resenha tomita do livro o budismo e as outras - usarski

Upload: ceral-puc-sp

Post on 29-May-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/9/2019 Resenha Tomita do Livro O Budismo e as outras - Usarski

    1/8

    Estudos de Religio, v. 24, n. 38, jan./jun. 2010

    O Budismo e outras religies mundiais:

    leitura sintica e contribuies mltiplas

    Andrea Tomita*

    USARSKI, Frank. O Budismo e as outras: encontros e desencontros entre as grandesreligies mundiais. Aparecida, SP: Editora Idias & Letras, 2009. 304 p.

    O Budismo e as outras: encontros e desencontros entre as grandes religies mundiais, de fato, uma singular apresentao de aspectos histricos e doutrinriosreferentes religio budista. Porm, o livro apresenta uma contribuioabrangente porque no se restringe a uma s religio. Aborda, em perspectivacomparada, outras religies mundiais, e pode ser considerado uma refernciaobrigatria em lngua portuguesa no campo das Cincias da Religio, emespecial, das religies orientais.

    Fruto de pesquisa pautada em rigor metodolgico caracterstico de

    seu autor, certamente a publicao da obra evidencia o fato de que os es-tudos comparados caractersticos das Cincias da Religio podem ser teisem vrios aspectos, dentre estes a prtica do dilogo inter-religioso. Anal,sem o conhecimento das peculiaridades do outro e a busca por pontosde convergncia, muitas so as chances de monlogos ou intransignciasinter-religiosas.

    Abordagens cientcas sobre as diferentes tradies religiosas podemoferecer chaves de leitura para o confronto crtico e, consequentemente,possibilitar avanos no campo da teologia das religies conforme consta no

    prefcio. Contudo, no entendo que esta tenha sido a inteno motriz deUsarski. Nesse caso, provavelmente este seja o maior mrito da obra: notriadelimitao entre Teologia e Cincias da Religio, alm de equilibrada combi-nao entre mtodo, teorias e conceitos capaz de suscitar uma multiplicidadede conhecimentos e possibilidades.

    * Graduada em Lngua, Literatura e Cultura Japonesa pela Tokyo University of Foreign Stu-dies (1997) e Mestre em Letras (Lngua, Literatura e Cultura Japonesa) pela Universidadede So Paulo (2004). Doutora em Cincias da Religio pela Universidade Metodista de So

    Paulo rea de Teologia e Histria (2009). Tradutora pblica e intrprete juramentadada JUCESP. Coordenadora do curso de Teologia da Faculdade Messinica.E-mail: [email protected]

  • 8/9/2019 Resenha Tomita do Livro O Budismo e as outras - Usarski

    2/8

    204

    Estudos de Religio, v. 24, n. 38, jan./jun. 2010

    Andrea Tomita

    Com base naquilo que o autor chama de leitura sintica consciente damultidimensionalidade de um campo histrico e geogracamente diversica-

    do como o caso do Budismo em relao a outras religies , o estudo,em linhas gerais, procura responder a trs grandes problemas: Em quaiscontextos histricos ocorrem os encontros inter-religiosos entre o Budismo,o Hindusmo, o Judasmo, o Cristianismo e o Isl? Qual o ferramental dis-cursivo do Budismo em momentos de intercmbio com essas religies? Qualo contedo abordado pelo Budismo nestes encontros e desencontros?

    No primeiro captulo possvel conhecer o Budismo por dentro de simesmo: suas constituintes histricas e doutrinrias, seu pluralismo interno eas convergncias e divergncias entre o Budismo Theravada e o Mahayana.

    Por outro lado, nos so introduzidos elementos que denem a identidade deuma comunidade ou do indivduo budista, ou seja, a associao do Buda aum mestre iluminado dedicado divulgao de uma viso salvca especca.Tambm detalhada a apresentao de conceitos tipicamente budistas como asvirtudes do no-apego, benevolncia, entendimento, no-violncia e compaixo estas ltimas relevantes para o tema da relao com outras religies.

