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_____________________________________________________ Tentativa de suicídio em meio prisional Mestrado em Medicina Legal e Ciências Forenses_________________________________3 Resumo Introdução: O suicídio constitui uma das principais causas de morte violenta nas prisões em todo o mundo. Vários estudos têm mostrado que o número de suicídios nas prisões é mais elevado do que na população em geral, e que a tentativa de suicídio constitui um forte preditor do suicídio consumado. No entanto, os factores de risco subjacentes às tentativas de suicídio em meio prisional são ainda insuficientemente conhecidos. Objectivos: Com o objectivo de contribuir para uma melhor compreensão do fenómeno, este estudo pretende caracterizar uma população de indivíduos que cometeram tentativas de suicídio na prisão, identificando factores pessoais, características de personalidade e sintomas psicopatológicos, bem assim como outros factores de risco associados à ideação suicida e à passagem ao acto. Sujeitos e métodos: Foram estudados 157 indivíduos do sexo masculino, distribuídos por três grupos: um grupo experimental constituído por indivíduos que cometeram tentativa(s) de suicídio na prisão (N=52), um grupo de controlo, cujos sujeitos não possuíam antecedentes de tentativas de suicídio (N=52), e um segundo grupo de controlo, com indivíduos vivendo na comunidade e, igualmente, sem tentativas de suicídio (N=53). Além de uma entrevista semi- estruturada, que permitiu caracterizar os participantes em relação a diferentes variáveis, foram utilizados o Inventário de Personalidade NEO PI-R e o Inventário de Sintomas Psicopatológicos (BSI), cujos resultados foram tratados estatisticamente usando a versão 19® do SPSS para Windows. Resultados: Os dados sóciodemográficos mostram que os reclusos que cometeram tentativas de suicídio em meio prisional tinham uma média de idades de 36 anos (±10,2), maioritariamente solteiros (67,3%), com o 1.º ciclo de escolaridade ou menos (46,2%), com história de abuso/dependência de substâncias psicoactivas (57,7%) e comportamentos autodestrutivos (69,2%). Além disso, (69,2%) tinham um diagnóstico psiquiátrico de perturbação mental e 78,8% estavam a tomar medicação psicotrópica. A maioria (69,2%) possuía antecedentes criminais, tendo sido condenado, por crimes contra o património (50%) e/ou crimes contra as pessoas (38,5%), e tinha cometido tentativas de suicídio prévias (71,2%).

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_____________________________________________________ Tentativa de suicídio em meio prisional

Mestrado em Medicina Legal e Ciências Forenses_________________________________3

Resumo

Introdução: O suicídio constitui uma das principais causas de morte violenta nas prisões em

todo o mundo. Vários estudos têm mostrado que o número de suicídios nas prisões é mais

elevado do que na população em geral, e que a tentativa de suicídio constitui um forte preditor

do suicídio consumado. No entanto, os factores de risco subjacentes às tentativas de suicídio

em meio prisional são ainda insuficientemente conhecidos.

Objectivos: Com o objectivo de contribuir para uma melhor compreensão do fenómeno, este

estudo pretende caracterizar uma população de indivíduos que cometeram tentativas de

suicídio na prisão, identificando factores pessoais, características de personalidade e sintomas

psicopatológicos, bem assim como outros factores de risco associados à ideação suicida e à

passagem ao acto.

Sujeitos e métodos: Foram estudados 157 indivíduos do sexo masculino, distribuídos por três

grupos: um grupo experimental constituído por indivíduos que cometeram tentativa(s) de

suicídio na prisão (N=52), um grupo de controlo, cujos sujeitos não possuíam antecedentes de

tentativas de suicídio (N=52), e um segundo grupo de controlo, com indivíduos vivendo na

comunidade e, igualmente, sem tentativas de suicídio (N=53). Além de uma entrevista semi-

estruturada, que permitiu caracterizar os participantes em relação a diferentes variáveis, foram

utilizados o Inventário de Personalidade NEO PI-R e o Inventário de Sintomas Psicopatológicos

(BSI), cujos resultados foram tratados estatisticamente usando a versão 19® do SPSS para

Windows.

Resultados: Os dados sóciodemográficos mostram que os reclusos que cometeram tentativas

de suicídio em meio prisional tinham uma média de idades de 36 anos (±10,2),

maioritariamente solteiros (67,3%), com o 1.º ciclo de escolaridade ou menos (46,2%), com

história de abuso/dependência de substâncias psicoactivas (57,7%) e comportamentos

autodestrutivos (69,2%). Além disso, (69,2%) tinham um diagnóstico psiquiátrico de

perturbação mental e 78,8% estavam a tomar medicação psicotrópica. A maioria (69,2%)

possuía antecedentes criminais, tendo sido condenado, por crimes contra o património (50%)

e/ou crimes contra as pessoas (38,5%), e tinha cometido tentativas de suicídio prévias (71,2%).

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A tentativa de suicídio actual foi cometida na maioria dos casos por enforcamento (57,7%), no

período compreendido entre as 18H e as 24 horas (32,7%). Os resultados do NEO PI-R

revelaram que estes indivíduos apresentam uma personalidade caracterizada por elevados

níveis de neuroticismo (78.6 ± 19.06) e reduzidos índices de extroversão (32.7 ± 26.46), com

traços marcadamente depressivos (82.9 ± 20.60). Encontraram-se ainda traços de

vulnerabilidade (73.8 ± 21.72), ansiedade (72.8 ± 23.92) e hostilidade (71.6 ± 23.50) e

impulsividade (63,5 ± 25,85) igualmente acentuados nestes indivíduos, ao contrário das facetas

acolhimento (25.71 ± 22.12) e de confiança (26.77 ± 20.38) que apresentam valores muito baixos.

Adicionalmente, os dados do BSI revelam um Índice de Sintomas Positivos (2.41 ± 0.48)

elevado, mostrando que estes indivíduos apresentam mais frequentemente sintomatologia

psicopatológica.

Conclusões: Os reclusos que cometeram tentativa de suicídio em meio prisional apresentam,

relativamente aos grupos de controlo, mais factores de risco de suicídio, nomeadamente mais

sintomatologia psicopatológica, em especial depressão e ideação paranóide, bem assim como

uma maior vulnerabilidade, ansiedade, hostilidade e impulsividade.

Palavras chave: Tentativa de suicídio; Prisão; Recluso; Personalidade; Psicopatologia

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Abstract

Introduction: Suicide is a leading cause of violent death in prisons worldwide. Several studies

have shown that the number of suicides in prisons is higher than in the general population, and

that the suicide attempt is a strong predictor of completed suicide. However, the underlying risk

factors for suicide attempts in prison are still insufficiently known.

Objectives: Aiming to contribute to a better understanding of the phenomenon, the goal of this

study is to characterize a population of actual inmates who committed suicide attempts in

prison, identifying individual factors, personality traits and psychopathological symptoms, as

well as other risk factors associated with suicidal ideation and the acting out.

Subjects and methods: This study includes 157 individuals, males, distributed into three

groups: an experimental group constituted by inmates who committed a suicide attempts in

prison (N = 52), a control group of inmates, who never committed suicide attempts (N = 52), and

a second control group, constituted by people living into the community, without prior criminal

behaviour history or suicide attempt (N = 53). In addition, to a structured interview which

allowed to characterize the regarding relevant variables, the Inventory of Personality NEO PI-R

and the Psychopathologic Symptom Inventory (BSI) were used. All data was statistically

analyzed using the SPSS 19® version for Windows.

Results: Sociodemographic data showed that the inmates who committed suicide attempts in

prison have a mean age of 36 years (± 10.2), and are mostly singles (67.3%), with 4 school

years or less (46.2%). Many (57.7%) have a history of drug abuse, and self-destructive

behaviours (69.2%). In addition, these individuals have psychiatric diagnosis of mental disorder

(69.2%) and 78.8% were taking psychotropic medication. The majority (69.2%) had criminal

antecedents, mostly related to crimes against property (50%) and/or crimes against the people

(38.5%), and prior suicide attempts (71.2%). The current suicide attempt was committed in most

cases by hanging (57.7%), in the period between 6:00 pm and 12:00 pm (32.7%). The results of

the NEO PI-R revealed that these individuals have a personality characterized by high levels of

neuroticism (78.6 ± 19.06), and reduced levels of extraversion (32.7 ± 26.46). Further, these

individuals appear to be highly depressed (82.9 ± 20.60). Additionally, it was found that

vulnerability (73.8 ± 21.72), anxiety (72.8 ± 23.92), hostility (71.6 ± 23.50) and impulsivity (63.5

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± 25.85) are also highly pronounced in these individuals, unlike the facets warmth (25.71 ±

22.12) and trust (26.77 ± 20.38) that exhibit very low values. Moreover, the BSI revealed an

enhanced Positive Symptoms Index (2.41 ± 0.48), showing that these individuals present more

psychopathologic symptoms.

Conclusions: Inmates who committed suicide attempt in prison appear to present, comparing

with both control groups, a higher risk to commit completed suicide, regarding either personality

structured or psychopathologic symptoms namely depression and paranoid ideation.

Keywords: Suicide attempt; Prison; Inmate; Personality; Psychopathology

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Índice Geral

Resumo ........................................................................................................................................ 3 Abstract ........................................................................................................................................ 5 Índice de quadros, gráficos e tabelas ..................................................................................... 10 Agradecimentos ........................................................................................................................ 11

Introdução .................................................................................................................................. 14 Parte I. Fundamentação Teórica .............................................................................................. 16

Capítulo I. Estudo dos comportamentos autodestrutivos ................................................. 17 1. Suicídio ............................................................................................................................ 17 2. Tentativas de suicídio ..................................................................................................... 24 3. Factores de risco ............................................................................................................ 29

3.1. Personalidade ............................................................................................................. 29

3.2. Outros factores de risco .............................................................................................. 32

4. Estratégias de coping ..................................................................................................... 37 5. Adaptação à prisão ......................................................................................................... 39

Capítulo II. Sistema Prisional ................................................................................................ 42 1. Breve resenha histórica do sistema penal ................................................................... 42 2. Tratamento prisional ....................................................................................................... 44

2.1. A prisão como oportunidade de mudança .................................................................. 44

2.2. Programas de Intervenção .......................................................................................... 45

Parte II. Contribuição pessoal ................................................................................................. 47

Capítulo III ............................................................................................................................... 48 1. Objectivos e hipóteses .................................................................................................. 48

1.1. Objectivos ................................................................................................................. 48

1.2. Hipóteses .................................................................................................................. 49

2. Sujeitos e métodos ........................................................................................................ 50

2.1. População estudada ................................................................................................. 50

3. Técnicas e instrumentos utilizados na recolha de dados ......................................... 54

3.1. Entrevista semi-estruturada ....................................................................................... 54

3.2. Inventário de Personalidade NEO PI-R ..................................................................... 56

3.3. Inventário de Sintomas Psicopatológicos BSI ........................................................... 58

4. Tratamento de dados ..................................................................................................... 58 Capítulo IV. Resultados ......................................................................................................... 60

1. Caracterização sociodemográfica ................................................................................ 60

1.1. Idade .......................................................................................................................... 60

1.2. Estado civil ................................................................................................................. 60

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1.3. Afinidade populacional ............................................................................................... 61

1.4. Naturalidade ............................................................................................................... 61

1.5. Nacionalidade ............................................................................................................ 61

1.6. Residência ................................................................................................................. 62

1.7. Sector Profissional ..................................................................................................... 62

2. Antecedentes pessoais ................................................................................................. 63

2.1. Aspectos desenvolvimentais e relacionais ................................................................ 63

2.1.1. Escolaridade ....................................................................................................... 63

2.1.2. Relação familiar .................................................................................................. 63

2.1.3. Dimensão da fratria ............................................................................................. 64

2.1.4. Posição na fratria ................................................................................................ 65

2.1.5. Relacionamentos maritais................................................................................... 66

2.1.6. Número de filhos ................................................................................................. 66

2.1.7. Acontecimentos de vida relevantes .................................................................... 67

2.2. Hábitos tóxicos ........................................................................................................... 68

2.2.1. Tabaco ................................................................................................................ 68

2.2.2. Álcool .................................................................................................................. 69

2.2.3. Outras substâncias psicoactivas ........................................................................ 69

2.3. Antecedentes criminais .............................................................................................. 70

2.4. Comportamentos autodestrutivos .............................................................................. 70

2.4.1. Automutilações ................................................................................................... 70

2.4.2.Tentativa de suicídio anterior ............................................................................... 71

2.4.2.1. Tempo de pena cumprido no momento da primeira TS na prisão ............... 71

2.4.2.1. Tentativa de suicídio anterior ........................................................................ 71

2.4.2.1. Local ............................................................................................................. 71

2.4.2.2. Método .......................................................................................................... 72

3. Antecedentes familiares especialmente relevantes ................................................... 72 3.1. Comportamentos suicidários ..................................................................................... 72

4. História actual................................................................................................................. 73

4.1. Criminal ...................................................................................................................... 73

4.1.1. Crimes cometidos ............................................................................................... 73

4.1.2. Condenação e pena de prisão ............................................................................ 73

4.1.3. Tempo cumprido na actual pena de prisão ........................................................ 74

4.2. Suporte familiar .......................................................................................................... 74

4.3. Perturbação mental .................................................................................................... 74

4.4. Medicação psicotrópica.............................................................................................. 75

4.5. Tentativa de suicídio actual (TS mais recente) .......................................................... 76

4.5.1. Tempo decorrido entre a primeira e a última TS na prisão ................................ 76

4.5.2. Ocupação laboral aquando da TS ...................................................................... 76

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4.5.3. Actos preparatórios ............................................................................................ 76

4.5.4. Pedido de ajuda .................................................................................................. 76

4.5.5. Variação temporal ............................................................................................... 76

4.5.5.1. Estação do ano ............................................................................................. 76

4.5.5.2. Variação mensal ........................................................................................... 77

4.5.5.3. Variação semanal ........................................................................................ 77

4.5.5.4. Período do dia ............................................................................................... 77

4.5.6. Local da TS ......................................................................................................... 77

4.5.7. Método usado ..................................................................................................... 77

4.5.8. Grau de gravidade .............................................................................................. 78

4.5.9. Socorro após a passagem ao acto ..................................................................... 78

4.5.10. Motivações para cometer a TS ......................................................................... 78

4.6. Expectativas futuras ................................................................................................... 79

5. Inventário de Personalidade NEO PI-R ....................................................................... 80

5.1. Correlações entre os factores do NEO PI-R com outras variáveis ........................... 87

6. Inventário de Sintomas Psicopatológicos BSI ............................................................ 88 7. Discussão ........................................................................................................................... 96 8. Perfil do recluso que cometeu tentativa de suicídio .................................................... 113 9. Caso ilustrativo ................................................................................................................ 114 10. Conclusões ..................................................................................................................... 117

Referências bibliográficas ...................................................................................................... 119 Anexos ...................................................................................................................................... 128

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Índice de quadros

Quadro 1. Os dez pressupostos comuns do suicídio, segundo Shneidman .............................. 18

Quadro 2. Número de suicídios nas prisões portuguesas no período de 2000 a 2010.............. 22

Índice de gráficos

Gráfico 1. Análise de variância One-Way ANOVA para a relação familiar ................................. 62

Gráfico 2. Interacção grupos x 5 factores do NEO PI-R ............................................................. 80

Gráfico 3. Interacção grupos x factores de Personalidade NEO PI-R ........................................ 81

Gráfico 4. Análise de variância das facetas do Neuroticismo. Interação grupo x neuroticismo 83

Gráfico 5. Índice de sintomas positivos (ISP) ............................................................................. 87

Gráfico 6. Efeito principal das dimensões BSI ............................................................................ 91

Gráfico 7. Interacção grupo x dimensões BSI ............................................................................. 93

Índice de tabelas

Tabela 1. Distribuição dos participantes por tipos de estabelecimentos .................................... 52

Tabela 2. Média e desvio padrão de idades dos participantes dos 3 grupos ............................. 58

Tabela 3. Estado civil dos participantes dos 3 grupos ................................................................ 59

Tabela 4. Escolaridade dos participantes dos 3 grupos ............................................................. 61

Tabela 5. Número de irmãos nos 3 grupos ................................................................................. 63

Tabela 6. Posição na fratria nos 3 grupos .................................................................................. 63

Tabela 7. Acontecimentos de vida significativos ........................................................................ 66

Tabela 8. Diagnóstico de perturbação mental, segundo DSM-IV .............................................. 73

Tabela 9. Motivações que contribuíram para cometer a actual tentativa de suicídio ................ 77

Tabela 10. Expectativas futuras .................................................................................................. 78

Tabela 11. Comparação das médias dos factores do Inventário de Personalidade NEO PI-R . 79

Tabela 12. Comparação das médias das facetas do Neuroticismo da NEO-PI-R ..................... 82

Tabela 13. Comparação das médias das restantes facetas do NEO PI-R ................................ 84

Tabela 14. Estatística descritiva para as pontuações do BSI ..................................................... 88

Tabela 15. Comparação das médias para as dimensões do BSI para cada grupo ................... 90

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AGRADECIMENTOS

Neste espaço pretendo agradecer a todos os que contribuíram para a realização desta

dissertação. Embora, o espaço da escrita me limite e não me permita que agradeça a todos

quantos fizeram parte desta caminhada, não posso deixar de mencionar aos quais me sinto

grata, por terem tornado possível esta investigação.

Em primeiro lugar, quero demonstrar a minha gratidão ao Professor Doutor Jorge Costa

Santos, meu orientador, grande mestre que muito me honra ter orientado este trabalho.

Agradeço os momentos de partilha, as sugestões, os ensinamentos e as questões inquietantes

que provocaram em mim um processo de amadurecimento. O meu obrigado pelo entusiasmo,

insistência numa constante melhoria e pela consolidação do saber.

À Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, por ter autorizado a realização deste trabalho. A

todos os Directores e suas equipas nos vários estabelecimentos prisionais, que sempre me

apoiaram, facilitando a recolha da amostra e o espaço adequado para a realização das

entrevistas. Obrigada a todos os Técnicos e Guardas Prisionais que comigo colaboraram

permitindo que a recolha fosse realizada com êxito.

Gostaria de expressar o meu agradecimento aos reclusos que aceitaram participar neste

estudo, a eles devo esta investigação, por terem partilhado comigo tantas histórias das suas

vidas. Embora, esta não seja uma problemática agradável de relembrar, cada recluso acedeu

contar a sua história, que foi vivida e experienciada de modo diferente por cada um deles.

Ao Dr. João Pessoa, meu Director, pela compreensão ao longo da realização desta

dissertação. Agradeço à Dr.ª Anabela Guerreiro e à Dr.ª Helena Cardoso pelo apoio, incentivo

e encorajamento perante os novos desafios. Aos meus colegas de trabalho que prestaram,

cada um à sua maneira, palavras de apoio e de força, partilhando todos os dias angústias e

alegrias na procura de novos rumos e desafios profissionais.

Ao Professor Doutor Rui Santos, pelo apoio ao nível da estatística e pelas sugestões.

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Agradeço à Professora Doutora Helena Geada, subcoordenadora do mestrado e ao Sr. Rui

Gonçalves, secretário da Direcção pelo prestável apoio e gentileza ao longo deste mestrado.

À Luísa e à Sara, por serem minhas amigas e por todos os momentos que temos passado

juntas ao longo destes anos.

Às minhas amigas Sandra e Manuela por serem fontes de grande apoio e suporte, pela

amizade e carinho constantes e pela partilha comum de tantos momentos, com altos e baixos,

com mais ou menos alegria, pois sempre vos senti muito presentes.

Agradeço à minha amiga Catarina Gonzalez, pelo encorajamento, pelos preciosos

contributos e sugestões na revisão crítica deste trabalho. Obrigada pela tua amável

hospitalidade, boa disposição e grande amizade, fruto dos bons velhos tempos de Uppsala,

que jamais se esquecerão.

Ao meu irmão José Carlos, pelo carinho, incentivo e apoio incondicional que sempre

demonstrou ao longo da minha vida. À Patrícia pela encorajamento e compreensão em todos

os momentos da minha vida e pela alegria que nos deu, a mim e a toda a família, pela chegada

da nossa querida Eva.

Dedico este trabalho aos meus Pais, a quem tudo devo. Têm sido a minha âncora, sem o

seu apoio não teria concretizado os meus sonhos e projectos. Muito obrigada ao meu Pai e à

minha Mãe pela força e coragem que me transmitem, pelo vosso legado e por me apoiarem

incondicionalmente, em todos os momentos da minha vida.

Ao Fernando, obrigado por tudo o que vivemos juntos.

Às minhas filhas, Joana e Carolina, pela importância e significado que elas têm na minha

vida, pelo carinho, amor e alegria que me dão todos os dias, pela energia contagiante e por

terem dado um sentido especial à minha vida. Sem vocês nada seria igual, que sejam muito

felizes.

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INTRODUÇÃO

Estudar o fenómeno do suicídio exige uma reflexão profunda sobre as grandes premissas

da existência humana. Parece universal que a morte é algo que qualquer indivíduo teme, mas

também é verdade que este fim, que ninguém sabe como vai ser, aguça a criatividade

individual na procura da verdadeira essência da existência. Hennezel (2005, p. 12), refere que

“a morte, essa que todos havemos de viver um dia, a que fere os nossos próximos (…) talvez

seja o que nos leva a não nos contentarmos em viver à superfície das coisas e dos seres, o

que nos move a penetrar na sua intimidade e na sua profundeza.”

O conceito de suicídio, tem sido amplamente estudado por vários autores, mas as dúvidas

persistem, pois o acto de acabar com a própria vida é um processo verdadeiramente complexo.

Talvez o suicídio seja uma forma diferente de morrer, porquanto seja doloroso esperar a morte.

Bateson (1987, cit. in Costa Santos, 1998), defende que não se pode perder de vista os limites

da ciência, mas também devemos ter em conta a diversidade das significações existenciais

associadas às múltiplas faces do suicídio. Segundo Braz Saraiva (2006a)), aparentemente,

quem protagoniza tal acto, deseja ao mesmo tempo os dois mundos, a vida e a morte, jamais

devendo interpretar-se o comportamento suicidário como um suicídio frustrado. Enquanto acto

de autodestruição, o comportamento parasuicidário tem sido uma realidade sempre presente

nas sociedades e tem despertado o interesse de várias áreas científicas na tentativa de

encontrar respostas explicativas para este fenómeno e sua prevenção.

Este projecto de investigação, surge na sequência de um percurso profissional ligado à

população prisional, onde o suicídio e os comportamentos suicidários têm aumentado,

tornando-se numa problemática incontornável. A nível internacional, o suicídio em meio

prisional é uma matéria muito estudada, em parte devido ao número dos suicídios nas prisões

sempre com taxas mais elevadas do que na população em geral (Andersen, 2004; Dooley,

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1990; Jenkins, et al., 2005). Em Portugal, os trabalhos científicos nesta área do conhecimento

são muito escassos.

A presente investigação, tem como principal objectivo estudar o fenómeno das tentativa(s)

de suicídio em meio prisional e como objectivo específico, analisar, os factores pessoais

associados, bem como avaliar a sintomatologia psicopatológica e as características de

personalidade dos indivíduos que atentaram contra a própria vida em prisões portuguesas.

Como tal, procedeu-se à investigação de um grupo de reclusos que haviam cometido pelo

menos uma tentativa de suicídio, comparando-o com dois outros grupos de várias dimensões,

um grupo de reclusos sem história de tentativas de suicídio e outro de sujeitos em meio extra

prisional, sem antecedentes criminais e sem tentativas de suicídio.

A estrutura desta dissertação está dividida em duas partes. Na primeira parte, procede-se

a uma revisão crítica da literatura, sem a intenção de querer, contudo, esgotar o tema, se é que

algum tema relativo à condição humana seja esgotável. Na segunda parte, apresenta-se o

contributo pessoal sobre a realização e desenvolvimento do presente estudo, realizado com

indivíduos que cometeram tentativa(s) de suicídio e com indivíduos que nunca tentaram o

suicídio, bem assim como algumas reflexões visando a prevenção deste tipo de

comportamentos.

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Capítulo I. Estudo dos comportamentos autodestrutivos

1. Suicídio

O suicídio tem sido encarado pela sociedade de formas bem diversificadas, dependendo

da cultura onde nos inserimos. A palavra suicídio tem a sua origem no latim, derivando da

composição de dois termos: sui, de si mesmo e cidium, matar, ou seja, matar-se a si mesmo.

Segundo Prats (1987), não existe sociedade ou microcultura, onde não se tenha

manifestado o suicídio, embora tenha sido sempre gerido dependente, da visão que se tem

sobre o valor social e simbólico da morte. Por seu turno, Costa Santos (1998), refere que

ninguém morre da mesma maneira, porque a morte também não é concebida de igual modo

por todos, nem tem sempre o mesmo significado. O suicídio configura-se, assim, como um

fenómeno que tem acompanhado a evolução da sociedade e que é transversal a todas as

culturas, classes sociais e idades, possuindo uma etiologia multifactorial. Apesar de tudo, a

morte continua a ser um assunto tabu, particularmente quando se trata de uma morte por

suicídio.

O estudo de Durkheim (1897, ed. Port. 2007), representado numa importante obra

intitulada O Suicídio, analisou este fenómeno colocando a tónica no colectivo sobre o

individual, considerando-o como um resultado da dinâmica social. Durkheim, (op. cit., 2007, p.

23) definiu o suicídio como “toda a morte que resulta mediata ou imediatamente de um acto

positivo ou negativo, desde que realizado pela própria vítima, tendo em vista esse resultado”

Contudo, anos mais tarde Halbwachs (1930, cit. in Costa Santos, 1998), afasta-se dessa

definição, conceptualizando o suicídio como uma questão do foro individual, sem necessidade

da aprovação social ou como um fim altruísta, reforçando o vazio social criado à volta do

indivíduo. Retomando à concepção de Durkheim (1897, ed. Port. 2007), o autor preconiza uma

tríade explicativa do suicídio: egoísta, altruísta e anómico. O primeiro caracteriza-se pela

fragilidade e apatia, traduzindo uma grande desilusão e melancolia. As relações entre o

indivíduo e a sociedade estariam fragilizadas e dificultam a integração social do indivíduo. O

segundo tipo, o altruísta, caracteriza-se por uma interdependência da sociedade, não podendo

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estar nem desligado dela, nem demasiado ligado à ela, traduzindo-se num sereno sentimento

de dever. O tipo anómico corresponde à ausência ou desintegração social de normas, regras

ou leis e à dependência individual desse poder regulador social, traduzindo-se numa

deficiência de regulação social para garantir o equilíbrio da vida em sociedade.

Shneidman (1985) baseia-se no modelo psicológico, tendo em conta o indivíduo e as

circunstâncias inerentes ao próprio para tentar compreender o complexo e sinuoso caminho da

suicidologia. Deste modo, Shneidman (1985) define suicídio como um acto consciente de

autodestruição, de etiologia multidimensional, cometido por um indivíduo que, em dadas

circunstâncias acredita ser esse comportamento a melhor solução para alguns estados

emocionais, vivenciados como uma dor intolerável. O mesmo autor (op. cit., 1985) considera

que este processo seria evolutivo e gradual, podendo iniciar-se numa ideação suicida ligeira e

evoluir com maior consistência e determinação, culminando numa planificação cuidadosa do

suicídio. Na mesma linha de pensamento, Kaplan & Sadock (1993) afirmam que o suicídio não

é um acto aleatório ou sem finalidade, ele representa a saída de uma situação carregada de

intenso sofrimento.

No entanto, Nuno Gil (2006), reportando-se à realidade clínica, refere que o doente

pensa a morte como um alívio, reconhecendo a necessidade de diferenciar pensamentos

genéricos acerca da morte, recorrentes ou não, pois a ideação suicida não seria condição

suficiente para a passagem ao acto suicidário, não significando isso que deva ser

menosprezada.

A ideação suicida é um pensamento, isto é, uma função cognitiva superior caracterizada,

fenomenologicamente, por intenções e significados, ou antes, por intenções significativas (Pio

Abreu, 1997), pelo que pode ser entendida como a planificação mental do acto suicida ou a

organização hierárquica dos gestos necessários à obtenção desse fim. Por seu turno, Liebling

(1993) refere que os gestos que determinados indivíduos realizam e que causam dano a si

próprio, podem ser vistos como um continuum de severidade, sendo que a motivação para

estes comportamentos seria a mesma, quer se trate de uma tentativa de suicídio ou de um

suicídio. Para Shneidman (1993), pensamentos sobre o suicídio lideram com frequência o

elevado sofrimento emocional em indivíduos afectados. Ainda sobre a ideação suicida autores

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como Sokero et al. (2003), ou Oquendo et al. (2007) consideram que a ideação suicida está

intimamente ligada com comportamento suicida, tal como com tentativa de suicídio e suicídio

consumado. Para Litman (1966, cit. in Soeiro, 2006), o comportamento suicida, também não é

repentino, imprevisível ou momentâneo, resultando com frequência de um plano suicida

estrategicamente desenvolvido ao longo do tempo. Para o mesmo autor (op. cit., 2006), este

plano, tem como pano de fundo crises, conflitos, ambivalências que reflectem um profundo

sentimento de angústia coabitando com uma incapacidade em encontrar soluções. O culminar

deste profundo sentimento de angústia e desespero, limita de tal forma as capacidades

egóicas, que permitirá que o plano suicida seja concretizado. Grinberg (2000) complementa

esta acepção sustentando que o comportamento suicida, constitui muitas vezes a derradeira

tentativa para expressar desespero e desamparo, perante a dificuldade de enfrentar um

problema, e a percepção, quase sempre subjectiva, de que os outros não percebem a sua real

necessidade de ajuda.

Shneidman (1985), estabeleceu os dez pressupostos mais comuns nos comportamentos

suicidários (Quadro 1). Estes dez “mandamentos”, como lhe chamou, poderiam ser mais ou

menos dependendo das motivações de cada indivíduo.

