeiro, teriam de identificar os círculos; no segundo, os quadrados; no terceiro, os triângulos e, no último, os retângulos.

Foram feitas as transcrições dos diálogos entre a investigadora e as crianças, analisados os aspetos subjacentes às suas escolhas, na tentativa de identificar o tipo de conhecimento que os três alunos manifestaram sobre propriedades e características das figuras reconhecidas.

Como conclusões sobressai o facto de os alunos articularem protótipos visuais com atributos conhecidos para reconhecer as formas apresentadas; utilizarem uma classificação do tipo partitivo; identificarem por ordem de dificuldade, o círculo; o quadrado; o retângulo e o triângulo; a dificuldade em identificar algumas formas particulares devido à

existência de propriedades topológicas que não deixam reconhecer propriedades específicas e, por último, o facto de um maior tempo de permanência na escola não influenciar um tipo de classificação baseado em propriedades, atributos e características das formas.

Palavras-chave: Visualização; Identificação de figuras no plano; pensamento intuitivo.

Introdução

Este artigo corresponde a um estudo exploratório efetuado para preparar o terreno para a recolha de dados de uma investigação no âmbito do Doutoramento em Didática da Matemática, intitulada Classificação de figuras: uma experiência de ensino nos primeiros anos de escolaridade.

Esta investigação tem como objetivos identificar as noções intuitivas que alunos dos primeiros anos de escolaridade possuem sobre figuras no plano; o conhecimento que utilizam para classificar essas figuras, identificando propriedades das mesmas, e compreender como é possível levar os alunos a fazer classificações de figuras no plano.

O estudo exploratório que aqui se apresenta, baseia-se numa investigação de Clements, Swaminathan, Hannibal e Sarama (1999), intitulada Young Children’s Concepts of Shape, pretendeu apenas identificar quais os conhecimentos que três alunos do 1º ano de escolaridade, com idades compreendidas entre os seis e sete anos de idade, manifestam na identificação de círculos, quadrados, triângulos e retângulos.

1. Ideias teóricas subjacentes à elaboração do estudo

Quando é apresentado um conjunto de figuras

EDUCAÇÃO

Identificação de Figuras no Plano por alunos do 1º ano de escolaridade

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com o intuito de identificar as formas que o constituem, de acordo com Clements et al. (1999), é possível que os alunos revelem conhecimentos que se relacionam com um pensamento de caráter intuitivo, baseado em protótipos visuais, sem considerar atributos ou propriedades das mesmas. Este conhecimento relaciona-se com as experiências anteriores e promove diferentes níveis de desenvolvimento, segundo Burger e Shaughnessy (1986) e Fuys, Geddes e Tischler (1988).

Ainda, de acordo com os autores referidos anteriormente, alguns alunos poderão apoiar o seu conhecimento no reconhecimento de propriedades de uma figura ou conjunto de figuras e, outros, articularão protótipos visuais com propriedades conhecidas, para reconhecer as formas apresentadas.

Tendo presente a conceção de Fisher (1965), as propriedades topológicas, estruturas que permitem a concretização mental de uma forma, como por exemplo a configuração ou aparência, podem não deixar alguns alunos chegar à identificação de uma determinada figura, dado não serem capazes de considerar propriedades específicas da mesma.

Segundo Clements e Sarama (2007), os alunos tenderão para um tipo de classificação partitiva, onde os vários subconjuntos de conceitos são disjuntos uns dos outros, ao contrário de uma classificação hierárquica, onde os conceitos mais particulares formam subconjuntos dos mais gerais (de Villiers, 1994). Num processo de classificação partitiva, os alunos poderão identificar o nome das figuras apresentadas sem nunca lhes ter sido dada a possibilidade de refletir sobre o seu nome, atributos ou propriedades e apenas uma pequena minoria será capaz de apresentar contraexemplos.

Perante conjuntos de figuras distintos, onde o objetivo é identificar círculos; quadrados; triângulos e retângulos, segundo Clements et al. (1999) e Sandhofer e Smith (1999), as figuras mais fáceis de identificar serão, por ordem de

dificuldade, o círculo, o quadrado, o retângulo e o triângulo.

2. Metodologia

2.1. Opções metodológicas

Este estudo baseia-se em três entrevistas individuais, realizadas no final do ano letivo 2012 - 2013, pela primeira autora do artigo, onde foi pedido a cada um dos participantes que, em conjuntos de figuras distintos, todos formados por figuras manipuláveis, identificassem, justificando as suas opções: círculos; quadrados, triângulos e retângulos.

A cada um dos alunos foi sempre pedido, inicialmente, que identificasse círculos, quadrados, triângulos e retângulos. As restantes questões colocadas a cada um, embora próximas, resultaram das formas escolhidas por cada uma das crianças, e serão apenas parcialmente apresentadas nesta comunicação.

As entrevistas foram realizadas fora da sala de aula e tiveram, aproximadamente, a duração de 45 minutos cada uma. Em todas elas foram utilizadas as figuras apresentadas no estudo Young Children’s Concepts of Shape, (Clements et al., 1999), contudo, este material não foi apresentado desenhado em papel, como no estudo original, e as crianças puderem sempre, como referido anteriormente, manipular as figuras.

Após as entrevistas, foi analisado o conteúdo das respostas dos alunos e, de acordo com as ideias sugeridas pelos autores consultados, foi feita uma análise qualitativa dos dados para tentar identificar os conhecimentos que os três alunos entrevistados, revelavam sobre as formas apresentadas.

2.2. Participantes

As crianças participantes neste estudo frequentavam, no ano letivo 2012 - 2013, uma turma de 1º ano de escolaridade, numa escola pública, situada no concelho de Oeiras e tinham entre seis e sete anos de idade, todos alunos da primeira autora.

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As entrevistas foram realizadas a duas raparigas e um rapaz e, por uma questão ética, os seus nomes serão preservados, utilizando para os identificar nomes fictícios.

A seleção das três crianças teve em conta o seu desenvolvimento global e o seu aproveitamento escolar, ao longo do ano letivo. Assim, foi escolhida uma aluna com aproveitamento bom, outra com aproveitamento suficiente e um terceiro com aproveitamento fraco, no sentido de perceber até que ponto os conhecimentos intuitivos ou relacionados com as vivências das crianças podem ou não influenciar a identificação de figuras no plano.

2.3. Caracterização dos alunos participantes no estudo

A Bia, com 6 anos e 11 meses, frequentou o jardim-de-infância durante três anos e é uma aluna com um bom aproveitamento escolar. Revelou, ao longo de todo o ano letivo, muita perspicácia, atenção e interesse pelas tarefas propostas. Para além disso, é uma criança que revela estímulo familiar e que apresenta algumas vivências.

O Fran, com 7 anos e 6 meses, é uma criança com muitas dificuldades de concentração e emocionalmente muito instável. Frequentou o jardim-de-infância durante quatro anos

e é um ano mais velho que todos os colegas de turma, dado, por opção parental, ter ficado mais um ano no jardim-de-infância.

O seu aproveitamento escolar é fraco e, no início do ano letivo, revelou dificuldades de adaptação à nova escola e regras da mesma.

A Rana, com 6 anos e 4 meses, frequentou o jardim-de-infância apenas um ano, entre os 5 e os 6 anos de idade, é uma aluna com um aproveitamento suficiente, de origem cigana, e que revela muito poucas vivências.

Manifestou sempre grande interesse pelas tarefas escolares e vontade de aprender.

3. Identificação de figuras 3.1. Identificação de círculos

Esta tarefa foi apresentada com o objetivo de perceber se as três crianças entrevistadas reconheciam círculos e identificar quais os conhecimentos que revelavam ter sobre esta forma e o tipo de justificações que apresentavam para provar as suas escolhas.

Figura 1 – Conjunto de figuras para identificação de círculos B1 (Razel & Eylon, 1991)

Bia

Durante o processo de identificação dos círculos, Bia recorreu com frequência à comparação de círculos e não círculos para justificar as suas opções e associou sempre a ideia de redondo à ideia de círculo.

Paula: Por que achas que estas figuras são círculos? (figuras 2; 3; 5; 7; 9; 12; 13; 14 e 15)

Bia: Porque são redondos.

Paula: E esta figura, por que não a escolheste? (figura identificada com o número 8)

Bia: Porque não é redonda. Queres ver?

Vai buscar a figura identificada com o número 9 e por comparação, contornando a fronteira de ambas as figuras, responde:

Bia: Vês este (figura identificada com o número 11) não é da mesma forma que este. (figura identificada com o número 9)

Bia parece apresentar as suas escolhas baseando-se num protótipo visual de círculo que não lhe permite identificar outras características

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ou atributos da mesma figura. No entanto, foi capaz de excluir das suas escolhas todos os não círculos.

Fran

O aluno selecionou como círculos as figuras 3; 5; 7; 9; 12; 14 e 15 mas não selecionou a figura com o número 13 e, embora relacione o círculo com o conceito de redondo, a sua perceção desta forma não parece ainda muito definida. Subjacente às suas escolhas parecem estar propriedades topológicas da forma redonda que aparentam não o deixar chegar ao reconhecimento de atributos ou propriedades específicos dos círculos.

Paula: E a figura com o número 6, o que me dizes?

Fran: Esta não, porque não está redonda.

Paula: Será da família da figura com o número 11?

Fran: Sim, porque não tá todo redondo. (passando o dedo na fronteira)

Paula: Explica melhor.

Fran: É redonda mas não é toda redonda como as outras que eu escolhi.

Na última resposta apresentada, o aluno percebe que a figura 6, embora seja formada por uma linha curva, não completa uma volta e, de acordo com o seu protótipo de círculo, ela não corresponde a um círculo. No entanto, ao afirmar que a mesma pode pertencer à família da figura 11, elipse, revela não identificar atributos ou propriedades que o ajudem a selecionar figuras não poligonais formadas apenas por linhas curvas.

Rana

Rana identificou como círculos as figuras com os números 2; 3; 5; 7; 9; 13; 12; 14 e 15. Ao analisar as figuras escolhidas, parece haver em Rana um protótipo visual bem definido de redondo. A aluna utiliza não só o gesto, como a comparação com objetos das suas vivências, a bola, para justificar a forma que está a identificar.

Paula: A figura com o número 11 também é redonda?

Rana: Não é assim tão redonda, é assim… (com os dedos, faz o gesto de alongamento da elipse).

Paula: E a figura com o número 6?

Rana: Esta não é porque tem dois biquinhos.

Paula: E a figura com o número 10, será um círculo?

Rana: Não porque não é uma bola e tem aqui uma coisa (apontando para a concavidade).

Paula: E a figura com o 8, pode ser um círculo?

Rana: Esta não, a bola tinha de ser assim (faz o gesto de redondo com as mãos) e esta tem umas coisas.

Ao longo deste diálogo, a aluna manifesta ter presente um forte protótipo da forma circular, associado à forma de uma bola. Assim, justifica o facto de as figuras 8 e 10, pelo facto de conterem concavidades e não ―parecerem‖ uma bola, não poderem ser identificadas como círculos.

3.2. Identificação de quadrados

Esta tarefa foi apresentada com o objetivo de perceber se as três crianças entrevistadas reconheciam a forma quadrada e identificar quais os conhecimentos que revelavam ter sobre o quadrado e o tipo de justificações que apresentavam para justificar as suas escolhas.

Figura 2 – Conjunto de figuras para identificação de quadrados B2 (Razel & Eylon, 1991)

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Bia

A aluna escolheu como quadrados as figuras 1; 4; 8; 9; 10; 11 e 13 e pareceu associar o quadrado a uma figura com dois lados horizontais e dois lados verticais, aparentemente desprezando os quatro vértices que o constituem.

Paula: Sim, é! Mas olha, por exemplo, esta figura (figura 5) será um quadrado?

Bia: Não escolhi esse porque não é um quadrado. Olha (vai buscar a figura identificada com o número 4 e por comparação refere), se eu rodar assim (efetuando uma rotação de 45°) fica como este (figura identificada pelo número 4) e assim já podia ser um quadrado. Só é quadrado se for assim.

A posição das figuras aparece como fator relevante para a identificação de quadrados, podendo supor-se que o contacto da aluna com a forma quadrada terá sido, na maioria das vezes, subjacente uma invariância de posição. No entanto, identificou como quadrados as figuras 11 e 13 que estão na mesma posição que o quadrado identificado com a figura 5.

Bia: Este (figura identificada com o número 3) não é um quadrado porque os lados são diferentes.

Paula: Porque não escolheste a figura 2?

Bia: Porque este (agarrando na figura) é um retângulo… é mais grande… mais comprido (fazendo o gesto de esticar para os lados).

O outro (figura identificada com o número 4) é mais… apertado… mais estreito.

A distinção entre retângulo e quadrado é feita a partir da ideia do primeiro apresentar dois lados mais compridos. A aluna distingue retângulo de quadrado, numa perspetiva partitiva e não integradora, por ainda não ser capaz de identificar a propriedade comum a ambas as figuras, os quatro ângulos retos.

Fran

O aluno parece não dispor de um protótipo

visual relativo à forma quadrada, pois, quando lhe foi pedido que identificasse os quadrados, selecionou as figuras com os números 1; 2; 3; 4; 5; 6; 8; 9, 10; e 11. Esta seleção aparece associada à ideia do atributo quatro vértices e a uma ideia mais global, de mancha topológica, que apenas disponibiliza a ideia da forma como figura fechada.

Paula: Olhaste durante muito tempo para a figura com o número 3. Queres dizer-me porquê?

Fran: Porque parece um triângulo.

Paula: Por que te parece um triângulo?

Fran: Porque tá assim, assim e depois assim (passando com o dedo na fronteira e fazendo referência aos vértices.

Paula: Mas então por que achaste, no final, que era um quadrado?

Fran: Porque tá como a 6 e a 9 aqui nas pontas (fazendo referência aos quatro vértices).

O atributo quatro vértices parece ser determinante na escolha da forma quadrada, contudo a indecisão na escolha, associada à posição da figura, parece revelar que a posição ainda é um fator que cria insegurança na determinação das formas.

Rana

A Rana, ao identificar como quadrados as figuras 1; 4; 5; 8; 9; 10; 11 e 13, revela possuir uma forte imagem mental da forma quadrada, associada ao atributo quatro vértices. Para além disso, inconscientemente, também revela possuir um conhecimento intuitivo da igualdade dos lados no quadrado.

Rana: Estes, figuras identificadas anteriormente, são todos quadrados porque têm quatro biquinhos.

Este tem quatro biquinhos mas é diferente (figura com o número 6).

Paula: Por que dizes que é diferente? […]

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Paula: E a figura com o número 2?

Rana: Se fosse mais assim, já era (colocando a mão a meio para encurtar os lados mais compridos). Mas como é mais esticado, já não é.

Na escolha dos quadrados, para além do reconhecimento do atributo 4 vértices, parece ter sido muito importante a igual medida dos lados, pois as figuras 2 e 6 são colocadas de parte pelo facto do comprimento dos lados não ser igual.

3.3. Identificação de triângulos

Esta tarefa foi apresentada com o objetivo de perceber se os alunos entrevistados identificavam a forma triangular e conhecer quais os saberes que revelavam sobre esta forma, nas vertentes triângulo equilátero; isósceles e escaleno, e o tipo de razões que apresentavam para justificar as suas escolhas.

Figura 3 – Conjunto de figuras para identificação de triângulos B3 (Burger & Shaughnessy, 1986; Clements & Battista, 1992a)

Bia

A escolha de triângulos, para além de ter criado maior hesitação, levou a aluna à verbalização de atributos como o número de lados que constituem um triângulo. Contudo, o protótipo visual construído para esta forma parece exercer uma maior influência, quando a aluna tem de decidir incluir ou não incluir a figura identificada com o número 13, no conjunto dos triângulos.

Paula: Por que escolheste esta figura? (identificada com número 13)

A aluna, agarrando na figura e contornando os lados da mesma com os dedos, responde:

Bia: Porque tem três lados mas… espera este aqui não está completo!! Então, só tem dois lados e meio e, por isso, não deve ser um triângulo.

Professora… é um triângulo?

Paula: Gostaria que fosses tu a decidir, Bia.

Bia: Está bem. Ele parece um triângulo mas só tem dois lados e meio… mas como parece, eu acho que é. Deixa estar.

Para além disso, parece ser possível afirmar, durante a decisão de incluir ou não incluir a figura com o número 11 no conjunto dos triângulos, que o protótipo visual de que a aluna dispõe corresponde ao do triângulo equilátero, na posição tradicional, onde existem dois vértices no lado inferior e um vértice no topo.

Contudo, percebe-se que as ideias não estão suficientemente claras e provocam hesitações nas escolhas efetuadas.

Paula: Podemos passar a outro conjunto de figuras ou tens mais algum triângulo para me mostrar?

Bia: Não, estão todos. Os triângulos são estes.

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Figura 4 – Triângulos identificados por Bia

Paula: Queres dizer que a figura com o número 11 não tem a forma de um triângulo?

Bia: Assim, não. (posição identificada na figura 5)

Em seguida, roda a figura e afirma:

Figura 5 – Triângulo rodado pela aluna

Bia: Assim já é (posição identificada na figura 6) mas, para ser mesmo, também tinha de ser mais pequeno.

Paula: Então achas que é um triângulo ou não?

Bia: Não, não é.

Para além do protótipo visual do triângulo equilátero e da posição influenciarem a identificação de triângulos, também o afilamento da forma parece ter sido um constrangimento à sua identificação. Estes protótipos parecem comprometer a identificação das propriedades necessárias e suficientes para a identificação de

triângulos, pois a aluna nunca refere o número de vértices ou de ângulos como uma propriedade importante da forma triangular.

Fran

Na identificação e escolha de triângulos parece haver um reconhecimento do atributo três vértices, que conduz toda a ação. No entanto, o cansaço e falta de concentração do aluno eram já bastante notórios, fazendo com que não fossem identificados outros atributos como linhas poligonais e linhas não poligonais, na figura com o número 5, ou outros triângulos em que poderiam ser destacados os três vértices.

Neste conjunto, o aluno apenas identifica com sendo triângulos as figuras 1; 5 e 11, referindo que são todos triângulos porque têm 3 bicos, assinalando-os com as pontas dos dedos.

Paula: Não queres escolher outras figuras?

Fran: Não, os triângulos que tu pediste estão todos aí.

Rana

A posição do triângulo assinalado com o número 8 parece não causar interferência na identificação da forma, dado ter sido um dos primeiros triângulos a identificar. Contudo, ao identificar as figuras assinaladas com os números 4 e 13, revela não ter ainda definido a ideia de figura fechada como propriedade fundamental das figuras planas. Contudo, caso as mesmas figuras lhe tivessem sido apresentadas desenhadas em papel, talvez a aluna não as tivesse identificado com triângulos, dado a forma triangular ser sempre reconhecida partindo dos atributos número de vértices e número de lados.

Rana: Estes são todos triângulos porque têm três bicos.

Os fininhos, são fininhos mas também são triângulos porque têm três biquinhos.

Paula: A figura com o número 7, será também um triângulo?

Rana: Este também é mas é mais gordo.

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Paula: Mas entra no grupo dos triângulos ou não?

Rana: Entra, mas é mais gordo.

Paula: E a figura com o número 14?

Rana: Também é (indo de seguida retirar as figuras com os números 5 e 10). Mas o 10 só era se não tivesse aquela coisa (fazendo o gesto de corte da parte assinalada na figura 6.

Figura 6 – Figura com corte

O 14 também é mas parece uma tenda de circo, em cima.

Figura 7 – Tenda de circo

Nas escolhas de Rana parecem estar presentes as propriedades número de vértices e número de lados.

Paula: A figura com o número 10 é um triângulo?

Rana: Este não é triângulo porque tem quatro lados.

Todavia, a aluna ainda não considera linhas não poligonais como um atributo apenas existente em figuras não poligonais, ao identificar as figuras 7 e 14 como triângulos, revelando, assim, a incapacidade de identificar os triângulos como

polígonos.

3.4. Identificação de retângulos

A tarefa de identificação de retângulos foi apresentada com o objetivo de perceber se os alunos entrevistados identificavam retângulos e conhecer qual o entendimento que revelavam ter sobre esta forma e o tipo de justificações que apresentavam para provar as suas escolhas.

Figura 8 – Conjunto de figuras para identificação de retângulos F4 (Razel & Eylon, 1991)

Bia

As escolhas da aluna (figuras 6; 12 e 14) parecem ter subjacente um protótipo visual de retângulo que tem em conta a ideia de dois lados compridos e dois lados curtos opostos, sem interferência da propriedade necessária e suficiente para ser retângulo: quatro ângulos retos.

Para além disso, é ainda de salientar o reconhecimento do atributo número de lados e, mais uma vez, a necessidade de recorrer à comparação para justificação das opções

Paula: Por que escolheste estas figuras?

Bia: Porque têm os mesmos lados.

Paula: O que quer dizer ―têm os mesmos lados‖?

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Bia: Olha (por comparação, agarrando nas figuras identificadas com os números 6 e 12 e justapondo lados com maior comprimento e lados com menor comprimento), estes dois lados são compridos e estes dois são curtos. As duas têm dois lados compridos e dois lados curtos.

A justificação de Bia, para a identificação dos retângulos, parece ser suportada pela ideia da igualdade da medida dos lados opostos e paralelos.

Fran

Perante conjunto de figuras para a identificação de retângulos, Fran puxa todas as figuras para si e diz:

Fran: Estes já fizemos! Os quadrados já fizemos.

Paula: Mas queres dizer-me se vês algum retângulo?

Fran: Todos, só o 2 e o 7 é que são quadrados.

Paula: Mas primeiro disseste que eram todos quadrados. Por que mudaste de ideias?

Fran: Enganei-me, o 2 e o 7 são quadrados e os outros é que são todos retângulos.

Nas escolhas e afirmações do aluno, parecem não estar definidas ideias das formas quadradas e retangulares.

Também na identificação dos retângulos, aparece apenas uma ideia mais global da forma como figura fechada, desprezando qualquer tipo de características ou atributos.

Rana

As figuras escolhidas (figuras 3; 6; 9; 10; 12; 14) apontam para a ideia de pertença a uma família de figuras de quatro lados, como o quadrado. No entanto, existe sempre presente a ideia de que os retângulos são diferentes porque têm lados mais compridos.

Rana: Porque são assim… mais esticados

(vai passando os dedo na fronteira). Têm quatro lados mas são diferentes dos outros (referindo-se aos quadrados).

Tal como Bia, Rana parece ter como referência para a identificação de retângulos, a medida igual dos lados opostos.

4. Considerações finais

Indo ao encontro de Clements et al. (1999), Bia articulou protótipos visuais com atributos conhecidos, para reconhecer as formas apresentadas e utilizou repetidamente a comparação, para apresentar exemplos e contraexemplos das figuras por si identificadas.

Fran, em termos de reconhecimento da forma, parece ter apenas disponível o protótipo visual de redondo, dado em relação aos triângulos ter justificado as sua escolhas pela existência de três ―bicos‖ e, relativamente à identificação de quadrados e retângulos, ter evidenciado que algumas propriedades topológicas, confirmando a ideia de Fisher (1965), não o deixaram chegar à identificação das figuras, por incapacidade de reconhecer propriedades específicas, pois quando lhe foi pedido que identificasse todos os retângulos, puxou para si todas as figuras disponíveis e afirmou: ― — Estes, já fizemos!‖, referindo-se aos quadrados.

Rana pautou as suas escolhas, na maior parte das vezes, recorrendo a atributos das formas apresentadas, e poucas vezes recorreu à utilização de um protótipo visual, sendo exceção a identificação do círculo. Além disso, a posição das figuras pareceu não afetar a identificação das formas. Assim, as vivências e contactos informais com as formas, no dia-a-dia ou em momentos de brincadeira, de acordo com diferentes autores, como Burger e Shaughnessy (1986) e Fuys, Geddes e Tischler (1988), parecem ser o fator impulsionador das escolhas efetuadas, ou seja, Rana, com menor tempo de permanência na escola e apresentando um pensamento mais intuitivo, conseguiu de forma mais frequente classificar as figuras apresentadas, utilizando propriedades e atributos conhecidos. Enquanto

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Bia e Fran, com mais tempo de permanência na escola e mais expostos a questões formais, baseiam uma grande parte das suas escolhas em protótipos visuais, deixando-se influenciar pela posição das figuras ou propriedades topológicas.

Na perspetiva da identificação de quadrados e triângulos, os alunos apoiaram o seu conhecimento na articulação de protótipos visuais e atributos conhecidos, para reconhecerem as formas apresentadas, confirmando tanto a ideia de Clements et al. (1999), como a de Burger e Shaughnessy (1986) e Fuys, Geddes e Tischler (1988).