    O ponto forte desse captulo a cuidadosa diferenciao entre o Budis-mo Mahayana e o Budismo Theravada. O destaque a respeito da diferena defoco entre a historiograa budista e os pesquisadores ocidentais tambm

    curioso. Enquanto aquela desenha uma imagem de um desenvolvimento gra-dual e orgnico da religio, estes ltimos apontam rupturas e inconsistnciaspresentes desde os seus primrdios. No sculo I a.C., no menos que 18 es-colas budistas disputavam entre si: de um lado, grupos conservadores e comreaes apologticas; de outro, grupos que forneceram material doutrinrioimportante para o raciocnio progressista. Com exceo da escola Theravada,nenhuma das correntes da fase inicial sobreviveu.

    Dentre as vrias tenses doutrinrias das duas correntes destaca-se a

    insistncia do Budismo Theravada na insuperabilidade da lei do carma e naresponsabilidade exclusiva de cada indivduo para com o prprio destinoespiritual. Por outro lado, no Budismo Mahayana, h a esperana numa forasalvca externa (tariki) capaz de transformar o adepto desde que ele estabe-lea uma relao devocional com o Buda Amida. Quanto tica, ambos ostipos de Budismo consideram importantes a observncia de preceitos moraise o cultivo de virtudes no sentido de acumular as qualidades necessrias parao alcance do nirvana; o Budismo Mahayana destaca de forma mais acentuadaa conduta altrusta expressa por aes morais direcionadas s necessidades

    de outrem (p. 47). J o Budismo Tibetano (iniciado no Planalto Tibetano eque abrange regies como Monglia, Buto Nepal e provncias do norte dandia) tido como o terceiro veculo, resultado da conuncia de origens

  • 8/9/2019 Resenha Tomita do Livro O Budismo e as outras - Usarski

    3/8

    O Budismo e outras religies mundiais: leitura sintica e contribuies mltiplas 205

    Estudos de Religio, v. 24, n. 38, jan./jun. 2010

    e caractersticas diversas. Suas prticas mgicas reetem o impacto do Tan-trismo movimento transrreligioso iniciado na ndia.

    Outro aspecto importante do primeiro captulo a denio de um Bu-dismo Ocidental, manifestado desde o ltimo tero do sculo XIX, sobretudona Europa, nos EUA e, posteriormente, em regies como Austrlia e AmricaLatina. Contudo, a questo no diz respeito apenas viso geogrca, massim sua natureza marcada por um engajamento poltico-social de adeptosque aderiram religio budista por opo e no por tradio familiar. Mes-mo nesse caso, observa-se um pluralismo interno cujas manifestaes soespeccas conforme o pas.

    Por outro lado, h alguns aspectos inter-relacionados que so relevantes

    ao tema geral do livro: o desenvolvimento do Budismo Ocidental em tempoextremamente curto; o lugar do encontro de diferentes tradies budistasasiticas tem sido o Ocidente; a tendncia de tratar o budismo como sistemaintelectualmente consistente cujos mtodos, insightse verdades so atemporaise universalmente vlidos; o Budismo como opo individual no implicanecessariamente em identicao com uma linha budista especca nessesentido, trata-se de uma religiosidade inclusiva, transveicular e de espritoecumnico (p.58-59); a dimenso institucional tem tambm uma tendnciatransveicular com nfase na unidade subjacente dos budismos; a colabora-

    o mtua de vrias organizaes budistas motivadas por projetos e interessescomuns. Neste ltimo aspecto, dois pontos so caractersticos: a) a grandequantidade de mulheres; e b) adeptos dispostos a contribuir para a soluode problemas no campo da ecologia, paz, justia social e direitos humanos.

