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Os Médicos e o Estado no Brasil (1922):
ideologias de um profissionalismo singular*
André de Faria Pereira Neto**
RESUMO
Este artigo discute a importância do Estado no processo de
profissionalização. Ele defende a idéia de que o Estado desempenha um papel
central tanto na história das profissões que obtiveram êxito quanto nas que
feneceram. Seu objeto de análise será a relação recíproca de interesses que
se estabeleceu entre a elite da profissão médica e o Estado brasileiro, no início
do século XX. Naquele contexto, o Estado incrementava sua intervenção na
vida social em geral e nas profissões, em particular. Os decretos-lei
11.530/1915 e o 14.354/1920, por exemplo, estabeleceram critérios para a
organização e o reconhecimento oficial das instituições universitárias e
planificaram um serviço de saúde pública de dimensões nacionais - medidas
com grande potencial de interferir no mercado trabalho médico. Este artigo
acompanhará as reações da elite médica, reunida no Congresso Nacional dos
Práticos (1922), à estas prescrições legais. O artigo demonstra que esta
parcela influente e poderosa da corporação médica, defendia a ampliação do
poder do Estado, para garantir a preservação da prática profissional, em
moldes liberais. O controle do acesso e credenciamento de novas instituições
formadoras deveria ser incrementado e os serviços de assistência teriam que
ser socialmente segmentados. Assim, ele apresenta a ideologia de um
profissionalismo singular: uma prática liberal que necessitava do Estado para
seu êxito e pleno exercício.
Este artigo encontra-se em fase de elaboração. Ele foi escrito para GT: Profissões, Estado e mercado: identidades, saberes e fronteiras profissionais do XXVI Encontro Nacional da ANPOCS (2002). Solicitamos que ele não seja objeto de citação bibliográfica. ** Doutor em Saúde Coletiva (IMS-UERJ-1997). Pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz - Fundação Oswaldo Cruz. [email protected]
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INTRODUÇÃO
Profissão é um conceito genérico o suficiente para captar experiências
humanas diferentes. Este conceito já foi definido por diversos autores que
atribuíram ênfases distintas à diferentes fatores(BARBOSA, 1993). No entanto,
algumas caraterísticas merecem destaque. Uma profissão pode ser enunciada,
portanto, como uma atividade que produz um saber abstrato, monopolizando
uma determinada área cognitiva Para ser exercida, ela requer conhecimentos e
habilidades específicas, obtidas em um treinamento prolongado, criterioso e
teoricamente fundamentado. A profissão detém autonomia para realizar seus
diagnósticos. O credenciamento formal é utilizado como uma estratégia
necessária, mas não suficiente, para que ela se aproprie de uma parcela do
mercado (BONELLI & DONATONI, 1996). O credenciamento permite que o
profissional execute uma série limitada de tarefas e que o consumidor contrate,
apenas, aqueles que forem formalmente habilitados para o exercício de
determinada tarefa (BONELLI, 1999). A profissão é, ainda, um tipo de trabalho
especializado, formalmente recompensado e realizado em tempo integral.
Os limites juridicionais entre as profissões concorrentes, entretanto, têm
sido objeto de acirradas disputas e negociações, constituindo um sistema de
profissões (ABBOTT,1988). As profissões têm buscado estabelecer estratégias
de controle do mercado de trabalho e da capacitação de seus pares. A
dimensão corporativa é um dos traços que define uma profissão. Ela deve ser
capaz de se auto-regular, para delimitar e controlar o mercado de prestação de
seus serviços e oferecer algum tipo de proteção a seus membros
(FREIDSON,1996). Uma profissão não é, portanto, uma coleção de indivíduos
soltos, negociando o valor de seus serviços no mercado. A dimensão
corporativa existe, e é determinante para o entendimento da posição
privilegiada que os profissionais ocupam (COELHO, 1999). Além disso, elas
produzem um bem intangível: serviços. Eles são fruto de habilidades e
conhecimentos específicos, complexos e reconhecidos.
E, que papel desempenha o Estado na profissionalização?
Ainda hoje, há quem pense que uma profissão tem maior autonomia e
autoridade na prestação de seus serviços, se detiver o poder de se auto-
regular, sem a intervenção do Estado, que seria mero ator coadjuvante. Sua
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função deveria ser a de legitimar as conquistas e os interesses da
corporação. As explicações funcionalistas identificaram na ação corporativa o
traço característico das profissões que obtiveram êxito sobre as demais
atividades no mundo do trabalho. Seguindo esta tradição sociológica, as
profissões, para seu exercício pleno exercício, deveriam ter plena liberdade,
evitando qualquer interferência do Estado.
Wilensky (1970), por exemplo, apresentou uma seqüência cronológica
dos elementos estruturais do processo de profissionalização. As cinco etapas,
tidas por ele como obrigatórias para todas as atividade que visem se
profissionalizar foram construídos a partir da realidade anglo-americana e não
das demais. Este é um primeiro problema. Há, ainda, um segundo problema: o
Estado é coadjuvante no processo de profissionalização. Para Wilensky, a
profissão deve se relacionar com o Estado para convencer e provar que sua
atividade é imprescindível para a sociedade e obter, com isso, os
financiamentos necessários para desempenhar sua tarefa. No seu entender,
qualquer ingerência do Estado sobre o exercício da atividade deve ser evitada.
Segundo este autor, se houver esta ingerência externa, a atividade pode perder
sua autonomia, autoridade e reconhecimento, deixando de ter o estatuto
profissional. (PEREIRA NETO, 1997).
Assim, boa parte da literatura internacional corrente, costuma associar o
fracasso de um processo de profissionalização ao excessivo poder do Estado
sobre as corporações. Esta seria, por exemplo, uma explicação da ruína da via
“européia-continental”. Na outra mão, seguem os processos vitoriosos – os
“anglo-americanos”: aqueles em que o Estado ficou ausente e a corporação,
com seus interesses específicos, foi competente para se firmar. Esta estrutura
relacional tem sido desenhada em obras recentes (COELHO, 1999).
Neste artigo, pretendemos enfatizar a importância do Estado no
processo de profissionalização. O nosso argumento principal é que o Estado
desempenha papel central tanto na história das profissões que obtiveram êxito
quanto nas que fracassaram. Esta explicação não está associada,
exclusivamente, ao maior ou menor presença do Estado. Outros elementos
devem ser levados em conta, não apenas ou principalmente este. Este fator,
entretanto, não pode ser negligenciado.
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Faremos uma análise relacional, nos restringindo à uma
profissão, em um momento singular. A profissão escolhida, a médica. O
momento, o início do século XX, no Brasil. Relacionaremos o papel que o
Estado brasileiro pretendia desempenhar na formação e no mercado de
trabalho profissionais com as reações da elite da corporação médica à estas
estratégias intervencionistas.
A profissão médica foi escolhida pelo fato de deter algumas
particularidades que merecem destaque e cativam nosso interesse. Esta
profissão presta um serviço que a singulariza das demais. Senão, vejamos. O
médico entra em contato íntimo e direto com a vida privada de seu cliente. Ele
participa dos momentos cruciais de sua existência, servindo de intermediário
entre a ciência e o caso particular. Para tanto, interpreta os problemas pessoais
com a linguagem abstrata do conhecimento científico. Sua abrangência
cognitiva, associa-se a um exercício prático orientado por uma objetividade
individualizada. Desta forma, seu conselho torna-se autorizado. As
circunstâncias da doença promovem a aceitação de seu julgamento: o doente
fica convencido de que não é a melhor pessoa para julgar suas próprias
necessidades, nem está emocionalmente apto a isso (STARR, 1982).
Escolhemos o contexto do Brasil, no início do século XX. E, porque este
momento foi escolhido?
O Brasil, no final do século XIX e início do século XX, foi marcado pelo
incremento progressivo da presença do Estado na sociedade (LUZ, 1982).
Através de um processo lento e progressivo, pleno de ações e reações, pôde
ser observada tal mudança de postura do Estado com a sociedade em geral e
com as profissões, em particular.
Em relação à profissão médica, o Estado brasileiro se fez presente na
formação e na organização do mercado de trabalho. No primeiro caso, o
decreto-lei 11.530, promulgado em 1915, estabelecia critérios para a
organização e o reconhecimento oficial das instituições universitárias
formadoras de médicos. O controle da qualificação profissional e da redução ou
não do número de estabelecimentos formadores, tenderia a limitar o
oferecimento de mão de obra ao mercado, elevando seu valor e prestígio.
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Em relação ao mercado de trabalho, o Decreto-Lei n°
14.354/1920, criou o Departamento Nacional de Saúde Pública. Ele foi a
primeira organização estatal, voltada exclusivamente para a saúde, de
dimensões nacionais, com estrutura hierarquizada e burocratizada, a ser
organizado no Brasil. Ele substituiu o Departamento Geral de Saúde Pública
(1897) cuja ação desenvolveu-se sobretudo no Distrito Federal, atual cidade
do Rio de Janeiro e se concentrou basicamente nas ação higiênica, profilática e
preventiva de doenças infecciosas como a Febre Amarela (HOCHMAN,1993).
O Departamento Nacional de Saúde Pública, criado em 1920, visava, por outro
lado, atingir desde a medicina preventiva e a curativa até a engenharia
sanitária. Neste caso, o incremento da presença do Estado na área da
assistência à saúde guardava expressivo potencial de promover o
assalariamento médico, fundando, por sua vez, esferas públicas de atuação
profissional com visíveis conotações políticas. Além disso, as instituições
públicas ao facultar serviços de assistência médica de qualidade e sem
despesas para o cliente, poderiam atrair tanto pacientes sem recurso quanto
aqueles abastados, tradicionalmente atendidos em instituições privadas.
