privatização de prisões no brasil

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CINCIAS JURDICAS E ECONMICAS FACULDADE DE DIREITO

PRIVATIZAO DE PRISES NO BRASIL

JOO PEIXOTO GARANI

RIO DE JANEIRO 2011

JOO PEIXOTO GARANI

PRIVATIZAO DE PRISES NO BRASIL

Trabalho

de

concluso

de

curso

apresentado Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obteno do ttulo de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Doutor Nilo Batista

RIO DE JANEIRO 2011

Garani, Joo Peixoto. Privatizao de Prises no Brasil / Joo Peixoto Garani. Rio de Janeiro / Joo Peixoto Garani. - 2011. 71 f.; 33 cm. Orientador: Nilo Batista. Trabalho de concluso de curso (graduao) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Curso de Direito, 2011. 1. Priso. 2. Privatizao de Presdios 3. Brasil I. Batista, Nilo. II Universidade Federal do Rio de Janeiro. Curso de Direito. III. Privatizao de Presdios no Brasil.

JOO PEIXOTO GARANI

PRIVATIZAO DE PRISES NO BRASIL

Trabalho de concluso de curso apresentado Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obteno do ttulo de Bacharel em Direito.

Data de aprovao: ____/ ____/ _____

Banca Examinadora:

________________________________________________ Nilo Batista Presidente da Banca Examinadora Prof. Doutor, UFRJ e UERJ Orientador

________________________________________________ Cludio Figueiredo Costa Prof. Mestre - UCAM

________________________________________________ Ricardo Tadeu Penitente Genelh Prof. Mestre - UERJ

________________________________________________ Maria Gabriela Viana Peixoto Prof. Mestre - UNB

Este trabalho dedico ao meu pai, Adroaldo.

AGRADECIMENTOS

A Deus por todas as graas alcanadas das quais certamente no sou merecedor.

Ao Mestre Jesus Cristo, filho de Deus, por nos mostrar o caminho do amor.

Aos meus pais e irmo pelo apoio incondicional em todas as horas.

Ao meu orientador, Prof Dr. Nilo Batista por me inspirar a questionar o senso comum e a lutar contra a minha ignorncia.

Ao Prof Ricardo Genelh pelos oportunos conselhos que foram de grande valia para a concluso do trabalho.

Agora, portanto, permanecem estas trs coisas: a f, a esperana e o amor. A maior delas, porm, o amor. So Paulo (1 Cor, 13)

RESUMO

GARANI, Joo Peixoto. Privatizao das prises no Brasil. 2011. 66 f. Monografia (Graduao em Direito) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.

Para a exposio da problemtica da privatizao dos presdios no Brasil foram apresentadas as principais questes sobre a matria. Inicialmente, procurou-se expor um breve histrico da pena de priso no pas, alm de sua situao atual com todas as suas mazelas. No se olvidou, ainda, de uma singela abordagem social do crcere relacionada s suas funes (ideais e reais). De igual modo identificou-se um movimento atual no Brasil do direito penal chamado lei e ordem e seus reflexos sobre o aumento do encarceramento. Posteriormente, foram estudados alguns dos principais modelos de participao privada em presdios no cenrio internacional. Tambm se dividiu os diversos modelos de interveno da iniciativa privada no sistema prisional, ds suas formas mais tmidas, como fornecimento de alguns servios secundrios, at a completa entrega da administrao ao ente particular. Apontamos ademais as principais experincias nacionais de privatizao, indicando, em linhas gerais, como se desenvolveu esse modelo em cada estado que o implementou. Foram finalmente analisados os principais pontos jurdicos relevantes para o tema, abordando as diversas opinies que tm se formado, inclusive sobre a sua (in)constitucionalidade.

Palavras-chave: pena, priso, privatizao, controle social.

RIASSUNTO

Garan, Joo Peixoto. La privatizzazione delle carceri in Brasile. 2011. 66 f. Monografia (Laurea in Giurisprudenza) - Universit Federale di Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.

Per esporre la questione della privatizzazione delle carceri in Brasile, sono stati presentati i principali temi in materia. Inizialmente, abbiamo cercato di esporre una breve storia del carcere nel paese, al di l della sua situazione attuale con tutte le sue verruche. Non ancora si dimenticato un approccio semplice delle funzioni carcere sociali legati alla loro (reale e ideale). Inoltre stato individuato un movimento chiamato l'attuale legge penale e l'ordine e il suo impatto in aumento in carcere. Successivamente, abbiamo studiato alcuni modelli chiave della partecipazione privata in carcere sulla scena internazionale. Anche dividere i vari modelli di intervento nel sistema carcerario privato, la maggior parte loro des 'timido, come alcuni servizi di lato, per completare la consegna dell 'amministrazione, in particolare, essere. Oltre l'obiettivo principale delle esperienze di privatizzazione nazionale, indicando, in generale, come si sviluppato questo modello in ogni stato che ha attuato. Abbiamo finalmente analizzato i punti principali del diritto rilevanti per il tema, discutendo le varie opinioni che si sono formate, di cui circa la sua (in) costituzionalit.

Parole chiave: penna, privatizzazione, prigioni, controle sociale.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

1- UNIVERSIDADES UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro USP - Universidade de So Paulo UNB - Universidade de Braslia UCAM - Universidade Candido Mendes

2- TRIBUNAIS STF - Supremo Tribunal Federal STJ - Superior Tribunal de Justia

3- RGOS, ASSOCIAES E FUNDAES MP - Ministrio Pblico MJ - Ministrio da Justia CNPCP - Conselho Nacional de Poltica Criminal e Penitenciaria DEPEN - Departamento Penitencirio Nacional

4- LEGISLAO CP - Cdigo Penal CPP - Cdigo de Processo Penal LEP - Lei de Execues Penais CF - Constituio da Repblica Federativa Brasileira

SUMRIO 1 INTRODUO ........................................................................................................... 1 2. DA PENA DE PRISO .............................................................................................. 4 2.1 Evoluo da Pena de Priso no Brasil .................................................................... 4 2.2 "Funo social" da Priso ........................................................................................ 8 2.3 Atual Situao das Prises .................................................................................... 11 2.4 O Movimento de Lei e Ordem .............................................................................. 13 3. A PRIVATIZAO ................................................................................................. 19 3.1 A Poltica Neoliberal ............................................................................................. 19 3.2 Influncia no Brasil ............................................................................................... 22 3.3 Terceirizao ......................................................................................................... 23 3.4 As PPP's ................................................................................................................ 24 4. MODELOS ESTRANGEIROS DE PRIVATIZAO ........................................ 26 4.1 O Modelo Norte-americano .................................................................................. 26 4.2 O Modelo Ingls .................................................................................................... 29 4.3 O Modelo Francs ................................................................................................. 30 5. A EXPERINCIA PTRIA .................................................................................... 33 5.1 Cear...................................................................................................................... 35 5.2 Pernambuco ........................................................................................................... 38 5.3 Paran .................................................................................................................... 39 5.4 Santa Catarina ....................................................................................................... 40 5.5 Bahia...................................................................................................................... 42 5.6 Amazonas .............................................................................................................. 43 5.7 Esprito Santo ........................................................................................................ 44 5.8 Minas Gerais ......................................................................................................... 45 6. QUESTES RELEVANTES ACERCA DA PRIVATIZAO ......................... 46 6.1 Aspectos Morais .................................................................................................... 46 6.2 Aspectos jurdicos ................................................................................................. 51 6.3 Aspectos polticos ................................................................................................. 54 7. CONCLUSO........................................................................................................... 55 REFERNCIAS

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1 INTRODUO

Ao longo dos ltimos anos diversos pases vm promovendo a transferncia de servios de utilidade pblica para o setor privado. Atualmente, no mais sendo possvel a manuteno do Estado de Previdncia nos pases desenvolvidos, principalmente a partir da dcada de 80 com a implementao dos ideais neoliberais, o Estado tem se reservado a funo de regulador da economia. Como consequncia, a iniciativa privada vem se responsabilizando por uma parcela cada vez maior de atividades at ento prestadas pelo poder pblico. Esse fenmeno tambm se observa na rea de segurana pblica em especial na gesto do sistema carcerrio. No mbito prisional, no entanto, deve-se ter sempre em mente que o objeto dessa atividade o ser humano. Nesse sentido h que se ter cuidado com a transformao do indivduo em fonte de lucro. Com a passagem da gesto prisional do Estado para o particular altera-se o prprio fim com que a atividade executada. Se o objetivo do Estado (ainda que no alcanado) a "correo" e a ressocializao do apenado, o particular tem o indivduo meramente como um "cliente". Se, de um lado, nos outros mercados, o sucesso dos empresrios implica naturalmente numa maior captao de clientes e consequentemente em melhores resultados econmicos, de outro lado, o sucesso do empreendedor prisional (a ressocializao) implica inexoravelmente na reduo da sua clientela e por conseguinte dos seus resultados. Sendo assim, numa situao hipottica na qual a gesto privada atingisse grande sucesso na sua misso de reintegrar o indivduo sociedade, ter-se-ia como resultado a falncia do particular. De sorte que, abstraindo-se a teoria absoluta, retributiva da pena, teramos um particular perseguindo um fim que quando alcanado o levaria quebra econmica. evidente que no se olvida dos direitos que a lei de execues penais garante ao preso, e que se tornam obrigaes para o administrador do presdio. Contudo, como se ver ao longo da presente anlise, a iniciativa privada no tem se mostrado mais eficiente que o Estado em prover tais direitos ao preso. O que ocorre que nos casos em que as penitencirias privadas apresentam melhores condies de tratamento aos presos,

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h, na mesma medida, um aumento dos custos para o Estado. Ou seja, esses resultados alcanados por alguns estabelecimentos privados se devem ao aumento significativo dos custos para o Estado e no a uma maior eficincia na gesto. No obstante, as empresas privadas frequentemente esto blindadas por clusulas que limitam o nmero mximo de detentos, de forma que nunca ficaro sujeitas a lidar com a superlotao e os problemas da resultantes. Todavia aqueles detentos que no encontram lugar nas penitencirias privadas no desaparecem, a eles resta ficarem amontoados na outra parte do sistema carcerrio. Ademais, no raro, encontrarmos detentos que, no obstante as melhores instalaes fsicas da penitenciria privada, preferem cumprir a pena nas insalubres cadeias pblicas. Isso, em decorrncia da maior rigidez dos regulamentos das prises privadas. O que gera um outro problema, qual seja, o da (falta de) legitimidade do particular para estabelecer um regime mais gravoso de internao a bem de conseguir melhor administrar seu empreendimento. Ou seja, do ponto de vista da priso como instituio, como castigo, e no somente como prdio, os estabelecimentos privados so ainda "piores". Nunca demais lembrar que, no mbito da execuo penal, a linha que separa a sano penal da sano administrativa extremamente tnue. Tanto assim, que j se afirmou constituir esta um sistema sancionatrio autnomo e adicional pena imposta na sentena penal condenatria1. Voltando ao ponto da administrao prisional, preciso ateno para no se deixar enganar por uma aparncia de eficincia que alguns presdios sob administrao privada apresentam. Assim sendo, procuramos levar a efeito uma anlise do sistema carcerrio ptrio, identificando, na medida do possvel, as razes histricas e o contexto social que o levaram situao de crise na qual est (e, na verdade, sempre esteve) imerso. Crise esta que, entre outros fatores, preparou terreno para a chegada da proposta privatizante. Tentamos ainda empreender uma anlise sucinta dos principais modelos estrangeiros que inspiraram esta proposta. Observamos ademais algumas experincias de participao privada efetivamente implementadas no pas.