Os alunos, durante a seleção de quadrados e retângulos, tendencionalmente, tal como Clements e Sarama (2007) referem, inclinaram-se para uma classificação do tipo partitivo.

Todos os alunos entrevistados, de acordo com Clements et al. (1999), na identificação dos círculos, revelaram conhecimentos sobre as figuras que se relacionam com protótipos visuais, sem considerarem atributos ou propriedades da forma.

Em síntese, este estudo exploratório confirma a ideia de Clements et al. (1999) e Sandhofer

e Smith (1999), sobre as figuras mais fáceis de identificar, quando, também para estes três alunos foram, por ordem de dificuldade identificados, o círculo; o quadrado; o retângulo e o triângulo.

Referências bibliográficas

Burger, W. F. & Shaughnessy J. (1986). Characterizing the van Hiele levels of development in geometry. Journal for Research in Mathematics Education, 17, 31-48.

Clements, Douglas H., Swaminathan, Sudha, Hannibal, M. A. Z., & Sarama, Julie (1999). Young Children’s Concepts of Shape, Journal for Research in Mathematics Education, 30, (2), 192-212.

Clements, Douglas & Sarama, Julie (2007). The Development of Geometric and Spatial Thinking, Students and Learning. In F.K. Lester (Ed.), Second Handbook of Research on Mathematics Teaching Learning (pp. 489 -517). Reston, VA: NCTM.

de Villiers, Michael (1994). The role and function of a hierarchical classificativo of quadrilaters.

Fuys, D., Geddes, D. & Tischler, R. (1988). The van Hiele model of thinking in geometry among adolescents. Journal for Research in Mathematics Education, Monograph 3. For the learning of mathematics, 14 (1), 11-18.

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Ana Paula SilvaEscola Secundária Fonseca Benevides

“Doubt, usually, perhaps always, takes its rise from surprise”

(CP 5.166)

Resumo

Segundo Charles Sanders Peirce, há três espécies de raciocínio: Abdução, Indução e Dedução. Nem a Indução nem a Dedução originam ideias novas ou hipóteses explicativas, ou seja, não têm qualquer poder heurístico. Tal é a função da inferência abdutiva. Todas as novas ideias em ciência surgem através da Abdução - processo pelo qual são colocadas hipóteses para explicar fenómenos surpreendentes. Ela consiste em estudar factos e” inventar” uma teoria para os explicar.

Breves Elementos Biográficos sobre Peirce

Charles Sanders Peirce (1830-1914) nasceu em Cambridge, Massachusetts, formou-se, em física e em química, em Harvard, em cujo observatório astronómico trabalhou. Desenvolveu pesquisas

científicas originais e dedicou-se intensamente à filosofia.

Enquanto filósofo, Peirce ocupa uma posição de realce como lógico, filósofo da ciência e da linguagem e como um dos fundadores do pragmatismo.

Três espécies de Argumentos

Segundo Peirce, há três espécies de argumentos: Abdução, Indução e Dedução.

“As três espécies de raciocínio são Abdução, Indução e Dedução. O único raciocínio necessário é a Dedução. É o da matemática. Parte de uma hipótese, cuja verdade ou falsidade nada tem a ver com o raciocínio e cujas conclusões são igualmente ideais….Indução é fazer o teste experimental de uma teoria. …A indução…não poderá nunca dar origem a uma nova ideia. Nem a dedução. Todas as ideias da ciência vêm através da Abdução. A Abdução consiste em estudar factos e inventar uma teoria para explicá-los” (Collected Papers, CP 5.145)

Peirce utiliza diversas designações para o terceiro tipo de inferência: “hipótese”, “presumpção”, “retrodução” e “abdução”. Não cabe no âmbito deste artigo a explicação para as diferenças e semelhanças entre o uso desses termos.

Dedução

Num argumento dedutivo a relação entre as premissas e a conclusão tem a seguinte forma: S é M; M é P; logo S é P. Podemos concretizar esta forma de inferência com o seguinte exemplo:

A-Todos os homens são mortais. Premissa maior (regra que inclui muitos casos).

B-Sócrates era um homem. Premissa menor (um caso que se acomoda à regra).

EDUCAÇÃO

Dedução, Indução e Abduçãotrês inferências científicas

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C-Sócrates é mortal. A conclusão aplica a regra ao caso e enuncia o resultado.

Toda a dedução envolve este tipo de raciocínio silogístico analítico, que é simples e fidedigno e vai do geral para o particular.

Assim, a dedução é um processo de inferência através do qual um determinado facto ou caso particular se tornam conhecidos, entendidos ou explicados por inclusão numa teoria geral.

Por exemplo, se definimos o triângulo como uma figura geométrica cuja soma dos ângulos internos é igual a 180º, deduzimos, desta ideia, a mesma propriedade para qualquer triângulo.

No caso de uma teoria, a dedução permite que, pela aplicação das leis e regras da teoria ao fenómeno particular encontrado, o mesmo seja explicado ou entendido.

Peirce ilustrava a dedução mediante o exemplo, hoje muito conhecido, do pacote de feijões:

Regra: Todos os feijões deste pacote são brancos.Caso: Estes feijões são deste pacote.Resultado: Estes feijões são brancos.

Por muito útil que seja para aplicar regras gerais a casos particulares, este tipo de raciocínio não é criativo, não é inovador, pois, de facto, não transmite, não produz qualquer tipo de conhecimento que não esteja necessariamente incluído nas suas premissas. É assim um raciocínio não ampliativo.

Indução

Segundo Peirce o raciocínio indutivo, envolve “a aplicação de uma regra geral a um caso particular” (CP 2.620).

O ponto de partida é o caso e a conclusão é a regra, a qual se obtém pela observação do resultado. Peirce ilustra a indução da seguinte forma:

Caso: Estes feijões são deste pacote.Resultado: Estes feijões são brancos.Regra: Todos os feijões deste pacote são brancos.

Assim a indução é a inferência de uma regra a partir do caso e do resultado. (CP 2.622) A indução percorre o caminho contrário ao da dedução. Parte das premissas menores de modo que o raciocínio avança do particular para o geral.

Vejamos um outro exemplo de raciocínio indutivo ou sintético:

A-O copo cai- observação de um caso específico, perfeitamente constatável.

B-O livro cai - premissa menor, perfeitamente constatável.

C-O homem cai - outra premissa menor, perfeitamente constatável.

Para chegar à conclusão e enunciar a regra geral baseada nestes casos particulares, é necessário realizar um salto epistémico para afirmar:

D - Todos os corpos caem.

Este raciocínio parte da observação de fenómenos particulares, iguais ou semelhantes, e procura a lei ou teoria geral, que, por sua vez, explica e subordina todos esses casos particulares. É um raciocínio baseado, não somente nas leis da lógica, mas na observação do mundo empírico. É criativo, porque D é muito mais do que a soma de A, B e C. No entanto, não fornece uma convicção segura de que D seja verídico.

Hipótese ou Abdução

Peirce apresenta o seguinte exemplo de abdução:

“Suponhamos que entro numa sala e aí encon-tro numerosos pacotes contendo diferentes es-

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pécies de feijões. Numa mesa, encontra-se uma determinada quantidade de feijões brancos e após alguma procura (investi-gação) vejo que um dos pacotes só contém feijões brancos. De imediato, infi-ro, como probabilidade, ou como suposição bem fundamentada que aquele punhado foi retirado

desse pacote. A este tipo de inferência denomina-se fo r m u l a ç ã o de hipótese. É a inferência de um caso a

partir de regra e resultado” (CP 2.623)

Abduzir significa propor hipóteses que são propostas de explicação de fenómenos surpreendentes. A abdução é um processo de inferência que parte de um facto insólito ou invulgar e procura uma explicação para a sua ocorrência. Essa explicação vai tornar o facto perfeitamente compreensível e retira o elemento de surpresa que estava na base do seu carácter inesperado. “A abdução é o processo de formação de uma hipótese explicativa.” (CP 5.712). “A abdução, ao fim e ao cabo, não é senão conjectura,… é o processo de escolher uma hipótese”. (CP 7.219).

Outro exemplo de hipótese, dado por Peirce, é o seguinte: tendo desembarcado, certo dia, no porto de uma província turca, cruzou-se com um homem a cavalo rodeado por quatro cavaleiros que sustentavam um palio sobre a sua cabeça. Como o governador da província era a única personagem que Peirce podia imaginar ser merecedor de tal honra, inferiu que se tratava do governador. Era uma hipótese ou abdução. (CP 2.625) Um outro exemplo de hipótese, também de Peirce: encontram-se fósseis semelhantes a peixes em regiões do interior de um país. Para explicar o fenómeno supõe-se que o mar outrora

cobria essa terra.

Quando nos confrontamos com uma circunstân-cia invulgar, capaz de ser explicada pela supo-sição de que se trata de um caso particular de certa regra geral, e adoptamos, em função disso, essa suposição, estamos perante uma hipótese ou abdução.

Os três tipos de inferência podem pois ser classificados do seguinte modo: raciocínio analítico, ou dedução, “demonstra que algo deve ser”; raciocínio sintético, ou indução, “demonstra que algo é realmente operativo”; e abdução que “se limita a sugerir que algo pode ser”.

Voltando ao exemplo dos feijões temos:

Regra: Todos os feijões deste pacote são brancosResultado: Estes feijões são brancosCaso: Estes feijões são deste pacote

Periodização e Várias Designações do Conceito de Abdução

A teoria da abdução em Peirce não é homogénea nem estanque. Não há hoje qualquer dúvida entre os intérpretes de Peirce sobre o carácter evolutivo da sua obra. Na definição do conceito ocorrem transformações reconhecidas aliás pelo próprio autor. Nesse conceito estão emaranhados muitos outros aspectos da filosofia de Peirce, nomeadamente a questão do pragmatismo, e nele estão implicadas diferentes tipos de dificuldades:

a nível terminológico – Peirce utiliza diversas

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designações para o terceiro tipo de inferência: “hipótese”, “presumpção”, “retrodução”, “abdução”. Nessa oscilação vocabular se manifestam as hesitações que o autor sente em relação à sua própria dificuldade de definir com precisão o que está envolvido no conceito de abdução.

a nível conceptual – Peirce inclui a abdução não só na lógica da prova como também na lógica da descoberta. Além disso, não abdica da consideração dos factores não racionais ou extra-lógicos. Por outras palavras, mesmo em termos estritamente lógicos e epistemológicos, a teoria da abdução de Peirce não é isenta de ambiguidade. Se, por um lado, Peirce pensa o processo de formação e selecção de hipóteses como susceptível de análise lógica, por outro, apresenta frequentemente a hipótese como flash of insight, guess, instinto adivinhatório, surmises, etc, isto é, como irredutível à lógica e antes remetendo para uma postulada afinidade fundamental entre a mente humana e a natureza.

Em 1903, na sexta conferência sobre pragmatismo, Peirce considera que os três tipos de inferência estão presentes em qualquer experiência de conhecimento científico. O percurso da investigação científica é aí definido e caracterizado com o uso destas três inferências.

À abdução, como processo de adopção de uma hipótese explicativa, segue-se de imediato a dedução (CP 7.203). De seguida, é necessário testar a hipótese e os seus desenvolvimentos dedutivos, o que se fará através da indução. (CP 8.210) Peirce sempre defende que o conhecimento nasce da hipótese/abdução e apesar desta ser falível, o que a torna um passo débil em toda a investigação, é o único caminho que pode conduzir à verdade.

Referências Bibliográficas

Carrilho, M. M. (1982) «Inovação, Abdução e Problema (Peirce e a problemática da descoberta)»” in Filosofia e Epistemologia – IV, Lisboa: A Regra do Jogo, 165-178

Hanson, N. R. (1961) «Is there a logic of scientific discovery», in Feigl, H. e Maxwell, G., (Eds.), Current Issues in the Philosophy of Science, New York: Holt, Rinehart and Winston, 20-35.

Hanson, N. R. (1965) «Notes toward a logic of discovery», in Bernstein, R. J. (Ed.), Perspectives on Peirce, (1965), New Haven - London: Yale Univ. Press, 42-65.

Paavola, S. (2004) «Abduction as a Logic and Methodology of Discovery: The Importance of Strategies», Foundations of Science, 9(3), 267-283.

Peirce, C.S. (1931-1958) Collected Papers, 8 vols., C. Hartshorne, P. Weiss and A. Burks (Eds.), Cambridge, MA: Harvard University Press.

Composição de Carolina ZurzicaCurso Profissional de Design - Escola Secundária de Cacilhas-Tejo

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Teresa Maria Pires Monteiro Professora-Adjunta do

Instituto Politécnico de Beja

Resumo

Neste artigo vamos analisar e descrever momentos da formação de professores, acompanhada da respectiva legislação, para a disciplina de Matemática (legislação e práticas), ao tempo do movimento da Matemática Moderna, no Liceu Normal de Pedro Nunes1.

Palavras-Chave

História, Formação de Professores, Liceu Normal de Pedro Nunes, Matemática Moderna.

Relevância do estudo da história das disciplinas escolares

“Muitas convicções e opiniões. Pouco estudo e quase nenhuma investigação. A certeza de

conhecer e de possuir “a solução” é o caminho mais curto para a ignorância”

(Nóvoa, 2005, p. 9)

Para Chervel (1990), a história das disciplinas escolares permite identificar, classificar e organizar as funções da escola em cada época. Este autor identifica algumas das finalidades da escola ao longo do tempo: religiosas, sociopolíticas, psicológicas, culturais, de socialização e de proteção, todas elas interligadas e que em conjunto dão à escola um sentido mais amplo que o de instrução: o de educação. Uma análise da história da educação em Portugal e da história deste liceu permite concluir que o que ocorreu no Liceu Normal de Pedro Nunes é um marco incontornável, para o estudo e o aprofundamento do conhecimento

no que respeita à formação de professores de matemática no nosso país. Na verdade, a história deste Liceu Normal e o trabalho do seu primeiro Reitor, o pedagogo e metodólogo António Joaquim de Sá Oliveira, acompanham de muito perto as políticas educativas do nosso passado recente. No sentido braudeliano, uma história total e global depende estreitamente do concreto, das realidades observáveis e da observação de experiências concretas (Braudel, 1979/1990). Para este autor, tudo influencia tudo e reciprocamente (esta última palavra “reciprocamente” assume, no seu discurso, uma posição de relevo): a economia é política, cultura, sociedade; a cultura é economia, política, sociedade... Por outro lado, como o historiador Roger Chartier (2007) defendeu, não se consegue escrever a história do que quer que seja, mas pode escrever-se várias histórias do mesmo objecto, que, todas juntas, contribuem para conhecer o todo, sem nunca o alcançar. Na mesma linha de pensamento, François Dosse também afirmou que “A escola dos Annales realizou recentemente uma verdadeira desconstrução da história, que a partir de então passou a ser escrita no plural e com minúscula. Já não é História, mas histórias. É história deste ou daquele fragmento da realidade, e não História do real” (2001, p. 262).

Nem a realidade do presente nem a do passado terão apenas uma verdade e uma leitura... Provavelmente, todos os contributos são necessários e úteis para recuperar o património cultural da nossa educação e para construir a memória educativa portuguesa.

Formação de professores, legislação e Matemática Moderna

A escolha do período em análise prende-se, essencialmente, com o tempo do movimento da Matemática Moderna (Moon, 1986), movimento

EDUCAÇÃO

História Da Educação MatemáticaMomentos dos estágios do Liceu Normal de Pedro Nunes (1956-1971)

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com origem na Europa e que se estendeu ao continente americano, decorreu no período de meados dos anos 50 a meados dos anos 70 do século XX (Matos, 2006) e enquadra-se na era científica, nova fase da revolução industrial, com necessidade de mão-de-obra qualificada. Em Portugal, começa a fazer sentir-se sobretudo após a nomeação, por Galvão Telles, em Julho de 1963, de uma comissão de revisão do programa do 3.º e último ciclo liceal presidida por José Sebastião e Silva (1914-1972) e da qual também faziam parte Jaime Leote (metodólogo do Liceu Normal de Pedro Nunes), Manuel Augusto da Silva (metodólogo do Liceu Normal D. João III, Coimbra) e António Augusto Lopes (metodólogo do Liceu Normal D. Manuel II, Porto) (Matos, 1989). Esta comissão, que se manteve em atividade pelo menos até 1965, elaborou um programa experimental para a disciplina de Matemática.

A história da Escola em apreço, fundada em 1906, com a designação de Lyceu Central de Lisboa, 3.ª zona escolar, é também uma história da prática pedagógica e dos estágios, uma história da educação e das políticas educativas em Portugal.

As modificações no regime liceal experimentadas neste Liceu com bons resultados podem ser mandadas adoptar pelo Govêrno em todos os liceus ou apenas naqueles que para tanto reúnam as condições necessárias

(Art. 32.º do Decreto n.º 18973, de 16 de Outubro de 1930).

Embora apareça a referência ao início dos estágios de professores, na atual Escola Secundária de Pedro Nunes, como sendo no início dos anos trinta do século XX, por determinação do Decreto n.º 18973 supracitado, na verdade, já existia a componente da prática pedagógica, com a duração de dois anos, desde 1915, no âmbito da formação ministrada pelas Escolas Normais Superiores das Universidades de Coimbra e de Lisboa, criadas em 1911 e que começaram a funcionar em 1915/16, no então designado Lyceu Central de Pedro Nunes (1911-1930)2. As Escolas Normais Superiores, por quatro vezes extintas: em 1924, 1926, 1928 e 1930, pelos Decretos n.º 10205, n.º 12426, n.º 15355 e n.º 18973, respectivamente (Oliveira, 1992), vieram, por sua vez, substituir os Cursos Superiores de Letras.

Figura 1: Uma aula no Liceu Central de Pedro Nunes - Foto retirada do álbum de 1928 (Fonte: www.espn.edu.pt)

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No período em análise, 1956-1971, os estágios no âmbito da formação de professores ainda se regem pelo modelo de formação lançado pelo Decreto n.º 18 973, de 1930, que criou os Liceus Normais (de Pedro Nunes) de Lisboa e (Dr. Júlio Henriques) de Coimbra e encerrou definitivamente as Escolas Normais Superiores. Ao 8.º grupo de docência do ensino liceal, grupo da Matemática, correspondia a secção com as disciplinas de Matemática, Ciências Físico-Quí-micas, Desenho e Trabalhos Manuais. De acor-do com o Decreto n.º 24676, as provas escritas do exame de admissão constavam de duas ex-posições: uma, sobre a história da matemática relativa a um ponto do respectivo programa e, outra, sobre um ponto de Física ou Química não excedendo o âmbito do programa do curso ge-ral dos liceus. As provas práticas constavam da resolução de dois problemas: um de álgebra e outro de geometria analítica, diretamente rela-cionados com o programa dos liceus. O candida-to tinha ainda de prestar três provas orais: uma sobre a matéria do programa do grupo, outra sobre a matéria dos programas liceais do grupo e, outra ainda, sobre Física e Química, não ex-cedendo o âmbito do programa do curso geral dos liceus.

Depois de extintos os estágios no Liceu Nacio-nal Pedro Nunes, em 1947 (ano em que também ocorreram as primeiras expulsões de professo-res do ensino oficial), estes reabrem em 1956. Um ano depois, em 1957, é criado o estágio pe-dagógico no Liceu Normal D. Manuel II, no Porto (Decreto-Lei n.º 41273, de 17 de Setembro de 1957). Estas medidas para o aumento de possi-bilidades de estágio devem-se, particularmen-te, ao extraordinário aumento do número de alunos que ingressavam no sistema educativo, obrigando a contratar um número bastante sig-nificativo de docentes sem a devida preparação. Também na Europa, no período de 1955 a 1970, o número de alunos do ensino secundário da Eu-ropa Ocidental duplicou ou triplicou (Mialaret e Vial, 1981).

A partir de 1969, surge um novo modelo de formação (Decreto-Lei n.º 48868, de 17 de Fe-vereiro de 1969) relativo ao qual destacamos as principais diferenças: (1) prevê a existência de estágios “nos liceus normais e nas escolas téc-nicas para esse efeito designados por despacho ministerial. [... Podendo] o Ministro autorizar o funcionamento noutros liceus dos estágios rela-tivos ao correspondente magistério.” (Art.º 3.º); (2) determina a redução do estágio de dois para, apenas, um ano escolar (Art.º 5.º); (3) admite outras habilitações para frequentar o estágio (Art.º 6.º); (4) determina um número de está-gios fixado anualmente por sexo (Art.º 8.º); (5) o serviço docente a atribuir ao estagiário pode ir até às doze horas semanais (Art.º 13.º) e (6) reforça a dispensa da frequência do estágio por tempo de serviço (Art.º 15.º). Na lei que comple-ta a anterior (Decreto n.º 49204, de 25 de Agos-to de 1969) materializa-se mais informação, no-meadamente: sobre as habilitações pedagógicas e académicas para acesso ao estágio, tempo dos cargos dos reitores e metodólogos, bem como tarefas e deveres dos estagiários: (1)

Art. 1.º A formação pedagógica dos pro-fessores do 1.º ao 9.º grupos dos liceus é assegurada pela habilitação da secção de ciências pedagógicas das Faculdades de Letras, pelo exercício docente e, em geral, por estudos realizados em estágios durante um ano completo, ficando sujei-ta, em todas as hipóteses, a verificação em Exame de Estado.

Art. 2.º Podem concorrer aos estágios pedagógicos os candidatos que, relati-vamente a cada grupo, possuam as se-guintes habilitações académicas: (...) 8.º grupo: Licenciatura ou bacharelato em Matemática Pura ou em Matemática Aplicada ou licenciatura em Matemática ou licenciatura em Ciências Geofísicas.

(2) as finalidades do estágio passam a incluir participação no serviço de exames (Art.º 14.º) e (3) ainda por nomeação do Ministro da Educa-ção Nacional, os cargos dos metodólogos e dos

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reitores passam a ser exercidos por períodos de três anos (Art.º 16.º). Diferente também da lei dos anos 30 é, agora, a incompatibilidade total do estagiário com o exercício do ensino particu-lar.

Os estagiários do 8.º grupo do Liceu Normal de Pedro Nunes participavam em reuniões várias, tinham acesso aos planos das “lições modelos” dos metodólogos, assistiam a essas mesmas li-ções, lecionavam aulas nos três ciclos do ensino liceal e assistiam e apresentavam Conferências Pedagógicas que ali se realizavam, onde eram analisadas e difundidas as tendências da nova matemática e da nova pedagogia, entre outros assuntos.

Em Julho de cada ano era publicado na Pales-tra3 o plano das Conferências Pedagógicas dos estagiários para o ano lectivo seguinte, relativas aos vários grupos disciplinares, e respectiva bi-bliografia. Por exemplo, é publicado na Palestra n.º 3, de Junho de 1958, o plano seguinte para o 8.º Grupo intitulado Tendências modernas no ensino da matemática elementar, a executar em 18 de Fevereiro de 1959, que consistia em três alíneas a abordar: “a) os métodos; b) os mode-los e c) crítica dos fundamentos” (p. 115), com a disponibilização da respectiva Bibliografia, muito atual a nível internacional: Ema Castel-nuovo4 (1952), Geometria intuitiva; Puig Adam (1956), Geometria métrica; Puig Adam e outros (1956), Geometria racional; Martha Dantas (1954), O ensino da matemática na Bélgica, In-glaterra e França; Puig Adam (1956), Didáctica matemática heurística; Sebastião e Silva (1950), Transformações geométricas; O.E.C.E. (1956), L’enseignement des Mathématiques; National Council of Teachers of Mathematics (1957), In-sights into modern Mathematics; Gonçalves Ca-lado (1957), Compêndio de aritmética racional; Sebastião e Silva e Silva Paulo (1957), Compên-dio de álgebra; entre outros. O que se concreti-zou e foi publicado na Palestra, n.º 5, de 1959, foram três trabalhos: um de Silva Paulo, O méto-do axiomático (1959), outro de uma estagiária, Tendências modernas no ensino da matemática elementar (Pinto, 1959), que respondem à alí-

nea a); e outro de duas ex-estagiárias do Liceu Normal de Pedro Nunes, Poliedros Regulares Estrelados (Lima, 1959), que responde à alínea b). Em resposta à alínea c), realizou-se no Li-ceu Normal de Pedro Nunes o curso ministrado por Sebastião e Silva sobre Introdução à Lógica Simbólica e aos Fundamentos da Matemática publicado numa separata à Palestra n.º 6 (Silva, 1959) e, em 1964, existe a referência explícita “As noções de conjunto, relação e função são os fundamentos da matemática actual” (Leote, 1964, p. 117).