Não analisaremos o início do século XX, de uma maneira geral. Nos
deteremos em um evento particular: o Congresso Nacional dos Práticos (1922).
O Congresso Nacional dos Práticos (1922) foi realizado alguns anos
depois da promulgação dos dois decretos mencionados anteriormente. Nele,
médicos brasileiros eruditos, famosos e estabelecidos profissionalmente,
reuniram-se para discutir o que deveria ser feito diante das modificações que o
mercado de trabalho médico sofreria caso as duas determinações legais se
transformassem em realidade.
Dentre os quarenta e cinco relatores analisados, encontravam-se
cidadãos detentores de riqueza, respeitabilidade e conhecimentos, ocupantes
de postos de direção de instituições ou associações acadêmicas e
profissionais, públicas ou privadas. Alguns tinham perfil mais clínico. Outros
mais científico. Havia ainda os que outros dirigiam instituições responsáveis por
elaborar políticas higiênicas de longo alcance. Muitos deles atuavam,
simultaneamente, em diferentes espaços profissionais. Os dados biográficos
permitem concluir que o Congresso Nacional dos Práticos reuniu a elite médica
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brasileira da década de 1920. Entre os congressistas podemos citar os
nomes de Cardoso Fontes, Carlos Chagas, Luiz Barbosa, Miguel Couto e
Moncorvo Filho1. O Congresso Nacional dos Práticos assumiu sua
especificidade em relação aos congressos médicos anteriores em virtude de,
nele, terem sido aceitos apenas os trabalhos que diziam respeito ao exercício e
ao ensino da medicina. O evento transcorreu como em um palco em que a elite
médica divergiu quanto às estratégias de preservação de seu prestígio,
autoridade e autonomia. Na platéia estavam presentes representantes do
poder executivo e legislativo, de sociedades científicas, de associações
profissionais e de faculdades de medicina. A expectativa dos organizadores era
de intervir no curso do acontecimentos. O evento realizou-se, no início de
outubro de 1922, na cidade do Rio de Janeiro, durante a exposição
internacional comemorativa do centenário da Independência (SILVA da
MOTTA,1992). O Brasil havia passado por um convulsionado processo de
sucessão e aguardava a posse de Artur Bernardes como Presidente da
República (FERREIRA, 1993). As seiscentas e dezenove páginas publicadas
em suas Actas e Trabalhos traduzirem boa parte dos embates e controvérsias
profissionais presentes no seio da elite médica durante a Primeira República no
Brasil (1889/1930) (PEREIRA NETO, 2000). Este evento foi escolhido como
fonte preferencial de análise por ter reunido (1922) a elite médica para debater
os iniciativas que a profissão deveria implementar como reação às alterações
legislativas promulgadas em 1915 e 1920.
O objetivo deste artigo é analisar como a elite médica, reunida neste
Congresso, apresentava seus argumentos ideológicos sobre os limites e as
potencialidades da intervenção do Estado em seu mercado de trabalho e
formação profissional. As idéias apresentadas no evento nos pareceram
favoráveis ao intervencionismo estatal. Esta postura se justifica na medida em
que esta presença contribuía para a preservação da atuação profissional
médica em moldes liberais: ideologias de um profissionalismo singular.
1 O nome de todos os relatores e seus dados biográficos, utilizados e analisados neste artigo, foram obtidos no “Levantamento Biográfico dos Relatores do Congresso Nacional dos Práticos” In: PEREIRA NETO, André de Faria (2001) – Ser médico No Brasil. O presente no Passado. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, pp.111-231.
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Assim, o artigo estará dividido em duas partes. Na primeira,
analisaremos as estratégias estatais em relação à formação profissional,
acompanhado da reação dos médicos. Na segunda, abordaremos as iniciativas
públicas sobre o mercado de trabalho médico e as respostas da elite
profissional de 1922.
Nosso método de trabalho será o seguinte: inicialmente apresentaremos
e analisaremos o que consta em cada um dos dois textos legais, a saber: o
Decreto 11.530 de 1915, que aumentava o controle da público sobre a
formação profissional médica e o Decreto 14.354 de 1920 que criava as
condições legais para uma interferência mais incisiva do Estado no mercado de
serviços de saúde. Nossa ênfase será dada a algumas questões que
consideramos pertinentes para a compreensão do papel que cabia, em cada
caso, ao Estado enquanto força reguladora, ou não, da formação médica e na
abertura ou retração de esferas de atuação profissional. Não examinaremos as
condições em que cada uma das leis foi elaborada, nem o jogo de forças
políticas e ideológicas que as informaram. O texto legal servirá de referência
para a interpretação da tendência mais intervencionista ou mais liberal do
Estado em relação ao mercado profissional médico, desde o início do século
XX até 1922, ano da realização do Congresso Nacional dos Práticos.
Posteriormente, analisaremos como alguns membros da elite médica se
posicionaram a respeito da legislação vigente, para termos condições de
identificar se eles propunham a ampliação desta intervenção estatal ou o seu
arrefecimento.
ESTADO NO ENSINO MÉDICO (1915)
Até o início do século XX era tímida a estrutura regulatória da formação
profissional médica no Brasil (PEREIRA NETO, 2001).
O Decreto-Lei n° 11.530, promulgado em 1915, representa um marco na
neste sentido. Com ele foram fixados, pela primeira vez, critérios para que um
estabelecimento livre, prático ou estadual tivesse seu diploma reconhecido e
equiparado àquele oferecido pelas faculdades oficiais, sobretudo a carioca e
baiana. Cabe salientar que esta postura fiscalizadora do Estado em relação às
escolas livres, vinha sendo ensaiada desde meados do século XIX. Em 1854,
por exemplo, consta que o Governo instituiria "escolas práticas" quando
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houvesse autorização legislativa2. O Decreto-Lei 1.159, de 1892,
oficializava a inspeção e fiscalização do Governo Federal, sem definir,
entretanto, critérios ou procedimentos. Assim, boa parte das determinações
legais promulgadas no século XIX previam, ainda que de forma imprecisa ou
dúbia, algum tipo de autorização, avaliação ou fiscalização do Governo sobre
as instituições livres, práticas ou estaduais. A grande novidade introduzida com
o Decreto de 1915 foi a sofisticação do processo de fiscalização e o
estabelecimento de uma série de critérios para tornar equivalentes os diplomas
concedido por instituições livres aos fornecidos por faculdades oficiais,
sobretudo a baiana e carioca.
Neste sentido, concordamos com Coelho (1999) quando assume o
receio em definir o Estado brasileiro do século XIX e início do século XX, como
tipicamente liberal. Ele critica, de maneira geral, os autores que associam o
movimento de 1930 como o fim do liberalismo e o início do Estado interventor.
No nosso entender, o Estado brasileiro monárquico e republicano foram,
ao mesmo tempo, intervencionistas e liberais, protecionistas e favoráveis à livre
concorrência. Dependendo da circunstância e do objeto, os papéis se
evidenciavam e as posições se firmavam. Neste sentido, o Decreto de 1915
guarda sua singularidade que merece destaque.
Nele percebemos três categorias de critérios estritos, claros e definidos,
a serem utilizados durante a fiscalização de uma instituição livre de ensino
superior. Um referia-se ao acesso do estudante. Outro relacionava-se com a
preservação de certa qualidade na formação. Havia, ainda, um que limitava
quantitativamente o número de estabelecimentos universitários.
Em relação ao acesso, o decreto referia-se à idade mínima de 16 anos e
à aprovação em “vestibular”3, expressão até então inexistente.
2 Decreto-Lei n° 1.387 de 1854, art. 139. 3 Artigo 77 Decreto-Lei n° 11.530 de 1915. Este exame consistia em prova escrita e oral. Na primeira, o candidato deveria ser capaz de fazer a “tradução de um trecho fácil de literatura francesa e outro de autor clássico alemão ou inglês, sem o auxílio do dicionário”(art.80). A segunda versaria “sobre elementos de Física, Química e História Natural”(art.81). Assim, o fiscal deveria verificar se na instituição visitada havia “exame vestibular e se ele /era/ rigoroso”(art.14).
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As características deste exame impunham uma nítida
seleção social dos candidatos, uma vez que poucos brasileiros, naquela época,
poderiam fazer, por exemplo, uma tradução de francês, inglês ou alemão.
Quanto à qualidade da formação profissional, o inspetor deveria verificar
se foram oferecidas as 18 seções obrigatórias que compunham os seis anos de
formação4. A dedicação exclusiva aos estudos de medicina, imposta na
prática, representa uma segunda estratégia de seleção social dos candidatos a
médicos. O fiscal deveria, ainda, verificar “se pelo menos três quartas partes do
programa de cada matéria”, presentes no currículo mínimo, eram “efetivamente
explicadas pelo respectivo professor”. Ele deveria verificar, ainda, se havia
”moralidade nas distribuições de notas de exames” e se a instituição possuía
laboratórios e se estes eram utilizados convenientemente. Além disso, o corpo
docente deveria ter sido “escolhido pelo processo de concurso”. Apesar de não
haver menção explícita na lei à necessidade de existência de um hospital para
a formação profissional, podemos deduzir ela seria premente: onze disciplinas,
das vinte e quatro previstas oficialmente, teriam que ser ministradas no interior
de uma instituição hospitalar5.