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CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 229.

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Posto que nos debruamos sobre essas questes prticas, buscamos no perder de vista uma certa postura crtica sobre o tema, analisando no final do trabalho alguns aspectos importantes que, a nosso ver, demandam uma maior ateno. De modo que foram trazidas para o debate, ainda que brevemente, questes morais, jurdicas e polticas, que permeiam o tema. Por derradeiro, sempre mantendo uma abordagem crtica do assunto, conclumos pretendendo propor uma reflexo acerca, no somente da privatizao, mas tambm da prpria pena de priso.

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2. DA PENA DE PRISO

2.1 Evoluo da Pena de Priso no Brasil

Sabe-se que no Brasil a primeira legislao penal oriunda do direito portugus, (Ordenaes Afonsinas at 1521, seguidas pelas Ordenaes Manuelinas e, a partir de 1603, as Ordenaes Filipinas). Sobre este perodo bastante elucidativa a seguinte passagem:Diversamente das Afonsinas, que no existiram para o Brasil, e das Manuelinas, que no passam de referncia burocrtica, casual e distante em face das prticas penais concretas acima noticiadas, as Ordenaes Filipinas constituram o eixo da programao criminalizante de nossa etapa colonial tardia, sem embargo da subsistncia paralela do direito penal domstico que o escravismo necessariamente implica2.

Inicialmente, as penas eram basicamente corporais, os suplcios. O crcere figurava unicamente como um local onde o indivduo aguardava a punio que lhe seria infligida. A partir do sculo XVIII, o cenrio comea a se alterar. Especialmente aps o advento da obra de Cesare Beccaria, considerado o pai da cincia penitenciria3, ocorrido em 1764, que imensa influncia exerceu na reforma das idias penais. Pode-se dizer que os "humanitrios" da poca eram os que defendiam a pena de priso, como alternativa para a barbaridade das penas fsicas. As revolues liberais tambm tiveram importante papel nesta transio. A revoluo francesa de 1789 universalizou os direitos do Homem e do Cidado, muito embora a Frana s tenha abolido os suplcios em 18484. De igual modo, a revoluo americana de 1776, que culminou com a independncia dos Estados Unidos, tambm

ZAFFARONI, Eugenio Ral; BATISTA, Nilo et alli. Direito Penal Brasileiro I. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 417. 3 Cuello Calon, citado por Cezar Roberto Bitencourt, Falncia da pena de priso Causas e alternativas 3. ed. Saraiva 2004, nota nmero 144. 4 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 23 ed. Petrpolis: Vozes, 2000, p. 12.

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comungava dos ideais de afirmao da autonomia do indivduo contra as formas de opresso. No incio do sculo XIX, sob as novas orientaes dessas escolas do pensamento, os suplcios vo perdendo lugar nos sistemas punitivos, inspirados por ideias mais humanitrias. Aqueles espetculos bizarros vo dando espao a penas mais discretas, a um sofrimento velado, a justia j no mais glorifica a violncia, que passa a ser encarada como um elemento intrnseco que ela obrigada a tolerar e que muito lhe custa impor5. No Brasil, ainda no Imprio, o cdigo penal de 1830 j trazia inmeros crimes apenados com priso, normalmente cumulada com trabalho, embora tenha mantido a cominao de pena de morte para alguns delitos, cuja execuo era realizada mediante forca. As penas cruis, entretanto, j no eram mais aplicadas por orientao do Prncipe D. Pedro, que pelo Aviso de 28 de agosto de 1822 declarou aos juzes do crime que deviam regular-se pelas bases da legislao constitucional portuguesa porque, nelas, j se falava em necessidade para as leis; impunha-se haver proporcionalidade da pena para o delito; mandava-se respeitar a pessoalidade para a aplicao de sano criminal e, finalmente, exigia-se a abolio de medidas punitivas cruis e infamantes6. No se pode olvidar ainda de uma das mais vergonhosas passagens da nossa histria, a escravido, que muito legou ao sistema punitivo atual. Como bem assevera Rodrigo Roig: "as normas penitencirias brasileiras se valeram da experincia escravocrata para impor um regime extremamente rigoroso e til aos fins do controle social7". Verdadeira privatizao das penas j ocorria naquela poca. O senhor detinha autoridade legtima para aplicar as punies ao escravo pelas faltas por este praticadas no mbito domstico, bem como era verdadeiro auxiliar da justia nos caso em que o

FOUCAULT, Michel. opus citatum, p. 13. Em Jos Frederico Marques (Tratado de Direito Penal, vol. I, Campinas, So Paulo, 1997, p. 118) h referncia ao art. 12, da Constituio portuguesa de 1821: Art. 12 - Nenhuma lei, e muito menos a penal, ser estabelecida sem absoluta necessidade. Toda pena deve ser proporcionada ao delito, e nenhuma deve passar da pessoa do delinqente. A confiscao de bens, a infmia, os aoites, o barao e prego, a marca de ferro quente, a tortura, e todas as mais penas cruis e infamantes ficam em conseqncia abolidas 7 ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Direito e prtica histrica da execuo penal no brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2005, p.13.6

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negro fosse condenado por prtica de crimes. Vide, nesta linha, o artigo 60 do Cdigo Criminal do Imprio de 1830:Art. 60. Se o ro fr escravo, e incorrer em pena, que no seja a capital, ou de gals, ser condemnado na de aoutes, e depois de os soffrer, ser entregue a seu senhor, que se obrigar a trazel-o com um ferro, pelo tempo, e maneira que o Juiz designar. O numero de aoutes ser fixado na sentena; e o escravo no poder levar por dia mais de cincoenta.

Havia, contudo, algumas instrues do poder pblico destinadas a estabelecer parmetros para o exerccio do poder punitivo disciplinar dos senhores, a fim de se evitarem castigos imoderados e cruis. Exemplo disso o Aviso de 11.nov.1835, ordenando ao senhores que se abstivessem de castigos excessivos8. Sobre este amplo poder punitivo domstico leciona o Professor Nilo Batista:Na falta de regras jurdicas explcitas sobre a matria, na falta de Cdigo Negro, para que serve o segundo limite, que a qualidade (do castigo) no seja contrria s leis em vigor? O silncio obsequioso do discurso penalstico diante da justificativa do castigo senhorial moderado, questo mil vezes mais importante naquela conjuntura do que o castigo familiar e o pedaggico, a prova definitiva do sucesso que o poder punitivo privado escravista alcanou em resistir a ver-se regulamentado9.

Avanando no tempo, chega-se Repblica velha, onde o cdigo penal de 1890 (Decreto n 847), que aboliu a pena de morte,10 j previa diversas modalidades de priso, como a priso cautelar, a recluso, a priso com trabalho forado e a priso disciplinar, sendo que cada modalidade era cumprida em estabelecimento penal especfico. A pena mxima tambm foi fixada em 30 anos. O referido diploma levou a efeito um endurecimento penal reclamado em virtude das maiores tenses sociais em parte oriundas da abolio da escravido, e do aumento da misria nas cidades. So exemplos deste momento histrico as famosas revoltasBATISTA, Nilo, Pena pblica e escravismo, em Arquivos do Ministrio da Justia, Braslia, 2006, ed. Imp. Nac., ano 51, n 190, p. 296. 9 Idem 10 Na prtica o Imperador D. Pedro II j havia proibido a pena capital ds o caso da "fera de macab", em 1855, no qual um inocente, o fazendeiro Manoel Motta Coqueiro foi executado.8

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populares da repblica velha, com destaque para a Guerra de Canudos, na qual esta "cidade" - com cerca de 25 mil habitantes - foi inteiramente dizimada pelo exrcito republicano. No Estado Novo, entra em vigor o Decreto-Lei 2848 de 1940, o nosso Cdigo Penal, que ainda vigora atualmente. Nesta poca, o descaso com que a situao prisional era tratada pelo Poder Pblico era evidente. O que se refletia em diversos problemas, como as superlotaes das prises, promiscuidade entre os detentos, desrespeito aos princpios de relacionamento humano, bem como a falta de aconselhamento e orientao do preso. Com o novo cdigo, as penas foram divididas em duas categorias: principais e acessrias. As primeiras sendo de trs tipos: recluso, deteno e multa. Enquanto que as segundas consistem na perda da funo pblica e nas interdies de direitos. A recluso a mais rigorosa, executando-se de acordo com o sistema progressivo, dividindo-se sua durao em quatro perodos. Em 1984 houve uma reforma completa da parte geral. Com diversas alteraes, buscou-se dar uma resposta ao excesso de encarceramento, atravs de uma srie de institutos descarcerizantes. So exemplos disso a prescrio retroativa, e o tratamento diferenciado para os crimes de menor relevncia, criando novas medidas como as penas alternativas, e evitando-se assim o encarceramento dos seus autores por curto lapso de tempo. Entretanto, tais medidas no foram suficientes para solucionar os problemas do encarceramento. Tem-se observado um crescente aumento da populao carcerria no Brasil, em especial por influncia de movimentos de endurecimento penal, como o movimento de lei e ordem, que advogam o aumento das penas e o recrudescimento dos regimes de cumprimento, a exemplo da lei de crimes hediondos, e do regime disciplinar diferenciado, como meio de reduo da criminalidade.