De acordo com as entrevistas já realizadas, to-dos os estagiários preparavam uma Conferência Pedagógica, algumas eram publicadas na Pales-tra, mas só um estagiário por grupo apresentava a sua comunicação. A decisão sobre quem apre-sentava era feita por sorteio.

Mais do que terem sido introduzidas novas ma-térias com o movimento da Matemática Mo-derna, foi introduzida uma nova abordagem e uma nova linguagem na educação matemática. Iniciam-se então diversos cursos para professo-res do liceu, preparatórios da experiência peda-gógica. Em 1963, aplicou-se um novo programa a três turmas experimentais, uma em cada um dos Liceus Normais (Lisboa, Porto e Coimbra).

Jaime Leote defendeu que o professor deve “aproveitar e estimular” (1958, p. 37) a atividade criadora que os alunos possuem, deve ser um in-vestigador e não deve considerar como eviden-tes para os alunos os conceitos que ele integrou em si depois de anos de estudo. Jaime Leote e Martha Dantas5 defenderam que o método heu-rístico, embora desejável, não responde a todas as necessidades do ensino. Para Jaime Leote um dos problemas deste método é a participação do aluno poder fazer-se de forma inconsciente: “o professor sabe o que quer e para onde ca-minha, mas o aluno é apenas guiado por este” (1958, 39). Já para Martha Dantas um problema reside no “tempo limitado para leccionar (...). O ritmo da descoberta é muito lento (...) é preci-so reservá-lo para os pontos mais importantes do programa” (1958, p. 99). Defendeu que mais

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importante do que um método é a sua imple-mentação e diversidade, citando as conclusões do Congresso de Ensino da Matemática realiza-do em Salvador da Baía de 4 a 7 de Setembro de 1955: “Todos [os métodos] são bons desde que o professor conduza o aluno a participar, em lu-gar de assistir.” (Dantas, 1958, p. 101).

Gonçalves Calado6 alertou para a necessidade de “rever o recrutamento e a preparação científica dos professores do ensino liceal” (1958, p. 91) à luz dos novos conceitos e linguagem intrínsecos à Matemática Moderna. Assim, dirigindo-se ao Ministro da Educação Nacional, Leite Pinto, ali presente, solicitou que “nos Liceus Normais, se-jam instituídos cursos ou colóquios de iniciação à Álgebra da Lógica, Fundamentos da Matemáti-ca e Álgebra Moderna redigidos por professores idóneos” (1958, p. 102), de frequência obrigató-ria para os estagiários do 8.º grupo e divulgados para todos os professores de Matemática e Físi-ca do ensino liceal. O que veio a acontecer com as lições do curso de Sebastião e Silva7(1959).

Delfim Santos, citando o pedagogo francês M. Débesse, defendeu o que poderíamos chamar de pedagogia do sorriso: “a pedagogia no seu aspecto prático é fundamentalmente a arte do sorriso” (1958, p. 668) e da compreensão. Foi estagiário do 8.º grupo no Liceu Normal de Pe-dro Nunes (com outra designação à data) antes do encerramento decretado em 1947. Conti-nuou dizendo que não chegava “ter bons profes-sores para um ensino mal planeado” (1958, p. 658); que as crianças portuguesas nunca foram estudadas e que se assiste à transposição para Portugal dos programas de outros países com outras realidades. Deu o exemplo inglês onde:

“Não há reprovações porque o aluno é levado a tempo para o ensino que lhe convém. A inscrição dos alunos é feita pelos pais, sem estes ficarem sabendo qual o tipo de ensino que os filhos vão frequentar” (Santos, 1958, p. 669)

Observou que em Portugal se preparam os alu-nos para os exames, nem sempre bem feitos,

e que os resultados são comprovadamente in-satisfatórios, mesmo com o recurso à figura do explicador, algo que considera tipicamente por-tuguês e sinal do deficiente funcionamento do nosso ensino.

Considerações Finais

Desta análise, que não inclui produções de esta-giários8, verificamos uma convergência de ideias sobre a necessidade da introdução da Álgebra Moderna nas aulas de matemática, do interesse da axiomatização da geometria, mas sem exage-ros junto dos mais novos, e de uma mudança do paradigma do ensino da Matemática, que apela à participação dos alunos no processo da apren-dizagem. Este último apelo nem sequer é novo, já vem do movimento da Escola Nova que surge no final do século XIX, e que defendia o ensino através da ação e participação ativa dos alunos.

Foram 50, muitos já falecidos, os estagiários de matemática do Liceu Normal de Pedro Nunes que apurámos entre 1957 e 1971 e que terão bebido destas palavras. Das entrevistas que já tivemos oportunidade de realizar a estes esta-giários, que já tinham leccionado aulas de Ma-temática no ensino liceal, é unânime a opinião de que seriam muito maus professores se não tivessem passado pela experiência e aprendiza-gem que aquele estágio lhes proporcionou. Um dos estagiários refere que nunca viu o metodó-logo Alfredo Osório dos Anjos9 “dar uma defi-nição” e acrescenta: “Aquele homem era real-mente excepcional (...) Ele dialogava, ele puxava (...) A verdade é que ele arrancava dos alunos as definições, os conceitos”.Por que ensinamos o que ensinamos e da forma como o fazemos? Poderemos aprender um pou-co mais sobre o ensino da matemática com expe-riências pedagógicas do passado? Muitas vezes, quando nos debruçamos sobre a nossa história, constatamos que ideias aparentemente atuais, afinal, já eram defendidas há muitos anos e até séculos atrás. Só que, a cultura escolar (como outras) é algo enraizado nas instituições e sofre de grande resistência a mudanças…

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1No período em análise, 1956-1970, era esta a desig-nação da Escola.2Se recuarmos um pouco mais no tempo, a formação de professores para o ensino secundário surge legal-mente com a criação do curso de habilitação para o magistério secundário, no Curso Superior de Letras (Decretos n.º 4 e 5, de 24 de Dezembro [Cursos Supe-riores], 1901). O curso de habilitação para a disciplina de Matemática tinha a duração de 4 anos. Os primei-ros três anos eram destinados à formação na área da matemática e podia ter lugar num dos locais seguin-tes: Universidade de Coimbra, Escola Politécnica de Lisboa ou Academia Politécnica do Porto. O último ano destinava-se exclusivamente à formação pedagógica e era ministrado, apenas, no Curso Superior de Letras, em Lisboa.3Palestra, Revista de Pedagogia e Cultura que aqui de-signamos apenas por Palestra. Revista quadrimestral, publicada pelo Liceu Normal de Pedro Nunes entre 1958 e 1973, com o apoio do Ministério da Educa-ção Nacional, e distribuída pelos outros liceus. Antes, era publicado o Boletim do Liceu Normal de Lisboa (1906-1939) (Nóvoa e Santa-Clara, 2003), suspendido por falta de apoio económico. A partir de 1932, vem substituir o Anuário prescrito pelo 1.º Regulamento do Ensino Secundário, a pedido do seu Reitor, com publi-

cação trimestral. Este pedido foi satisfeito por despa-cho ministerial de Outubro de 1931 e, posteriormente, preceituado pelo Ponto 1, Art.º 327.º do Estatuto do Ensino Secundário.4Faleceu neste passado dia 13 de abril de 2014, com 100 anos.5Martha Dantas (1923-2011), professora de Didática da Matemática da Faculdade de Filosofia da Baía.6Gonçalves Calado, metodólogo no Pedro Nunes. Em 1955, pertenceu à subcomissão portuguesa nomeada para a Comissão Internacional do Ensino da Mate-mática, fizeram parte dois professores universitários, Vicente Gonçalves e Sebastião e Silva e dois professo-res dos liceus, Gonçalves Calado e Silva Paulo (Matos, 1989).7Sebastião e Silva assistiu à Conferência de Calado de 1958 no Liceu Normal de Pedro Nunes, bem como Del-fim Santos (para referir apenas os nomes citados neste trabalho), entre outros.8Para o caso dos estagiários foi feito um outro estudo (Matos e Monteiro, 2010).9Este metodólogo do Liceu Normal de Pedro Nunes assina um artigo na revista Palestra, n.º 34, de 1968, sobre a Coordenação dos ensinos da Matemática e da Física.

Figura 2: Fachada do Liceu Central de Pedro Nunes (Fonte: www.espn.edu.pt)

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ESCOLA

Ensino a DistânciaExperiência Desafiadora

Ana Paula Silva Professora de Matemática

Escola Secundária de Fonseca Benevides

No ano lectivo de 2012-2013 fui colocada na Es-cola Secundária de Fonseca Benevides [ESFB], em Lisboa. Maioritariamente o serviço lectivo que me foi distribuído foi leccionar Matemática a turmas de 8ºs e 9ºs anos do Ensino a Distância para a Itinerância (EDI), projecto único no país, existente desde 2010 na Escola e criado pela Portaria nº. 812/2010. Este tipo de ensino foi su-cessor da Escola Móvel a qual resultou de uma experiência pedagógica iniciada em 2005, como projecto de ensino a distância, destinado a alu-nos, filhos de profissionais itinerantes.

Foi para mim uma experiência demasiado inte-ressante e desafiadora para deixar de prosseguir na sua continuação em 2013-2014. Este ano todo o meu serviço lectivo é realizado no Ensino a Dis-tância com turmas de 5ºs, 6ºs e 8ºs anos. Nunca tinha leccionado 2º ciclo, tive de me empenhar muito para, num ano de mudança de Metas Cur-riculares, ficar a par do que está envolvido nos objectivos, competências e conhecimentos a ad-quirir pelos alunos neste ciclo de ensino.

Considero que esta modalidade de ensino é completamente diferente do ensino presencial, não temos acesso imediato, visual às reacções dos alunos, temos de lidar com a ausência física. No ensino presencial percebemos as reacções dos alunos e temos um feedback imediato, no computador isso não acontece. Apesar de não ser fácil e de ser preciso muito, mas muito mais tempo para preparar as aulas, escolhi ficar no ensino a distância, quis continuar com o projec-to e considero gratificante ver hoje o esforço re-compensado em termos de resultados.

Consideram-se abrangidos, nesta modalidade

de oferta educativa, para o ensino básico e se-cundário, os alunos que, devido ao carácter de itinerância que a actividade profissional dos seus encarregados de educação determina, estão su-jeitos a deslocações frequentes da sua residên-cia e frequentam, por isso, um grande número escolas ao longo do ano lectivo. Os alunos têm acesso ao estatuto de aluno itinerante quando as famílias comprovam a sua situação profissio-nal de itinerância (cartão de feirante, de profis-sional de actividades circenses, comprovativo de profissional itinerante, etc.). Requer-se aos alu-nos ter um computador e ligação à Internet.

As disciplinas seguem os programas e as metas curriculares em vigor no sistema educativo por-tuguês. A carga horária semanal respeita a carga prevista nas matrizes constantes do Decreto-Lei n.° 139/2012.

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O ED funciona através de uma plataforma digi-tal, constituída por salas de aula virtuais, orga-nizadas por turmas, com recurso às formas de trabalho síncronas e assíncronas.

Os alunos têm o seu horário como se estivessem presencialmente numa escola e quando entram na “sala de aula”, já os professores têm escrito o sumário, os objectivos, a apresentação da maté-ria, através de power-point, vídeos, etc, fóruns e as tarefas. Simultaneamente devem ter a janela de chat aberta de forma a acederem e participa-rem com colegas e professores numa comunica-ção escrita, onde são dadas todas as instruções, especificações, observações, retiradas as dúvi-das, etc, semelhante à comunicação verbal que um professor efetua numa aula presencial.

Sou tutora da turma de 5º ano, com dezanove alunos, figura, que nesta modalidade de oferta educativa, entretanto criada e regulamentada pela Portaria n.º 85/2014 de 15 de abril, é mais abrangente do que a de directora de turma. Os professores tutores têm de assegurar o acompa-nhamento personalizado aos alunos inscritos no ED, articulando o seu trabalho com os professo-res responsáveis por cada disciplina, na procura de respostas específicas e individuais que contri-buam para o desenvolvimento pessoal, social e escolar dos alunos.

Ajudar os meus meninos de 5º ano, com 9 e 10 anos de idade, que saíram de uma escola e entraram nesta modalidade de ensino, tem sido uma das tarefas mais desafiadoras e grati-ficantes. Ensiná-los à distância a aprenderem a lidar com a forma como as aulas se organizam: uma plataforma virtual, um chat para falar com os colegas e os professores, as vídeo-chamadas para aulas específicas e um fórum para recolher os materiais das disciplinas e sobre todas as questões técnicas relacionadas com a operacio-nalização de todo o sistema é um trabalho que excede em muito o horário semanal atribuído, que requer muita abnegação e dispêndio de energia emocional. Mas os meus alunos têm-no merecido, bem como os seus encarregados de educação.

A imagem está no site http://www.rtp.pt/play/p1398/e152996/portugal-em-direto, o qual apresenta um artigo sobre o Ensino a Distância. Nesse dia tinha comigo uma das minhas alunas do 5º ano, que veio à escola a fim de resolver alguns dos problemas que estava a ter com a matéria e com o computador.

Tenho alunos em Angola, Dubai, Noruega, Fran-ça, Espanha. Alguns são filhos de pais emigran-tes. Muitos pais conseguem, no intervalo das suas obrigações profissionais, acompanhar os estudos dos seus filhos. Este ano foram incluí-das meninas de etnia cigana, jovens de centros de reinserção social e alunos que, por motivo de doença, não conseguem frequentar a escola. E tenho a convicção de que o público alvo, além de crescer, ainda se diversificará. Somos 25 pro-fessores, temos cerca de 170 alunos, divididos por 11 turmas entre o 5º e o 12º ano.

No 8º ano lecciono a jovens da instituição Ajuda de Mãe, entidade parceira do projecto desde o início. Trata-se de alunas que engravidam duran-te o seu percurso escolar, no ensino regular, e que retornam ao ensino, através desta modali-dade, o que lhes permite cuidar dos seus bebés na instituição e irem com alguma frequência à escola, tirar dúvidas com os professores, visto que a instituição é relativamente perto. Algumas que acabaram o 12º ano estão a iniciar o seu es-tágio de Marketing. A avaliação e o acompanha-mento do ED para os ensinos básico e secundá-rio são assegurados pela DGE e pela ANQEP, I.P., no caso do curso profissional.

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ESCOLA

Bom Aluno a Matemática… Porquê?!

Francisco DuqueAluno do 11º Ano

Escola Secundária de Cacilhas-TejoAlmada

Honestamente, é me impossível dizer quando é que despertei verdadeiramente para o mundo da Matemática. Simplesmente foi acontecendo, os anos foram avançando e eu fui progredindo como aluno sem nunca ter apresentado grandes dificuldades nesta disciplina. Existem algumas matérias que aprecio e domino mais do que outras, como é óbvio, mas no geral, até agora encarei a Matemática de uma forma interes-sada e até descontraída procurando apreciar e compreender o que me é transmitido. Gosto muito de puzzles e desafios e os problemas de Matemáticas são muitas vezes desafios. Trata-se ver entre as peças que temos e tentar conjugá-las com as peças dadas no enunciado de modo a construir a figura e quando o fazemos é uma sensação maravilhosa, tanto maior quanto mais difícil o problema tal como nos puzzles

Em relação aos meus pais, ambos apresentam uma relação estreita com a Matemática. A mi-nha mãe, apesar de licenciada em Agronomia, é professora de Matemática do Ensino Básico. Já o meu pai é professor de Informática, licen-ciado em Engenharia Eletrotécnica, pelo que apresenta naturalmente um conhecimento ma-temático algo profundo. Todavia, nunca procuro muito o auxílio dos meus pais no meu processo de aprendizagem e pedir-lhes ajuda deixa-me profundamente incomodado, especialmente no caso do meu pai que quando consegue resolver um problema que eu não consegui, não hesita em assinalar esse acontecimento.

Penso que a má fama da matemática se deva à falta de compreensão, desde muito cedo, por parte dos alunos. Falando um pouco como

Descartes, a Matemática é um edifício muito complexo que para ser construído necessita de bases sólida e seguras. O problema é que muitos alunos nunca chegam a compreender os funda-mentos da disciplina, o que leva a que constru-am um edifício defeituoso. Isto dá aso a um efei-to bola neve e quanto mais se vai aprendendo mais se vai odiando porque as dificuldades vão sendo cada vez maiores devido à falta de pre-paração. É como jogar um jogo onde perdemos sempre, um puzzle que por mais que tentemos, nunca conseguimos acabar.

Nunca tive explicações quer seja a matemática ou a qualquer outra disciplina. O único «apoio» que recebi foi o incentivo dos meus professo-res a ir à procura de mais, aprofundar os meus conhecimentos. Cresci sempre rodeado de pes-soas que cultivaram em mim um certo inconfor-mismo e até ambição que faz com que eu queira sempre saber mais.

Na minha opinião, um método que traria benefí-cios para os alunos e ajudaria a renovar a forma como os se aprende Matemática é o trabalho de campo. Não digo visitas de estudo, mas os verdadeiros Matemáticos não se limitam a ficar

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fechados a pensar. Ainda que a Matemática seja a priori é fundamental para os alunos compre-enderem que as derivadas e limites têm um inte-resse prático, estão na Universo e não resumem ao número e ao nosso intelecto

O desempenho dos professores é, a meu ver, bastante relativo. «Não existem maus alunos, só maus professores» é das mentiras mais horren-das que alguma vez ouvi. Se uma pessoa não qui-ser aprender, não há ninguém que a vá ensinar. Ninguém. No meu caso, sempre tive o interesse de saber mais e confesso que, não fosse a minha professora primária, não sei se hoje estaria aqui a dar esta entrevista. Por muito mérito que o resto das minhas professoras de matemática (sempre foram professoras curiosamente) tenham tido, porque o tiveram, nada equivale ao trabalho da minha professora primária. Chegando a um certo nível de maturidade, um bom aluno conse-gue aprender mesmo tendo um mau professor, consegue aprender. Com mais trabalho e suor, mas consegue. Porém, para atingir esse nível é necessário que se construa não só um aluno, mas um indivíduo autónomo e capaz e a minha professora primária teve um papel fulcral nessa construção e por isso desejo-lhe um eterno obri-gado. Contudo, outros não tiveram tanta sorte e o problema que se vive hoje nas escolas em relação à Matemática não reside nos docentes, no programa, no Ministério mas sim nos alunos. A minha geração tem tudo ao seu dispor. Num rectângulo de 10x7 cm consigo saber tudo o que se passa em meu redor. Todavia, continuamos a dizer que não somos capazes. Os nossos avós escreviam em ardósia e conseguiram. Muitos dos nossos pais tiveram que trabalhar enquan-to estudavam e conseguiram. No entanto, aqui estamos nós, sentados no nosso trono tecnoló-gico com acesso a toda a informação do mundo a afirmar que não conseguimos. Óbvio que não conseguimos, nem sequer nos esforçamos. Para que o ensino da Matemática e das outras disci-plinas possa melhorar é necessário uma mudan-ça de mentalidades a começar pelos pais, que deviam primeiro olhar para os filhos do que para os professores como causa do problema

Sou bom aluno ao resto das disciplinas, incluin-do a Educação Física, algo de que me orgulho bastante pois desmistifica o estereótipo de que o bom aluno a Matemática é péssimo a fazer exercícios que envolvam a totalidade do corpo. Em relação à importância da Matemática vejo-a como um pilar do conhecimento. A Física e Quí-mica apoderaram-se da Matemática para des-crever o mundo. Já a Biologia e Geologia utilizam muitos dos conhecimentos dados pela Física e Química e como tal, pela Matemática. Mesmo em relação às chamadas «ciências sociais», a Matemática ensina-nos a raciocinar, algo funda-mental para qualquer área.

Uso a máquina de calcular, sou obrigado a fa-zê-lo. Para visualizar gráficos de funções, fazer cálculos estatísticos e algébricos. Mesmo nas operações mais simples utilizo muitas vezes a máquina de calcular, não vá o cérebro estar en-ganado. Por exemplo, bem recentemente du-rante a resolução de um exercício num teste de Matemática, declarei que 3x3=6, mesmo tendo já ficado em 3º e 2º lugar no Campeonato Nacio-nal de Cálculo Mental SupertMatik, o que prova que qualquer um pode errar e não é vergonha nenhuma utilizar máquina calcular. Porém, é importante que sejamos incentivados a fugir da máquina e fazer «as contas de cabeça» já que o uso da máquina torna-nos preguiçosos.

Já ganhei diversos prémios quase todos no âm-bito da Matemática. Tal como disse anterior-mente, já fiquei em 3º e 2º lugar no Campeo-nato Nacional de Cálculo Mental SupertMatik, participei no projecto Pangea, costumo sempre marcar presença na segunda fase das olimpíadas da Matemática, fui finalista, juntamente com o resto dos meus colegas, do concurso Radical Estatística, 10º lugar nas Olimpíadas Nacionais da Biologia do 10º ano e bem recentemente, juntamente com o meu colega e grande amigo Miguel Palas, atingimos o 1º lugar nos Campe-onatos Nacionais da Ciência, competição mat12 para 11º ano realizados anualmente na Univer-sidade de Aveiro (após um 3º lugar na edição do ano anterior)..

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ESCOLA

Bom aluno a matemática… Porquê?!

Gonçalo RoloAluno do 11º Ano

Escola Secundária Daniel SampaioAlmada

A matemática é uma ciência exata que está liga-da ao raciocínio lógico e abstrato e que é, sem margem para dúvidas, essencial para todos, mesmo para aqueles que a detestam porque, na verdade, acabam por precisar dela.

Se pensarmos bem, sem nos apercebermos, usamos a matemática para as mais diversas actividades e, provavelmente, não a usamos mais por falta de conhecimento. Por exemplo, quando vamos ao hipermercado e pretendemos ver qual dos produtos é mais barato entre duas marcas diferentes, uma regra de três simples é o que basta para resolver o problema. No entanto, provavelmente, muitas das pessoas não sabem da existência desta simples mas útil ferramenta.

Para mim, a matemática sempre foi uma disci-plina de eleição. Esta é uma área em que não tenho dificuldade de me concentrar e sobre a qual tenho grande curiosidade em saber mais, não querendo com isto dizer que as outras disci-plinas são inúteis. No entanto, esta é a disciplina da qual penso que vou sempre precisar.

Apesar disto, a matemática não é vista da me-lhor forma por grande parte das pessoas. Na

minha opinião, o gosto por uma disciplina cons-trói-se, não nasce connosco e talvez seja por isso que a matemática é mal-amada. Penso que o problema de muitos alunos não gostarem de matemática não tem a ver com o fato de não gostarem realmente da disciplina, mas sim com o fato de a ideia que construíram sobre ela não ser a melhor. Isto talvez porque quando come-çaram a aprender matemática não tiveram bons professores que fossem capazes de lhes trans-mitir a utilidade da disciplina. Seria normal que existissem pessoas que não gostassem de mate-mática visto que os gostos variam, mas os limi-tes começam a ser ultrapassados quando alunos que escolhem uma área ligada às Ciências e Tec-nologias não gostam da disciplina que funciona como sua base.

Quanto a mim, penso que o gosto pela mate-mática cresceu exponencialmente nos últimos 2 anos, principalmente graças à minha profes-sora de matemática. O papel que o professor desempenha no ensino é fundamental, porque é ele que deve saber como motivar os alunos e fazer com que eles se esforcem. Penso que é aí que reside o principal problema do ensino nas nossas escolas em qualquer disciplina, pois não existem muitos professores com esta capacida-de imprescindível.

Em suma, a matemática é importante para tudo e, quer queiramos quer não, ela estará sempre presente.

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ESCOLA

Boa Aluna a Matemática… Porquê?!

Inês BonitoAluna do 12º Ano

Escola Secundária Daniel Sampaio Almada

Desde pequena que tenho grande afinidade para os números, e penso que o meu gosto pela matemática tenha começado ainda antes de in-gressar na escola primária. A minha mãe sem-pre se esforçou por me ensinar, em pequena, os números, fazer contas e, mais importante, a gos-tar de as fazer. Ao longo de todo o meu percurso escolar, os meus pais têm tido uma relevante importância no meu sucesso, pois sempre me forneceram os meios necessários para atingir os meus objetivos.

Cá em casa há diversas opiniões quanto à ma-temática. A minha mãe sempre gostou dela, no entanto o meu pai não nutria por ela grande simpatia. Já o meu irmão, que se encontra no segundo ano, embora goste da matemática, é um rapaz muito preguiçoso, grande problema dos jovens da nossa geração. Esta disciplina re-quer muito trabalho e dedicação, não basta ser bom. É por este motivo que penso que a mate-mática seja uma disciplina mal amada, é neces-sário persistência, e muitos alunos, quando não conseguem fazer à primeira, já não tentam a se-gunda. Tal como a minha professora colocou na sala de aula, “Talento é 1% de inspiração e 99% de transpiração”(Thomas Edison), acontece que a maioria não está disposta a “transpirar” pela matemática.