A limitação quantitativa do número de estabelecimentos também estava
formalizada. Seguindo esta determinação legal, só poderiam existir faculdades
de Medicina nas cidades com mais de cem mil habitantes. As capitais, com
menos de cem mil habitantes poderiam ter uma instituição formado contanto
que o respectivo estado tivesse mais de um milhão de habitantes6. Esta
exigência demográfica merece uma análise mais criteriosa.
Em 1920, a maioria das cidades brasileiras, sobretudo as capitais de
estado, que concentravam grande parte da população urbana tinham menos de
cem mil habitantes (BRASIL, 1926). Apenas cinco capitais localizavam-se em
estados de mais de um milhão de habitantes. Podemos admitir que esta
4 Cf. Decreto-Lei n° 11.530 de 1915, art. 192 e 193. Nosso objetivo, neste trabalho, não é identificar a razão da introdução ou exclusão desta ou daquela disciplina no currículo mínimo considerado obrigatório para a formação do médico. Ao nos referirmos a este aspecto, pretendemos analisá-lo enquanto um esforço estatal de padronização da capacitação profissional. 5 Estas onze disciplinas clínicas eram as seguintes: clinicas médica, cirúrgica, obstétrica, ginecológica, oftalmológica, otorrinolaringológica, pediátrica, pediátrica cirúrgica e ortopédica, dermatológica, neurológica e psiquiátrica (Decreto-Lei n° 11.530 de 1915, art. 191). 6 Decreto-Lei n° 11.530 de 1915, art. 25.
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realidade demográfica não tenha se modificado, substancialmente, dois
anos depois.
Um outro modo de restringir a oferta de mão-de-obra superior seria, por
exemplo, limitar o número de vagas por faculdade. O caminho escolhido nesta
lei foi o de limitar o número de faculdades. Assim, as cidades pequenas, ou
seja, aquelas com pequeno mercado de consumo de serviços qualificados, não
teriam o direito de capacitar profissionais de nível superior. Aparentemente as
restrições previstas nesta lei parecem excessivamente draconianas. No
entanto, cabe salientar que, em 1922, existiam, em todo o país, nove (9)
Faculdades de Medicina7. Se esta determinação legal fosse cumprida à risca,
poderiam ser criadas outras oito8 novas faculdades, ou seja: o número de
Faculdades de Medicina, praticamente, dobraria.
Vejamos a seguir como os relatores do Congresso Nacional dos Práticos
se posicionaram à este respeito9.
OS MÉDICOS E O ESTADO NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Lendo e analisando os relatórios sobre a questão da presença do Estado
no ingresso, permanência e a liberação de mão-de-obra médica no mercado de
trabalho constatamos que houve a defesa da ampliação da presença estatal na
formação profissional. Os médicos, que se posicionaram à este respeito,
apresentaram novos critérios de acesso e reconhecimento de outras
instituições livres.
Vejamos como se organizaram os argumentos.
7 A Faculdade de Medicina do Brasil, existentes em 1922, localizavam-se nas cidades de Salvador, Distrito Federal (Rio de Janeiro), Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Minas Gerais, Belém e Recife. Havia ainda o Instituto Hahnemanniano, no Rio de Janeiro, que formava médicos homeopatas. 8 Segundo o Censo de 1920 as cidades de Caratinga, Juiz de Fora e Teófilo Otoni, em Minas Gerais; Campos, no Rio de Janeiro, Campinas, Rio Preto e Santos em São Paulo possuíam mais de cem mil habitantes. O estado do Ceará possuía mais de 1 milhão de habitantes. In: BRASIL (1926). 9 O fiscal deveria verificar, ainda, se a instituição, em questão, funcionava regularmente há mais de 5 anos com rendas suficientes para o seu custeio (Cf. art. 14). Por este mesmo Decreto, a autonomia econômica das instituições de ensino superior ficava relativamente limitada, na medida em que estabelecia que taxas de matrícula, freqüência e exame só poderiam ser aumentadas ou diminuídas com “a aprovação do Ministro da Justiça e Negócios Interiores” cf. artigo 10. Estes aspectos legais não foram analisados pois fogem às preocupações que regem estes artigo.
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Oswaldo de Oliveira foi um dos profissionais que dedicou sua
comunicação ao tema. Em "A colaboração dos práticos nas reformas do ensino
médico"(OLIVEIRA, 1923) este catedrático de clínica médica com larga
produção acadêmica na área da cardiologia, membro titular da Academia
Nacional de Medicina e ex-presidente da Sociedade de Medicina e Cirurgia,
protestou “com energia contra a oficialização de Institutos de ensino médico
que não se encontrem materialmente em condições de funcionar” (OLIVEIRA,
1923:415). Para ele, os critérios estabelecidos pareciam, portanto,
inexpressivos ou precisavam ser devidamente aplicados. Cabe lembrar, mais
uma vez, que o evento, objeto de nossa análise, realizou-se sete anos depois
da promulgação do referido decreto. Ou seja: podemos admitir que não tenha
transcorrido tempo hábil suficiente para sua plena execução. Oliveira não foi o
único relator que denunciou, ao longo do evento, que a determinação legal de
1915, apesar de ter sido promulgada, não estava sendo aplicada. Entre a lei e
sua aplicação existe um longo e tortuoso caminho, onde várias forças se
encontram impedindo ou facilitando sua adoção plena10.
O jovem médico Irineu Malagueta considerava imprescindível que os
estabelecimentos de ensino superior estivessem associados a um hospital11.
Como mencionamos anteriormente, esta determinação não constava do
Decreto de 1915. Nele, requeria-se, apenas, a existência de um laboratório,
utilizado de “maneira conveniente”. A instalação e manutenção de um hospital
exige um capital extremamente mais elevado do que o necessário à utilização
conveniente de um laboratório. A inclusão do Hospital como mais um critério
para a equiparação, cumpriria um forte poder inibidor sobre a instalação de
novas faculdades de medicina.
10 Nosso objetivo neste artigo não é o de analisar as razões que explicam a aplicação ou não de determinado dispositivo legal. Nossa ênfase se concentra na avaliação que os membros da elite médica faziam sobre o lugar do Estado na organização da profissão. 11 A defesa da importância do Hospital na formação médica amparava-se na idéia de uma profissionalização feita a partir da prática cf. MALAGUETA IN: ACTAS,1923.
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Oswaldo de Oliveira era professor da Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro, desde 1905. Malagueta havia se formado, na
mesma instituição, em 1917. Podemos supor que um tenha sido aluno do
outro. A criação de novas exigências dificultando a equiparação das faculdades
livres às oficiais guardava íntima relação com uma estratégia de preservação
da Faculdade carioca como a principal responsável pela formação de pessoal
de nível superior. Os professores e os discípulos desta instituição, como
Oliveira e Malagueta, estavam diretamente interessados nesta estratégia
conservadora.
A formação profissional guarda íntima relação com a oferta de mão de
obra para o mercado. Dizendo com outras palavras: se um corpo profissional
não se preocupa com a quantidade de profissionais que são lançados no
mercado de trabalho, logo esta profissão perderá o prestígio, poder e o valor
que deteve outrora. Além disso, a regulação da oferta também está relacionada
com qualidade de profissional que está sendo formada. Para a corporação é
sempre mais difícil controlar a qualidade da formação se o número de
profissionais for ilimitado ou muito grande. O Decreto de 1915, parece
obedecer esta lógica. A lei da oferta e da procura está presente nesta
determinação estatal na medida em que institui que o número de faculdades de
medicina acompanharia o da população das unidades federativas ou de suas
capitais.
Esta mesma lei econômica estava presente nas palavras de Neves da
Rocha. Em 1922, Neves da Rocha já era um renomado oftalmologista baiano,
formado no Rio de Janeiro em 1883, possuindo consolidada clientela na capital
da República. Militava na Academia Nacional de Medicina, onde era membro
titular da Seção de Cirurgia Especializada, e na Sociedade de Medicina e
Cirurgia do Rio de Janeiro, da qual foi sócio fundador.
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Ciente da influência da lei da oferta e procura sobre o mercado
de serviços de saúde, afirmou:
“De qualquer natureza que sejam, senhores, os fenômenos econômicos são regidos pela grande lei da oferta e da procura. Os aspectos materiais de nossa profissão não escapam dessa lei. (...) Durante este período, o algarismo da população não aumentou em proporção com o dos médicos. E o estado sanitário, ao contrário, tem melhorado em enorme proporção. (...) Este fato constitui o primeiro e o maior fator da diminuição da situação material do médico, grande aumento do número de médicos, muito grande diminuição do número de doentes obrigados a recorrerem aos nossos cuidados. Nestes últimos vinte anos, este fator tem provocado uma diminuição de um terço dos honorários de cada médico, nas grandes cidades” (NEVES DA ROCHA, 1923: 492).
Posição semelhante foi apresentada por Oscar Silva Araújo no discurso
de abertura do Congresso dos Práticos. Em 1921, Araújo tinha apenas onze
anos de formado e já havia sido eleito membro da Academia Nacional de
Medicina, então presidida por Miguel Couto. Dermatologista, deixou 180
trabalhos entre teses, relatórios e comunicações científicas. Na Faculdade, foi
assistente e chefe de clínica. No Departamento Nacional de Saúde Pública,
ocupou a direção da Inspetoria de Profilaxia da Lepra e das Doenças
Venéreas. Uniu assim, em sua carreira profissional, a vida associativa,
científica e docente com intensa atividade tanto na gestão dos serviços de
saúde pública como no consultório particular.
