revisar materiais didáticos destinados à educação a distância

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Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Linguagem, usos e ensino n o 43, p. 95-117, 2011 95 REVISAR MATERIAIS DIDÁTICOS DESTINADOS À EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Arabie Bezri Hermont RESUMO: Este texto tem o objetivo de apresentar re- flexões sobre o processo de revisão de materiais didáticos destinados à educação a distância. O trabalho ancora-se no aporte teórico que concebe a linguagem como forma de interação. Para tanto, adota-se a postura de que os textos propostos em educação a distância devem permi- tir o dialogismo, ser coerentes e coesos, claro e apresen- tar ordenamento de ideias. PALAVRAS-CHAVE: Educação a distância. Revisão de material didático. Texto. Introdução J á é consenso que, na contemporaneidade, o processo de ensino e de apren- dizagem pode ir além da tradicional sala de aula, do aluno assentado em sua carteira, ouvindo, refletindo e perguntando ao professor que, à sua frente, explica-lhe um determinado conteúdo, muitas vezes, procurando desenvolver diversas competências e habilidades. Hoje, mais do que nunca, há a certeza de que a educação a distância é não só uma forma de ensino, bem como pode ser a mais democrática à medida que possibilita o acesso à educação a diversas pessoas residentes em lugares distantes de instituições de ensino, a pessoas que trabalham viajando, a pessoas que têm dificuldade de sair de casa, como alguns deficientes físicos, e a outras em diversas situações que as impedem de frequentar uma sala de aula. Nas últimas décadas, essa nova modalidade de ensino vem sendo aperfei- çoada e, a fim de garantir-se uma educação de qualidade, houve e há necessi- dade de um grande aparato que deve ser norteado por certos princípios básicos

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Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Linguagem, usos e ensino no 43, p. 95-117, 2011 95

reviSAr mAteriAiS DiDáticoS DeStinADoS à eDucAção A DiStânciA

Arabie Bezri Hermont

RESUMO: Este texto tem o objetivo de apresentar re-flexões sobre o processo de revisão de materiais didáticos destinados à educação a distância. O trabalho ancora-se no aporte teórico que concebe a linguagem como forma de interação. Para tanto, adota-se a postura de que os textos propostos em educação a distância devem permi-tir o dialogismo, ser coerentes e coesos, claro e apresen-tar ordenamento de ideias.

PALAVRAS-CHAVE: Educação a distância. Revisão de material didático. Texto.

introdução

Já é consenso que, na contemporaneidade, o processo de ensino e de apren-dizagem pode ir além da tradicional sala de aula, do aluno assentado em sua carteira, ouvindo, refletindo e perguntando ao professor que, à sua frente,

explica-lhe um determinado conteúdo, muitas vezes, procurando desenvolver diversas competências e habilidades. Hoje, mais do que nunca, há a certeza de que a educação a distância é não só uma forma de ensino, bem como pode ser a mais democrática à medida que possibilita o acesso à educação a diversas pessoas residentes em lugares distantes de instituições de ensino, a pessoas que trabalham viajando, a pessoas que têm dificuldade de sair de casa, como alguns deficientes físicos, e a outras em diversas situações que as impedem de frequentar uma sala de aula.

Nas últimas décadas, essa nova modalidade de ensino vem sendo aperfei-çoada e, a fim de garantir-se uma educação de qualidade, houve e há necessi-dade de um grande aparato que deve ser norteado por certos princípios básicos

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de qualidade. Dentre as inúmeras demandas para que se consiga promover a educação a distância com qualidade, uma delas é a revisão de materiais didá-ticos, inserida, evidentemente, dentro de uma perspectiva pedagógica. É neste contexto que este trabalho se apresenta. Este texto, portanto, visa a apresentar reflexões sobre o processo de revisão de materiais didáticos destinados à edu-cação a distância, termo este também conhecido como EAD.

O ensino a distância no Brasil já se deu por meio de correspondência, via rádio e via televisão (cf. ALVES, 2009, p. 9-10)1. Hoje, com a disponibilidade de computadores pessoais nas casas e com a facilidade de acesso à Internet, o ensino a distância está cada vez mais se consolidando. O objeto de estudo aqui diz respeito ao modo como vem sendo feita a revisão de materiais didáticos em educação a distância, mais propriamente dita aquela que é feita para ser veiculada pela Internet e nossas argumentações sempre serão pautadas em um aporte teórico sobre concepção de linguagem e sobre aspectos envolvidos no processo da leitura e da escrita.

Para começarmos nossa abordagem, traremos, inicialmente, dois concei-tos de revisão: um de Houaiss e outro de Malta.

1 o que é revisar?

Revisar, de acordo com Houaiss (2009, p. 1664)2, dentre outras defini-ções, é “ler (texto), a fim de consertar-lhe possíveis erros, sejam eles relativos à estrutura do texto (redação, digitação, tipografia etc.) ou ainda relativos ao conteúdo”. Revisão, ainda de acordo com o mesmo dicionário (op. cit.), é “nova leitura, mais minuciosa, de um texto; novo exame”.

De acordo com Malta,

o trabalho de revisão exige atenção, senso crítico (...) É necessá-rio saber dosar, saber combinar dois fatores: recorrer incessante-

1 ALVES, João Roberto Moreira. A história da EAD no Brasil. In: LITTO, Frederic e FOR-MIGA, Marcos. Educação a distância – o estado da arte. São Paulo: Pearson Education do Brasil: 2009. p. 461.

2 HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa. 1 ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. 1986

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mente às fontes de consulta e apoiar-se numa boa cultura geral, num senso crítico, numa boa capacidade de duvidar. Creio que são esses os elementos que, somados e sempre concomitantes, formam o bom revisor. Saber consultar, ter uma memória e culturas boas, duvidar. E não se meter a autor, embora - ver-dade seja dita -, no final, muitas vezes o que se lê representa o trabalho do revisor “podando”, melhorando, aperfeiçoando. (MALTA, 2000, p. 28)3.