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2.2 "Funo social" da Priso

A priso no Brasil tem sido um eficaz meio de conteno social. So seus clientes toda uma massa de excludos da estrutura socioeconmica vigente. So homens e mulheres que, selecionados pela criminalizao da pobreza, so jogados como indigentes em locais sem as mnimas condies de abrigar um ser humano com dignidade. Reza o art. 3 da lei de execuo penal que sero assegurados ao preso todos os direitos no atingidos pela sentena ou pela lei. A realidade , entretanto, diversa. Podese dizer a restrio da liberdade - que deveria ser o nico castigo - acaba por tornar-se a parte mais tolervel do crcere. Isto porque o indivduo preso passa por todas as violaes possveis, sendo vtima de violncia fsica, psquica, e sexual, sendo ainda frequentemente contaminado pela mais diversa sorte de enfermidades, como a AIDS, hepatites, doenas de pele entre outras. Os presos sofrem ainda com a superlotao carcerria, a falta de atendimento mdico e assistncia jurdica adequada. Outro problema a atuao do crime organizado, que muitas vezes converte as prises em verdadeiros centros de comando de onde gerenciam aes criminosas em vrios pontos do pas. De sorte que, os presos recm chegados, mesmo que fora do presdio no tivessem nenhum ligao com faces criminosas, uma vez encarcerados, passam a ser facilmente cooptados por esses grupos. De modo que a primeira coisa retirada do preso - aps a liberdade - a sua prpria dignidade, passando o indivduo por um processo de animalizao. Neste contexto no h que se falar em funo ressocializadora ou educativa da pena. O nico papel desempenhado - muito bem desempenhado - o de infligir o maior sofrimento possvel no apenado e, por consequncia, deix-lo cada vez mais revoltado, humilhado e, como no poderia ser diferente, menos sensvel aos valores partilhados pela sociedade. Analisando o cenrio repressor como um todo, a contribuio do crcere se alinha perfeitamente com a ao dos outros braos do poder punitivo do Estado. Isso porque, uma vez em liberdade o ex-detento muitas vezes se mostra determinado a no voltar para o sistema carcerrio. De sorte que, uma vez que se encontre na iminncia de

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ser preso, o sujeito far de tudo ao seu alcance para evitar a priso. Fornecendo assim a justificativa perfeita para legitimar a ao letal da polcia, que sob o manto do "auto de resistncia", tem matado cada vez um nmero maior de pessoas. Para se ter ideia, no estado do Rio de Janeiro ocorrem 3 mortes por dia em autos de resistncia11. A presente situao proporciona ao Brasil ndices de fazer inveja a qualquer pas em guerra. Segundo o recente estudo "Mapa da Violncia 2011 Os Jovens do Brasil" divulgado pelo Ministrio da Justia, o Brasil ocupa o sexto lugar no ranking (de cem pases) de homicdios de jovens, com uma taxa de 52,9 homicdios por cem mil habitantes.12 Apenas a ttulo ilustrativo, observe-se o que ocorreu em setembro de 2009, no Rio de Janeiro, quando um suspeito de assalto, fazendo uma refm com uma granada, recusou se entregar por no admitir voltar para a priso, sendo baleado e morto em frente s cmeras, sob os aplausos da multido13. Cenas como essa so comuns em todas as periferias brasileiras, onde a parcela economicamente excluda da populao vitimizada pelos mecanismos estatais de controle da pobreza. Se a priso falha no cumprimento de suas misses declaradas (reprovao e preveno), ao que tudo indica, ela cumpre bem seu papel como parte integrante de um mecanismo de controle social. Isto , no momento em que o encarcerado passa a preferir a morte ao crcere, fica livre o caminho para a polcia (mediante os autos de resistncia) contribuir com a sua parte para a "paz social", sendo cumprido desta forma o dever (implcito) do crcere. Esses efeitos sociais da pena configuram uma verdadeira "misso secreta" do direito penal.14 Isto porque, ao se adotar uma definio ampla de pena, todas essas violncias de que se vale o sistema penal, integram o conceito de pena na medida em que contribuem para a consecuo desses fins secretos. Nesse sentido, "Todo esse exerccio do poder punitivo , sem dvida, penal (so penas, ainda que ilcitas). Tal conceito11

"Pesquisa registra trs mortes por dia em autos de resistncia no rio" Disponvel em: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1483659/pesquisa-registra-tres-mortes-por-dia-em-autos-deresistencia-no-rio; Veja ainda: http://www.alerj.rj.gov.br/Busca/OpenPage.asp?CodigoURL=34097&Fonte=Dados 12 Mapa da Violncia 2011: Os Jovens do Brasil Autor: Julio Jacobo Waiselfisz. Instituto Sangari e Ministrio da Justia, 2011. 13 Notcia veiculada no Portal G1, no dia 25/09/2009. 14 BATISTA, Nilo. Introduo crtica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan 2007, p. 116.

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implica em se adotar uma idia ampla de pena, como categoria que permite ao direito penal distinguir entre penas lcitas e ilcitas." Desta forma, o direito penal se apresenta como meio de controle trabalhando a servio da manuteno do status quo dominante. Assim, o direito penal estar protegendo as relaes sociais e os valores escolhidos pela classe dominante, ainda que ele tente aparentar um carter de universalidade. Na mesma linha a lio de Juarez Cirino do Santos15:Os objetivos declarados do Direito Penal produzem uma aparncia de neutralidade do sistema da justia criminal, promovida pela limitao da pesquisa jurdica ao nvel da lei penal, nica fonte formal do Direito Penal. Essa aparncia de neutralidade do Direito Penal dissolvida pelo estudo das fontes materiais do ordenamento jurdico, enraizadas no modo de produo da vida material, que fundamentam os interesses, necessidades e valores das classes sociais dominantes das relaes de produo e hegemnicas do poder poltico do Estado, como indicam as teorias conflituais da Sociologia do Direito.

Historicamente, uma das principais ondas de encarceramento ocorreu no perodo ps revoluo industrial, para conter os novos marginalizados da economia que foram expulsos do campo. Naquela poca as prises eram projetadas de forma parecida com as fbricas e os presos seguiam uma rotina rgida, como observamos no regulamento da Casa de jovens detentos de Paris, redigido por Lon Faucher, apresentado por Michel Foucault. O regulamento apresentava diversas atividades a serem praticadas em horrios determinados, como por exemplo, orao, trabalho, escola, recreio, leitura etc.16 Claramente se observa uma tentativa de se disciplinar os presos rotina de trabalho industrial, de modo a transform-los em operrios para a nova era industrial que surgia. Esse fenmeno fica claro nas magistrais linhas que seguem:na segunda metade do sculo XIX, teve incio um movimento para o disciplinamento sutil e pragmtico, isento dos limites liberais, isto , meramente funcional: recondicionou-se a distino entre inimigos (j no do soberano mais da sociedade) e indisciplinados que remontava pelo menos Carolina, com a perseguio aos vagabundos, agora

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SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal, Parte geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 23 ed. Petrpolis: Vozes, 2000, p. 10.

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empiricamente identificveis nos pobres no incorporados ao modo de produo industrial17.

Este lado disciplinador que do crcere que pretende transformar esses indivduos em trabalhadores fabris, ainda muito bem colocado por Melossi e Pavarini, quando denunciam: "a produo de sujeitos para uma sociedade industrial, isto , a produo de proletrios a partir de presos forados a aprender a disciplina da fbrica"18. O Brasil, nesse perodo, de igual modo, fez uso do crcere com meio de conteno dos marginalizados, especialmente aps a abolio da escravido, e com os crescentes conflitos sociais decorrentes da situao de misria das massas populares. Vide o decreto 145 de 1893 que cominava pena priso para reabilitao dos mendigos vlidos, vagabundos ou vadios, capoeiras e desordeiros19.

2.3 Atual Situao das Prises

Diversos so os problemas que assolam as prises brasileiras. O mais grave talvez seja a superpopulao, pois dele que resultam muitos outros. Entre eles esto os maus tratos aos presos; a deficincia no atendimento mdico e na assistncia jurdica; a presena do crime organizado; as rebelies, entre outros. Quanto superpopulao, em 2009 no Brasil, segundo estimativa do Departamento Penitencirio Nacional (Depen), havia um dficit de 170 mil vagas no sistema prisional, sendo que a situao provavelmente seria pior haja vista que alguns Estados no repassavam os dados sobre os presos. De modo que, de acordo com o Depen, as 299 mil vagas eram ocupadas por 469 mil presos. O tratamento dado aos presos igualmente lamentvel. A rotina de espancamentos, violncia sexual, sofrimento psicolgico vai destruindo por completo aZAFFARONI, Eugenio Ral; BATISTA, Nilo et alli. Direito Penal Brasileiro I. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 402. 18 MELOSSI, Dario; PAVARINI, Massimo. Crcere e fbrica: as origens do sistema penitencirio sculos XVI-XIX). Traduo Srgio Lamaro. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p. 211. 19 Idem17

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dignidade do indivduo. Essa situao gera um ambiente de revolta e dio que s capaz de deixar o indivduo cada vez mais humilhado e bestializado. A assistncia mdica (determinada pela LEP em seu art. 14) precria das cadeias outra questo alarmante, faltam desde medicamentos at profissionais da sade. A concentrao de pessoas em condies insalubres de higiene, alimentao, ventilao etc., cria um cenrio perfeito para a proliferao de molstias entre os presos. A maior parte das prises tambm no conta com um programa de assistncia jurdica (estipulada pelos artigos 15 e 16 da Lei 7.210/84 LEP). No incomum encontrar casos de presos que j fazem jus a um regime de cumprimento de pena melhor, ou at mesmo de condenados com a pena expirada que continuam presos. Essa conjugao de fatores faz da priso um verdadeiro barril de plvora. Frequentes so as rebelies em presdios em que os presos fazem reivindicaes bsicas como o direito a visitas, banhos de sol, presena de defensores etc. Infelizmente tambm no so incomuns finais trgicos para esses motins como foi o caso do massacre do Carandiru em So Paulo, no qual 111 presos foram mortos aps a interveno da tropa de choque da polcia militar. Por derradeiro, outro elemento que denuncia a falncia do sistema prisional o alto ndice de reincidncia. Segundo o Conselho Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria (CNPCP) e do Departamento Penitencirio Nacional (Depen), os nmeros da reincidncia no Brasil variam de 70% e 85% entre condenados submetidos a penas restritivas de liberdade20. Pelo exposto, fica clara a gravidade do problema das nossas prises. A incapacidade do sistema penal em apresentar resultados satisfatrios tanto no que diz respeito reduo da criminalidade quanto no tratamento dos presos evidente. No obstante, calcula-se que no Brasil, segundo dados do Ministrio da Justia, em 2000 o

Dados disponveis no site Ministrio da Justia, conforme notcia veiculada em 22/08/09, no CNPCP: http://portal.mj.gov.br/main.asp?ViewID=%7BFA1C7445%2D6CFA%2D4B2F%2D9A2E%2DE5B4BC 473420%7D&params=itemID=%7B130E6DA0%2D5E28%2D40C1%2DA597%2D7DA1E20F0FA6%7 D;&UIPartUID=%7B2218FAF9%2D5230%2D431C%2DA9E3%2DE780D3E67DFE%7D

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nmero de presos atingia 230 mil, j em 2010 este nmero saltou para quase 500 mil21, revelando um assustador aumento do encarceramento. Em toda a Amrica, a populao carcerria brasileira, s ultrapassada, em nmeros absolutos, pela dos Estados Unidos. Nmeros que fazem do Brasil um dos maiores encarceradores do mundo com cerca de 259 presos para cada 100 mil habitantes, neste ndice, o campeo do encarceramento (EUA) ostenta os seus surpreendentes 731 presos por 100 mil habitantes. Nesse contexto de crise, surgiu no Brasil ainda nos anos 90 a proposta de abrir para a iniciativa privada algumas funes no sistema prisional, como ser visto adiante.