Quadro 1. Os dez pressupostos comuns do suicídio, segundo Shneidman

I. O propósito comum do suicídio é procurar uma solução

II. O objectivo comum do suicídio é uma interrupção da consciência

III. O estímulo comum no suicídio é a dor psicológica intolerável

IV. O factor de stress comum no suicídio é a frustração das necessidades

psicológicas

V. A emoção comum no suicídio é o desespero-abandono

VI. O estado cognitivo comum no suicídio é a ambivalência

VII. O estado perceptivo comum no suicídio é a restrição

VIII. A acção comum no suicídio é a evasão/saída

IX. O acto interpessoal comum no suicídio é a comunicação da intenção

X. A regra comum no suicídio é a incompatibilidade em lidar com padrões de vida

duradouros

Fonte: Adaptado de Shneidman (1985)

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Shneidman (1985) elabora desta forma o conjunto de factores que estão na génese do

suicídio, sublinhando a necessidade de uma abordagem global e multifactorial no estudo dos

factores associados aos comportamentos suicidários. A problemática e difusa questão da

intencionalidade é assim equacionada, que para aquele autor pode ser consciente ou

inconsciente. Enquanto para Durkheim (1897, ed. Port. 2007), a intenção nem sempre se

evidencia, pois, segundo este autor, a intencionalidade é algo demasiado íntimo para se poder

atingir do exterior, a não ser por aproximações grosseiras, ocultando-se mesmo para o próprio

indivíduo. De facto, segundo Costa Santos (1998) o conceito de intenção não pode ser

dissociado de um qualquer quadro de referência epistemológico, que lhe dê sentido e

coerência. De acordo com este pressuposto, também Shneidman (1973), como já referimos,

sugere que as mortes têm sempre uma motivação, distinção esta que será reflectida no seu

conceito de intencionalidade. Deste modo, este autor (op. cit., 1973) propõe três níveis de

intencionalidade da morte:

1. Morte intencional – todo o tipo de morte no qual o indivíduo tenha

desempenhado um papel directo e consciente na sua própria consumação, o que

corresponderia ao acto suicida definitivo, deliberado e consciente;

2. Morte não intencional – toda e qualquer morte, independentemente da

determinação da sua causa ou da etiologia médico-legal, na qual o indivíduo não tenha

desempenhado qualquer papel efectivo na sua consumação, ou seja, quando a morte é

inteiramente alheia a qualquer traumatismo físico externo ou a uma falência biológica sem

componente psicológico apreciável – situações que corresponderiam à morte natural e à

morte acidental, desde que se demonstre que o indivíduo não contribui de qualquer forma

para o resultado fatal;

3. Morte subintencional – toda a morte em que o indivíduo desempenha algum

papel indirecto, camuflado, parcial ou inconsciente no desenlace fatal. Os indícios

objectivos que permitiriam estabelecer esta subintencionalidade residiriam na constatação

de determinadas manifestações comportamentais, como uma reduzida capacidade de

avaliação, a assunção de riscos excessivos, o abuso do álcool, o consumo de drogas, a

negligência com a sua própria segurança, um estilo de vida autodestrutivo, entre outras,

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em que de algum modo o indivíduo cria condições, facilitando, acelerando ou precipitando

o processo da sua própria morte.

As propostas apresentadas acerca da definição do suicídio colocam a tónica em termos

de carácter voluntário, intencional, deliberação, escolha ou intenção, que se afigura

inadequado face à diversidade dos contextos em que ocorre a passagem ao acto suicida. A

questão da intencionalidade relativamente à morte coloca dificuldades operacionais e clínicas.

Essas dificuldades surgem obviamente ligadas a determinados contextos psicopatológicos,

mais concretamente num quadro alucinatório-delirante em pleno surto psicótico. Como é que

se pode equacionar o grau de consciência, o acto suicida como voluntário e deliberado num

doente com tais características? Deste modo, torna-se importante sublinhar as considerações

feitas por Costa Santos (1998) a propósito da intencionalidade. Este autor refere que intenção

e vontade não se podem distinguir, tal como se poderia fazer para a deliberação e escolha, à

luz da fenomenologia, as quais representam apenas dois elos intermédios dos cinco que

integram a cadeia de decisão, pressuposto ao acto livre. Assim considera o mesmo autor (op.

cit., 1998), que se afigura razoável adoptar como referência o carácter intencional do acto,

assentando numa estrutura significativa do comportamento. Por esta razão, reconhece-se a

necessidade de recorrer a vários quadros conceptuais para explicar a questão do suicídio,

sendo que o estudo do suicídio em meio prisional tem vindo a merecer uma atenção crescente

por parte dos investigadores desde 1980, em parte também devido ao aumento da incidência

(Daniel, 2006).

Num estudo realizado por Neuringer (1976, cit. in Vaz Serra & Pocinho, 2001), os

suicidas, independentemente do seu estado psíquico, são considerados mais rígidos e

extremados na sua forma de pensar do que os não suicidas, de tal forma que, quando se

sentem insatisfeitos com determinado acontecimento, não consideram outras

oportunidades/alternativas para a mudança, nem prevêem a alteração de estratégias de

resolução dos seus problemas. Vaz Serra & Pocinho (2001), referem que o suicídio não deve

ser considerado uma doença, mas antes um comportamento, manifestado por uma pessoa

com determinadas características, por vezes, sofrendo de um quadro clínico psiquiátrico, que

vive acontecimentos que são para si dolorosos e que supõe não ter capacidade de modificar.

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Segundo a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2000b)) o impacto psicológico e

social do suicídio numa família e numa sociedade é imensurável. Em média um suicídio afecta

pelo menos outras seis pessoas. Mas se o suicídio ocorre numa escola ou num local de

trabalho, pode ter impacto em centenas de pessoas. Por essa razão, a OMS (WHO, 1999),

lançou o Suicide Prevention Program (SUPRE) um programa para a prevenção do suicídio. As

taxas do suicídio em Portugal, tiveram um decréscimo significativo desde os anos 90, tendo

descido de 8 para 5 por 100 mil habitantes, perfazendo a segunda taxa de suicídio mais baixa

da União Europeia a seguir à Grécia, situação que se manteve até ao final do século XX

(Saraiva, 2006a)). No início do século XXI, estimava-se num milhão o número anual de

suicídios no mundo. As previsões apontam para que no ano de 2020 esta cifra possa atingir

cerca de um milhão e meio de pessoas. A incidência do suicídio e do parasuicídio mostra uma

relação de 1:4 na terceira idade; entre 1:8 e 1:15 na população em geral e de 1:200 nos jovens

(WHO, 2004). O suicídio constitui-se desta forma como uma das 10 maiores causa de morte

em todos os países e uma das três maiores causas de morte na faixa etária dos 15 aos 35

anos. O aumento deste problema tem provocado mais mortes por suicídio, do que o total de

mortes por homicídio e vítimas de guerra (WHO, 2004), ultrapassando em Portugal, desde

2006, as estatísticas de mortes por acidentes de viação (INE, 2010), colocando o suicídio na

agenda das autoridades de saúde, alertando para a necessidade de elaboração de um plano

de prevenção do suicídio.

Desde o início do século XXI, porém, as taxas do suicídio em Portugal têm apresentado

uma tendência crescente, passando de 550 no final do século XX, para 1200 mortes em 2002,

estatística que já não era registada com números superiores a 1000 mortes, desde o ano de

1984 (Saraiva, 2006a)). No ano de 2010, a taxa de suicídio em Portugal era de 9,7 por 100 mil

habitantes (Costa Santos, 2010). A Organização Mundial de Saúde (2004) reconhece os

comportamentos suicidários como um problema que afecta a generalidade dos países,

alertando que o número de tentativas de suicídio é 20 vezes superior ao número de suicídios.

Os números das tentativas de suicídio vão se alterando, mas existem outras problemáticas que

também estão a aumentar exponencialmente. Saraiva (2006a)) refere que as taxas de suicídio

e de parasuicídio são diferentes do ponto de vista epidemiológico; assinalando que as

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primeiras subiram gradualmente a nível mundial durante o século XX, mas as segundas

cresceram de uma forma dramática nos últimos 50 anos. Segundo o mesmo autor (op. cit.,

2006a)) na última década, as taxas de suicídio têm-se mantido relativamente estáveis,

enquanto as tentativas de suicídio e os parasuicídios, principalmente entre os adolescentes

portugueses têm aumentado bastante. Talvez acrescentasse, embora empiricamente, que o

crescimento não se verifica apenas nos adolescentes, mas também em meio prisional o

parasuicídio esteja em franco crescimento, embora, a escassez de estudos neste meio, não

possam comprovar esse facto. Todavia, nestas alterações, existem determinadas relações que

permanecem invariáveis, tal como a proporção de suicídios entre homens e mulheres que é de

3:1, respectivamente (Saraiva, 2006a)). No meio destas cifras negativas não podemos ignorar

os percursos e experiências de vida, o sofrimento do próprio e dos familiares, a individualidade

e as motivações de cada ser humano. Daí a necessidade de estudar este fenómeno nos vários

contextos.

No meio prisional, o comportamento parasuicida manifesta-se em larga escala e trata-se

de um meio onde existe uma maior dificuldade de sair ileso deste acto, dadas as circunstâncias

em que cada indivíduo se encontra. Para além disso, o “olhar” para estes comportamentos

depende muito da forma como esse comportamento é encarado pelos vários intervenientes no

processo. Nem sempre este gesto é entendido como reflexo de um profundo sofrimento. Nos

anos 90, o suicídio nas prisões inglesas aumentou 40%. Em Portugal, o ano de 2010, foi um

dos piores dos últimos anos, com dezanove suicídios consumados nas prisões portuguesas,

sendo apresentado no Quadro 2, uma estimativa de suicídios ocorridos no meio prisional

português. Não obstante, 2004 foi um ano de sobrelotação do sistema prisional, 13 152

reclusos, foi o número de reclusos indicados pelas estatísticas desse ano, tendo-se verificado,

contudo, uma tendência de descida, embora tivesse vivido, em média, com uma população

mensal de 13 549 reclusos, quando a lotação é de 12 789 lugares (Moreira, 2005).

A problemática do suicídio tem sido bastante estudada, quer na população em geral,

quer na população prisional. Embora em Portugal, os estudos se focalizem mais na

comunidade em geral (Costa Santos, 1998; Saraiva, 2006 a) e b); Sampaio, 1991; Freitas,

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1984), também têm existido alguns estudos nesta área em contexto prisional (Gonçalves &

Vieira, 1989; Semedo Moreira, 1998; Costa Moreira, 2008; Neves, 2010).

Quadro 2. Número de suicídios nas prisões portuguesas no período de 2000 a 2010

Ano Suicídios Nº reclusos

2000 10 12771

2001 23 13112

2002 19 13772

2003 16 13635

2004 22 13152

2005 9 12889

2006 9 12636

2007 10 11587

2008 7 10807

2009 16 11099

2010 19 11480 Fonte: DGSP (2011b))

No entanto, os estudos, em Portugal, recaem fundamentalmente sobre o suicídio

consumado nas prisões, não existindo dados disponíveis sobre investigações realizadas na

área das tentativas de suicídio. Baseados em vários estudos que apontam as tentativas de

suicídio como um forte preditor do suicídio consumado (Daniel, 2006; Sokero et al., 2003;

Oquendo et al., 2007, Kutcher & Chehil, 2007), afigura-se importante estudar esta

problemática. Moreira (2008) refere que as taxas de suicídio nas prisões são elevadíssimas

comparativamente com a população em geral. Segundo o mesmo autor, por cada suicídio na

população geral entre 1999 e 2004, ocorreram, em média, catorze nas prisões portuguesas.

2. Tentativas de suicídio

Emile Durkheim (1897, ed. Port. 2007, p. 23) define tentativa de suicídio como “todo o

caso de morte que resulta directa ou indirectamente de um acto positivo ou negativo praticado

pela própria vítima, acto que a vítima sabia dever produzir esse resultado mas interrompido

antes que a morte daí tenha resultado.”

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A Classificação Internacional de Doenças (CID-10, 1997), define o conceito de

parasuicídio como um acto não fatal, decorrente de um comportamento invulgar, cometido por

um indivíduo sem a intervenção de outrem, que provoca autolesão ou ingere uma substância

em sobredosagem para além da prescrita ou da dose reconhecida como terapêutica, visando

mudanças desejadas pelo indivíduo, sejam através desse acto ou de eventuais consequências

físicas. O conceito atrás referido, alerta para as consequências desejadas pelo próprio, todavia,

após a passagem ao acto, seja ele severo ou não, existem determinadas consequências

psíquicas, físicas ou existenciais que, podem eventualmente, não ter sido contempladas e que

podem constituir-se como grandes problemas, com os quais não saberá lidar ou resolver.

Até aos anos 60 do século XX, segundo refere Saraiva (1999), os estudos comparativos

entre o suicídio e o parasuicídio não eram muito diferenciadores ao nível da tentativa de

compreensão dos trajectos mentais, existindo uma sobrevalorização das características

demográficas e clínicas, em detrimento dos factores cognitivos, relacionados com a

personalidade e com as estratégias de adaptação. É pois na década de 60, que a literatura se

começa a interessar mais pelas diferenças entre estes dois comportamentos. Assim, o mesmo

autor relança para a discussão o que na sua óptica é fundamental que é a necessidade de

tentar compreender os trajectos mentais, bem como os factores cognitivos relacionados com a

personalidade ou com estratégias de adaptação. Saraiva (2006a)) alerta ainda para a

tendência perigosa que está a ser criada com a divisão das tentativas de suicídio em sérias e

manipuladoras. Numa dessas tentativas, Daniel (2006), 45 a 63% dos indivíduos que cometem

suicídio tinham realizado tentativas prévias. Destes que tinham cometido tentativas de suicídio

prévias, dois terços tinham usado métodos letais nas tentativas anteriores, como enforcamento,

ingestão de lâminas, overdose e cortes no pescoço. A gravidade da tentativa é assim

relacionada com a potencialidade autodestrutiva do método utilizado e com a probabilidade de

a pessoa ser socorrida, pois algumas tentativas de suicídio seriam realizadas num contexto

onde é previsível a ocorrência de socorro. Ainda para o autor, (op. cit., 2006a)) as tentativas

sérias representariam um elevado risco de morte (perturbação mental major, método violento

ou tóxico potencialmente letal, com recurso a um local mais ou menos recatado, para que o

corpo não fosse percepcionado) podendo, todavia, equacionar a hipótese de um suicídio

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frustrado. As tentativas manipuladoras representariam uma nula ou baixa intenção de morte

(método não violento, em casa, impulsividade, perturbação mental minor), ou seja, um

parasuicídio, persistindo o problema da ambivalência.

Num estudo realizado por McKee (1998) com 665 reclusos e 89 reclusas, que tentaram

suicidar-se, considerou como método letal o enforcamento e método não letal as flebotomias.

Este estudo concluiu que a taxa de mortalidade e as tentativas de suicídio são em maior

número por enforcamento (52 mortes, em 602 tentativas), sendo 19 vezes superior ao número

de mortes por automutilações nos pulsos e braços (1 morte, em 275 tentativas). Este autor

apurou que a prevalência do é 11-14 vezes maior do que na população em geral. Este ensaio

de sistematização dos comportamentos pode tornar-se muito perigoso, pois a tentativa de

suicídio seja ela séria ou manipuladora, envolve sempre um certo risco, para além de se

constituirem como um forte preditor de suicídio (Neeleman, 2001; Corcoran et al., 2003).

Stengel (1952, cit. in Saraiva, 2006a)), defende que muitas tentativas de suicídio e alguns

suicídios acompanham-se de um estado de humor em que é indiferente viver ou morrer, em

vez de uma clara e inequívoca opção de pôr termo à vida, pois na óptica deste autor o

comportamento suicidário é visto como um acto de auto-agressão deliberado no qual o

indivíduo ignora se vai sobreviver.

Diekstra (1993) sugere o uso do termo parasuicídio para um acto não fatal pelo qual o

indivíduo empreende deliberadamente um comportamento não habitual que, sem intervenção

de outro, causará lesões auto-infligidas, ou que ingere deliberadamente uma substância em

quantidade superior à prescrita, tendo como finalidade conseguir as mudanças que o sujeito

deseja. Farberow (1962, cit. in Peixoto & Azenha, 2006) mantém a mesma linha de

pensamento, reconhecendo que alguns comportamentos de risco exibidos por algumas

pessoas são comportamentos autodestrutivos indirectos em que os autores destes

comportamentos não teriam consciência plena da sua intenção suicida. Assim poderíamos

considerar que determinados comportamentos como: condução perigosa, consumo de drogas,

tabaco excessivo, comportamentos sexuais de risco, podem, segundo estes autores, ser

considerados comportamentos autodestrutivos. Hawton e Catalan (1987, cit. in Saraiva,

2006a)), distinguem três tipos de auto-lesões associados ao grau de intenção suicida: cortes

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superficiais, mais frequentes no pulso e no antebraço, correspondendo a baixa ou nula

intenção suicida; cortes profundos como flebotomias e corte de tendões, que resultam de

comportamentos suicidários por tiro, enforcamento, precipitação, atropelamento,

correspondendo a elevada intenção suicida; auto-mutilação que pode provocar uma

desfiguração, correspondendo com frequência a doentes esquizofrénicos.

Assinale-se que os modelos cognitivos fundamentam a premissa de que existe uma

interacção entre a forma como os indivíduos pensam (expectativas, crenças, inferências,

esquemas, lembranças, distorções cognitivas) e como, subsequentemente, se comportam face

aos acontecimentos do seu mundo, entendendo o acto suicida como um processo contínuo

que vai da ideação suicida, à tentativa de suicídio e ao suicídio consumado. Para Saraiva

(1999) o comportamento parasuicida é equivalente a um jogo de análise transaccional de

apelos-manipulações como resposta a um conflito de relação no qual o corpo é, ao mesmo

tempo, protagonista e instrumento de revoltas e desamparos. Por seu turno, Vaz-Serra &

Pocinho (2001) defendem que o suicida pretende libertar-se de estados emocionais internos

muito penosos para si, como a angústia, o aborrecimento, a depressão e a culpa, bem como de

problemas externos que são sentidos como intermináveis, inevitáveis e intoleráveis. Por outro

lado, Costa (1986, cit. in Seabra, 2006) defende que não há suicídios lúcidos, uma vez que

estariam quase sempre relacionados como uma qualquer forma de perturbação mental,

formulando a hipótese de a passagem ao acto suicida resultar de um estreitamento de campo

da consciência, facilitador desse gesto.

Os gestos autodestrutivos, levados a cabo por reclusos, são com frequência encarados

como um comportamento manipulador. Estes reclusos pensam que cometendo

comportamentos parasuicidários, poderão ganhar um maior controlo sobre o meio que os

rodeia ou ter ganhos secundários, como a transferência para um hospital ou outros intentos por

eles requeridas. Segundo a OMS (WHO, 2007) a possibilidade de encenar uma tentativa de

suicídio para atingir determinado objectivo ou por um motivo perverso, deve, a partir daquele

momento inscrever-se como uma preocupação para todos os agentes, particularmente aqueles

que trabalham em prisões de máxima segurança. Importa realçar que muitas equipas que

trabalham nas prisões acreditam que alguns reclusos tentam controlar ou manipular o sistema

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prisional através de comportamentos autodestrutivos, tendem a não tomar um gesto suicida

como sério, o que por vezes pode ser particularmente verdade, num recluso que tem uma

história passada de violação e infracção das regras (WHO, 2007). Contudo, a OMS alerta para

o facto de que uma tentativa de suicídio, independentemente das suas motivações, pode

resultar em morte, mesmo que essa não seja a intenção inicial, dado o limitado número de

métodos, os reclusos podem optar por um método letal, como o enforcamento (Lohner &

Konrad, 2006) mesmo na ausência do “real” desejo de morrer, ou porventura por não saberem

o risco de perigosidade daquele método.

A prevalência do suicídio e de comportamentos de automutilação entre indivíduos presos

é reconhecida por ser muito maior do que na população em geral e tem vindo a aumentar nas

últimas décadas (Fruehwald et al., 2000; Mckee, 1998). Numa investigação levada a cabo por

Marcus & Alcabes (1993), mostraram que uma percentagem elevada (43%-62%) de reclusos

que cometera suicídio tinha uma história de comportamentos parasuicidários, bem como

tentativas de suicídio e/ou automutilações. Nesta investigação, 36,8% de indivíduos que

puseram termo à vida tinham verbalizado ameaça prévia e 50% dos suicidas tinham cometido

tentativas de suicídio, reforçando mais uma vez, a importância da influência dos

comportamentos parasuicidários no suicídio consumado. Por outro lado, Braz Saraiva (2006a)

e b)) refere que as automutilações têm sido interpretadas, com frequência, como forma de

apelo social e não como tentativa de suicídio. Os cortes, teriam como manifestação mais

comum o corte superficial do pulso e/ou antebraço, com lâmina, X-acto, faca, vidro ou outro

objecto cortante. Segundo o mesmo autor (op. cit., 2006b)), o modelo conceptual de

automutilações engloba 4 grandes categorias: iniciáticas, religiosas, compulsivas e psicóticas.

A primeira categoria enfatiza a construção da identidade, no sentido de pertença e socialização

com os pares no período da formação da personalidade, como é a adolescência. Na segunda

categoria, a perspectiva é mais antropológica e religiosa. Na terceira categoria, avulta a

existência de um comportamento temperamental impulsivo que em resposta a um intenso

estímulo desestabilizador pode fazer enveredar o comportamento para uma automutilação

deliberada, como os cortes. Finalmente, na quarta categoria, surgem graves comportamentos

de automutilação, associados, por vezes, a patologia psiquiátrica major. À luz da nossa

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experiência profissional, as automutilações no contexto prisional português incluem-se,

sobretudo, na terceira e quarta categoria.

3. Factores de risco

3.1. Personalidade

Importa abordar, ainda que resumidamente, algumas perspectivas da personalidade,

uma vez que reflectem o padrão de funcionamento psíquico de um indivíduo, bem como dos

seus comportamentos. Uma parte significativa da investigação sobre o suicídio tem focado o

papel importante da perturbação mental. Segundo Gleitman (1991, ed. 1995) a personalidade,

na perspectiva cognitivo-comportamental, é a forma como as pessoas agem e pensam, pois os

actos e os pensamentos são, na grande medida, produzidos pela situação que o indivíduo

enfrenta no momento ou enfrentou em momentos passados. Sob o ponto de vista da teoria

psicodinâmica (op. cit., 1991, ed. 1995), as pessoas podem actuar em virtude de pulsões

inconscientes, em que os aspectos cruciais da personalidade têm origem em conflitos, desejos

inconscientes, profundamente recalcados. Na perspectiva da teoria humanista (op. cit., 1991,

ed. 1995, p. 842), “as pessoas são completas e impredizíveis, segundo o qual, o mais

importante nas pessoas é o modo como realizam a sua própria mesmidade e actualizam as

suas potencialidades”. Deste modo, a personalidade adquire a sua especificidade, num

conjunto de atributos individuais que se caracterizam e designam por traços de personalidade.

Os traços de personalidade são, portanto, um conjunto de características estáveis e

permanentes, intrínsecas a cada indivíduo. No sentido de aumentar o conhecimento e melhor

aceder ao funcionamento da personalidade, têm sido desenvolvidos bastantes trabalhos de

investigação sobre a personalidade. Um estudo amplamente conhecido é o de Warren Norman

(1963, cit. in Gleitman, 1991, ed. 1995) que destacou cinco principais dimensões da

personalidade, designadamente: extroversão, estabilidade emocional, amabilidade,

conscienciosidade e sensibilidade cultural. Posteriormente, surgiram muitos outros estudos,

com descrições da personalidade idênticas às de Norman, mas é importante salientar o que foi

desenvolvido por Eysenck (1975/1983), tentando abranger as diferenças de personalidade em

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duas dimensões: neuroticismo/estabilidade emocional, que traduz instabilidade

emocional/dificuldade de adaptação e extroversão/introversão, reflectindo a orientação das

energias da pessoa para o mundo interno ou externo. Posteriormente, Eysenck (1975/1983)

introduz uma terceira dimensão, o psicoticismo, característica relacionada com atributos

agressivos e antissociais, impulsivos e centrados em si próprio. Num outro estudo realizado por

Hirvikoski & Jokinen (2011), foi encontrada uma correlação no grupo de indivíduos que

obtiveram valores mais altos no psicoticismo, apresentando também uma maior tendência para

usar métodos mais violentos em tentativas de suicídio. Apesar da discordância existente ao

nível da comunidade científica sobre as “reais” dimensões da personalidade, existem algumas

investigações, que corroboram que estas duas dimensões (neuroticismo/estabilidade

emocional e extroversão/introversão) se podem aplicar não apenas à nossa cultura, mas

também a outras, pois foram obtidos os mesmos padrões de factores, em sociedades como as

do Bangladesh, Brasil, Hong-Kong e Japão (Gleitman, 1991, ed. 1995).

Contudo, contrariamente a esta estabilidade que se tem vindo a retratar, existe a

perturbação da personalidade estreitamente relacionada com os comportamentos suicidários

(Yen et al., 2009; Andersen, 2004; Fazel & Danesh, 2002), quer seja na prisão, quer seja na

comunidade em geral. A DSM-IV (1996) define a perturbação da personalidade como sendo

um padrão estável de experiência interna e comportamento que se afasta marcadamente do

esperado para o indivíduo numa dada cultura, sendo invasivo e inflexível, com início na

adolescência ou na idade adulta, é estável ao longo do tempo e origina sofrimento ou

incapacidade. Num estudo conduzido por Kessel & McCulloch (1966, cit. in Saraiva, 2006a))

revelaram que 27% dos doentes que repetiram o acto parasuicida ao fim de um ano

apresentavam uma perturbação da personalidade, em comparação com 16% do grupo de

controlo psiquiátrico.

Segundo Isometsa et al. (1996, cit in. OMS, 2000a)), os indivíduos com comportamentos

parasuicidas ou suicídio consumado, têm mostrado alta prevalência de perturbações da

personalidade (20 a 50%), sendo, que as perturbações mais frequentemente associadas são

perturbação da personalidade estado limite (borderline) e anti-social.

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Numa revisão de sessenta e dois estudos sobre saúde mental em meio prisional

relativos a doze países ocidentais, Fazel & Danesh (2002), numa amostra de 18.530, em que

81% eram homens, concluíram que 3% a 7% dos reclusos sofriam perturbações psicóticas,

10% de perturbação depressiva major e 65% de perturbações da personalidade (destes 65%,

47% tinham o diagnóstico de perturbação anti-social da personalidade). Como já foi referido,

outra perturbação bastante associada aos comportamentos parasuicidas é perturbação estado-

limite da personalidade, também conhecida por perturbação borderline da personalidade.

Foram apresentados alguns estudos que associam o suicídio às perturbações da

personalidade, no entanto, as perturbações do humor, também estão significativamente

associadas ao suicídio. Num estudo, conduzido por Guillaume et al. (2010) com 211 indivíduos

que tinham cometido tentativas de suicídio e que tinham sido hospitalizados na sequência

desse comportamento, 76 (36%) preenchiam os critérios da DSM-IV (1996) para perturbação

bipolar. Nesse estudo (op. cit., 2010), indivíduos com esse tipo de perturbação e com uma

história relacionada com dependência de álcool e substâncias psicoactivas, tinham cometido

uma tentativa de suicídio mais letal e apresentavam elevado risco de cometer mais do que 3

tentativas de suicídio. Em Portugal, numa grande amostra da região Sul, Costa Santos (1998)

constatou que 66% dos casos por ele estudados, que terminaram em suicídio, possuíam

antecedentes de perturbação mental, onde a depressão ocupava o primeiro lugar, em que 50%

tinha tentativas de suicídio prévias. A OMS (2000a)) refere que a depressão é um factor de

risco para o suicídio em qualquer fase da vida, mas aqueles com depressão de início tardio,

parecem correr maiores riscos. O tratamento da depressão, afigura-se como sendo bastante

relevante para a prevenção do suicídio começando nos cuidados de saúde primários. Na

Suécia, dados adiantados por Rutz et al. (1992) sobre a educação do médico de clínica geral,

na identificação e tratamento da depressão, reduziram substancialmente o número de

suicídios. Este programa sugere, deste modo, que os antidepressivos reduzem o risco de

suicídio entre os deprimidos. Estima-se que 30% dos pacientes vistos por um médico sofram

de depressão, no entanto, por vezes, estes doentes mascaram os sintomas da depressão,

apresentando queixas somáticas (OMS, 2000a)).

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Uma vez que se abordaram as perturbações mais associadas ao suicídio, importa ainda

realçar as perturbações psicóticas, particularmente a esquizofrenia, que tem no suicídio a sua

maior causa de morte prematura. Estes indivíduos, podem, eventualmente, provocar auto-

lesões gravíssimas, que poderão estar relacionadas com o quadro delirante-alucinatório por

eles vivido. Hawton e Catalan (1987, cit. in Saraiva, 2006a)), atrás mencionado, dizem que

estes doentes podem provocar automutilações bastante violentas e capazes de provocar uma

desfiguração. Contudo, a OMS (2000a)) baseada em vários estudos, relata que o risco de

suicídio neste quadro diminui de acordo com o tempo de duração da doença, estimando que o

risco de suicídio ao longo da vida seja de 6 a 15% em pessoas com perturbação do humor, 7 a

15% por problemas com alcoolismo e 4 a 10% com esquizofrenia.

O parasuicídio, como se vê, depende de factores da personalidade, da estrutura

cognitiva do indivíduo e ainda de factores como o meio ambiente, envolvendo um desequilíbrio

entre os factores de risco e de protecção. Semedo Moreira (1998), num estudo exploratório

sobre o suicídio em meio prisional português, reforça a ideia de que o fenómeno do suicídio

requer uma investigação desdobrada pelos níveis individual e social para melhor prevenir esta

problemática, porque estas são as patologias dos afectos de ajustamentos, da personalidade e

da interacção social e familiar, visando deste modo mudanças nas esferas familiares e sociais.

Tal como refere Gonçalves (2008), este problema poderá estar subjacente a uma patologia da

adaptação.

3.2. Outros factores de risco

O suicídio, segundo Shneidman (1996), é um fenómeno que resulta de uma confluência

de factores, como a dor psicológica, perda de auto-estima, confinamento mental, isolamento,

desesperança e fuga, retratando os factores de risco relacionados com o ambiente

psicopatologia; e com factores precipitantes, que por sua vez, estão relacionados com

acontecimentos disruptivos recentes e a acessibilidade a meios ou agentes potencialmente

letais. Na mesma linha de pensamento, Saraiva (1999) refere que o binómio tentativa de

suicídio-desesperança representa um elevado e recorrente factor de risco da tentativa de

suicídio ou mesmo de suicídio consumado. Acrescenta ainda, o mesmo autor (op. cit., 1999),

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que a desesperança associada à ausência de perspectivas futuras positivas, constitui assim o

principal factor na perda eventual de um sentido para a vida e do desejo de continuar a viver,

acreditando que as actuais dificuldades são intermináveis. Estas dificuldades seriam

acompanhadas pela percepção de falta de alternativas, incapacidade para resolver os

problemas e dificuldade para encontrar redes de apoio e suporte.

Segundo a OMS (WHO, 2004, 2005) o problema do suicídio assenta numa base

multidimensional de factores individuais, incluindo: perturbações mentais (depressão major,

esquizofrenia, abuso de álcool e/ou drogas); factores biológicos e genéticos; acontecimentos e

experiências de vida; factores psicológicos (stresse, conflitos interpessoais, violência ou

história de abusos físicos, perturbações de ansiedade e sentimentos de solidão); factores

ambientais e sociais (grupos marginais, desempregados ou detidos) e algumas doenças físicas

(doença neurológica, cancro e seropositividade para o HIV).