Oscar Silva Araújo afirmou que :
“A quantidade de médicos fornecidos pelas nossas Faculdades não está em relação com a quantidade de doentes que eles poderão ter para tratar. É preciso não esquecer a lei da economia geral da oferta e da procura”(ARAÚJO,1923:22).
As palavras de Neves da Rocha e de Silva Araújo, parecem traduzir os
anseios de boa parte da elite médica da época. Para eles, havia um aumento
incontrolável do número de médicos e uma diminuição crescente do número de
doentes. A oferta de mão-de-obra estava, portanto, superando a demanda. A
quantidade de profissionais oferecidos ao mercado deveria sofrer algum tipo de
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contenção, já que as políticas sanitárias pareciam estar surtindo
efeito, pois diminuíam o número de doentes.
Baseados nesta avaliação, propuseram a limitação do número de vagas
nas faculdades de medicina. Para Neves da Rocha, a limitação tinha três
vantagens que se associavam. 1. Determinava um número de alunos seria
compatível com as condições ideais para o ensino teórico, prático profissional e
deontológico. 2. Elevava a situação material do médico melhoraria,
aumentando sua “independência do profissional”. 3. Evitava o assalariamento.
Neves da Rocha afirmou:
“Uma outra vantagem, e não menos preciosa, senhores, seria evitar a funcionarização da medicina. O médico, cuja mentalidade conheceis, tem horror instintivo da condição de funcionário e se, atualmente ele aceita e até solicita funções, é obrigado por sua situação material insuficiente”(NEVES DA ROCHA, 1923: 496) (grifo nosso).
Assim, para Rocha, a limitação seria boa para o paciente, que seria
cuidado por profissional melhor qualificado, e para o profissional, que teria
resgatada a sua autonomia original, evitando-se a funcionarização. A avaliação
e as propostas feitas por Neves da Rocha e Silva Araújo divergiram, no
entanto, das apresentadas por Arthur Moses.
Moses orientou sua carreira para as denominadas ciências aplicadas à
medicina, sobretudo à veterinária. Em 1922, chefiava o Serviço Veterinário do
Ministério da Agricultura e dirigia o Instituto Experimental de Veterinária. Além
disso, era sócio efetivo da Sociedade de Medicina e Cirurgia e membro titular
da Academia Nacional de Medicina, tendo sido seu representante oficial no
evento. Para ele, diante das imensas necessidades brasileiras no campo da
saúde, não havia excesso de médicos e sim falta, afirmando:
“Não há, no entanto, excesso de médicos. Quando todos os diplomados exercessem a profissão, ainda pequeno seria o número de médicos para um país da extensão territorial e população que tem o Brasil. O que há é uma má distribuição de profissionais” (MOSES, 1923:487).
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Em seguida, apresentou dados estatísticos consignando o
contingente de médicos em atividade em vários estados da federação.
Baseado nestes dados e nas carências do país, afirmou: “Do ponto de vista da
conveniência do ensino, não é mais defensável a idéia de limitar as
matrículas”(MOSES, 1923: 488).
Assim, Moses divergiu de Rocha e Araújo. Apesar disso, cabe salientar
que ele propôs que fossem incluídos outros critérios na avaliação, fiscalização
e equiparação das faculdades livres às oficiais, tais como: a construção de
anfiteatros, o aumento do número de assistentes, a aquisição de material de
demonstração e a criação de uma carreira no magistério. Todas estas
propostas teriam como conseqüência a elevação do custo da formação do
médico e inibiriam, indiretamente, a organização de instituições de ensino
superior, reduzindo as vagas existentes. Moses divergiu de Neves da Rocha e
Silva Araújo. Para ele não havia uma pletora de médicos no mercado de
trabalho. Moses admitia, entretanto, que “na atual organização do ensino
superior, é impossível ensinar bem a 300 alunos”(MOSES, 1923: 489). No
lugar de limitar o número de vagas, propõe, ainda, maior rigor no exame
vestibular, a exigência de exercícios práticos durante a formação e o aumento
das taxas de matrícula, freqüência e exames. Ele mesmo admitia que estes
processos indiretos visavam “reduzir o número de estudantes, de modo a que
não exceda a capacidade de ensino em cada faculdade” (MOSES, 1923: 491).
A proposta de Arthur Moses foi transformada em moção, apoiada pelo
Congresso dos Práticos, em que proclamava que “nem definitiva, nem
provisoriamente é aconselhável a limitação das matrículas nas Faculdades
Médicas. Não consultaria tal medida nem o interesse profissional nem o do
ensino”12. Os meios indiretos que propôs viriam a causar efeito restritivos ao
acesso e à permanência na faculdade de medicina.
Os meios diretos, propostos por Neves da Rocha e Silva Araújo não se
transformaram em moção. O apoio dado à moção de Moses nos parece menos
importante que o fato de terem sido apresentadas diferentes propostas
concorrentes e complementares que tinham o mesmo sentido: incrementar a
12 Moção “apoiada pelo Congresso” apresentada por Arthur Moses, in: ACTAS (1923) pág. 602.
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intervenção do Estado na formação profissional13. Um exigiu o
cumprimento do que determinava a lei, outro defendeu a inclusão do Hospital
como critério para equiparação. A limitação do número de vagas não foi
consensual mas o sentido geral das propostas para ir na mesma direção: todos
defendiam que o Estado interviesse, ainda mais, na formação profissional.
Com isso, achavam seria melhorada a qualidade do ensino e a situação
do médico. Com isso seria evitada, sobretudo, sua funcionarização,
preservando-se o exercício liberal de sua prática. Estratégias distintas e
concorrentes defendendo a ideologia de um profissionalismo singular: a
pregação da intervenção do Estado para garantir a prática profissional liberal.
As propostas sobre a lei de 1915, tinham um sentido comum: tornar o
ensino médico ainda mais esotérico. Procurando o significado desta expressão
no Aurélio(1986), encontramos:
Diz-se do ensinamento que, em escolas filosóficas da antigüidade grega, era reservado aos discípulos completamente instruídos. Todo ensinamento ministrado a círculo restrito e fechado de ouvintes. Compreensível apenas por poucos; obscuro, hermético (BUARQUE DE HOLANDA, 1986).
O incremento dos critérios de equiparação das faculdades livres e a
limitação do número de vagas representavam estratégias para tornar o
conhecimento médico ainda mais restrito a um círculo fechado de ouvintes.
Quanto mais fosse reservado aos discípulos completamente instruídos, menor
seria o número de pessoas que estariam habilitadas a praticá-lo. Assim, o
controle sobre a formação e a capacitação profissional teria melhores
condições de ser exercido. Além disso, estaria sendo administrado o volume de
pessoal a ser lançado anualmente no mercado, prevenindo-se a corporação de
uma possível pletora, que desvalorizaria e desprestigiaria a corporação perante
a sociedade e o Estado. Jovens ou não, professores ou não, membros da elite
médica dos anos 1920 pensavam e se pronunciavam neste sentido.
13 Cabe salientar que, no evento, existiram dois tipos de moção: uma “apoiada pelo Congresso” e outra “aprovada por unanimidade”.
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A elite médica em 1922 tinha uma visão fortemente elitista e
centralizadora. Para eles só poderia exercer a medicina o profissional que se
submetesse a um ritual acadêmico administrado, reconhecido e controlado por
médicos das duas principais faculdades de medicina do país: Rio de Janeiro e
Bahia.
O Estado, que estava assegurando este controle formal, era conclamado
à afiar suas armas: as determinações tinham que ser cumpridas. O Estado
tinha que exercer sua força policial e coercitiva. Além disso, o Estado tinha que
usar novas armas: outros elementos tinham que ser incluídos para dificultar,
ainda mais, a proliferação de novas faculdades e médicos.
Quanto mais médicos oferecidos ao mercado, menor seria seu valor! Ou
seja: os princípios da lei de oferta e procura eram lembrados para estruturar o
argumento favorável à entrada ainda mais incisiva do Estado. Uma entrada
que teria como conseqüência a preservação da prática profissional em moldes
liberais. Este parece ser o ponto central de nosso artigo: A elite médica do
Brasil, no início do século XX, quando tratou da formação profissional,
conclamou a presença do Estado para preservar o mercado de trabalho sob
bases liberais – uma ideologia para um profissionalismo singular.
Freidson (1996) destacou alguns traços que caracterizam o ensino
profissional. Um deles é o denominado “controle ocupacional”. No seu
entender, este controle se manifesta de diferentes formas. Por um lado, a
profissão mantém segredo acerca de seu corpo de qualificações e
conhecimentos especializados. Quem forma o profissional deve ter tempo
disponível para refinar, revisar e codificar o corpo de conhecimentos,
revelando-o apenas em condições especiais. Estabelece-se, segundo
Freidson, uma divisão entre os profissionais, baseada na maior ou menor
autoridade cognitiva. Eles decidem o que deve ser ensinado e o que não deve.
Por outro lado, a formação profissional tem o poder de estabelecer forte
reserva sobre o mercado de trabalho, uma vez que controla quantitativamente
o oferecimento da mão de obra ao mercado.