1.1 Mas o que é revisar material didático?

Acreditamos que revisar material didático exige os aspectos delineados anteriormente, mas também, e principalmente, características importantes, tais como saber “quem é o aluno para o qual estou escrevendo?”, “qual é a abordagem pedagógica que é adotada pela instituição de educação?” e, com isso, “qual é a perspectiva didática por parte da equipe pedagógica e do grupo de professores?”, “quais são os tipos de competências e habilidades que se quer desenvolver no aluno?”, “qual é a relevância do conteúdo tratado tendo em vista todos os aspectos apontados anteriormente?”. Alia-se a tudo isso a adequação dos elementos relativos à coerência textual, tais como a própria re-dação do texto, a articulação das informações, os aspectos formais (incluindo desde a organização formal do texto, com colocação de títulos e subtítulos, com enumeração das partes, indo até os gráficos, as ilustrações ou outros re-cursos visuais) que podem garantir o início e a continuidade de leitura com efetivo aproveitamento por parte do aluno. Assim revisar um material didático tem características muito mais amplas que aquelas mencionadas por Houaiss (op. cit.) e Malta (op. cit.). Em se tratando de materiais didáticos para o ensino a distância, os aspectos apontados acima são imprescindíveis.

Muitas das perguntas feitas podem ser respondidas ao observar-se como são propostas as aulas de leitura e de escrita por parte do professor. E o revisor de textos de materiais de educação a distância, que provavelmente compõe uma equipe pedagógica da instituição que proporciona o(s) curso(s) ofereci-dos nessa modalidade de ensino, deve estar atento a aspectos relevantes dos

3 MALTA, Luiz Roberto. Manual do revisor. São Paulo: Madras Editora, 2000. 152 p.

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processos envolvidos na leitura e na escrita ao revisar as unidades de ensino elaboradas pelos professores, os textos disponibilizados aos alunos, as ativida-des e as avaliações propostas.

Então, se na contemporaneidade surgem novas exigências por parte do professor – como, por exemplo, a de estar aberto para o ensino a distância -, há a demanda de profissionais que façam revisão dos textos e mais: que tal procedimento esteja inserido no discurso pedagógico e nos discursos nos quais os estudos sobre linguagem se inserem.

Para tanto, devemos ter bem clara a principal natureza dos materiais envolvidos no ensino a distância. Essa natureza é marcada, em grande parte, por uma interlocução não simultânea entre professores e tutores de um lado, e de alunos, de outro lado. Logo, temos um ensino que não é constituído pela presença de professores e alunos e, obviamente, temos que dar conta de promover a construção do conhecimento por parte do aluno, com direito à interação entre professor-aluno, tutor-aluno, aluno-aluno, aluno-texto, etc.

Entram em cena, portanto, a concepção de processo de ensino e de aprendizagem e a concepção de linguagem.

2 Concepção de ensino e de aprendizagem em EAD

Inicialmente, pensemos concepção de ensino e de aprendizagem em EAD. Se o material, como já dissemos, deve ser pautado na possibilidade de interlocução constante entre professores – alunos - textos, a concepção de processo de ensino e de aprendizagem deve ser aquela que servirá de eixo para que haja o dialogismo, isto é, a possibilidade de negociação, de troca de expe-riências, de forma a permitir a transformação do sujeito aprendiz.

Logo, a perspectiva didática por parte da equipe pedagógica e do gru-po de professores deve ser aquela em que se objetiva um aluno que tenha oportunidade de ser sujeito autônomo na construção de seu conhecimento e no desenvolvimento de suas competências e habilidades. Nesse viés, o aluno provavelmente entrará em conflito com outras perspectivas e terá momentos de criação de suas próprias opiniões, argumentos e saberes.

Nos materiais didáticos, devemos também vislumbrar de forma explí-cita quais são as competências e habilidades a serem desenvolvidas. Mas o que são competências? Em “As novas diretrizes curriculares que mudam o

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ensino médio brasileiro”, documento elaborado pelo INEP, a definição é: “Competências são modalidades estruturais de inteligência, ou melhor, ações e operações que utilizamos para estabelecer relações com e entre objetos, situ-ações, fenômenos e pessoas que queremos conhecer. As habilidades decorrem das competências adquiridas e referem-se ao plano imediato do “saber fazer”. Por meio das ações e operações, as habilidades aperfeiçoam-se e articulam-se, possibilitando nova reorganização das competências” (INEP, 1999, p. 7)4. A própria noção de desenvolvimento de competências e de habilidades e não de mera transmissão de informação já nos mostra que o processo de ensino e de aprendizagem deve levar o aluno a construir o conhecimento, a buscar signifi-cados e ressignificar realidades. Dessa forma, todo conteúdo ministrado deve ser organizado de forma a possibilitar o desenvolvimento das competências necessárias à formação prevista no projeto pedagógico do curso realizado. As atividades e as avaliações devem estar em consonância com o objetivo maior, que é o de desenvolvimento de competências e habilidades.

2.1 Concepção de linguagem no processo de ensino e de aprendizagem em EAD

Se a nossa preocupação é com uma prática de ensino e de aprendizagem pautada no dialogismo, a concepção de linguagem a ser empreendida na pro-dução dos materiais didáticos é a linguagem como forma de interação. Nessa concepção, o indivíduo não usa a língua somente para transmitir informações. Não é isso, inclusive, o que ocorre na vida. Nessa perspectiva, a linguagem é marcada pela realização de ações, de atuações sobre o interlocutor.

Então, o professor, ao propor um texto, atividades, avaliações, fóruns de discussão, etc., tenta colocar argumentos a fim de persuadir o seu aluno-leitor de que seus pontos de vista são os corretos, mas deve também abrir espaço para que os alunos exteriorizem seus pensamentos, seu mundo, seus argumentos a respeito de um determinado tema colocado em pauta. O processo de ensino e de aprendizagem deve ser pautado pelo diálogo. O desenho pedagógico deve ser um espaço para vivência de negociações e de trocas culturais.

4 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Exame Nacional do Ensino Médio: Documento Básico 2000. Brasília: INEP, 1999.

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Assim sendo, todo o processo de leitura e de escrita deve ser baseado no diálogo. O professor de educação a distância e o revisor do material didático para essa modalidade devem ter ciência disso e incorporar tal noção à sua prática.

Vejamos, então, aspectos relevantes da leitura e da escrita que os revisores de materiais didáticos em EAD devem ter. Iniciaremos analisando a leitura.

3 o que é ler?

“Ler” vem do latim, legere. Walty (1995)5 aponta que “ler” significa con-tar, enumerar letras e, mais do que isso, “colher”. Colher o quê? Informações. Ainda de acordo com a mesma autora, ler é mais que do que isso. A leitura não seria mera tradução ou repetição de sentidos dados como prontos. Antes, é construção de uma cadeia de sentido a partir dos índices do texto dado.