O comportamento parasuicidário, também é comum em meio prisional e tem um

substancial interesse na investigação de Andersen (2004). Este autor (op. cit., 2004) atribui ao

suicídio na prisão, invariavelmente, a expressão do sofrimento mental, depressão, desespero,

ansiedade severa e desesperança. Segundo este e outros autores, os factores que contribuem

para que o risco de suicídio na prisão seja elevado são vários, designadamente: a reincidência

criminal (Joukamaa, 1997), história de doença mental (Joukamaa, 1997; Andersen, 2004;

Kovasznay et al., 2004); história de comportamento parasuicidário (Kovasznay et al., 2004);

isolamento em cela individual (Liebling, 1993), sobrelotação em celas pequenas (Marcus &

Alcabes, 1993); penas longas após crimes violentos (DuRand et al., 1995); abuso de álcool e

de drogas ilícitas (Kovasznay et al., 2004) e sentimentos de culpa (Dooley, 1990). Este e outros

estudos semelhantes apontam para a necessidade de combinar estratégias preventivas

dirigidas à população em geral, com especial incidência nos grupos de maior risco.

Numa das investigações de Dye (2010), motivada por algumas limitações de estudos

anteriores, o objectivo era testar dois conceitos teóricos sobre o suicídio na prisão, com eles a

perspectiva da privação e o modelo da importação. A perspectiva da privação, baseada nos

trabalhos clássicos de Clemmer (1940, cit in Dye, 2010) e Goffman (1961, cit in Dye, 2010),

sustenta que uma má adaptação à prisão (p. ex. violência, agressão, ansiedade, depressão,

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angústia e suicídio) resulta da privação que o meio prisional impõe. Dito por outras palavras, as

condições da prisão tal como privação da liberdade, da segurança, da autonomia e de serviços

geram comportamentos agressivos e autodestrutivos. A forma como os reclusos se adaptam a

estas condições é variável, podendo aumentar a oposição individual (p. ex. violência ou

suicídio), ou produzir solidariedade, cooperação e desenvolvimento de uma subcultura prisional

(Dye, 2010). Por seu turno, o modelo da importação sustenta que as características

demográficas, sociais e psicológicas dos reclusos seriam os factores que mais contribuíram

para o suicídio na prisão. Nesta perspectiva, os preditores do suicídio poderiam funcionar da

mesma forma quer seja dentro da prisão ou na comunidade em geral. Os resultados desta

investigação reconhecem suporte empírico em ambos os modelos explicativos. Todavia,

segundo Dye (2010), a melhor forma de olhar para o fenómeno é explicá-lo através da

combinação dos dois modelos teóricos.

Um estudo de Daniel & Fleming (2006) sugeriu que os suicídios ocorrem mais

frequentemente em cadeias de alta segurança, onde a privação é muito maior, quando

comparadas com as prisões de média e baixa segurança. Na mesma linha de investigação,

existem outros estudos a constatar essa mesma realidade, como é o caso do trabalho de

Fruehwald et al., (2004), que encontraram um aumento da probabilidade do suicídio em celas

individuais ou celas disciplinares similares àquelas usadas nas prisões de alta segurança. Num

estudo mais recente, Magaletta et al., (2008) mostraram que nas cadeias de máxima

segurança, os reclusos que cumprem penas mais longas e os que estão em celas disciplinares

constituem um grupo de alto risco para o suicídio. Estes estudos vêm sublinhar a importância

das experiências pessoais num meio totalmente controlado, pois as prisões, quanto mais

segurança exigem, também mais rígidas e inflexíveis são as regras, a vigilância, as

movimentações, etc. Este conceito está estreitamente relacionado com a concepção de

privação, que é, naturalmente, indissociável das prisões, como a privação da liberdade, o

isolamento da família e dos amigos, são privações que têm sido estudadas por outros autores

(Sykes, 1958, cit. in. Mills, 2005), por ser uma grande fonte de stresse para os reclusos durante

o tempo de cumprimento da pena e, consequentemente constituírem-se grandes factores de

risco para o suicídio.

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Wagner et al. (2003) numa análise de estudos realizados com famílias de jovens com

comportamentos suicidas, apontam como factores de risco para o comportamento fatal: a

separação parental, história de comportamento suicida na família e abuso de álcool ou

substâncias. Por outro lado, os problemas no sistema familiar e a fragilidade da vinculação

pais/filho estarão mais ligados a comportamentos parasuicidários não fatais.

Num estudo realizado por Mills (2005), sobre a vulnerabilidade e as dificuldades em lidar

com a vida em meio prisional, revelou que a maior dificuldade na prisão é estar separado da

família e dos amigos. O mesmo autor encontrou algumas semelhanças relativamente à

dificuldade que os reclusos têm em lidar com os sentimentos de impotência, para ajudar as

famílias quando estas se deparam com determinados problemas no exterior. Igualmente

considerada problemática para os reclusos é a incerteza do sentimento dos/as

companheiros/as em relação a eles, bem como a frustração de não conseguirem comunicar

com os amigos e família. O mesmo estudo (op. cit., 2005) revela ainda, as dificuldades em lidar

com o sofrimento por estar preso, tal como o isolamento, o aborrecimento e o medo dos outros

reclusos, deixando-os mais vulneráveis para o suicídio/automutilação e outras respostas

desadaptativas, tal como explosões violentas e vitimização (Mills, 2005). Na mesma linha de

pensamento, Braz Saraiva (2006a)), refere que os jovens que tentam suicidar-se, sobretudo

com idades entre os 15 e os 24 anos, maioritariamente raparigas, encontram-se doentes,

vulneráveis e têm dificuldade em lidar com situações de stress.

Estudos sobre a privação têm encontrado na prisão, como se esperava, o local por

excelência, tal como mostrou Liebling & Krarup (1993, cit. in Liebling, 2011) num estudo que

conduziram sobre o suicídio na prisão, entre 1990 e 1992. Estes autores concluíram que

muitos reclusos tinham múltiplas experiências prévias de privação antes de entrarem na prisão,

cujas experiências contribuíram para aumentar os seus problemas em meio carceral, levando-

os a tentar acabar com a vida. Este estudo (op. cit., 2011) revela também que,

aproximadamente, um terço da população apresentava problemas de saúde mental. Costa

Santos (1998) numa grande investigação por ele realizada, revelou que acontecimentos de

vida geradores de stresse foram identificados em 90% dos suicidados. Nesta amostra o mesmo

autor conclui, que uma fracção importante das doenças somáticas identificadas na população

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dos suicidas encontra-se sobretudo associada ao alcoolismo nos homens e a uma componente

afectiva nas mulheres.

Para Fruehwald et al. (2003), um dos maiores deveres dos psiquiatras que trabalham em

instituições penais, é prevenir o suicídio. Contudo, os números e as taxas de suicídio nas

prisões têm aumentado na maioria dos países nas últimas décadas. Segundo este autor, os

factores de risco associados à elevada taxa de suicídio são vários, incluindo o encarceramento,

sobrelotação (Marcus & Alcabes, 1993), isolamento, abuso de álcool e drogas (WHO, 2000;

Maloney, 2009), e repressão (Liebling, 1993). Neeleman (2001) refere que a literatura, ampla

na área do parasuicídio ou autolesão, também é uma forma de chamar a atenção para um dos

maiores factores de risco para o suicídio. Por seu turno, Maris (2002), alerta para o aumento

destes comportamentos, estimando que existem 10-25 actos parasuicidas por cada suicídio,

aumentando para 100-200 nos adolescentes.

Como já foi referido, o suicídio é mais comum nos homens do que nas mulheres, com

um rácio de quatro homens para uma mulher, enquanto o contrário sucede com o parasuicídio,

onde as taxas femininas são três vezes mais altas. Um acto autodestrutivo durante o último

ano aumenta em 5.6 e 13.7 vezes, a probabilidade de repetição da tentativa dentro de 12

meses, para homens e mulheres, respectivamente (Corcoran et al., 2004), reforçando

impressionante efeito que a história anterior de parasuicídio tem no risco de repetição de

tentativa de suicídio.

Para Fruehwald & Frottier (2005) à entrada na prisão a despistagem de qualquer

indivíduo, deve ser acompanhada de meios para identificar aqueles que apresentam maior

risco de suicídio ou comportamento automutilatório, e orientá-los para um acompanhamento

adequado. Esta triagem inicial constitui assim uma estratégia para lidar com o problema do

suicídio em meio prisional. No sistema prisional português foram adoptadas algumas medidas

preventivas visando finalidade de uma Checklist (Intake Screening), que é preenchida o mais

precocemente possível, após o momento de entrada do recluso, para detectar eventuais sinais

de alerta de risco de suicídio e subsequentemente encaminhar a situação para que os técnicos

de saúde possam assegurar o adequado acompanhamento (Direcção Geral dos Serviços

Prisionais, 2011a)).

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Costa Santos (2006), atento a esta problemática do suicídio nas prisões, assinala que o

encarceramento constitui um factor de risco, sobretudo na fase inicial da reclusão, e a

incidência dos suicídios nas instituições prisionais atinge, em muitos casos, níveis bastante

significativos. O mesmo autor, abordando Van der Horst (1956, cit. in Costa Santos, 2006)

refere que o fim da nossa vida é sempre conforme a nossa vida, sugerindo que o modo de ser

de cada indivíduo no mundo é diferente, condicionando as suas atitudes anímicas perante a

vida, este ser individual não pode, porventura, deixar de exercer uma poderosa e decisiva

influência no seu modo de adoecer, de estar doente e de morrer.

Para finalizar, seria importante sublinhar alguns factores que têm sido associados a

factores de risco externos, que está relacionada com uma característica sazonal, em que

incidência do suicídio tem sido, quase invariavelmente ao longo dos tempos, mais elevada no

início da Primavera e no Verão. Houve vários autores que tentaram interpretar estas flutuações

sazonais. Citando apenas um estudo, Durkheim (1897, ed. Port. 2007) já tinha tentado explicar

este fenómeno, referindo que nesta altura do ano, o aumento do dia, faz com que aumente

também a vida social e, por isso, mais tensões. Em Portugal, existe também uma

particularidade associada à questão geográfica, distinguindo o Sul e características rurais, com

uma taxa mais elevada de suicídio. Contudo, as estatísticas revelam um aumento considerável

deste fenómeno em zonas urbanas, à semelhança do resto da Europa (Henriques, 2006).

4. Estratégias de coping

A ideação suicida é geralmente considerada uma estratégia de coping desadaptativa ou

uma tentativa de reduzir, evitar ou, por outro lado, camuflar a regulação das emoções (Klonsky,

2007). Estudos prévios com enfoque em populações clínicas com ideação suicida encontraram

evidências de que a ideação suicida está associada a sintomas psiquiátricos como ansiedade e

depressão (Muehlenkamp, 2005). Estudos mais recentes, Yates et al. (2008) com populações

não clínicas originaram resultados semelhantes, confirmando a existência de uma relação entre

ideação suicida e vários sintomas psiquiátricos, verificando-se num outro estudo de Gollust et

al., (2008) associações significativas entre ideação suicida, ansiedade e depressão.

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Costa Moreira (2008) num estudo que desenvolveu em contexto prisional, encontrou

associado ao comportamento parasuicida défices nas estratégias de coping e competências

psico-sociais, o que sugere uma fragilidade ao nível dos factores protectores individuais.

Consistente com estes estudos, Sarno et al. (2010), mostrou uma forte associação entre

ideação suicida recorrente, psicopatologia e problemas psicológicos em geral. Estas

associações indicavam, também, evidências de uma relação entre ideação suicida e

mecanismos de defesa desadaptativos (incluindo projecção, dissociação, repressão, fantasia,

conversão, afastamento, passagem ao acto, anulação), sugerindo a presença de desequilíbrios

em indivíduos com ideação suicida recorrente. Num outro estudo desenvolvido por Brown et al.

(2007) com indivíduos que tinham história de ideação suicida, os resultados foram

semelhantes, em que os aqueles indivíduos adoptavam estratégias de coping desadaptativas,

particularmente estratégias de evitamento.

Existem vários estudos que indicam que os reclusos apresentam estratégias de coping

menos eficazes. A investigação de Liebling & Krarup, (1993, cit. in Liebling, 2011) mostrou que

os reclusos com comportamentos de automutilação têm menos suporte, quer seja da família,

quer seja da reinserção social, concluindo também que estes indivíduos passam mais tempo

na cela e estabelecem uma “trajectória” menos construtiva de satisfação do seu tempo.

Motivado por este estudo e com o objectivo de encontrar diferenças das estratégias de coping

adoptadas, por indivíduos com e sem automutilações, Dear (1998), conduziu um estudo com

82 reclusos que se automutilaram na prisão, nos últimos 3 dias, os quais apresentaram menos

estratégias de coping e menos respostas efectivas do que os do grupo de controlo. Os

indivíduos com comportamentos parasuicidários diferiram ainda do grupo de controlo, na

identificação de situações que precederam a semana anterior, bem como nos eventos muito

stressantes, tendo se distanciado igualmente na redefinição da situação, aceitação e acção

directa das estratégias de coping, usadas como resposta aos estímulos stressores. Estratégias

de coping eficazes, são uma mais-valia para uma boa adaptação do recluso ao meio prisional.

Desta forma, afigura-se importante equacionar a questão da adaptação à prisão, como uma

importante variável, que interfere, no processo e escalada de comportamentos autodestrutivos.

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5. Adaptação à Prisão

Numa óptica de compreensão aprofunda-se o percurso de cada recluso no processo de

adaptação à prisão. Os contributos que têm vindo das ciências sociais, especialmente da

psicologia e da sociologia, têm ajudado a compreender este conceito, com modelos

explicativos de adaptação do homem ao mundo que o rodeia. Estes modelos concebem o ser

humano e o seu comportamento intimamente inter-relacionados, considerando que a forma

como cada indivíduo e a sua personalidade se ajustam às circunstâncias do meio, reflectem a

capacidade individual de adaptação. Para Gonçalves (2008) que tem um vasto trabalho

desenvolvido sobre esta matéria, a adaptação é um processo que se inicia precocemente,

tendo a escola como um dos primeiros palcos de representações, a seguir à que é iniciada no

seio da família. A entrada na escola e suas implicações como o afastamento da família e a

integração num novo grupo, assumem deste modo, um papel preponderante no processo de

adaptação, colocando à criança desafios e barreiras que têm de ser superados. Tais

obstáculos como o contacto com desconhecidos, a constante permanência em grupo, caso não

sejam ultrapassados poderão ter repercussões na vida futura, considerando este autor (op. cit.,

2008, p. 159) que “uma inadaptação escolar pode transformar-se numa inadaptação social”. Na

mesma linha de pensamento, Farrington (1998) considera que o insucesso escolar e a

indisciplina surgem como factores relacionados às carreiras delinquentes, uma vez que os

delinquentes foram crianças ou jovens tendencialmente mal-sucedidos na escola.

A psicologia social e ambiental tem proporcionado alguns contributos para a

compreensão do processo de adaptação nos vários contextos. Estas vertentes da psicologia,

de uma forma geral, consideram que a adaptação é o fruto da interacção entre o indivíduo e os

outros e, entre o indivíduo e o meio, respectivamente, com tudo o que essa interacção implica.

Gonçalves (2008) refere que a adaptação é ser capaz de sentir, perceber e agir,

ponderando as consequências das atitudes e dos comportamentos que se adoptam, ao

contrário do indivíduo com comportamento desviante, que permanece centrado sobre si próprio

e cujos comportamentos tendem a perpetuar esse modo de ser e de estar. A dificuldade na

percepção da primeira premissa e a dificuldade de distinção entre estes dois registos, pode ser

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determinante no desenvolvimento do processo de adaptação à prisão, uma vez que o indivíduo

está sob condições adversas ao ser humano como é a privação da liberdade.

Desta forma, a prisão pode constituir-se, como refere Gonçalves (2008), conjugando

ideias de vários autores, o primeiro passo para desencadear um processo de regressão.

Contudo, este autor (op. cit., 2008) reconhece que o facto de ser ou não reincidente,

desempenha neste processo, um papel importante, bem como a capacidade adaptativa de

cada indivíduo. Acerca deste facto, Gonçalves (2008) refere que “o novo recluso sucumbe por

completo ao peso institucional e “cola-se” ou funde-se com os desígnios da instituição, para

depois caminhar numa progressiva autonomização, em que já reconhece os bons e os maus

objectos, reage cognitiva e afectivamente a eles e procura situar-se dentro do sistema como

um actor diferenciado dos outros actores (presos, guardas, etc.), conseguindo, dessa forma

preservar algo do seu Eu e do seu sentido de identidade, que embora fragmentado pela sua

quase inexistência de controlo sobre o meio e sobre as suas acções, promova, ainda assim,

uma adaptação satisfatória e dê significado ao seu viver actual.” (op. cit., p. 157)

Ao nível internacional têm sido desenvolvidos alguns estudos sobre a adaptação à

prisão, contudo importa incidir sobre os trabalhos de investigação realizados em Portugal sobre

esta temática. Assim, Gonçalves (2008) na tentativa de definir boa e má adaptação realizou um

estudo, incluindo guardas e reclusos, tendo identificado, sobretudo, 4 tipos de adaptação

prisão: bem adaptado, mal-adaptado, sobreadaptado e inadaptado. Os bem adaptados, com

idade superior a 30 anos, eram identificados como delinquentes primários, ocasionais, cujo

crime é geralmente o homicídio, as ofensas corporais graves ou a violação, sem grande

envolvimento em problemas disciplinares. Os reclusos considerados como mal-adaptados, têm

em média 29 anos, têm como principal característica o mau comportamento prisional,

independentemente do crime que cometeram e da pena que cumprem e são habitualmente

reincidentes. Já os sobreadaptados, são mais velhos que os anteriores, tendo em média idades

acima dos 35 anos e foram encontrados nos reclusos com maior cadastro criminal, tendo

crimes contra o património, mas, no entanto, sem grandes problemas disciplinares. Finalmente,

o grupo que designou por inadaptados, sendo os que têm a média de idades mais jovens, 24

anos, cuja principal característica é a sua incapacidade generalizada para se ajustarem às

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normas do estabelecimento e ao cumprimento da pena. São estes que mais facilmente

desenvolvem patologias da adaptação, acabando por, na maior parte dos casos centralizar em

si os desígnios punitivos da instituição, automutilando-se, ingerindo objectos, etc, sendo os

protagonistas dos efeitos do stresse prisional. Não estão associados a nenhum crime

específico, mas é neste grupo que se encontra a maior ligação ao consumo de drogas. Os

reclusos primários são a sua maioria, mas também se encontram reincidentes, que dentro da

prisão, tanto podem ser ou não alvo de punições disciplinares. O traço único que se pode

identificar é o da inadaptação global ao ambiente da prisão, ao seu espaço, ao tempo que a

rege, aos ruídos e cheiros que a individualizam e personificam. Esta inadaptação, revela-se

sobretudo ao nível das queixas relacionais, doenças psiquícas e/ou psicossomáticas, da

procura de isolamento e alheamento de tudo o que o rodeia, em ataques de cólera, culminando

no recurso a formas distorcidas de comunicar como é a automutilação, a greve de fome e, no

limite, o suicídio.

Resumidamente, Gonçalves (2008), defende que o processo de adaptação à prisão não

é estático, mas antes dinâmico, onde naturalmente variáveis evolutivas como a idade assumem

um papel preponderante. Adicionalmente, o estado civil, a condenação, o tipo de crime, a

condição primária vs reincidente e o comportamento disciplinar, são variáveis explicativas, que

a seguir à idade, parecem contribuir para esta diferenciação.

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Capítulo II. Sistema Prisional

1. Breve resenha histórica do sistema penal

Sendo a população prisional alvo e objecto da presente investigação, afigura-se

importante fazer uma breve caracterização do Sistema Prisional e subsequentemente do

Tratamento Prisional, bem como um breve resumo sobre a forma como o encarceramento tem

evoluído ao longo dos tempos.

As primeiras grandes teorias do comportamento desviante representam agora um legado

histórico – teorias demonológicas que permaneceram até ao início do século XIX. Estas teorias

veiculavam a ideia de que o indivíduo seria vítima do demónio, que o impelia à prática do

crime. Desde essa altura, emergem várias escolas de revelando a responsabilidade do

indivíduo, a influência do meio, ou mesmo a interacção com o meio social. Esta evolução

culminaria, colocando a tónica numa abordagem sistémica – multi-factorial, com um olhar de

vários ângulos sobre o sujeito que comete um crime. No entanto, foram necessários vários

séculos, um caminho de lenta emergência, para que a prisão se transformasse na pena por

excelência (Vieira, 2005).

A prisão foi considerada durante muito tempo, como um espaço de exclusão, que tinha

como pressupostos da sua existência o castigo, o isolamento e a submissão (Vieira, 2005).

Esta instituição totalitária, como a designou Goffman (1987, cit. in Benelli, 2002), era

caracterizada pelo confinamento através de barreiras, levantadas para segregar o indivíduo da

sociedade, por um período considerável de tempo. Não há exclusão entre a loucura e o crime,

mas sim uma implicação que os une (Foucault, 1995). As primeiras casas de trabalho e

correcção remontam aos finais do século XVI, destinadas a franjas empobrecidas da população

que se pretendia regenerar através do trabalho regular. Iniciava-se assim o princípio da

detenção e da regeneração, sendo mais tarde transferida para o contexto prisional (Vieira,

2005). As ideias da «escola penal correccionalista» ou «escola clássica» do direito penal,

saídas do Iluminismo, vão influenciar demoradamente o pensamento em Portugal relativo ao

crime e à sua penalização. Cesare Beccaria (1764, cit. in Vaz, 2000), autor paradigmático

desta corrente, é geralmente referido como tendo revolucionado a forma de percepcionar o

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crime e o modo como este devia ser penalizado. Uma nova legislação define o poder de punir

como uma função geral da sociedade que é exercida da mesma maneira sobre todos os seus

membros e na qual cada um deles é igualmente representado (Foucault, 1996).

Demonstrando uma clara partilha das ideias veiculadas na linha do racionalismo

humanista saído do Iluminismo, Silva Ferrão (1856, cit. in Vaz, 2000) defende que, em caso

algum, o indivíduo deve perder a sua natureza de homem e de cidadão, afirmando acreditar na

possibilidade de recuperação, de «regeneração» do indivíduo delinquente. Seriam as penas,

devidamente pensadas e aplicadas, que possuiriam a capacidade «terapêutica» de inverter o

percurso que é dado como característico do indivíduo delinquente.

Com efeito, o encarceramento penal, desde o início do século XIX, representava, ao

mesmo tempo, a privação da liberdade e a transformação correctiva do indivíduo, defendida,

particularmente pelos utilitaristas como Bentham (1789, cit. in Foucault, 1995, 1996),

promovendo a regeneração individual e social, como se de um laboratório se tratasse.

Esta concepção permite intensificar, em Portugal, as medidas com vista à construção de

penitenciárias, de acordo com o isolamento celular do detido, permitindo ao indivíduo um maior

exercício de auto-reflexão. Assim, são enviados vários observadores a França e a Inglaterra

para visitarem estabelecimentos prisionais, com a finalidade de adoptar em Portugal o regime

prisional capaz de possibilitar a regeneração do delinquente. Mais do que punir, a pena deve

possibilitar a reabilitação do delinquente, através da realização de um processo transversal

desde a educação, auto-reflexão e trabalho (Vaz, 2000). A penitenciária de Lisboa recebe os

primeiros condenados em 1885, com espaços de isolamento, com regras de funcionamento

próprias, destinados a confinar indivíduos prevaricadores da ordem social instituída num

regime de reclusão e isolado da sociedade de forma a reabilitar o indivíduo delinquente e

proteger a sociedade, enquanto este não é reabilitado. Posteriormente, o tempo de reclusão

passou a ser ocupado por actividades de trabalho em conjunto com outros detidos, mas

devendo estes permanecer sempre em silêncio (Marques, 2010).

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2. Tratamento prisional

2.1. A prisão como oportunidade de mudança

Entre os anos de 1900 a 1930 assistiu-se a um maior recurso ao trabalho físico para

modificar comportamentos e atitudes dos detidos e a educação começou a surgir ocupando um

lugar importante na reabilitação dos reclusos. Nos anos 60 e 70 do século XX, o sistema

prisional e a reclusão começam a ser encarados sob uma perspectiva científica, com a

introdução de novos métodos, inspirados nas ciências de comportamento, conduzindo a

mudanças significativas no que se passou a designar de “Tratamento Penitenciário”: «a acção

levada a cabo junto do delinquente no sentido de tentar moldar a sua personalidade, tendo

como objectivo afastá-lo da reincidência e favorecer o seu enquadramento social», como refere

Pinatel (1975, cit. in Vieira, 2005). Mais tarde, surgem as intervenções específicas individuais e

em grupo com o objectivo principal de provocar uma mudança de atitudes e comportamentos

nos reclusos (Gonçalves, 1998; Vieira, 2005; Gonçalves, 2008).

Actualmente, segundo Manuela Cunha (2008, cit in. Marques, 2010), o sistema prisional

está cada vez mais aberto, ou seja, tenta cada vez mais reduzir o isolamento a que a

população reclusa está sujeita em relação à sociedade. As dificuldades com que o sistema

prisional se deparou relacionadas com fenómenos como o consumo abusivo de álcool e drogas

(Agra, 1993), o impacto dos problemas da saúde como automutilações e as taxas de suicídio

(Gonçalves & Vieira, 1989), factos que conduziram a alterações significativas dentro do sistema

prisional, como a entrada de técnicos e a criação de unidades específicas de tratamento das

drogas, designadas por Unidades Livres de Droga. O recurso a equipas multidisciplinares,

associado a uma prestação de serviços de saúde, físico e psicológico, a ocupação laboral em

diversas áreas, a educação e a formação profissional, entre outras, foi aproximando a vida na

prisão à vida no mundo exterior (Vieira, 2005).

Estas necessidades de recursos para o desenvolvimento destas actividades só podem

ser satisfeitas fora dos muros da prisão e isso incrementou o fluxo entre o meio prisional e a

realidade exterior, o que tem vindo a permitir uma maior ressocialização do recluso. Isto não

deixa, naturalmente, de constituir uma oportunidade para que se procurem novas abordagens

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nas formas de tratamento penitenciário. A implementação de estratégias interventivas dirigidas

às problemáticas que os reclusos enfrentam na prisão, deve ser vista, do ponto de vista

terapêutico ou clínico, no sentido de modificar esquemas de funcionamento favoráveis a um

estilo de vida criminal, é actualmente reconhecida pela generalidade da população e pela

totalidade do corpo técnico das prisões (Vieira, 2005).

2.2. Programas de Intervenção

Nos últimos anos, a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais (DGSP, 2011a)) tem

realizado um grande esforço no sentido de aplicar programas de reabilitação/psicoeducativos.

Os programas são sempre aplicados por profissionais internos dos Serviços Prisionais,

designados normalmente por Técnicos Superiores de Reeducação ou, em casos excepcionais,

por entidades com quem as quais a DGSP (2011) tenha esse acordo. Estes programas de

intervenção estão dirigidos para determinadas problemáticas ou para grupos de reclusos

específicos, visando a alteração e potenciação de competências pessoais e sociais que

parecem estar em défice.

Estes programas vieram preencher uma lacuna que existia no sistema há muitos anos,

tendo também por base apoiar os técnicos na escolha das acções/programas a definir no

âmbito do Plano Individual de Readaptação (PIR), após a avaliação das necessidades de

intervenção e em função da hierarquização das áreas carenciadas. O PIR tem por base a

orientação do técnico e do recluso para toda a intervenção que é necessária levar a cabo com

cada recluso, tendo em conta as suas necessidades básicas para não voltar a reincidir

criminalmente, sendo realizado por ambos. Os programas não têm um carácter lúdico-

ocupacional, sendo a sua aplicação dependente de uma avaliação de necessidades

criminógenas/risco de cada recluso. Cada programa em execução no sistema prisional tem um

modelo de avaliação próprio.

Estes programas revestem-se actualmente de grande importância no sistema prisional

pelo que importa referir, cada um deles, ainda que resumidamente. O Programa de Intervenção

Técnica dirigida a Agressores Sexuais, de cariz cognitivo-comportamental, está vocacionado

para reclusos condenados por crimes sexuais, sendo composto por 30 sessões. O Programa

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de Promoção de Competências Pessoais e Emocionais, Gerar Percursos Sociais (GPS) é

composto por cinco módulos distintos, com 41 sessões no total. O Programa de Prevenção da

Reincidência e da Recaída – Construir um plano de prevenção e contingência. Este programa

visa, essencialmente uma alteração cognitivo-comportamental, permitindo ao recluso antecipar

o que pode correr mal na sua vida futura, construindo planos de prevenção para essas

adversidades. O Programa Estrada Segura dirigido a autores de crimes relacionados com

condução sem habilitação legal ou sob o efeito de álcool, tem como objectivo que o recluso

adopte um comportamento juridicamente integrado e responsável. Finalmente, o Programa

Integrado de Prevenção do Suicídio (PIPS). Este programa versa sobre a problemática

específica do risco e vulnerabilidade ao cometimento de suicídio em meio prisional. É

constituído por duas listagens de sinais de alerta, uma preenchida pelos serviços de vigilância

e a outra preenchida pelos serviços técnicos. Este formulário deve ser preenchido o mais

precocemente possível após a entrada do recluso em qualquer prisão, devido aos

conhecimentos da literatura e em estudos realizados no meio prisional (ex. Semedo Moreira,

1998; Costa Moreira, 2008) que apontam que as tentativas de suicídio podem ser efectivada

nas primeiras horas de detenção. Cada recluso à entrada (preventivo, condenado ou

transferido), deverá ser avaliado nesse momento e tantas vezes quantas as mudanças de

circunstâncias pessoais ou ambientais ocorrerem no seu percurso. Esta despistagem, indica o

tipo de encaminhamento a prosseguir, dependendo da avaliação inicial, contemplando o

encaminhamento para avaliação psicológica até ao internamento caso se justifique.

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Capítulo III

1. Objectivos e Hipóteses

1.1. Objectivos A presente de investigação surge na sequência da crescente problemática do suicídio no

sistema prisional. A nível internacional, o suicídio nas prisões é uma questão que suscita a

curiosidade de muitos investigadores, porque, para além de ocorrer com muito maior

frequência do que na população em geral, continua a ser uma das maiores causas de morte

violenta nas prisões. Sabendo que o encarceramento, constitui por si só, um factor de risco,

sobretudo para as populações jovens adultas, e que a incidência do suicídio nas instituições

prisionais atinge, em muitos casos, níveis bastante significativos, afigura-se da maior

importância investigar este fenómeno para compreender os comportamentos parasuicidários,

mais concretamente as tentativas de suicídio. Monteiro (2011) revelando dados recentes,

referiu-se ao ano de 2010, como tendo sido o terceiro pior dos últimos dez anos, tendo ocorrido

dezanove suicídios nas prisões portuguesas. Perante esta realidade, e tendo conhecimento

prévio de que a(s) tentativa(s) de suicídio constituem um forte preditor do suicídio consumado

(Daniel, 2006, Sokero et al., 2003; Oquendo et al., 2007, Kutcher & Chehil, 2007), este estudo

pretende investigar esta problemática no sentido de compreender os motivos que levaram

alguns reclusos a adoptar comportamentos autodestrutivos numa determinada fase das suas

vidas.