Estas duas dimensões parecem estar presentes na determinação legal
de 1915 e nas preocupações de alguns médicos reunidos no Congresso dos
Práticos. A lei especificava as disciplinas obrigatórias e exigia seu
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cumprimento. Os médicos que participara da escolha destas
disciplinas detém, por estar razão, maior autoridade cognitiva. Os critérios de
avaliação e existência de laboratórios adequados, eram outras exigências que
tornavam a formação profissional ainda mais esotérica. A qualidade da
formação profissional esteve presente nos argumentos de todos os relatores
que avaliaram a situação do ensino médico no Brasil. O “controle ocupacional”
da quantidade de profissionais oferecidos ao mercado manifestou-se, na
legislação de 1915, com a associação do reconhecimento de novas
Faculdades com o número de consumidores na localidade onde esta instituição
seria estabelecida. Rocha e Araújo queriam mais! Eles pretendiam incluir a
limitação formal do número de vagas.
Esta proposta visava, sobretudo, garantir a efetiva valorização da
profissão, em um mercado sujeito à alterações provenientes do incremento da
medicina preventiva e da educação higiênica.
Neste sentido, tanto o Decreto de 1915 quanto as sugestões
apresentadas durante o Congresso dos Práticos nos permitem estabelecer
alguns paralelos com a denominada Reforma Flexner, que ocorria na mesma
época nos Estados Unidos (STARR, 1982).
Até meados do século XIX, a formação profissional nos Estados Unidos
era bastante crítica. As Universidades pagavam mal os professores e os alunos
ingressavam sem uma preparação mínima. Não havia controle do ensino
ministrado, nem estatal nem corporativo. Muitas vezes, o médico se formava
sem ter tido sequer sua freqüência no curso controlada.
Paul Starr (1982) descreve minuciosamente o papel decisivo que a
Reforma do Ensino desempenhou no processo de conquista da
homogeneidade econômica e social no interior da categoria médica. Ele
ressalta a importância da Associação Médica Americana e a criação do mesmo
Conselho Superior de Ensino Médico, à ela vinculado (1904). Este Conselho foi
criado para padronizar os requisitos para a habilitação do médico. Os cursos
deveriam ter a duração de quatro anos, a presença do aluno era obrigatória e a
instituição deveria estar equipada de laboratórios e hospitais. Para obter a
autorização para o exercício da atividade, o estudante deveria, ao concluir o
curso, submeter-se ao exame de estado: uma avaliação nacional e unificada,
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elaborada pelo mesmo Conselho. Além disso, o estudante deveria ser
capaz de custear todo o curso, não podendo assumir qualquer
responsabilidade de trabalho no seu transcorrer, na medida em que a carga
horária e o rigor dos exames não permitiam. A combinação de custos indiretos
e diretos produziu um declínio no número de faculdades e de estudantes de
medicina. Em 1906, o Conselho inspecionou as 160 escolas de medicina
existentes nos Estados Unidos. Oitenta e duas foram consideradas de classe
A, 46 de classe B e 32 de classe C. Se os proprietários dos estabelecimentos
ignorassem este julgamento e formassem médicos, os formandos não
receberiam o State Licensing Board: uma autorização para o exercício
profissional, reconhecida pelo Estado, mas fornecida pela Associação Médica
Americana.
Se os diretores das instituições formadoras acatassem o veredicto,
teriam que arcar com altos custos de instalação e possivelmente teriam poucos
alunos capazes de suprir as despesas através do pagamento de elevadas
taxas de matrícula e mensalidades. O novo sistema aumentou muito a coesão
social interna do corpo médico. Aos poucos, o número de judeus, mulheres e
negros foi diminuindo. Aos poucos, o número de Faculdades de Medicina
diminui.
Comparado à Reforma Flexner, o Decreto de 1915 só não inclui o
exame de estado. Os demais critérios, acrescidos daqueles que foram
sugeridos pelos relatores do Congresso dos Práticos, seriam capazes de
promover a mesma ordem de conseqüências. A intenção era semelhante:
restringir socialmente o acesso à faculdade de medicina e inviabilizar a
existência de instituições que não tivessem condições materiais ou mercado
disponível suficiente para funcionar de forma plena e academicamente
aceitável. Por esta razão, o Decreto de 1915 pode ser equiparado à Reforma
Flexner. Ao menos no nível das intenções.
Vejamos, a seguir, como estava previsto, em 1920, o lugar do Estado no
oferecimento de serviços de assistência médica.
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O ESTADO NA ASSISTÊNCIA MÉDICA(1920)
A década de 1920 foi caracterizada pela crescente presença do Estado
como agenciador e promotor de serviços de saúde pública e assistência
médica, no Brasil. Até então, predominavam as iniciativas concentradas em
alguma parte do país ou doença infeciosa (Castro Santos, 1985).
Hochman (1998) mostrou que as doenças infecto-contagiosas que se
disseminavam pelo país, nos primeiros anos da República, através da água,
dos mosquitos e dos doentes, não identificavam limites nas fronteiras que
demarcavam as unidades da federação, nem nas distinções inerentes às
diferentes classes sociais que compunham a sociedade brasileira da época. A
doença, ou sua ameaça, passava a ser vista como um mal público, sobretudo
num país desintegrado territorialmente e contaminado nacionalmente. As ações
regionais mostraram-se débeis diante do incremento dos índices de
mortalidade decorrentes de algumas enfermidades. A situação impunha uma
ação centralizada e coordenada nacionalmente.
A promulgação do “Regulamento dos Serviços a cargo do Departamento
Nacional de Saúde Pública”14, de 1920, foi a expressão desta intenção estatal
de cunho nacional. O regulamento abrange, em seus mil cento e noventa e
cinco artigos, desde a medicina preventiva e a educação higiênica até a
assistência aos contaminados por uma das vinte doenças infecto-contagiosas
submetidas à notificação compulsória.
O sentido nacional de intervenção estatal na saúde, inaugurado em
1920, pode ser observado no texto que acompanha os objetivos de cada uma
das inspetorias em que se dividia o Departamento Nacional de Saúde Pública.
Assim, as políticas de saúde, na Primeira República, tiveram um papel central
na criação e no aumento da capacidade do Estado intervir sobre o território
nacional (Hochman, 1993).
Dois aspectos serão por nós privilegiados na análise que se segue.
Por um lado, a expansão dos serviços higiênicos, preventivos e
assistenciais organizados pelo Estado criava espaços para a atuação
profissional do médico no âmbito de uma organização pública de âmbito 14 Decreto-Lei n° 14.354 de 15 de setembro de 1920. Iremos nos referir a ele como Regulamento, daqui
por diante.
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nacional. Este Departamento, submetido ao Ministério da Justiça
e Negócios Interiores, compunha-se de uma diretoria geral, uma secretaria
geral e diversas inspetorias, delegacias, laboratórios, diretorias e serviços.
Cada uma destas instâncias responsabilizava-se por um tipo de atividade,
denotando o embrionário processo de divisão de trabalho e de especialização
que se verificava no interior desta organização de saúde pública, desde essa
época. No nível da direção de serviços, construíam-se esferas de prestígio e
poder sobre a sociedade, passíveis de serem ocupadas por médicos. Prestígio,
por ter sido nomeado pelo Presidente da República, pelo Ministro da Justiça e
Negócios Interiores ou pelo Diretor Geral do Departamento. Poder, na medida
em que seu ocupante teria nas mãos condições de elaborar, decidir e
implementar um conjunto de políticas públicas na área da saúde.
Além disso, não devemos negligenciar os honorários que estavam sendo
oferecidos na ocasião. Por exemplo: um médico, funcionário da Prefeitura do
Distrito Federal recebia, em 1910, de cerca de 600$00015 mensais, enquanto
que um mesmo profissional, atuando em um hospital de isolamento, vinculado
ao Departamento Nacional de Saúde Pública, deveria receber 9:600$000.
Por outro lado, o mesmo conjunto de iniciativas restringia e ampliava o
mercado de trabalho médico.
Restringia, pois diminuía o número de doentes: efetivando-se as
medidas higiênicas e pedagógicas preconizadas, a qualidade de vida dos
cidadãos iria melhorar e a quantidade de pessoas infectadas ou portadoras de
alguma moléstia contagiosa poderia diminuir. Restringia, pois se os serviços de
assistência médica, organizados pelo Estado, fossem oferecidos gratuitamente
e com qualidade, seguramente atrairiam pacientes com alto poder aquisitivo.
Com isso, o médico poderia perder seu cliente, tradicionalmente atendido em
consultório particular. As iniciativas previstas na legislação de 1920, ampliavam
as ofertas no mercado de trabalho médico, pois faziam com que cidadãos que
nunca haviam se submetido a um tratamento médico, passassem, a faze-lo.
Além disso, a prestação de serviços de assistência médica, nestas condições,
seria feita de forma assalariada e submetida à uma lógica burocrática.
15 Cf. Boletins da Intendência Municipal, 1884-1910. Rio de Janeiro - Distrito Federal.
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Vejamos com estas ambigüidades estavam presente no
texto legal de 1920. Segundo consta, o isolamento nosocomial garantia a
ampliação dos serviços de assistência. Isto se explica de diferentes formas. Por
um lado, conforme a enfermidade, o paciente com posses poderia ser atendido
em casa seria removido para o hospital o paciente que ão atendido em casa
deveria ter posses comprovadas16. Assim, o isolamento em instituição pública
ficava reservado aos desvalidos. Com isso, o mercado de trabalho médico
tenderia a ser preservado e ampliado. Preservado, pois os pacientes com
renda poderiam continuar sendo atendidos por seus clínicos particulares, sem
qualquer intermediação estatal.
