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Repasses Financeiros e Voluntários da União aos Municípios Brasileiros: condicionantes políticos, sociais e técnicos Márcia Miranda Soares Publicus Núcleo de Estudos em Gestão e Políticas Públicas Departamento de Ciência Política Universidade Federal de Minas Gerais UFMG [email protected] Resultado Parcial de Pesquisa Financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq 8º Encontro da ABCP 01 a 04 de agosto, 2012, Gramado, RS Área temática 05: Estado e Políticas Públicas

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Repasses Financeiros e Voluntários da União aos Municípios Brasileiros:

condicionantes políticos, sociais e técnicos

Márcia Miranda Soares

Publicus – Núcleo de Estudos em Gestão e Políticas Públicas

Departamento de Ciência Política

Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG

[email protected]

Resultado Parcial de Pesquisa Financiada pelo Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq

8º Encontro da ABCP

01 a 04 de agosto, 2012, Gramado, RS

Área temática 05: Estado e Políticas Públicas

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Resumo

O trabalho analisa as relações intergovernamentais na federação brasileira a partir da

distribuição de transferências voluntárias de recursos financeiros da União (TVU) para os

municípios entre 1995 e 2010. O objetivo é verificar quais fatores definem a maior ou

menor participação dos entes locais no total destes recursos a partir de três dimensões

explicativas: a político-partidária, a redistributiva e a de eficiência. A partir de análise de

regressão estatística, os resultados apontaram que receberam mais recursos de TVU os

municípios em que os prefeitos eram do mesmo partido que o presidente, que

proporcionaram maior votação ao presidente em sua eleição ou que têm partidários a frente

de ministérios que concentram TVU. Há também caráter redistributivo nos repasses da

União, privilegiando os municípios mais pobres. Contudo, municípios mais ricos, dotados

de maior capacidade técnica, também foram mais beneficiados com estas transferências.

Por fim, ao rodar os modelos analíticos separando os dados em dois períodos, governos

FHC e Lula, foi possível observar diferenças na distribuição de TVU nas duas

presidências.

Palavras chave: federalismo brasileiro; municípios, transferências voluntárias da União.

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Introdução

O Brasil passou por mudanças substantivas no campo político, econômico e social a

partir dos anos 80 do último século. Tivemos o retorno da democracia ao país, o

fortalecimento da federação, a estabilização da economia e avanços nas políticas sociais. O

federalismo fiscal é uma dimensão importante destas mudanças, entendido de forma ampla

como a distribuição de receitas e gastos entre os entes nacional e subnacionais da federação

brasileira. Neste aspecto, a trajetória recente do país pode ser caracterizada por dois

momentos: um de descentralização fiscal, vigente nos anos 80 e que culmina com a

reforma tributária da Constituição de 1988; outro de recentralização, que ocorre a partir

dos anos 90, com a União assumindo um papel crucial na redefinição da partilha de

recursos e gastos públicos.

O objeto deste trabalho são as transferências voluntárias da União aos municípios

brasileiros, consideradas no período de 1995 a 2010, ou seja, no momento de

recentralização fiscal da federação brasileira e dos dois mandatos presidentes de Fernando

Henrique Cardoso e de Lula. É um período marcado por sucessivas iniciativas da União na

recomposição de suas receitas, tendo como principal instrumento as contribuições sociais,

e na definição de gastos dos governos subnacionais, limitando suas capacidades de

endividamento, estabelecendo limites de gastos com pessoal e vinculando suas receitas a

determinados gastos sociais. É também um período de expansão das transferências

intergovernamentais, destacadamente as obrigatórias e as destinadas a programas de saúde

e educação (IPEA, 2011), ambas de caráter redistributivo.

As transferências voluntárias perderam campo no processo de redemocratização

brasileira, algo esperado, dado que o período autoritário anterior foi marcado por ampla

centralização fiscal na União e a utilização das transferências voluntárias

intergovernamentais como importante recurso do Poder Executivo nacional para negociar

apoio político nos níveis subnacionais. Com a descentralização fiscal dos anos 80, estados

e, principalmente, municípios ampliaram sua participação nas receitas públicas via

arrecadação própria e transferências constitucionais; em contrapartida, a União passou a

contar com menos recursos para distribuir discricionariamente. Nos anos 90, a União

ampliou suas receitas, mas passou a privilegiar as transferências intergovernamentais

vinculadas a políticas sociais, destaque para saúde e educação, reguladas por legislação

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própria (transferências legais), e as transferências diretas de renda aos cidadãos (Benefícios

de Prestação Continuada, Bolsa-Família etc).