Felizmente nunca precisei de explicações fora da escola, sempre bastou as aulas de apoio dadas pela professora. Desde o décimo ano, o meu percurso nesta disciplina tem sido sempre as-cendente, no entanto o mérito não é só meu. A minha professora, Fátima Delgado, teve, desde o

início, uma grande pertinência no meu sucesso académico, na medida em que não só nos tenta ensinar, mas também motivar-nos a trabalhar e a gostar da matemática. Sendo uma disciplina mal amada, é necessário que o professor não só nos ensine, mas também que transpareça o seu gosto pela disciplina de forma a que come-cemos também a gostar dela. Em todas as aulas de secundário a que assisti a matemática, não houve uma única em que a professora não o te-nha feito.

Ao longo do ensino preparatório, somos um pouco habituados a usar a calculadora, algo que nunca tinha percebido até alcançar o décimo ano, quando entendi que já quase não conse-guia “viver” sem ela, pelo que os últimos três anos têm sido importantes para gradualmente tirá-la do meu sistema.

O meu gosto pela matemática, embora exista desde pequena, deparou-se com alguns obstá-culos ao longo dos anos, no entanto há algo nela que sem dúvida me encanta. Obriga-nos a pen-sar, encontra sempre novas formas de nos de-safiar e desenvolve em nós um raciocínio mais lógico. É por isto, e muito mais, que eu gosto e sou boa aluna a matemática.

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ESCOLA

Um Olhar Sobre… brincar e descobrir a Matemática no pré-escolar!

Anabela Magalhães Ana Marta Moita de Macedo

Carla Sofia Laneiro Edna Moreira

Maria da Conceição Neto Maria do Céu Cardoso

Maria do Rosário Almeida Equipa Pedagógica do pré-escolar

do Colégio Campo de Flores

“O reconhecimento precoce da importância da matemática como um poderoso instrumento de comunicação e de interpretação do real, feito de modo lúdico e criativo, em contextos familia-res, ajuda as crianças a desenvolverem as suas capacidades neste domínio e a forma como a matemática está presente no nosso quotidiano.” Rodrigues (2010)

A matemática é, desde sempre, uma ciência de-safiante, por nem sempre conseguir conquistar o interesse dos alunos.

Segundo uma notícia recente do Jornal Público, especialistas como Peter Mathews, relacionam o ensino da matemática, da leitura e da escrita com o sucesso escolar, reforçando a ideia de que o empenho precoce nestas áreas poderá dimi-nuir o abandono do ensino.

Peter Mathews defende que as metodologias e estratégias utilizadas pelas escolas devem ser mais estimulantes e atrativas, ajudando os alu-nos a progredir.

A matemática no pré-escolar tem benefícios tão importantes como o desenvolvimento do racio-cínio lógico e da criatividade, potencializando a resolução de problemas.

Vítor Corado Simões, economista do ISEG, alega que “o domínio da matemática é fundamental para a ginástica do raciocínio, que dá às pessoas a capacidade de avaliar e resolver problemas”.

Através da capacidade de compreender a reali-dade, a criança pode transformá-la.

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Será, então, importante começar, desde cedo, a cultivar o interesse pelos conceitos matemáti-cos? Fará, então, sentido falar-se em trabalhar matemática no Pré-escolar? É cada vez mais comum, começar a ouvir-se falar em matemática nas idades mais precoces. Pre-tende-se, no fundo, que a matemática no pré-escolar, estimule o pensamento.

Piaget refere que as crianças passam por uma serie de estádios de desenvolvimento sequen-ciais e que só depois de passarem por alguns de-les é que se tornam capazes de formar conceitos como a conservação de número.

O mesmo autor refere que certos esquemas - es-truturas mentais - têm que estar formados para que as crianças possam compreender a mate-mática.

Por isso, se a criança ainda não descobriu de-terminadas relações lógicas, a compreensão de conceitos geométricos, ou até mesmo o enten-dimento do conceito de número, poderá ser di-ficultado.

Piaget defende, ainda, que o sistema intelectual, ou seja, o estádio de desenvolvimento em que a criança se encontra em determinado momento, deve ser tido em conta quando se pretende pro-mover aprendizagens.

Na idade pré-escolar, as crianças, segundo o mesmo autor, encontram-se no Estádio do Pen-samento Intuitivo ou Pré-Operatório, demons-trando ser capazes de um pensamento intuitivo, fazendo livres associações e fantasias, libertan-do-se das limitações impostas pela realidade e experimentando.

Entre os processos cognitivos do Estádio Pré-operatório, identificados por Piaget e por ou-

tros investigadores, estão a função simbólica, a compreensão das identidades, a compreensão da causa-efeito, a capacidade para classificar e a compreensão do número.

As crianças em idade pré-escolar desenvolvem a capacidade de classificar objetos, pessoas e acontecimentos, em categorias baseadas em si-milaridades e diferenças, conseguindo classificar utilizando dois critérios, como a cor e a forma.

Também a compreensão dos conceitos numéri-cos básicos parece começar nos dois primeiros anos de vida (Denney, 1972).

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Por sua vez, Vygotsky aponta dois níveis de de-senvolvimento: o real e o potencial. O primeiro resulta da maturação do sujeito, dominando a criança algumas capacidades sozinha; enquanto o segundo está ligado à resolução de problemas, feita com auxílio do adulto.

Deste modo, Vygotsky considera que o desen-volvimento cognitivo ocorre pelo processo de interação social.

Definiu aquilo a que chamou Zona de Desenvol-vimento Proximal (ZDP) para explicar como se processa o desenvolvimento da criança. Assim, a ZDP define a distância entre o desenvolvimento real e o potencial da criança, ou seja, o nível de desenvolvimento por ela alcançado quando re-solve problemas com ajuda.

Partindo deste pressuposto, as crianças conse-guem alcançar um nível de desenvolvimento superior ao que conseguiriam apenas por si pró-prias.

A pedagogia deve, por isso, incidir nas compe-tências em vias de maturação, em vez de incidir nas já maduras.

Aqui importa realçar a importância do papel do educador, o qual, de acordo com a teoria de Vygotsky, deve atuar na referida ZDP, desafiando as crianças a atingir metas que de outra forma poderiam não ser capazes.

Na nossa opinião, um bom jardim-de-infância é aquele que ajuda as crianças a aprender como relacionar-se com os outros e a desenvolver competências sociais e emocionais, tais como a cooperação, a negociação, o compromisso, o autocontrolo e a resolução de problemas.

No entanto, o contributo mais importante é, sem dúvida, fazer as crianças sentirem que a aprendi-zagem é gratificante e que elas são capazes.

É desde muito cedo que, nas suas brincadeiras, as crianças começam a construir a sua relação com a matemática.

O nosso objetivo, enquanto educadores, é in-citar as crianças a construir os conceitos mate-máticos, como resposta a situações do dia a dia, partindo sempre do conhecimento que estas já possuem quando chegam até nós.

É no pré-escolar que a criança, se estimulada, pode adquirir uma linguagem própria da mate-

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mática. O educador tem aqui um papel crucial: nas experiências que promove, nas perguntas que faz, no incentivo que dá à resolução autóno-ma de problemas, ao contar histórias e ao fazer jogos com os alunos.

O quotidiano oferece múltiplas possibilidades de aprendizagem da matemática, cabendo ao edu-cador aproveitar os momentos, potencializando-os e dando-lhes intencionalidade educativa.

Este fator pode tornar-se decisivo para a existên-cia de aprendizagens significativas no domínio da matemática.

O sucesso das aprendizagens futuras depende da qualidade das experiências proporcionadas no Jardim de Infância.

Por outro lado, as experiências que não sejam matematicamente significativas, podem levar à ideia errada de que a matemática se resume a atividades de memorização, que não contribui para o desenvolvimento do raciocínio lógico, nem é útil para o dia a dia.

No Colégio Campo de Flores as crianças seguem percursos de aprendizagens progressivas. O cur-rículo e os objetivos são ajustados à faixa etária e atendem às necessidades e características in-dividuais e do grupo.

As planificações das atividades têm como su-porte as Orientações Curriculares e as Metas de Aprendizagem do Ministério da Educação.

Quando a criança sai do pré-escolar tem ferra-mentas e conhecimentos que a ajudam, poten-cializando as suas capacidades, proporcionando aprendizagens de conceitos matemáticos e a re-solução de problemas do quotidiano.

No nosso Colégio é tida em conta esta continui-dade, havendo sempre a preocupação de se fa-zer a ponte entre o pré-escolar e o 1º Ciclo.

As Orientações Curriculares, as Metas de Apren-dizagem para a Educação Pré-Escolar e o Projeto Pedagógico do educador apontam-nos o cami-nho, numa perspetiva de articulação e de trans-versalidade das diferentes áreas e domínios de

desenvolvimento, e realçam o papel ativo da criança, no seu processo de aprendizagem e de-senvolvimento, que conduz ao conhecimento, assentando em fundamentos como a indissocia-bilidade entre o desenvolvimento e a aprendiza-gem.

A criança assume-se como o sujeito do seu processo educativo e a construção do Saber deverá fazer-se de modo articulado e equilibra-do, o que significa que as diferentes áreas de conteúdo devem ser abordadas de uma forma integrada.

Neste sentido, o nosso trabalho educativo ba-seia-se numa pedagogia diferenciada.

As Metas de Aprendizagem abrem-nos perspe-tivas de um trabalho, a realizar em Educação de Infância, que levam a uma constante reflexão, reformulação e adequação ao Grupo a que se destinam - e a cada uma das crianças na sua in-dividualidade - de modo a que seja possível pro-porcionar-lhes situações de aprendizagem, cada vez mais, adequadas ao seu desenvolvimento. Também se pretende proporcionar-lhes meios que as ajudem a obter respostas para as ques-tões que a sua natural curiosidade lhes impõe.

A matemática no pré-escolar deixou de ser encarada como um domínio da Expressão e Comunicação e passou a ser vista como uma área de conteúdo. Não surgindo como compartimento estanque e seguindo uma metodologia estruturada, intencional e sistemática no processo de aprendizagem e desenvolvimento. Na nossa escola estruturamos o currículo do processo ensino/aprendizagem da matemática em três áreas: Números e Operações, Geometria e Medida e Organização e Tratamento de Dados, com vista a fomentar o desenvolvimento do raciocínio logico-matemático e a consolidação de aprendizagens estruturadas e consistentes.

No dia a dia, no pré-escolar, há muitas oportu-nidades de explorar e descobrir a matemática.

Desta feita, o educador organiza a rotina e a planificação diária, de modo a propiciar variadas situações de aprendizagem que levem a criança

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a questionar o Mundo, à sua volta, e a tentar apropriar-se de uma linguagem matemática, adequada ao seu nível de desenvolvimento, para conseguir explicar como percepciona o que a rodeia.

Quando se fala em matemática, é frequente pensarmos de imediato em números e operações. Mas a matemática é bem mais que isso. É sabido que o desenvolvimento do sentido de número é um dos tópicos principais no âmbito da matemática, por isso, o educador aplica-se em promover muitas e diversificadas atividades para ajudar as crianças a desenvolver, de forma progressiva, competências essenciais neste domínio, certo de que estará a contribuir para aprendizagens futuras mais consistentes e conscientes.

Ao propor tarefas desafiadoras, o educador proporciona às crianças vivências e experiências matemáticas significativas, incentivando-as a classificar, contar, quantificar, estimar, associar, seriar, agrupar, representar e estabelecer relações numéricas, entre outras.

Neste sentido, entre os 3 e os 6 anos de idade, as crianças deparam-se com muitas oportunidades que lhes permitem desenvolver conceitos numéricos fundamentais, adequados ao seu nível de desenvolvimento.

Também em contexto pré-escolar, a Geometria assume um papel muito importante, já que as crianças, curiosas face a tudo o que as rodeia, descobrem padrões e formas que as ajudam a construir as primeiras ideias/conceitos geométricos.

Demonstram particular interesse por reconhecer, diferenciar, nomear e representar figuras geométricas, comparam-nas com objetos do seu quotidiano, reconhecem e utilizam noções de posição e orientação espacial e ampliam o seu vocabulário, apropriando-se de uma linguagem mais específica.

Também se interessam e desenvolvem noções de medida, comparando alturas, medindo dife-rentes espaços, recorrendo a unidades de me-dida não convencionais (passos e palmo) e tam-bém utilizando medidas padrão (como o metro, a régua, fitas métricas e copos de medição).

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Diariamente, a criança é incentivada a descrever, organizar, representar, analisar dados e a fazer descobertas. Fomentam-se questões para esclarecer dúvidas, recolhem-se e analisam-se dados que se interpretam e são postos em comum.

Há maneiras diferentes de representar as informações recolhidas. Pode recorrer-se ao uso de gráficos, tabelas, diagramas ou pictogramas. O importante é que a criança perceba, que para organizar e tratar dados, é necessário envolver-se em atividades de classificação e contagem.

A matemática assume-se, desta forma, cada vez mais, importante em idade pré-escolar.

Isto é, nota-se uma preocupação constante por iniciar as crianças nas aprendizagens matemáti-cas cada vez mais cedo, de forma adequada ao seu nível de desenvolvimento cognitivo.

A educação pré-escolar, tem um papel impor-tante para formar crianças que pensem, que criem, que descubram e que sejam capazes de construir e reconstruir o conhecimento mate-mático.

As competências cognitivas, psicomotoras e socio-afetivas, apontam para uma pedagogia construtivista, que assenta numa dinâmica de trabalho que corresponde aos interesses e ne-cessidades das crianças, tornando-as ativas.

A aprendizagem baseia-se na centralidade da criança como construtora do seu próprio co-nhecimento e do princípio de que a criança aprende fazendo, sendo por isso fomentada a experiência e a descoberta.

A construção do conhecimento, do saber mate-mático, passa pela metodologia que se emprega e também pela capacidade do educador provo-car a construção deste conhecimento.

O educador, agindo como facilitador e provo-cador da aprendizagem, colocando situações problemáticas, proporcionando atividades, ma-teriais, oportunidades e experiências de apren-dizagem que levem à procura de soluções, está a contribuir para que as aprendizagens se estru-turem, se vão organizando e se vão subsidiando umas às outras, na construção e aquisição de uma aprendizagem matemática consistente e com sentido para a criança.

O uso de metodologias ativas apontam para a

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necessidade de dar às crianças material adequa-do, a fim de que, jogando, cheguem a processos inteletuais de assimilação, acomodação e trans-formação do conhecimento, não se pretenden-do acelerar, mas antes enriquecer o seu desen-volvimento.

A vertente lúdica da aprendizagem assume-se como um recurso didático de grande valor, na medida em que a criança aprende melhor jo-gando, manipulando e observando, com vista ao desenvolvimento de uma capacidade reflexiva sobre o que faz ou o que a rodeia.

Ao brincar com a matemática, a criança aprende a agir, a sua curiosidade é estimulada, adquire iniciativa, favorece o desenvolvimento do pensa-mento matemático, a construção de linguagem matemática e o saber matemático.

Piaget afirma que a atividade lúdica com obje-tivo matemático definido é o berço obrigatório das atividades inteletuais da criança. Nesta pers-petiva de pensar a Educação, o saber matemáti-co construído, experienciado, muito do agrado das crianças, leva ao verdadeiro conhecimento.

A área da matemática é fundamental para o co-nhecimento, tem um âmbito muito vasto e ajuda as crianças a compreenderem melhor o Mundo à sua volta e a estruturarem o seu pensamento, à medida que se vão entusiasmando com a reso-lução de problemas, explorando, questionando, registando, organizando e debatendo as conclu-sões que vão encontrando.

O educador tem um papel fulcral para ajudar as crianças a desenvolver competências nesta área e deve incitar as crianças no sentido de as questionar para estimular o seu pensamento matemático, de modo a poderem sistematizar e consolidar as aprendizagens.

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O educador deve assumir-se como um profis-sional reflexivo e deve manter-se o mais atua-lizado possível sobre as perspetivas atuais da Educação, tanto ao nível do desenvolvimento da criança, como ao nível dos conteúdos a ex-plorar.

A formação contínua tem um papel crucial na valorização da profissão docente, surgindo como uma necessidade do educador em estar atuali-zado, em querer fazer mais e melhor, progredir, inovar e estar mais apto para o desempenho da profissão que abraça.

Trocar experiências e partilhar saberes contribui para o desenvolvimento profissional e para a qualidade da Educação. O trabalho colaborativo promove, assim, a reflexão entre pares e a parti-lha de saberes, conduzindo à melhoria das práti-cas pedagógicas, com vista ao desenvolvimento de um ensino de qualidade.

Este desejo de querer saber sempre mais, leva-nos a procurar frequentemente formação espe-cífica.

Ao longo deste ano letivo, tivemos a oportunida-de de beneficiar de uma ação formativa, promo-vida pelo Centro AlmadaForma, intitulada: “Jar-dim de Infância: Que Matemática?”, dinamizada pela Doutora Maria Paula Rodrigues.

O contacto com profissionais mais experientes, como o que foi possível na formação já referida, proporcionou-nos uma troca de saberes e tem vindo a assumir-se como uma mais-valia na for-mação contínua e na nossa prática pedagógica.

Esta formação trouxe-nos uma perspetiva en-riquecedora da matemática, na articulação de conteúdos entre o pré-escolar e o 1º ciclo, na construção de atividades, na partilha de estra-tégias e na construção de novos materiais, ade-quados aos diferentes escalões etários.

A importância da educação pré-escolar é cada vez mais reconhecida e sabe-se que é nesta fai-xa etária que se realizam muitas aprendizagens significativas, alicerces de futuras aprendiza-gens/conhecimentos.

Por isso, SIM! Acreditamos que é fundamental cultivar o interesse pelos conceitos matemáticos desde cedo.

A criança em idade pré-escolar beneficiará ao ter oportunidade de crescer num contexto edu-cativo estimulante que lhe permita desenvolver competências relacionadas com a comunicação matemática, a resolução de problemas e o seu raciocínio lógico-matemático.

Referências bibliográficas:

DEB (1997). Orientações curriculares para a educa-ção pré–escolar. Lisboa: Ministério da Educação.

PAPALIA, E. Diane et al (2001). O Mundo da Criança. Editora Mcgraw-Hill, Lisboa.

RODRIGUES, (2010). O sentido de um número: uma experiência de aprendizagem e desenvolvimento no pré-escolar. Dissertação de doutoramento inédito. Universidade da Estremadura. Faculdade de ciên-cias de la Education.

SPRINTHALL, N. & SPRINTHALL, R. (1993). Psicologia Educacional: uma abordagem desenvolvimentista. Lisboa: McGraw-Hill.

SPODEK, B. & SARACHO, O.N. (1998). Ensinando Crianças de três a oito anos. Porto Alegre: Artmed.

Sites:

Lopes, M.J. (2014, Março 25). Apostar mais na leitura, escrita e matemática no ensino básico reduz abandono escolar. Jornal Público.

Disponível em: http://www.publico.pt/sociedade/notic ia/apostar-mais-na- leitura-escr ita-e-matematica-no-ensino-basico-reduz-abandono-escolar-1629706

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ESCOLA

As Nossas Aulas de MatemáticaA opinião dos alunos

Eu gosto de aprender Matemática porque nós aprendemos muita coisa gira! Resolvemos pro-blemas e aprendemos corrigir os erros a partir das resoluções explicações das estratégias dos colegas.

Até agora, já aprendemos a numeração romana; medidas de comprimento; capacidade; massa e tempo; a diferença entre círculo e circunferên-cia; frações próprias e impróprias e muitas ou-tras coisas interessantes.

Eu gosto muito de Matemática e todos nós, na minha turma, gostamos de Matemática.

A Matemática para mim é resolver problemas; utilizar estratégias de cálculo mental e fazer mui-ta Geometria.

A Matemática está em todo o lado e a professo-ra respira Matemática.

Guilherme PerdigãoAluno do 3º Ano

Agrupamento Conde de Oeiras EB1 Joaquim Matias

A Matemática é uma ótima disciplina.

Na minha escola todos os dias a trabalho e estou sempre a aprender coisas novas acerca desta área.

A minha professora é muito clara ao ensinar. Adoro explorar os problemas, as respostas e as ideias diferentes sobre o mesmo assunto.

Gosto de elaborar diferentes estratégias para chegar a várias conclusões, o que para mim é bastante interessante. Se bem que não gosto muito de fazer certas contas como as divisões porque exigem maior concentração.

Nós, nesta disciplina, usamos vários materiais, tais como: o compasso, o transferidor, o esqua-dro, o Geoplano, o MBA, os sólidos, o tangram, … Gosto muito de trabalhar com eles pois aju-

dam-me a aprender melhor os conteúdos de Geometria.

Adoro a Matemática!Inês Liberato

Aluna do 4º AnoColégio Colibri - Massamá

Eu considero as aulas de matemática, muito di-vertidas mas muito trabalhosas, pois trabalha-mos as contas, os números decimais, as frações e muitas outras matérias que desenvolvem o raciocínio.

Gosto muito de trabalhar a Geometria e, princi-palmente, os ângulos e os sólidos geométricos. Também gosto de fazer contas usando diferen-tes estratégias de cálculo.

Nas aulas, a professora dá-nos a conhecer algu-mas matérias mais avançadas que são interes-santes e que me despertam alguma curiosida-de.

Normalmente, usamos vários materiais, tais como o MAB, o compasso, o esquadro, o trans-feridor, o Geoplano e outros, para trabalharmos coletivamente, individualmente ou a pares e fa-zemos muitas descobertas.

Ao realizarmos exercícios, fazendo fichas e re-solvendo problemas, adquirimos muitos conhe-cimentos nesta área e, ao mesmo tempo, desen-volvemos a linguagem matemática.

Para concluir, eu adoro a disciplina de matemáti-ca, pois é complexa e obriga-me a pensar.

Tiago GuerraAluno do 4º ano

Colégio Colibri - Massamá

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ESCOLA

A Matemática e a FamíliaA opinião dos pais

Fazendo uma comparação com o ensino da ma-temática na escola primária dos anos 70 e nos dias de hoje, no formato seguido pelo Colégio Colibri, são evidentes grandes diferenças.

Neste novo formato de ensino impera a inves-tigação e a descoberta. As crianças aprendem as mesmas operações matemáticas que todos nós aprendemos mas adquirindo uma facilidade de cálculo mental e raciocínio que lhes permite chegar a um mesmo resultado de diferentes for-mas. As ações deixam de ser mecanizadas para serem compreendidas. Um exemplo desta situ-ação é uma criança que não decorou todas as tabuadas mas que partindo da tabuada que ela sabe, e através de cálculos mentais que envol-vem outros conceitos como o dobro, triplo entre outras relações numéricas, consegue chegar ao resultado final.

Ao iniciarem a sua formação, desde logo neste formato, tudo lhes parece claro e simples, con-

tudo é sentida uma grande dificuldade pelos pais no acompanhamento deste novo método, de modo a poderem ajudar os seus educandos com alguma dificuldade que surja, por exemplo nos trabalhos de casa.

A constante alteração dos métodos de ensino também dificulta este acompanhamento, uma vez que o meu filho mais velho há quatro anos atrás aprendeu num formato já diferente do meu, mas que já pouco ou nada tem a ver tam-bém com o utilizado no 1.º ciclo do meu filho mais novo.

Sem dúvida que o novo método é para mim mais eficaz e produz resultados mais duradouros, fal-tando apenas estar previsto algum tipo de for-mação para os pais que lhes permita o acompa-nhamento dos filhos.

Helena OliveiraEncarregada de Educação Colégio Colibri - Massamá

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ESCOLA

A Matemática e a FamíliaA opinião dos pais

Da mecanização à descoberta

As Origens da Matemática perdem-se no tempo e remontam ao aparecimento do “Homem” en-quanto ser racional. A sua vida quotidiana trazia “problemas”, cuja “matemática”, era a única via para alcançar a solução. Algumas tribos apenas conheciam o “um”, “dois” e “muitos”, o que, dada a evolução da espécie humana, se tornou manifestamente pouco. Consequentemente, foi surgindo a invenção e aplicação de novos con-ceitos, cada vez mais perfeitos.

Para que todos os intervenientes na solução dos problemas se entendessem, desenvolveram-se várias formas de “contagem” e foram estabele-cidas as regras para o aparecimento da noção de “medida” (numa primeira fase, de comprimen-to, área e volume).

Da necessidade de que “todos” conhecessem as regras e os conceitos, nasceu o “ensino”, que na sua definição mais elementar, se entende como a transferência do “conhecimento”, implicando a interacção entre os elementos, “docente” e “discente”.