O principal objectivo desta investigação é estudar as tentativas de suicídio em meio

prisional. Pretende-se também identificar factores pessoais, designadamente características de

personalidade e eventual psicopatologia dos reclusos que tivessem cometido tentativa(s) de

suicídio durante o período de reclusão.

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Definimos como objectivos específicos os seguintes:

- Caracterizar a população prisional que cometeu uma ou mais tentativas de suicídio,

designadamente variáveis sociodemográficas, características pessoais; hábitos de consumo;

acontecimentos de vida relevantes e tentativa(s) de suicídio;

- Comparar as características pessoais e sócio-demográficas de um grupo que cometeu

uma ou mais tentativas de suicídio em meio prisional com dois grupos de controlo que nunca

cometeu tentativas de suicídio. Um destes grupo de controlo está em reclusão e o outro grupo

vive na comunidade, sem quaisquer antecedentes criminais;

- Analisar o tipo de personalidade dos indivíduos que cometeram tentativa(s) de suicídio,

comparando-a aos sujeitos dos dois grupos de controlo;

- Estudar eventuais níveis de psicopatologia nos indivíduos que cometeram tentativas de

suicídio, por comparação com os dos grupos de controlo;

- Identificar os factores de risco que levaram os reclusos a ter estes comportamentos

parasuicidários dentro da prisão.

1.2. Hipóteses

Este estudo pretende testar as seguintes hipóteses:

Hipótese 1 - Os indivíduos que cometeram tentativa(s) de suicídio em meio prisional

apresentam mais factores de risco associados ao suicídio;

Hipótese 2 - Os indivíduos que cometeram tentativa(s) de suicídio apresentam mais

sintomatologia psicopatológica, nomeadamente ao nível da depressão e ideação paranóide;

Hipótese 3 - Os indivíduos que cometeram tentativa(s) de suicídio apresentam uma

maior vulnerabilidade, impulsividade e hostilidade.

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2. Sujeitos e métodos

2.1 - População estudada

Os estabelecimentos prisionais foram seleccionados com vista a reunir uma amostra

representativa da Região Centro e da Região de Lisboa de acordo com o NUTS III (Unidades

Territoriais de Estatística de Portugal) (Anexo II). A decisão de recolher a amostra nestas

regiões do país, não abrangendo a Região do Algarve, Alentejo e Norte, foi ditada por razões

de tempo e falta de meios logísticos para alargar o projecto a todo o território, como seria o

desejo da autora. A recolha da informação durante um dia raramente ultrapassava as 3/4

entrevistas, devido quer ao tempo dispendido com cada indivíduo que era 1,5 a 2 horas,

aproximadamente, quer às rotinas diárias dos próprios reclusos. Para além disso, a deslocação

para estas zonas do país exigia um esforço pouco compatível com o exercício e continuidade

da actividade profissional, existindo também um limite temporal para o presente estudo, que

não se compadecia com o propósito inicial. Ainda assim, a recolha da informação para o

presente estudo não foi realizada com a celeridade desejada, pelas razões já referidas.

Posto, isto, iniciaram-se os contactos com os estabelecimentos prisionais, no sentido de

explicitar o teor da investigação e solicitar o levantamento da amostra pretendida por quem

detinha um maior conhecimento dos reclusos acerca desta problemática. Na sequência desse

contacto, identificaram-se os reclusos que cometeram pelo menos uma tentativa de suicídio em

meio prisional, durante o cumprimento da pena actual, independentemente de terem,

efectivamente, atentado contra a própria vida em determinado momento prévio à sua detenção.

A selecção foi realizada assim pela equipa de saúde em cada estabelecimento, bem como

Técnicos de Reeducação e Guardas, identificando a população que cometera tentativa de

suicídio em período de reclusão. A amostra foi recolhida em 9 Estabelecimentos Prisionais

(EP) da área geográfica acima referida, após autorização concedida para esta investigação

pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais. Procedeu-se, portanto, à recolha da amostra nos

seguintes EP: Alcoentre, Carregueira, Coimbra, Montijo, Linhó, Lisboa, Vale Judeus, Sintra e

Hospital Prisional S. João de Deus, em Caxias. Foram ainda contactados os Estabelecimentos

Prisionais Regionais de Setúbal, Caldas da Rainha e Leiria, onde não foi realizada nenhuma

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entrevista por não existirem reclusos nos vários períodos de contacto com os pré-requisitos

exigidos na investigação. O Estabelecimento Prisional Especial de Leiria, onde a investigadora

exerce a sua actividade profissional, foi excluído da recolha da amostra para que pudesse

existir o distanciamento necessário a um estudo desta natureza. É de salientar que esta

exclusão deveu-se única e exclusivamente à necessidade de preservar a homogeneidade dos

procedimentos, tais como desconhecimento prévio do local, com o objectivo de ter um “olhar”

isento e imparcial do meio onde a amostra foi recolhida.

O grupo experimental (GEP) tinha os seguintes critérios de inclusão:

• Reclusos do sexo masculino

• Reclusos que cometeram pelo menos uma tentativa de suicídio em meio

prisional, registada no respectivo processo clínico.

• Tentativa de suicídio efectiva cometida durante o actual período de reclusão.

O grupo de controlo na prisão (GCP) tinha os seguintes critérios de inclusão:

• Reclusos do sexo masculino

• Ausência de registo anterior de tentativas de suicídio dentro ou fora da prisão

O grupo de controlo no exterior (GCE), entrevistado na região Centro, nomeadamente

na zona de Leiria, tinha os seguintes critérios de inclusão:

• Indivíduos do sexo masculino

• A viver na comunidade

• Ausência de antecedentes criminais e de registo de tentativas de suicídio ao

longo da história de vida

Critério de exclusão para todos os grupos:

• Não estar sob o efeito de substâncias psicoactivas e/ou sobredosagem de

medicação;

• Foram excluídos os sujeitos que, preenchendo os critérios de inclusão, atrás

referidos, manifestaram alterações de comportamento que, poderiam comprometer a

capacidade de entender e colaborar na entrevista e nos procedimentos de avaliação.

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A amostra é constituída por 157 indivíduos, divididos por 3 grupos, mais especificamente

um grupo experimental e dois grupos de controlo. As entrevistas foram realizadas

individualmente com todos os participantes. Dois grupos da amostra, nomeadamente, o GEP e

GCP são constituídos por reclusos que estão detidos em estabelecimentos prisionais (centrais,

regionais e especiais) da região de Lisboa e de parte da região Centro (Tabela 1). O GCE

constitui o segundo grupo de controlo, tendo sido recolhido aleatoriamente na região Centro,

designadamente no distrito de Leiria. Os sujeitos deste grupo de controlo, não possuíam

antecedentes criminais, nem tentativas de suicídio anteriores, tendo sido estudado com vista a

identificar possíveis diferenças e semelhanças que possam existir entre um grupo que vive na

comunidade, em meio extra-prisional e dois grupos em meio prisional. É de salientar que, neste

grupo GCE houve a preocupação de encontrar indivíduos dentro do mesmo intervalo de idades

e com o mesmo nível de escolaridade.

Operacionalização dos três grupos:

1 – Grupo Experimental na Prisão (GEP) – 52 reclusos do sexo masculino, que

cometeram pelo menos uma tentativa de suicídio em meio prisional;

2 – Grupo de Controlo na Prisão (GCP) – 52 reclusos do sexo masculino, sem registo

de tentativas de suicídio, fora e dentro da prisão;

3 – Grupo de Controlo no Exterior (GCE) – 53 indivíduos do sexo masculino, vivem na

comunidade e não têm antecedentes criminais, nem tentativas de suicídio na sua vida.

Todos os reclusos foram devidamente esclarecidos sobre o propósito da investigação e

os que aceitaram voluntariamente participar no estudo, assinaram um documento de

consentimento informado (Anexo I) a autorizarem o uso e análise da informação recolhida,

tendo-lhes sido garantida a confidencialidade e anonimato da mesma.

As entrevistas foram realizadas nos estabelecimentos prisionais já referidos, em

gabinete de atendimento usado apenas para o efeito, garantindo a privacidade exigida nestas

situações. Todos os reclusos foram entrevistados individualmente pela autora, que possui

experiência no uso dos instrumentos de avaliação psicológica utilizados, uma vez que os usa

na sua prática clínica há cerca de onze anos.

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Ao longo das entrevistas, caso fosse identificada alguma situação de vulnerabilidade de

algum recluso, no decorrer da entrevista ou percepcionado algum sinal de alerta sobre eventual

ideação suicida, eram imediatamente informados os serviços de Psicologia ou a equipa de

saúde de tal situação.

Importa realçar que ao longo da consulta e pesquisa dos processos clínicos, dos dois

grupos recolhidos nas prisões, foram detectadas algumas diferenças. Constatou-se, na maioria

das vezes, que os processos dos reclusos do GEP eram substancialmente mais volumosos

que os processos dos reclusos do GCP. Essa diferença, resultava de vários factores, em

primeiro lugar, o número de consultas hospitalares do GEP, designadamente da especialidade

de Psiquiatria era claramente mais numeroso do que as consultas frequentadas pelos sujeitos

do GCP. Em segundo lugar, a maioria dos processos dos elementos do GEP continham

despachos da direcção por razões disciplinares, nos quais se solicitava à equipa da saúde,

pareceres clínicos sobre determinados comportamentos manifestados pelos reclusos, sendo

por vezes em maior número do que nos processos do grupo de controlo. Por último,

avolumavam estes processos, mas mais raramente, os pedidos dos reclusos, apelando a

determinados serviços ou atendimentos.

A recolha da amostra teve início em Abril de 2009 e terminou em Março de 2011, com a

realização de cento e oitenta e duas entrevistas, dos quais 11 reclusos foram excluídos e 14

recusaram participar no estudo, tendo sido excluídos do tratamento e análise da informação:

• 10 reclusos com tentativas de suicídio e 4 sem tentativas de suicídio recusaram

participar no estudo;

• 6 foram seleccionados para o grupo de controlo prisional, mas já tinham cometido

tentativa(s) de suicídio antes da detenção e também não foram incluídos no GEP;

• 2 não efectivaram a tentativa de suicídio, embora tivessem tido actos preparatórios;

• 2 não estavam em condições de responder ao inquérito, um por ter tentado o suicídio

no dia anterior à entrevista e o outro por estar, aparentemente, sob o efeito de sobredosagem

de medicação;

• 1 declarou não se ter tratado de uma tentativa de suicídio, mas de uma mera

simulação.

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Tabela 1. Distribuição dos participantes por tipo de estabelecimento prisional

Tipos de Estabelecimentos Prisionais

Grupo Experimental

GCP

N % N %

Est. Prisional Central 45 86,5 45 86,5

Est. Prisional Regional 3 5,8 7 13,5

Est. Prisional Especial (Hospital Prisional

S. João de Deus Caxias)

4 7,7 - -

Total 52 100,0 52 100,0

3. Técnicas e instrumentos utilizados na recolha de dados

3.1. Entrevista semi-estruturada

A entrevista constitui uma fonte de informação extremamente importante, bem como um

meio de obter esclarecimentos privilegiados relevantes através da inquirição dos indivíduos que

cometeram uma ou mais tentativas de suicídio. A recolha de dados sócio-demográficos,

história de comportamentos suicidários e história de vida, foi realizada através de uma

entrevista semi-estruturada (Anexo II), criada para este estudo, adoptando como referência

(sem a seguir detalhadamente) o modelo de entrevista criado para a investigação de Costa

Santos (1998). Esta entrevista era semi-aberta para não fechar totalmente o leque possível de

respostas, conduzindo a entrevista de modo a obter as informações pretendidas. Caso as

perguntas possibilitassem total abertura nas respostas, havia o risco de cada entrevistado

responder de acordo com o que ocorresse na altura, não respondendo exactamente àquilo que

interessava saber. As entrevistas foram complementadas com informações recolhidas do

processo clínico do recluso existente nos serviços clínicos dos estabelecimentos prisionais.

Estes processos contêm toda a informação clínica, uma vez que acompanham sempre o

recluso, quando este se desloca ao hospital para beneficiar de assistência médica ou quando é

transferido para outro estabelecimento.

Este modelo de entrevista está dividido por grupos de variáveis (Anexo III). O primeiro

grupo de perguntas (A) corresponde às variáveis de ordem sócio-demográfica,

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designadamente: dados identificativos, idade, sexo, estado civil, naturalidade, nacionalidade,

residência, profissão, escolaridade, formação profissional, afinidade populacional,

relacionamentos maritais, filhos, irmãos e posição na fratria. É importante a operacionalização

de alguns itens da entrevista, no sentido de clarificar de que forma foi recolhida a informação.

Na variável de relacionamentos maritais, os entrevistados referiam quantos relacionamentos

tinham tido, desde que tivessem vivido seis meses ou mais com essa pessoa

(independentemente de estarem ou não casados).

O segundo grupo de variáveis (B) caracteriza os hábitos de consumo de substâncias

tóxicas (álcool, tabaco e drogas de abuso). O terceiro grupo de variáveis (C) fornece

informação sobre o estado civil e profissão dos pais, bem como o tipo de relação familiar

considerada pelos entrevistados desde a infância até ao momento em que foram detidos, de

acordo com a seguinte escala: “Bom relacionamento” (vida bastante partilhada);

“Relacionamento razoável” (convívio regular, sem conflitos significativos); “Mau

relacionamento” (pelo menos um dos pais alheado das questões familiares e educação dos

filhos, conflitos frequentes, violência física). O quarto grupo de variáveis (D) indica em primeiro

e segundo lugar, respectivamente, os acontecimentos de vida relevantes, que mais afectaram,

negativamente, os indivíduos até ao dia da entrevista. O quinto grupo de variáveis (E)

corresponde à situação jurídico-penal (antecedentes criminais, crime(s), situação jurídica da

pena, tempo de pena cumprido). O sexto grupo de variáveis (F) caracteriza as tentativas de

suicídio anteriores à actual tentativa de suicídio, bem como os antecedentes familiares sobre

tentativas de suicídio e suicídio consumado. O sétimo grupo de variáveis (G) caracteriza a

tentativa de suicídio actual, aprofundando as suas circunstâncias, motivações, método,

instrumento utilizado, gravidade da tentativa, ocupação laboral na altura em que atentou contra

a vida e automutilações. A tentativa de suicídio actual foi mais aprofundada do que as

tentativas anteriores, por ser a mais recente e permitir uma informação mais detalhada.

Por fim, procura-se perceber quais são as expectativas futuras de cada indivíduo. Neste

item foi realizada uma pergunta aberta, formulada para que cada indivíduo respondesse como

é que desejava que fosse o seu futuro em termos ideais. As respostas foram depois

englobadas nas seguintes categorias: “não verbaliza projectos de vida”; “verbaliza projectos de

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vida, claros e exequíveis” e “verbaliza projectos de vida vagos, difusos e pouco consistentes”. A

primeira categoria engloba respostas como: “viver um dia de cada vez”; “não sei, não penso

muito nisso”; “primeiro quero sair da prisão e depois é que faço planos”; “reconciliar-me com

uma das mães dos meus filhos”, enquanto a segunda categoria verbaliza projectos de vida

engloba respostas como: “quero tirar a carta de condução e trabalhar com o meu antigo

patrão”; “quero ver crescer os meus filhos e trabalhar, sem recorrer mais ao mundo do crime”;

“em primeiro lugar quero deixar de consumir drogas e trabalhar, gostava muito de ter um carro”;

na terceira categoria, as “verbalizações de projectos vagos, difusos e pouco consistentes”

engloba respostas como: “quero ter mais 2 ou 3 filhos e ver crescer os meus netos”; “quero

abrir um negócio na noite, porque sempre gostei da noite e uma loja de tatuagens”; “espero ser

feliz com a família e ter mais momentos de felicidade do que de tristeza”; “espero montar um

negócio com o meu filho aqui ou noutro país qualquer” “gostava de tirar um curso de Direito,

para mostrar a alguns juízes que o que eles fazem não está correcto”, “ter uma vida estável”.

O último grupo de variáveis (H) correspondia à recolha de informação no processo

clínico e junto dos profissionais de saúde que acompanham o recluso.

3.2. Inventário de personalidade NEO PI-R

O Inventário de Personalidade NEO-R (Costa & McCrae, 1978, versão Portuguesa, Lima

& Simões, 1997) operacionaliza o modelo de personalidade em cinco factores/domínios gerais

e trinta facetas específicas (ver Anexos). Estes cinco factores estão definidos como

agrupamentos de traços inter-relacionados, são eles: Neuroticismo, Extroversão, Abertura à

Experiência, Amabilidade e Conscienciosidade, cada um deles avaliado em seis escalas e num

total de 240 itens, que por sua vez, compõem o NEO-PI-R. Através da descrição do

posicionamento do sujeito nesses cinco factores, obtemos um esquema compreensivo e

sintetizador do estilo emocional, interpessoal, experiencial, atitudinal e motivacional de cada

indivíduo.

Segundo Gonçalves (2008), o “modelo dos cinco factores” de Costa e McCrae, “parece

ser aquele que na actualidade reúne maior consenso na explicação, compreensão e avaliação

desse conceito tão vasto que é a personalidade”.

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Para Carver (2006), o modelo dos cinco factores, é um dos que se aproxima mais da

avaliação da personalidade, sustentando que a variabilidade da personalidade pode ser

percebida pela abordagem destas cinco dimensões.

Este questionário foi aferido para a população portuguesa, tendo obtido bons valores de

fidelidade e estabilidade. A análise da consistência interna efectuada através dos coeficientes

alfa de Cronbach, obtiveram na amostra portuguesa resultados entre: 0.86 e 0.79 para os

factores e 0.86 e 0.95 para as facetas (Lima & Simões, 2000).

Este questionário é composto por uma escala que inclui as seguintes opções de

resposta: “discordo fortemente”, “discordo”, “neutro”, “concordo” e “concordo fortemente”. As

pontuações dos factores permitem uma análise geral, que pode ser mais aprofundada através

das escalas das facetas, proporcionando uma interpretação mais fina e mais detalhada ao nível

da personalidade (Anexo IV).

Para operacionalizar melhor os factores, descrevem-se brevemente cada um deles. O

Neuroticismo avalia a adaptação vs. Instabilidade emocional. Identifica indivíduos com

propensão para a descompensação emocional, ideias irrealistas, desejos e necessidades

excessivas, bem como respostas de coping desadequadas. A extroversão avalia a quantidade

e intensidade das relações interpessoais, o nível de actividade, a necessidade de estimulação

e a capacidade de exprimir alegria. A Abertura à Experiência avalia a procura proactiva e

apreciação da experiência por si própria, bem como a tolerância e a exploração do não familiar.

A Amabilidade avalia a qualidade da orientação interpessoal num contínuo, que vai, desde a

compaixão ao antagonismo nos pensamentos, sentimentos e acções. A Conscienciosidade

avalia o grau de organização, persistência e motivação no comportamento orientado para um

objectivo. Contrasta pessoas que são de confiança e escrupulosas com aquelas que são

preguiçosas e descuidadas.

Cada domínio/factor é composto por seis facetas, designadamente o Neuroticismo

abrange as seguintes escalas: Ansiedade (N1), Hostilidade (N2), Depressão (N3), Auto-

consciência (N4), Impulsividade (N5) e Vulnerabilidade (N6). O domínio Extroversão tem como

facetas: Acolhimento caloroso (E1), Gregariedade (E2), Assertividade (E3), Actividade (E4),

Procura de excitação (E5) e Emoções positivas (E6). Abertura à experiência abrange as

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seguintes facetas: Fantasia (O1), Estética (O2), Sentimentos (O3), Acções (O4), Ideias (O5) e

Valores (O6). As facetas da Amabilidade são: Confiança (A1), Rectidão (A2), Altruísmo (O3),

Complacência (A4), Modéstia (A5) e Sensibilidade (A6). A Conscienciosidade abrange a:

Competência (C1), Ordem (C2), Obediência ao dever (C3), Esforço de realização (C4), Auto-

disciplina (C5) e Deliberação (C6).

3.3. Inventário de Sintomas Psicopatológicos (BSI) A sintomatologia psicopatológica foi avaliada através do Inventário de Sintomas

Psicopatológicos, versão portuguesa do Brief Symptom Inventory (BSI) (Derogatis, 1982, cit in.

Canavarro, 1999) traduzido e adaptado por Canavarro (1999) (Anexo V). É um inventário de

auto resposta com 53 itens, onde o indivíduo classifica o grau em que cada problema o afectou

durante a última semana, numa escala tipo Likert que varia entre «Nunca» a «Muitíssimas

vezes». O BSI avalia sintomas psicopatológicos em nove dimensões de sintomatologia:

somatização, obsessões-compulsões, sensibilidade interpessoal, depressão, ansiedade,

hostilidade, ansiedade fóbica, ideação paranóide e psicoticismo. Avalia também três índices

globais, que constituem avaliações sumárias de perturbação emocional, representando

aspectos diferentes de psicopatologia (Índice Geral de Sintomas (IGS), Total de Sintomas

Positivos (TSP) e o Índice de Sintomas Positivos (ISP). Os estudos psicométricos efectuados

na versão Portuguesa (Canavarro, 1999) revelaram que a escala apresenta níveis adequados

de consistência interna para as nove escalas, com valores de alfa que variam entre 0.72 e

0.85. Do ponto de vista clínico, a análise das pontuações obtidas nas nove dimensões fornece

informação sobre o tipo de sintomatologia que preponderantemente perturba mais o indivíduo.

4. Tratamento de dados A informação recolhida através dos instrumentos utilizados, nomeadamente, o guião da

entrevista para obtenção dados sócio-demográficos, história de vida, Inventário de Sintomas

Psicopatológicos (BSI) e o Questionário de Personalidade NEO PI-R, foram introduzidos numa

base de dados construída expressamente para este estudo e sujeitos a análise estatística com

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recurso ao Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 19®. As análises foram

efectuadas com recurso ao Manual de análise estatística no SPSS (Maroco, 2005). Numa

primeira fase foi realizada a estatística descritiva das variáveis utilizadas com a apresentação

das frequências, médias e percentagens. Utilizou-se também a regressão logística para

identificar as variáveis estatisticamente mais significativas. Numa fase posterior, foram

efectuadas análises de variância (ANOVA, tendo sido também utilizado o teste de Tukey USD

para análises post-hoc, Medidas Repetidas e Correlação de Pearson.

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Capítulo IV. Resultados

1. Caracterização sócio-demográfica

1.1. Idade

A população estudada é globalmente constituída por 157 participantes, do sexo

masculino, com idades compreendidas entre os 18 anos e os 73 anos (M=35,5; DP=11.98). Foi

efectuada uma análise de variância One-way ANOVA entre os grupos e a idade e concluiu-se

que não existem diferenças estatisticamente significativas em relação à variável idade (p< .28).

O GEP apresenta uma média de idades de 36 anos (±10,2), em que o participante mais

novo tinha 19 anos e o mais velho 73 anos. O GCP apresenta uma média de idades de 35

anos (±10,7), em que o participante mais novo tinha 20 anos e o mais velho 65 anos. O GCE

apresenta uma média de idades de 38 anos (±14,4) em que o participante mais novo tinha 18

anos e o mais velho 70 anos.

Tabela 2. Média e desvio padrão de idades dos indivíduos dos 3 grupos

Idade

GEP N= 52

GCP N=52

GCE N=53

M DP M DP M DP

35,5 10.2 34,5 10.7 38,1 14.4

1.2. Estado civil

O estado civil dos sujeitos do GEP e do GCP, é maioritariamente solteiro. No GEP 35

(67,3%) indivíduos são solteiros, 9 (17,3%) são divorciados ou separados, 7 (13,5%) são

casados ou viviam maritalmente (apenas 1 vivia maritalmente, os restantes são casados) e 1

viúvo. O GCP apresenta exactamente o mesmo estado civil que o GEP, sendo 35 (67,3%)

solteiros, 9 (17,3%) divorciados ou separados, 7 (13,5%) casados ou viviam maritalmente (5

viviam maritalmente, os restantes são casados) e 1 viúvo. No GCE, 32 (60,4%) são casados ou

vivem maritalmente (2 viviam maritalmente, os restantes são casados), 17 (32,1%) são

solteiros e 4 (7,7%) são divorciados ou separados (Tabela 3). Foi efectuada uma análise de

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variância One-way ANOVA, entre o estado civil e os 3 grupos da amostra e concluiu-se que

não existem diferenças estatisticamente significativas em relação à variável estado civil

[F(2,154)=1,379; p< .255].

Tabela 3. Estado civil dos participantes dos 3 grupos

1.3. Afinidade populacional

A afinidade populacional nos três grupos é caucasiana na sua grande maioria. No GEP

45 (86,5%) são caucasianos, 3 (5,8%) são negróides e 4 (7,7%) são ciganos; no grupo de GCP

41 (78,8%) são caucasianos, 9 (17,3%) são negróides e 2 (3,8%) são ciganos; no GCE 52

(98,1%) são caucasianos e 1 é negróide.

1.4. Naturalidade

Relativamente aos indivíduos do GEP, vinte e oito (53,8%) são naturais do Sul, dos

quais 23 são de Lisboa, 11 (21,2%) do Norte, 9 (17,3%) do Centro e 4 (7,7%) são naturais das

Ilhas. Os indivíduos do GCP nasceram maioritariamente no Sul: 24 (46,2%), dos quais 23 em

Lisboa, 11 (21,2%) no Centro, 7 (13,5%) no Norte, 1 nas Ilhas e 9 (17,3%) são naturais de

outros países europeus e africanos. Relativamente aos indivíduos do GCE: 46 (86,8%) são

naturais do Centro, 1 do Norte e 6 (11,3%) de outra naturalidade, nomeadamente de países

africanos e outros europeus.

1.5. Nacionalidade

O GEP tem apenas indivíduos de nacionalidade portuguesa. O GCP tem 47 portugueses

e 5 originários de Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). O grupo de

Estado Civil

GEP N=52

GCP N=52

GCE N=53

N % N % N %

Solteiro 35 67,3 35 67,3 17 32,1

Casado/união facto 7 13,5 7 13,5 32 60,4

Divorciado/separado 9 17,3 9 17,3 4 7,5

Viúvo 1 1,9 1 1,9 - -

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indivíduos do GCE tem 51 sujeitos de nacionalidade portuguesa, 1 de outro país europeu e 1

de um País Africano de Língua Oficial Portuguesa.

1.5. Residência

A área de residência dos indivíduos do GEP situa-se em vinte e cinco (48,1%) em

Lisboa, 10 (19,2%) no Centro, 8 (15,4%) no Norte, 4 (7,7%) nas Ilhas, 4 (7,7%) no

Alentejo/Algarve e 1 não tinha residência fixa. Os indivíduos do GCP, têm residência

maioritariamente em Lisboa: 30 (57,7%), 14 (26,9%) no Centro, 4 (7,7%) no Norte, 2 nas Ilhas,

Alentejo/Algarve e 1 indivíduo não tinha residência fixa. De entre os indivíduos do GCE 52

(98,1%) residem no Centro e 1 no Norte.

1.7. Sector Profissional

Organizou-se a variável profissão de acordo com o sector profissional, incluindo no

sector primário (agricultura, pesca, pecuária), no sector secundário (Indústria, Construção civil,

Produção) se no sector terciário (comércio e serviços).

No GEP, 41 (78,8%) reclusos trabalharam por conta de outrem, antes de serem detidos,

10 (19,2%) por conta própria e 1 era estudante no ensino superior. Destes, 24 (46,2%)

trabalharam no sector secundário, 23 (44,2%) no sector terciário, 4 (7,7%) no sector primário e

1 era estudante. No GCP, 34 (65,4%) trabalharam por conta de outrem, 14 (26,9%) por conta

própria e 4 (7,7%) nunca trabalharam: destes, 30 (57,7%) trabalharam no sector terciário, 18

(34,6%) no sector secundário e 4 nunca trabalharam; no GCE, 36 (67,9%) trabalhavam por

conta de outrem, 12 (22,6%) por conta própria e 5 (9,4%) noutra situação: destes, 34 (64,1%)

trabalhavam no sector terciário, 7 (13,2%) no sector secundário, 8 (15,1%) no sector primário e

5 (9,4%) eram estudantes. Foi efectuada uma análise de variância One-way ANOVA, entre o

sector profissional e os 3 grupos, mostrando não existirem diferenças estatisticamente

significativas entre os 3 grupos para o sector profissional [F(2,154)=1,590; p< .207].

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2. Antecedentes Pessoais

2.1. Aspectos desenvolvimentais e relacionais

2.1.1. Escolaridade

No GEP 8 (15,4%) indivíduos frequentaram o 1.º ciclo; 16 (30,8%) têm o 1.º ciclo

completo, 16 (30,8%) o 2.º ciclo, 7 (13,5%) o 3.º ciclo, 4 (7,7%) o 12.º ano e 1 tem um curso

superior. No GCP, 5 (9,6%) têm o 1.º ciclo, 14 (26,9%) o 2.º ciclo, 22 (42,3%) o 3.º ciclo, 10

(19,2%) o 12.º ano e 1 tem um curso superior. Dos indivíduos do GCE, 1 frequentou o 1.º ciclo,

9 (17,0%) têm 1.º ciclo completo, 6 (11,3%) o 2.º ciclo, 13 (24,5%) o 3.º ciclo, 21 (39,6%) o 12.º

ano e 3 têm um curso superior (Tabela 4). Foi efectuada uma análise de variância One-way

ANOVA, entre a escolaridade e os 3 grupos, revelando diferenças estatisticamente

significativas relativamente è escolaridade nos 3 grupos [F(2,154)=17,909; p< .0001].

Tabela 4. Escolaridade dos participantes

Escolaridade

GEP N= 52

GCP N= 52

GCE N= 53

N % N % N %

Iletrado/Freq. 1.º Ciclo 8 15,4 - - 1 1,9

1.º Ciclo 16 30,8 5 9,6 9 17,0

2.º Ciclo 16 30,8 14 26,9 6 11,3

3.º Ciclo 7 13,5 22 42,3 13 24,5

Secundário 4 7,7 10 19,2 21 39,6

Curso Superior 1 1,9 1 1,9 3 5,7

2.1.2. Relação familiar

A relação familiar correspondia ao ambiente que os indivíduos diziam ter habitualmente

no seio familiar. Foi usada uma escala de três níveis acerca da forma como cada indivíduo

avaliava a relação/ambiente familiar no período em que viveram com os pais (ou outros) até

saírem de casa ou serem detidos. No GEP, 23 (44,2%) referiram ter bom relacionamento (vida

bastante partilhada), 14 (26,9%) referiram relacionamento razoável (convívio regular e sem

conflitos significativos), outros 14 (26,9%) revelaram a existência de um mau relacionamento

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(um dos pais alheado da educação dos filhos, conflitos frequentes e violência física). No GCP,

29 (55,8%) tinham um bom relacionamento; 17 (32,7%) relacionamento razoável e 6 (11,5%)

mau relacionamento. No GCE, 41 (77,4%) tinham bom relacionamento; 10 (18,9%)

relacionamento razoável, 1 mau relacionamento e 1 não quis responder. Efectuou-se uma

análise estatística para comparar a relação familiar nos três grupos da investigação, usando a

análise de variância One-way ANOVA (Gráfico 1), incluindo como variável dependente a

relação familiar (bom relacionamento vs. razoável vs. mau relacionamento) e como variável

independente o grupo (GEP vs. GCP vs. GCE). Os resultados indicam que existem diferenças

estatisticamente significativas [F(2,154)=9,661; p<.0001]. Uma análise post-hoc (Tukey USD),

mostrou que as maiores diferenças se encontram entre os grupos GEP e GCE (p< .0001).