Ampliado, na medida em que o Estado teria de construir uma rede de
assistência médica voltada para as camadas populares que não tinham
condições financeiras de ser atendidas em consultório particular ou em casa.
O atendimento nosocomial, algumas vezes era obrigatório. O Decreto,
nestes casos, não previa se a internação seria gratuita ou não17. Para varíola,
o câncer e a tuberculose a gratuidade restringia-se à prevenção e ao
diagnóstico18. Para febre amarela, a lepra e as doenças venéreas a gratuidade
limitava-se ao enfermo com baixo poder aquisitivo19. O demais pagariam taxas
estipuladas em tabelas fornecidas pela saúde pública. Com estas tabelas
configurava-se um atendimento com a segmentação de clientela. Ou seja: os
mais ricos pagariam mais e seriam atendidos em condições especiais. Os mais
pobres pagariam menos e seriam atendidos em outra circunstância. Ao
segmentar a clientela, ficava garantido o atendimento privado em
estabelecimentos públicos. O regulamento resguardava o direito do paciente
com recursos, de escolher onde seria internado. Um direito diretamente
associado ao seu poder aquisitivo. Além disso, se fosse removido para um 16 O Regulamento determinava que o quarto do doente, atendido em casa, deveria ser “arejado e independente, revestido de piso de fácil desinfecção”(art.277). Além disso, seu responsável, deveria depositar uma soma que garantisse as despesas do atendimento domiciliar, sem o que o doente seria removido para o hospital. A população operária, a pobre, a residente em cortiços, a ex-escrava e a desempregada não cumpriam estas exigências. 17 Este era o caso estava previsto para os portadores de cólera, tifo, infecção puerperal, oftalmia, infecções tifo-paratíficas, impaludismo, escarlatina, sarampão, disenterias, meningite, paralisia infantil, tracoma, leishmaniose, coqueluche e parodite epidêmica, cf. artigos 350, 353, 375, 377, 379, 477-483, 486, 489, 492, 493 e 496 do Decreto Lei 14.354. 18 Cf. artigos 360, 476 e 543 do Decreto lei 14.354. 19 Cf. artigos 325 e 390, do Decreto lei 14.354.
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hospital de isolamento público, acompanhado por membro de sua
família, o doente poderia ser tratado por qualquer médico de sua confiança,
desde que se arcasse com as despesas decorrentes20.
Assim ao tratar do paciente abastado, o médico tinha sua autonomia
preservada tanto no isolamento domiciliar quanto no nosocomial. Nas duas
situações estava garantia, pelo menos formalmente, a autonomia técnica e
econômica do médico, na medida em que encontrava-se fora do controle
institucional e burocrático de um nosocômio. No hospital, atendendo ao
desvalido, o médico ampliava seu mercado consumidor, pois prestava serviço a
um cliente que não tinha condições de acessar à estes serviços de outra
forma.
OS MÉDICOS E O ESTADO NA ASSISTÊNCIA MÉDICA
As estratégias apresentadas pelos relatores sobre este tema tinham,
mais uma vez, suas diferenças, mas caminhavam na mesma direção: clamar
pelo incremento da intervenção do Estado, contanto que ela servisse para
elevar o prestígio e a autoridade médicas e preservasse a prática liberal. Esta
lógica pode ser percebida de diferentes formas.
Uma das estratégias foi a de lutar para que o médico ocupasse espaços
na estrutura burocrática e de poder que estava sendo organizada com a
criação do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP). Assim, os
médicos poderiam elevar seu prestígio e poder sobre a sociedade,
desempenhando funções tão bem remuneradas.
Preocupado com isto, o higienista baiano Henrique Autran, trinta e dois
anos de formado e cinqüenta e três de vida, afirmou:
“/…/não faltam notabilidades científicas e opiniões autorizadas, que afirmam, de modo indiscutível, ser a saúde a base do progresso social e o fundamento da capacidade física da Nação, sendo este o motivo pelo qual, na organização de instituições úteis à sociedade, cabe sempre ao médico desempenhar papéis dos mais relevantes e dos mais decisivos ao bem nacional” (AUTRAN, 1923:263)(grifo nosso).
20 Cf. artigo 282 do Decreto lei 14.354.
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Para podermos compreender estas palavras de Autran, devemos
levar em consideração que, na mesma época, as Santas Casas e demais
instituições filantrópicas vinculadas à saúde e assistência médica eram
dirigidas, em geral, não por um médico, mas por um empresário civil, pouco ou
quase nada afeito aos serviços de saúde prestados (COIMBRA, 1986). Os
irmãos administradores, como eram conhecidos, não recebiam qualquer tipo de
remuneração e deveriam ser comprovadamente abastados em fazenda. Para
Autran, nas esferas de atuação que se abriam na área da saúde pública, com a
implementação deste Regulamento, a situação acima não deveria ser
reproduzida.
Um outra estratégia manifestou-se em relação ao atendimento médico
residencial. Neste sentido pronunciaram-se Miguel Couto e Moncorvo Filho.
Em 1922, Miguel de Oliveira Couto tinha cinqüenta e oito anos de idade
e trinta e sete de formado. Em sua carreira profissional, associou seu trabalho
de clínico, em instituições filantrópicas como a Santa Casa e o Hospital da
Misericórdia, com a cátedra de clínica médica na Faculdade de Medicina. No
ano da realização do Congresso dos Práticos, presidia a Academia Nacional de
Medicina. Para ele, o internamento no hospital deveria ser visto como “uma
exceção e o tratamento no domicílio a regra”(COUTO, 1923:562). Ao preferir o
atendimento residencial, Miguel Couto garantia o espaço ideal para a prática
liberal. Uma prática, sem o controle de terceiros. Uma prática, onde o
profissional define o tempo, a forma e o valor de seu trabalho. Moncorvo Filho,
por outro lado, sugeria que os socorros domiciliários fossem de
responsabilidade da filantropia privada. No seu entender, as cidades deveriam
ser divididas em circunscrições, estas, em bairros ou quarteirões(FILHO,
Moncorvo, 1923). Assim, para Moncorvo Filho, o Estado ficaria fora do
atendimento residencial. Com a filantropia, o médico resolve se vai cobrar ou
não honorários e seu valor. Com a filantropia o trabalho é voluntário. O
profissional resolve se vai ou não trabalhar. Ele resolve quando vai trabalhar.
Se vai ou não cobrar por este trabalho e quanto ele vai custar. A segunda
estratégia valorizava o atendimento residencial em detrimento do hospitalar e
chamava a filantropia para dentro da casa do paciente, retirando deste espaço,
o poder público compulsório.
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Uma terceira estratégia visava denunciar a invasão de pacientes
abastados em instituições públicas e incrementar, ainda mais, a segmentação
social da clientela. Para tanto, foi proposto a criação de uma instância
burocrática dentro do hospital, que verificasse a situação socio-econômica do
paciente. Assim, esperava-se impedir que pacientes com recursos utilizassem
os serviços públicos. Miguel Couto, Moncorvo Filho, Luiz Barbosa, Silva Araújo
e Irineu Malagueta foram os cinco relatores favoráveis à sofisticação dos
processos de segmentação da clientela. Eles tinham, em seu currículo, alguns
pontos em comum: eram médicos que exerciam essencialmente a clínica, cada
um em sua especialidade. Todos eram membros da Academia Nacional de
Medicina e atuavam em alguma esfera de poder público na saúde 21.
Silva Araújo constata, por exemplo, uma “desabusada hospitalização
gratuita” (ARAÚJO, 1923:22). Em 1922, havia transcorrido apenas dois anos da
promulgação do dito Regulamento. Pouco se tinha feito. Araújo estava
temendo mais o potencial que o aparato legal poderia promover e menos o que
ele havia realmente promovido. Mesmo com todas as imprecisões presentes no
texto legal, Araújo denunciou que “indivíduos abastados, ricos mesmo", fugiam
da clínica particular para as instituições públicas (ARAÚJO, 1923:22).
Para Luiz Barbosa, o atendimento deveria ser “de acordo com as
condições de pobreza e de moléstia” do cidadão (BARBOSA, 1923:564). Cabe
salientar que Barbosa era ao mesmo tempo, na década de 1920, Diretor Geral
do Departamento Municipal de Assistência Pública e da Policlínica de
Botafogo. Miguel Couto, por seu lado, sofistica e precisa esta intenção,
propondo que se construam hospitais com “enfermarias gratuitas, pequenas
salas para a diária de cinco mil réis e quartos particulares para dez mil
réis”(COUTO, 1923:563). Vigorando esta intenção, os desvalidos, proletários e
funcionários públicos passariam a freqüentar apenas as enfermarias. Assim, se
o atendimento hospitalar fosse imprescindível, haveria de ser feito de forma a
garantir o serviço privado me instituições públicas.
Mas como verificar se o cidadão tinha renda suficiente para freqüentar a
enfermaria, as pequenas salas ou os quartos particulares? Ou, invertendo a 21 Oscar S. Araújo era dermatologista; Miguel Couto, clínico geral; Irineu Malagueta, neurologista e Luiz Barbosa e Moncorvo Filho, pediatras.
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questão, como impedir que pessoas abastadas fossem atendidas
gratuitamente, como denunciava Silva Araújo?
