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51 DOR / NOTÍCIAS N EUROCIÊNCIA Anestesia geral não é um sono profundo Emery Brown, primeiro autor da revisão “Anestesia geral, sono e coma”, publicada no prestigioso periódico científico The New En- gland Journal of Medicine (Vol. 363, Dezembro 2010), trabalha no mesmo local onde aconteceu a primeira demonstração pública de cirurgia sem dor. Foi em 1846, no anfiteatro hoje conhecido como Ether Dome, no Massachusetts General Hospital, em Boston, que o paciente inalou éter administra- do pelo médico William Morton enquanto o Dr. John Collins War- ren fazia a cirurgia. Atualmente, 60 mil pessoas por dia recebem anestesia geral para cirurgia só nos Estados Unidos. Inúmeros avanços têm sido obser- vados na área, tanto com melhorias nos anestésicos, treinamento médi- co, sistemas de delivery de drogas, quanto com evoluções nos siste- mas de monitoramento do estado do paciente durante a cirurgia. No entanto, “como as drogas anestési- cas induzem e mantêm os estados comportamentais da anestesia geral é uma questão importante da medi- cina e da neurociência”, escrevem os autores. A revisão discute as caracte- rísticas clínicas e neurofisiológicas da anestesia geral e suas relações com sono e coma, focando nos me- canismos neurais da inconsciência induzida por determinadas drogas anestésicas intravenosas. Ao comparar a ativi- dade cerebral duran- te anestesia, sono e coma, os autores res- saltam que o cérebro anestesiado se parece com o cérebro de pa- ciente em coma. Em- bora muitos médicos usem o termo “sono” para explicar a anes- tesia aos seus pacien- tes, “a anestesia geral é, de fato, um coma reversível induzido por drogas”, escre- vem. A similaridade entre anestesia geral e coma mostra quão profundamente a anestesia debilita a atividade cerebral. "[Isso] talvez expli- que porque alguns pacientes não recuperam com- pletamente a consciência mui- tas horas após [terem recebido] a anestesia geral e porque a disfun- ção cognitiva pós-operatória pode persistir em pacientes mais velhos por muitos meses", concluem os autores do estudo. FISIOLOGIA Segundo os autores, a anestesia geral é mantida por meio de uma combinação de agentes hipnóticos, inalatórios, opioides, relaxantes musculares, sedativos e drogas cardiovasculares, junto com suporte de ventilação e ter- mo-regulação. Drogas anestésicas induzem in- consciência ao alterar a transmis- são de sinais neurais em locais múltiplos no córtex cerebral, tron- co cerebral e tálamo. Os opioides, por exemplo, inibem a liberação do neurotransmissor acetilcolina em diferentes locais do cérebro e da medula espinhal. A acetilcolina medeia, junto com outros neuro- transmissores, a transmissão si- náptica rápida no sistema nervoso central. No entanto, apenas ela está presente nas sinapses rápidas das junções neuromusculares. Entender melhor as similaridades e diferenças entre anestesia geral, sono e coma pode levar a novas abordagens para anestesia geral “ba- seadas em novas maneiras de alterar a consciência, prover analgesia, in- duzir amnésia e prover relaxamento muscular”, concluem. Cristina Caldas A coluna quebrada, Frida Kahlo, 1944 Reprodução

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d o r /n o t í c i a s

Ne u ro c i ê N c i a

Anestesia geral não é um sono profundo

Emery Brown, primeiro autor da revisão “Anestesia geral, sono e coma”, publicada no prestigioso perió dico científico The New En-gland Journal of Medicine (Vol. 363, Dezembro 2010), trabalha no mesmo local onde aconteceu a primeira demonstração pública de cirurgia sem dor. Foi em 1846, no anfiteatro hoje conhecido como Ether Dome, no Massachusetts General Hospital, em Boston, que o paciente inalou éter administra-do pelo médico William Morton enquanto o Dr. John Collins War-ren fazia a cirurgia. Atualmente, 60 mil pessoas por dia recebem anestesia geral para cirurgia só nos Estados Unidos.Inúmeros avanços têm sido obser-vados na área, tanto com melhorias nos anestésicos, treinamento médi-co, sistemas de delivery de drogas, quanto com evoluções nos siste-mas de monitoramento do estado do paciente durante a cirurgia. No entanto, “como as drogas anestési-cas induzem e mantêm os estados comportamentais da anestesia geral é uma questão importante da medi-cina e da neurociência”, escrevem os autores. A revisão discute as caracte-rísticas clínicas e neurofisiológicas da anestesia geral e suas relações com sono e coma, focando nos me-canismos neurais da inconsciência induzida por determinadas drogas anestésicas intravenosas.

Ao comparar a ativi-dade cerebral duran-te anestesia, sono e coma, os autores res-saltam que o cérebro anestesiado se parece com o cérebro de pa-ciente em coma. Em-bora muitos médicos usem o termo “sono” para explicar a anes-tesia aos seus pacien-tes, “a anestesia geral é, de fato, um coma reversível induzido por drogas”, escre-vem. A similaridade entre anestesia geral e coma mostra quão profundamente a anestesia debilita a atividade cerebral. "[Isso] talvez expli-que porque alguns pacientes não recuperam com-pletamente a consciência mui-tas horas após [terem recebido] a anestesia geral e porque a disfun-ção cognitiva pós-operatória pode persistir em pacientes mais velhos por muitos meses", concluem os autores do estudo.

FISIOLOGIA Segundo os autores, a anestesia geral é mantida por meio de uma combinação de agentes hipnóticos, inalatórios, opioides, relaxantes musculares, sedativos e drogas cardiovasculares, junto com suporte de ventilação e ter-mo-regulação. Drogas anestésicas induzem in-consciência ao alterar a transmis-são de sinais neurais em locais múltiplos no córtex cerebral, tron-

co cerebral e tálamo. Os opioides, por exemplo, inibem a liberação do neurotransmissor acetilcolina em diferentes locais do cérebro e da medula espinhal. A acetilcolina medeia, junto com outros neuro-transmissores, a transmissão si-náptica rápida no sistema nervoso central. No entanto, apenas ela está presente nas sinapses rápidas das junções neuromusculares.Entender melhor as similaridades e diferenças entre anestesia geral, sono e coma pode levar a novas abordagens para anestesia geral “ba-seadas em novas maneiras de alterar a consciência, prover analgesia, in-duzir amnésia e prover relaxamento muscular”, concluem.

Cristina Caldas

A coluna quebrada, Frida Kahlo, 1944

Reprodução

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