Gráfico 1. Análise de variância One-Way ANOVA para comparar a relação familiar

2.1.3. Dimensão da fratria

No GEP, 34 (65,4%) reclusos têm 3 ou mais irmãos, 11 (21,2%) têm 2 irmãos, 6 (11,5%)

têm 1 irmão e 1 é filho único. No GCP, 34 (65,4%) têm 3 ou mais irmãos, 10 (19,2%) têm 1

irmão, 6 (11,5%) têm 2 irmãos e 2 são filhos únicos. No GCE, 24 (45,3%) indivíduos têm 1

irmão, 19 (35,8%) têm 3 ou mais irmãos, 5 (9,4%) têm 2 irmãos e 5 são filhos únicos (Tabela

5). Com o objectivo de perceber se existem diferenças estatisticamente significativas para a

variável irmãos, foi efectuada uma análise de variância One-way ANOVA, entre os irmãos e os

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3 grupos, revelando existirem diferenças estatisticamente significativas entre os irmãos nos 3

grupos [F(2,154)=10,807; p< .0001].

Tabela 5. Número de irmãos dos participantes

Número de irmãos

GEP N=52

GCP N=52

GCE N=53

N % N % N %

Filho único 1 1,9 2 3,8 5 9,4

1 irmão 6 11,5 10 19,2 24 45,3

2 irmãos 11 21,2 6 11,5 5 9,4

3 ou mais irmãos 34 65,4 34 65,4 19 35,8

2.1.4. Posição na fratria

Relativamente à posição na fratria, no GEP, 21 (40,4%) reclusos estão numa posição

intermédia, 20 (38,5%) são mais velhos, 8 (15,4%) são mais novos, 2 são gémeos e 1 é filho

único. No GCP, 24 (46,2%) são intermédios na fratria, 19 (36,5%) são os mais novos, 7

(13,5%) são os mais velhos e 2 são filhos únicos. No GCE, 18 (34,0%) indivíduos são os mais

novos, 16 (30,2%) são os mais velhos, 12 (22,6%) estão numa posição intermédia na fratria, 6

(11,3%) são filhos únicos e 1 é gémeo (Tabela 6). Foi efectuada uma análise de variância One-

way ANOVA, entre os 3 grupos e a posição na fratria, revelando existirem diferenças

estatisticamente significativas entre os 3 grupos e a posição na fratria [F(2,154)=3,511; p<

.032].

Tabela 6. Posição na fratria

Posição na fratria GEP GCP GCE

N % N % N %

Filho único 1 1,9 2 3,8 6 11,3

Gémeo 2 3,8 - - 1 1,9

Mais novo 8 15,4 19 36,5 18 34,0

Intermédio 21 40,4 24 46,2 12 22,6

Mais velho 20 38,5 7 13,5 16 30,2

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2.1.5. Relacionamentos maritais

Entende-se aqui por relacionamento marital, o relacionamento afectivo com coabitação

durante 6 ou mais meses, observa-se que a maioria dos entrevistados nos três grupos teve um

destes relacionamentos ao longo da vida. No GEP, 29 (55,8%) tiveram 1 relacionamento, 12

(23,1%) tiveram 2 relacionamentos, 9 (17,3%) tiveram 3 ou mais e 2 não tiveram nenhum

relacionamento. No GCP, 24 (46,2%) tiveram 1 relacionamento, 9 (17,3%) tiveram 2

relacionamentos maritais, 9 (17,3%) tiveram 3 ou mais e 10 (19,2%) não tiveram nenhum. No

GCE, 35 (66,0%) tiveram 1 relacionamento, 1 teve 2 relacionamentos e 17 (32,7%) não tiveram

nenhum relacionamento marital. Foi efectuada uma análise de variância One-way ANOVA,

entre a relação marital e os 3 grupos, revelando diferenças estatisticamente significativas em

relação à variável relação marital. Análises post-hoc com o teste Tukey USD, revelaram que as

maiores diferenças entre os sujeitos do GEP, teve mais relacionamentos que os dos dois

grupos de controlo (GCP e GCE) [F(2,154)=15,875; p<.0001]; análises revelam ainda

diferenças estatisticamente significativas entre o GCE e os dois grupos em meio prisional

(p<.0001), por ser o grupo com o menor número de relacionamentos maritais.

2.1.6 Número de filhos

O número de filhos não difere muito nos três grupos. No GEP, 20 (38,5%) reclusos não

têm filhos, 16 (30,8%) têm 1 filho, 6 (11,5%) têm 2 filhos e 10 (19,2%) têm 3 ou mais filhos. No

GCP, 21 (40,4%) reclusos não têm filhos, 10 (19,2%) têm 1 filho, 14 (26,9%) 2 têm filhos, 7

(13,5%) têm 3 ou mais filhos. No GCE, 21 (39,6%) indivíduos não tem filhos, à semelhança dos

outros dois grupos, 10 (18,9%) têm 1 filho, 19 (35,8%) têm 2 filhos e 3 indivíduos têm 3 filhos

(5,7%). Foi efectuada uma análise de variância One-way ANOVA, entre os 3 grupos e o

número de filhos, revelando não existirem diferenças estatisticamente significativas entre o

número de filhos e os 3 grupos [F(2,154)= .507; p< .603].

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_____________________________________________________ Tentativa de suicídio em meio prisional

Mestrado em Medicina Legal e Ciências Forenses_________________________________67

2.1.7. Acontecimentos de vida relevantes

Os acontecimentos de vida relevantes eram registados como aqueles que mais

afectaram os participantes negativamente em primeiro e em segundo lugar. Desta forma, os

valores apresentados em 1.º lugar (1.ª coluna, na tabela 7) são os que foram referidos como

tendo sido os acontecimentos mais marcantes até ao momento da entrevista, enquanto os que

estão assinalados na 2.ª coluna, foram assinalados terão sido referidos como sendo os

acontecimentos de vida relevantes em 2.º lugar (2.ª coluna da tabela 7). Registaram-se como

os acontecimentos de vida mais marcantes, por ordem decrescente, em 1.º lugar no GEP:

problemas jurídico-penais, familiares, conjugais e de saúde; em 2.º lugar: problemas jurídico-

penais, familiares, saúde, conjugais e outros. No GCP registou-se, por ordem decrescente, em

1.º lugar: problemas jurídico-penais, familiares, conjugais, saúde, outros problemas e

escolares; em 2.º lugar: problemas jurídico-penais, familiares, saúde e profissionais. No GCE,

registaram-se como acontecimentos mais marcantes, por ordem decrescente, em 1.º lugar:

problemas familiares, saúde e profissionais, conjugais, escolares, outros e jurídico-penais; em

2.º lugar foram referidos: problemas de saúde, familiares e profissionais, escolares e jurídico-

penais. Foi efectuada uma análise de variância One-way ANOVA, concluindo que existem

diferenças estatisticamente significativas em relação à variável acontecimentos de vida

relevantes para os acontecimentos assinalados em 1.º lugar [F(2,154)=10,29; p<.0001], e para

os acontecimentos referidos em 2.º lugar [F(2,154)=5,36; p<.01] (Tabela 7). Análises post-hoc

com o teste Tukey USD revelaram que as maiores diferenças existem como seria de esperar

entre o GCE e os dois grupos em meio prisional (p<.0001), para os problemas com a justiça.

As análises mostraram, também, diferenças estatisticamente significativas entre o GCE para os

problemas profissionais comparativamente com o GEP e o GCP (p<.0001). O mesmo teste

revela ainda diferenças estatisticamente significativas, indicando que o GCE tem mais

problemas escolares do que os dois grupos em meio prisional (p<.01).

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_____________________________________________________ Tentativa de suicídio em meio prisional

Mestrado em Medicina Legal e Ciências Forenses_________________________________68

Tabela 7. Acontecimentos de vida relevantes

* p < .05, ** p < .01, *** p < .001

2.2 - Hábitos tóxicos

2.2.1. Tabaco

O tabaco é amplamente usado nas duas populações em meio prisional. Esta informação

foi recolhida de acordo com os consumos habituais dentro da prisão e no momento da

entrevista. Alguns reclusos referiram que já tinham fumado ao longo da vida, tendo

abandonado esses hábitos pelo que, não foram contabilizados neste estudo. No GEP, a média

de idades para o início dos consumos de tabaco situava-se nos 14 anos (DP=3,2), variando

entre os 8 e os 22 anos para o início dos consumos; 46 (88,5%) fumavam e 6 (11,5%) não

fumavam. No GCP, a média de idades para o início do consumo de tabaco foi aos 14 anos,

Acontecimentos de vida relevantes

GEP GCP GCE F (2,154)

1.º 2.º 1.º 2.º 1.º 2.º

(“privação liberdade/família”, “estar inocente”,

“pena longa”, “prática criminal/próprio crime”,

“ambiente prisional violento”, “não ter visitas”)

Problemas jurídico-penais 26 8 24 14 1 1 52,70***

(“morte pai/mãe/outros familiares”, “separação/

divórcio pais”, “maus tratos parte pai”)

Problemas familiares 11 7 17 12 23 4 2,56

Problemas conjugais

(“mau relacionamento companheira”, “não ter

apoio da mulher/filhos”, “separação/divórcio”).

9 5 4 - 7 - 3,54*

Problemas de saúde

(“próprio”; “filhos”; “pais”; “consumo de drogas”)

6 6 3 7 8 8 0,69

Problemas escolares

(“conflitos com colegas”; “mudança de escola”)

- - 1 - 4 1 4,16**

Problemas profissionais(“instabilidade profissional”; “excesso de

trabalho”; “falência de empresa”; “mudança de

cidade”; “problemas financeiros")

- - - 1 8 4 12,39***

(“mudança de país”; “presenciar morte de um

amigo”; “serviço militar”)

Outros problemas - 2 3 - 2 - .50

Não responde - 24 - 18 - 35

Total 52 52 52 52 53 53

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_____________________________________________________ Tentativa de suicídio em meio prisional

Mestrado em Medicina Legal e Ciências Forenses_________________________________69

variando entre os 8 e os 22 anos (DP=3,3); 31 (59,6%) fumavam e 21 (40,4%) não fumavam.

No GCE, a média de idades para o início do consumo de tabaco situa-se nos 18 anos

(DP=3,8), variando entre os 11 e os 25 anos para o início dos consumos; 11 (20,8%) fumavam

e 42 (79,2%) não fumavam.

2.2.2. Álcool

O consumo de álcool reporta-se aos hábitos existentes antes da reclusão. No GEP, 15

(28,8%) referiram que nunca consumiram álcool ou só o faziam excepcionalmente, 16 (30,8%)

consumiam menos de um litro de álcool/dia, 9 (17,3%) consumiam mais do que um litro de

álcool/dia e 12 (23,1%) tinham história de dependência de bebidas alcoólicas. No GCP, 13

(25%) nunca consumiram álcool ou só o faziam excepcionalmente, 19 (36,5%) consumiam

menos de um litro de álcool/dia, 14 (26,9%) consumiam mais do que um litro de álcool/dia e 6

(11,5%) tinham história de dependência de bebidas alcoólicas. No GCE, 28 (52,8%) não

consumiam álcool ou só o faziam excepcionalmente, 23 (43,4%) consumiam menos do que um

litro de álcool/dia e 2 (3,8%) possuíam história de dependência de álcool de álcool.

2.2.3. - Outras substâncias psicoactivas

O consumo de substâncias psicotrópicas, apresenta níveis muito diferentes nos 3 grupos

da amostra. Esta informação foi recolhida de acordo com os consumos habituais ao nível das

drogas fora e dentro da prisão. Alguns reclusos referiram que consumiam mais drogas fora da

prisão, outros revelaram que o início do consumo de drogas foi após a reclusão. Contudo, a

informação era recolhida segundo os consumos ao longo da sua vida. No GEP, a média de

idades para o início do consumo de drogas situava-se nos 16 anos (DP=4,5), variando entre os

9 e os 35 anos. Neste grupo, 15 (28,8%) nunca consumiram qualquer tipo de drogas e 37

(71,2%) usaram drogas: 4 (7,7%) consumiam ocasionalmente haxixe e/ou heroína e/ou

cocaína ou outras drogas, 3 (5,8%) tinham história de dependência de haxixe, 30 (57,7%)

tinham história de dependência de várias drogas em associação, designadamente, haxixe,

heroína, cocaína e/ou ecstasy. No GCP, a média de idades para o início do consumo de

drogas situava-se nos 17 anos, variando entre os 11 e os 30 anos (DP=4,8). Neste grupo, 23

(44,2%) nunca consumiram qualquer tipo de drogas, 8 (15,4%) consumiam ocasionalmente

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_____________________________________________________ Tentativa de suicídio em meio prisional

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haxixe e/ou heroína e/ou cocaína ou outras drogas, 7 (13,5%) tinham história de dependência

de haxixe, 14 (26,9%) tinham história de dependência de várias drogas em associação, tais

como, haxixe, heroína, cocaína e/ou ecstasy. No GCE, a média de idades para o consumo de

drogas foi aos 17 anos (DP=2,8), variando entre os 15 e os 19 anos. Neste grupo, 51

indivíduos (96,2%) referiram que nunca consumiram drogas, 2 (3,8%) consumiram

ocasionalmente haxixe.

2.3. Antecedentes criminais

Mais de metade dos reclusos que atentaram contra a própria vida tinham antecedentes

criminais, ou seja, cumpriram penas de prisão efectiva antes da actual. No GEP, 36 (69,2%)

tinham antecedentes criminais: 10 (19,2%) tinham sido detidos uma vez, 16 (30,8%) tinham

sido presos 2 vezes e outros 10 (19,2%) reclusos tinham sido presos 3 ou mais vezes, variando

entre 1 a 6 prisões efectivas. No grupo de GCP, 20 (38,5%) também eram reincidentes: 13

(25%) indivíduos estiveram presos uma vez e 7 (13,5%) estiveram duas ou mais vezes,

variando entre 1 e 4.

2.4. Comportamentos autodestrutivos

2.4.1. Automutilações

As automutilações aqui descritas podem estar ou não relacionadas com tentativas de

suicídio, porquanto se referem a gestos autodestrutivos cometidos ao longo da vida dos

sujeitos fora ou dentro da prisão. No GEP, 36 (69,2%) automutilaram-se em algum momento da

sua vida e 16 (30,8%) nunca se automutilaram. Entre os reclusos que se automutilaram, 35

(67,3%) fizeram-no dentro da prisão e 1 fora e dentro da prisão. No GCP, 2 (3,8%) reclusos

tinham comportamentos de automutilação. Destes dois reclusos, 1 iniciou este comportamento

apenas dentro da prisão e o outro tinha comportamentos autodestrutivos antes de ter sido

detido, tendo-se automutilado também dentro da cadeia. Efectuou-se uma análise de variância,

a One-way ANOVA, usando como variável dependente os comportamentos destrutivos

(automutilações) e como variável independente o grupo (GEP vs. GCP vs. GCE). Os resultados

indicam que existem diferenças estatisticamente significativas [F(2, 154) = 19,171; p < .0001].

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_____________________________________________________ Tentativa de suicídio em meio prisional

Mestrado em Medicina Legal e Ciências Forenses_________________________________71

Esta análise foi complementada com testes post-hoc (Tukey USD), que mostraram que o GEP

apresenta uma diferença estatisticamente significativa maior de automutilações, quando

comparado com os dois grupos de controlo (p< .0001).

2.4.2. Tentativas de suicídio anterior

2.4.2.1. Tempo de pena cumprido no momento da primeira TS na prisão

Importava estabelecer qual o momento de cumprimento de pena em que os reclusos

cometeram a primeira vez TS na prisão, independentemente de o terem feito ou não antes da

entrada para a prisão. Assim, a primeira TS em meio prisional, em média foi cometida quando

os reclusos já tinham cumprido 3 anos e 4 meses (DP=3,3; Moda= ,08), com um mínimo de 1

dia e um máximo de 15 anos de prisão para o cometimento da primeira tentativa de suicídio em

meio prisional.

2.4.2.2. Tentativas de suicídio (TS) prévias

No GEP, dos 52 reclusos, 15 (28,8%) tentaram pôr termo à vida pela primeira vez e 37

(71,2%) tinham cometido outra(s) TS prévia, variando entre um minímo de 1 e um máximo de

15.

No GEP, dos 37 reclusos que tinham cometido tentativas anteriores, 15 (28,8%)

atentaram contra a vida uma vez; 13 (25%) cometeram 2 TS; 4 (7,7%) cometeram 4 TS; 1

tentou suicidar-se 3 vezes; 1 cometeu seis TS, 1 cometeu dez TS; 1 atentou 11 vezes contra a

vida e 1 tentou acabar com a vida 15 vezes.

2.4.2.3. Local

As tentativas de suicídio que acabámos de referir foram cometidas em diversos sítios,

uma vez que nos referimos a tentativas que ocorreram antes da actual, que teve

necessariamente de ocorrer na prisão. Assim, a primeira tentativa de suicídio para 27 (72,9%)

indivíduos foi na prisão, algumas delas não necessariamente durante o cumprimento da actual

pena; 6 (16,2%) TS foram em casa, 2 em local público, designadamente uma precipitação de

uma ponte para um rio, uma TS perto da casa do recluso numa árvore junto a um rio com um

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_____________________________________________________ Tentativa de suicídio em meio prisional

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cinturão de karaté que ele praticara em tempos e um outro indivíduo tentou o suicídio numa via

rápida, precipitando-se no seu carro para uma ravina.

2.4.2.4. Método

O método mais usado nestas tentativas de suicídio foi o enforcamento 17 (45,9%); 8

(21,6%) provocando cortes no braço e no pescoço; 5 (13,5%) ingestão de psicofármacos, 3

(8,1%) por overdose de opiáceos; 1 por ingestão de corpos estranhos; 1 com arma de fogo; 1

por queimadura/incêndio provocadas pelo próprio na sua cela, 1 por inalação de gás.

3. Antecedentes familiares especialmente relevantes

3.5. Comportamentos suicidários

No GEP, 3 (5,8%) reclusos referiram que as mães tentaram suicidar-se, 3 (5,8%) têm

irmãos que cometeram TS e 4 (7,7%) têm outros familiares que tentaram matar-se. Os

restantes reclusos referiram que não têm conhecimento de outros familiares que tentaram

suicidar-se. Ainda neste grupo, 2 reclusos referiram que o pai se suicidou, 1 em que foi o

irmão, 2 reclusos têm avós que se suicidaram e 4 reclusos têm outros familiares que se

suicidaram. No GCP, 2 reclusos referiram que o pai tentou suicidar-se, 6 (11,5%) reclusos

referem que a mãe cometeu TS. Os restantes reclusos referem que não têm conhecimento de

familiares que tentaram o suicídio. Neste grupo, 1 recluso referiu que a mãe se suicidou, 2

tiveram irmãos que se suicidaram e 2 reclusos tiveram outros familiares que se suicidaram. No

GCE, 1 referiu que a mãe tentou suicidar-se e outro tem um familiar que tentou suicidar-se. Os

restantes indivíduos não têm familiares que tenham cometido tentativas de suicídio. Neste

grupo, 4 entrevistados têm 4 familiares que se suicidaram.

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_____________________________________________________ Tentativa de suicídio em meio prisional

Mestrado em Medicina Legal e Ciências Forenses_________________________________73

4. História actual

4.1. Criminal

4.1.1. Crimes cometidos A tipologia de crimes mais comum não é muito diferente em ambos os grupos recolhidos

em meio prisional. No GEP, 26 (50,0%) cometeram crimes contra o património, mais

especificamente os crimes de roubo, furto e burla, que são também aqueles que têm mais

expressão nos dois grupos; 20 (38,5%) crime contra as pessoas, aqui representado pelo crime

de homicídio, tentativa de homicídio, sequestro, violação e contra a integridade física (destes

20 crimes, 9 (17,3%) são crimes de homícidio e 4 (7,7%) são tentativas de homicídio), 6

(11,5%) crimes relacionados com droga. No GCP, 24 (46,2%) cometeram crimes contra o

património, 16 (30,8%) crimes contra as pessoas (7 (13,5%) homicídios e 2 (3,8%) tentativas

de homicídio), 9 (17,3%) crimes relacionados com tráfico, droga e armas, e 2 (3,8%) crime de

lenocínio e 1 por várias multas que não pagou, por excesso de velocidade e corridas ilegais, 1

recluso está preventivo por crimes contra o património. No GEP, 27 (51,9%) indivíduos tiveram

uma segunda ou mais condenações pela prática de crimes contra o património; 9 (17,3%) por

tráfico de droga; 8 (15,4%) por outros crimes; 4 (7,7%) por crimes contra as pessoas. No GCP,

28 (53,8%) reclusos tiveram uma outra condenação por crimes contra o património, 9 (17,3%)

por tráfico de droga e outras actividades ilícitas, 4 (7,7%) por crimes contra as pessoas, 8

(15,4%) por outro tipo de crimes, 3 reclusos estão preventivos.

4.1.2. Condenação e pena de prisão

Em ambos os grupos, os indivíduos têm penas de prisão relativamente longas. No GEP,

26 reclusos (50,0%) têm uma pena de 10 anos ou mais, 18 (34,6%) >5 e <10 anos, 7 (13,5%)

têm uma pena entre 2 anos e ≤ 5 anos e 1 recluso está preventivo. No GCP, 27 reclusos

(51,9%) têm uma pena de 10 ou mais anos, 13 (25,0%) têm uma pena >5 e <10 anos, 7

(13,5%) têm uma pena entre 2 anos e ≤ 5 anos, 2 (3,8%) têm uma pena menor que 2 anos e 3

reclusos (5,8%) estão preventivos.

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_____________________________________________________ Tentativa de suicídio em meio prisional

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4.1.3. Tempo cumprido na actual pena de prisão

Os reclusos do GEP cumpriram em média 5 anos e 6 meses (DP=3,7) de pena na

prisão, variando entre os 4 meses e os 18 anos. No GCP, os reclusos cumpriram em média 4

anos e 6 meses (DP=3,2) de pena na prisão, variando entre um mínimo de 8 meses e um

máximo de 13 anos.

4.2. Suporte/Rede familiar

O suporte familiar corresponde ao apoio que os reclusos têm por parte dos familiares ou

de outros significativos, que funcionam como uma rede de suporte, que os visitam, com mais

ou menos regularidade, e/ou que lhe enviam encomendas. No GEP, 19 (36,5%) reclusos

referiram que têm apoio por parte dos pais e/ou irmãos, 13 (25,0%) são apoiados pela

mulher/namorada e/ou filhos, 2 são apoiados pela família alargada e/ou amigos, 18 (34,6%)

referiram que não têm qualquer apoio, visitas ou suporte familiar. No grupo de GCP, 29

(23,1%) reclusos referiram que tinham suporte por parte dos pais e/ou irmãos, 13 (25,0%) são

apoiados pela mulher/namorada e/ou filhos, 3 (5,8%) são apoiados pela família alargada e/ou

amigos e 7 (13,5%) reclusos referiram que não têm visitas nem qualquer suporte familiar.

4.3. Perturbação mental

A perturbação mental está apresentada segundo os critérios de classificação da DSM-IV

(Manual de diagnóstico e estatística das perturbações mentais, 1996). No GEP, 20 têm

diagnósticos psicopatológicos com perturbações do Eixo I: 14 (26,9%) com perturbação do

humor (depressão/distimia) e 3 (5,8%) com outra perturbação do humor (bipolar), 3 (5,8%)

perturbação psicótica (esquizofrenia ou outra); 16 com diagnósticos no Eixo II,

designadamente: 11 (21,2%) perturbação estado-limite da personalidade (borderline), 4 (7,7%)

perturbação anti-social da personalidade, 1 perturbação narcísica da personalidade. No GCP, 5

reclusos têm diagnósticos com perturbações do Eixo I: 4 (7,7%) com perturbação do humor

(depressão) e 1 perturbação psicótica; perturbações do Eixo II: 1 perturbação anti-social da

personalidade (Tabela 8). No GCE não foi referido nenhum diagnóstico conhecido. Para

perceber o perfil de cada grupo em função da perturbação mental, foi efectuada uma One-way

ANOVA, incluindo como factor inter-sujeitos o grupo (GEP vs. GCP vs. GCE) e como factor

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_____________________________________________________ Tentativa de suicídio em meio prisional

Mestrado em Medicina Legal e Ciências Forenses_________________________________75

intra-sujeitos, as perturbações psiquiátricas. Os resultados indicaram que existem diferenças

estatisticamente significativas [F(2,154) = 443,305; p < .0001]. Esta análise foi complementada

por testes post-hoc (Tukey USD), revelando que os reclusos do GEP têm um maior número de

diagnósticos psicopatológicos que o GCP (p < .0001), e que o GCE (p < .0001). O GCP

também apresenta mais psicopatologia relativamente ao GCE (p < .0001).

Tabela 8. Diagnóstico de perturbação mental segundo o DSM-IV (Manual de Diagnóstico e

Estatísticas das Perturbações Mentais, APA, 1996)

GEP GCP GCE

Perturbação mental diagnosticada N % N % N %

Eixo I

Perturbação do humor (depressão neurótica ou reactiva)

14 26,9 4 7,7 - -

Perturbação do humor (doença bipolar) 3 5,8 - - - -

Perturbação Psicótica (Esquizofrenia e outra)

3 5,8 1 1,9 - -

Eixo II

Perturbação Estado-Limite (borderline) da Personalidade

11 21,2 - - - -

Perturbação Narcísica da Personalidade 1 1,9 - - - -

Perturbação Anti-social da Personalidade 4 7,7 1 1,9 - -

Total 36 69,2 6 11,5 - - Nenhum diagnóstico 16 30,8 46 88,5 53 100

4.4. Medicação psicotrópica

A medicação reporta-se à prescrição psiquiátrica. Os reclusos que tomam medicação

estão a ser acompanhados por psiquiatria do próprio estabelecimento ou no Hospital Prisional

de Caxias. Os reclusos que são acompanhados por este serviço podem solicitá-lo

voluntariamente ou ser encaminhados por um técnico da saúde. No GEP, registaram-se 41

(78,8%) reclusos a fazer medicação psiquiátrica/psicotrópica prescrita e 11 (21,2%) reclusos

não tomavam nenhuma medicação, embora alguns já tenham tomado medicação psiquiátrica.

No GCP, registaram-se 17 (32,7%) reclusos a tomar medicação e 35 (67,3%) que não

tomavam medicação psicotrópica; no GCE ninguém estava a tomar medicação psiquiátrica.

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_____________________________________________________ Tentativa de suicídio em meio prisional

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4.5. Tentativa de suicídio actual (mais recente)

4.5.1. Tempo decorrido entre primeira e a última tentativa de suicídio

De entre os reclusos que tinham cometido TS prévia, 18 (34,6%) tinham cometido essa

TS à mais de um ano antes da actual, 9 (17,3%) reportaram que foi, aproximadamente, à 6

meses antes da última, 6 (11,5%) à menos de um ano antes da última e 4 não forneceram

informação suficiente.

4.5.2. Ocupação laboral

No GEP, 13 (25%) reclusos tinham ocupação laboral no momento da tentativa de

suicídio e 39 (75%) referiram não ter ocupação laboral nesse momento.

4.5.3. Actos preparatórios

Os actos preparatórios que envolveram o momento da tentativa de suicídio

correspondem a algum planeamento, pois 11 (21,2%) reclusos adquiriram instrumentos ou

produtos para pôr fim à sua vida; 4 (7,7%) tiveram um gesto de despedida e 15 (28,8%)

deixaram uma carta, uma nota ou uma mensagem de despedida.

4.5.4. Pedido de ajuda

Na população de reclusos que cometeram TS, 35 (67,3%) não pediram ajuda antes de

cometer TS; 6 (11,5%) indivíduos pediram ajuda ao psicólogo/a; 5 (9,6%) reclusos deram conta

dos seus propósitos a outras pessoas aqui não descritas (como ao capelão, por exemplo); 4

(7,7%) pediram ajuda e manifestaram a sua intenção suicida a outro recluso; 1 pediu ajuda ao

médico e outro recluso pediu ajuda a um familiar.

4.5.5. Variação temporal

4.5.5.1. - Estação do ano

A primavera foi a estação do ano em que ocorreram mais tentativas de suicídio com 17

(32,7%); 15 (28,8%) foram no verão; 10 (%) no inverno e 10 (19,2%) no outono.

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4.5.5.2. Variação mensal

Obtivemos registos de tentativas de suicídio ao longo de todos os meses do ano.

Contudo, alguns meses como Maio e Setembro registaram o maior número de tentativas de

suicídio com 8 (15,4%) em cada um desses meses; 5 (9,6%) TS em cada um dos meses de

Março e Junho; 4 (7,7%) em cada um dos meses de Fevereiro, Abril, Agosto e Dezembro; 3

(5,8%) em cada mês de Julho, Outubro e Novembro, e 1 em Janeiro.

4.5.5.3 – Variação semanal

O dia da semana em que se registaram mais tentativas de suicídio, por ordem

decrescente foi: quarta-feira, sábado, sexta-feira e domingo, segunda-feira, terça-feira e quinta-

feira.

4.5.5.4 - Período do dia

O período do dia em que houve mais TS foi no final do dia, mais especificamente, a

hora em que se registaram a maioria das tentativas de suicídio foram, 23 (44,2%) entre as

18:00H e as 24:00 horas; 17 (32,7%) entre as 14:00H e as 18 horas; 5 (9,6%) entre as 12:00H

e as 14:00 horas; 4 (7,7%) entre as 8:00H e as 12:00 horas; 3 (5,8%) entre as 0:00H e as 8:00

horas.

4.5.6. Local da TS

O local para atentarem contra a própria vida na prisão foi, na maioria dos casos, a cela

de habitação para 37 (71,2%) reclusos; 8 (15,4%) TS na cela disciplinar; 4 (9,6%) na camarata

onde estavam alojados, significando que, eventualmente, havia mais reclusos que habitavam

nesse espaço, e 3 (5,8%) na ala prisional.

4.5.7. Método usado

No GEP, 52 reclusos tentaram o suicídio por métodos variados, embora o

enforcamento tenha sido o método mais usual: 30 (57,7%) TS por enforcamento; 7 (13,5%) por

ingestão de medicação psicotrópica; 6 (11,5%) reclusos produziram cortes no braço e pescoço,

5 (9,6%) ingeriram corpos estranhos, como colheres, vidros, pilhas e lâminas (envoltas em fita-

cola), 1 por overdose de opiáceos; 1 tentou acabar com a vida atando um saco de plástico ao

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pescoço com vista a provocar asfixia, 1 precipitou-se numa ala prisional (de um andar

superior), 1 tentou o suicídio por incêndio/queimaduras provocado pelo próprio na sua cela.