Indo além, podemos dizer que, no processo de leitura, o leitor desempe-nha um papel dinâmico, pois ativa vários processos cognitivos, dentre eles, a inferência – que é possibilitada em função da existência de dados “arquivados” na memória do interlocutor -, que são relacionados às informações veiculadas pelo texto. Essa relação possibilita a construção de novos conhecimentos, no-vos sentidos. Esse processo favorece a mudança e a transformação do leitor e, nesse momento, de acordo com o conhecimento de mundo, o leitor passa a modificar o texto.

De acordo com Ferreira e Dias:

Na leitura, entendida como um encontro à distância entre leitor e autor via texto, ambos constituem-se e são constituí-dos através desse encontro e confronto de significados gerados em interação de cada qual com seu mundo. Na interação que mantém com o autor, via texto, o leitor, ao compreendê-lo, vai modificando, ajustando e ampliando as suas concepções, as quais exercem um impacto sobre a sua percepção. O mundo transforma-se aos olhos do sujeito quando este é transformado. A sua posição frente à realidade se altera e esta já não é mais vis-

5 WALTY, I. L. C. . Os sentidos da leitura. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v. 4, p. 22-37, 1995.

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ta como antes, porque a nova perspectiva assumida pelo sujeito ampliou sua compreensão da realidade. (FERREIRA; DIAS, 2004, p. 2)

Podemos dizer que as significações que um leitor elabora do mundo dependem das posições que esse indivíduo assume diante do texto que lê, dependem do nível de maturidade do leitor no que diz respeito ao costume de ler, aos conhecimentos que tem sobre os assuntos tratados naquele texto, enciclopédicos ou do mundo, e à habilidade de fazer crítica e questionamentos em relação às informações textuais.

Se leitura é construção de sentido, o professor de EAD e o revisor de textos para educação a distância devem prestar especial atenção à definição do perfil do interlocutor. Pensamos, neste momento, em responder à pergun-ta: quem é o aluno para o qual estou escrevendo? Por que é tão importante prestarmos atenção a esse aspecto? Para sabermos qual é o conhecimento pré-vio, por parte do aluno, a respeito do assunto tratado no texto. Dentro dessa perspectiva, o professor, ao escrever ou ao propor um texto, e o revisor, ao analisar o texto proposto pelo professor, deve levar em conta as capacidades e as possibilidades dos alunos ou as possíveis dificuldades de compreensão em relação ao tema tratado.

Se criarmos um perfil demasiadamente distorcido do estudante e não reconhecermos a heterogeneidade e a diversidade da turma de alunos, pode-se chegar ao fracasso no processo de ensino e de aprendizagem. Isso frequente-mente ocorre, pois, em educação a distância, podem-se reunir muitos alunos em uma turma virtual, sendo eles caracterizados por formações certamente distintas: pessoas de cidades muito distantes, indivíduos que há muito tempo não estudam, alunos que são marcados por uma trajetória distinta daquela traçada pelas academias, etc.

Voltemos à questão da leitura. Temos vários motivos que nos levam a ler. Podemos, então, falar que há vários tipos de leitura. Parafraseando Walty (op.cit.), há pelo menos dois tipos, que abordaremos aqui por acreditarmos serem os mais frequentes no estudo de textos apresentados ao aluno de educação a distância.

A primeira seria a “leitura funcional ou operacional, que é a que se faz em busca do conhecimento nos livros didáticos, nas enciclopédias” (op. cit.),

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etc. A leitura funcional está mais ligada à busca pelo conhecimento e deve, portanto, ser planejada de forma didática, por meio de orientações de leitura ou outros recursos pedagógicos. A segunda seria a leitura crítica, que visa à for-mação de opinião do leitor, levando-o à análise e, posteriormente, à reflexão de aceitabilidade ou não do que se lê. Obviamente o processo de leitura é um processo interacional, que pode envolver os dois tipos de leitura.

Neste momento, podemos afirmar que existem estratégias de leitura (e de escrita), que devem servir de parâmetro na elaboração e/ou escolha do ma-terial didático.

3.1 o que é uma estratégia?

Segundo o Aurélio (1986, p. 726)6, estratégia é a “arte de explorar con-dições favoráveis com o fim de alcançar objetivos específicos”.

Por que os leitores utilizam-se de estratégias? De acordo com Ferreira e Dias, há uma

capacidade central do psiquismo humano que permite ao indi-víduo fazer sentido do que ouve ou lê, indo além do que está explícito ou prontamente acessível. O significado não está em-butido ou inscrito totalmente no texto oral ou escrito. Embora o texto carregue um sentido pretendido pelo autor, ele é polis-sêmico e, como tal, oferece possibilidades de ser reconstruído a partir do universo de sentidos do receptor, que lhe atribui coe-rência através de uma negociação de significados. (FERREIRA E DIAS, 2004, p. 440)7

Ou seja, os leitores usam estratégias a fim de produzir significado ao que ouvem ou leem.

6 FERREIRA, Aurélio B. de Hollanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. 1838 p.

7 FERREIRA, Sandra Patrícia Ataíde, DIAS, Maria da Graça Bompastor Borges. A leitura, a produção de sentidos e o processo inferencial. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 9, n. 3, p. 439-448, set./dez. 2004.

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3.2 Quais são as estratégias de leitura?

De acordo com os PCN (1997, p. 53)8, “a leitura fluente envolve uma sé-rie de outras estratégias como seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível rapidez e proficiência.” (grifo nosso)

3.2.1 Seleção

A seleção de informações diz respeito àquilo que nossa mente pode sele-cionar, e ela o faz “prestando atenção” àquilo que lhe interessa. De acordo com Naspolini (1996, p. 27)9, “Nem tudo o que está escrito é igualmente útil. Na maior parte das vezes, escolhemos alguns aspectos, considerados relevantes, e ignoramos outros, que consideramos menos importantes.” Para ilustrar esse processo de seleção, basta compararmos a leitura de um jornal, impresso ou eletrônico, em que, ao passar os olhos na página, acabamos por focalizar a nossa atenção naquilo que realmente nos interessa.

Fato comum, em ensino a distância, é o aluno prender-se a fatores pe-riféricos e não ao tema central. O professor, procurando ativar a estratégia “seleção”, criará oportunidade para que ocorra a compreensão global do texto por parte do aluno-leitor.