Sob esta perspectiva, é fato que as transferências intergovernamentais voluntárias

perderam terreno nos anos 80 e 90 na composição das receitas subnacionais (Arretche,

2010), mas elas ganharam relevância como recursos adicionais para os cobres subnacionais

ampliarem sua capacidade de implementar políticas públicas, principalmente de

investimentos. Em um contexto marcado, por um lado, pelo ajuste fiscal, no qual os entes

federados têm baixa capacidade de endividamento e devem honrar com os compromissos

da dívida pública; e, por outro, pelas prioridades em gastos sociais com saúde e educação,

com vinculação crescente das receitas nestas áreas, sobra pouca margem para os

municípios gastarem com outras políticas públicas e as TVU acabam sendo recursos

atraentes e cobiçados.

Para a União, as TVU representam importante recurso de poder político nas

negociações horizontais e verticais. Nas negociações horizontais, a formação de uma

coalizão de governo, composta por partidos que detêm a maioria dos deputados e

senadores no Congresso Nacional, passa pela distribuição de cargos em órgãos e entidades

do Poder Executivo, e estes serão tanto mais disputados quanto maior for o volume de

recursos que dispuserem e, tanto melhor, se forem recursos discricionários, o que aumenta

o poder dos ocupantes de privilegiar destinatários e políticas. Ainda nas negociações

horizontais, deve ser ressaltado que parte das TVU é formada pelas emendas parlamentares

ao orçamento da União, emendas coletivas e individuais que dependem da liberação de

recursos do governo federal e que, portanto, são objetos de barganha na aprovação de

iniciativas legislativas do Poder Executivo.

No plano vertical, as TVU podem ser utilizadas pela União para fortalecer a

capacidade de gastos de entes subnacionais e a escolha dos destinatários pode responder a

três condicionantes: o político-partidário, o redistributivo e o de eficiência. O

condicionante político-partidário envolveria a busca da União no fortalecimento de suas

bases eleitorais e partidárias, privilegiando no recebimento de TVU os entes que deram

maior apoio eleitoral ao presidente em exercício, ou beneficiar os governadores e prefeitos

dos partidos do presidente ou de sua base aliada. A condicionante redistributiva implica em

privilegiar, em uma perspectiva similar às transferências constitucionais e legais, estados

ou municípios mais pobres, com menor capacidade de gasto público. Por fim, podemos

supor que as exigências para celebrar um convênio requerem uma estrutura de captação de

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recursos que envolve apresentação de projetos, negociações técnicas e gestão de

convênios, o que pode favorecer os mais capacitados tecnicamente, e os mais ricos podem

ser mais eficientes neste quesito.

O objetivo principal do artigo é explicar como estes condicionantes operam na

distribuição de TVU para os municípios brasileiros no período selecionado. Os municípios

que proveram maior apoio eleitoral ao presidente em exercício, por ocasião de sua última

eleição, serão mais bem contemplados? E os municípios alinhados partidariamente com o

governo central, com prefeito do mesmo partido que o presidente ou de partidos da base

aliada ao governo, serão preferidos? E os municípios mais pobres, carentes de recursos

para levar a cabo determinadas políticas públicas, a TVU pode ser um mecanismo de dotar

estes entes locais de capacidade para implementar políticas de interesse nacional? Por fim,

municípios que têm corpo técnico mais qualificado, com maior capacidade para responder

às exigências e demandas do governo central para celebração de convênios, podem captar

mais recursos de TVU?

Para cumprir o objetivo proposto e responder as perguntas formuladas, o trabalho

está estruturado em quatro seções. Na primeira seção, analisamos a posição dos municípios

no federalismo fiscal brasileiro conformado na Constituição de 1988 e as mudanças

ocorridas a partir de meados dos anos 90. Encerramos a seção apresentando as principais

fontes de recursos que compõem as receitas municipais (receitas tributárias próprias,

transferências constitucionais, transferências legais, transferências do Sistema Único de

Sáude - SUS e transferências voluntárias). A seção dois é dedicada à análise descritiva dos

dados de TVU aos municípios no período de 1995 a 2010. O objetivo é apresentar um

quadro geral da distribuição de TVU aos municípios e apontar aspectos políticos e

socioeconômicos dos municípios que foram contemplados com estas transferências. A

seção três apresenta as hipóteses de trabalho e os modelos estatísticos adotados para

explicar os impactos das variáveis político-partidárias, redistributivas e de eficiência no

recebimento de TVU pelos municípios. Também é feito um recorte temporal para

comparar o comportamento das variáveis nos governos FHC e Lula. Os resultados

encontrados apontam componentes políticos, redistributivos e de eficiência na definição do

destino municipal das TVU e, também, que há diferenças entre os governos FHC e Lula. A

última seção faz uma síntese e balanço dos achados do trabalho, apontando novas

perspectivas de estudos.