    No segundo captulo, possvel conhecer aspectos histricos relativoss relaes inter-religiosas entre o Budismo e outras religies mundiais: Hin-dusmo, Judasmo, Cristianismo e Isl. A primeira parte aborda, em especial,as relaes entre o Budismo e o Hindusmo entre os sculos VI a.C e XIII

    d.C., poca em que o Budismo passou da condio de movimento sectrio areligio civilizacional. Como uma nova religio nascida no seio da sociedadeindiana em processo de urbanizao, o Budismo relacionou-se de forma tensacom o Bramanismo (forma de Hindusmo da poca) at o sculo III. Poroutro lado, em reinos vizinhos ndia, em especial no Sri Lanka e no Nepal,budistas e hindus convivem desde o sculo V d.C.. O Budismo passaria demovimento religioso alternativo religio ocialmente reconhecida aps aconverso de Aska (por volta de 264 a.C.) que foi protetor da religio.

    Naturalmente, o Budismo no foi visto apenas como ameaa espiritual

    mas tambm poltica, tendo sido alvo de duras crticas, medidas de massa ereaes ideolgicas que levaram ao seu declnio no primeiro milnio d.C..Na sequncia, o Hindusmo se popularizaria fundamentado em prticas

  • 8/9/2019 Resenha Tomita do Livro O Budismo e as outras - Usarski

    4/8

    206

    Estudos de Religio, v. 24, n. 38, jan./jun. 2010

    Andrea Tomita

    devocionais integradas vida mundana e facilmente acessvel massa (p.81). Atualmente, na ndia, o Budismo representa aproximadamente cerca de

    8% dos indianos comparativamente a 80% de hindus.Dentre os vrios conitos entre essas duas religies, est o sistema decastas que rejeitado pelo Budismo, mas defendido pelo Hindusmo. A esserespeito, o autor cita episdios contemporneos que explicitam suas diver-gncias: caso de abandono de uma casta inferior e converso ao Budismo (cf.Neobudismo de Ambedkar, p.83); protesto em Delhi pelos budistas indianoscom relao disputa pelo memorial de Bodhgaya que se prolonga desde osculo XIX; controvrsia sobre a incorporao de Buda ao panteo hinduexplcita em situaes cotidianas.

    Em especial, o autor chama a ateno para os aspectos retricos en-volvidos nos encontros inter-religiosos. Por exemplo, aquela retrica queobjetiva manter a prpria tradio e/ou tem a inteno de reclamar a outrareligio para si, depois de t-la conhecido completamente. Nesse sentido,at mesmo os budistas favorveis ao dilogo aberto com o Hindusmo re-comendam cautela em relao aos perigos de uma atitude muito tolerante.Conforme defende Mattanando Bhikkhu, os budistas devem cuidar para norevelar sua identidade no dilogo, visto que, ao longo da histria, o Hin-dusmo chamou para si muitos aspectos originariamente budistas. E ainda

    observa que atualmente, o dilogo inter-religioso deve ser protegido pordeterminados mecanismos (p.86).

    Ainda nesse captulo, possvel conhecer as relaes entre o Budis-mo e o Judasmo, e uma de suas diferenas reside no aspecto expansoda religio. Enquanto o Judasmo uma religio de nascena como oHindusmo, o Budismo uma religio de expanso. O autor arma que ahistria da inter-relao entre as duas religies tem sido menos complexae problemtica comparativamente s outras religies mundiais: Hindusmo,

    Cristianismo e Isl. O intercmbio entre as duas religies teria se iniciadono passado e pode ser notado por meio de vrios exemplos.Com relao aos encontros entre o Budismo e o Cristianismo no Oci-

    dente, interessante notar a distino entre o esprito dos encontros budo-cristos do pr-guerra e os da contemporaneidade. Enquanto aqueles erammarcados por tenses decorrentes da ausncia de um esprito verdadeiramenteecumnico (a partir dos anos 1870), os da atualidade representariam tendn-cias de harmonia, respeito e aprendizagens mtuas.