Assim, o que o professor pode fazer nesses casos? Orientar o aluno no sentido de levá-lo a focalizar o assunto principal ou o que quer que seja lido. Isso pode ser feito com roteiros de leituras, com apresentação de questiona-mentos para reflexão, etc. O que o revisor do texto didático pode fazer caso não perceba o que se indica acima? Propor questões, “quebrando” mesmo o texto, a fim de garantir-se “um bate-papo” com o aluno acerca do tema e garantir um processo de interação do aluno com o texto. Isso pode ser feito por meio de elaboração de questões ou mesmo de lembretes. A sintaxe visual também é importante no que diz respeito a esse aspecto. Ou seja, deve-se pro-curar uma diagramação que conduza o leitor ao que é tema central e não aos aspectos mais periféricos.

8 BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: língua por-tuguesa/ Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: 1997. 144 p.

9 NASPOLINI, Ana Tereza. Didática de português – Tijolo por tijolo: leitura e produção de escrita. São Paulo: FTD: 1996. p. 199.

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3.2.2 Antecipação

A segunda estratégia apontada pelos PCN é a “antecipação”. Neste caso, podemos dizer que o leitor está constantemente fazendo previsões sobre o conteúdo a ser tratado no texto. Uma das formas de fazer isso é ativar co-nhecimentos sobre a língua. Ativamos, também, com muita recorrência, os conhecimentos, que dizem respeito a certos aspectos da organização do texto como um todo.

Podemos parafrasear Liberato e Fulgêncio (2007, p. 16-17)10 e apontar-mos algumas antecipações11, que são estratégias de ordem ortográfica, morfo-lógica, semântico-pragmática, discursiva.

A estratégia ortográfica tem a ver com a possibilidade de prever-se qual som/grafema ocorre em determinadas sílabas. Após algumas letras, tais como “m”, “n” e “j”, em início de palavra, só esperamos uma vogal. Por quê? Porque temos o conhecimento ortográfico da língua portuguesa, o que nos ajuda a ler com mais facilidade.

A estratégia morfossintática está relacionada à possibilidade de surgir uma dada palavra numa determinada posição da sentença. Após uma sequ-ência do tipo: Maria é..., esperamos um adjetivo – como “bonita” -, ou um Sintagma Nominal (SN), como “a médica”, mas não esperamos uma conjun-ção: “Maria é se...”

Talvez essas duas estratégias não nos pareçam tão importantes para a elaboração de material didático, mas leiamos:

Texto 112

De aorcdo com a pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea, não ipomtra em qaul odrem as lrteas de uma plravas etãso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e a útmlia lrteas etejasm no lgaur crteo. O rseto pdoe ser uma ttaol bçguana que você pdoe anida ler sem pobrimea. Itso é poqrue não lmeos cdaa lrtea isladoa, mas a plravaa cmoo um tdoo. Cruisoo, não ahca?

Texto circulado em mensagens na Internet.

10 LIBERATO, Yara; FULGÊNCIO, Lúcia. É possível facilitar a leitura – Um guia para escrever claro. SP: Contexto, 2007. p. 176.

11 As autoras denominam o termo “antecipação” como “previsão”.12 Este texto tem circulado em mensagens de Internet.

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Por que conseguimos ler esse parágrafo? Porque, em primeiro lugar, não lemos letra por letra, nem palavra por palavra. E, apesar de as letras de cada pa-lavra estarem colocadas de forma aleatória, conhecemos a ortografia de nossa língua. Em segundo lugar, como já explicitado, ao lermos, tentamos produzir sentido, conseguimos compreender o texto acima.

Nesses dois casos, se conseguirmos ler as primeiras palavras, o cérebro decifrará automaticamente as outras. Isso porque temos estratégias linguísticas desenvolvidas que nos permitem fazer previsões.

Outra estratégia interessante é a semântico-pragmática, em que o nosso “conhecimento prévio relacionado com o significado das expressões, com o assunto tratado no texto e com as condições conhecidas do mundo exterior” (Liberato & Fulgêncio, 2007, p. 17) são ativadas.

Este tipo de estratégia é muito usado quando iniciamos o estudo de assuntos desconhecidos. O aluno começa a prever o significado de uma pa-lavra usada em um texto. Parece que, muitas vezes, o texto nos dá pistas para prevermos alguns significados, logicamente, dentro de um contexto. Falamos “logicamente” porque o contexto no qual é produzido o texto pode nos auxi-liar quando nos deparamos com palavras nunca vistas antes. Entretanto, se os termos e os assuntos forem completamente desconhecidos do autor, provavel-mente haverá uma rejeição do texto por parte do leitor, ainda incipiente no tema tratado no texto.

O que o professor de EAD pode fazer nesses casos? Auxiliar o aluno, com a menção aos significados de termos desconhecidos. O revisor do texto didáti-co em educação a distância deve estar atento, em textos escritos nesta modali-dade de ensino, à retomada de terminologias novas e possíveis significados até que o aluno tenha mais intimidade com o tema tratado na disciplina.

A estratégia discursiva, conforme nos apontam Liberato e Fulgêncio (op.cit., p. 17), está relacionada ao fato de que “o leitor emprega também es-tratégias que lhe permitem fazer previsões a respeito de certos aspectos da organização do texto como um todo”. Portanto, um aluno ativará estratégias discursivas diferentes quando consultar um dicionário comum, um dicionário específico de sua área, uma tese de doutorado sobre temas comuns à sua futura profissão, um livro didático acerca de uma disciplina de seu curso, etc. Ou seja, o leitor fará previsões distintas em relação à forma e mesmo em relação ao estilo de escrita de acordo com cada texto lido.

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Dentro deste espírito, devemos nos lembrar de que, muitas vezes, muitos professores selecionam textos com conceitos muito complexos, para os quais o professor está preparado, mas o aluno ainda não. Muitas vezes, o aluno, des-conhecedor do assunto tratado, não é capaz de compreender e encara o texto como algo bastante difícil, o que pode levá-lo a rejeitar a leitura e mesmo a produzir sentidos contrários à intenção do produtor do texto.

Em outros momentos, o professor produz artigos, na tentativa de aliar duas necessidades: a de produzir textos para alunos e a de produzir material para publicação. Esse procedimento pode ser perigoso, uma vez que o artigo, muitas vezes, já conta com um conhecimento prévio que o aluno pode não ter.

O que fazer nesses casos? Reescrever o artigo, preparando-o didatica-mente. Isso significa que o professor deve retomar termos e conceitos já toma-dos como conhecidos por parte do público-leitor do artigo. Devem-se tam-bém prever as dificuldades que os alunos podem ter e, portanto, colocar tais dificuldades em forma de pergunta-resposta, ou simplesmente sob forma de explicações de tais palavras e conceitos.