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1. Os municípios no federalismo fiscal brasileiro atual

Os municípios na reforma tributária constitucional de 1988

A Constituição de 1988 tinha como objetivo reestruturar o Estado brasileiro em

bases democráticas, federativas e redistributivas, em contraste com a experiência ditatorial

anterior, marcada pelos centralismo autoritário e concentração de renda. O resultado, no

aspecto federativo, foi uma descentralização territorial que favoreceu, sobretudo, os

municípios. No aspecto político, a descentralização significou alçar o município à condição

de terceiro ente federativo, algo raro nas experiências federativas mundiais, e a retomada

da autonomia política de estados e municípios para estabelecerem seus próprios governos.

No aspecto fiscal, a reforma tributária constitucional aumentou a participação dos entes

subnacionais na distribuição das receitas públicas. Os principais beneficiários foram os

municípios que conquistaram uma condição sem precedentes na história brasileira,

conforme tabela 1.

Tabela 1

Recursos Tributários Distribuídos aos Três Níveis de Governo (1960-2005)

Ano

Carga

Tributária

Bruta (% do

PIB)

Arrecadação direta (%) Receita disponível (%)

União Estados Municípios União Estados Municípios

1960 17,4 64,0 31,3 4,7 59,5 34,1 6,4

1970 26,0 66,7 30,6 2,7 60,8 29,2 9,9

1980 24,5 74,7 21,6 3,0 68,2 23,3 8,6

1988 22,4 71,7 25,6 2,7 60,1 26,6 13,3

1990 28,8 67,0 29,6 3,4 58,9 27,6 13,5

1995 29,4 66,0 28,6 5,4 56,2 27,2 16,6

2000 33,4 66,7 27,6 5,7 55,8 26,3 17,9

2005 38,9 68,4 26,0 5,6 57,6 25,2 17,2

Fonte: Oliveira, 2007, p. 45 e 50.

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O aumento das receitas municipais ocorreu por duas vias. Primeiro, houve a

ampliação da capacidade de arrecadação, através de novos tributos, como o Imposto sobre

a Transferência de Bens Imóveis (ITBI), antes de competência estadual (Oliveira, 2007), e

de ampla autonomia para alterar as alíquotas dos tributos próprios, o que beneficiou

principalmente os municípios mais ricos. A segunda e principal via foi o aumento das

transferências constitucionais de caráter redistributivo, no qual se destaca o Fundo de

Participação dos Municípios (FPM). Criado pelo Código Tributário Nacional, em 1966,

este fundo é composto por percentuais dos dois maiores impostos arrecadados pela União,

o sobre renda e proventos de qualquer natureza (IR) e o sobre produtos industrializados

(IPI). Em 1967, o FPM detinha 10% destes dois impostos, tendo baixado para 5%, em

1969, e alcançado 16% em 1985. Na Constituição de 1988 foi definida em 20% a

participação do FPM nestes impostos, algo que evoluiu para patamares superiores nos anos

subsequentes até alcançar 23,5%, em 2007 (STN, 2012). Em termos de distribuição

espacial, a regra estabelece que 10,% do FPM devem ir para as capitais; 86,4% para

municípios do interior e o restante, 3,6%, para municípios do interior com mais de 156.216

habitantes. Os recursos do FPM são distribuídos, primeiramente, em cotas estaduais,

segundo a população do estado. Na sequência, temos a divisão entre os municípios a partir

de coeficientes individuais calculados pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Para as

capitais, os coeficientes consideram a população e o inverso da renda per capita. Para os

municípios do interior, o critério é apenas populacional.

O processo de descentralização fiscal rumo ao municípios, promovido pela

Constituição, gerou algumas incongruências. Primeiro, a maior capacidade fiscal dos

municípios não foi acompanhada de uma descentralização coordenada de competências

sobre as políticas públicas. Assim, as políticas sociais, que ganharam destaque no texto

constitucional, foram estabelecidas como competências comuns ou concorrentes entre os

entes federados, e cada qual assumiu tais competências de forma bastante irregular,

gerando duplicidades e ausências (Bercovici, 2004; Souza, 2005). Também a

descentralização não foi acompanhada de maior responsabilização fiscal dos entes

federados e o endividamento cresceu entre os estados e alguns municípios. O aumento das

transferências constitucionais redistributivas, sem condicionantes, foi criticado por alguns

estudiosos (Varsano, 1996; e Rezende, 2010) porque desestimulou o esforço de

arrecadação próprio dos entes subnacionais e porque não garantiu melhor redistribuição de

renda, bens e serviços entre os cidadãos nacionais, dado que retirar recursos de estados e