2.4 O Movimento de Lei e Ordem

Segundo Wacquant22, o movimento de Lei e Ordem surgiu nos Estados Unidos por volta da dcada de 70 em meio a crises sociais, como o crescimento vertiginoso de desigualdades, precariedade, pobreza, devido forte reduo com gastos sociais, como forma encontrada para aquietar, oprimir, a massa insatisfeita. Logo, de acordo com o citado autor, est sendo observada a transio de um Estado-providncia para um Estado-penitncia, ou seja, a atrofia deliberada do Estado social, que agrava os problemas sociais da populao mais pobre, resulta numa hipertrofia do Estado penal, que precisa conter aqueles indivduos que o Estado no mais tem condio (ou vontade poltica) de assistir. Wacquant ainda assevera que: traduz o abandono do ideal de reabilitao (...) e de sua substituio por uma nova penalogia, cujo objetivo no mais nem prevenir o crime, nem tratar os delinquentes visando seu eventual retorno sociedade uma vez sua pena cumprida, mas isolar grupos considerados perigosos e neutralizar seus membros mais disruptivos (...)23

Site do Ministrio da Justia, Sistema Integrado de Informaes Penitencirias InfoPen, disponvel em:http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509C PTBRIE.htm 22 WACQUANT, Louic. As Prises da Misria. Jorge Zahar Editor. 2001. Rio de Janeiro RJ. 23 Idem.

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Como se percebe, a ideologia central desse movimento a represso, baseada no velho regime punitivo-retributivo, com o abandono do ideal de reabilitao envolvido no encarceramento. Os partidrios dessa poltica advogam a ideia de que a criminalidade e a violncia urbana somente podero ser controladas atravs de leis severas, que imponham tanto a pena capital quanto longas penas privativas de liberdade. Estes seriam os nicos meios eficazes para intimidar e neutralizar os criminosos e, alm disso, capazes de fazer justia s vtimas e aos homens de bem, ou seja, aos que no delinquem. O clamor popular reclama, sem muita racionalidade, a busca por uma soluo imediata para o angustiante problema da segurana pblica. Por outro lado, as estatsticas informam que os tratamentos de ressocializao no alcanam os resultados desejados, uma vez que os ndices de reincidncia a cada dia esto mais altos. Como sabido, este fracasso do tratamento da criminalidade deixa um espao que est sendo ocupado pelos movimentos de lei e ordem. A Poltica Criminal ditada por este movimento assim descrita por Joo Marcello de Arajo Junior:a)a pena se justifica como castigo e retribuio, no velho sentido, no devendo a expresso ser confundida com o que hoje denominamos retribuio jurdica; b) os chamados crimes atrozes sejam punidos com penas severas e duradouras (morte e privao de liberdade de longa durao); c)as penas privativas de liberdade impostas por crimes violentos sejam cumpridas em estabelecimentos penais de segurana mxima e o condenado deve ser submetido a um excepcional regime de severidade, diverso daquele destinados aos demais condenados; d)a priso provisria deve ser ampliada, de maneira a representar uma resposta imediata ao crime; e)que haja diminuio dos poderes do juiz e menor controle judicial da execuo, que dever ficar a cargo, quase exclusivamente, das autoridades penitencirias24.

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ARAJO JUNIOR, Joo Marcello de. Os grandes movimentos da poltica criminal de nosso tempo aspectos. Sistema penal para o terceiro milnio: atos do colquio Marc Ancel. Rio de Janeiro: Revan, 1991.

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Os efeitos dos Movimentos de Lei e Ordem j se fazem sentir na esfera legislativa de diversos pases. Exemplificando, h nos Estados Unidos o movimento Tolerncia Zero, na Itlia a Operao Mos Limpas e, no Brasil servem de exemplo a Lei n 8.072/90 (Crimes Hediondos), bem como a Lei n 10.792/02 (Regime Disciplinar Diferenciado RDD). Observa-se que na Itlia h uma tendncia de retorno a algumas prticas do sistema penal da poca de Mussolini, no qual vigorava um Direito Penal do horror, que ovacionado pela opinio pblica. Garca-Pablos de Molina25 chama ateno para a poltica criminal do medo que est umbilicalmente ligada aos Movimentos de Lei e Ordem. O autor assinala que os poderosos estados de opinio tm grande relevncia nas decises dos poderes pblicos. Trata-se do preocupante problema do medo do delito que altera os estilos de vida, gera comportamentos indiferentes para outras vtimas, enfim, explica polticas criminais de inusitado rigor. Com muita propriedade, o autor defende que a poltica criminal deve tomar por respaldo a razo, no a paixo, e que o medo s gera medo. O autor aponta que estudos empricos sobre o medo tm demonstrado o seguinte: nem sempre as pessoas que mais temem o delito so, de fato, as mais vitimizadas, nem as pessoas mais temidas costumam ser as mais perigosas, nem os fatos mais temidos so os que acontecem. O jovem, por exemplo, que associado figura do delinquente, percentualmente muito mais vtima do delito que o adulto. Observa-se o clamor popular do "olho por olho" e a manipulao de uma opinio pblica amedrontada com a total incapacidade do Estado em apresentar resultados satisfatrios no combate ao crime organizado que, hoje, faz parte do cotidiano. O resultado a aprovao de uma poltica criminal que defende o endurecimento das leis, encarceramento em massa, a indiferena com relao ao extermnio de jovens pertencentes a comunidades carentes. Jovens esses totalmente excludos, principalmente, pela falta de escolaridade e pelo desemprego. Alis, a populao, de modo geral, no tem plena conscincia do papel das agncias repressoras. Consequentemente, aceitam e aplaudem a invaso das favelas, a depredao de barracos miserveis, a deteno ilegal dos pobres para averiguaes, o25

GARCA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Momento atual da reflexo criminolgica. Revista Brasileira de Cincias Criminais, So Paulo, n. especial de lanamento, dez. 1992, p. 15.

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espancamento dos presos no interior dos institutos penais, enfim, o desrespeito dignidade humana dos que se encontram do lado mais fraco. A opinio pblica alienada fortemente manipulada pela mdia que trabalha diariamente para informar fatos e dados, muitas vezes sem nenhuma reflexo crtica, sobre o problema da misria e da opresso aos excludos. A mdia, desse modo, se encarrega de incutir na sociedade o sentimento de medo, alm de reduzir a questo a um maniquesmo simplista e alienante no qual as classes excludas aparecem como as vils do enredo. Vende-se como verdade o mito de que leis e aes mais severas e em maior nmero so o caminho atravs do qual se alcana segurana e bem estar. A esse respeito, j h estudos mostrando esse papel da imprensa na formao de uma sociedade amedrontada. Exemplo disso o estudo "O Corpo de Delito. Representaes e Narrativas Miditicas da (In) Segurana Cidad", sob a coordenao do jornalista colombiano Omar Rincn (Centro de Competncia em Comunicao para a Amrica Latina). O trabalho baseado em uma anlise feita com quatorze jornais do Brasil, Argentina, Colmbia, Costa Rica, Chile, El Salvador, Mxico, Peru e Venezuela. Segundo a pesquisa, identificou-se ainda uma tendncia de estigmatizar certos estratos sociais: "H setores da sociedade que so apontados como perigosos e violentos, aos quais os meios de comunicao costumam colocar no imaginrio delitivo"26. justamente esse cenrio que fornece o ambiente perfeito para o surgimento de propostas de endurecimento penal que, sem o mnimo de debate e amadurecimento, so aceitas como soluo rpida do problema. Leis mais duras so constantemente aprovadas, aumentando as penas e criando novos delitos, sob os aplausos de uma sociedade amedrontada. Mal comparando, podemos traar um paralelo com a doutrina do choque27, da canadense Naomi Klein, que nos informa que o melhor momento para o Estado implementar suas polticas mais duras justamente logo aps o advento de algum fato traumtico. Isto porque, como consequncia de episdios violentos, se instala nos indivduos um estado de desorientao e vulnerabilidade que os torna mais suscetveis a aceitar uma determinada situao sem questionar ou refletir sobre o assunto. QuandoDisponvel em: http://www.c3fes.net/(p)publicacion1.htm Documentrio: "A doutrina do choque" baseado no livro de mesmo ttulo de Naomi Klein, disponvel em: http://quemtemmedodademocracia.com/2011/06/12/video-documentario-a-doutrina-do-choque/27 26

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questionada sobre o que a doutrina no choque, mais especificamente no que concerne sua utilizao nas polticas econmicas, nos esclarece a autora:A doutrina do choque como todas as doutrinas uma filosofia de poder. uma filosofia sobre como conseguir seus prprios objetivos polticos e econmicos. uma filosofia que sustenta que a melhor maneira, a melhor oportunidade para impor as idias radicais do livremercado no perodo subseqente ao de um grande choque. Esse choque poder ser uma catstrofe econmica. Pode ser um desastre natural. Pode ser um ataque terrorista. Pode ser uma guerra. Mas, a idia que essas crises, esses desastres, esses choques abrandam a sociedades inteiras. Deslocam-nas. Desorientam as pessoas. E abre-se uma janela e a partir dessa janela se pode introduzir o que os economistas chamam de terapia do choque econmico28.

Sendo assim, no nos parece teratolgica a comparao com o que se observa nas populaes das grandes cidades atualmente. Verificamos que estas esto cada vez mais atemorizadas com a violncia urbana, e, em especial, com os conflitos que se convencionou chamar de "guerra do trfico", conquanto, a ns nos parece estar mais para um massacre, mas que, de qualquer forma, cumpre seu papal traumtico nos cidados. A partir da, estabelece-se a janela para implantar o que seria uma, com licena da comparao, "terapia do choque policial". Esse fenmeno reflete diretamente na questo carcerria. As cadeias j abarrotadas no param de receber cada vez um nmero maior de presos. E, como no poderia ser diferente, tal situao s faz aumentar os problemas das prises, que vo se convertendo em verdadeiros depsitos de pessoas muitas vezes vivendo sem as mnimas condies de dignidade. Nas palavras de Laurindo Minhoto:Altas taxas de criminalidade, sensao generalizada de insegurana, a ideologia do cidado ultrajado, midiaticamente espetacularizada, uma guinada terica em direo a um renovado fez por merecer,justdeserves, prticas de sentenciamento mais rigorosas, a nova figura jurdica do criminoso contumaz, o aperto na reincidncia a partir do admirvel three strikes and you are out (bordo do beisebol, que significa algo como trs falhas seguidas no rebatimento da bola e o rebatedor est fora do time), truth in sentencing (estratgia de restrio ao regime de progresso das penas), proliferao de presdios de segurana mxima (the supermax option), programas de encarceramento de alto impacto para os jovens, mais conhecidos como boot camps, toque de recolher, limitaes crescentesEntrevista da autora, disponvel em: http://www.oestrangeiro.net/politica/127-a-doutrina-do-choque-otema-do-novo-livro-da-ativista-naomi-klein28

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prtica da barganha judicial (plea bargain), remio e ao livramento condicional, tolerncia zero, enfim, estes so alguns dos ingredientes do caldeiro penitencirio contemporneo, que, muito mais do que a improvvel combinao de eficincia, produtividade e humanitarismo presente na pregao dos idelogos, parecem estar de fato azeitando a mquina dos negcios correcionais do novo milnio29.