4.5.8. Grau de gravidade

O grau de gravidade da tentativa de suicídio foi aferido em função do tipo de

assistência que cada indivíduo teve após a passagem ao acto. O grau de gravidade da actual

tentativa de suicídio para a maioria dos reclusos foi médio, pois 23 (44,2%) tiveram assistência

médica ou de enfermagem nos serviços clínicos do estabelecimento prisional ou num hospital,

tendo ficado internados ou sob vigilância, com uma duração que não excedeu as 24 horas; 17

(32,7%) cometeram uma tentativa de gravidade importante com internamento hospitalar

superior a 24 horas (num hospital prisional ou distrital) e 12 (23,1%) reclusos fizeram uma

tentativa de gravidade ligeira que não requereu assistência médica, tendo sido observados pelo

enfermeiro de serviço.

4.5.9. Socorro após passagem ao acto

A primeira pessoa que socorreu o recluso após a passagem ao acto suicida, em 32

(61,5%) casos foi o guarda prisional; 17 (32,7%) foram socorridos por outro recluso; 1 por um

enfermeiro e 2 reclusos não tiveram o apoio de ninguém.

4.5.10. Motivações para cometer a tentativa de suicídio

As motivações referidas pelos reclusos para a passagem ao acto suicida, ou seja as

atribuições feitas pelos próprios para cometer a TS, foram agrupadas conforme se pode ver na

tabela 9, dando oportunidade a cada indivíduo a apontar mais do que um motivo para aquela

conduta: 43 (82,7%) referiram problemas relacionados com a prisão, punições e transferências,

37 (71,2%) verbalizaram sentimentos de desânimo, tristeza, desespero, frustração, stresse e o

tipo de vida que tinham, 19 (36,5%) por não poderem acompanhar o crescimento dos filhos

e/ou estar com a família, 18 (34,6%) problemas com guardas/colegas, 17 (32,7%) perda de

apoio familiar ou não ter família, 13 (25%) pena elevada, 10 (19,2%) problemas de saúde, 9

(17,3%) falta/excesso de medicação psicotrópica, 5 (9,6%) pelo crime e questões com este

relacionados, 15 (28,8%) por outros motivos.

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Tabela 9. Motivações para a actual tentativa de suicídio

Motivos

Grupo Experimental

N %

Problemas relacionados com a prisão (ambiente pesado, punições,

transferências, não concessão de medidas flexibilização)

43 82,7

Sentimentos de desânimo, tristeza, desespero, stresse, tipo de vida 37 71,2

Problemas/conflitos com os guardas e/ou com reclusos 19 36,5

Não poder acompanhar/estar com os filhos e família 18 34,6

Perda apoio familiar ou não ter família 17 32,7

Pena elevada 13 25,0

Problemas de saúde 10 19,2

Falta ou excesso de medicação 9 17,3

Crime e aspectos relacionados 5 9,6

Outros motivos 17 32,7

*Estes resultados não são cumulativos, uma vez que houve sujeitos que indicaram 2 ou mais motivos

4.6. Expectativas futuras

Relativamente às expectativas futuras, os resultados foram os seguintes: no GEP, 26

(50,0%) indivíduos não verbalizaram qualquer projecto de vida para o futuro; 10 (19,2%)

reclusos verbalizaram a existência de projectos de vida e 16 (30,8%) verbalizaram projectos de

vida vagos, difusos e pouco consistentes; no grupo GCP, 11 (21,2%) indivíduos não

verbalizaram qualquer projecto de vida para o futuro; 17 (32,7%) reclusos verbalizaram a

existência de projectos de vida e 24 (46,2%) verbalizaram projectos de vida vagos, difusos e

pouco consistentes; no GCE 2 (3,8%) indivíduos não verbalizam qualquer projecto de vida para

o futuro; 34 (64,2%) verbalizaram a existência de projectos de vida e 17 (32,1%) verbalizaram

projectos de vida vagos, difusos e pouco consistentes (Tabela 10).

Para saber se existiam diferenças estatisticamente significativas entre os três grupos

relativamente às expectativas futuras, efectuou-se uma One-way ANOVA. Os resultados

mostram que existem diferenças estatisticamente significativas entre os 3 grupos da amostra

(F(2,154)=6,5;p<.002). Realizou-se um post-hoc com o teste de Tukey USD, para analisar em

detalhe as diferenças. As maiores diferenças constatam-se entre o GCP (M=1,2; DP=.79;

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p<.01) e o GEP (M=.81; DP=.88; p<.006). Os resultados sugerem que os 3 grupos diferem

quanto às expectativas futuras.

Tabela 10. Expectativas futuras

Expectativas de futuro

GEP N=52

GCP N=52

GCE N=53

F

(2.154)

N % N % N %

Não verbaliza projectos

de vida

26 50,0 11 21,2 2 3,8 6,5*

Verbaliza projectos de

vida

10 19,2 17 32,7 34 64,2

Verbaliza projectos

vagos, difusos e pouco

consistentes

16 30,8 24 46,2 17 32,1

* p < .002

5. Inventário de Personalidade NEO PI-R

De forma a perceber o perfil de cada grupo em função dos cinco factores de

personalidade do NEO PI-R, foi efectuada uma One-way ANOVA, incluindo como factor inter-

sujeitos o grupo (GEP vs. GCP vs. GCE) e como factor intra-sujeitos, os factores de

personalidade do NEO PI-R (Neuroticismo, Extroversão, Abertura à experiência, Amabilidade e

Conscienciosidade), separadamente. Esta análise foi complementada por testes post-hoc

(Tukey USD). Os resultados (Tabela 11) mostram que, ao contrário do factor Abertura à

experiência (p = .1), todos os factores do NEO-PI-R são significativamente diferentes entre os

grupos. O factor Neuroticismo é significativamente superior no GEP, comparativamente ao

GCP (p < . 0001), e ao GCE (p < .0001). Adicionalmente, os valores observados do

Neuroticismo no GEP, encontram-se acima da média dos parâmetros considerados normais

para a população em geral (> 70). O GCP também apresenta valores de Neuroticismo mais

elevados quando comparado com o GCE (p < .002). Em contraste, o factor Extroversão é

significativamente inferior no GEP, comparado com o GCP (p < .001), e com o GCE (p <

.0001). Este é o factor menos representado no GEP, com um valor muito próximo do limiar

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considerado baixo (< 30). Não há diferenças entre o GCP e o GCE (p > .3). Relativamente ao

factor Abertura à experiência, este é inferior no GEP, quando comparado com o GCP (p < .04).

Por outro lado, o factor Amabilidade é significativamente superior no GCE, quando comparado

com o GEP (p < .0001) e com o GCP (p < .001). Finalmente, o factor Conscienciosidade é

significativamente inferior no GEP, quando comparado com GCP (p < .002), e com o GCE (p <

.01). Não há diferenças entre o GCP e o GCE (p > .8). Os valores observados para os factores

Abertura á Experiência, Amabilidade e Conscienciosidade para os três grupos em estudo,

encontram-se dentro dos valores normativos para a população em geral. No grupo GCP, a

Conscienciosidade é o domínio com o valor mais elevado e o domínio Amabilidade com o valor

mais baixo. Em contraste com o GEP, no GCE a Extroversão é a faceta que apresenta o valor

mais elevado e o Neuroticismo o valor mais baixo.

Tabela 11. Comparação das médias dos factores do Inventário de personalidade NEO-PI-R,

para cada grupo (One-way ANOVA)

Domínios NEO-PI-R

GEP (N=52)

GCP (N=52)

GCE (N=53) F (2,154)

Neuroticismo 78.6 ± 19.06 55.0 ± 23.23 40.7 ± 21.90 41.650***

Extroversão 32.7 ± 26.46 50.6 ± 21.46 57.8 ± 23.37 15.359***

Abertura à experiência 45.6 ± 20.71 55.4 ± 19.73 49.1 ± 22.00 .05*

Amabilidade 38.2 ± 19.27 41.2 ± 21.29 55.9 ± 23.30 10.444***

Conscienciosidade 42.2 ± 21.57 55.7 ± 16.51 53.2 ± 20.03 7.005**

* p < .05, **p < .001, *** p < .0001;

Com o intuito de analisar possíveis efeitos de interacção com o NEO-PI-R, foi efectuada

análise de variância de medidas repetidas (ANOVA) com 6 factores: Grupo (GEP x GCP x

GCE) x Factores do Inventário de Personalidade NEO PI-R (Neuroticismo vs. Extroversão vs.

Abertura à experiência vs. Amabilidade vs. Conscienciosidade). Os resultados mostram um

efeito principal dos factores do Inventário de Personalidade NEO PI-R [F(4, 616) = 8,367; p <

.0001], indicando que, globalmente, os indivíduos apresentam índices mais elevados no

domínio neuroticismo (M = 57.97; DP = 26.49), comparando com os domínios de

conscienciosidade (M = 50.38; PD = 20.23, p < .01), de abertura à experiência (M = 50.04; PD

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= 21.11, p < .01), de extroversão (M = 47.11; DP = 25.95, p < .01) e amabilidade (M = 45.16;

PD = 22.62, p < .0001). A análise post-hoc (Tukey USD) revela ainda que, nesta população, o

factor Neuroticismo é aquele que se destaca.

Gráfico 2. Interacção grupos x 5 factores do NEO PI-R

Esta análise revelou igualmente um efeito de interacção entre Grupo e o NEO PI-R [F(8,

61) = 19,153, p < .0001], (Gráfico 2), sugerindo um perfil distinto para cada grupo ao longo dos

cinco factores do Inventário de Personalidade. Este resultado está de acordo com a análise

anteriormente efectuada e descrita (One-way ANOVA), que já tinha evidenciado diferenças

estatisticamente significativas para os três grupos quanto aos factores de Personalidade.

Especificamente, no GEP, o teste post-hoc (Tukey USD) mostra que há diferenças significativas

entre todos os factores (ps <.0001). Em oposição, no grupo GCP, os resultados mostram que

todos os factores são semelhantes entre si (ps > .1). Finalmente, para o GCE as comparações

intra-grupo obtidas pelo teste Tukey (USD) mostram diferenças significativas apenas entre os

factores neuroticismo vs. extroversão (p <.003) e neuroticismo vs. amabilidade (p <.02). Quanto

às comparações inter-grupo, os resultados do teste Tukey (USD) mostram que o factor

neuroticismo é significativamente diferente entre o GEP vs. GCP (p <.0001), e GEP vs GCE

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(p <.0001), e também entre os dois grupos de controlo (p <.04). O factor extroversão também

está representado de forma significativamente diferente entre o GEP vs. GCP (p <.0001), e

GEP vs GCE (p <.0001). Não há diferenças entre os grupos de controlo (p >.1). Em contraste,

o factor abertura à experiência é semelhante para os três grupos (ps >.1). O factor amabilidade

é significativamente diferente apenas entre o GEP vs. GCE (p <.002) e também entre os dois

grupos de controlo (p <.03). Por fim, o factor conscienciosidade, tal como o factor abertura à

experiência, é semelhante para os três grupos (ps >.1).

Gráfico 3. Interacção grupo x factores de personalidade NEO PI-R

As análises anteriores revelaram que o factor neuroticismo se destaca. Por esse motivo,

procedemos a uma análise mais minuciosa, considerando as facetas que constituem este

factor. Os valores descritivos de cada faceta do factor de neuroticismo são apresentados na

Tabela 12. Como se pode observar, e de acordo com os dados normativos relativos às facetas

do factor neuroticismo (Lima & Simões, 2000), estes resultados mostram no GEP, valores

superiores aos considerados normativos para a população em geral: ansiedade (> 70),

hostilidade (> 70), depressão (> 70) e vulnerabilidade (> 70), e acima dos 50% para a auto

consciência e a impulsividade, embora dentro dos parâmetros considerados normativos. Em

contraste, os valores observados em ambos os grupos de controlo estão dentro dos valores

normativos (Lima & Simões, 2000).

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Tabela 12. Comparação das médias das facetas do Neuroticismo do NEO-PI-R. (inter-grupo,

One-way ANOVA).

Facetas do Neuroticismo

GEP (N=52)

GCP (N=52)

GCE (N=53)

F (2, 154)

Ansiedade 72.8 ± 23.92 55.8 ± 20.33 47.6 ± 26.41 15,389***

Hostilidade 71.6 ± 23.50 54.5 ± 23.97 38.3 ± 26.67 23,739***

Depressão 82.9 ± 20.60 61.0 ± 27.38 47.5 ± 24.12 28,714***

Auto Consciência 65.7 ± 19.98 53.3 ± 26.46 46.2 ± 22.43 9,577***

Impulsividade 63.5 ± 25.85 51.0 ± 25.13 41.0 ± 27.07 9,855***

Vulnerabilidade 73.8 ± 21.72 46.7 ± 24.49 38.6 ± 20.19 35,877***

* p < .05, ** p < .01, *** p < .001

A comparação da incidência das diferentes facetas do neuroticismo, entre os grupos foi

analisada através de uma análise de variância One-way ANOVA, incluindo como factor inter-

sujeitos o grupo (GEP vs. GCP vs. GCE) e como factor intra-sujeitos, as facetas do

Neuroticismo do NEO PI-R (ansiedade, hostilidade, depressão, auto consciência, impulsividade

e vulnerabilidade), separadamente. Esta análise também evidenciou que todas as facetas

estão presentes de forma significativamente distinta nos três grupos (Tabela 12). De forma a

explorar possíveis efeitos de interacção com as facetas do factor neuroticismo, procedemos

com uma análise de variância de medidas repetidas (ANOVA) com 7 factores: grupo (GEP vs.

GCP vs. GCE) x facetas do factor neuroticismo do NEO PI-R (ansiedade vs. hostilidade vs.

depressão vs. auto-consciência vs. impulsividade vs. Vulnerabilidade). Os resultados mostram

um efeito principal de Grupo [F (2, 154) = 43,481, p <. 0001], indicando que o GEP (M = 71.7;

DP = 2.21) apresenta claramente valores significativamente superiores nas facetas que

constituem o factor neuroticismo quando comparado com o GCP (M = 53.7; DP = 2.21, p <

.0001) e também com o GCE (M = 43.2; DP = 2.18, p < .0001). Os grupos de controlo também

diferem entre si (p < .002).

Os resultados mostram também um efeito principal das facetas do neuroticismo [F (5,

770) = 7,762, p < . 0001], destacando a faceta depressão. Este efeito mostra que, com

excepção da faceta ansiedade (M = 58.7; DP = 25.80, p = .2), a faceta depressão (M = 63.7;

DP = 28.16), apresenta valores significativamente superiores às restantes facetas que medem

o factor neuroticismo: hostilidade (M = 54.7; DP = 28.15, p < . 001), auto consciência (M = 55.0;

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DP = 24.35, p < .001), impulsividade (M = 51.7; DP = 27.47, p < .0001), e vulnerabilidade (M =

52.9; DP = 26.70, p < .0001). A faceta ansiedade também é significativamente diferente da

faceta impulsividade (p <.02). Finalmente, esta análise mostrou ainda um efeito de interacção

entre Grupo x Facetas do neuroticismo [F (10, 770) = 2,077, p < .02] (Gráfico 4). Consistente

com as análises anteriores, este efeito de interacção mostra diferentes perfis quanto ao factor

neuroticismo, em função do grupo. Relativamente às comparações intra-grupo, as análises

post-hoc (Tukey USD) mostram que, no GEP, o valor da faceta depressão difere

significativamente dos valores observados para as facetas auto consciência (p < .001), e

impulsividade (p <. 0001). No GCP, o valor da faceta depressão difere significativamente do

índice para a faceta vulnerabilidade (p < .03), Em contraste, os índices para todas as facetas

no GCE são semelhantes entre si (ps >.1). Quanto às comparações inter-grupos, os resultados

das análises post-hoc (Tukey USD) mostram que considerando as facetas ansiedade, auto-

consciência e impulsividade, não há diferenças entre os grupos (ps >.1). Por outro lado, os

resultados mostram que o grupo experimental difere significativamente do GCE nas facetas

hostilidade (p <.001), depressão (p <.0001) e vulnerabilidade (p <.001). Esta última faceta

também é significativamente diferente entre o GEP e o GCP (p <.04).

Gráfico 4. Interacção grupo x neuroticismo

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Mestrado em Medicina Legal e Ciências Forenses_________________________________86

Não descurando da potencial importância dos dados revelados nas restantes facetas do

NEO PI-R, procede-se à sua análise. Na Tabela 13 estão representados os valores de cada

faceta dos factores extroversão, abertura à experiência, amabilidade e conscienciosidade.

Tabela 13. Comparação das médias das restantes facetas do NEO PI-R (inter-grupo, One-way

ANOVA).

Facetas NEO PI-R

GEP (N=52)

GCP (N=52)

GCE (N=53)

F (2, 154)

Extroversão

Acolhimento 25.71 ± 22.12 44.08 ± 20.49 60.40 ± 21.86 34.157***

Gregariedade 36.58 ± 26.67 50.77 ± 23.79 53.45 ± 26.33 6.540**

Assertividade 32,76 ± 22.10 41.79 ± 22.99 48.00 ± 27.77 5.146**

Actividade 45.17 ± 27.66 47.48 ± 21.67 53.35 ± 25.68 1.484

Procura de Excitação 49.78 ± 26.30 54.44 ± 22.97 49.26 ± 24.59 0.698

Emoções positivas 32.60 ± 26.78 58.27 ± 23.43 59.11 ± 25.40 18.603***

Abertura à Experiência

Fantasia 42.94 ± 25.19 54.23 ± 22.41 48 ± 24.49 2.870

Estética 56.78 ± 20.97 57.52 ± 24.09 47.26 ± 26.73 2.976*

Sentimentos 42.63 ± 22.09 51.53 ± 20.97 50 ± 21.09 2.577

Acções 38.40 ± 22.21 43.51 ± 22.26 42.11 ± 23.55 0.706

Ideias 45.75 ± 20.86 54.48 ± 20.96 53.03 ± 23.81 2.371

Valores 42.34 ± 23.02 51.92 ± 25.57 50.81 ± 26.02 2.303

Amabilidade

Confiança 26.77 ± 20.38 37.88 ± 24.94 55.87 ± 26.08 19.763***

Rectidão 43.98 ± 25.58 40.19 ± 25.20 50.84 ± 22.90 2.539

Altruísmo 36.90 ± 24.55 46.71 ± 25.08 57.81 ± 24.55 9.208***

Complacência 39.71 ± 27.73 35.60 ± 24.49 51.58 ± 27.47 5.121**

Modéstia 53.48 ± 21.24 50.63 ± 20.92 53.11 ± 22.62 0.267

Sensibilidade 48.92 ± 22.29 53.25 ± 23.59 56.32 ± 25.62 1.269

Conscienciosidade

Competência 38.40 ± 25.65 49.33 ± 20.77 57.51 ± 23.08 8.910***

Ordem 57.92 ± 24.31 67.15 ± 21.96 48.96 ± 26.94 7.230***

Obediência 37.48 ± 21.18 39.23 ± 17.69 48.81 ± 26.94 4.677**

Luta e realização 49.46 ± 24.59 63.56 ± 18.42 51.92 ± 24.41 5.743**

Autodisciplina 43.60 ± 24.39 59.88 ± 17.73 53.00 ± 22.84 7.284***

Deliberação 35.23 ± 22.74 44.92 ± 21.25 52.60 ± 23.04 7.946***

* p < .05, ** p < .01, *** p < .001

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Complementadas com análises post hoc (Tukey, USD), estes resultados mostram que no

factor extroversão, o GEP difere significativamente do GCP nas facetas de acolhimento (p <

.0001), gregariedade (p < .01) e emoções positivas (p < .0001). O GEP difere

significativamente do GCE nas facetas de acolhimento (p < .0001), gregariedade (p < .002),

assertividade (p < .004) e emoções positivas (p < .0001). Os dois grupos de controlo diferem

apenas na faceta de acolhimento (p < .001). Apesar dos resultados da análise de variância

mostrarem resultados não significativos para a maioria das facetas que constituem o factor

Abertura à Experiência, o teste Tukey revela uma diferença significativa entre o GEP e o GCP

para a faceta fantasia (p < .04). Para o factor amabilidade, os resultados mostram que o GEP é

significativamente diferente na faceta confiança, quando comparado com o GCP (p < .04) e o

GCE (p < .0001). O GEP revela ainda ser significativamente diferente do GCE na faceta

altruísmo (p < .0001). Os dois grupos de controlo são significativamente diferentes

considerando as facetas confiança (p < .001) e complacência (p < .01). Considerando o factor

conscienciosidade, os resultados mostram que o GEP difere de forma significativa do GCP nas

facetas competência (p < .04), luta e realização (p < .004) e autodisciplina (p < .001). O grupo

difere também de forma significativa do GCE nas facetas competência (p < . 0001), obediência

(p < .01), deliberação (p < .001) e, tendencialmente, na faceta autodisciplina (p < .07). Os

grupos de controlo revelam diferenças significativas nas facetas ordem (p <. 001), obediência

(p < .04), luta e realização (p < .02) e autodisciplina (p < .02).

5.1 - Correlação entre os factores de personalidade do NEO PI-R e outras

variáveis

Por fim, foram efectuadas análises correlacionais (Pearson r) entre os cinco factores do

NEO PI-R e a ideação suicida, para cada grupo, separadamente. A análise correlacional entre

os factores da NEO PI-R e ideação suicida revelam uma correlação positiva entre a ideação

suicida e o neuroticismo no GEP (r=.44; p <.001), bem como no GCP (r=.33; p<.02). Isto indica

que nos indivíduos de ambos os grupos, quanto mais elevado é o factor de neuroticismo maior

é a ideação suicida. Não foram encontradas outras correlações significativas entre os factores

da NEO PI-R e a ideação suicida.

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_____________________________________________________ Tentativa de suicídio em meio prisional

Mestrado em Medicina Legal e Ciências Forenses_________________________________88

Foi realizada uma análise correlacional de Pearson (r) entre os cinco factores do NEO

PI-R e o consumo de substâncias psicoactivas. Os resultados mostram uma correlação positiva

entre o consumo de drogas e o factor abertura à experiência, no GEP (r=.37; p<.01) e também

no GCP (r=.33; p<.05). Isto sugere para os indivíduos de ambos os grupos que, quanto mais

elevada é a abertura à experiência maior é o consumo de substâncias psicoactivas. Foi ainda

observada uma correlação negativa entre o factor conscienciosidade e o consumo de drogas,

no GCP (r= -.32; p<.05). Esta correlação indica que menos conscienciosidade poderá conduzir

a um maior consumo de substâncias psicoactivas.

Efectuou-se também uma análise correlacional de Pearson (r), entre os factores de

personalidade do NEO PI-R e a relação marital. Os resultados verificam uma correlação

positiva entre a relação marital e o número de detenções (número de vezes que esteve preso),

no GEP (r=.367; p<.007), indicando que o aumento do número de detenções (número de vezes

que esteve preso) está correlacionado positivamente com o aumento do número de relações

maritais. Neste grupo, foi também encontrada uma correlação positiva entre a relação marital e

os antecedentes criminais (r=.690; p<.0001), mostrando que o aumento dos antecedentes

criminais está correlacionado positivamente com o aumento do número de relações maritais.

No GCP, foi encontrada uma correlação positiva entre a relação marital e a abertura à

experiência da NEO PI-R (r=.300; p<.03), revelando que o aumento do número de relações

maritais diminui a abertura à experiência. Adiccionalmente, foi encontrada uma correlação

negativa entre o factor amabilidade e o número de relações maritais, no GCE (r= -.385;

p<.004). Esta correlação mostra que o factor amabilidade conduz a um menor número de

relações maritais.

6. Inventário de Sintomas Psicopatológicos (BSI)

De forma a examinar os dados obtidos através do Inventário de Sintomas

Psicopatológicos (BSI), procedeu-se a uma comparação dos três Índices fornecidos pelo BSI

entre os grupos: (1) Total de Sintomas Positivos (TSP); (2) Indice de Sintomas Positivos (ISP);

e (3) Indice Geral de Sintomas (IGS) (Gráfico 5). Assim, foi efectuada uma análise de variância,

One way ANOVA, incluindo grupo (GEP vs GCP vs GCE) como factor inter-sujeitos, e a

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_____________________________________________________ Tentativa de suicídio em meio prisional

Mestrado em Medicina Legal e Ciências Forenses_________________________________89

pontuação obtida em cada um dos índices do BSI como factor inter-sujeitos, separadamente. A

análise ao TSP mostra um efeito principal de grupo [F (2, 154) = 27,420, p < .0001]. O GEP

revela um TSP (M = 35.62; DP =10.38) significativamente superior, quando comparado com o

GCP (M = 25.73; DP =10.27, p < .0001), e com o GCE (M = 20.17; DP =11.71, p < .0001). O

GCP também mostra um TSP significativamente superior quando comparado com o GCE (p <

.02). A análise ao ISP mostra igualmente um efeito principal de Grupo [F (2, 154) = 67,099, p <

.0001]. O GEP revela um ISP (M = 2.41; DP = 0.48) significativamente superior quando

comparado com o GCP (M = 1.91; DP =0.35, p < .0001) e com o GCE (M = 1.50; DP = 0.36, p

< .0001). O GCP também mostra um ISP significativamente superior quando comparado com o

GCE (p < .0001) (Gráfico 5). De acordo com estes resultados, a análise ao IGS, revela

resultados semelhantes: Há um efeito principal de Grupo [F (2, 154) = 62,916, p < .0001]. O

GEP revela um IGS (M = 1.65; DP = 0.67) significativamente superior quando comparado com

o GCP (M = 0.93; DP =0.42, p < .0001) e com o GCE (M = 0.57; DP = 0.36, p < .0001). O GCP

também mostra um IGS significativamente superior quando comparado com o GCE (p < .001).

Gráfico 5. Índice de Sintomas Positivos (ISP) para os três grupos O ISP é uma medida que combina a intensidade da sintomatologia com o número de

sintomas presentes e o seu cálculo é utilizado como ponto de corte que permite discriminar

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_____________________________________________________ Tentativa de suicídio em meio prisional

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entre indivíduos perturbados emocionalmente e indivíduos pertencentes à população em geral,

como se pode observar na Tabela 14 (Canavarro, 1999).

Tabela 14. Estatística descritiva para as pontuações do BSI

Variáveis Índ. pop. geral Índ. perturb. emocional

Média DP Média DP

Somatização 0.573 0.916 1.355 1.004

Obsessões-compulsões 1.290 0.878 1.924 0.925

Sensibilidade interpessoal 0.958 0727 1.597 1.033

Depressão 0.893 0.722 1.828 1.051

Ansiedade 0.942 0.766 1.753 0.940

Hostilidade 0.894 0.784 1.411 0.904

Ansiedade fóbica 0.418 0.663 1.020 0.929

Ideação paranóide 1.063 0.789 1.532 0.850

Psicoticismo 0.668 0.614 1.403 0.825

IGS 0.835 0.480 1.430 0.705

TSP 26.993 11.724 37.349 12.166

ISP 1.561 0.385 2.111 0.595

Fonte: Canavarro (1999)

Com o objectivo de investigar em maior detalhe o perfil de cada grupo em função da

presença e intensidade de sintomas psicopatológicos, procedeu-se a uma análise mais

pormenorizada das dimensões do BSI. A comparação entre os grupos foi efectuada através da

análise de variância, One-way ANOVA, incluindo como factor inter-sujeitos o grupo (GEP vs.

GCP vs. GCE) e como factor intra-sujeitos, as dimensões da BSI (somatização, obsessões-

compulsões, sensibilidade interpessoal, depressão, ansiedade, hostilidade, ansiedade fóbica,

ideação paranóide, e psicoticismo), separadamente. Esta análise foi complementada por testes

post-hoc (Tukey USD). Os resultados (Tabela 15) mostram que GEP revela significativamente

mais sintomas de somatização quando comparado com o GCP (p < .0001), e o GCE (p <

.0001). Não há diferenças entre os grupos de controlo no que se refere ao índice de

somatização (p > .1). Na mesma direcção, o GEP revela significativamente mais sintomas de

obsessões-compulsões relativamente ao GCP (p < .002) e ao GCE (p < .001). Não há

diferenças entre os grupos GCP e GCE (p > .1). Ainda na mesma linha, o GEP mostra um

índice de sensibilidade interpessoal significativamente mais elevado quando comparado com o

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_____________________________________________________ Tentativa de suicídio em meio prisional

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GCP (p < .0001) e o GCE (p < .0001). Foram também encontradas diferenças significativas

entre os dois grupos de controlo (p < .01). Continuando na mesma direcção, sintomas de

depressão também estão representados de forma significativamente acentuada no GEP,

quando comparado com o GCP (p < .0001), e com o GCE (p < .0001). Não há diferenças entre

os grupos de controlo para este índice da BSI (p > .1). A presença de sintomas de ansiedade

também é significativamente superior no GEP quando comparado com o GCP (p < .0001) e

com o GCE (p < .0001). Os grupos de controlo também diferem quanto á presença de

sintomatologia ansiogénica (p < .001). Igualmente, para a dimensão hostilidade, o GEP revela

valores significativamente superiores relativamente ao GCP (p < .01), e ao GCE (p < .0001).

Não há diferenças entre os grupos de controlo nesta dimensão do BSI (p > .1). Os resultados

mostraram também que o GEP apresenta significativamente mais sintomas de ansiedade

fóbica do que o GCP (p < .0001) e o GCE (p < .0001). Não há diferenças entre os grupos de

controlo (p > .1). Da mesma forma, o GEP revela significativamente mais sintomas de ideação

paranóide quando comparado com o GCP (p < .001), e com o GCE (p < .0001).

Adicionalmente, foram encontradas diferenças significativas entre os grupos de controlo (p <

.0001). Finalmente, sintomas de psicoticismo também são significativamente mais reportados

no GEP do que no GCP (p < .0001) e do que no GCE (p < .0001). Os grupos de controlo

também diferem no índice de sintomas de psicoticismo (p < .001).

De forma a analisar possíveis efeitos de interacção com as dimensões do BSI, procedeu-

se a uma análise de variância de medidas repetidas (ANOVA) com 10 factores: grupo (GEP x

GCP x GCE) x Dimensões da BSI (somatização, obssessões-compulsões, sensibilidade

interpessoal, depressão, ansiedade, hostilidade, ansiedade fóbica, ideação paranóide e

psicoticismo). Os resultados mostram um efeito principal de Grupo [F (2, 154) = 58,905, p <

.0001], sendo que o GEP apresenta, no geral, valores significativamente superiores nas

dimensões do BSI (M = 1.62; DP = 0.39) quando comparado com o GCP (M = 0.9; DP = 0.34, p

< .0001) e com o GCE (M = 0.6; DP = 0.25, p < 0.0001). O GCP também mostra valores

superiores relativamente ao GCE (p < .001). A análise mostra também um efeito principal das

dimensões do BSI [F (8, 123) = 58,137, p < .0001] (Gráfico 6).