3.2.3 Inferência

A terceira estratégia apontada pelos PCN é a inferência. Essa estratégia está relacionada ao fato de que o leitor, no caso, o aluno-leitor, desencadeia um con-junto de ações mentais, as quais o auxiliam na interpretação geral do texto. Neste momento, ocorre a ativação de diferentes formas de conhecimento de mundo.

Vejamos um exemplo: retiramos o seguinte trecho do Centro de Recursos da disciplina Sociologia II – Introdução às Ciências Sociais, do professor Euclides Guimarães Neto13, disciplina de graduação ofertada pela PUC Minas Virtual:

É preciso pensar em AdãoEuclides Guimarães

“É preciso pensar em Adão ancestral de todos nós, porque é preciso identificar o Adão que, atravessando os tempos, ainda mora em cada um de nós. Premissa fundamental para entendermo-nos como entes históricos: somos mutantes constantes, como pes-soas e como grupos, mudamos nossos hábitos, gostos e visões de mundo tanto indivi-dual quanto coletivamente, mas as novidades que inventamos sepultam as tradições.”

13 Agradecemos ao professor o fato de ter-nos permitido a publicação desse trecho.

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Trecho do texto “É preciso pensar em Adão”, do professor Euclides Guimarães, de Sociologia, da PUC Minas Virtual.

O professor, ao escrever um texto ou ao selecioná-lo, deve estar atento às possibilidades de realização de inferências por parte do seu aluno/leitor. No caso do texto acima, podemos nos perguntar: a qual “Adão” o autor se refere? Provavelmente, àquela imagem mítica da origem do homem. E isso não está explícito no texto. Percebemos, dessa forma, que o autor conta com certas formas de conhecimento de mundo por parte do leitor.

O que o professor-produtor do texto pode fazer? O professor deve es-tar atento às possibilidades de realização de inferências por parte do aluno--leitor, para que, dessa forma, consiga interagir de forma significativa com o texto.

Novamente, é importante salientarmos um aspecto importante que o revisor do texto didático em educação a distância deve ter em mente: o profes-sor pode já estar preparado para determinados tipos de texto, com menção a termos e conceitos complexos, mas o(s) aluno(s) ainda não. Assim, a retomada aos significados de determinados termos deve ser procedida. A curiosidade e as dúvidas dos alunos-leitores devem ser, ao máximo, antecipadas, a fim de garantir-se um ensino marcado pela interação e pela constante ressignificação por parte do aluno.

3.2.4 Verificação

A última estratégia apontada pelos PCNs é a verificação, que é o que torna possível e eficaz (ou não) as demais estratégias.

Para Naspolini (op. cit., p. 28), a verificação pode se dar de duas formas: autocontrole e autocorreção. Para a autora, a autocorreção é a atitude do leitor de estabelecer relação entre o que ele supõe que aparecerá no texto e o que ele vai encontrando no texto. Poderá ocorrer a confirmação ou a refutação.

A autocorreção, ainda de acordo com Naspolini (op. cit.), ocorre quan-do as expectativas do leitor não são confirmadas e há um momento de dú-vida e consequente retomada das partes do texto para fazer as correções. “É o caso, por exemplo, do leitor que “volta” para corrigir a palavra que leu errado.” (op. cit.)

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É o uso dessas estratégias – seleção, antecipação, inferência e verificação - que permite controlar o ato de ler: decisões são tomadas para que haja com-preensão do desconhecido e para que haja a busca, no texto, da comprovação das suposições feitas.

Vejamos, agora, aspectos relacionados à produção de escrita.

4 O que é um texto?

De acordo com Costa Val (1999, p. 3)14, podemos pensar em “texto (...) como uma organização linguística falada ou escrita, de qualquer extensão e que tem prioritariamente uma unidade sociocomunicativa, semântica ou formal.”

Podemos acrescentar a esta definição, a de Koch (2000)15, que nos traz:

Um texto se constitui enquanto tal no momento em que os parceiros de uma atividade comunicativa global, diante de uma manifestação linguística, pela atuação conjunta de uma com-plexa rede de fatores de ordem situacional, cognitiva, sociocul-tural e interacional, são capazes de construir, para ela, determi-nado sentido.Portanto, à concepção de texto aqui apresentada subjaz o pos-tulado básico de que o sentido não está no texto, mas se cons-trói a partir dele, no curso de uma interação. (...)Uma vez construído um – e não o – sentido, adequado ao con-texto, às imagens recíprocas dos parceiros da comunicação, ao tipo de atividade em curso, a manifestação verbal será conside-rada coerente pelos interactantes. É a coerência assim estabele-cida que, em uma situação concreta de atividade verbal – ou, se assim quisermos, em um “jogo de linguagem” – vai levar os parceiros da comunicação a identificar um texto como texto. (KOCH, 2000, p. 25)

14 COSTA VAL, Maria da Graça da. Redação e Textualidade. 2. ed. SP: Martins Fontes, 1999.133 p.

15 KOCH, Ingedore Villaça. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 2000. 168 p.

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Em um texto mais recente, Costa Val16, influenciada pelas atuais noções de gêneros discursivos, tende a ampliar sua noção de texto, trazendo-nos o seguinte:

uma produção linguística que, numa dada circunstância, pare-ça “sem pé nem cabeça”, incompreensível, inadequada, inacei-tável, para determinado grupo, pode ser perfeitamente enten-dida e considerada como sem qualquer problema por outros interlocutores, noutra situação, e, para eles, funcionar plena-mente como um texto. Isso quer dizer que o sentido não está no texto, não é dado pelo texto, mas é produzido por locutor e alocutário a cada interação, a cada “acontecimento” de uso da língua. (COSTA VAL, 2004, p. 1)17

De acordo com Costa Val (1999), temos pelo menos três fatores inte-ragindo na produção de um texto oral ou escrito: os fatores pragmáticos, os fatores semânticos e os fatores linguísticos.

Os fatores pragmáticos estão relacionados principalmente (COSTA VAL, 1999, p. 10-16): às intenções do produtor; ao jogo de imagens mentais (que fazem de si, do outro e do tema); e ao tema do discurso.

16 COSTA Val, M. G. Texto, Textualidade e Textualização. In: CECCANTI, J. L. T.; PEREI-RA, R.; ZANCHETTA JR., J. Pedagogia cidadã: cadernos de formação: Língua Portuguesa. v. 1. São Paulo: UNESP, Pró-Reitoria de Graduação, 2004, p. 113-128.