Nesse contexto de altas taxas de criminalidade, que, em verdade, no refletem outra coisa seno as altas taxas de criminalizao, a entrega progressiva da questo prisional, agora vista tambm como um negcio, aos cuidados da iniciativa privada parece algo natural. Afinal de contas quem mais poderia gerir com eficincia um sistema prisional to problemtico? o que argumentam os defensores da ideia.

MINHOTO, Laurindo Dias. As prises do mercado. Lua Nova: Revista de Cultura e Poltica, So Paulo, 2002, pp. 143 - 144.

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3. A PRIVATIZAO

O termo privatizar a rigor significa trazer algo anteriormente pblico para o setor privado, particular. Para melhor compreenso deste fenmeno ser analisada a questo neoliberal na qual ele se insere. Veremos ainda sua chegada ao Brasil, passando pela observao dos modelos de terceirizao e pelo modelo das parcerias pblico privados (PPP's), usualmente encontrados nas penitencirias brasileiras.

3.1 A Poltica Neoliberal

Como se sabe, a manuteno do Estado de Previdncia nos pases desenvolvidos se mostrou incompatvel com a economia de mercado do mundo globalizado. Principalmente a partir da dcada de 80 com fortalecimento do neoliberalismo econmico o Estado tem se reservado o papel de regulador da economia, no se imiscuindo diretamente nas atividades econmicas. Em consequncia, a iniciativa privada vem se responsabilizando por uma parcela cada vez maior de atividade at ento prestadas pelo poder pblico. Essa nova ideologia tem suas razes na corrente econmica do movimento conhecido como Escola de Chicago, assim chamada por ter sido forjada na Universidade de Chicago, reduto dos mais ferrenhos defensores do livre mercado. Ela foi um espcie de contra-revoluo, em referncia sua oposio s ideias keynesianas que lastrearam a formao do Estado de bem estar social. J nos anos 70, as influncias desse iderio se faziam sentir de forma veemente na Amrica Latina. O Chile, aps o golpe militar que levou Pinochet ao poder, pondo fim, de forma brutal, o governo social democrtico de Salvador Allende, passou a implementar em sua economia medidas oriundas das ideias da Escola de Chicago. Contudo, a mais conhecida expresso dessa transio foi o "Thatcherismo". Expresso que designa as polticas defendidas pelo Partido Conservador britnico, desde que Margaret Thatcher foi eleita lder do partido, em 1975, e, posteriormente, o estilo do governo Thatcher, no perodo em que foi primeira-ministra (1979-1990).

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O "Thatcherismo" um modelo de poltica econmica caracterizado pela reduo da interveno do Estado na economia, pela exaltao das virtudes do livremercado e dos mritos da "ordem espontnea". H ainda o alinhamento a uma poltica econmica monetarista, nos moldes da Escola de Chicago, bem como a defesa das privatizaes de empresas estatais; pela reduo dos impostos diretos (ou progressivos, como o imposto sobre a renda e os impostos sobre as propriedades) e pelo aumento dos impostos indiretos (ou regressivos, como os impostos sobre o consumo). Finalmente, e de modo mais radical, o "Thatcherismo" chega a advogar o combate aos sindicatos de trabalhadores alm da eliminao do salrio mnimo e de outros direitos trabalhistas, com a consequente reduo do chamado Estado do bemestar social. O ideal neoliberal espalhou-se por todo o globo tendo sido amplamente implementado nos EUA no perodo Ronald Reagan (1981-1989). Na mesma poca do desenvolvimento do setor privado no sistema prisional. inegvel que a violncia e a criminalidade, ou melhor, a criminalizao, avanaram em grande parte como consequncia desse novo Estado neoliberal que prope menos polticas pblicas e sociais e mais aes policiais e penitencirias. Conforme Wacquant30 assinala, haveria a emergncia de um Estado Penitencirio. De sorte que, possvel compreender as influncias do momento polticoeconmico e os reflexos privatizantes em diversos setores tradicionalmente ocupados pelo setor pblico. Naturalmente que na rea da segurana pblica, em especial no que concerne s prises, tais influncias tambm se fizeram sentir. Feitas tais consideraes, passamos analise da participao dos atores privados no sistema prisional. Para melhor compreenso do tema, o mesmo ser abordado a partir dos principais modelos privatizantes j implementados no mundo. Ser observado o grau de participao do setor privado no sistema prisional em cada caso. Pois, como sabido, a sua participao na administrao dos presdios se d em nveis variados.

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WACQUANT, Louic. Opus Citatum, p. 30.

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H modalidades em que a iniciativa privada to somente financia a construo de novas instalaes, em outras ocorre tambm a administrao do trabalho prisional, e a prestao de servios penitencirios especficos, como alimentao, assistncia mdica etc, como existem contratos que estabelecem a administrao integral do presdio. Em verdade, a primeira idia sobre a participao de particulares na administrao de presdios partiu de Jeremy Bentham, em 1834, na Inglaterra. O modelo criado foi o panptico, uma construo circular que permitiria o que se chamou de inspeo total sobre os presos, conforme o prprio autor definiu:

O edifcio circular. Os apartamentos dos prisioneiros ocupam a circunferncia. Voc pode cham-los, se quiser, de celas. Essas celas so separadas entre si e os prisioneiros, dessa forma, impedidos de qualquer comunicao entre eles, por parties, na forma de raios que saem da circunferncia em direo ao centro [...] O apartamento do inspetor ocupa o centro; voc pode cham-lo, se quiser, de alojamento do inspetor. [...] Cada cela tem, na circunferncia que d para o exterior, uma janela, suficientemente larga no apenas para iluminar a cela, mas para, atravs dela, permitir luz suficiente para a parte correspondente do alojamento. A circunferncia interior da cela formada por uma grade de ferro suficientemente firme para no subtrair qualquer parte da cela da viso do inspetor. [...] Para impedir que cada prisioneiro veja os outros, as parties devem se estender por alguns ps alm da grade, at a rea intermediria [...] As janelas do alojamento devem ter venezianas to altas quanto possa alcanar os olhos dos prisioneiros por quaisquer meios que possam utilizar em suas celas. [...] um pequeno tubo de metal deve ir de uma cela ao alojamento do inspetor31.

O intuito de Bentham era a gerao de lucros para os particulares atravs de contratos de administrao de penitencirias com o Estado, que, em contrapartida, ao privatizarem esse servio, reduziriam seus custos. Na ocasio, entretanto, esta proposta, essencialmente mercantilista, no foi aceita pelo Governo ingls.

31

BENTHAM, Jeremy. O panptico. Belo Horizonte: Autntica, 2000, pp. 77 - 78.

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3.2 Influncia no Brasil

No Brasil antiga a crtica ao crescimento demasiado da mquina pblica. A criao excessiva das empresas pblicas, sociedades de economia mista e fundaes para a assuno de atividades que nada tm a ver com os interesses da coletividade dificultam o controle interno finalstico, tornando o Estado praticamente ingovernvel. As modificaes no campo econmico, anteriormente assinaladas, foram fazendo com que o Estado fosse perdendo progressivamente sua capacidade de investimentos, de forma a comprometer a qualidade dos servios pblicos. Da, porque j h muito fala-se da necessidade de uma reengenharia do Estado para reduzir sua participao em funes pblicas no essenciais podendo assim prestar com maior eficincia suas atividade bsicas32. Nessa linha, foi promulgada a lei 8031, de 1990, instituindo o Plano Nacional de Desestatizao, alterado pela lei 9491, de 1997 e pela MP 2161-35, de 2001. Em seu artigo 1 o Plano define seus objetivos fundamentais, quais sejam: reordenar a posio estratgica do Estado na economia, transferindo iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor pblico; contribuir para a reestruturao econmica do setor pblico, reordenar a posio estratgica do Estado na economia, transferindo iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor pblico; contribuir para a reestruturao econmica do setor pblico, especialmente atravs da melhoria do perfil e da reduo da dvida pblica lquida; permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas iniciativa privada; contribuir para a reestruturao econmica do setor privado, especialmente para a modernizao da infra-estrutura e do parque industrial do Pas, ampliando sua competitividade e reforando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia, inclusive atravs da concesso de crdito; permitir que a Administrao Pblica concentre seus esforos nas atividades em que a presena do Estado seja fundamental para a consecuo das prioridades nacionais; e contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, atravs do acrscimo da oferta de valores mobilirios e da democratizao da propriedade do capital das empresas que integrarem o Programa.32

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. So Paulo: Malheiros, 2003, p. 777.

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Entende-se por desestatizao, a transferncia para a iniciativa privada da execuo de servios pblicos explorados pela Unio direta ou indiretamente. Observando que esta transio ser sempre precedida de licitao, realizada por meio de concesso, permisso ou autorizao.

3.3 Terceirizao

Esta modalidade de participao no setor privado na economia permite s empresas e ao poder pblico repassarem ao particular tarefas secundrias de sua atividade, possibilitando a transformao de um custo fixo em custo varivel bem como permitindo uma maior convergncia de esforos da empresa ou do ente pblico em torno de sua atividade fim. A terceirizao tem sido meio hbil largamente utilizado pelos gestores pblicos nas mais diversas instncias. Via de regra, recorre-se a ela com o escopo de adaptar no setor pblico as prticas originariamente desenvolvidas pelo setor privado. Tais recursos, em tese, podem emprestar flexibilidade s operaes, normalmente marcadas pela burocracia e excessiva rigidez nos processos. A prtica da terceirizao se insere no contexto neoliberal na medida em que os governos tm procurado se afastar da direo de entidades que atuam no mercado. Assumindo uma posio de regulador das atividades e por consequncia cada vez menos provedor direto de servios. Essa tendncia de aumentar a participao de empresas terceirizadas nas chamadas atividades satlites dos entes pblicos tem sido prestigiada pelos gestores no Brasil. Nesta mesma linha o disposto no artigo 10 do decreto-lei 200/67 que orienta a administrao pblica no sentido de descentralizar a execuo das atividades da administrao federal. Esta descentralizao, fundamentada no pargrafo 7 do referido dispositivo, teria a finalidade de melhor desincumbir a administrao das tarefas de planejamento, coordenao, superviso e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da mquina administrativa, de sorte que a administrao dever

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desobrigar-se da realizao material das tarefas executivas, recorrendo, sempre que possvel, execuo indireta, mediante contrato, desde que exista, na rea, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execuo.