A matemática começou por ser “a ciência que tem por objecto a medida e as propriedades das grandezas”, mas atualmente, é cada vez mais a ciência do padrão e da estrutura dedutiva.

Finda a presente introdução e passando à abor-dagem do tema, descrevo a minha experiência desde a fase de “aluno” à etapa de “intervenien-te” na formação das minhas filhas.

Da análise que efetuei sobre o ensino de mate-mática nos últimos anos (desde os anos 70 do século passado até aos nossos dias), detetei algumas diferenças, que atualmente, se refle-tiram no acompanhamento das minhas filhas, enquanto estudantes do primeiro ciclo. Embora tenha formação superior, numa área onde a ma-

temática tem um peso importante (engenharia mecânica), senti algumas dificuldades em trans-mitir o meu conhecimento e em explicar-lhes al-guns métodos de resolução de problemas, uma vez que me apercebi que as atuais metodologias de ensino são bem diferentes das que conheci no passado.

Fazendo uma retrospetiva do período em que fui estudante do primeiro ciclo, na altura intitulado “ensino primário”, verifiquei que o ensino se ba-seava na “mecanização” e no sistema repetiti-vo, mantendo o aluno numa postura passiva na aula, pouco interventivo (o chamado bem com-portado), construindo-lhe a noção de que as ma-térias lecionadas estavam “prontas e acabadas”. Exemplos do que me refiro, são a cantilena da tabuada, as mnemónicas para decorar as formas de resolução dos problemas, muitas vezes sem se saber o “porquê das coisas” e a leitura repeti-tiva de várias matérias para as memorizar, mui-tas vezes, sem entender o seu encadeamento.

Atualmente, concluo que o ensino se está a transformar, e também foi alterada a definição que temos de “aluno”, passando este a ser mais interventivo na aula, mais participativo e inte-ressado na busca da solução para os problemas. Verifico que os alunos dos nossos dias, ao parti-cipar na forma de resolução do problema, inves-tigam, exercitam o raciocínio e com isso instigam a sua curiosidade pela matemática.

Apercebi-me que os alunos passam a construir a sua própria aprendizagem, de forma mais estru-turada lógica e concisa, compreendendo melhor as fórmulas e aplicações matemáticas. Passa-ram de mero sujeito passivo da sala de aula, a elemento participativo, capaz de compreender, aplicar e discutir com o professor, as fórmulas e modelos matemáticos a aplicar na resolução do problema, chegando assim ao resultado pre-tendido. Ou seja, participam na “descoberta”

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da solução. Exemplo disto é a noção que têm da “unidade” e das suas relações (dobro, metade, triplo), da forma como abordam a construção da tabuada e o método de resolução dos pro-blemas, interpretando-os, equacionando-os e analisando o resultado.

Paulo Barbosa Rodrigues Encarregado de Educação

O método de ensino da matemática no 1º ciclo

A entrada do meu filho no 1º ciclo representou o início de uma nova fase no crescimento e na aprendizagem para ele mas também para mim, principalmente no que respeita ao novo método de ensino da matemática.

O ensino da matemática está diferente. O méto-do é agora baseado no cálculo mental e obriga os alunos a perceber as operações em vez de tentarem chegar depressa ao resultado das con-tas. Com este método as crianças não perdem o sentido do número, o que leva à compreensão e ao desenvolvimento dos níveis de raciocínio e a perceber como se chega a um resultado. Esta é a defesa do novo método para os professores do 1º ciclo do ensino básico.

A explicação parece simples e melhor a vários níveis, mas veio complicar um pouco a vida dos pais no apoio ao estudo em casa, mais ainda quando a formação é de letras e a matemática há muito ficou para trás. As somas e as subtra-ções não são difíceis de perceber dada a simpli-cidade das mesmas, as multiplicações tornam-se um pouco mais complicadas e as divisões foi algo que nunca cheguei a perceber bem...

Não tendo nunca conseguido avaliar se o novo método é efetivamente melhor, tenho de acre-ditar em quem sabe, em quem o desenvolveu e em quem o defende como melhor no que con-cerne ao desenvolvimento do raciocínio lógico, da compreensão do número, entre outros. Se o meu filho teve dificuldades com este novo méto-do? Julgo que não, foi assim que tudo começou e se desenvolveu e, por isso, tal como qualquer outro método, era assim que tinha de ser. A maior dificuldade surgiu quando se teve de dar a passagem para a realização das contas pelo chamado método tradicional, mas aqui já nós conseguimos ajudar, já ele tinha a perceção dos números e já tinha desenvolvido todos os skills necessários para uma mais fácil compreensão.

A matemática é a parente pobre do ensino em Portugal, todos a temem e sortudos os que nas-cem com o gosto e facilidade para ela. Se o novo método ajudar a melhorar o sistema e as crian-ças a não desenvolverem tantos anticorpos por uma disciplina tão importante ao longo de todo o percurso escolar, pois que seja bem-vindo.

Raquel CordeiroEncarregada de Educação Colégio Colibri - Massamá

A minha aversão pela matemática começou des-de cedo, ainda na escola primária. Não gostava e, por consequência, não tinha curiosidade para a aprender.

Essa aversão mudou a partir do dia em que o meu filho, agora com oito anos, me pediu ajuda para fazer os trabalhos de casa dessa disciplina. Um bocado insegura, mas sem argumentos para evitar a ajuda solicitada, avancei. Capacitei-me que, com a experiência adquirida ao longo da vida, facilmente daria conta do recado. Puro en-gano!

Mal começamos a fazer os trabalhos de casa, à minha maneira, fui surpreendida com a afir-mação do meu filho: “… não era assim que se faziam as contas porque não foi assim que a pro-fessora ensinou”.

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Não querendo dar parte fraca, e porque não sabia fazer de outra maneira, pedi-lhe que me explicasse como tinha aprendido. O que ouvi deixou-me boquiaberta. Apenas um pensamen-to me ocorria: coitadas das crianças!.

Por outro lado, a postura do meu filho em re-lação à matemática, demonstrada, em casa, de diversas formas – utilizando sempre um pensa-mento prático e com compreensão, em detri-mento de um pensamento abstrato, baseado em regras e memorização de procedimentos, – revelava que os processos que ele assimilava na escola conseguiam mantê-lo constantemente motivado. Diariamente, as suas capacidades e autoconfiança perante os números progrediam a olhos vistos.

Fui tomada por um sentimento de culpa, pela minha incapacidade em conseguir acompanhar e ajudar o meu filho. Ciente de que grande per-centagem do seu sucesso escolar passa pelo apoio escolar transmitido pela família, a so-lução mais lógica foi, em conjunto com outros pais, confrontarmos a professora de matemática acerca do “estranho”, pelo menos diferente, mé-todo de ensino da disciplina.

Em boa hora o fizemos!

Após uma aula dada pela docente aos pais dos alunos, ficamos sensibilizados para e sobre o

método utilizado. A partir desse dia, tudo, pelo menos no que a mim diz respeito, mudou.

Assimilados os princípios de ensino que me foram transmitidos pela professora, que recor-rem, essencialmente, à manipulação de objetos, despertando a curiosidade natural da criança, consegui munir-me de argumentos para acom-panhar o ritmo do meu filho.

Tornou-se muito fácil ensinar matemática ao meu filho, através da aplicação de um método eficaz de ensino, em que é estimulado o raciocí-nio através da utilização das experiências vividas diariamente em casa, para que a criança possa aprender a lidar com novos dados e situações e a resolver novos problemas, refletindo sobre aqui-lo que faz (tudo se poderá adaptar, por exemplo, a contagem dos alimentos quando se prepara o jantar, o número de talheres que se encontram colocados na mesa, entre outros).

Em minha casa, a matemática deixou de ser uma “obrigação” para passar a ser motivo de convívio familiar. Neste momento, faz parte do dia-a-dia da minha família, onde quase todas as brinca-deiras têm uma relação com os cálculos.

Mónica RodriguesEncarregada de Educação

Agrupamento Conde de Oeiras EB1 Joaquim Matias

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REFLEXÃO

Contando uma História de Desenvolvimento Profissionalà maneira de recado

Florinda Costa Professora aposentada

EB2,3 do MonteAgrup. de Escolas do Monte de Caparica

Fiquei muito lisonjeada com o convite que me foi dirigido para escrever um texto, a publicar nesta revista, num número temático sobre Matemática. Na verdade, a escrita não é a minha forma privilegiada de comunicar. Adoro conversar, mas escrever...! Porque conversar podemos fazê-lo olhos nos olhos e, além disso, porque as conversas são como as cerejas! Podemos mudar de tema, explicitar melhor, contar e recontar…! Pedi um tempo para pensar, mas aceitei. E cá estou eu, professora do 2º Ciclo do Ensino Básico, aposentada desde 2010, com uma carreira de trinta e tal anos de serviço e a continuar ligada à matemática e ao seu ensino.

A grande decisão seguinte foi sobre o que escrever! Os tempos actuais indicavam que seria adequado escrever sobre o novo programa, saído em 2013, apenas seis anos após a publicação do anterior! Quer sobre a sua impertinência, quer sobre o seu conteúdo. Mas realmente, nuns tempos tão cinzentos sob tantos pontos de vista, importa mais colorir, animar, olhar em frente, tentar ver bonito, perspectivar …! E foi assim que decidi contar episódios da história da minha relação com a matemática e com o seu ensino.

Muitas vezes me questionei sobre o que teria eu, professora comum do 2º ciclo do básico, a dizer aos novos ou a futuros professores de Matemática se me fosse dirigido esse pedido ou dada essa oportunidade. Ao longo do tempo, fui burilando dois aspectos que posso, agora, considerar centrais no meu desenvolvimento profissional. Por um lado a realização, com os meus pares, e a implementação, nas minhas turmas, de trabalho colaborativo. Por outro lado,

a procura sistemática de efectivação de uma reflexão exaustiva e séria sobre a minha prática profissional. Do ponto de vista matemático, realço também dois aspectos. A necessidade de um conhecimento profundo da matemática elementar que ensinamos e o estabelecimento de conexões quer entre os diversos temas que são abordados na matemática escolar, quer entre estratégias diferentes para a resolução de uma mesma questão.

Do trabalho colaborativo e da reflexão sobre a prática, tenho, ou julgo ter, ideias relativamente claras e um exercício satisfatoriamente alargado (no meu ponto de vista) no tempo e nas temáticas. Quanto ao estabelecimento de conexões foi (tem sido), digamos, uma das principais vertentes da minha reflexão sobre a prática. Quando promovia com as minhas turmas (ou com turmas dos meus formandos que acompanhava na formação contínua) o registo no quadro de diferentes resoluções dos alunos sobre uma mesma questão, muitas interrogações se me colocavam durante a reflexão, quer relativamente à adequação ou à pertinência das minhas intervenções, quer relativamente às intervenções e observações que devia ter feito e não fiz. O que é realmente o conhecimento profundo da matemática elementar que ensinamos é o aspecto que mais me mobiliza neste momento. Relatando alguns episódios talvez se ilumine esta desejada profundidade!

Logo no início da minha carreira, primeira me-tade dos anos setenta, ao trabalhar com os meus alunos a operação divisão, dei-me conta que o que era necessário dizer aos alunos para que compreendessem o significado e a potência desta operação na resolução de problemas era diferente conforme o problema que pretendía-mos resolver. Se tínhamos para dividir valores

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relativos a grandezas da mesma espécie, o que pretendíamos com a divisão seria saber quantas vezes o divisor cabia no dividendo − chama-se actualmente ‘divisão por medida’. Se tínhamos para dividir valores relativos a grandezas de es-pécies diferentes, o que pretendíamos com a di-visão seria saber quantos do dividendo cabiam a cada um dos do divisor − chama-se actualmente ‘divisão por partilha’. Quando percebi isto passei a iniciar o trabalho na divisão, dividindo os alu-nos da turma em grupos de x alunos [a pergunta

neste caso é: quantos grupos?] ou em x grupos de alunos [neste caso a pergunta é: quantos alu-nos em cada grupo?]. No primeiro caso estou a medir o número de alunos da turma tomando para unidade o número de alunos que quero em cada grupo. No segundo caso, estou a preten-der saber quantos alunos cabem em cada grupo. Feito isto para a turma concreta com que estava a trabalhar, passava a um caso fictício resolúvel em ficha própria, como a que segue, na qual os

alunos deveriam fazer grupos de 3, num caso, ou apenas 3 grupos, no outro. Esta forma de olhar para a divisão, permitiu-me levar os meus alunos a perceberem o significado da constante de proporcionalidade no contexto de qualquer problema sobre o tema.

Um dia, algures na segunda metade dos anos oitenta, estava a trabalhar com a turma de que eu era directora na redução de fracções à dízima. Para introdução do trabalho a realizar pela turma fizemos colectivamente a redução à dízima de fracções com denominadores 2 e 3. Foi possível concluirmos que só era necessário efectuarmos cálculos para as fracções próprias e que, das dízimas obtidas, umas eram finitas (a dos meios) e as outras infinitas periódicas (as dos terços). Após este trabalho inicial, fomos classificar as dízimas relativas às fracções próprias com denominadores do 4 ao 9, ou seja,

quartos, quintos, …, nonos, e procurar outras situações diferentes das já encontradas. Distribuí trabalho pelos diferentes pares e fui apoiando e acompanhando o trabalho dos alunos. Foi com este trabalho que eu própria descobri as dízimas dos sétimos! Fiquei fascinada.

fracção dízima

1/7 0,(142857)

2/7 0,(285714)

3/7 0,(428571)

4/7 0,(571428)

5/7 0,(714285)

6/7 0,(857142)

Na aula seguinte registámos no quadro os resultados obtidos, classificámos as dízimas e assinalámos os períodos. Durante este trabalho

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houve quem afirmasse que havia dízimas que não tinham período, isto é, eram infinitas mas não periódicas, como as dos sétimos! Mas logo um outro aluno afirmou ter descoberto que as dízimas dos sétimos eram realmente infinitas e tinham um período de seis algarismos. Gerou-se alguma discussão que foi sanada com a continuação dos diferentes cálculos até se encontrarem todos os algarismos do período. Ficou claro que não havia mais situações diferentes das já encontradas ─ dízimas finitas ou infinitas periódicas.

Se repararmos com atenção nesta lista de dízimas correspondentes aos sétimos, podemos verificar duas coisas. Os seis algarismos de todas as dízimas são sempre os mesmos e escritos pela mesma ordem, só com inícios diferentes. E as somas dos números representados pelos

1ºe 4º, 2º e 5º, 3º e 6º algarismos são sempre 9! Porquê? Ainda não sei! Muitas ‘descobertas’ já fiz a propósito da procurada resposta a este “porquê?” mas não cabe aqui enumerar nem explicitar! Não sei ainda a resposta, mas sei que vou continuar a procura!

Ainda há pouco tempo dava aos meus alunos problemas com números resolúveis, ou pelo menos com significação evidente, em contextos geométricos. Se uma pessoa deve tomar um remédio de x em x horas, podemos usar as diagonais de um dodecágono regular para verificarmos o horário de cada toma. Isto permite não só a resolução do problema mas ainda a conexão entre temas matemáticos e favorece a realização de pequenas actividades exploratórias.

O remédio pode ser tomado todos os dias sempre às mesmas horas desde que o número de tomas diário seja um divisor de 24.

A Geometria é talvez o tema matemático que mais me tem ocupado e de que mais gosto. Pertenço, desde meados dos anos noventa, ao Grupo de Trabalho de Geometria da Associação

de Professores de Matemática. Temos vindo a desenvolver vários projectos de estudo e de trabalho nos quais participo de forma regular. O desenvolvimento de projectos como A Medida em Geometria, Transformações Geométricas ou Construções Geométricas têm permitido que cada um de nós aprofunde os seus

Toma de 8 em 8 horas … Toma de 7 em 7 horas …

ou de 4 em 4 horas. ou de 5 em 5 horas.

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conhecimentos conforme os seus interesses (preferências temáticas, gostos, níveis de ensino, etc). A resolução de problemas está sempre presente no nosso trabalho. Um dos últimos problemas que resolvemos foi um problema que saiu no jornal Público (já não sei de que dia) e que pedia para se provar que os dois rectângulos representados na figura junta ABCD e ACFE são equivalentes, ou seja, têm a mesma área.

A prova é relativamente fácil. Trago este problema aqui apenas para evidenciar a beleza que pode haver na matemática em geral e na geometria em particular. Com esta característica dos dois rectângulos que a figura anterior mostra ─ um deles tem como um dos lados uma diagonal do outro e o lado paralelo a esse passa por um dos vértices que não pertence a essa diagonal ─ construí a espiral que aqui reproduzo. O rectângulo de que parti é um quadrado.

Este tipo de trabalho realizado colectivamente, no âmbito por exemplo de um Grupo de Trabalho de uma Associação, tem sempre uma forte componente individual.

O que cada um aprende seja sobre que tema for, não é igual ao que aprende cada um de todos os outros, apesar das discussões colectivas. Isso valoriza enormemente o trabalho colaborativo. E estamos sempre em boas condições de promover troca e partilha de conhecimentos.

Já estava aposentada quando decidi começar a estudar História da Matemática. Convidei algumas colegas e amigas para nos envolvermos conjuntamente neste novo empreendimento.

Começámos, em Novembro de 2011, por estudar a Matemática grega. Éramos quatro e agora somos três. Já escrevemos conjuntamente um artigo para a revista Educação & Matemática (número 126) sobre o Algoritmo de Euclides para a determinação de máximo divisor comum de dois números e elaborámos um conjunto de questões sobre o mesmo tema que também foi publicado no mesmo número dessa revista. Temos agendados novos artigos para escrever e novos temas para estudar.

Como é natural, sei mais hoje de Matemática e de Educação Matemática que no início da minha carreira.

Estou a referir este facto só para reforçar o testemunho ou recado que queria fazer passar com este meu escrito: trabalhar com os outros e reflectir sobre a nossa própria prática são condições importantes para o nosso desenvolvimento profissional. Não esquecendo que o centro do trabalho é, sem dúvida, o aluno! Para conseguirmos fazer com que ele aprenda e goste de Matemática, precisamos nós de a aprender e amar.

É seguramente tarefa para uma vida.

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Carlos GrossoProfessor do Ensino Secundário

Formador de Professores do Ensino BásicoCoautor dos Programas de Matemática

[email protected]

Na letra de uma das suas muitas e belas can-ções, Sérgio Godi-nho escreve: De pe-quenino, de muito pequenino se torce o destino. Parafra-seando-o, escrevo: De pequenino, de muito pequenino se começa a aprender Matemática.

Efetivamente, verifica-se que a Matemática, dada a especificidade dos seus conteúdos, organiza-se numa estrutura cumulativa, em que os conhecimentos que se vão aprendendo são necessários como pré-requisitos para a aprendizagem de outros, regra geral, um pouco mais complexos.

Por exemplo, para que a criança seja capaz de enfrentar a operação aritmética “divisão” sem grandes dificuldades, deve antes ter desenvolvido os seus conhecimentos relativamente à “multiplicação” e, antes ainda, ter trabalhado convenientemente a “adição” e a “subtração”. Antes e a par destes conteúdos, deve aprender um sistema de numeração que lhe permita representar com facilidade os números naturais. É expectável que o sistema de numeração que lhe seja ensinado desde o Jardim de Infância seja aquele que é dominante na sociedade em que se insere e que, no caso português, é o sistema de numeração decimal. Se houver falhas na aprendizagem dos primeiros números

e das primeiras operações com números naturais, com muita dificuldade a criança, que há de tornar-se um jovem a frequentar os ciclos posteriores do ensino obrigatório, será capaz de enfrentar cabalmente a medida em Geometria, a aprendizagem da aritmética dos números racionais, a extensão aos números reais e enormes dificuldades há de sentir na aprendizagem da Álgebra.

Neste sentido, as famílias, com especial relevo para os pais, devem assumir o importante papel que podem desempenhar nas aprendizagens escolares. É certamente nas idades mais tenras que se verifica uma maior proximidade e uma maior influência dos pais, e esta pode ser decisiva.

Existe uma fração considerável de pais, muito condicionados pelos horários de trabalho, pelas promoções na carreira profissional e também pelos distratores em voga (televisão, telemóvel, internet, …), que não dispõe de tempo diário para acompanhar as aprendizagens escolares dos seus filhos, deixando-as completamente ao cuidado da criança, dos professores e da escola. E a desculpa, que mais tarde pode até vir a fazer sentido, de que não têm conhecimentos suficientes para fazer esse acompanhamento não se aplica, para a generalidade dos pais, relativamente aos conteúdos dos primeiros anos de escolaridade. Todos nós conhecemos casos destes e, muito provavelmente, todos nós já colocámos, pelo menos num ou noutro dia, este acompanhamento em segundo plano. Mas se para uma certa faixa de crianças isso vai sendo ultrapassado pelas suas capacidades naturais em aprender, muitas outras serão gravemente afetadas por essa falta de ligação entre a família e a escola.

É claro que o modo como o sistema de ensino está estruturado, a forma como as escolas se

REFLEXÃO

A Matemática Aprende-se... ...desde pequenino

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organizam e a preparação científica e pedagógica dos professores têm uma enorme influência nas aprendizagens realizadas pelas crianças e jovens. Contudo, as famílias que maior importância atribuem à escola, que valorizam os conhecimentos que lá se ministram, que acompanham as atividades escolares e vão estando alerta sobre as eventuais dificuldades de aprendizagem, são aquelas cujos filhos alcançam, globalmente, os melhores resultados escolares, como é o caso, por exemplo, das famílias chinesas que estão integradas no sistema de ensino dos EUA, ou das famílias oriundas dos países de leste cujos filhos frequentam a escola em Portugal.

Se bem que estes cuidados se devam dirigir a todas as matérias escolares, no caso das aprendizagens em Matemática, dada a sua estrutura própria, as dificuldades reveladas nos primeiros patamares do sistema de ensino demonstram grande tendência para se arrastar, fazendo aumentar as dificuldades futuras. E podemos afirmar que, em Portugal, o presente deixa antever sérias dificuldades no futuro próximo.

Os resultados em Matemática dos últimos testes internacionais TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study), realizados por crianças portuguesas finalistas do 1.º ciclo do Ensino Básico, revelam que a maioria das nossas crianças (60%), ao terminar o quarto ano de escolaridade, apenas é capaz de resolver problemas simples, isto é, problemas de resposta imediata ou problemas de um só passo. É verdade que os resultados obtidos foram até bastante elogiados na comunicação social, sobretudo porque a média portuguesa se aproximou da média europeia e até superou a média da Alemanha, o que, tratando-se de um país rico, poderoso e atualmente central na construção da União Europeia, muito nos deveria orgulhar.

Porém, uma análise mais cuidada permite verificar que a diferença entre os desempenhos das crianças dos países europeus e das crianças dos países asiáticos, que sempre foi

considerável, tem vindo sistematicamente a aumentar. Estes resultados, que de modo algum podemos apreciar, são fruto de uma pedagogia romântica que se espalhou nas últimas décadas pelo mundo ocidental, uma pedagogia que secundariza o papel dos conhecimentos a transmitir e desvaloriza a ação do professor como personagem primordial nessa tarefa, como verdadeiro pedagogo (condutor de crianças), e considera que o aluno é o agente principal, capaz de conduzir as suas aprendizagens, pois cada um tem os seus interesses próprios e cada um deve escalar a montanha do conhecimento à medida das suas conveniências. Em consequência, impossibilita-se qualquer realização de avaliações externas que condicionem a transição para o ciclo escolar seguinte, uma vez que não existe um conjunto determinado de conhecimentos que tenha sido lecionado em todas as escolas. Para aliviar algumas consciências, foram-se fazendo, nos anos terminais de ciclo, provas de aferição cujos resultados apenas serviram para entreter umas dezenas de técnicos nos departamentos do Ministério da Educação a produzirem extensos relatórios sem quaisquer consequências. Toda esta visão, que numa primeira análise é encantadora e fascinante, dada a nossa propensão para valorizar o indivíduo, não teve em conta a incontornável limitação temporal que rege as nossas vidas e que não nos permite construir “pelo nosso pé” os conhecimentos acumulados por milhares de gerações que nos antecederam, para além de que muitos de nós não seríamos capazes de o fazer sem a devida orientação.

Na verdade, facilmente se compreende que nas sociedades ocidentais, claramente inclinadas para dar mais destaque aos objetivos individuais do que aos coletivos, haja ótimas condições para que esta visão sobre o ensino e a escola tenha florescido.