    O cenrio histrico da relao entre o Budismo e o Isl marcado por

    exemplos de relacionamentos paccos, incluindo relaes frutferas entrecrculos budistas e grupos msticos mulumanos (sufis). A cooperao mtuapode ser vista tambm no campo da traduo de obras budistas indianas para

  • 8/9/2019 Resenha Tomita do Livro O Budismo e as outras - Usarski

    5/8

    O Budismo e outras religies mundiais: leitura sintica e contribuies mltiplas 207

    Estudos de Religio, v. 24, n. 38, jan./jun. 2010

    o rabe. nesse momento que o autor nos convida a reetir sobre a situaogeral historicamente complexa, que depende de inmeras condies, no

    podendo ser reduzida ao esteretipo do isl guerreiro (p. 159).Contudo, naturalmente houve grandes desencontros como a destruiodo mosteiro budista da atual regio de Uzbequisto no sculo VII. Comparati-vamente ao dilogo entre o Cristianismo, a relao com o Isl apresenta lacunade contedos e demanda de elaboraes; a no-centralizao das estruturasinstitucionais do Isl seria um dos obstculos para um dilogo mais amplo equalicado. Alm disso, do ponto de vista religioso propriamente dito, observa-se a incompatibilidade com relao s concepes no-testas do tipo do Bu-dismo. Por outro lado, cresce a conscincia da necessidade de conversas mais

    frequentes e profundas em tempos da intolerncia e discriminao (p. 163).No terceiro captulo, possvel conhecer a pluralidade do repertrio de

    guras retricas e estratgias argumentativas que possibilitou o posiciona-mento do Budismo em situaes inter-religiosas. Essa pluralidade de opescorresponde variedade de circunstncias a que a religio esteve exposta noprocesso de sua transplantao que levou a adaptaes lingusticas, doutri-nrias e simblicas entre as novas culturas antris. Trs pontos so dignosde ser lembrados nesse processo de autorreconhecimento da religio: 1) ten-so com o Bramanismo a ento tradio religiosa da ndia; 2) sua atitude

    proselitista nos locais de posio minoritria; e 3) confronto com contextosmultirreligiosos no Ocidente contemporneo.

    So apontadas as limitaes da tipologia de trs posturas inter-religio-sas inclusivismo, pluralismo e exclusivismo e propostas relaes com areligio budista, trazendo at mesmo conceitos e passagens particulares dareligio como referncias. Um exemplo desses refere-se ao mappo (teoremaescatolgico dos ltimos dias da lei) elaborado no Budismo do ExtremoOriente que justicaria a relativizao da validade de uma doutrina comu-

    nicada mediante termos e conceitos cultural e historicamente determinados(p. 172). Dentre as vrias estratgias apresentadas, temos aquela atitude deindiferena de Buda diante de determinados assuntos (gura retrica cha-mada avyakata, que signica perguntas no respondidas com o objetivo dedespertar insightno interlocutor) que difere de uma postura exclusivamentepluralista ou inclusivista apenas.

    No tocante s atitudes budistas tendentes incluso, o autor resume agura retrica em trs subtipos: 1) incorporao tcita de elementos alheios;2) valorizao explcita de elementos alheios; e 3) reinterpretao de elementos

    alheios conforme a lgica do prprio sistema.Com relao atitude pluralista inter-religiosa do Budismo, temos ainda:1) abertura ao dilogo inter-religioso; 2) busca por pontos de interseo extra-

  • 8/9/2019 Resenha Tomita do Livro O Budismo e as outras - Usarski

    6/8

    208

    Estudos de Religio, v. 24, n. 38, jan./jun. 2010

    Andrea Tomita

    doutrinria; e 3) gura retrica chamada upaya. Esse ltimo item, em especial,na literatura secundria aparece como skillfull meansou meios habilidosos

    que, em outras palavras, signica talento de um falante de se aproveitar dedeterminadas estratgias argumentativas (p. 190). Embora as razes dessa pos-tura estejam presentes no Budismo primitivo, seu aperfeioamento feito porpensadores do Budismo Mahayana por dois motivos: 1) necessidade de fugirdas polmicas articuladas pelas escolas antigas; e 2) instrumental proselitista emambiente dominado por tradies respeitadas (ex.:Taosmo e Confucionismo naChina). Como exemplo desse tipo de postura, tem-se a gura do Dalai-Lamadiante da situao religiosa pluralista do mundo atual.