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Tabela 15. Comparação das médias para as dimensões da BSI para cada grupo (entre grupos, One-way ANOVA).

Dimensão BSI GEP (N=52)

GCP (N=52)

GCE (N=53)

F (2,154)

Somatização 1.29 ± 0.88 0.57 ± 0.56 0.33 ± 0.37 31.342***

Obssessões-Compulsões 1.37 ± 0.83 0.93 ± 0.55 0.88 ± 0.58 8,7167***

Sensibilidade interpessoal 1.67 ± 0.90 1.05 ± 0.64 0.65 ± 0.56 27.532***

Depressão 2.07 ± 1.03 0.80 ± 0.56 0.52 ± 0.61 60.943***

Ansiedade 1.83 ± 0.81 0.91 ± 0.55 0.50 ± 0.34 68.940***

Hostilidade 1.45 ± 0.99 0.97 ± 0.82 0.60 ± 0.53 15.017***

Ansiedade Fóbica 0.94 ± 0.76 0.42 ± 0.47 0.21 ± 0.33 24.602***

Ideacção paranóide 2.19 ± 0.78 1.65 ± 0.67 1.00 ± 0.66 37.658***

Psicoticismo 1.72 ± 0.84 0.97 ± 0.59 0.48 ± 0.47 48.086***

Índice Geral de Sintomas 1.65 ± 0.67 0.93 ± 0.42 0.57 ± 0.36 68.940***

Ìndice Sintomas Positivos 2.41 ± 0.48 1.91 ± 0.35 1.50 ± 0.36 15.017***

Total Sintomas Positivos 35.62 ± 10.38 25.73 ± 10.27 20.17 ± 11.71 24.602***

* p < .05, ** p < .01, *** p < .001

Estes resultados mostram que no geral, a dimensão ideação paranóide (M = 1.61; PD =

0.85) é a dimensão com valores significativamente mais elevados quando comparada com as

restantes dimensões do BSI: somatização (M = 0.73; PD = 0.76, p < .0001), obssessões-

compulsões (M = 1.06; PD = 0.69, p < .0001), sensibilidade interpessoal (M = 1.12; PD = 0.83,

p < .0001), depressão (M = 1.13; PD = 1.02, p < .0001), ansiedade (M = 1.07; PD = 0.81, p <

.0001), hostilidade (M = 1.00; PD = 0.87, p < .0001), ansiedade fóbica (M = 0.52; PD = 0.63, p

< .0001) e psicoticismo (M = 1.05; PD = 0.83, p < .0001). Em contraste, a dimensão ansiedade

fóbica é a dimensão com valores significativamente inferiores quando comparada com todas as

dimensões do BSI: somatização (p < .0001), obsessões-compulsões (p < .0001), sensibilidade

interpessoal (p < .0001), depressão (p < .0001), ansiedade (p < .0001), hostilidade (p < .0001)

e psicoticismo (p < .0001). Na mesma direcção, a dimensão somatização revela também

valores significativamente reduzidos quando comparada com as outras dimensões do BSI:

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Mestrado em Medicina Legal e Ciências Forenses_________________________________93

somatização (p < .0001), obsessões-compulsões (p < .0001), sensibilidade interpessoal (p <

.0001), depressão (p < .0001), ansiedade (p < .0001), hostilidade (p < .0001) e psicoticismo (p

< .0001). Não foram observadas outras diferenças significativas entre as dimensões da BSI (ps

>.1).

Gráfico 6. Efeito principal das dimensões do BSI

Esta análise revela ainda uma interacção entre Grupo e as Dimensões do BSI [F(16,

123) = 7,459, p < .0001] (Gráfico 6), sugerindo um perfil distinto para cada grupo ao longo dos

dimensões do Inventário de Sintomas Psicopatológicos. Este resultado é consistente com os

resultados obtidos nas análises anteriores (One way ANOVA), que já tinha evidenciado

diferenças significativas entre os três grupos quanto aos valores para cada dimensão do BSI.

Em particular, no GEP, o teste post-hoc (Tukey USD) mostra que, com excepção da dimensão

depressão (p >.1), há diferenças significativas entre a dimensão ideação paranóide e as

restantes dimensões: somatização (p < .0001), hostilidade (p < .0001), ansiedade (p < .03),

ansiedade fóbica (p < .0001), psicoticismo (p < .001), obsessões-compulsões (p < .0001), e

sensibilidade interpessoal (p < .0001). A dimensão somatização também tem valores

significativamente diferentes das dimensões depressão (p < .0001), ansiedade (p < .0001),

psicoticismo (p < .002) e sensibilidade interpessoal (p < .02). A dimensão ansiedade fóbica tem

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valores significativamente diferentes das dimensões depressão (p < .0001), hostilidade (p <

.0001) ansiedade (p < .0001), psicoticismo (p < .001) e sensibilidade interpessoal (p < .0001). A

dimensão depressão difere significativamente das dimensões hostilidade (p < .001),

obsessões-compulsões (p < .0001) e sensibilidade interpessoal (p < .01). Observa-se ainda

que a dimensão ansiedade também tem valores significativamente diferentes das dimensões

hostilidade (p < .02) e obsessões-compulsões (p < .001). Por outro lado, no GEP, o teste post-

hoc (Tukey USD) mostra que há diferenças significativas entre a dimensão ideação paranóide e

todas as outras dimensões (ps < .0001). Com excepção da dimensão somatização (p >.1), há

diferenças significativas entre a dimensão ansiedade fóbica e as restantes dimensões:

depressão (p < .02), hostilidade (p < .0001), ansiedade (p < .0001), psicoticismo (p < .0001),

ideação paranóide (p < .0001), obsessões-compulsões (p < .0001) e sensibilidade interpessoal

(p < .0001). São ainda observadas diferenças significativas entre a dimensão somatização e as

dimensões hostilidade (p < .01), psicoticismo (p < .01) e sensibilidade interpessoal (p < .001).

Finalmente, para o GCE, as comparações intra-grupo mostram que, com excepção da

dimensão obssessões-compulsões (p >. 1), há diferenças significativas entre a dimensão

ideação paranóide e as restantes dimensões: somatização (p < .0001), depressão (p < .0001),

hostilidade (p < .01), ansiedade (p < .0001), ansiedade fóbica (p < .0001), psicoticismo (p <

.0001) e sensibilidade interpessoal (p < .04). A dimensão obsessões-compulsões é

significativamente diferente das dimensões somatização (p < .0001), depressão (p < .04),

ansiedade (p < .02), ansiedade fóbica (p < .0001) e psicoticismo (p < .01). Observam-se ainda

diferenças significativas entre a dimensão ansiedade fóbica e as dimensões de hostilidade (p <

.01) e sensibilidade interpessoal (p < .001).

Quanto às comparações inter-grupo, os resultados do teste Tukey (USD) mostram

apenas que a dimensão depressão é significativamente diferente entre o GEP e o GCP (p

<.005) e o GCE (p <.0001). Diferenças significativas são observadas entre o GEP e o GCE nas

dimensões ansiedade (p <.001), psicoticismo (p <.01) e ideação paranóide (p <.01).

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Mestrado em Medicina Legal e Ciências Forenses_________________________________95

Gráfico 7. Interacção grupo x dimensões BSI.

Finalmente, foram efectuadas análises correlacionais (Pearson r) entre as dimensões da

BSI e a ideação suicida, para cada grupo, separadamente. Esta análise correlacional revela

que a ideação suicida está positivamente correlacionada com sintomas de depressão no GEP

(r= .33; p<.02) e no GCE (r= .30; p<.03). Isto indica que nos indivíduos destes dois grupos,

quanto mais elevado for a dimensão depressão maior é a ideação suicida. Ainda no GEP,

observam-se correlações positivas entre a ideação suicida e obsessões-compulsões (r= .38;

p<.006) e entre os índices IGS (r= .30; p<.03) e TSP (r= .31; p<.02), mostrando que quanto

mais elevado for a dimensão obsessões-compulsões maior é a ideação suicida.

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Mestrado em Medicina Legal e Ciências Forenses_________________________________96

7. DISCUSSÃO

Os efeitos da reclusão no ser humano estão amplamente documentados na literatura

científica como tendo uma grande influência nos comportamentos parasuicidários,

nomeadamente na tentativa de suicídio (Fruehwald et al., 2000; Mckee, 1998; Marcus et al.

1993; Kovasznay et al., 2004; Magaletta et al., 2008). Em Portugal, o suicídio em meio

prisional, tem merecido a atenção das instituições envolvidas, embora seja uma área ainda

insuficientemente investigada. Tendo por base estudos científicos, que constataram que a

tentativa de suicídio constitui um elevado factor de risco para o suicídio consumado (Corcoran

et al., 2004; Neeleman, 2001; Daniel, 2006; Sokero et al., 2003; Oquendo et al., 2007; Kutcher

& Chehil, 2007), este trabalho propõe-se estudar e, tanto quanto possível, compreender e

contextualizar as tentativas de suicídio em meio prisional, bem como identificar factores

pessoais, designadamente características de personalidade e eventual psicopatologia dos

reclusos que cometeram uma ou mais tentativas de suicídio durante o período de reclusão.

Os instrumentos seleccionados foram o Inventário de Personalidade NEO PI-R, o

Inventário de Sintomas Psicopatológicos (BSI) e foi criado um guião de entrevista para a

recolha de informação sócio-demográfica, hábitos de consumo de substâncias tóxicas,

antecedentes pessoais, familiares e criminais dos reclusos, bem assim como das

características da actual tentativa de suicídio.

A selecção da amostra, exclusivamente do sexo masculino, esteve relacionada com o

facto de ser este o género mais representado no universo prisional português, existindo em

Portugal 50 estabelecimentos prisionais, sendo que 47 acolhem reclusos do sexo masculino e

apenas 3 têm reclusas do sexo feminino. Desta forma, procedeu-se à recolha da amostra em

nove estabelecimentos prisionais, situados na Região de Lisboa e parte da Região Centro,

reunindo uma amostra representativa das regiões referidas. A amostra é constituída por um

grupo de reclusos que tentou suicidar-se durante o cumprimento da actual pena de prisão

(grupo experimental) e comparada com dois grupos de controlo que nunca tentaram suicidar-se

ao longo da sua história de vida, sendo que um dos grupos de controlo é constituído por

reclusos dos mesmos estabelecimentos prisionais do grupo experimental e o outro grupo é

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Mestrado em Medicina Legal e Ciências Forenses_________________________________97

constituído por indivíduos que vivem na comunidade, sem antecedentes criminais e sem

tentativas de suicídio ao longo da vida.

O grupo de reclusos que cometeram tentativas de suicídio na prisão (GEP) tinham, em

média, 35,5 anos de idade, eram solteiros, caucasianos na sua grande maioria, com

naturalidade e residência em Lisboa, com escolaridade igualmente dividida entre o 1.º e o 2.º

ciclos, sem filhos (38,5%) ou com um filho 30,8%, membros de grandes fratrias, em que 65,4%

têm 3 ou mais irmãos, posicionando-se como filhos mais velhos ou intermédios. A faixa etária

dos reclusos que tentaram o suicídio, situa-se num espectro idêntico aos resultados apurados

por Semedo Moreira (1998). Embora, o estudo de Semedo Moreira (1998) apresente números

reais de suicidados, não se pode ficar indiferente a tal nível de proximidade, pois, segundo as

conclusões deste autor, “mais de metade dos reclusos que atentaram contra a própria vida são

jovens adultos e a faixa etária onde o fenómeno assumiu maior expressão foi a dos 30 – 39

anos” (op. cit., 1998, p. 20), levando a concluir, ainda que empiricamente, que o universo de

reclusos que atenta contra a própria vida e que passam à consumação do acto se estrutura

numa pirâmide etária muito jovem.

Os indivíduos dos três grupos são, maioritariamente, de nacionalidade portuguesa ou

originária de Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Os indivíduos do GEP e

GCP não diferem muito relativamente à naturalidade e residência, mas os sujeitos do GCE são

naturais e residem na sua maioria na Região Centro do país.

O estado civil dos indivíduos do GEP e do GCP é maioritariamente solteiro, ao contrário

dos indivíduos do GCE que são maioritariamente casados. Importa salientar, que a população

prisional também é representada por homens solteiros, factor que contribui naturalmente para

explicar o facto de serem reclusos solteiros que cometem tentativas de suicídio e que se

suicidam mais frequentemente. Esta constatação não é surpreendente face aos dados

existentes na literatura (Joukamaa, 1997; Fruehwald et al., 2004). Sabe-se contudo, que 55,8%

dos reclusos do grupo de investigação tiveram um relacionamento marital (cuja duração

mínima foi de 6 meses) e 40,4% tiveram dois ou mais relacionamentos maritais, que já não se

mantêm actualmente, facto que sugere alguma instabilidade afectiva e relacional destes

indivíduos. Ao contrário dos dois grupos em reclusão, no GCE, a maioria dos indivíduos são

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Mestrado em Medicina Legal e Ciências Forenses_________________________________98

casados, embora esse facto não tenha representado uma diferença significativa em termos de

resultados do presente estudo. Esta realidade pode aumentar o isolamento do recluso e o

sentimento de solidão pelo facto de este estar numa situação mais vulnerável como é a

reclusão. Os resultados apontam, também, para o facto do aumento do período de reclusão

influenciar positivamente o número de relações maritais, evidenciando que os antecedentes

criminais que levam a pena de prisão efectiva aumentam o número de vezes que cada

indivíduo coabita e estabelece uma nova relação. Num estudo de Gonçalves (2008), em

contexto prisional português, a maioria dos sujeitos mal-adaptados estavam

divorciados/separados, podendo esse facto reflectir, na opinião do autor, um factor que

testemunha o cansaço por parte do cônjuge ao constante entrar e sair da prisão e ser

justificado pelo número de detenções e pela dificuldade, por parte do recluso e/ou companheira

em continuarem a manter laços afectivos estáveis e duradouros. Ao nível do suporte familiar,

mais de metade do grupo experimental refere que tem apoio por parte dos pais, irmãos,

mulher/companheira e/ou filhos. No entanto, é importante salientar que 34,6% referiram não ter

qualquer apoio ou visitas, permanecendo em reclusão totalmente entregues a si próprios.

Estudos como o de Wasserman (2001) indicam que o isolamento social, físico e psicológico

constitui um indicador de risco, independentemente de outras circunstâncias. Cabe aqui realçar

que os resultados obtidos mais de um terço (34,6%) dos reclusos do GEP se encontram nestas

condições de isolamento.

Os acontecimentos de vida relevantes referidos como aqueles que mais marcaram

negativamente cada indivíduo são os problemas relacionados com a situação jurídico-penal

para os dois grupos de indivíduos que se encontram detidos. Os problemas verbalizados como

os que mais marcaram negativamente cada indivíduo estão relacionados, naturalmente, com

os antecedentes criminais destes sujeitos, uma vez que no grupo experimental 69,2% tinham

condenações anteriores, variando entre um mínimo de 1 e um máximo de 6 prisões efectivas.

No GCP, o número de prisões efectivas diminui, mas ainda assim, é bastante expressivo o

número de reclusos com antecedentes criminais sendo 38,5% os que tinham estado presos

anteriormente, variando entre 1 e 4 o número de prisões efectivas. Constata-se que os

indivíduos do grupo experimental passaram muito tempo das suas vidas em reclusão, sendo

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perfeitamente compreensível que os problemas mais marcantes de forma negativa tenham

ocorrido na prisão. Com este historial de prisões, reforça-se a instabilidade nas relações

afectivas e maritais, que sofrem naturalmente um efeito erosivo, conduzindo frequentemente a

rupturas e, subsquentemente, ao isolamento do recluso. Estes resultados são congruentes com

o estudo de Semedo Moreira (1998), pese embora, tratar-se de um estudo de suicidados em

meio prisional, em que mais de metade dos reclusos que se suicidaram tinham antecedentes

criminais, registando mais do que uma condenação. Ao invés, no GCE, os acontecimentos de

vida mais relevantes negativamente, dividem-se entre os problemas familiares, de saúde e

profissionais.

Relativamente aos padrões de consumo de substâncias lícitas e ilícitas, os números

disparam no GEP relativamente ao consumo de ambas as substâncias. Neste grupo 88,5% de

reclusos fumam tabaco, tendo iniciado estes consumos, por volta dos 14 anos de idade. Este

número é mais reduzido, embora seja bastante expressivo, quando se observa o GCP, onde

59,6%, ou seja, mais de metade dos indivíduos fumam tabaco. Cenário inverso é precisamente

o dos indivíduos do GCE, em que 79,2% não fumam tabaco. O consumo de álcool dos

indivíduos do GEP representa sensivelmente o dobro do consumo diário de bebidas alcoólicas

comparando com os sujeitos do grupo de controlo em meio prisional. Relativamente às drogas

ilícitas, os níveis de consumo são bastante diferentes nos três grupos, afectando mais de

metade da população do grupo de estudo (57,7%), cujos sujeitos consumiam regularmente

drogas psicoactivas em associação, tais como: haxixe, heroína e/ou cocaína. Este número

regista uma redução para metade, sensivelmente, nos indivíduos do GCP (26,9%), quando se

trata de consumidores regulares das drogas em associação mencionadas. Verifica-se,

portanto, que o grupo experimental é invariavelmente aquele que tem mais problemas aditivos.

Estes resultados indicam um padrão de consumos de grandes proporções, em sintonia com

vários estudos onde é referida a elevada taxa de criminalidade entre os consumidores de

drogas, nomeadamente substâncias psicoactivas (Andersen, 2004; Carli et al., 2011,

Fruehwald et al., 2004; Kovasznay et al., 2004).

A tipologia de crimes cometidos pelos indivíduos de ambos os grupos em meio prisional,

não é muito diferente, sendo que metade da amostra cometeu crimes contra o património,

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Mestrado em Medicina Legal e Ciências Forenses_________________________________100

nomeadamente furto e roubo, seguindo-se de crimes contra as pessoas (sendo o homicídio o

mais expressivo) e em menor número os crimes relacionados com o tráfico de droga. Importa

todavia realçar que o crime contra as pessoas, que normalmente é mais violento, está mais

representado no grupo experimental. Mais de metade dos reclusos de ambos os grupos em

meio prisional têm várias condenações no cumprimento da actual pena de prisão. Um dado

muito relevante que deve ser tido em conta é o tempo de pena dos reclusos do GEP, em que

metade dos sujeitos (50%) tem 10 anos ou mais de pena para cumprir e 34,6% tem uma pena

maior do que 5 e menor do que 10 anos, fruto da história criminal e, naturalmente, da prática

de crimes graves e violentos. As penas longas representam para muitos indivíduos demasiado

tempo em reclusão completamente insuportável para muitos reclusos com pouca capacidade

de resiliência, podendo representar um dos motivos explicativos da problemática em estudo.

Estes resultados são corroborados por diversos estudos conhecidos na literatura (Moreira,

1998; Hayes, 2000; Blaauw et al. 2005). O tempo de pena cumprido em média pelos reclusos

que atentaram contra a própria vida, que foi de 5 anos e 6 meses, não pode, no entanto fazer

esquecer o número de anos que já cumpriram que se situa nos 18 anos. Ora, isto remete para

uma questão recorrente e efectiva, será que uma pessoa que passa 18 anos da sua vida em

reclusão, não fica mais vulnerável psicologicamente?

Os comportamentos autodestrutivos (automutilações) registam uma diferença

significativa, mostrando que o grupo experimental tem muito mais comportamentos de violência

autodirigida do que os grupos de controlo. Num estudo realizado por Neves (2010), no Hospital

Prisional de Caxias, no grupo de reclusos com história de comportamentos autodestrutivos,

56% invocavam a descarga da “afectividade hostil”, permitindo o afastamento da revolta e da

tensão. Numa análise de conteúdo, este autor incluiu relatos de reclusos como “corto-me com

lâminas há 25 anos, também já fiz greves de fome, sou muito nervoso, recorro à automutilação

para me conter e não matar alguém” (op. cit., 2010, p. 160), ou de outro recluso que refere

sentimentos de desespero e dor depressiva “faço-o por desespero, é um desabafo (…), alivia a

dor” (op. cit., 2010, p. 160). Nestes relatos está bem patente o sofrimento psicológico e o

desespero. A este propósito recorde-se que Saraiva (2006a)), aponta uma perspectiva paralela

de encarar estes comportamentos, referindo que muitos protagonistas dos que cortam o corpo,

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o fazem numa certa forma de loucura privada e auto-contemplação, para usufruírem de um

prazer íntimo ou tão só para sentirem a dor do corpo em vez da dor da alma. Ao longo das

entrevistas com os reclusos houve oportunidade de testemunhar alguns cortes bastante

graves, que exigiram intervenção hospitalar, pois sem os cuidados médicos teriam sido fatais.

A perturbação mental diagnosticada revela-se bastante significativa para o grupo

experimental, reflectindo um maior número de diagnósticos de perturbação mental. Neste

grupo (GEP), os diagnósticos apurados pelos psiquiatras que os acompanham, são na sua

maioria perturbações do humor (depressão) com 26,9%, perturbação estado-limite/borderline

da personalidade com 21,2% e a perturbação anti-social da personalidade. Enquanto no GCP,

apenas 7,7% dos indivíduos têm perturbações do humor (depressão). Neste estudo, os

reclusos com perturbações psiquiátricas diagnosticadas são alvo de mais acompanhamento e

usam mais medicação psicotrópica, o que ajuda a explicar o elevado número de reclusos que

se encontrava a fazer medicação psicotrópica. Um estudo recente de Rivlin et al. (2010),

envolvendo 60 reclusos que tentaram suicidar-se por método letal (enforcamento e

estrangulamento) 60 reclusos sem tentativas de suicídio, mostrou que 97% dos indivíduos que

cometeram tentativas de suicídio sofriam de perturbação mental e as tentativas de suicídio

mais letais estavam associadas a história psiquiátrica, mais especificamente perturbação

depressiva, psicose, perturbação de pânico e perturbação da ansiedade e também ao consumo

de psicofármacos.

No presente estudo, 37 (71,2%) reclusos tinham cometido tentativas de suicídio prévias,

fora ou dentro da prisão. A primeira tentativa de suicídio em meio prisional no cumprimento da

pena actual de prisão, em média, ocorreu quando o recluso se encontrava preso à 3 anos e 4

meses, variando, entre o primeiro dia e 15 anos de reclusão. Quanto às tentativas de suicídio

prévias, sabe-se pela revisão da literatura (Shneidman, 1993; Saraiva, 2006a); Daniel, 2006;

Sokero et al., 2003; Oquendo et al., 2007, Kutcher & Chehil, 2007; Perry & Gilbody, 2009;

Fruehwald, et al., 2003) que representam um factor de risco para o suicídio consumado. Numa

autópsia psicológica de 76 suicidados, Way et al. (2005) encontraram 52% com tentativas de

suicídio prévias. Num outro estudo igualmente sobre autópsia psicológica, Costa Santos (1998)

revelou que 40% dos suicidados tinham cometido tentativas de suicídio anteriores. Embora a

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literatura aponte, maioritariamente para os primeiros dias e meses de reclusão como os

momentos que mais contribuem para esta realidade, neste estudo encontrou-se um tempo

diferente. Não obstante, a entrada na prisão representar uma experiência de vida bastante

stressante (Moreira, 2008), também é notório que a própria reclusão acarreta inúmeros

problemas que podem aumentar a ideação suicida e a passagem ao acto ao longo do

cumprimento de pena.

Relativamente à tentativa de suicídio actual, a estação do ano em que se registaram

mais tentativas de suicídio foi na Primavera, com 17 tentativas de suicídio, seguindo-se o

Verão com 15 tentativas de suicídio, distribuindo-se as restantes igualmente pelo Outono e

Inverno. Os meses com mais tentativas de suicídio foram Maio e Setembro. O dia da semana

que registou mais tentativas de suicídio foi quarta-feira, seguindo-se o fim-de-semana sábado,

sexta-feira e domingo. Evidencia-se o pico registado na Primavera, dado já conhecido da

literatura e associado a possíveis influências dos ritmos sociais (Moreira, 1998; Costa Santos,

1998; Durkheim (1897, ed. port. 2007). Segundo Durkheim (1897, ed. port. 2007, p.95) “o

homem prefere deixar a vida no momento em que esta lhe é mais fácil”, referindo-se ao Verão.

O mesmo autor (op. cit., p. 95) reconhece ainda que metaforicamente, que a estação do ano

mais favorável ao suicídio “é aquela em que o céu é mais cinzento, em que a temperatura é a

mais baixa e a atmosfera mais húmida”.

Quanto ao período do dia mais crítico, apurou-se ter sido no final do dia,

designadamente entre as 18H e as 24 horas com 44,2% das tentativas de suicídio, seguindo-

se o período entre as 14h e as 18h com 32,7%. As restantes tentativas de suicídio distribuíram-

se ao longo do dia, tendo um pico na hora de almoço, entre as 12h e as 14h. O período referido

como tendo sido o pior (entre as 18h e as 24 horas), pode ser, segundo a nossa perspectiva,

dividido em dois tempos diferentes no contexto prisional. Entre as 18h e as 19 horas,

habitualmente, os estabelecimentos prisionais procedem ao encerramento dos reclusos, ou

seja, um momento de maior acalmia, após o fecho, concomitante com alguma agitação até por

volta das 21 horas. A partir desta hora, de facto, o ruído diminui, a agitação no interior das

celas aparentemente também, ficando os reclusos mais isolados do mundo e dos próprios

companheiros. Segundo os próprios reclusos, aquele primeiro tempo foi sempre retratado

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como o período “mais difícil de aguentar”, principalmente no período do Verão em que o

encerramento é realizado em pleno dia, tendo de permanecer mais algumas horas fechados

sem o dia ter escurecido. O mesmo período do dia não é igualmente sentido como tão doloroso

no Inverno, pois quando são encerrados já o dia aparentemente terminou, uma vez que a

escuridão já se instalou. A vigilância neste período do dia também reduz a sua acção, ficando

apenas o turno da noite com menos operacionais e com a obrigatoriedade de realizar as

chamadas rondas ao longo da noite. Ao longo das entrevistas, houve muitos relatos

exactamente sobre estes rituais, em que os reclusos verbalizaram “eu esperava que o guarda

fizesse a ronda e depois sabia que ninguém vinha e foi nesse momento que eu fiz isso” (sic). O

período da tarde (entre as 14H e as 18 horas), momento que precede exactamente o anterior,

talvez seja mais difícil para quem não tem nenhuma ocupação laboral, ao que se apurou 39

reclusos não estavam ocupados. Poderá especular-se se o facto de não estarem ocupados ou

integrados em nenhuma actividade, não seria já fruto de alguma instabilidade emocional que

não permitisse a sua integração e permanência nessa actividade, ou se, por outro lado, estaria

única e exclusivamente, relacionada com as diferentes oportunidades de oferta laboral,

educativa e/ou terapêutica, existente no estabelecimento prisional.

O local onde mais de metade dos reclusos (71,2%) tentou suicidar-se foi na cela

individual de habitação, 15,4% foi na cela disciplinar, 7,7% foi na camarata, eventualmente

alojados com outros reclusos, e 3 na ala prisional. Juntando os reclusos que estavam na cela

individual de habitação e na cela disciplinar, somam 45 reclusos desta amostra que tentaram

suicidar-se em espaços onde estavam sozinhos, o que constitui um número muito expressivo e

alvo de alguma reflexão. Existe o mito de que as tentativas de suicídio cometidas na cela

disciplinar têm apenas um único objectivo: suprimir a medida disciplinar. Realizada uma

recolha de informação mais aprofundada nas tentativas de suicídio que ocorreram nestes

espaços, vulgarmente conhecidos por “solitária”, constata-se que as tentativas de suicídio

foram graves, uma vez que 1 recluso foi assistido num hospital civil e foi internado no Hospital

Prisional de Caxias, 4 indivíduos foram internados no Hospital Prisional S. João de Deus em

Caxias na sequência desta passagem ao acto por um período mínimo de 2 semanas, 3

reclusos foram assistidos nos serviços clínicos do estabelecimento prisional e apenas 1 caso

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foi considerado ligeiro, por não ter necessitado de assistência médica. Posto isto, importa

realçar a gravidade das tentativas de suicídio neste espaço, tantas vezes desvalorizadas pela

associação do acto à tentativa de conseguir a anulação da medida imposta.

O método primordialmente usado foi o enforcamento (57,7%), dividindo-se os restantes

entre a ingestão de psicotrópicos (13,5%), flebotomias (11,5%) e ingestão de corpos estranhos

(9,6%). Curiosamente, olhando para os métodos usados nesta investigação pode-se dizer que

são mais diversificados quando comparados com o estudo de Semedo Moreira (1998), ou por

maior disponibilidade de meios ou por maior circulação interna nos estabelecimentos prisionais

de substâncias tóxicas. Quanto ao grau de gravidade, 17 (32,7%) tentativas de suicídio foram

consideradas de gravidade importante, em que os reclusos foram internados na sequência da

lesão, no Hospital Prisional S. João de Deus em Caxias, por um período superior a 24 horas,

alguns destes após passagem por um hospital civil. Vinte e três (44,2%) reclusos tiveram

assistência da equipa médica/enfermagem nos serviços clínicos do respectivo estabelecimento

prisional, 12 (23,1%) não foram alvo de assistência médica, tendo sido observados pelo

enfermeiro de serviço. Tomados em conjunto, os reclusos que foram assistidos no hospital ou

pela equipa médica nos serviços clínicos somam um total de 35 reclusos assistidos, concluindo

que mais de metade necessitaram de cuidados de saúde, podendo equacionar a hipótese da

maioria das tentativas de suicídio terem sido bastante lesivas para os indivíduos. A distinção

entre tentativa de suicídio séria e manipuladora parece controversa à luz da literatura devido

aos critérios de classificação entre automutilação e tentativa de suicídio e à variabilidade de

operacionalização de conceitos e definições utilizadas em diferentes países (Lohner, 2006;

Muehlenkamp & Gutierrez, 2004). Num estudo realizado por Mckee (1998), já referido na

revisão teórica, envolvendo 665 reclusos e 89 reclusas, o enforcamento foi considerado como

método letal e a automutilação como método não letal, visto o enforcamento ser 19 vezes mais

mortal do que as automutilações.