17 Em Costa Val (2004, p. 115), há uma recolocação dos pressupostos aqui trazidos, em que a autora traz que: “Os conceitos de coerência e coesão foram usados por muita gente, inclusive eu, no livro “Redação e Textualidade”, como definidores de qualidades que um determinado texto tinha ou deixava de ter. Se pudesse reescrever meu livro, que foi publicado em 1991, eu hoje modificaria a maneira como tratei dessas questões. Não diria mais que a redação A tem coerência e que a redação B não tem; nem que a redação C tem coesão e a redação D não tem. Diria que eu, na posição de leitora, pude textualizar aquelas redações da maneira X ou Y, e que foi fácil para mim produzir coerência e coesão para as redações A e C, mas difícil fazer o mesmo quanto às redações B e D.”. Levando estes aspectos em conta, ancoraremos, entretanto, nossas exposições em Costa Val (1999), por tal obra trazer aspectos de forma didática. Mas devemos dizer concebemos a possibilidade de um texto ser coerente ou não em função dos sujeitos inscritos naquela interação sociodiscursiva. Isso, de alguma forma, já foi contemplado, quando expusemos as noções envolvidas no ato de ler e o faremos, quando explicitarmos as condições de alguns textos veiculados em EAD.

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Os fatores semânticos têm relação com o que se denomina coerência tex-tual, que é a responsável pela atribuição de sentido a um texto (COSTA VAL, 1999, p. 5 - 6) e os fatores linguísticos, que são os constituintes linguísticos que devem se mostrar reconhecivelmente integrados, de modo que garanta que o texto é um todo coeso (COSTA VAL, 1999, p. 6-7).

Detalhemos um pouco mais esses fatores.

4.1 os fatores pragmáticos

De acordo com Costa Val (op. cit.), que se apoia em Beaugrande e Dres-sler (1983), os fatores pragmáticos da textualidade são pelo menos cinco: a intencionalidade, a aceitabilidade, a situacionalidade, a informatividade e a intertextualidade.

A intencionalidade diz respeito à meta do produtor do texto. Tal “meta pode ser informar, impressionar, alarmar, convencer, pedir”, etc. (COSTA VAL, 1999, p. 10-11). No caso do professor de educação a distância, uma das principais metas é informar e ativar o processo crítico por parte do aluno. Neste caso, os materiais didáticos devem dar suporte a isso: os textos devem informar e propiciar oportunidade ao aluno de ativar a sua criticidade. Outra possível intencionalidade é convencer o aluno de que os argumentos de um texto selecionado ou escrito pelo professor estão corretos. Nesse caso, deve--se abrir possibilidade para permitir as trocas de experiências e de cultura, de favorecer a negociação de sentidos e a defesa de pontos de vista.

A aceitabilidade tem a ver com o fato de o leitor, de um modo geral, acreditar que o texto que lê é “coerente, coeso, útil, relevante e capaz de levá-lo a adquirir conhecimentos”. (COSTA VAL, 1999, p. 11). Se o leitor é capaz de dar crédito ao produtor do texto, nada mais generoso do que ser claro e didático com o aluno. Muitos professores acreditam que, se se tornarem bas-tante didáticos e reverem com frequência os termos e conceitos no texto, é favorecer uma eterna dependência por parte do aluno, é impedir que o indiví-duo seja capaz de pesquisar com autonomia mais sobre o assunto. Temos que nos lembrar de que não temos o diálogo face a face típico da aula presencial: desde as palavras ditas até a entonação dada, os gestos feitos com as mãos e o rosto, o aluno, no ensino presencial, toma conhecimento do muitos aspectos, o que não ocorre no ensino a distância. Então, devemos mesmo (re)inventar

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paradigmas para a aula virtual. Acreditamos que ser bastante didático é um dos ingredientes do sucesso da aula em educação a distância, pois o professor, imbuído deste espírito, procurará ser claro, dar exemplos, prever dificuldades, facilitar a interação do aluno com o texto e a construção do saber.

A situacionalidade “é a adequação do texto à situação sociocomuni-cativa.” (COSTA VAL, 1999, p. 12). Por exemplo: um texto para outdoor tem pouco texto, já uma tese de doutorado deve demonstrar uma boa revisão bibliográfica e um detalhamento da pesquisa empreendida. E os textos, uni-dades de ensino, as atividades e avaliações em EAD? Todos eles devem ter, em seu corpo textual, as cenas enunciativas: quem fala para quem, o gênero discursivo especificado e a adequação de suas características – se é um fórum de discussões, que ele seja marcado adequadamente como tal; se é um texto para explicar um dado conceito, que o traga de forma clara; se é uma ativi-dade, que ela seja caracterizada apropriadamente como tal, apresentando as questões contextualizadas e ligadas à unidade de ensino correspondente; etc. Para cada situação, ou em termos mais técnicos, para cada gênero discursivo, há um formato e uma adequação da linguagem.

De acordo com Costa Val (1999, p. 14), a informatividade em texto deve apresentar os dados de forma suficiente para que seja compreendido com o sentido que o produtor pretende. Não é preciso que o texto explicite todas as informações necessárias ao seu processamento, mas é preciso que ele deixe clara a abordagem, a fim de minimizar as possibilidades de o leitor cometer equívocos. Esse aspecto é bastante relevante à medida que podemos trazer à tona um conceito importante que é o de, ao escrevermos um texto, apresen-tarmos a informação nova ancorada em uma informação velha, já conhecida do aluno (cf. CHAFE, 1987)18. Portanto, ao produzir um texto, é interessante que o professor inicie uma abordagem nova baseando-se nas possíveis experi-ências do aluno ou de um conceito já desenvolvido anteriormente. O revisor do texto didático para educação a distância deve ter sempre em mente esse as-pecto, a fim de tornar o texto acessível ao aluno. Outro aspecto interessante é que os textos apresentados aos alunos devem ser reconhecidos como relevantes dentro daquela comunidade científica.

18 CHAFE, W. Cognitive constraints on information flow. In: TOMLIN, R. S. (ed.) Coherence and grounding in discourse. Amsterdam: John Benjamins, 1987. 512 p.

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Por fim, podemos apontar a intertextualidade como o quinto aspecto da semântica pragmática. Está relacionada ao fato de um texto construir-se por meio de algo que já foi dito. Inúmeros textos só fazem sentido quando são entendidos em relação a outros (Costa Val, 1999, p. 15).

Passemos a enumerar alguns tipos de intertextualidade com os quais os alunos lidam em textos acadêmicos, tanto na produção, quanto na leitura. Em alguns casos, recorreremos a Paulino & Walty (1992 p. 28-35).