3.4 As PPP's

O instituto das parcerias pblicos privadas, consiste em um tipo de contrato na modalidade patrocinada ou administrativa na qual haver contraprestao pecuniria do parceiro pblico ao parceiro privado33. Em 30 de dezembro de 2004, atravs da lei de n 11.079, fundamentou-se a Parceria Pblico Privada, conceituada como contrato administrativo de concesso, na forma administrativa ou patrocinada. Devido a esta legislao, houve a regulamentao de forma mais precisa dos procedimentos da contratao. No artigo segundo da lei das PPP's, so apresentadas duas modalidades de contrato administrativo de concesso, que podem se dar na forma patrocinada ou administrativa. Sendo que a primeira aquela em que, ao prestar o servio pblico, permitido ao particular cobrar uma tarifa dos usurios do servio prestado, bem como uma contraprestao oramentria do parceiro pblico ao parceiro privado. J o contrato de concesso administrativa que aquele em que no exigida nenhuma tarifa do cidado pelo uso do servio, pois o parceiro privado presta o servio e remunerado diretamente pela administrao pblica. As PPP's nos presdios constituem-se em concesso administrativa. Ocorre repasse financeiro do Estado, sem cobrana de tarifa do usuriodo servio que o preso. Obviamente que o preso no um tpico usurio j que no lhe dada esta opo de usar ou no o sistema. O detento no apenas um usurio forado, compelido, mas tambm um "beneficirio" dos servios pblicos internos e destinatrio de outros servios pblicos como vigilncia, segurana, monitoramento.

MORAES FILHO, Julio Cesar Gaberel de. Parceria pblico-privada no sistema prisional mineiro. Revista mbito Jurdico, Rio Grande, 53, maio 2008, p. 2.

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Sendo, desta feita, detentor de direitos fundamentais perante o Estado, resulta, em tese, a possibilidade de o preso reivindicar os padres de qualidade, segurana, higiene, sade. No Brasil, o modelo de parcerias, no que respeita s prises, semelhante ao da Frana, que possui aproximadamente 15% dos presdios sob administrao conjunta34.

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SCHELP, Diogo. Nem parece presdio. Revista Veja, 25 fev. 2009.

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4. MODELOS ESTRANGEIROS DE PRIVATIZAO

4.1 O Modelo Norte-americano

Os Estados Unidos apresentam o modelo mais diverso de participao privada no sistema carcerrio. A privatizao aqui abarca as trs espcies: o arrendamento, a utilizao de alguns servios contratados e a transferncia da direo aos particulares. No arrendamento das prises o governo aluga uma propriedade (a priso construda por um particular), ao final do prazo estabelecido a priso passa para a propriedade do Estado. Na modalidade de servios contratados, uma empresa privada responsvel pelo fornecimento de alimentao, hotelaria, e servios mdicos. A transferncia de direo ocorre quando, o agente privado administra integralmente a unidade. Historicamente, a execuo penal no era objeto de cuidado da atividade jurisdicional, esta se esgotava com a sentena, sendo considerada execuo penal uma atividade administrativa. Tal sistema era conhecido por hands off. Na dcada de 80, entretanto, houve uma crescente interveno judicial no sistema prisional. Isso ocorreu em funo da intensificao dos problemas que assolavam os presdios. A superpopulao vinha se agravando com o crescimento das taxas de encarceramento. Entre 1985 e 1996 o crescimento foi de 7,8% e na mdia nacional, os estabelecimentos operavam taxa de 130% de sua capacidade35. Desde 1950 a populao carcerria cresceu 250%. medida em que a populao carcerria crescia, cresciam tambm os custos de manuteno do sistema prisional. Segundo o Instituto Nacional de Justia, em 1975 os gastos com as agncias correcionais totalizaram US$ 2 bilhes, j em 1987 a previso era de US$ 13,5 bilhes36. Uma consequncia imediata do aumento dos custos do sistema inevitavelmente o crescimento dos problemas carcerrios e uma verdadeira deteriorao das prises. A obteno de recursos para a soluo dessa questo tambm se mostrarMINHOTO Laurindo Dias. Privatizao de presdios e criminalidade: a gesto da violncia no capitalismo global. So Paulo Editora Max Limonad, 2000, pp. 48 - 49. 36 Idem.35

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problemtica. Pesquisas realizadas nos EUA mostram que de um lado a populao apoia medida de endurecimento para a poltica criminal, porm, de outro lado se mostraria contra maiores investimentos no sistema prisional37. Parece claro que a populao est cada vez mais preocupada com o problema da violncia e considera que o recrudescimento penal seria uma resposta eficaz. No entanto, sabe que o crcere no tem apresentado uma resposta satisfatria no tratamento dos presos. Denunciando esse cenrio de crise, em recente deciso (maio/2011), a Suprema Corte americana, mandou o Estado da Califrnia libertar milhares de presos. Segundo os juzes, a deciso se deve aos graves problemas encontrados nas penitencirias do Estado em funo da superpopulao de presos. De acordo com dados do estado, h 148 mil detentos alojados em 33 estabelecimentos que comportariam apenas 88 mil38. Os altos custos do encarceramento e a superpopulao penitenciria so as principais razes invocadas pelos governos para a adoo de uma poltica sistemtica de privatizao dos presdios a partir da dcada de 80. A participao privada no sistema americano, como se sabe, no homognea. H trs tipos de estabelecimentos carcerrios. Em nvel municipal existem as cadeias locais (jails) que abrigam os indivduos detidos pela polcia que aguardam julgamento. J os Estados mantm as chamadas states prisons, para onde so levados os presos condenados a penas maiores de um ano. Finalmente, no mbito da Unio, existem as federal prisions responsveis pela custdia dos condenados por infrao ao cdigo federal. Agravando ainda mais o problema, os EUA vm adotando uma poltica

criminal de lei e ordem, criminalizando cada vez um nmero maior de condutas e aplicando penas privativas de liberdade mais longas. Esse fato naturalmente eleva a presso sobre as prises. Para enfrentar o problema carcerrio, os EUA expandem fortemente o nmero de prises, muitas vezes entregando essa responsabilidade ao setor privado.MINHOTO, Laurindo Dias. Privatizao de Presdios e Criminalidade. 1 Ed So Paulo: Max Limonad, 2000, p. 55. 38 Folha de So Paulo, disponvel em: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/919684-california-develibertar-30-mil-presos-a-mando-da-suprema-corte.shtml37

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Maiores encarceradores do planeta, os norte americanos atingiram a incrvel marca de mais de 2 milhes de pessoas presas, de sorte que 2,8% da populao adulta do pas vive sob algum tipo de superviso penal. Na dcada de 90 cerca de 1618 prisioneiros chegavam s prises por semana. Junto com esse boom de encarceramento crescem igualmente os valores investidos. Para se ter ideia, o valor do oramento do Ministrio da Justia voltado para o sistema prisional passou de 9 bilhes de dlares em 1982 para 32 bilhes em 1992. Nesse sentido, no se pode olvidar o aspecto econmico do crcere. Somente no mbito das cadeias locais dos EUA, em 1994 movimentou-se cerca de 64 bilhes de dlares. No mesmo perodo esse segmento j empregava mais de 100.000 pessoas em quase 3.400 estabelecimentos. O negcios das penitencirias atualmente dominado por duas principais empresas a saber, a Corrections Corporation of America e a Wackenhut Corrections Corporations. Juntas elas detm 75% do mercado de prises, com estabelecimentos espalhados por vrios pases da Europa e Amrica do Norte, e com um plano de expanso para Amrica Latina e Leste Europeu. Para se ter ideia da fora econmica destes atores, vale lembrar que, em 1996, as aes da Corrections Corporation of America dobraram seu valor, e as da Wackenhut Corrections Corporations subiam 155%. Fato as que as colocou entres melhores opes de investimento de Wall Street, uma vez que no mesmo perodo, o ndice Dow jones avanou por volta de 11%. Veja-se a propsito a matria feita por Gustavo Poloni na qual relata a situao carcerria dos Estados Unidos:"Os Estados Unidos tm a maior populao carcerria do planeta, 2,2 milhes de pessoas. Como a legislao possibilita a ampla participao das empresas privadas, as companhias esto aproveitando a oportunidade para obter bons lucros. Hoje, elas so contratadas pelo governo para projetar e construir presdios, vigiar e reabilitar detentos e prestar servios gerais, como limpeza das celas e alimentao dos presos. O resultado um mercado de 37 bilhes de dlares, que deve continuar em expanso, pois o nmero de presos cresce taxa de 3,4% ao ano desde 199539.

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Revista Exame de janeiro de 2007

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4.2 O Modelo Ingls

O sistema penitencirio da Inglaterra igualmente apresenta problemas de superpopulao e aumento dos custos, a exemplo do que ocorre nos EUA. Foi com a publicao do Relatrio Omega em 1984, pelo Instituto Adam Smith de Direito Britnico, que a adoo do sistema prisional privado foi apontada como eficaz para resolver a crise nas instituies prisionais da poca. A proposta privatizante chega ento ao modelo ingls na dcada de 80 prometendo a resoluo dos problemas que j assolavam as cadeias. Ainda 1985 o dficit de vagas era aproximadamente de 8 mil. Houve tambm uma escalada dos custos. Em 1996 o custo anual de cada prisioneiro em estabelecimento fechado era de 22.800 libras. Nesse mesmo ano, o nmero de encarcerados na Inglaterra e Pas de Gales chegava a 60 mil. justamente nesse contexto de aumento dos custos, superpopulao e precarizao das condies de encarceramento, que a privatizao das prises se apresenta como alternativa. Em resposta a essa crise, tem se procurado expandir o nmero de vagas no sistema carcerrio. Isso ocorre uma vez que a priso est no centro da poltica inglesa gesto da criminalidade. Entre 1980 e 1996 a capacidade de acomodao do sistema prisional salta para 40% totalizando mais de 53 mil vagas. A autorizao para a administrao privada dos presos veio apenas em 1991 com o Criminal Justice Act. A princpio a participao privada somente poderia cuidar de presos provisrios. Contudo, j em 1993 foi permitida a contratao de entidades particulares para custodiar tambm os presos condenados. Em 1995, estimava-se que 4% do total de detentos estavam em penitencirias privadas. Inicialmente, a construo da priso era de responsabilidade do Estado que continua a ser proprietrio das instalaes prisionais. Sendo a operao da priso feita totalmente por uma empresa mediante contrato. Um exemplo dessa forma de gesto a penitenciria HPM Wolds40.

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James A, Bottomley K et al. 1997. Privatizing Prisons: Rhetoric and Reality. London: Sage

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Na atual fase do modelo de privatizao ingls, uma empresa comercial, ou mais comumente um consrcio de empresas leva a priso desde o projeto at a operao final. Este processo inclui a sua concepo, seu financiamento, sua construo e sua gesto e do consrcio incluem geralmente um banco ou outra organizao financeira, uma construtora e uma empresa que tm experincia em um ou vrios aspectos da gesto de segurana. Neste modelo, o Estado celebra um contrato com o consrcio. Este ltimo se compromete a fornecer um determinado nmero de lugares de priso para um padro de contratos e do Estado, por sua vez se compromete a pagar para o nmero fixo de lugares ao longo de um perodo contratado, que no Reino Unido normalmente de 25 anos. Este modelo o que hoje aplicado na Esccia e na41

Inglaterra e no Pas de Gales .