É claro que defendo absolutamente a liberdade individual de pensamento e também de ação, desde que não coarte ou ponha em causa a liberdade dos outros. Não compreendo que nas

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salas de aula a liberdade de um aluno ponha em causa a aprendizagem dos seus colegas, como infelizmente acontece com bastante frequência nos dias que correm.

A experiência mostra, obviamente, que nem sequer as sociedades autoritárias, como a que Portugal experimentou no século passado, conseguem impedir a liberdade de pensamento. Por maioria de razão, isso jamais pode acontecer nas sociedades democráticas, onde a liberdade está amplamente disseminada e onde os indivíduos podem revelar com naturalidade a sua diversidade. Consequentemente, a organização do sistema de ensino deve ser pensada em termos do bem coletivo e com o objetivo de favorecer o conhecimento e os desempenhos da comunidade.

A orientação romântica/individualista que tem dominado os sistemas de ensino ocidentais começa a ser posta em causa e os resultados nos testes internacionais das duas ou três últimas décadas ajudam a revelar uma crise séria na educação escolar europeia. Ora, considerando o mundo global em que vivemos, não podemos aceitar esta enorme e cada vez maior diferença entre os desempenhos das crianças do oriente e do ocidente. Para podermos perspetivar um futuro razoável para os nossos descendentes, é necessário sermos mais disciplinados, sermos menos românticos, sermos mais exigentes, tanto em casa como na escola.

Relativamente à organização do sistema de ensino, e no que diz respeito ao ensino da Matemática em particular, foram recentemente homologadas novas orientações curriculares, tanto para o Ensino Básico como para o Ensino Secundário, que demonstram grande preocupação em promover um ensino mais estruturado e mais exigente. Refiro-me aos novos Programas e às respetivas Metas Curriculares, que estabelecem com rigor os conteúdos que, em cada ano de escolaridade, devem ser desenvolvidos nas aulas. Identificados por dezenas de descritores, agrupados por domínios temáticos e colocados numa sequência de crescente complexidade,

espera-se que possam servir de normativo para ajudar a melhorar os desempenhos em Matemática das crianças e jovens portugueses, a médio prazo ou mesmo a longo prazo, se entretanto não assistirmos às vulgares tentações em política educativa de mudar por mudar.

Aos pais proponho maior envolvimento e responsabilidade nas aprendizagens dos filhos. Habituem-nos, desde cedo, a ter responsabilidades no desempenho de tarefas domésticas. Peçam-lhes para vos ajudarem a pesar a farinha quando fazem um bolo. Estimulem-nos a contar os gomos da laranja, que com alguma frequência são dez, e associem-nos à décima parte. Partam a maçã em quartos e mostrem-lhes que dois quartos equivalem a metade. Deem-lhes um monte de moedas para que contem o dinheiro e assim melhorem a sua capacidade em adicionar e subtrair. Perante uma porta ou uma janela, apresentem-lhes o retângulo. Ofereçam-lhes um relógio de ponteiros, não um relógio digital, para os ajudar a reconhecer o avançar contínuo do tempo, a perceção dos ciclos periódicos em que organizamos os nossos dias e até a possibilidade de brincarem com ângulos retos, agudos e obtusos. Proponham-lhes desafios e observem o brilho e a luz que irradia dos seus olhos quando os conseguem resolver.

Desafio os pais a terem maior cuidado no acompanhamento das atividades escolares. E, caso sejam confrontados com a existência de dificuldades de aprendizagem do vosso filho, não desanimem. O vosso empenho, e a ajuda dos professores e dos técnicos de educação, há de permitir debelar ou minimizar essas dificuldades. Aprender é uma das grandes faculdades dos seres humanos. Muitas vezes são pequenos pormenores que estão a criar grandes obstáculos. Mantenham sempre presente que a ajuda da família é, por regra, decisiva. Para melhorar os desempenhos das nossas crianças, para melhorar a eficácia do nosso sistema de ensino, a colaboração entre as famílias e a escola é fundamental.

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REFLEXÃO

Ensinar e Aprender Matemáticaum relato de vida

Lurdes FigueiralPresidente da Direção da

Associação de Professores de Matemática [email protected]

Da minha experiência de mais de vinte e cinco anos como professora de Matemática e da mi-nha própria memória de aluna tento fazer uma breve reflexão sobre aquilo que considero ter sido e continuar a ser o mais relevante e signi-ficativo na aprendizagem e no ensino da Mate-mática.

É conhecido o peso social e cultural atribuído à Matemática, nomeadamente a Matemática em contexto escolar. Infelizmente este peso é so-bretudo negativo: algo só acessível a algumas mentes brilhantes, dificuldades que se herdam, disciplina que serve sobretudo para selecionar e, assim, segregar. Por isso também, disciplina que suscita amores e ódios, diante da qual ninguém pode ficar indiferente.

Como aluna, sempre me fascinou o seu aspeto formal: essa pura manipulação de conceitos e procedimentos, de números e símbolos, facili-tou-me a aprendizagem escolar da Matemática – tanto quanto a dificultava a grande parte dos colegas – mas afastou-me da experiência, da con-textualização, da aplicação e das relações que a Matemática também é e permite, afastando-me assim de grande parte do poder que hoje reco-nheço à Matemática. Tive, por isso, que fazer à posteriori — e certamente com mais custo e me-nos proveito — essa aproximação à Matemática mais intuitiva, aplicável e relacionável.

Como professora, sempre procurei ultrapassar com os meus alunos e comigo própria o que considero serem duas das grandes dificuldades do aprender Matemática: o excesso de formalis-mo e abstração e o sentimento de impotência e incompreensão perante a Matemática.

Ensinar Matemática

As dificuldades relacionadas com o ensino da Matemática estão longe de serem exclusivo nacional. Nos anos 80 do século passado gerou-se um movimento internacional de reflexão sobre esta problemática. Nos EUA é lançada pelo NCTM, National Council of Teachers of Mathematics, uma Agenda para a ação (An Agenda for Action — Recommendations for School Mathematics of the 1980s). Em Portugal, esse movimento desenvolve-se quase a par e com muitos pontos de contacto com o dos EUA. Foi esse movimento que, em 1986, levaria à criação da Associação de Professores de Matemática (APM). A minha relação com a APM vem desses tempos iniciais que coincidiram também com o princípio da minha carreira docente. E aquilo que era proposto tornou-se num desafio, para mim e para muitos outros professores que então, em grande número, se uniram em redor da APM. Também a formação inicial dos professores de Matemática ganhou novo empenho nesses anos. A especificidade da formação na linha das didáticas específicas mostrou-nos que poderíamos aprender a ensinar de uma outra forma e não necessariamente reproduzir, com mais ou menos sensibilidade, flexibilidade e criatividade, a forma como fomos ensinados.

O foco colocou-se na recuperação daquilo que faz parta da própria experiência histórica da Matemática: a valorização da intuição, de racio-cínios até aí desvalorizado como o indutivo, da exploração de tarefas que levam a experimentar tantas vezes o porquê e o para quê sem ir dire-tamente a um como do qual não se apreendeu o sentido, apenas a rotina tornada receita. Alguns conteúdos, até aí praticamente esquecidos e evitados, revestiram-se de um peso formativo e de um lugar de destaque nos currículos, como a Geometria e a Estatística, trazendo consigo

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novas abordagens. E finalmente a Resolução de Problemas entendida não como problemas de aplicação, isto é, exercícios mais ou menos intrin-cados e artificiosos, mas como uma capacidade complexa e profunda que deveria estar presente na educação matemática. Esta Resolução de Pro-blemas vinha a ser estudada como método de trabalho e aprendizagem matemática e um dos expoentes desta concepção foi George Polya. Um Problema assim entendido é uma situação diante da qual nos colocamos com uma atitu-de de abertura cognitiva, ou seja, à partida não sabemos que tipo de conhecimentos ou proce-dimentos deverão ser aplicados e a heurística envolvida passa por algumas etapas que Polya descreveu em quatro momentos: o entendimen-to do que é pedido (análise dos dados — tenho os dados necessários?, tenho dados a mais? — do enunciado — o que me é dito e onde quero chegar —, da situação — faz-me lembrar um ou-tro caso..., isto pode estar relacionado com...), a busca de uma estratégia para o conseguir (começar com um esquema, um desenho, uma tabela, ...), a implementação dessa estratégia (que pode passar por cálculos numéricos e algé-bricos, por métodos gráficos ou funcionais, pela identificação de regularidades ou padrões, por métodos geométricos sintéticos ou analíticos, por tratamento de dados, enfim, um leque de possibilidades não necessariamente redutíveis a uma única maneira) e, finalmente, pela análise crítica do resultado a que a estratégia escolhida nos conduziu (responde ou não à questão?, será única ou temos soluções a mais?, encontrámos alguma solução?...).

Entrar assim numa sala de aula, dispostos a enfrentar o risco de um ensino que é também exploratório e em que os alunos têm mais pro-tagonismo — embora a liderança seja sempre, e ainda mais necessária neste caso, do profes-sor — não é tarefa fácil. Exige mais preparação, mais autoconfiança da nossa parte. Lembro-me como temia que os alunos chegassem a “desco-brir” alguma coisa a que eu não soubesse dar resposta ou seguimento, como eu tinha medo que a resolução de tarefas em grupo provocasse desordem e fugas ao trabalho... Sempre é mais fácil o estilo clássico: expor a matéria, explicá-la, usar até alguns recursos para motivar os alunos, passar exercícios, resolver exercícios... São pro-cessos que conhecemos melhor e, sobretudo, que dominamos melhor. Mas são tantas vezes esses processos, sobretudo expositivos e em que os alunos não se envolvem, que provocam o afastamento e o insucesso em Matemática.

A primeira vez que tentei, numa série de aulas de Matemática e em articulação com outras dis-ciplinas no que foi em tempos a Área-Escola, a resolução de um problema não rotineiro, andei a prepará-lo durante algum tempo. Eu vivia e tra-balhava então no Alentejo, em Vila Nova de Mil-fontes, e o problema proposto (a duas turmas do 9º ano, que envolveu também as disciplinas de Geografia, História, Educação Visual, que me lembre agora) foi: do cimo do farol de Milfontes, a que distância está o horizonte? Como se vê, fal-tavam dados e até conhecimentos, mas isso foi procurado e “investigado” pelos alunos, sempre com a minha orientação: teorema de Pitágoras, retas tangentes a uma circunferência... altura do farol em causa e do promontório onde se encon-tra, raio da terra... trabalho com a calculadora e atenção aos “estragos” que ela pode fazer aos cálculos se nos descuidamos com as proprieda-des das operações e não temos ideia nenhuma do tipo e ordem de grandeza que vamos encon-trar... Tudo isto foi trabalhado em tempo de aula e com idas à Biblioteca (com quem também já estavam articuladas as tarefas). Se conto este episódio a propósito da Resolução de Problemas — que certamente muitos também já experi-

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mentaram — foi porque ele aconteceu muito cedo na minha vida de professora e foi o salto que me fez enfrentar as incertezas das nossas aulas, quando introduzimos tarefas explorató-rias, sem receios paralisantes. Além disso foi quando percebi, do lado dos alunos, o que es-tava também em causa, quando um dos meus alunos “mais fracos” me disse: professora, afinal consegui!

Sabemos da importância da Matemática. Gosta-mos de Matemática. Por muitas razões. E é este gosto e este saber que queremos contagiar aos nossos alunos. Nem todos captarão os mesmos aspetos: felizmente a Matemática é multifaceta-da e pode haver sempre uma face concreta com significado para aquele aluno concreto; nem todos conseguirão mergulhar nos meandros matemáticos mais complexos ou utilizá-la para a técnica e a tecnologia mais avançadas. Mas to-dos podem melhorar a sua capacidade de con-jeturar, de descobrir, de comparar, de analisar, de fazer sínteses e de generalizar, de criticar, de justificar... Todos podem melhorar o raciocínio e a compreensão, todos podem aumentar a sua autoestima e confiança: afinal consegui!

Não estarmos sós

É difícil a nossa tarefa de professores. Juntos somos mais fortes e melhores porque podemos partilhar e enriquecer-nos uns com os outros, porque nos referimos a um lugar de pertença, a uma comunidade. Essa é a importância do movi-mento associativo que, no entanto, vive tempos

de crise: assoberbados pela pressa, pelas muitas e vazias tarefas burocráticas com que nos ocu-pam, pressionados por distorcidos valores de competitividade, estamos poucos disponíveis para a solidariedade, a partilha, a reflexão, a gra-tuidade que o movimento associativo propõe, possibilita e reclama.

No entanto, cada vez é mais importante não es-tarmos sós frente à intempérie. E é essa também a minha experiência: na Associação de Profes-sores de Matemática eu cresci como pessoa e como professora. Em cerca de quase 30 anos de história, na APM muitos professores de Mate-mática partilharam o desejo e a busca da melhor maneira de levar os alunos a aprender e a gostar desta disciplina. Estudámos, experimentámos, avaliámos, recomeçámos, com dúvidas, com al-gumas certezas, com determinação ou cansaço, mas sempre com uma linha de fundo e de ho-rizonte que nos convencia a não desistir: traba-lhar por uma Matemática escolar compreensível para os alunos, com significado, com capacidade de lhes dar ferramentas intelectuais para lhes dar poder: o poder de compreender, de analisar, de intervir, de criticar, de propor.

Os nossos alunos, em número cada vez mais significativo, foram mudando a sua atitude para com a Matemática, foram obtendo melhores re-sultados, foram-se envolvendo na aula com as propostas e com as atividades...

É certo que o nível de insucesso e de rejeição ainda é significativo, até porque são muitos os fatores que influenciam, não só os maus re-sultados em Matemática, como a rejeição que muitos alunos têm em relação a ela. Mas fomos vendo também os nossos esforços confirmados, não só pela experiência que nos era devolvida e por esse saber empírico que ela nos dá, mas sobretudo pelos estudos que fazíamos, pelas conferências a que assistíamos em encontros e congressos nacionais e internacionais, pela lite-ratura da especialidade, pelos relatórios das ava-liações internacionais mais prestigiantes.

Por isso somos tão críticos relativamente às me-didas que têm vindo a ser implementadas por

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esta equipa governativa e que afetam a escola toda e em particular o ensino da Matemática. Com as Metas Curriculares de 2012 e o Programa de Matemática para o Ensino Básico homologa-do em 2013 e que vem substituir o recente pro-grama de 2007, com o paralelo que já se conhe-ce para a Matemáticas A do Ensino Secundário, somos confrontados com visões anquilosadas do ensino da Matemática. De facto, estes progra-mas e metas curriculares foram implementados em processos marcados por uma profunda falta de rigor. Contrariam profundamente os progra-mas em vigor sem se ter efetuado qualquer ava-liação, quer do trabalho desenvolvido nas suas implementações e aplicações, quer dos resulta-dos a que têm conduzido. Contrariam inclusive as orientações curriculares atuais para o ensino da Matemática reconhecidas internacionalmen-te, não se baseiam na investigação nesta área e não têm paralelo nos currículos dos países de referência neste âmbito.

Numa perigosa confusão entre rigor e forma-lismo, é assumida, nestes documentos, uma abordagem demasiado abstrata e formalista da Matemática, distante da experiência, da prática e da intuição dos alunos, componentes funda-mentais para uma aprendizagem com compre-ensão e significado. Sebastião e Silva, o mate-mático português de quem celebramos este ano

o centenário do nascimento, afirmou que “o extremo rigor lógico, em vez de formativo pode tornar-se perigosamente deformador”.

A seguirmos o caminho agora em curso, temo que a relação com a Matemática volte a ser uma relação de medo, de inacessibilidade, de impo-tência para uma grande parte das crianças e dos jovens no nosso país e de frustração para os pro-fessores que, na sala de aula, no exercício da sua tarefa educativa, tudo têm feito para ultrapassar as muitas dificuldades – intrínsecas e extrínse-cas – de que a aprendizagem da Matemática se reveste. E mesmo para aquela minoria de alunos que poderão ter sucesso educativo com estes programas, esta será sempre uma pobre expe-riência matemática pelo dogmatismo e acriticis-mo de que se reveste.

Estes são tempos de intempérie, mas este é o nosso tempo. Único, irrepetível. É este o nosso tempo de possibilidade de futuro. Façamo-lo com determinação e com esperança. Um ensino da Matemática de qualidade feito a pensar nos alunos, para os alunos e com os alunos, merece que não desistamos e que coloquemos as nossas melhores energias nesta tarefa.

15 de junho de 2014

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REFLEXÃO

A Matemática Que (Não) Interessa

Paulo Correiahttp://mat.absolutamente.net/

[email protected]

Como quando decidimos viajar, quando entra-mos no mundo da Matemática, que é um lugar imenso, amplamente explorado (embora com recantos ainda por descobrir) e cheio de luga-res com muito potencial para proporcionar uma boa exploração, é necessário fazer escolhas. As escolhas são naturalmente condicionadas pelos recursos (temporais, económicos, pelas experi-ências de outros, ou pela opinião dos guias), e as más escolhas podem transformar uma viagem maravilhosa num engarrafamento demorado e aborrecido.

A Matemática, ou pelo menos a parte que é en-sinada, é uma construção social. A sociedade considera importante que os alunos façam esta viagem: paga os bilhetes, paga aos guias, paga os alojamentos, e decide quais os destinos pre-ferenciais. No nosso contexto social, tem sido frequente noticiar polémicas que envolvem os pagamentos e as condições laborais dos profis-sionais deste tipo de turismo, os montantes e opções na construção de infraestruturas para estas viagens e as estatísticas do níveis de con-secução destas viagens. Curiosamente muito pouca atenção tem sido dada às opções que se fazem sobre os destinos escolhidos.

A sociedade (ou pelo menos uma boa parte da comunicação social) está atenta a polémicas que envolvem os professores, os edifícios ou a orga-nização administrativa das escolas, os rankings de exames ou estudos internacionais, mas sur-preendentemente não se tem mostrado muito interessada no que se ensina na escola, mas concretamente, que Matemática interessa ensi-nar aos alunos.

O mundo da Matemática é um mundo complexo, onde emergem correntes novas, onde formas de pensar ganham importância, onde hábitos e ro-tinas se tornam obsoletos e ganham um lugar na história, por deixarem de fazer sentido em novas conjunturas. Recentemente a opção pela Mate-mática que se vinha ensinando na última déca-da, no Ensino Básico e no Ensino Secundário, foi radicalmente alterada. Foi alterada a forma como é ensinada e os conteúdos.

A estranheza pela falta de atenção dada a estas alterações é total. Foi gasto dinheiro (muito di-nheiro) numa altura em que a palavra de ordem é poupar, quer na forma de investimento direto, quer na forma de (tentar) tornar irrelevante um investimento substancial feito num passado re-cente. Foram, e estão a ser alterados manuais escolares que de, acordo com a lei, deveriam vi-gorar por um período de seis anos e ficam desa-dequados em apenas três. É alterado um rumo que é apontado como fator que contribuiu para melhorias assinaláveis em estudos internacio-nais. E sobretudo, é alterada a escolha da Mate-mática que é ensinada aos alunos, a forma como é ensinada, quando é ensinada, sustentando es-tas escolha na opinião de uma reduzida minoria de decisores.

Uma esmagadora maioria dos professores dos ensinos básico e secundário manifestaram, e continuam a manifestar, uma opinião muito crítica da qualidade das novas propostas curri-culares. A Associação de Professores de Mate-mática tornou pública a sua previsão de conse-quências catastróficas no panorama do ensino da disciplina, se estas propostas continuarem a ser implementadas e pediu claramente que se-jam revogadas e revertidas as que já estão em curso. A Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação Matemática tornou claro que os investigadores consideram estas opções desa-

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justadas, muito pouco fundamentadas e cono-tadas com opções pedagógicas ultrapassadas. A Sociedade Portuguesa de Estatística afirmou com clareza que a forma de ensinar esta parte da Matemática não é errada. Vários grupos de professores do ensino superior escreveram tex-tos sobre a má qualidade pedagógica e científica das opções tomadas... e a mudança continua a ser executada.

Parece que quem decide, está a decidir mal. Não ouviu quem sabe antes de decidir e ignora agora os avisos dos perigos de levar por diante a de-cisão.

Mas afinal, que Matemática interessa? Nunca a formação matemática dos cidadãos foi tão im-portante, nem nunca a consciência disso mesmo foi tão clara... esta é a parte consensual do pro-blemas – todos estão de acordo. Mas que parte da Matemática?

Muitos dos leitores conseguirão relembrar as contas da mercearia (feitas num pedaço de papel de merceeiro). Nesse contexto cultural o domí-

nio dos algoritmos, a velocidade e a fiabilidade do cálculo eram consensualmente considerados fundamentais, e paralelamente, em meados do século passado ninguém considerava importan-te um conhecimento e capacidade de utilizar folhas de cálculo ou outro tipo de ferramentas tecnológicas (descubra o leitor porquê...).

Memorizar e dominar técnicas eram competên-cias essenciais, num matriz cultural em que cri-ticar ou comunicar era assumidamente compe-tências a reprimir. Executar sem questionar era a forma de agir que melhor servia as estabilidade social vigente...

Felizmente, a sociedade mudou... a escola mu-dou (mais lentamente, mas mudou), e a mate-mática (ainda mais lentamente) foi mudando. A escola (e a Matemática), incorporou a utilização da tecnologia, que a sociedade não teve dúvidas em considerar relevante e promotora de eficá-cia. A escola (e a Matemática) foram alterando o objetivo de formar grupos homogéneos de ci-dadãos prontos a executar sempre a mesma fun-ção, sem questionar, para procurar desenvolver nos alunos maior capacidade de adaptabilidade, de intervenção, de comunicação e de resolver problemas com abordagens diferentes, privile-giando processos alternativos. Capacidades de resolver problemas, de relacionar conceitos, de trabalhar em grupo com funções e performances diferentes, de comunicar e de criticar de forma sustentada passaram a ser centrais (na Matemá-tica e) na escola.

Naturalmente ninguém ousou atentar contra a enunciação destes princípios... mas, nas últimas opções curriculares...

… a Matemática passou a preocupar-se mais com os perigos de utilizar a tecnologia de forma acrítica, do que em fomentar a sua utilização de forma eficiente. A opção de deixar a aprendiza-gem da utilização da tecnologia para fora da es-cola, pareceu melhor, do que optar por ajudar os alunos perceber a melhor forma de utilizá-la;

… a opção por compreender as ferramentas ma-temáticas, como algoritmos e procedimentos,

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em paralelo com o seu treino e aprendizagem foi substituído pela opção de aprender (a executar) primeiro, deixando para depois a compreensão que (supostamente) resultará da sua execução repetida;

… quando antes se selecionavam os conteúdos matemáticos mais relevantes, para lhes dedicar mais tempo e atenção, investindo em aprendi-zagens mais consistentes; agora aposta-se em tentar abordar a maior quantidade possível de conteúdos, no menor curto espaço de tempo, acreditando que todos os alunos conseguem re-ter toda a informação relevante, ao mesmo tem-po que mecaniza todos os procedimentos;

… o estudo e a abordagem de problemas com várias soluções, ou sem uma solução ótima, de situações em que a solução não assenta numa estratégia pré-definida, em que lidar com uma margem razoável de incerteza ou desconheci-do foram eliminados da matemática escolar; o trabalho em grupo, a metodologia de projeto ou abordagens investigativas, onde a sistemati-zação das etapas do trabalho e a comunicação são simultaneamente aspetos incontornáveis e objetivos da aprendizagem, são diabolizados e considerados indesejáveis – como se não fos-sem (também) formas de fazer Matemática – a que interessa!

A Geometria deixou de ser uma oportunidade de descoberta e sistematização de propriedades dos objetos, para valorizar o conhecimento e a memorização de nomes, designações e fórmu-las. O (re)conhecimento empírico e natural do ambiente geométrico nos rodeia, ganha, desde o primeiro ciclo uma carga formal e abstrata. Sa-ber nomes parece ser mais importante que re-conhecer formas. Reproduzir fórmulas tornou-se mais importante que descobrir entidades que permanecem constantes na variação de algumas características.

A Álgebra que vinha a ser objeto de uma abor-dagem mais precoce, gradual, sustentada e inte-grada com as outras áreas da Matemática, pas-sou a ser um fim em si mesmo. Ganhou espaços e tempos bem delimitados sem necessidade de

ser necessária. O papel de ferramenta para es-tudar Matemática foi substituído pela execução das suas técnicas como num desporto de alta competição.