As motivações atribuídas à passagem ao acto recaem fundamentalmente sobre os

problemas relacionados com a prisão e suas contingências, juntamente com os problemas com

guardas e/ou colegas, correspondendo, porventura, ao perfil do recluso inadaptado, no estudo

de Gonçalves (2008) referido na pesquisa bibliográfica. Sentimentos como desânimo,

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Mestrado em Medicina Legal e Ciências Forenses_________________________________105

desespero, tristeza, frustração, stresse e tipo de vida, foram verbalizados como fortes causas

para o seu comportamento auto lesivo, reflectindo naturalmente, sentimentos depressivos. A

ausência no acompanhamento dos filhos, a privação de estar com a família e a perda do apoio

familiar foram, também, apontados como factores bastante influentes. Em menor número,

situam-se questões ligadas à duração da pena, saúde, medicação psicotrópica e aspectos

relacionados com o crime. Estas motivações, são porventura as que se encontram a um nível

mais consciente e por isso foram verbalizadas, todavia, denotam sentimentos de grande

sofrimento psicológico atribuído ao contexto prisional. O quadro de motivos apresentado na

análise descritiva deixa transparecer uma atribuição externa para o seu comportamento, mas

reflecte, também, alguma angústia na resolução de determinados problemas que fogem

claramente ao seu controlo, como por exemplo, a perda de apoio familiar ou, por outro lado, a

ausência no acompanhamento/crescimento dos filhos. Segundo Saraiva (2006a)), alguns

estudos constatam que os deprimidos apresentam valores mais altos de locus de controlo

externo e mais baixos de locus de controlo interno. Este autor (op. cit., 2006a)) sugere que os

indivíduos divergem nas suas experiências, conforme a capacidade para controlar reforços,

positivos ou negativos. Assim, os indivíduos que desde cedo obtiveram êxito a controlar o meio

ambiente, tendem igualmente a esperá-lo no futuro. Perante acontecimentos de vida adversos,

os indivíduos de grande externalidade demonstram mais ansiedade e depressão do que os de

maior internalidade.

Relativamente ao Inventário de Personalidade NEO PI-R, que avalia os cinco factores de

personalidade, o grupo experimental apresenta um perfil de personalidade dominado por:

neuroticismo, abertura à experiência, conscienciosidade, amabilidade e, por último,

extroversão. O neuroticismo é o factor mais elevado no GEP e a extroversão o factor com

resultados mais baixos. Contrariamente ao GEP, o GCE apresenta mais extroversão e menos

neuroticismo. Este indicador revela que os indivíduos do grupo experimental são

emocionalmente mais instáveis, preocupados, inseguros, com dificuldade em lidar com o

stresse e com respostas de coping desadequadas (Costa & McCrae, 2000). Existe um grande

consenso entre a comunidade científica em considerar que o neuroticismo reflecte afectividade

negativa e a extroversão, por seu turno, afectividade positiva. Estes resultados são

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consistentes com alguns estudos recentes que mostram conclusões idênticas (Chioqueta et al.,

2005; Yen et al. 2009; Guillaume et al., 2010). Num estudo conduzido por Hirvikoski et al.

(2011), na Clínica de Prevenção do Suicídio (Estocolmo), com uma população de 181

indivíduos em acompanhamento na sequência de uma tentativa de suicídio, revelaram que o

neuroticismo, ao contrário da extroversão, era o factor com maior expressão. Posto isto, e

atendendo aos resultados da presente investigação, parece que o neuroticismo se constitui

como um factor da maior relevância a ser estudado em indivíduos com ideação suicida, mas

também nos indivíduos que cometem efectivamente tentativa de suicídio.

Este factor é aquele que se destaca mais entre os três grupos, por isso é fundamental,

perceber de que forma é que se comportam as facetas que o constituem. Todas as facetas, à

semelhança do factor, também apresentam o valor mais elevado comparando com os sujeitos

dos outros grupos e com as restantes facetas. A faceta que mais se destaca entre as seis que

compõem o neuroticismo é a depressão, que regista valores bastante elevados. Assim, o

contributo da depressão para o aumento dos índices do neuroticismo é bastante significativo. O

resultado deste traço de personalidade indica que estes indivíduos têm pouca esperança,

sentem-se culpabilizados, tristes, sozinhos e desesperados (Costa & McCrae, 2000). A

literatura é muito abundante nesta área, sugerindo recorrentemente que a depressão é uma

dimensão crucial no estudo do suicídio (Costa Santos, 1998; Andersen, 2004; Daniel et al.,

2006; Chioqueta, 2005; Rivlin et al., 2010).

No mesmo sentido, as restantes facetas constituintes do neuroticismo também se

mostraram significativamente relacionadas com a ideação suicida evidenciando, nos indivíduos

do grupo experimental, valores mais altos comparativamente com os sujeitos dos dois grupos

de controlo, o mesmo não se verificando nos outros domínios do inventário, onde as facetas

apresentam valores semelhantes entre si, manifestando um “comportamento” mais

homogéneo. A vulnerabilidade é outra faceta em que os indivíduos apresentam neste estudo

valores que se distanciam das médias encontradas nos sujeitos dos dois grupos de controlo,

contribuindo também para influenciar o aumento do neuroticismo. Este traço de personalidade

indica que os indivíduos facilmente entram em pânico em situações de emergência e que são

incapazes de lidar com a tensão, tornando-se dependentes. Num estudo orientado por Yen et

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al. (2009), concluíram precisamente que a vulnerabilidade deve ser uma variável a ser

considerada como um importante factor de risco. Liebling (1995), num estudo realizado em

prisões inglesas, com indivíduos que tinham cometido tentativas de suicídio, mostrou que a

vulnerabilidade estava relacionada com a família e com os contactos com o exterior, ou seja,

os reclusos que tinham menos visitas, que recebiam menos correspondência e que estavam

presos em centros urbanos, sentiam-se mais vulneráveis do que os reclusos que estavam em

estabelecimentos mais rurais e que recebiam mais correspondência. Neste estudo, Liebling

(1995) constatou que os reclusos que mantinham mais contacto com o exterior através de

protocolos existentes entre as prisões e a comunidade em geral, tornando possível a

participação em trabalhos comunitários, bem como aqueles reclusos que participavam em

programas educacionais e/ou de intervenção, se apresentavam menos vulneráveis do que

aqueles que não tinham oportunidade de participar em qualquer actividade. Na presente

investigação, sendo a vulnerabilidade uma característica associada à ideação suicida, não

pode dissociar-se do facto de que, aliada ao consumo excessivo de substâncias psicoactivas e

à depressão, podem constituir factores de risco muito consistentes para o comportamento

suicidário. Na mesma linha de pensamento, incluímos a faceta impulsividade, que também está

associada a esta constelação de factores de risco, uma vez que revelou valores altos

comparativamente com os indivíduos dos dois grupos de controlo. Este traço de personalidade

refere-se à incapacidade de controlar e resistir às tentações, nomeadamente desejos relativos

à alimentação, tabaco ou de propriedade, os quais são percebidos como sendo tão intensos

que o indivíduo não consegue resistir-lhe, apesar de mais tarde se poder arrepender desse

comportamento. A literatura tem-se debruçado sobre o estudo da impulsividade associada aos

comportamentos suicidários (Hirvikoski et al.,2011; Yen et al., 2009; Lohner et al., 2006) e ao

uso excessivo de substâncias psicoactivas (Maloney, 2009), considerando, igualmente, este

traço como um factor de risco.

A ansiedade, a hostilidade e a auto-consciência também contribuíram para aumentar o

elevado índice do neuroticismo, uma vez que apresentam valores mais altos do que os

indivíduos dos dois grupos de controlo e do que os outros factores avaliados. A ansiedade

revela que os indivíduos são apreensivos, tensos e preocupados. A hostilidade é um indicador

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Mestrado em Medicina Legal e Ciências Forenses_________________________________108

de que estes indivíduos têm tendência a experienciar raiva, frustração, zangando-se

facilmente. Por fim, a auto-consciência atesta a presença de vergonha e embaraço,

desvalorização pessoal, tímidez e ansiedade social. Num estudo longitudinal, Yen et al. (2009),

usou o Inventário NEO PI-R com 701 participantes, para tentar determinar, entre a afectividade

negativa e a desinibição, qual dos traços de personalidade melhor predizia futuras tentativas de

suicídio, uma vez que o estudo foi realizado ao longo de 7 anos. Concluíram que a afectividade

negativa é o melhor preditor de tentativas de suicídio. De acordo com os índices elevados de

neuroticismo e reduzidos de extroversão, esta conjugação, parece extremamente importante

nesta população, merecendo um destaque crucial no estudo do suicídio. É importante salientar

que quanto mais elevado é o factor neuroticismo maior é a ideação suicida.

Analisemos agora, ainda que resumidamente, as facetas que constituem os outros

quatro factores. Após a análise anterior, o factor extroversão, sendo aquele que menos se

evidencia no grupo experimental, suscita curiosidade imediata para perceber o fundamento de

tal resultado. Percebe-se rapidamente essa razão, pelas áreas avaliadas nesta dimensão,

designadamente, a socialização, o optimismo, a afectividade, a quantidade e intensidade de

relações interpessoais. Analisando um pouco mais detalhadamente, constata-se que os

indivíduos do GEP apresentam níveis muito baixos de acolhimento (intimidade interpessoal),

emoções positivas (satisfação com a vida), assertividade (defesa das suas ideias) e de

gregariedade (preferência em estar sozinho) encontrando-se as outras facetas mais próximas

da média de valores normativos (percentil ≅ 50) para a população em geral. Aprofundando

igualmente o factor abertura à experiência, que avalia a imaginação e aspectos relacionados

com a cognição, observa-se que ao nível da inteligência, os indivíduos do GEP apresentam

valores próximos da população em geral (Lima & Simões, 2000), bem como dos sujeitos dos

dois grupos de controlo. Todavia, é pertinente referir que os resultados sugerem que quanto

mais elevada é a abertura à experiência, maior é o consumo de substâncias psicoactivas. Ora,

sendo este o factor que apresenta resultados mais próximos dos indivíduos dos dois grupos de

controlo, ao contrário dos outros factores, poderá extrair-se daqui que ele traduz de algum

modo a procura de novas sensações, experiências e variedade, podendo ajudar a explicar os

elevados níveis de consumo de substâncias psicoactivas.

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Relativamente à amabilidade, a mesma analogia já não se pode fazer, uma vez que aqui

o grupo experimental se distancia dos indivíduos dos dois grupos de controlo, embora mais

acentuadamente no GCE. A amabilidade, factor que avalia a qualidade das relações

interpessoais, os pensamentos, sentimentos e acções, demonstra a dificuldade dos indivíduos

do grupo experimental em estabelecer e manter relações de confiança (alicerce do

desenvolvimento psicossocial), bem como em ser altruísta (preocupação activa pelos outros).

Por último, a conscienciosidade, medida dos aspectos proactivos, relacionados com a

necessidade de apego ao trabalho, e inibidores, relacionados com escrúpulos morais e a

prudência. Este factor revela diferenças significativas entre os três grupos, sendo mais

acentuadas ao nível da obediência (cumprimento das obrigações) e da deliberação

(planeamento e ponderação).

Após esta observação mais detalhada e tentando fazer um breve resumo das

características essenciais dos indivíduos do grupo experimental, facilmente se percebe que

experienciam uma afectividade negativa, ou seja, instabilidade emocional, com traços de

personalidade depressivos, ansiosos, hostis e bastante vulneráveis. Complementarmente, os

indivíduos que tentaram o suicídio estabelecem poucas relações interpessoais ou de fraca

qualidade, são desconfiados e, de uma forma geral, pouco satisfeitos com a vida.

Uma vez analisada a personalidade, importa saber qual o perfil de sitomatologia

psicopatológica desta população. As respostas encontram-se muito facilmente através dos três

índices do Inventário de Sintomas Psicopatológicos (BSI). O grupo que cometeu tentativas de

suicídio revelou um total de sintomas positivos, um índice geral de sintomas e um índice de

sintomas positivos com resultados superiores aos valores apresentados pelos indivíduos dos

dois grupos de controlo. O índice de sintomas positivos (que representa a intensidade de todos

os sintomas assinalados) e o índice geral de sintomas (que representa a intensidade do mal-

estar psicológico) revelam índices de perturbação emocional, considerando o ponto de corte

aferido para a população portuguesa. Verifica-se ainda que os sujeitos do grupo de controlo em

meio prisional (GCP) obtiveram resultados superiores nos três índices comparativamente com

o grupo de controlo exterior (GCE), mas sem atingir índices de perturbação emocional como o

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GEP. O total de sintomas positivos, embora se encontre acima dos índices para a população

geral portuguesa, não revela valores de perturbação emocional.

As escalas clínicas, no grupo experimental, mostram valores mais altos

comparativamente aos resultados dos dois grupos de controlo, e, à semelhança do verificado

nos três índices, também o GCP apresenta valores mais elevados nas escalas clínicas do que

o GCE. No grupo experimental, algumas dimensões apresentam índice de perturbação

emocional para a depressão, ansiedade, hostilidade, ideação paranóide, sensibilidade

interpessoal e psicoticismo. As escalas de somatização, obsessões-compulsões e ansiedade

fóbica, apesar de revelarem valores acima da média para a população portuguesa, não

mostram índice de perturbação emocional. Nos dois grupos de controlo GCP e GCE, a única

dimensão onde se verifica sintomatologia psicopatológica é a ideação paranóide, as outras

escalas não apresentam índice de perturbação emocional. O grupo experimental é dominado

pelas dimensões: Ideação paranóide, depressão, ansiedade, psicoticismo, sensibilidade

interpessoal, hostilidade, obsessões-compulsões, somatização e ansiedade fóbica. É possível

constatar nesta população, de acordo com os resultados obtidos, índices de sintomatologia

psicopatológica, que sugerem níveis de psicopatologia consideráveis, capazes de comprometer

o funcionamento psíquico e a saúde mental dos sujeitos. A escala clínica depressão revela

resultados coincidentes com a faceta depressão ao nível da personalidade, demonstrando que

este grupo está bastante debilitado em termos de energia anímica e capacidade para reagir

positivamente aos problemas, pois os níveis de depressão são muito elevados. A dimensão

ideação paranóide também apresenta valores bastante elevados, que merecem alguma

atenção. Apesar do sistema prisional, pelas suas contingências, poder aumentar os níveis de

paranóia devido a vários factores associados à prisão, como a vigilância permanente, a

ausência de privacidade e a constante desconfiança dos outros, resulta, ainda assim difícil

explicar resultados tão elevados, talvez fosse interessante aprofundar esta matéria, em futuras

investigações. No entanto, estas constatações poderão ajudar a perceber melhor a razão pela

qual os indivíduos do grupo experimental se sentem sós, sem rede de suporte, sem apoio e

sem condições psicológicas para romper com este sofrimento.

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Tomando em consideração os resultados apresentados e discutidos, afigura-se

importante regressar às questões centrais desta investigação e apresentar os resultados em

função das hipóteses formuladas neste trabalho:

H1 - Os indivíduos que cometeram tentativa(s) de suicídio em meio prisional apresentam

mais factores de risco associados ao suicídio

Após a análise dos resultados, verifica-se esta hipótese, estatisticamente, podendo-se

afirmar que os indivíduos que cometeram tentativa de suicídio apresentam mais factores de

risco associados ao suicídio, em consonância, aliás, com os resultados de outros trabalhos

científicos referidos na revisão teórica (Lekka, 2006; Way, 2005; Moreira, 2008). Nesta

investigação, os factores de risco encontrados na população que cometeu tentativa de suicídio,

a qual difere nos dois grupos de controlo, são vários: o factor de personalidade neuroticismo

que apresenta valores mais elevados do que os dois grupos de controlo, evidenciando mais

afectividade negativa e consequentemente mais instabilidade emocional, com respostas de

coping desadequadas. A questão da personalidade está estreitamente relacionada com a

perturbação mental que apresentou diferenças estatisticamente significativas em relação aos

sujeitos dos dois grupos de controlo. Por seu turno, a sintomatologia psicopatológica também

se diferenciou entre o grupo experimental e os dois grupos de controlo, apresentando no

primeiro caso índices de perturbação emocional, ao contrário dos dois grupos de controlo,

constituindo mais um factor de risco. As automutilações também diferem bastante entre os

indivíduos do grupo experimental e os dos grupos de controlo, sendo amplamente mais

frequentes no grupo que cometeu tentativas de suicídio. As tentativas de suicídio prévias são

naturalmente uma variável diferente, mas é sabido por vários estudos constituírem um

importante factor a ter em conta (Corcoran et al. 2004; Neeleman, 2001; Daniel, 2006; Sokero

et al., 2003; Oquendo et al., 2007; Kutcher & Chehil, 2007). O uso excessivo de substâncias

psicoactivas é muito superior no grupo experimental do que nos dois grupos de controlo,

sobretudo no GCE. O consumo de drogas tem sido amplamente documentado na literatura

como um factor de risco associado ao suicídio (Kovasznay et al., 2004; Maloney et al., 2009;

Andersen, 2004). A relação familiar é outro factor a ter em conta, uma vez que a quantidade de

problemas familiares, que transportam consigo para a prisão, invocando a teoria da importação

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já referida na revisão teórica, irá acompanhá-los até ao momento da sua libertação. O número

de relacionamentos maritais é outra variável onde se verificam diferenças estatisticamente

significativas entre os grupos, ressaltando o facto dos indivíduos do grupo experimental ter tido

mais relacionamentos e actualmente não ter tanto apoio, nem rede de suporte. Estas relações

não foram duradouras na maioria dos casos, ainda assim algumas deram origem a filhos, que

podem actualmente constituir um factor agravante de instabilidade emocional. Os

acontecimentos de vida relevantes estão, na maioria dos casos, relacionados com a situação

jurídico-penal e com a prisão, tendo-se verificado diferenças estatisticamente significativas

entre o GEP e o GCE, mas não foram encontradas diferenças entre o GEP e o GCP,

reforçando uma vez mais que a prisão se constitui como um acontecimento de vida relevante

para aqueles que vivenciam essa experiência.

H2 - Os indivíduos que cometeram tentativa(s) de suicídio apresentam mais

sintomatologia psicopatológica, nomeadamente ao nível da depressão e ideação paranóide

Esta hipótese verifica-se através das diferenças estatisticamente significativas

encontradas nas análises realizadas com o Inventário de Sintomas Psicopatológicos (BSI),

entre os sujeitos do grupo experimental e os dos dois grupos de controlo. Estes resultados

apresentam uma diferença estatisticamente muito significativa ao nível da depressão (2,07) e

ao nível da ideação paranóide (2,19), indicando índices de perturbação emocional, ao contrário

dos indivíduos dos dois grupos de controlo, que não apresentam sintomatologia

psicopatológica. Para além disso, estes valores são confirmados, com testes que mostram as

diferenças estatisticamente significativas encontradas para a escala da depressão, no

Inventário de Personalidade NEO PI-R, onde este traço obteve resultados muito elevados

comparativamente aos dos dois grupos de controlo. Paralelamente, as outras dimensões do

BSI mostraram igualmente sintomatologia psicopatológica que confirmam esta hipótese.

H3 - Os indivíduos que cometeram tentativa(s) de suicídio apresentam uma maior

vulnerabilidade, impulsividade e hostilidade

Esta hipótese verifica-se através das diferenças estatisticamente significativas

encontradas nas análises realizadas com o Inventário de Personalidade NEO PI-R, que mostra

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as diferenças estatisticamente muito significativas entre os sujeitos do grupo experimental e os

dos dois grupos de controlo. As diferenças são verificadas para a vulnerabilidade (73.8),

hostilidade (71.6) e impulsividade (63.5). Estes resultados são confirmados pelos resultados

obtidos na escala hostilidade (1.45) do BSI, que registam diferenças estatisticamente

significativas entre os indivíduos do grupo experimental e os dos dois grupos de controlo.

8. Perfil do recluso que cometeu tentativa de suicídio

O perfil do recluso que comete tentativas de suicídio corresponde ao de um indivíduo,

pertencente ao grupo etário dos 30 aos 40 anos, solteiro, com baixa escolaridade, oriundo de

grandes fratrias, com uma relação marital até ao momento da reclusão, sem filhos, sem apoio,

visitas, correspondência, nem suporte familiar e/ou emocional. Os acontecimentos de vida

relevantes, surgem estreitamente relacionados com os aspectos prisionais como a privação da

liberdade, ambiente prisional violento, transferências e com a ausência de suporte familiar. É

consumidor de substâncias psicoactivas em associação, designadamente: haxixe, heroína e

cocaína e autor de crimes contra a propriedade como furto ou roubo, com antecedentes

criminais, tendo cumprido em média mais 2 penas de prisão efectiva. O recluso típico possui

história de comportamentos autodestrutivos, diagnóstico de perturbação mental e encontra-se

medicado com psicofármacos. Este recluso já tinha cometido mais tentativas de suicídio

anteriores à actual. A actual tentativa de suicídio foi concretizada por enforcamento, entre as 18

e as 24 horas, na cela de habitação, tendo sido classificada como de gravidade importante. A

sua personalidade é marcada pelo neuroticismo e reduzida extroversão. Os traços de

personalidade mais evidentes são a depressão/distimia, seguida pela vulnerabilidade,

hostilidade e ansiedade, denotando pouco acolhimento e confiança. A sintomatologia

psicopatológica presente de forma mais acentuada é a ideação paranóide, depressão,

hostilidade, sensibilidade interpessoal e psicoticismo.

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9. Caso ilustrativo

M. tem 47 anos de idade, é divorciado e tem o 2.º ciclo completo. É natural e residente

num bairro da periferia de Lisboa. Quando M. entrou no gabinete de atendimento, para esta

entrevista, vinha eufórico e bem-disposto. Questionado pela razão da sua euforia, respondeu

imediatamente “o telemóvel veio dar uma grande ajuda”, subentendendo-se que tinha acabado

de usar o telemóvel, algo que é sempre vivido pelos reclusos com um misto de ansiedade e de

prazer proibido. Oriundo de uma família com algum desafogo económico, os pais de M.

emigraram durante 10 anos, pelo que M. viveu até aos 11 anos num país europeu, juntamente

com os seus dois irmãos. Regressados a Portugal, o pai, descrito como um homem pouco

afectuoso e agressivo, continuou como motorista e a mãe como doméstica, sendo, segundo

M., uma mulher pouco dada à expressividade emocional, pois “não demonstrava os

sentimentos relativamente aos filhos”, continuando a afirmar “era uma mulher muito fria e

rígida, só se aproximava dos filhos quando bebia bebidas alcoólicas”.

Na escola M. não tinha grandes dificuldades, mas em casa o ambiente era mau,

existindo muitos conflitos e violência física. Durante o período da adolescência saía com os

amigos para fugir ao ambiente de violência em casa, tendo iniciado hábitos alcoólicos

excessivos, que mais tarde vieram a tornar-se patológicos, dado as quantidades que ingeria

diariamente “bebia todos os dias, desde cervejas a bebidas brancas.” Abandonou a escola e

começou por fazer trabalhos indiferenciados, tendo iniciado consumos de haxixe por volta dos

15 anos, altura em que começou a evidenciar comportamentos delinquentes. Estes

comportamentos culminaram numa detenção aos 16 anos por furto de veículos. Quando saiu

da prisão, tentou fazer uma vida diferente e foi trabalhar com uma tia que era vendedora

ambulante. Porém, o consumo de drogas de abuso não parou, iniciando-se nos percursos da

heroína e cocaína, e continuando a prática criminal, para satisfazer as suas necessidades

aditivas “era tudo para a droga”. Casou aos 19 anos e quando o seu filho tinha 6 dias de vida,

M. foi novamente detido, tendo ficado preso 9 meses. Entretanto, os pais de M. divorciaram-se

e não puderam continuar a apoiá-lo da mesma forma. Pouco tempo depois o próprio M.

também se divorciou, porque a mulher já não aguentava mais as entradas na prisão do marido.

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Desde que se divorciou teve mais duas relações afectivas com quem terá vivido três e três

anos e seis meses, respectivamente. A partir daí M. pautou a sua vida pela criminalidade

“adaptei-me ao crime, profissionalizei-me pronto, andava sempre armado, levava armas ou

facas, dependia da minha situação económica.” O seu comportamento criminal levou-o mais

vezes à prisão, sendo actualmente a sexta vez que está preso, num crescendo de gravidade

criminal, bem como da pena aplicada. Obviamente que este tipo de vida deixou marcas muito

profundas e bastante desestruturais, tendo inclusivamente levado M. a tentar pôr termo à vida.

A primeira vez que cometera uma tentativa de suicídio foi quando uma namorada, após o

divórcio, terminou a relação, namorada esta que recorda com muita tristeza, porque depois de

terem reatado a relação, ela foi morta por um homem que alegadamente vivia com ela, “mas

não eram um casal”, visto essa ser uma realidade muito penosa para M. aceitar “o que mais me

custou foi eu não poder fazer nada porque já estava preso”.

Actualmente cumpre uma pena de doze anos de prisão, dos quais sete já terão passado.

Estes sete anos foram vividos sob grande pressão, com registos de exagerada ansiedade, que

não sabia gerir, associada ao consumo de drogas de abuso, particularmente quando a mãe

falecera num acidente de viação “logo agora que nos estávamos a dar melhor” referiu, tendo

ficado completamente sozinho, pois não tem contacto com o pai e os irmãos só o visitaram

para ele assinar documentos de partilha e divisão de bens. E para além disso, tinha uma

grande mágoa por ter decepcionado mais uma vez o filho, que vive no estrangeiro, e que por

via da distância não o apoia com tanta regularidade.

Após a morte da mãe, M. deprimiu bastante, tentando suicidar-se quatro vezes, porque

“já não aguentava mais, perdi tudo o que tinha de bom” referiu. O método que usou foi por

flebotomia até à última tentativa de suicídio, tendo sido, esta última concretizada por

enforcamento. Os cortes que provocava a si próprio, eram de grande gravidade, havendo

registos de que terá sido trazido à enfermaria “inconsciente, com palidez acentuada e

taquicardia”. A este propósito, M. acrescenta “tenho as veias todas cortadas, por isso agora já

nem sangro” e continua dizendo “há fases da vida que a única saída é mesmo a morte, eu

defendo o suicídio quando o sofrimento é muito grande”. Contudo, actualmente M. está mais

confiante, porque está mais próximo da sua saída em liberdade. Integrou um programa de

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tratamento à toxicodependência e está integrado num curso de formação profissional. A

mudança de comportamento é reconhecida e reforçada, quer pelos técnicos, quer pela equipa

de vigilância que referem que depois do último tratamento, houve mudanças significativas.

“Agora penso em sair e apoiar-me no meu filho” remata.

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9. Conclusões

Neste capítulo apresentam-se as principais conclusões, que podem ser assim formuladas:

1. Os reclusos que cometeram tentativas de suicídio na prisão distinguiam-se dos sujeitos

das populações de controlo em meio prisional e na comunidade por um certo número de

variáveis sociodemográficas, nomeadamente serem oriundos de grandes fratrias e

possuírem um menor nível de escolaridade.

2. Os reclusos que cometeram tentativas de suicídio na prisão apresentavam um maior

número de factores de risco de suicídio, nomeadamente uma frequência mais elevada

de perturbações mentais, padrões de consumo de substâncias psicoactivas,

comportamentos autodestrutivos, incluindo tentativas de suicídio, acontecimentos de

vida relevantes, entre os quais avultavam a relação familiar conflituosa, antecedentes

criminais mais pesados e um maior isolamento.

3. Os reclusos que cometeram tentativas de suicídio na prisão apresentavam mais

sintomatologia psicopatológica, designadamente:

3.1. A nível do neuroticismo, com maior instabilidade emocional, afectividade

negativa e sentimentos de insatisfação, e menores índices de extroversão, com

reduzida sociabilidade, relações interpessoais frágeis e escassa actividade

física;

3.2. A nível da estrutura da personalidade, em que avultavam os traços de

depressão/distimia, vulnerabilidade, hostilidade, ansiedade e impulsividade;

3.3. A nível da frequência e intensidade da ideação paranóide e depressão.

4. O perfil do recluso que comete tentativa(s) de suicídio na prisão corresponde ao de um

homem no grupo etário dos 30-40 anos, solteiro, com reduzida escolaridade, mantendo

uma relação marital conflituosa, e que, além disso, possui antecedentes criminais,

hábitos de consumo de substâncias psicoactivas, história de comportamentos

autodestrutivos, incluindo tentativas de suicídio, encontrando-se na cadeia pela prática

de crimes mais recentes, sobretudo crimes de natureza patrimonial, cujo processo

jurídico-penal e prisional é referido como gerador de grande sofrimento psicológico.

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5. Na prisão, este tipo de recluso apresenta sintomatologia psicopatológica, possui,

maioritariamente, um diagnóstico de perturbação mental, sobretudo da linha depressiva,

encontra-se medicado com psicofármacos, diz-se seriamente afectado pelo ambiente

prisional e pela falta de apoio familiar, visitas e correspondência, atenta contra a sua

vida na cela de habitação, no final do dia (18-24 h), por meio de enforcamento,

atribuindo este seu gesto às condições de vida, com destaque para a pressão exercida

pelo sistema prisional associada ao isolamento e falta de apoio familiar.

Em suma, estes resultados sugerem que os reclusos que cometeram tentativas de

suicídio em meio prisional apresentam uma personalidade marcada pela vulnerabilidade,

ansiedade e hostilidade, associadas a uma intensa perturbação emocional, onde avulta um

elevado índice de neuroticismo, a vivência da afectividade negativa, a depressão e a ideação

suicida.

A multiplicidade e complexidade dos factores de risco, alguns dos quais remontam à

infância, são dificilmente modificáveis ou controláveis por quem, como a maioria deles, possui

uma personalidade tão vulnerável e tão escassas competências pessoais, familiares e sociais.

Uma das linhas de intervenção susceptível de contribuir para a mudança aponta para um

esforço psicopedagógico, baseado no ensino e treino de competências individuais, manejando

o sistema de crenças, atitudes e relações interpessoais, e, consequentemente, uma alteração a

nível do comportamento. Esta linha, aqui apenas esboçada, justificaria um desenvolvimento

ulterior, nomeadamente sob a forma de programas de prevenção e intervenção neste domínio

das condutas autodestrutivas.

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ANEXOS

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ANEXO I

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Autorização de Participação

Carla Sofia de Matos Pragosa, aluna do Curso de Mestrado em Medicina Legal e Ciências

Forenses da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, está a realizar um trabalho de

investigação no campo das tentativas de suicídio, sob a orientação do Prof. Doutor Jorge Costa

Santos (Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa). Este estudo consiste

na administração de dois instrumentos de avaliação psicológica (BSI – Brief Symptom

Inventory e NEO-PI-R - Revised NEO Personality Inventory) e de uma entrevista semi-

estruturada.

Pretende-se, com isto, identificar factores pessoais, designadamente características da

personalidade e eventual psicopatologia das pessoas que tenham praticado, pelo menos, uma

tentativa de suicídio durante o período de reclusão em estabelecimentos prisionais da região

de Lisboa e Vale do Tejo e da Região Centro do país.

Toda a informação fornecida pelas pessoas entrevistadas é absolutamente confidencial, sendo

garantido o completo anonimato dos dados.

Tendo sido informado(a) sobre os métodos e técnicas acima referidos, declaro autorizar a

utilização dos dados por mim fornecidos neste trabalho de investigação.

Estabelecimento Prisional de _______________, _______ de____________ de ______

_________________________________________________

(Assinatura)

Muito obrigada,

Carla Pragosa

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ANEXO II

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ANEXO III

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Mestrado em Medicina Legal e Ciências Forenses_________________________________141

ANEXO IV

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ANEXO V

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