A criação dos “Escritórios de Beneficência” foi a solução apresentada
por Moncorvo Filho. Para o chefe do serviço de pediatria da policlínica do Rio
de Janeiro e fundador do Instituto de Proteção à Infância, estes escritórios
teriam “o registro bem organizado dos pobres do distrito ou local a que
pertencessem”(MONCORVO FILHO,1923:180). Assim, “bastaria a
apresentação do respectivo cartão de registro para dar-lhe direito aos socorros
médico-cirúrgicos, terapêuticos e dentários, etc.” (MONCORVO FILHO,
1923:180). No caso de internação, seria necessária uma comunicação
telefônica ao Escritório, que se comunicaria com a Assistência Pública; esta
identificaria o hospital que tivesse leito vago, encaminhando o doente para este
local.
Moncorvo Filho, Luiz Barbosa são homens que têm seus nomes inscritos
na história da saúde pública brasileira. No entanto, cabe assinalar que a
expansão dos serviços de assistência médica foi defendido por eles contanto
que não invadisse a clínica privada, ou seja, contanto que os pacientes com
renda elevada continuassem sendo atendidos exclusivamente em consultórios
particulares, mesmo que estes funcionassem em instituições públicas. Para
garantir a execução competente desta determinação foi proposto um meio de
evitar a pedra de clientes particulares e a garantia de clientes desvalidos,
tratados em condições piores condições que os primeiros.
Um última estratégia se fez sentir. Denunciar que o incremento de
medidas preventivas levava à diminuição do número de clientes. Para Silva
Araújo, orador oficial do evento e membro titular da Academia Nacional de
Medicina, as coisa se colocavam da seguinte forma:
“Como conseqüência fatal dos progressos da higiene pública e do saneamento das nossas cidades, a clínica do prático tende a diminuir. Contra essa medida, para honra da classe, nenhum colega protesta”(ARAÚJO, 1923:20).
Avaliação semelhante fez Felício Torres:
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“Acontece, porém, que a obra preventiva talvez seja inseparável da obra curativa e desse modo, fatalmente, vem o Estado invadindo o domínio da clínica privada (TORRES, 1923: 151).
Felício Torres, nasceu na capital da República, mas fez seu curso de
medicina em Louvain, na Bélgica. Na mesma época viajou para estudar na
Alemanha, Áustria, França e Itália. Em 1922, tinha apenas 9 anos de formado e
29 anos de vida. Faleceu em 1928. Silva Araújo especializou-se em
dermatologia, sífilis e demais doenças venéreas. Natural da cidade do Rio de
Janeiro, integrou a direção da Sociedade de Medicina e Cirurgia, da Academia
Nacional de Medicina e do periódico “Arquivos Brasileiros de Medicina”. Assim,
o temor pela diminuição da clientela com o incremento das políticas de saúde
pública afetavam as idéias tanto de médicos estabelecidos quanto de recém
formados.
Hochman (1993), analisou a criação do Departamento Nacional de
Saúde Pública (DNSP), demonstrando que a dominação oligárquica,
característica da Primeira República, não foi incompatível com o crescente
processo de centralização e intervenção estatal. Mais do que isso. Ele assinala
que esta tendência intervencionista e centralizadora já podia ser percebida
desde 1897. Na oportunidade, foi criado o Departamento Geral de Saúde
Pública (DGSP). Entre suas atribuições constava a de dirigir os serviços
sanitários dos portos, auxiliar na organização de estatísticas sanitárias, estudar
as doenças infecto-contagiosas e fiscalizar o exercício da medicina. Com o
surto Febre Amarela, no início do século XX, este Departamento passou a
fazer a profilaxia e os serviços de higiene domiciliária relacionados à epidemia.
A criação do DNSP, treze anos depois, revela os limites da antiga organização
estatal. As pressões internacionais, o fim da Primeira Guerra e o surto da Gripe
espanhola, em 1918, que matou cerca de metade da população do Distrito
Federal, inclusive o Presidente Rodrigues Alves, aqueceram o debate sobre as
competências da União na área da saúde e justificaram.
Para Hochman (1993) esta alteração institucional.
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“Ao atingir também o Presidente da República, a epidemia gerou um consenso sobre a necessidade urgente de mudanças na área da saúde pública”(Hochman,1993:51).
Nosso artigo revela que este consenso, esta convergência, incluía certas
divergências.
Se na Câmara dos Deputados, em 1918, havia consenso quanto à
expansão dos poderes do Estado na saúde, entre a elite médica, presente no
evento de 1922, verificamos algumas divergências à esta estratégia de
mudanças na área da saúde pública. Dois exemplos estruturam nosso
argumento. Por um lado, constamos o temor que alguns médicos tinham sobre
as conseqüências da implementação das práticas higiênicas e preventivas.
Alguns médicos estavam seguros que uma das consequências era a
diminuição do número de doentes. Contra isso, diziam, nada podia ser feito.
Por outro lado, a face assistencial pública, apesar de parecer rudimentar
se comparada com os dias de hoje, comportava dois males que deviam ser
cortados na raiz: o assalariamento e a perda de clientes. Quanto ao primeiro
não observamos uma proposta concreta. Apenas a incompatibilidade visceral
em relação à funcionarização. Em relação ao segundo, propuseram o
incremento da segmentação do atendimento segundo nível social do paciente,
evitando, com os “Escritórios de Verificação de Indigência” a fuga indesejada
de clientes abastados para os consultórios públicos.
Esta oposição, verificada no pronunciamento da elite médica no
Congresso dos Práticos (1922), parece não ter surtido efeito. Em 1926, por
exemplo, o governo federal já havia criado, cerca de 148 dispensários, sendo
18 deles no Distrito Federal (Hochman,1993). De qualquer forma ela merece
menção pelo que representa enquanto posição assumida por parte
representativa da corporação médica no momento em que expandia-se a
capacidade intervencionista do Estado na sociedade e na saúde, em particular.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo pretendíamos resolver um problema considerado central
para as ciências sociais: “relacionar conceitos amplos e abstratos com
instituições humanas empíricas" (Freidson, 1996:141). Acreditamos Ter
conseguido atender esta expectativa na medida em que relacionamos algumas
reflexões teóricas própria à sociologia das profissões com o caso empírico
concreto da profissão médica, no Brasil, nos início do século XX.
Gostaríamos de encerrar este artigo fazendo alguns comentários sobre
as conclusões feitas no segundo capítulo do livro de Edmundo Campos Coelho
(1999). Nele, o autor realiza uma breve, mas consistente, revisão da literatura
socio-histórica que enfatizou a relação entre Estado, mercado e profissões.
Uma questão controvertida que tem mobilizado alguns estudiosos da
problemática profissional nos últimos anos e que foi tema central deste artigo.
Um primeiro ponto diz respeito ao lugar do Estado no processo de
profissionalização da medicina nos Estados Unidos e na Inglaterra.
Segundo Coelho (1999), nos Estados Unidos, após a Guerra de
Independência, a tímida estrutura regulatória das profissões foi sendo
desmontada. Em cada unidade da federação o princípio do igualitarismo
jacksoniano vivificou. O controle do mercado de serviços médicos passou a ser
uma incumbência das lideranças médicas, em suas associações profissionais.
Aparentemente o Estado teria assistido à isso de forma passiva. Coelho (1999)
assinala, entretanto, que esta história auto-regulatória foi escrita graças à
presença estatal. Assim, a corporação exigiu e conseguiu que fosse instituída
uma legislação que controlasse o exercício e o licenciamento profissional. Na
Inglaterra, o processo foi semelhante: o controle sobre o exercício da prática
profissional médica foi uma iniciativa da corporação, que contou com o suporte
legal, desde o século XVI.
A vontade e as estratégias da elite médica brasileira coincidiam com as
da Norte-America e Inglesa. Fazer do Estado um aliado que servisse para
satisfazer seu interesses, para preservar um determinado modelo de prática
profissional, calcado na relação liberal com o mercado. Uma relação garantida
pelo Estado.
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Baseada nas experiências históricas Noret-Americana e
Inglesa constituiu-se, nos anos 1960, uma explicação genérica protagonizada
por Wilensky (1964). Este autor admitiu que uma profissão só se constituiria se
não tivesse contado com a intermediação do Estado em seu processo de
profissionalização. Criou-se, assim, uma dicotomia: onde não houvesse
Estado, haveria profissão. Caso contrário a atividade não poderia receber esta
designação.
No final do século XX vários autores foram tirando o Estado dos
bastidores desta história. Os estudos sobre o processo de profissionalização na
Europa continental, colocaram o Estado no centro da cena. Estes trabalhos,
pesquisando casos concretos, não relacionaram o sucesso de um processo de
profissionalização com a menor presença estatal. Na França e na Alemanha,
por exemplo, os médicos não concebiam a regulação estatal como elemento
contrário à seus interesses profissionais. Para Coelho (1999) a “equação
Polanyi” (1957) parece ser uma solução para o dilema introduzido por Wilensky
(1964). Para Polanyi (1957) o laissez-faire não foi natural, como se pensava.
Ele foi imposto pelo Estado. Assim, Coelho(1999) afirmou que, tanto
nos Estados Unidos quanto na Inglaterra, uma das condições para a autonomia
das profissões foi a intervenção do Estado.
Este parece ter sido, também, o caso brasileiro. Depois de anos de
predomínio de uma regulamentação pífia, a legislação da formação
profissional, proposta em 1915, contou com o apoio da elite médica de 1922.