4.3 O Modelo Francs

No caso da Frana a questo penitenciria tambm se mostra problemtica. Uma pesquisa realizada em 1984 constatou que em 20 anos o total de crimes e delitos aumentou 469% e a populao 15%; enquanto as taxas de criminalidade subiram 394%, tendo a populao carcerria chegado a mais de 44 mil detentos, nmero que ultrapassou 50 mil em 1987. Ainda no sculo XIX j havia a previso legal para a participao privada no tratamento de presos. As instituies particulares ficaram encarregadas dos presos menores de ambos os sexos. Essa medida foi uma tentativa de se preservar os jovens infratores do convvio com outros criminosos e assim afast-los da prtica de outros delitos. Entretanto, tal iniciativa no foi bem sucedida uma vez que a dureza do seu regime associada promiscuidade no tratamento dos menores acabou por reproduzir um ambiente danoso que se verifica nas demais instituies. No final da dcada de 80 uma srie de leis repressivas foi publicada no pas. Apenas em 1986 trs leis de endurecimento penal entraram em vigor, uma alterando as regras sobre a reduo das penas, outra estabelecendo um regime especial mais severo41

Segundo colquio realizado pela King's College London, em Edimburgo, em 2007, disponvel em: http://www.scccj.org.uk/documents/0709Speech2.doc

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para infraes praticadas mediante violncia, por fim, uma terceira lei para cuidar da questo do terrorismo. Por evidente, esse movimento aumentou ainda mais as presses sobre o sistema carcerrio. Com o agravamento da crise penitenciria devido ao crescimento do nmero de presos e incapacidade de as prises existentes com esse aumento foi aprovado ainda em 1986 um plano de expanso conhecido como Projeto 15.000. Nesse modelo seria entregue ao setor privado a construo e a gesto de presdios. Seu principal objetivo era acabar com o dficit prisional que neste perodo estava entre 12 e 17 mil vagas. A participao privada nessa empreitada era necessria uma vez que o Estado Francs no conseguiria arcar com os autos custos do projeto. Estimou-se naquele momento que o custo total de um programa de 15 mil vagas atingiria cerca de 4 bilhes de francos, valor mais de 10 vezes superior s dotaes oramentrias de 1985. O Projeto 15.000, entretanto, no foi adotado integralmente. O programa deu origem lei 87/432 de 1987 que instituiu um sistema de co-gesto, no qual o setor privado foi autorizado a construir as prises e a executar algumas atividades como assistncia mdica, hotelaria etc. Porm a administrao foi reservada ao Estado. Aps as eleies de 1988 na qual retornou o governo socialista, o projeto 15.000 foi revisto, tendo sido reduzido para 13 mil vagas e as funes de direo reservadas ao Estado. Nesse sentido o disposto no artigo 2 da lei 87/432 de 1987:Art. 2. O Estado pode confiar a uma pessoa de direito pblico ou privado ou a um grupo de pessoas de direito pblico ou privado uma misso versando ao mesmo tempo sobre a construo e a adaptao de estabelecimentos penitencirios. A execuo desta misso resulta de uma conveno assinada entre o Estado e a pessoa ou grupo de pessoas segundo um rol de obrigaes aprovado por decreto. Estas pessoas, ou grupo, so designadas ao final de um processo licitatrio. nos estabelecimentos as funes outras que de direo, cartrio, vigilncia, podem ser confiadas a pessoas jurdicas de direito pblico ou privado segundo uma habilitao definida por decreto. Estas pessoas podem ser escolhidas em processo licitatrio na forma prevista na alnea precedente.

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De modo geral, verifica-se que o Estado indica o Diretor-Geral do estabelecimento que se responsabiliza pela segurana interna e externa da priso, bem como o relacionamento com juzo de execuo penal, enquanto empresa privada compete fornecer e gerir o trabalho, a educao, o transporte, a alimentao, o lazer, a assistncia social, jurdica, espiritual e a sade fsica e mental do preso, e receber um valor, pago pelo Estado por cada preso. Neste modelo, todos os servios penitencirios podem ser privatizados, com exceo da direo, da secretaria e da segurana.

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5. A EXPERINCIA PTRIA

No Brasil, o surgimento da proposta privatizante se deu no mbito do Conselho Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria do Ministrio da Justia que props formalmente em 1992 a adoo de prises privadas no Brasil como forma de solucionar os graves problemas j enfrentados naquela poca. A alternativa resultou da observao dos modernos modelos adotados em estabelecimentos prisionais nos EUA, Frana, Inglaterra e Austrlia, conforme a Proposta de regras bsicas para o programa de privatizao do sistema penitencirio do Brasil, apresentada em reunio CNPCP, em 27 da janeiro de 199242. Tal proposio de privatizao do CNPCP foi contestada pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) que considerou a proposta insatisfatria, ressaltando que a execuo da pena seria funo nica e intransfervel do Estado. Divergncias como essas, culminaram com o arquivamento da proposta do Ministrio da Justia. Mesmo assim, o Estado do Paran implementou a proposta com a Penitenciria Industrial de Guarapuava (PIG). A experincia de Guarapuava posteriormente foi expandida para a Casa de Custdia de Curitiba, a Casa de Custdia de Londrina, as prises de Piraquara e Foz do Iguau43. Ademais, o Estado de Pernambuco adotou, de forma pioneira, este modelo para a construo de uma penitenciria na cidade e Itaquitinga. De l pra c vrias experincias foram implantadas, no obstante, nos ltimos anos a crise prisional no Brasil somente agravou-se. Por um lado vemos a falta de vontade poltica em realizar os investimentos necessrios para promover o mnimo de humanizao nas condies do crcere, bem como a insistncia dos governos em continuar tratando as questes sociais na base do fuzil. Por outro lado, aproveita-se de uma sociedade acuada pela violncia urbana, para implementar medidas fascistas de controle sobre os cidados, valendo-se do discurso de combate criminalidade para legitimar um modelo de vigilncia policial cada vez mais invasivo na sociedade, emMINHOTO, Laurindo Dias. Privatizao de Presdios e Criminalidade. 1 Ed So Paulo: Max Limonad, 2000. 43 OSRIO, Fbio Medina. Sistema penitencirio e parceria pblico-privadas: novos horizontes.42

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especial sobre sua a parcela mais pobre. Observe-se, por exemplo, o que vem sendo implantado na cidade do Rio de Janeiro atravs das chamadas Unidades de Polcia Pacificadora (UPP's) instaladas nas favelas, que possuem um inegvel carter de controle e conteno prvia daqueles indivduos. O prprio movimento de lei e ordem responsvel por um fenmeno de inflao legislativa no qual se criam leis criminalizando um nmero cada vez maior de condutas, implementando longas as penas restritivas de liberdade, bem como dificultando a progresso do regime, entre outras medidas. Tudo isso, contribui para tornar catico o j delicado problema penitencirio no Brasil. Segundo dados do Conselho Nacional de Justia, em 2010 no Brasil havia um dficit de 197.87244 vagas no sistema penitencirio brasileiro. A superlotao alimentada pela incapacidade de os presdios promoverem a recuperao dos egressos e pelo crescimento da criminalidade (ou da punibilidade). Em 2007, o Ministrio da Justia, preocupado com as questes carcerrias no pas, reabriu a discusso sobre a participao privada nas prises. Para tanto, valeu-se do Novo Plano Nacional de Poltica Penitenciria, que abordou principalmente a questo das parcerias pblico privadas. Alguns Estados utilizaram-se das PPP's em suas polticas prisionais. Ao todo sete Estados fizeram experincias em suas penitencirias com diversos graus de privatizao. So eles, Paran, Cear, Bahia, Amazonas, Santa Catarina, Pernambuco e Minas Gerais com 16 (dezesseis) unidades prisionais com aproximadamente 9.000 (nove mil) detentos sob a administrao de empresas privadas45. Das experincias citadas, dois Estados j deixaram de operar no sistema, o Estado do Cear e, o Estado do Paran. Esse novo plano recomendou desenvolver convnios com empresas particulares para gerao de trabalho nos presdios, humanizao e ressocializao com integrao de empresrios e da comunidade; repdio a propostas de privatizao plena dos estabelecimentos penais e outros.Portal CNJ: https://www.cnj.jus.br/portal/component/content/noticias/cnj/13388:cnj-liberta-um-emcada-11-presos-dos-estados-inspecionados-em-2010 45 KLOCH, Henrique. O sistema prisional e os direitos da personalidade dos apenados com fins de (res)socializao. Porto Alegre: Verbo Jurdico, 2008.44

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Para compreender a extenso da influncia desse iderio no Brasil sero analisadas algumas experincias feitas em diversos estados da federao.

5.1 Cear

A implantao da gesto compartilhada em presdios no Cear teve incio em 17 de novembro de 2000, com a adoo desse sistema na Penitenciria Industrial Regional do Cariri (PIRC), no municpio de Juazeiro do Norte. Com uma rea de 15.000 m2, a penitenciria tem 66 celas coletivas para cinco presos cada uma e 117 para dois presos cada, perfazendo uma capacidade total de 549 vagas. O modelo administrativo, como dito, o da co-gesto e foi implementado com a Humanitas Administrao Prisional S/C (posteriormente passando a se denominar Companhia Nacional de Administrao Prisional CONAP). Em funcionamento desde 2001, a PIRC resultado desta parceria entre o Estado do Cear, atravs da Secretaria de Justia, e a empresa Companhia Nacional de Administrao Prisional CONAP. De acordo com o item II, da clusula quarta do contrato de gesto, da competncia da contratada:selecionar, recrutar, contratar sob sua inteira responsabilidade, observadas as regras de seleo da Superintendncia do Sistema Penal SUSIPE, preferencialmente da Regio do Cariri, os recursos humanos necessrios para o pleno desenvolvimento da Penitenciria Industrial do Cariri, assumindo os encargos administrativos dos mesmos, e cumprindo com todas as obrigaes trabalhistas, fiscais, previdencirias e outras, em decorrncia de sua condio de empregadora/contratante.

Nessa penitenciria, atravs de parceria com a empresa Criativa Jias, 150 presidirios fabricam folheados, com uma produo de 250 mil peas/ms. Cada preso recebe cerca de 75% do salrio mnimo por ms e reduo da pena.