    O conceito upaya caracterizado como metaprtico, ou seja, resultado de

    uma reexo sobre questes pragmticas em prol da transmisso da sabedo-ria budista em que a preocupao com questes de lgica e funcionalidadeexiste em benefcio dos objetivos soteriolgicos de um mtodo religioso(p. 194). O esprito metaprtico, presente em alguns textos do BudismoMahayana, permite a multiplicidade e a complementaridade de abordagenscada qual cumprindo sua funo em situaes e momentos oportunos. Essaviso que enfatiza a homogeneidade funcional do Budismo e a legitimidadedas especicidades de todas as suas facetas conhecida como veculo nico(ekayana) e se contrape teoria dos trs veculos (triyana ), ambas existentes

    no Budismo Mahayana. O sutra Ltus, um dos mais famosos textos da litera-tura mahayanista, aborda o conceito de ekayanaem que a gura do Bodhisattvae seu papel para a salvao de todos os seres se opem ao ideal do Arhate sua busca para salvao individual. A tica do Mahayana orienta-se porprincpios de altrusmo e de compaixo face ao sofrimento alheio.

    O quarto captulo apresenta um levantamento dos contedos que ge-raram divergncias entre o Budismo e as outras religies, em especial como Hindusmo (na poca do surgimento do Budismo) e o Cristianismo. Em

    termos didticos, serve como uma espcie de retomada e aprofundamento deassuntos levantados em captulos anteriores. No caso das divergncias como Hindusmo, apresenta-se a crtica de Buda tradio vdica e o status su-perior dos brmanes como monopolizadores dos bens e dos conhecimentosreligiosos por meio da metfora da cegueira e outras passagens contidas emsutras budistas. Com base no lsofo budista Dharmakirti, destaca ainda trsaspectos da crtica tradio vdica: 1) crtica a respeito da fonte de conheci-mento (eterna e imutvel); 2) crtica utilidade, aos objetivos e ao volumedo conhecimento; 3) crtica atitude do receptor de um conhecimento (p.

    223-225). Dentre outras crticas do Budismo ao Hindusmo, destaca-se acrtica ao sistema de castas e ao seu essencialismo, ao tesmo e s prticashindu, sobretudo, as ligadas a rituais de sacrifcio.

  • 8/9/2019 Resenha Tomita do Livro O Budismo e as outras - Usarski

    7/8

    O Budismo e outras religies mundiais: leitura sintica e contribuies mltiplas 209

    Estudos de Religio, v. 24, n. 38, jan./jun. 2010

    Ainda sobre a viso budista, o autor acrescenta o problema cristoda teodiceia, que j ocupava os tericos budistas desde o sculo IV d. C..

    Exemplica ainda o assunto como fonte de questionamento para os bu -distas: Como este deus supostamente todo-poderoso pde ter criado ummundo imperfeito? Nesse caso, Deus seria somente mais poderoso que ohomem, mas no todo-poderoso (p. 260). Em termos soteriolgicos, tem-seo Budismo Terra Pura como sendo o de maior proximidade ao Cristianismopois, ao contrrio da autotentativa (jiriki), esse Budismo enfatiza a outrafora (tariki ) salvadora do Buda Amida concedida aos adeptos na formade uma transformao interna. J no caso do Budismo Theravada, em quea salvao de responsabilidade do prprio indivduo, notam-se diferenas

    com o Cristianismo que, por sua vez, prega a graa de Deus e duvida queo ser humano sujeito ao pecado original tenha alguma competnciasoteriolgica (p. 261). Outras divergncias nessa rea dizem respeito aoconceito de sofrimento.