Mais que apoiar. Eles propuseram novas normas para que a equiparação se
tornasse ainda mais difícil e o ingresso de interessados na formação
profissional ainda mais inacessível. Os médicos exigiam, portanto, a
intervenção do Estado para preservar o valor de seu trabalho no mercado. A lei
da oferta e da procura regia o ideário daqueles profissionais. As alterações do
mercado de trabalho, previstas com a criação do Departamento Nacional de
Saúde Pública, deveriam ser implementadas contanto que garantissem a
preservação dos atuais consumidores e criasse, ao mesmo tempo, novos.
Assim, as estratégias da elite profissional caminhavam no sentido de lutar por
defender uma política estatal que assegurasse a autonomia de uma prática
exercida sob parâmetros liberais.
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Tratando da mesma questão de outra forma, Coelho (1999)
recupera o conceito de “projeto profissional”, desenhado por Larson (1977).
Este conceito, foi considerado por Coelho (1999) como o que organiza toda a
visão da autora sobre o desenvolvimento da medicina nos Estados Unidos e na
Inglaterra.
Para Larson (1977) a profissionalização é, essencialmente, um processo
no qual uma atividade busca constituir e controlar um mercado específico para
sua competência. A ação coletiva é o elemento essencial das explicações de
Larson (1977). Coelho (1999) considera tanto a visão de Wilenskyi quanto a de
Larson etnocêntricas, e faz a seguinte questão: “e nas sociedades onde o
Estado, e não o mercado, comandou a organização profissões? É possível
resgatar analiticamente o projeto profissional?” (Coelho, 1999:50). Nós
acreditamos que sim. A mesma pergunta, no entanto, poderia ter sido feita sob
outro angulo.
Reconhecendo a importância do conceito de Larson (1977)
perguntaríamos: que papel a elite da corporação no Brasil de 1920, queria que
o Estado desempenhasse, para satisfazer seu projeto profissional(grifo nosso)?
A especificidade assinalada é uma das ênfases que gostaríamos de
fazer neste artigo.
O projeto profissional que acabamos de analisar foi único. Específico
porque foi de médicos: cada profissão tem seu projeto profissional. Coelho
(1999) demonstrou em seu trabalho a especificidade do projeto profissional de
médicos, engenheiros e advogados.
O projeto profissional foi específico porque foi produzido em um contexto
histórico singular: o início dos anos 1920, no Brasil. Naquele momento,
prevalecia a prática profissional médica essencialmente liberal, que clamava
por uma regulamentação estatal que preservasse seus espaços conquistados
no mercado e criasse outros. O estatismo era exigido para conservar a
hegemonia da prática liberal. O "horror instintivo da condição de funcionário"
era denunciado com todas as letras. Starr (1982) desenvolveu esforço
semelhante acompanhando as alterações do projeto profissional de médicos,
nos Estados Unidos, durante um longo período.
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No nosso caso, o projeto profissional apresentado no
Congresso Nacional dos Práticos (1922) foi ainda mais específico na medida
em que se opunha ao assalariamento: conseqüência mais ou menos lógica da
ampliação dos serviços de assistência médica. Outros médicos possivelmente
não defenderiam esta posição.
Os que viviam do assalariamento e seus defensores, no entanto, não se
fizeram representar naquele fórum. Com isso, queremos admitir a existência,
em 1922, de profissionais que não tinham outra alternativa além de aceitar as
leis de mercado e se submeter ao assalariamento e aqueles que os defendiam.
Por outro lado, admitimos que existisse quem quisesse aumentar o número de
faculdade de medicina. Estes talvez fossem médicos. Médicos proprietários de
faculdade de medicina ou interessados em sua organização. Ser dono de uma
faculdade de medicina poderia ser uma atividade lucrativa: suas mensalidades
e taxas seriam altas. Ser dono de uma faculdade de medicina poderia ser uma
atividade que conferia muito poder e prestígio à seu diretor e professores.
Os médicos presentes no Congresso Nacional dos Práticos (1922), ao
incrementar os critérios de equiparação, impediam que outras instituições
fossem criadas e que os interesses de seus colegas, ausentes ao evento,
vivificassem. Ao exigir o acréscimo de novos critérios para a equiparação, a
elite de 1922 se opunha à outros profissionais que estavam organizando ou
tentando criar novas faculdades de medicina em diferentes regiões do país. Ao
analisar as palavras dos relatores do evento, admitimos que nem todos
pensassem com eles. Admitimos a existência de médicos interessados criar
sua própria Faculdade de Medicina, como foram os cursos livres que existiam
até então. Admitimos existirem médicos que não viam outra alternativa, além
do assalariamento ou mesmo que assalariavam médicos. A heterogeneidade
parece ser constitutiva do projeto de profissionalização das atividades do
mundo dos serviços. Uma heterogeneidade historicamente constituída.
Em geral, alguns autores desconsideram o campo de disputa que existe
no interior das profissões para a afirmação de determinado projeto de
profissionalização. Estes projetos distintos e concorrentes detém uma
historicidade que merece destaque.
![Page 33: RESUMO - Oswaldo Cruz Foundation...1 1 Os Médicos e o Estado no Brasil (1922): ideologias de um profissionalismo singular* André de Faria Pereira Neto** RESUMO Este artigo discute](https://reader036.vdocuments.com.br/reader036/viewer/2022071016/5fcf6d4b9dcf140a01405cc0/html5/thumbnails/33.jpg)
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Uma outra possibilidade de resolver a aparente antinomia entre
Estado e profissão, assinalada por Coelho (1999), foi aquela introduzida por
Johnson (1995) que considera as profissões como parte integrante do Estado.
A justaposição de interesses evoluiu para uma convergência. Na
Inglaterra, por exemplo, o Estado se tornou dependente da autonomia das
profissões. Neste caso, a elite médica negociava as condições de trabalho e
salário dos médicos coloniais e gozava das benesses de uma corporação
autônoma. Assim Coelho (1999) fez, mais uma vez, a crítica à idéia que
associa o crescimento do Estado ao proporcional enfraquecimento das
profissões. Para ele, as profissões são parte integrante do processo de
governabilidade estatal: um é dependente do outro - o governo das perícias
profissionais e estas do governo.
Coelho (1999) recupera, ainda, algumas idéias introduzidas por Halliday
(1987), que parecem complementar aquelas de Johnson(1995). Na relação
entre Estado e Profissão, Haliday (1987) enfatiza que o primeiro não serve
apenas para garantir o monopólio da prática do segundo. Mais do que isso. Por
um lado, o Estado carece da perícia das profissões, como a médica, para
legitimar sua intervenção no corpo social. Por outro, as profissões parecem
menos dependentes das concessões do Estado e mais seguras de suas
capacidades, quando oferecem sua competência como garantia de
governabilidade das políticas públicas.
O caso estudado neste artigo não parece fugir às sugestões
apresentadas por Johnson (1995) e Hillary (1987) e analisada por Coelho
(1999). Como vimos, muitos profissionais que propuseram limites à ação do
Estado na assistência médica, ocupavam cargos de prestígio e poder nas
esferas estatais de saúde. Ao ocupar estas esferas de poder, estes peritos
aumentavam a capacidade decisória e intervencionista do Estado. Eles eram o
Estado e queriam, ao mesmo tempo, ampliar e restringir a sua competência e
sua intervenção. Ao ocuparem estes cargos de prestígio e poder os médicos
brasileiros de 1922, construíam uma realidade socialmente válida que os
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favorecia enquanto grupo profissional e desqualificava outros grupos
como os farmacêuticos, parteiras, enfermeiras, curandeiros, espíritas e
homeopatas22.
Ocupando estas instâncias burocráticas, sendo poder, os médicos
faziam com que sua base cognitiva passasse a ter, cada vez mais, autoridade
cultural, aparentemente desvinculada do reconhecimento oficial, mas
fortemente dependente dele. Na verdade, naquele momento, um dependia do
outro. O Estado da profissão médica, e esta do Estado.
Com isso queremos dizer que a profissão médica em 1922, não foi
passiva diante das estratégias de governabilidade impetradas pelo Estado
brasileiro. Ela também não falou em nome dele. Não representou as elites ou
classes dominantes de forma abstrata ou abrangente.
A relação parece ter sido de tensão e colaboração. Tensão, porque a
elite médica pressionava o Estado para satisfazer interesses particulares, tidos
como não resolvidos. Colaboração, pois ela atuava em altas esferas de poder,
garantindo com seu conhecimento, relações e competências, a melhor
governabilidade possível na execução das políticas públicas da saúde.
Neste artigo demonstramos que esta parcela influente e poderosa da
corporação médica, defendia a ampliação do poder do Estado, para garantir a
preservação da prática profissional, em moldes liberais. O controle do acesso e
credenciamento de novas instituições formadoras deveria ser incrementado e
os serviços de assistência teriam que ser socialmente segmentados. Assim, ele
apresenta a ideologia de um profissionalismo singular: uma prática liberal que
necessitava do Estado para seu êxito e pleno exercício.
22 Cf. capítulo 3 e 4 do livro Ser médico no Brasil. O presente no passado. op.cit.
![Page 35: RESUMO - Oswaldo Cruz Foundation...1 1 Os Médicos e o Estado no Brasil (1922): ideologias de um profissionalismo singular* André de Faria Pereira Neto** RESUMO Este artigo discute](https://reader036.vdocuments.com.br/reader036/viewer/2022071016/5fcf6d4b9dcf140a01405cc0/html5/thumbnails/35.jpg)
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