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A penitenciria conta ainda com assistncia jurdica que prestada por um quadro composto por 04 (quatro) advogados contratados e auxiliados por estagirios que prestam a referida assistncia aos internos que no possuem defensores. No ano de 2002, com apoio do Ministrio da Justia, o governo do Cear levou adiante a poltica de terceirizao dos estabelecimentos penais, inaugurando a Penitenciria Industrial Regional de Sobral (PIRS) e o Instituto Presdio Professor Olavo Oliveira II (IPPOO II). IPPOO II faz parte do plano do Governo estadual para modernizar o sistema penitencirio cearense e diminuir sensivelmente o problema de superlotao nas penitencirias do Estado. O IPPOO II tem 15 mil metros quadrados e capacidade para 492 detentos em 60 celas individuais e 72 celas para seis pessoas. Seu moderno sistema eletrnico de segurana possui servios de udio para comunicao interna, alm de 34 cmeras de monitoramento, 12 sensores infravermelhos e trs portais eletrnicos. O setor de sade do Mdulo de Tratamento Penal possui duas enfermarias, sala de fisioterapia, farmcia, dois consultrios mdicos e um consultrio dentrio, alm de posto assistencial de primeiros socorros. administradora (CONAP) cabe prover a alimentao, a manuteno e limpeza, vesturio e material de higiene para os presos. ainda responsvel pelo pessoal da rea de segurana nas atividades de monitoramento das reas de vivncia, bem como o atendimento mdico, odontolgico, psicolgico, social e jurdico. A superviso das rotinas internas das oficinas de trabalho e as atividades de educao fsica dos detentos so igualmente atribuies da empresa administradora.46 Segundo dados do Ministrio Pblico Federal, os presdios terceirizados recebem 48% do total de recursos mensais da Secretaria da Justia e Cidadania (SEJUS), mesmo que sejam responsveis por pouco mais de 10% do nmero de presos em todo o Estado. No Cear, a populao carcerria de 11,5 mil pessoas. Dos 3 milhes de reais mensais da SEJUS, 1,6 milho de reais so destinados aos presdios no terceirizados, enquanto 1,4 milho de reais so repassados CONAP, empresa privada, responsvelNotcia da Secretaria de Justia do Cear de 18/09/2002, disponvel em: http://www25.ceara.gov.br/noticias/noticias_detalhes.asp?nCodigoNoticia=725946

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pelos presdios mais novos do Cear, construdos entre 2000 e 2002. O custo mdio mensal por preso administrado pela CONAP de R$ 920,00 reais. J nos outros dez presdios esse valor fica em R$ 650,00.47 Ainda em 2005, o Ministrio Pblico Federal e a Ordem dos Advogados do Brasil impetraram ao civil pblica48 contra o Estado do Cear e a CONAP, alegando que a custdia de presos funo exclusiva do poder pblico, no podendo a iniciativa privada administrar presdios. Em 19 de julho de 2007, as penitencirias cearenses administradas pela CONAP foram reintegradas Secretaria de Justia do Cear (SEJUS). O juiz Marcus Vincius Parente Rebouas, da 3 vara federal, determinou a suspenso do contrato firmado entre o Estado do Cear e a CONAP, empresa responsvel pela administrao de trs unidades prisionais do Estado: Penitenciria Industrial Regional de Sobral (PIRS), Penitenciria Industrial Regional do Cariri (PIRC) e Instituto Presdio Professor Olavo Oliveira II (IPPOO II). O magistrado entendeu que a gesto de unidades prisionais funo tpica do Estado, e por isso deve ficar a cargo exclusivo da administrao pblica. A execuo penal, em suas palavrasimiscui-se, ontologicamente, no rol das funes tpicas do Estado, de forma que o seu exerccio deve ser incumbido a rgos ou entidades pblicos, sendo indelegvel ou intransfervel a particulares, semelhana das atribuies legislativas, jurisdicionais, diplomticas, policiais, etc.

Entretanto, em 2010, a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5 Regio, decidiu, unanimidade, conhecer do agravo de instrumento, interposto pelo Estado do Cear, e, de ofcio, reconhecer a ilegitimidade ativa do MPF e da OAB/CE para a causa e a incompetncia da Justia Federal para conhecimento da mesma, nos

Ao MPF/CE questiona privatizao dos presdios no estado. Disponvel em: http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_geral/mpf-ce-acao-contra-privatizacaodos-presidios-sera-intensificada-com-completa-investigacao 48 Processo n 2005.810.0015026-0 (Justia Federal do Cear)

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termos do art. 267, inciso IV e VI, e 3., do CPC, indeferindo a petio inicial da ao civil pblica, conforme a seguinte ementa:CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AO CIVIL PBLICA. SISTEMA PRISIONAL ESTADUAL.GESTO. TERCEIRIZAO. ALEGAO DE IRREGULARIDADES. AUSNCIA DE INTERESSE FEDERAL DEMONSTRADO. QUESTO ADMINISTRATIVA DA EXCLUSIVA ATRIBUIO ESTADUAL. ILEGITIMIDADE ATIVA DA OAB/CE E DO MPF. INCOMPETNCIA DA JUSTIA FEDERAL. CONHECIMENTO DE OFCIO. INDEFERIMENTO DA PETIO INICIAL DA AO CIVIL PBLICA." (TFR 5 regio, AGTR 81428CE 2007.05.00.066884-6, rel. des. Emiliano Zapata Leito, 14/01/2010)

5.2 Pernambuco

Em Pernambuco foi escolhido o modelo das PPP's para a construo de um complexo penitencirio na cidade de Itaquitinga. A responsvel pela construo a Sociedade de Propsito Especfico Reintegra Brasil, formada pelas empresas Socializa Empreendimentos e Servios de Manuteno e Advance Participaes e Construes, e conta com financiamento do Banco do Nordeste do Brasil (BNB). O Centro Integrado de Ressocializao (CIR) ser construdo numa rea de 98 hectares e receber investimentos no valor de R$ 287 milhes. Deste montante, R$ 230 milhes sero oriundos de um emprstimo junto ao BNB49. Em relao administrao, os cargos de diretor geral, diretor adjunto e coordenador de segurana e disciplina sero ocupados por servidores pblicos do Estado de Pernambuco. Ao diretor geral caber, entre outras responsabilidades, a de garantir a vedao contratual ultrapassagem do limite nominal de capacidade do CIR, de 3.126 internos, ou seja, impedir a superlotao carcerria. J policia militar pernambucana caber a manuteno dos servios de policiamento e vigilncia externa na unidade prisional, o acompanhamento em escoltas para hospitais, frum e outros locais, e a interveno na rea interna das unidades.

Dados do Governo de Pernambuco, disponvel em: http://www2.ppp.seplag.pe.gov.br/web/portalppp/home?p_p_id=56_INSTANCE_5PJb&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&p _p_col_id=column-2&p_p_col_pos=2&p_p_col_count=5_56_INSTANCE_5PJb_&articleId=66544

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O projeto de ressocializao, de responsabilidade da concessionria, englobar os procedimentos para retorno dos internos sociedade, descrevendo os planos que devero ser implantados com o propsito de possibilitar a educao e a qualificao profissional, a possibilidade de trabalho e sua respectiva remunerao, e o resgate da cidadania. Sero possveis duas configuraes para o trabalho dos sentenciados: trabalho preferencialmente de natureza industrial, rural ou agrcola e de servios, cujo tomador seja uma pessoa jurdica terceira; e o trabalho referente a servios gerais e de manuteno. Com inaugurao prevista para o segundo semestre de 201150, esse novo complexo prisional o primeiro do Brasil em regime de parceria pblico privada. Ele ser composto por cinco presdios, dois para regime semi-aberto (1200 vagas) e trs para o regime fechado (1926 vagas) alm de uma unidade para administrao do complexo. O CIR, que foi considerado um dos dez projetos mais interessantes na rea de infraestrutura social em andamento no mundo, na avaliao da revista Infrastructure 100 e da empresa de consultoria sua KPMG51, ocupar uma rea de 100 hectares e todas as unidades do complexo iro funcionar independentes.

5.3 Paran

O Paran, pioneiro na gesto compartilhada de presdios, iniciou com a Penitenciria Industrial de Guarapuava, em 1999. Com capacidade para 240 presos, tinha o objetivo de cumprir as metas de ressocializao do interno e a interiorizao das unidades penais (preso prximo da famlia e local de origem), proporcionando trabalho e profissionalizao, viabilizando, alm de melhores condies para sua reintegrao sociedade, o benefcio da reduo da pena. A empresa Humanitas Administrao Prisional S/C, parceira da co-gesto, era a responsvel pela alimentao, necessidades de rotina, assistncia mdica, psicolgica e jurdica dos presidirios. Ao Estado cabia a nomeao do diretor, do vice-diretor e dohttp://www.eduardocampos40.com.br/complexo-de-presidios-em-itaquitinga-ganha-espaco-em-revistaamericana/ 51 Disponvel em: http://www.jusbrasil.com.br/politica/5538451/centro-integrado-de-ressocializacao-deitaquitinga-tem-destaque-internacional50

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diretor de disciplina, que supervisionavam a qualidade de trabalho da empresa contratada e faziam valer o cumprimento da Lei de Execues Penais. O Estado pagava cerca de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais) por preso/ms em 2005, quando ainda vigia o contrato com a empresa Humanitas. Em 2004, todavia, o governador Roberto Requio (PMDB) teve como uma de suas bandeiras de campanha para a reeleio acabar com a administrao compartilhada dos presdios. Com isso, em 2005, o Instituto Nacional de Administrao Penitenciria perdeu a gesto de cinco prises no Estado.

5.4 Santa Catarina

O Estado de Santa Catarina possui 39 estabelecimentos penais. Em 2008 existia uma carncia de 35% de vagas.52 Nesta composio, esto inclusos uma penitenciria privatizada (Penitenciria Industrial de Joinville) e dois centros de Observao Criminolgica e Triagem tambm terceirizados no estado Catarinense. Em 2005 foi inaugurada a Penitenciria Industrial de Joinville Jocemar Cesconetto. A penitenciria tem capacidade para 366 apenados. A penitenciria oferece ensino fundamental e mdio aos presidirios; possui convnio com 11 empresas, garantindo-se trabalho a 171 presos.53 Em resumo a Penitenciria Industrial de Joinville funciona da seguinte forma: a empresa privada administra o presdio, o que inclui fazer a segurana interna e prestar servios bsicos aos detentos, como alimentao, vesturio e atendimento mdico. Ao Estado cabe fiscalizar o trabalho da empresa, fazer o policiamento nas muralhas e decidir sobre como lidar com a indisciplina dos detentos.54 Ilustrativo o seguinte trecho do relatrio anual de 2010 da penitenciria:

KLOCH, Henrique. Opus Citatum SANTOS, Richard Harrison Chagas dos. Relatrio anual. Penitenciria Industrial de Joinville (Jocemar Cesconeto). 30 pginas. Joinville, 2009. 54 SCHELP, Diogo. Nem parece presdio. Revista Veja, 25 fev. 2009. Disponvel em: http://veja.abril.com.br/250209/p_084.shtml53

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Nesse, passo mister se faz ponderar que o sistema de administrao vigente hoje neste ergstulo, o de Co-gesto, ou seja, um contrato de Prestao de Servios da Empresa de iniciativa privada Montesinos Sistema de Administrao Prisional com o Estado. No podendo, porm, se olvidar que a responsabilidade de salvaguardar a fiscalizao to somente do Estado, j que este o verdadeiro titular da garantia da segurana pblica. Informa-se que estes dados baseiamse nos registros existentes nos Setores das Gerncias: Apoio Operacional, Execues Penais, Jurdico, Laboral, Sade Promoo Social e de Ensino.55

Porm, nem tudo so flores na Penitenciria Industrial de Joinv