A tradução consiste em transpor um texto em uma dada língua em outra. Em princípio, portanto, o novo texto deve ser fiel ao texto base. Já a citação ocorre quando: “o texto anterior é claramente indicado pelo autor do novo tex-to.”, conforme nos trazem Paulino & Walty (1992, p. 30). Neste caso, deve-se colocar a citação entre aspas. Em um texto, pode-se fazer referência a um autor, a um livro, a uma ideia. A alusão “é próxima da citação ou mais vaga, menos explícita”, de acordo com Paulino & Walty (1992, p. 30). Por exemplo, se em um determinado ponto de um texto, o autor apresentar a seguinte expressão “no meio do caminho havia uma pedra”, ele está fazendo alusão ao poema de Carlos Drummond de Andrade, sem que tenha mencionado nem o poema nem o autor. A paráfrase “consiste numa retomada do texto anterior; (...), seu sentido é reproduzido com outras palavras.”, segundo Paulino & Walty (1992, p. 30)19. Ainda conforme as autoras (op. cit., p. 30), a paródia também “con-siste numa retomada do texto anterior; (...), mas seu sentido é invertido, numa atitude irônica; se a ironia é muito acentuada, o resultado é a ridicularização do texto anterior, se a ironia é mais suave, teremos uma crítica menos destrutiva.”

4.1.1 Qual é a importância de o professor e o revisor de EAD terem ciência dos fatores pragmáticos de um texto?

Os fatores pragmáticos são, na verdade, aqueles que criam o esquema mental para que um texto seja produzido. Ou seja, para quem estou escre-vendo? Conhecendo-se o perfil de leitor, tentaremos prever o que ele espera num texto como aquele que se pretende escrever. Tentaremos inferir o que ele já sabe a respeito do tema tratado, até onde podemos aprofundar sem ter

19 PAULINO, Graça; WALTY, Ivete. Teoria da Literatura na escola. BH UFMG, FALE, De-partamento de Semiótica e Teoria da Literatura, 1992. 116 p.

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que dar muitas explicações preliminares e tentaremos dar dados relevantes e interessantes, a fim de manter o leitor em condições de interagir com o texto.

Além disso, é interessante estarmos cientes de que um texto nunca é criado do “nada”. Há sempre um já-dito a respeito daquele tema. Daí a impor-tância de reconhecermos que o aluno pode consultar (e deve!) outras fontes, mas que seja feita a correta referência bibliográfica.

Passemos, agora, aos fatores semânticos e fatores linguísticos. Os pri-meiros dizem respeito à coerência textual e os segundos estão relacionados à coesão textual.

4.2 A coerência e a coesão textuais20

No que diz respeito à coerência, Costa Val (op.cit., p. 21) – que se apoia em Charolles (1978) – apresenta os seguintes fatores: a continuidade; a pro-gressão de dados; a não contradição; e a articulação.

A continuidade está relacionada “à necessária retomada de elementos no decorrer do discurso. Um dos fatores que faz com que se perceba um texto como um todo único é a permanência de elementos constantes”. (COSTA VAL, op.cit., p. 21). Então, os textos apresentados devem promover perma-nente retomada das ideias expressas no texto.

Ainda de acordo com a autora, os fatores linguísticos, ou seja, os ele-mentos de coesão, que auxiliam na continuidade de tema para que se garanta um texto coerente podem ser “a repetição de palavras ou uso de sinônimos; o uso de artigos definidos ou pronomes demonstrativos; o uso de advérbios “lá, “ali”, “então” etc.; a elipse (apagamento) de termos facilmente recobráveis, etc” (Costa Val, op.cit., p. 21).

A progressão de dados seria o segundo aspecto da coerência textual. “O texto deve retomar seus elementos conceituais e formais, mas não pode se limitar a essa repetição. É preciso que apresente novas informações a propósito dos elementos retomados. São esses acréscimos que fazem o sentido do texto

20 As noções a serem apresentadas nesta seção consistem em meta-regras, que, como se sabe, não se aplicam a todo gênero, como, por exemplo, uma peça publicitária que se constitui de um único enunciado. Entretanto, salientamos que usaremos, nesta exposição, tais meta--regras porque consideramos serem elas “eficientes” para se pensar na produção de textos didáticos, principalmente aqueles destinados à educação a distância.

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progredir.” (COSTA VAL, op.cit., p. 23). Novamente, chamamos a atenção para que a mudança de assunto seja sempre ancorada em algo que já foi dito ou em algo que já sabemos que o aluno-leitor conhece. O texto deve deixar claro o ponto de partida e o leitor deve ter intimidade com o assunto no qual se ancora o assunto novo. Caso contrário, pode haver uma leitura equivocada, o aluno pode desviar-se do assunto central, não compreender os principais conceitos e pode, inclusive, abrir brechas para que se apresente um texto pou-co articulado e, talvez, cheio de contradições.

Costa Val (op.cit., p. 24) apresenta alguns fatores linguísticos, ou seja, os elementos de coesão, que auxiliam na progressão para que se garanta um texto coerente podem ser: expressões como “quanto a”, “a respeito de”, “no que se refere a”, “até”, “mesmo”, “o próprio” etc.

A não contradição (COSTA VAL, op. cit., p. 24-27) deve ser observa-da “tanto no âmbito interno quanto no âmbito das relações do texto com o mundo a que se refere. Ou seja, o texto não pode contradizer-se e nem pode contradizer o mundo a que se refere. (...) A exigência da não contradição se aplica não só ao plano conceitual (da coerência), mas também ao plano da expressão (da coesão).” (Costa Val, op. cit., p. 25)

Os fatores linguísticos, ou seja, os elementos de coesão, que auxiliam na produção de um texto não contraditório podem ser, segundo Costa Val (op. cit., p. 26): emprego correto de tempos e modos verbais, itens específi-cos, como alguns advérbios (talvez, certamente), e alguns tipos de verbos, tais como: achar, aceitar, considerar, admitir, exigir, deplorar, declarar, negar etc.

A articulação diz respeito ao estabelecimento de relação entre dois fatos: causa e consequência. “Significa verificar se as informações de um texto têm a ver umas com as outras e que tipo específico de relação se estabelece entre elas. (...) O texto pode apresentar fatos e conceitos relacionáveis entre si, mas que explicitamente não estão relacionados”. (COSTA VAL, 1999, p. 27-28).