    Com relao ao campo da tica, motivos das divergncias so trechos daBblia, especialmente os do Antigo Testamento, que apresentariam a crueldadeda religio crist e sua contribuio para a desarmonia do mundo, o que seriacontrrio atitude pacista de Buda. Budistas contemporneos, por exemplo,apresentam compatibilidades com questes da teoria da libertao crist ou

    da espiritualidade de Francisco de Assis.Finalizando o quarto captulo, h breves consideraes sobre o po-

    sicionamento do Budismo face aos contedos especficos do Judasmo edo Isl. Relativamente s reflexes budistas sobre o monotesmo cristo, oautor aponta que h consideraes teolgicas sobre uma possvel aproxima-o entre a verso hebraica da Bblia (isenta das influncias neoplatnicasdualistas) e as vises monistas do Budismo Mahayana. Tal discusso seriaanloga do Cristianismo e da Escola de Kyoto. Outro paralelo refere-se

    possvel identificao entre a prtica zene as tendncias msticas dentrodo Judasmo. Naturalmente, nesse paralelo, ainda permaneceriam algumasinconsistncias fundamentais: enquanto o adepto do zenprocura a perma-nncia da vacuidade a partir de uma atitude de no-apego, a abordagemcabalstica da concepo devequtobjetiva a fixao exclusiva em Deus e afundamentao permanente nele (p. 268).

    Quanto s divergncias entre as duas religies, em especial o BudismoTibetano e o Judasmo, salienta-se o valor da erudio do estudo rigoroso edo debate como meio didtico para a aprendizagem. Alm disso, o encontro

    do Dalai-Lama com delegados norte-americanos com correntes judias tam-bm um exemplo de aproximao religiosa em virtude dos paralelos possveisentre a dispora judia e o destino dos tibetanos com relao aos chineses.

  • 8/9/2019 Resenha Tomita do Livro O Budismo e as outras - Usarski

    8/8

    210

    Estudos de Religio, v. 24, n. 38, jan./jun. 2010

    Andrea Tomita

    As divergncias entre o Budismo e o Isl assemelham-se s discutidassobre o Cristianismo e o Judasmo, sobretudo no que concerne viso do

    Deus monotesta radicalmente transcendental. Ideias islmicas como a te-ologia do processo da criao contnua podem fornecer pontos de contatoentre as duas religies, embora, at o presente, estudos mais aprofundadosno tenham sido realizados. Outras aproximaes podem ser feitas acercadas prticas espirituais do Susmo (mstica mulumana).

    Em suas consideraes nais, Usarski explicita aquilo que percebo comoo ponto de partida de seu trabalho: a crtica exagerada representao de queo Budismo seja uma religio monoliticamente ultrapacista. Sem sombra dedvidas, os dados muito bem coletados e dispostos de forma didtica possibi-

    litam ao leitor ampliar os conhecimentos tanto a respeito das religies alvo doestudo como da temtica da convivncia entre religies e culturas. Conhecemoscom detalhes as tenses e os conitos decorrentes do contato inter-religiosoao longo da histria e percebemos que, a despeito da viso romntica desejosapor uma harmonia universal, a realidade que muitos desencontros existementre as doutrinas, as instituies e as prticas religiosas.

    E por falar em encontros e desencontros, encerro esta resenha fa-zendo aluso quela expresso japonesa de inspirao zen-budista que des-creve muito bem o esprito do Caminho do Ch: Ichigo-ichie um encontro,

    um momento nico. Fazendo pontes com os encontros e desencontros dereligies descritos neste livro por Usarski, diria que felizmente eles existeme que no devem ser temidos (at certo ponto!). Anal, cada religio em seucaminhar com suas origens e caractersticas particulares contribui qua-litativamente para a evoluo dos campos religioso e cientco, bem comopara a possibilidade de um mundo cada vez mais plural.