A Medida deixou de ser um interface de relação com o mundo para passar a ser uma ferramen-ta de sistematização e formulação proposições abstratas sem a preocupação de se lhes dar sen-tido. Para os alunos do primeiro ciclo, as frações deixaram de ser pedaços de fruta ou bolos para passarem a ser pontos em retas; os ângulos dei-xaram de ser aquelas coisas ao canto das balizas para serem “um par de direções associadas a um mesmo observador”. Medir ou estimar, valores arredondados e aproximados, com graus de in-certeza associados, foram substituídos por cál-culos de valores exatos, expressos com elevada sofisticação algébrica e formal – como se fosse sempre possível uma precisão infinita, ou como se a capacidade de produzir boas estimativas não representasse uma vantagem para quem as consegue produzir.

A Estatística deixou de ser uma ferramenta para produzir e analisar informação, relativa a conjun-tos de dados existentes ou recolhidos. Passou a ser central o domínio de técnicas de cálculo que a tecnologia faz melhor, mais depressa e que ninguém (fora da escola), desde há muito, faz no papel. A capacidade de criticar argumentos e produções estatísticas, cada vez mais necessária para o exercício de uma cidadania ativa e res-ponsável, parece ter sido deixado para um outro tempo ou espaço que não o da escola, ou o da Matemática. O conceito de probabilidade, que as crianças desenvolvem desde muito cedo, foi propositadamente deixado de fora da matemá-tica escolar, até ao final do 3º ciclo. Ignorando a criação de heurísticas e raciocínios falaciosos amplamente estudadas e identificadas pela in-vestigação, quando se deixa a aprendizagem entregue a si mesma e sustentada em experiên-cias pouco controladas e quase sempre pouco representativas.

A Matemática que interessa é a Matemática in-teressante, significativa e integrada.

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Todos os alunos estão disponíveis para fazer ex-periências que lhes proporcionem prazer – e o processo de descoberta Matemática é, frequen-temente, descrita como uma fonte de prazer. A importância de favorecer o gosto pela Matemá-tica é descuidada (e por vezes assumidamente desvalorizada) por se apostar a memorização de conceitos e o treino de regras cujo significado é compreendido por poucos e remetido para um momento posterior (que pode não ter oportuni-dade de acontecer, se o aluno desistir ou encon-trar outras áreas de aprofundamento do estudo mais gratificantes). O desenvolvimento de atitu-des positivas em relação à Matemática é – sem surpresa – associado a melhores resultados es-colares, e ainda assim, incompreensivelmente, os currículos não valorizam este dado.

A maioria dos alunos está consciente para a ne-cessidade de incorporar um conjunto de apren-dizagens relevantes para dar respostas às solici-tações que encontram e vão encontrar no futuro – e as competências associadas à Matemática, ditas de elevado nível cognitivo, estão entre as competências de que necessitam. A Matemá-tica deve ainda ser integrada num conjunto de aprendizagens coerente e integrada com outras áreas do saber, não pode ignorar competências transversais como a comunicação, a utilização da tecnologia ou a rotina de trabalhar em grupo.

Os exames de Matemática, não podem reduzir a disciplina à Matemática dos exames. A importân-cia atribuída à disciplina não a pode desintegrar de um conjunto de aprendizagens, experiências e competências globalizante e formadora dos fu-turos cidadãos. Valorizar a Matemática, pelo seu potencial de seleção, ou como um (bom) crivo para filtrar um perfil entendido como adequado,

significa transformar o potencial formativo da disciplina numa deformação do sistema educa-tivo. Ensinar Matemática e preparar os alunos para resolverem exames são formas de atuar substancialmente diferentes e o sistema educa-tivo não assume esta diferença, nem identifica claramente a alternativa prioritária.

Felizmente a Matemática que interessa não está só na Escola... têm surgido programas de televisão com uma componente formativa na área da matemática (para crianças e adultos) de grande qualidade e com um potencial for-mativo enorme. Existem na Internet páginas, blogues e perfis de redes sociais, aplicações e jogos para dispositivos de comunicação móveis, e novas formas de comunicar (que não são devi-damente valorizadas e potenciadas) que usam a Matemática como elemento motivador e geram competências matemáticas relevantes. Existem cada vez mais torneios, campeonatos e compe-tições, com uma popularidade crescente onde as competências matemáticas são exercitadas, reconhecidas e premiadas.

Cabe-nos a nós, professores, pais, cidadãos in-teressados e intervenientes, proporcionar às crianças e jovens uma formação matemática sólida, relevante e interessante. Temos o dever contribuir para uma discussão pouco comum, no nosso contexto social, de reclamar currícu-los mais adequados, de entender e influenciar as práticas escolares existentes, as possíveis e as desejáveis – dentro e fora da matemática. Pode-mos, e devemos, aproveitar e rentabilizar me-lhor os recursos disponíveis, e o conhecimento produzido, para que os nossos alunos se interes-sem pela Matemática – que interessa!

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REFLEXÃO

Uma Pequena Reflexão......sobre o ensino da Matemática

Sérgio ValenteAgrupamento de Escolas Anselmo de Andrade

Almada

Este texto pretende ser uma pequena reflexão sobre a minha experiência pessoal enquanto professor de Matemática.

Comecei a minha atividade em 12 de janeiro de 1977, ou seja, há 37 anos. Ao longo destes anos, vivi períodos conturbados do ponto de vista so-cial e profissional, repletos de experiências e de conflitos entre várias tendências. Vivi, como pro-fessor, a democratização do ensino em Portugal, nomeadamente os sucessivos alargamentos da escolaridade obrigatória, e assisti à implementa-ção de diferentes programas de Matemática.

Lecionei todos os anos de escolaridade, do 7º ao 12º, se bem que a minha experiência com alunos do 7º, 8º e 9º anos seja bastante mais reduzida do que com alunos do 10º, 11º e 12º anos. Acompanhei alguns dos meus alunos a ní-vel de esclarecimento de dúvidas relacionadas com cadeiras de Matemática, nos seus primei-ros anos do ensino superior. Participei em vários encontros, quer da Associação de Professores de Matemática, quer da Sociedade Portuguesa de Matemática. Fiz, como formador, formação de professores, quer a nível da formação inicial, quer a nível da formação contínua. Para além destas experiências, a conversa e troca de im-pressões que sempre mantive com outros co-legas sobre questões práticas relativas a aulas, a alunos, a elementos de avaliação, etc., bem como algumas experiências realizadas, foram moldando a minha visão sobre o ensino da Ma-temática, a qual pretendo agora partilhar.

O ensino tem milénios de experiência. Desde as primeiras civilizações humanas que o conheci-

mento é transmitido de geração em geração. O modelo que tem sido seguido baseia-se, no es-sencial, numa pessoa (o professor) que transmi-te os seus conhecimentos a um grupo de alunos, ou discípulos. A minha experiência leva-me a considerar que este modelo se mantém atual.

Não quero com isto dizer que não tenha havido experiências bem sucedidas, baseadas noutros modelos. Houve, certamente. Contudo, as que conheço são dificilmente generalizáveis a tur-mas com trinta alunos e com um só professor. Além disso, na minha opinião, está por demons-trar que os alunos que foram alvo dessas expe-riências tenham aprendido mais e melhor. Seria preciso comparar o resultado da aprendizagem desses alunos, com o de outros que, à partida, fossem do mesmo nível, e que tivessem sido en-sinados pelo método tradicional. Que eu saiba, uma tal comparação nunca foi feita em Portu-gal.

Apresento de seguida o modelo de aula que, de acordo com a minha experiência, resulta me-lhor em termos de aproveitamento dos alunos. À partida, sempre que os assuntos abordados envolvam conhecimentos que possam estar esquecidos convém começar por fazer uma re-visão, o que pode ser feito com recurso a uma tarefa simples que mobilize esses mesmos co-nhecimentos. O professor deve depois expor a matéria de uma forma clara, sempre em diálogo com os alunos. Os conceitos novos devem ser devidamente apoiados em exemplos esclare-cedores e os alunos devem ser incentivados a conjeturar as propriedades por um processo indutivo, a partir de casos concretos e de fácil generalização. Devem ser propostas pequenas tarefas e exercícios de consolidação imediata, no sentido de familiarizar os alunos com essas pro-priedades, antes de as demonstrar, ou conduzir os alunos na demonstração. O professor deve

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também propor algumas tarefas mais comple-xas e alguns desafios ou problemas mais difíceis, com o objetivo de tentar desenvolver nos alunos capacidades de nível mais elevado.

Este modelo chega a todos os alunos? Tenho consciência que não. Há alguns alunos que não conseguem acompanhar, seja por falta de co-nhecimentos de matérias fundamentais de anos anteriores, seja por falta de apetência para a disciplina.

Porém, todos os outros modelos que experi-mentei, ou que presenciei em aulas lecionadas por outros colegas, resultaram pior. Um dos mo-delos que já experimentei e já vi outros colegas seguirem baseia-se numa tarefa ou conjunto de tarefas que são propostas aos alunos, nor-malmente como trabalho de grupo. Com base nessas tarefas, os alunos deveriam construir o seu próprio conhecimento, de acordo com o seu ritmo de aprendizagem. Na prática, verifiquei que o que se obtém são aulas confusas, em que poucos são os alunos que efetivamente aprovei-tam, pois a maioria “desliga” e conversa sobre coisas que nada têm a ver com as tarefas pro-postas. Muitas vezes, a presença do professor é solicitada por um grupo de alunos o que faz com que, enquanto o professor está com esse grupo, os outros estejam distraídos e a conversar sobre outros assuntos.

No final de quase todas as minhas aulas (cinco ou dez minutos finais), proponho uma pequena tarefa que os alunos resolvem em grupo. Cada grupo é constituído por dois alunos do mesmo nível de conhecimentos. A tarefa consiste num ou dois exercícios de aplicação da matéria dada nessa aula. Os trabalhos são recolhidos, corrigi-dos e classificados. Isto permite-me perceber se a generalidade dos alunos acompanhou a aula. Os resultados desses trabalhos são, em regra, bastante bons, e bastante melhores do que os resultados obtidos nos testes. A explicação que eu encontro para esta diferença de desempe-nhos é, para além do teste ser individual, a se-guinte: as aulas, por si só, não chegam. É neces-sário um trabalho extra-aula de consolidação da

matéria aprendida. Tenho constatado que, em regra, esse trabalho não é realizado.

Um outro problema com que eu me debato mui-tas vezes, e a generalidade dos professores tam-bém, é a indisciplina na sala de aula. Ninguém aprende num ambiente de confusão. Por isso, na minha opinião, não deve haver tolerância para com a indisciplina. Penso que se tem confundido política de integração de alunos com problemas (económicos, familiares, etc.), com tolerância para com a indisciplina. Considero ser dever da escola pública proporcionar a todos os alunos, independentemente da sua origem social ou económica, um ensino de qualidade. Isso pas-sa por proporcionar boas aulas e apoios extra aula necessários ao sucesso. Não passa, na mi-nha opinião, por tolerar atitudes de indisciplina, de insubordinação, ou de falta de respeito. Por duas razões essenciais. Uma prende-se com a educação para a cidadania, a outra prende-se com o seguinte facto: os mais prejudicados com as aulas indisciplinadas são precisamente aque-les cujos pais não têm dinheiro para pagar a ex-plicadores ou para pagar colégios privados.

Em resumo, eis o modelo de ensino que eu defendo: aulas centradas no professor e bem preparadas, que incentivem a participação e o envolvimento dos alunos, intolerância para com a indisciplina, apoios para alunos com dificulda-des, estímulo ao trabalho extra-aula. É difícil? Sim, é difícil. Mas penso que a linha de rumo deve ser esta.

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REFLEXÃO

O homem Para Quem os Números...eram o seu maior tesouro

Luís Miguel MarquesCoordenador da formação contínua docente

Agrupamento de Escolas António Gedeão - [email protected]

Galileu afirmou que “em ordem a compreender o universo, temos de conhecer a linguagem em que foi escrito, e essa linguagem é a matemáti-ca”. George Lakoff e Rafael Núñez defendem a tese de que a estrutura do cérebro humano, e o modo como o nosso corpo opera no mundo, determinam o desenvolvimento da matemáti-ca. Independentemente das nossas convicções, é inegável que a matemática é uma História de seres humanos. Ou de muitas histórias, como a que se segue.

«Srinivasa Ramanujan nasceu na Índia em 1887. A família Ramanujan era pobre mas grata por Srinivasa. A sua mãe sentia que a deusa Namagiri atendera o seu pedido. Que outro motivo podia existir para aquele menino, um sobrevivente, ser tão dotado com os números?

Srinivasa tentava ser um bom aluno. Num colégio de Kumbakonam, frequentada graças a uma bolsa escolar, rapidamente se destacou na matemática. Um dia, depois do professor de álgebra ensinar à turma como resolver um certo problema em dez passos, Ramanujan levantou o braço e pediu permissão para expor uma outra solução. Requeria apenas quatro passos e emanava, mais do que uma habilidade natural para os números, uma capacidade excecional para tornar simples o difícil. A não ser que o problema fosse dividir a sua atenção pela História, Inglês ou Ciências. Tendo reprovado nestas disciplinas, perde a bolsa e abandona a escola. Mas não a matemática. Estava decidido a aprendê-la e trabalhá-la sozinho. A vida, porém, desafia-nos com outras exigências.

Casado aos vinte e dois anos de idade, Rama-nujan teve de arranjar um emprego, como es-crivão, para suportar as responsabilidades ma-teriais da nova etapa. Só depois do trabalho, em casa, é que se embrenhava em longos cálculos e formulações matemáticas, sem interrupções, por vezes nem para comer. Chegava a estar até às seis da manhã em redor das suas tábuas de ardósia – o papel era caro –, rabiscando, apa-gando, voltando a rabiscar…, deixando escrito somente o resultado final, hábito que não per-deu e que muito dificultou a interpretação da sua obra pela geração de matemáticos que lhe sucedeu, sem um conhecimento pleno da sua maneira de raciocinar.

Instigado pelos colegas de trabalho, Ramanujan enviou uma carta com folhas repletas de equa-ções, e uma breve explicação, a dois proeminen-tes matemáticos ingleses. A carta foi devolvida sem qualquer comentário. [Mas, como anunciei antes neste livro, a matemática é (também) uma questão de fé. E Srinivasa era um crente genu-íno.] Uma nova carta seguiu para Godfrey Har-dy, na Universidade de Cambridge. Hardy esta-va prestes a pôr no lixo a resma de gatafunhos quando, no meio daquela aparente ilegibilidade, uma equação brilhou intensamente, qual estrela de Belém a despertar os espíritos iluminados e benevolentes. Foi oferecida a Ramanujan uma bolsa para estudar no Trinity College.

A decisão de partir para Inglaterra foi difícil. Ra-manujan era vegetariano, achava o seu Inglês limitado e a sua mãe, ciosa dos costumes da cas-ta Brahmin, opunha-se veementemente a que o filho atravessasse os mares. Um dia chamou-o ao quarto. Tivera um sonho premonitório. ‘Sri-nivasa – começou por dizer – tens de ouvir com atenção e obedecer-me. Sonhei com um grande salão, de paredes altas e ricamente decoradas. Estavas lá, junto com muitos outros homens, to-

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dos eles europeus. Vi a deusa Namagiri a olhar para mim. Avisou-me que eu deveria sair do teu caminho. – Fez uma pausa. – Meu filho, deves sentir-te livre para ser aquilo a que estás desti-nado…’

Ramanujan e Hardy desenvolveram uma rela-ção fecunda, colaborando e publicando muitos artigos em revistas da especialidade, ainda que o segundo não evitasse ser assaltado por algu-ma ansiedade. Hardy nunca compreendeu com-pletamente como Ramanujan ‘matematizava’; parecia depender apenas da intuição e do que os Ingleses chamam insights. Hardy esforçou-se para que o seu colega indiano aprendesse a redação convencional de equações e demons-trações matemáticas. Os frutos apareceram na forma de avanços importantes na aproximação ao valor de pi (π), uma questão que iludira o grande Isaac Newton, e na partição dos números (expressar um número inteiro como a soma de outros inteiros), sem se aperceberem que escre-viam História, pois os físicos de agora, em par-ticular os teóricos das supercordas, muito lhes devem por tão generoso cuidado da Árvore do Conhecimento.

A maioria do trabalho de Ramanujan não pôde ser devidamente apreciada até à invenção dos computadores. Só então as suas fórmulas foram expostas em todo o seu esplendor criativo e prá-tico. Não sendo um matemático de formação, é extraordinário que tenha desvendado soluções para problemas sobre os quais nada sabia pre-viamente. Em 1918 Ramanujan foi eleito mem-bro do Trinity College de Cambridge. Era o pri-meiro Indiano a consegui-lo. Assim se cumpria a profecia.

Um clima frio. Problemas em se alimentar ade-quadamente devido à sua dieta especial; sessões de trabalho ininterrupto de muitas horas, às ve-zes trinta e seis. Ramanujan não resistiu. Com a saúde a debilitar-se dia após dia, regressa à Índia depois de seis anos em Inglaterra. Não recupera. Falece passado um ano, com 32 anos de idade. Ficou conhecido como o ‘amigo dos números’. Hardy contava que, numa das suas visitas a Sri-

nivasa hospitalizado, encetou conversação sobre o facto de se ter deslocado no táxi nº 1729.

‘- Que número tão… banal, não acha? – acres-centou Hardy. Ramanujan reagiu espontanea-mente com um brilho nos olhos.

‘- Não, Hardy, não acho. 1729 é um número mui-to interessante. É o mais pequeno número que pode ser expresso como a soma de dois cubos de duas maneiras diferentes…»

Vejo a matemática como uma poderosa mas, na essência, simples linguagem simbólica, pro-duto do engenho humano, capaz de se adaptar e recrear com as circunstâncias. Nasce, evolui e eventualmente morre no cérebro humano. Por-que se adequa e descreve tão bem a nossa rea-lidade física? A matemática que usamos é a que sobreviveu à validação de gerações de pergun-tas, tentativas esforçadas, provas conceptuais e testes práticos.

O mundo tem a sua lógica própria, a mente hu-mana segue essa lógica, inteligível portanto, não

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devendo surpreender que conceba coisas com a mesma lógica. Quando entramos em domínios altamente complexos, na matemática com o seu quê de “delirante”, podemos deixar de saber se o que estamos a inferir ou a deduzir é ou virá a ser confirmado pela realidade. Nem importa. Empurrada pelo poder, pela imaginação do nos-so espírito, a matemática tem tecido os elemen-tos, regras e a dinâmica, enfim, a matriz certa para ser um “recreio” privilegiado de “brincadei-ras” puramente intelectuais. A matemática é um feito assombroso da Humanidade, conseguido com alguma inspiração e muito trabalho e… co-ragem.

Toda a gente gosta de uma boa história. É por isso que as histórias são uma importante ferra-menta didática. Por trás de cada importante des-coberta matemática existe uma fascinante histó-ria humana, ligando-nos a uma herança honrosa e construindo a ponte para um brilhante futu-ro. Estas histórias raramente são contadas nas salas de aulas. Se nelas apostarmos, os alunos

poderão compreender que a matemática é um empreendimento fundamentalmente humano. Sendo tocados por esse facto, talvez venham a sentir-se mais próximos da disciplina, e impeli-dos a um maior investimento na sua aprendiza-gem. Talvez apreciem saber que o grande Isaac Newton foi lançado na matemática após uma briga na escola, ou que a fantástica Sophie Ger-main teve de desobedecer aos pais para poder estudar as propriedades dos números. Que a matemática é feita por gente real, gente “im-perfeita”, que enfrenta os mesmos desafios, di-ficuldades, frustrações ou solidão que qualquer outra pessoa. Temos assim uma história de de-terminação e amor pelo conhecimento. Andrew Wiles tinha dez anos quando leu sobre o Último Teorema de Fermat, decidindo então tornar-se matemático para provar esse teorema; fê-lo aos quarenta e um anos de idade. Indivisível da na-tureza humana, na matemática, se o sonharmos, conseguimo-lo.

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REFLEXÃO

As Explicações na Disciplina de Matemática

José Carlos PereiraProfessor de Matemática

Autor da Raiz Editora

Nota prévias

▪ uma primeira versão deste texto (ligeiramente di-ferente) foi publicada na página do Clube de Ma-temática da Sociedade Portuguesa de Matemáti-ca, Clube SPM: http://www.clube.spm.pt/;

▪ parte da minha actividade profissional é dedicada às explicações. Este texto não é de maneira ne-nhuma uma apologia às explicações, é apenas e só a minha opinião sobre um tema que na minha perspectiva ainda é, de certa forma, tabu.

Nos últimos anos assistiu-se a um aumento da oferta e da procura de explicações de várias disciplinas. Contudo, neste artigo, irei focar-me apenas na Matemática.

Longe vão os tempos em que a oferta era es-cassa e normalmente a preços muito elevados. Lembro-me que procurei um explicador quando frequentei o meu 12.º Ano, mas o valor que me foi pedido era proibitivo. Actualmente a oferta é muita e variada, por exemplo, na localidade onde habito existem mais de dez centros ou sa-las de estudos, excluindo os professores que dão explicações em casa. A oferta vai desde explica-ções individuais ou em grupo até grupos de es-tudo. Há ainda quem ofereça explicações online, via skype. Enfim, uma infinidade de possibilida-des. É por essa razão que é possível encontrar exactamente o que se procura a preços muito razoáveis e em alguns casos, abaixo do razoável.

Mas por que razão hoje em dia existe uma ofer-ta e uma procura tão alargada de explicações de Matemática?

Há vários factores que podem ajudar a respon-der a esta questão, senão vejamos:

Que eu tenha conhecimento não existe nada que regule a actividade, qualquer pessoa a pode exercer da maneira queachar melhor. O único constrangimento que conheço é a proibição de os professores darem explicações a alunos do mesmo agrupamento onde leccionam.

Depois há o facto de muitos professores estarem desempregados e, naturalmente, recorrerem às explicações para terem algum rendimento. Não podemos ignorar o facto de haver vários outros profissionais de áreas tão diversas como a En-genharia ou a Economia, por exemplo, que tam-bém optam pelas explicações.

Não é muito complicado abrir uma sala de estu-do ou começar a dar explicações em casa. Nor-malmente abrir uma actividade nas finanças é o suficiente e depois, para quem quiser exercer a sua actividade numa sala de estudo, só terá que cumprir todas as formalidades de ter uma loja aberta ao público.

Por fim, em minha opinião, apesar dos tempos conturbados que vivemos, a disponibilidade fi-nanceira das famílias é maior que há vinte anos atrás, e portanto existe maior facilidade em co-locar os filhos em explicações.

É do conhecimento geral que as explicações de Matemática são as mais procuradas. Porquê? Será mesmo necessário um aluno recorrer às ex-plicações para ter sucesso na disciplina?

Não tenhamos ilusões. Apesar de haver maté-rias na Matemática que são fáceis ou que não são muitos difíceis de compreender, em geral, a Matemática é difícil. Essa dificuldade vem de uma característica muito particular – tem um ca-rácter cumulativo que exige um trabalho sério e continuado. Por exemplo, não é possível perce-

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ber a noção de derivada sem entender a noção de limite e não é possível entender a noção de limite sem perceber a noção de sucessão. Na Matemática as matérias são como os degraus de uma escada, sucedem-se umas às outras, sendo que para chegar ao topo é necessário passar por todos os degraus, sem saltar nenhum. Essa é tal-vez a razão pela qual as explicações de Matemá-tica são as mais procuradas.

Constata-se também que essa procura começa cada vez mais cedo e por todo o tipo de alunos. Se no passado só os alunos com mais dificulda-de e só no secundário recorriam às explicações, presentemente, mesmo os melhores alunos re-correm à ajuda de um explicador para chegar à nota que pretendem e em anos cada vez mais precoces, muitos logo no 5.º Ano e alguns mes-mo no 1.º ciclo.

Acredito que as explicações de Matemática po-dem ser uma ferramenta importante para o su-cesso de um aluno.

Muitas vezes há pormenores que passam desper-cebidos na aula e isto não constitui, de maneira nenhuma, uma crítica ao trabalho professores que não raras vezes trabalham em condições que

não são as ideias. Com turmas cada vez maiores, torna-se difícil chegar a todos da mesma manei-ra. Um explicador que trabalhe individualmente com o aluno ou em pequeno grupo, pode colma-tar mais facilmente essas falhas, alertando para os pormenores, propondo novos problemas e fazendo o possível para que o aluno consiga atin-gir os seus objectivos. Todavia, em caso algum as explicações não substituem as aulas, apenas as complementam. Um explicador nunca deve ter a pretensão de substituir o professor nas suas tarefas. Assim como o professor, o explicador deve trabalhar de modo a promover o sucesso do aluno de que é responsável.

Não nos podemos esquecer que aliado ao traba-lho do professor e, caso o aluno recorra às expli-cações, do explicador, é necessário grande em-penho e dedicação por parte do aluno. Só assim aumentarão as suas probabilidades de sucesso.