De acordo ainda com a autora (op. cit., p. 28), os fatores linguísticos, ou seja, os elementos de coesão, que auxiliam na articulação das informações para que se garanta um texto coerente podem ser: elementos do tipo “dessa forma”, “por exemplo”, “por outro lado” etc. – que são articuladores lógicos do discurso - e recursos linguísticos que permitem estabelecer relações temporais entre os elementos do texto, tais como: a ordem linear de apresentação desses elementos e palavras do tipo “anterior”, “posterior”, “subsequentemente” etc.

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4.2.1 Como podemos utilizar as informações aqui trazidas para a produção de material didático para o aluno em Educação a Distância?

Devemos assegurar que os materiais de leitura disponibilizados no am-biente virtual de aprendizagem tragam, de forma clara, os conteúdos centrais da disciplina e tais conteúdos devem ser acessíveis, ou seja, devem ser compre-ensíveis por parte dos alunos.

O aluno deve perceber que os temas são retomados e que há uma pro-gressão nas informações, nos temas pertinentes a cada disciplina e a cada uni-dade de ensino.

Muitas vezes, os textos apresentados não promovem organização na sequ-ência de informações: vão de um tema a outro sem se deter nos passos interme-diários. Outras vezes, os textos mudam permanentemente os aspectos apresen-tados e não deixam claras as relações entre eles (cf. SOLETIC, 2009, p. 79)21.

Portanto, os vários pontos trazidos no texto – o central e os periféricos – devem ser articulados. Ou seja, devem-se evitar partes fragmentadas, capítulos isolados que desvirtuem o sentido de um texto completo.

Ainda dentro desse espírito, podemos acrescentar em nossa discussão, duas questões: o que facilita a leitura do aluno? O que facilita a produção de um texto coerente?

4.2.1.1 O texto deve ser claro

O aluno deve perceber um texto claro. Ou seja, a linguagem deve ser acessível, em que o uso de palavras técnicas venha acompanhado de explici-tação de significados. Deve-se priorizar o uso de palavras de uso regular, que constem no dicionário. Quando se usarem palavras estrangeiras (em inglês, em latim, etc.), também deve haver a apresentação de significados. Além disso, muitas vezes, o produtor de um texto tem um estilo para escrever singular. Em materiais de educação a distância, o estilo do redator deve permitir o acesso do aluno ao texto. Outra sugestão que ajuda a manter o texto claro é que a

21 SOLETIC, Angeles. A produção de materiais escritos nos programas de educação a distân-cia: problemas e desafios apud LITWIN, Edtih. Educação a distância – temas para o debate de uma nova agenda educativa. Porto Alegre: Artmed, 2001. 110 p.

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linguagem usada em materiais de educação a distância deve ser o mais direta possível, predominando a sintaxe mais usual: sujeito + verbo+ objeto.

O aluno também deve perceber, em seus materiais didáticos, nas atividades e nas avaliações, textos com informação relevante. Acreditamos que todo leitor busca algo relevante quando se propõe a ler. Isto é, ele procura informação que lhe acrescente algo. Por isso, enfatizamos: a informação nova deve ser ancorada na apresentação anterior de uma informação já conhecida do aluno. Muitas vezes, o interesse do leitor vai depender do conhecimento prévio que ele tem sobre o as-sunto. Se o professor verifica que o aluno tem menos conhecimento prévio sobre o assunto, o texto deve oferecer mais informatividade. Se o texto trouxer infor-mações muito desconhecidas do aluno, o texto pode ser rejeitado pelo aluno.

4.2.1.2 O texto deve apresentar ordenamento das ideias

Defendemos, ainda, que os textos para materiais em EAD devem ter um cuidado especial com o ordenamento das ideias. Tal fator auxilia bastante a construção da manutenção do tema, da progressão das informações e da articulação entre as ideias centrais e periféricas é a apresentação de um orde-namento das informações.

Mas como se pode promover o ordenamento das ideias? Demonstrando como os fatos e os conceitos apresentados no texto se encadeiam, como se organizam, que papeis exercem uns com relação aos outros. Enfim, verificar se as ideias de um texto têm a ver umas com as outras e que tipo de relação específico de relação se estabelece entre elas.

Por fim, consideramos que os textos dos materiais didáticos devem apre-sentar uma hierarquia dos assuntos, pois tal hierarquia auxilia, inclusive, no or-denamento das informações. De acordo com Soletic (2009, p. 83), para que haja a hierarquia dos assuntos, deve-se fazer uso de sinalização, tais como orga-nizadores prévios (sob forma de texto, por exemplo) ou de destaques. Podem-se usar também títulos e subtítulos, através dos quais o professor pode dar indica-ções precisas a respeito dos conteúdos e antecipar qual deles será desenvolvido.

Podemos verificar que a organização do texto apresentando um ordena-mento de informações e uma hierarquização dos assuntos permitirá o reco-nhecimento dos temas centrais e seus possíveis vínculos, permitirá que o texto fique claro para o aluno.

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Considerações finais

Este texto tratou do processo de revisão de materiais didáticos, mais es-pecificamente, de materiais didáticos para a modalidade de ensino em educa-ção a distância. Verificamos que o processo de revisão desse tipo de material exige o conhecimento de como se dá o processamento de leitura e de quais características um texto coerente e coeso deve apresentar. O processo de revi-são de textos didáticos para EAD exige algo a mais: a clareza da concepção de ensino e de aprendizagem que se adota na instituição.

Tais fatores conjugados nos levaram a defender, neste trabalho, que a organização do material deve ser aquela pautada no dialogismo, daí a proposta de um material em que se apresentem mais perguntas do que respostas. Assim sendo, o professor, ao propor um texto ou ao escrever um texto, e o revisor de materiais didáticos para EAD devem estar cientes das estratégias envolvi-das no processo de leitura, a fim de auxiliar o aluno a ativá-las. Além disso, tais profissionais devem estar cientes das características básicas que fazem um texto dotado de textualidade, não só para propor um texto coerente e coeso ao aluno e, por conseguinte, facilitar o processo de construção do saber, mas também para poder auxiliar o aluno em suas próprias produções textuais.

ABSTRACT: This text aims at presenting some reflec-tion about the process of revising didactical material which was produced to distance education. This piece of work lies on the theoretical belief that language is a form of interaction. Thus thinking, it adopts a stance that the texts which are proposed in distance educa-tion should provide dialogism, coherence, cohesion and clearness as well as present a sequence of ideas.

KEYWORDS: Distance education. Didactical material revision. Text.

Recebido em: 13/03/2011 Aprovado em: 12/05/2011