Site: http://recursos-para-matematica.webnode.pt

Facebook: https://www.facebook.com/recursos.para.matema-tica

Coluna no Clube SPM: http://www.clube.spm.pt/arquivo/2915

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ENTREVISTA

Entrevista a Rogério MartinsProfessor Universitário, apresentador de “Isto é matemática”

Entrevista conduzida por Teresa Monteiro

Professora-Adjunta do Instituto Politécnico de Beja

Quem é o Rogério Martins?

RM - Não sei! Sou como as outras pessoas. Te-nho feito várias coisas ao longo da minha vida e interesso-me por muitas coisas. Quando era miúdo não queria ser propriamente ou especial-mente matemático. Descobri esta paixão muito mais tarde quando comecei a estudar matemáti-ca a sério, na faculdade. Hoje sou tecnicamente investigador e professor. Agora também posso considerar-me apresentador de televisão.

Nem sempre pensou em ser professor de ma-temática. Quando era pequenino queria ser o quê?

RM - Eu queria ser muita coisa, tal como mui-to outros miúdos. Sempre quis ser como o meu pai, fruticultor. Durante muito tempo quis ser engenheiro agrónomo por exemplo, mais tarde, interessei-me por várias áreas, como a gestão, economia, psicologia, sociologia e depois a ma-temática foi uma das minhas opções, uma pai-xão à primeira vista. Na faculdade eu apercebi-me que a matemática é muito mais uma filosofia do que propriamente um jogo de contas e esse aspeto talvez seja o que me atrai mais na mate-mática, porque se relaciona com a vida, com a nossa vida do dia a dia e com outras áreas cien-tíficas em geral.

E se a paixão não começou pela matemática e por ser professor quando é que surgiu?

RM - Ser professor é algo que surge naturalmen-te, no ensino superior eu tive consciência que a minha vida iria passar por ser professor. É difícil não gostar de ser professor, quando trabalha-

mos com pessoas que estão à partida a estudar aquilo que gostam. Os meus alunos estudam en-genharia e não são propriamente de cursos de matemática. Contudo são naturalmente interes-sados em matemática, caso contrário não teriam escolhido engenharia. Ser professor no fundo é transmitir o que sabemos aos outros, talvez seja o lado mais egoísta da profissão que ganha sen-tido com tantas outras coisas, como ver o su-cesso dos alunos e perceber a sua satisfação ao completarem mais uma etapa do seu percurso e da sua aprendizagem, é essa a essência de ser professor!

Falar consigo neste momento é falar do pro-grama “Isto é Matemática” quer-nos dizer algo sobre desse percurso?

RM - Nunca pensei apresentar um programa de televisão! Um dia eu estava em casa e telefonou-me o presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática a dizer que precisava de um apre-sentador para um programa de televisão.

À época era?

RM - O Miguel Abreu. Eu nunca tinha pensa-do nessa possibilidade e por isso respondi que ia pensar no assunto, dado que a proposta era fazer pelo menos 91 episódios sobre temas que interessassem a um púbico generalista sobre matemática. O programa “Isto é Matemática” foi desenhado e escrito para ser apresentado ao público típico da SIC Notícias, cuja tipologia está bem definida: um público adulto e só por exceção a crianças e adolescentes. No início foi assustador, uma coisa é falar para os nossos es-tudantes de engenharia outra coisa é falar para a sociedade em geral. Passados alguns dias perce-bi que afinal seria muito mais fácil. Comecei logo a selecionar ideias, a imaginar episódios, pouco tempo depois já tinha noventa e tal temas e ago-ra, depois de escrevermos quase todos, ainda

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tenho cento e tal, não só escrevemos sobre os temas que já tinha, como fui adicionando temas que nunca utilizei, sei lá, uma quantidade enor-me de coisas que ainda podia falar.

E onde foi buscar os temas? Em que é que se inspira?

RM – Os temas surgem de todas as formas, quer através das pessoas que escrevem emails a dizer olhe isto é um tema muito giro porque não fala disso. Eu vou à procura e se acho que é um tema interessante desenvolvo o assunto. Mas o nor-mal é eu já ter na minha cabeça algumas ideias. A maior parte dos casos surgem de forma natu-ral, são provenientes de leituras, outras foram temas que não consegui apresentar num só epi-sódio e depois ficam “em caixa”. Por exemplo a história do planisfério que escrevi recentemente tem a ver com a projeção de Mercator que faz com que os países apareçam dilatados. Portugal está dilatado em relação a África no planisfério. Este facto tem muito a ver com as projeções que têm uma natureza puramente matemática. Tudo começou porque alguns amigos partilharam no Facebook alguns vídeos sobre este assunto, eu interessei-me e decidi fazer também a minha versão e apresentar esse tema que consta de um dos próximos episódios.

Os episódios já estão todos feitos?

RM - Exatamente, já escrevemos 91 episódios cumprindo o nosso financiamento, tal e qual como estava previsto no projeto que foi candi-datado ao QREN através do Ciência Viva.

Tem ideia qual é o vídeo mais visto, mais visu-alizado?

RM - Tenho, se não me engano é o do Euromi-lhões.

30 mil visualizações! Consegue explicar a ra-zão?

RM - Eu entendo mais ou menos a razão que motiva as pessoas. Um dia estava no dentista e contei-lhe que era matemático e imediatamen-te passamos o resto da consulta a discutir sobre o euromilhões. Acho que a sociedade em geral

vê o euromilhões como uma viragem, nas suas vidas. As pessoas pensam que os matemáticos têm alguma coisa a dizer sobre o euromilhões e portanto ficam muitos atentas a este assunto.

Então acha que o sucesso tem a ver com o tí-tulo?

RM - O episódio “Euromilhões e a Matemática” mexe com as pessoas pelo facto de perceberem a ligação direta entre o Euromilhões e a mate-mática. Esta relação estabelece a possibilida-de da matemática poder contribuir para fazer milionários através do Euromilhões. Claro que a matemática ajuda a entender o que está em jogo, mas não obviamente a atingir o prémio. O episódio “O homem faz a sua própria sorte” ex-plica como Stefan Mandel em 1992, na Austrália, conseguiu, usando a matemática, ganhar muito dinheiro no “totoloto”. Curiosamente não teve tantas visualizações, embora ensine, de certa forma, através de um exemplo real a ser milio-nário.

O programa “Isto é matemática” já foi premia-do em Portugal?

RM – Sim. Foi excelente! Foi premiado em Por-tugal e também no Brasil. É sempre bom ver o nosso trabalho reconhecido.

Está ligado à divulgação da matemática, já par-ticipou noutras aventuras? Estou a referir-me ao concurso Ciência Viva – famelab...

RM - Foi com esse concurso que começou o meu gosto por fazer divulgação matemática. O desa-fio do Famelab visava falarmos, num palco, du-rante 3 minutos sobre um tema relacionado com

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ciência. Achei a ideia giríssima, de facto há uma certa semelhança com o programa “Isto é mate-mática”. Participei e fiquei entre os 10 finalistas, provavelmente fruto do meu gosto por falar em público e em particular sobre matemática. Estou sempre a pensar no potencial da comunicação e na forma de partilhar com paixão os resultados da minha investigação científica. Também gosto de ir às escolas falar com os alunos, de estar na minhas aulas a contar as minhas ideias sobre as coisas.

O atual ministro da educação Nuno Crato tam-bém fazia divulgação da ciência e da matemáti-ca antes de ser ministro?...

RM – Sim, na verdade o Nuno Crato como sabe foi, antes de Miguel Abreu, o Presidente da So-ciedade Portuguesa de Matemática (SPM). Eu nunca pertenci à direção, mas colaborei com a SPM, nas atividades que me interessavam. Na verdade há uma relação entre o programa “Isto é matemática” e Nuno Crato, penso que a ideia original do programa foi dele, em particular a formatação em 91 episódios com cerca de 5 mi-nutos cada.

E agora? Mantem alguma relação próxima com o ministro Nuno Crato?

RM – Sim. Continuamos a falar muito bem, esti-ve com ele no final das Olimpíadas Portuguesas de Matemática e temos uma boa relação.

Já foi diretor da Gazeta da SPM?

RM – Deixei de ser diretor da Gazeta da SPM em

janeiro. Gostei muito da experiência, porque es-tava integrada nestas minhas atividades a nível da divulgação matemática. A Gazeta é um jornal de conteúdo matemático, com pretensões de divulgação.

Tem alguma participação em livros didáticos ou é autor de algum livro?

RM – De certo modo... Durante muito tempo, fiz a revisão científica de livros do secundário o que foi uma experiência muito interessante. Na faculdade, ficamos um pouco alheados do que se faz no secundário e tive oportunidade de tra-

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balhar diretamente com os autores, de rever e discutir com eles os temas e a sua abordagem nos livros.

Há mais “matemáticos” na família?

RM - Sim, a minha mulher é de matemática. As minhas filhas também têm uma tendência para as áreas científicas, mas não propriamente para a matemática. Sobre este assunto penso que os filhos devem ter o seu próprio espaço indepen-dente dos pais.

Na sua opinião a que se deve o insucesso, já dado como normal, na matemática?

RM - Esta é a pergunta mais difícil e mais fre-quente. Eu diria que se deve a muitos fatores, tais como: o estigma da matemática, a atitude dos alunos, dos pais que desculpabilizam o insu-cesso dos filhos. O relatório PISA evidenciou que o aumento da escolarização dos pais teve como consequência a melhoria das competências e re-sultados dos educandos. Conclui-se que os pais mais escolarizados valorizam a aprendizagem da matemática, conscientes da sua importân-cia na formação académica dos filhos. Convém também referir que o facto da matemática ser objetivamente difícil pode ser desmotivador. Em termos comparativos, um romance pode ser lido num dia. Normalmente lemos 100 pá-

ginas por dia. Na matemática conseguimos ler uma ou duas páginas por dia. Isso não é culpa das pessoas. Eu sou matemático profissional e comigo também é assim, o que se passa é que a matemática é escrita de uma forma muito den-sa, utilizamos fórmulas matemáticas para con-densar muita informação, tudo o que é escrito em fórmulas, podia ser dito, só que acabaria por ocupar várias páginas. Cada fórmula pode con-densar muitas páginas em 1 ou 2 linhas, o que torna a matemática muito desmotivante.

Por outro lado, a matemática é vista pela so-ciedade em geral como uma medida da nossa inteligência. Normalmente dizem se és bom a matemática então vais ser bom a tudo. As pes-soas associam ser bom a matemática a ser in-teligente. Eu não acredito nisso, na verdade eu acho que a pessoa não precisa de ser muito in-teligente para ser bom a matemática, quer dizer, é preciso trabalhar muito como em outra coisa qualquer. Como em tudo convém ter uma certa habilidade, como para jogar à bola, para ser um bom futebolista. Conhecemos o Ronaldo e sabe-mos que ele trabalha muito. Com a matemática é a mesma coisa, temos que trabalhar no duro, e se trabalharmos conseguimos bons resultados.

Uma coisa muito curiosa, é dizermos que não sa-bemos jogar basquete ou não temos habilidade

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para pintar e desenhar, mas em relação à ma-temática a tendência é dizer não gosto de ma-temática em vez de dizer que não sabemos ou não temos jeito. Esta atitude deve ser compre-endida no contexto da aprendizagem, se o aluno tem tendência para a matemática é porque teve um bom professor e uma boa iniciação o que au-menta o seu ego e estimula a sua vontade para estudar mais e ter melhores notas. Ao contrário, os alunos com notas baixas têm tendência a des-ligar, a dizer que não gostam de matemática.

A matemática é abstrata e difícil. A abstração é uma caraterística muito peculiar da matemática. A abstração não é muito inata em nós. Gostamos de contar histórias e adoramos ouvir histórias, porque do ponto de vista evolutivo fomo-nos adaptando e relacionando como sociedade. A abstração é uma coisa muito mais recente do ponto de vista evolutivo, o nosso cérebro dá-se de forma menos natural com a abstração do que se dá com histórias ou com outras capacida-des inteletuais. A capacidade de abstração não é muito natural nos humanos. A matemática é muito difícil, mas também é difícil aprender a tocar um instrumento, a guitarra que faz doer as mãos, o violino que exige uma posição incómo-da e há miúdos pequenos, mesmo miúdos pe-queninos que aprendem, que tocam.

Como correr uma maratona?

RM - Correr uma maratona pode deixar-nos de rastos, tal como a matemática que, apesar de ser difícil, as pessoas estudam e aprendem. Mui-tas vezes é uma questão de motivação.

Como entender?

RM - Os matemáticos são pouco hábeis a comu-nicar e têm alguma dificuldade a transmitir a sua paixão, o tema do seu trabalho.

O professor é um ator? Reconhece uma evolu-ção na teatralização do seu programa “Isto é matemática”?

RM - Sim o professor é um ator, sobre isso não há dúvida e nós temos muito a explorar.

Reconheço uma evolução enorme. Quando esti-

ve no Brasil na entrega do prémio fizeram uma pequena montagem com imagens de vários epi-sódios e foi muito curioso verificar a diferença radical entre os primeiros episódios onde esta-va mais direito, muito tenso e pouco à vontade porque não tinha nenhuma experiência em te-levisão.

E tem feedback dos telespectadores, chega-lhe alguma coisa reação?

RM - O Facebook é muito importante para in-teragir com os telespectadores. A página do Facebook “Isto é matemática” é muito partici-pada por pessoas que reagem positivamente e outros que fazem algumas críticas. Há quem diga eu nunca gostei de matemática e nunca pensei em gostar de um programa matemático, vocês apresentam o tema muito bem, de forma mui-to cativante, esse é o objectivo. Se escrevesse um livro sobre esses temas chegava apenas às pessoas que já gostam da matemática. Na tele-visão entro na casa das pessoas e faço divulga-ção matemática para todos e isso é poderoso e é fantástico.

E noutros países há experiências do género?

RM - Não é muito comum, mas há programas que têm como tema a matemática. Os mais co-nhecidos são os da BBC com grande tradição na produção de conteúdos para documentários científicos.O “Isto é Matemática” é original de facto, do ponto de vista da apresentação. A ideia de mos-trar a matemática a partir de aspetos comuns é original. No início achei assustador falar de ma-temática em 5 minutos, mas depois percebi que não há melhor modelo para ter uma segunda vida na internet, no Youtube.

Qual foi o episódio que lhe deu mais gosto fa-zer?

RM - Essa pergunta é muito difícil porque houve tantos que me deram gozo fazer…

E qual o trabalho que lhe ocorre salientar?

RM - Não sei, os episódios foram tantos e tão

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diversificados que é difícil escolher um… Muito interessante foi o programa sobre o “Centro de Portugal”. Neste episódio negámos o estatuto de “Centro de Portugal” ao famoso Pico da Melriça (em Vila de Rei), e fomos para Mação à procura do verdadeiro centro geográfico de Portugal Continental.

Que desafios?

RM - Tenho ido a sítios que não é comum, no episódio “A Parábola da Parábola” subimos a Ponte 25 de Abril e é uma coisa impensável subir lá acima. Também já fomos ao Casino, e perce-bemos como o Casino funciona nos bastidores.

Há tantas outras situações… já gravámos em quartéis militares e eu nunca andei na tropa e passamos um dia ali com as pessoas e percebe-mos como essas pessoas funcionam, almoçamos com eles, fizemos ainda há pouco tempo uma visita à escola de Fuzileiros e fizemos parte de al-guns circuitos, inclusivamente saltei para dentro da famosa pista de lodo. Ainda há pouco tempo estivemos na Fragata D. Fernando e Glória, pas-samos lá dois dias. É interessante entrar dentro de um museu quando está fechado, o que tem ocorrido várias vezes, ainda há pouco tempo fo-mos ao museu da Marinha. Gravamos à segunda feira e ficamos com o museu só para nós, pode-mos ver as coisas, experimentar.

É sempre uma aventura irmos para a rua e nunca sabermos o que nos vai acontecer. As pessoas reconhecem-nos, falam connosco e por vezes participam por acaso, como aconteceu com o David Fonseca que aparece num episódio sobre música. É fantástico conhecer tanta gente atra-vés da matemática!

Que pergunta gostaria que lhe fizessem?

RM – Pois… isso é inverter o papel, isso é muito matemático, não sei, nunca pensei nisso.

Que pergunta não gostariam que lhe fizessem?

RM - Também não sei, mas se provavelmente soubesse não diria, não é? Não há nada que me ocorra, mas acho que se me fizessem uma per-gunta de que não gostasse tentaria contornar a situação.

A paixão de comunicar…

RM – Comunicar, comunicar ciência, comunicar seja o que for exige paixão. Quando uma pessoa gosta de facto de alguma coisa isso transmite-se, contagia-se. Quando vemos alguém fascina-do, temos tendência a ficar fascinados. É normal irmos a um museu de pintura e voltar para casa e querer pintar, irmos ao teatro, ou ao circo e voltar para casa e tentar representar, fazer mala-barismos... É este o sentido que queremos para a divulgação da matemática.

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NOTÍCIA

Ler e Contar a Brincar1, 2, 3, Conta lá outra vez!

Caros pais, educadores, professores e outros amigos do livro ilustrado:

Estes dois livros são o início de uma coleção pen-sada para crianças na fase maravilhosa da vida em que estão a adquirir conhecimentos básicos como ler e escrever. Para introduzir o alfabeto e os números nesta fase de desenvolvimento repleta de fantasia, procurei criar abordagens lúdicas e pictóricas que estimulam a criatividade apelando à inteligência e à capacidade de ob-servação. Assim, as próprias imagens contam histórias e constroem pontes de transição para leituras mais abstratas. Deixo aqui algumas das ideias em volta das quais estes livros foram con-cebidos e que, por sua vez, podem ajudar os adultos a explorá-los com as crianças.

Espero que estes livros e que as pistas para a sua exploração proporcionem a todos — pais, educadores, professores, outros amigos do livro ilustrado e principalmente às crianças — muitos momentos de descoberta e conhecimento, pelo menos tão prazenteiros como os que tive duran-te a elaboração destes O que se vê no ABC e 1, 2, 3, conta lá outra vez!

Um abraço

Danuta Wojciechowska

Observar, perguntar e contar pode constituir um jogo, e cada página oferece esta oportunidade à criança, que pode contar pétalas, folhas ou pa-tas de bichos. Há pequenas legendas para ajudar a focar o que é interessante deste ponto de vista e ajudar na sua classificação. Podemos estender esta atividade a outros casos. Embora os exem-plos dados no livro reforcem a ligação a padrões naturais, alguns assentam em referências cultu-rais. Em contraponto, a criança poderá querer acresentar: A tia tem 3 gatos.

Para sublinhar o sistema decimal em que assen-ta a nossa numeração, estes são apresentados individualmente de um a dez. Para brincar com o ritmo quase cantado do contar, podemos experi-mentar contar noutras línguas.

Há uma página que apresenta o zero e a impor-tância que tem na maneira como organizamos os números por dezenas, centenas ou milhares. O símbolo para o zero em chinês parece muito complicado… porque será? Há outra página para descobrir para que servem os números e o que fazemos com eles no nosso quotidiano. Por fim, podemos ver as quatro operações matemáticas personificadas e quais são as características de cada uma delas.

Em todas as páginas há propositadamente pou-co texto para permitir uma grande liberdade in-terpretativa. Podemos olhar para as imagens e inventar as nossas próprias histórias.

Por exemplo: Era uma vez um príncipe árabe que sabia contar e conhecia todos os segredos dos números. Contava os seus camelos, os aposen-

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tos do seu palácio e até os astros que brilhavam sobre o deserto. Um dia um feiticeiro invejoso...

Ao abordarmos os números lidamos com algo mais universal e, de certo modo, mais abstrato. Para tornar o conceito dos números mais palpá-vel, procurei mostrar onde se manifestam, como estão enraiza-dos na natureza, no nosso corpo e até no nosso imaginário. Procurei reconhecer como estão presentes em padrões e desenhos que podemos observar mas também contar. As-sim, a curiosidade da criança é estimulada para procurar relações no mundo natural e descobrir os seus ritmos e regras. Contar permite conhe-cer, organizar e construir.

SUGESTõES DE ATIVIDADES:

A cada página podemos desenvolver uma con-versa sobre as qualidades do número numa rela-ção motivadora e até filosófica.

Por exemplo, depois de observar e compreender todos os elementos e pormenores da ilustração número 1, perguntar:

Afinal o “um” é muito grande ou muito peque-no?

No número 2, falando de pares, também é pos-sível falar de opostos e de coisas complementa-res, etc.

Filme de animação criado pelos professores ANA MOTA e ANTÓNIO BARREIROS

Este filme insere-se no domínio dos “Núme-ros e Operações” e pode ser utilizado desde o 7º ao 12º ano de escolaridade.

Pode ser um recurso de dinamização do en-sino aprendizagem, por ser um instrumento de comunicação audiovisual que pode fa-cilitar a assimilação dos conteúdos, já que, ao mobilizar mais do que um dos sentidos para a compreensão do conteúdo, apela ao envolvimento e participação ativa do aluno no contexto e assim facilitar a compreensão da mensagem didática.

Este filme de animação pode ser visto no Canal Revista AlmadaForma do YouTube

(http://youtu.be/3M-thPZWyD8)

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Composição de Rita ChasqueiraCurso Profissional de Design - Escola Secundária de Cacilhas-Tejo

NOTÍCIA

Conferência Professor Doutor Marco António Moreira

Modelos científicos, modelos mentais, modelagem computacional e modela-gem: aspetos epistemológicos e implicações para o ensino Data: Dia 14 de julho de 2014Horário: Das 17:00 às 19:00 HorasLocal: Auditório da Escola Secundária Emídio Navarro - AlmadaPúblico-Alvo: Comunidade Educativa de AlmadaAcesso livre e Gratuito / Atribuição de Certificado de participação

Resumo

A modelagem é componente essencial da construção científica e da construção cognitiva. Tudo é construção. Na ciência construímos conceitos, modelos, teorias.

No funcionamento cognitivo, o primeiro passo para dar conta de uma situação nova é construir, na memória de trabalho, um modelo mental dessa situação. Esses modelos quase sempre implicam al-gum nível de modelagem matemática. Então, a modelagem deveria ser um componente importante do ensino de ciências e matemática. Mas não é assim.

A modelagem é, geralmente, ignorada. No ensino de ciências, por exemplo, não se transmite a ideia de ciências como construção humana, e muito menos os conceitos de modelo e modelagem. Esta apresentação busca chamar atenção, principalmente de professores de ciências e matemática, so-bre a importância da modelagem, e seus aspectos epistemológicos no ensino. Para isso, faz-se uso de um instrumento heurístico, o Vê epistemológico de Gowin.

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Às folhas tantas do livro matemáticoum Quociente apaixonou-se um dia

DoidamentePor uma Incógnita.

Olhou-a com seu olhar inumerávelE viu-a, do Ápice à Base...

Uma Figura Ímpar;Olhos rombóides, boca trapezóide,Corpo ortogonal, seios esferóides.

Fez da suaUma vida

Paralela à dela.

Até que se encontraramNo Infinito.

"Quem és tu?" indagou eleCom ânsia radical.

"Sou a soma do quadrado dos catetos.Mas pode chamar-me Hipotenusa."

E de falarem descobriram que eram(o que, em aritmética, corresponde

a alma irmãs)Primos-entre-si.

E assim se amaramAo quadrado da velocidade da luz.

Numa sexta potenciaçãoTraçando

Ao sabor do momentoE da paixão

Rectas, curvas, círculos e linhas sinusoidais.

Escandalizaram os ortodoxosdas fórmulas euclidianas

E os exegetas do Universo Finito.

Romperam convenções newtonianase pitagóricas.

E, enfim, resolveram casar-se.Constituir um lar.Mais que um lar.

Uma Perpendicular.

Convidaram para padrinhosO Poliedro e a Bissetriz.E fizeram planos, equações e diagramas para o futuroSonhando com uma felicidadeIntegralE diferencial.

E casaram-se e tiveramuma secante e três conesMuito engraçadinhos.E foram felizesAté àquele diaEm que tudo, afinal,se torna monotonia.

Foi então que surgiuO Máximo Divisor Comum...Frequentador de Círculos Concêntricos.Viciosos.

Ofereceu-lhe, a ela,Uma Grandeza Absoluta,E reduziu-a a um Denominador Comum.

Ele, Quociente, percebeuQue com ela não formava mais Um Todo.Uma Unidade.Era o Triângulo, chamado amoroso.E desse problema ela era a fracçãoMais ordinária.

Mas foi então que Einstein descobriu aRelatividade.E tudo que era expúrio passou a serMoralidade

Como aliás, em qualquer Sociedade.

(Millôr Fernandes)

Poesia Matemática

÷?

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