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municípios mais ricos, via tributos, com elevado número de habitantes pobres, e os destinar

a estados e municípios mais pobres, com pequeno número de habitantes, sem qualquer

garantia de benefício aos mais pobres, pode ter efeito inverso, com pobres de territórios

ricos transferindo recursos para ricos de territórios pobres, o que não é nada redistributivo

individualmente. Por fim, as transferências constitucionais redistributivas também

incentivaram a multiplicação de municípios pobres e pouco populosos desejosos de uma

maior fatia na divisão do FPM; o resultado foi 1.016 novos municípios no Brasil na década

de 90. Este fato contribuiu para minimizar ainda mais o caráter redistributivo do FPM, já

menos expressivo que o do Fundo de Participação dos Estados (FPE) porque está centrado

no tamanho da população de municípios interioranos (Abrucio e Couto, 1996).

As finanças públicas municipais nos anos 90

Os anos 90 foram marcados pela busca da União em recompor sua capacidade

financeira, o que ocorreu através de aumentos contínuos na carga tributária, conforme

observamos na tabela 1. Na ampliação de tributos, a União privilegiou a criação ou

aumento das contribuições sociais, previstas na constituição como fonte exclusiva de

receita federal, vinculadas a gastos sociais e não sujeitas à repartição com estados e

municípios. Outro expediente do governo central para fortalecer sua autoridade fiscal foi a

criação, em 1994, do Fundo Social de Emergência (FSE), que passou a se chamar Fundo

de Estabilização Fiscal (FEF), em 1996, e foi rebatizado em 2000 com o nome de

Desvinculação de Receitas da União (DRU), sendo prorrogada em 2003, 2007 e 2011. A

DRU permite ao governo federal usar 20% dos recursos de determinados impostos e

contribuições de forma livre, desvinculando-os de despesas obrigatórias definidas

constitucionalmente.

Outra frente de atuação da União foi, através de legislação nacional, limitar a

autonomia dos estados e municípios para empreenderem gastos e se endividarem. No que

se refere aos municípios, tivemos a Lei Camata (Brasil, 1995) que fixou o teto de 60% da

receita corrente bruta para os gastos municipais com pessoal. E como ápice do processo de

ajuste fiscal e controle dos gastos públicos, veio a Lei de Responsabilidade Fiscal (Brasil,

2000a), que regulamentou o teto para despesas com pessoal e inibiu a capacidade de

endividar dos níveis de governo.

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Diversas medidas legislativas impactaram também a destinação dos gastos

municipais, aumenando a vinculação destes com políticas sociais. Na educação, a

Constituição de 1988, havia estabelecido um patamar mínimo de 25% das receitas

municipais para gastos com educação. Em 1996, a Emenda Constitucional nº 14 criou o

Fundo de Manutenção do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef), que

avançou na definição subnacional de gastos com educação. O fundo, de natureza contábil e

voltado para o ensino fundamental, foi instituído em cada estado com recursos dos

governos estadual e municipais, e promovia a redistribuição dos recursos entre as redes

estadual e municipais de ensino fundamental de acordo com o número de alunos

matriculados, tornando mais equânimes os gastos dentro dos estados. Também foi definido

um patamar mínimo de gasto por aluno (piso) que, se não pudesse ser contemplado pelo

Fundo, seria garantido através de repasses da União. Em 2006, A Emenda Constitucional

n.º 53, transformou o Fundef em Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação

Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que passou a incluir a

educação infantil e o ensino médio. Na saúde, a Emenda Constitucional nº 29 (Brasil,

2000b) fixou um patamar mínimo das receitas municipais para aplicação em saúde, 15% a

partir de 2004.

Além das vinculações legais de receitas municipais para as áreas de educação e

saúde, o governo central buscou induzir maiores gastos municipais em políticas sociais

através da criação ou ampliação de transferências via fundos especiais. As transferências

de recursos através de fundos nacionais são regulamentadas por leis específicas que

estabelecem condicionantes para o recebimento dos recursos, o que envolve a adesão dos

municípios a políticas formuladas no âmbito nacional. É exemplar o Fundo Nacional de

Desenvolvimento da Educação (FNDE), de 1969, que distribui recursos financeiros a

programas e projetos de ensino fundamental no âmbito municipal: Programa Nacional de

Alimentação Escolar, Programa Nacional do Livro Didático, Programa Dinheiro Direto na

Escola, Programa Nacional Biblioteca da Escola, Programa Nacional de Saúde do Escolar

e Programa Nacional de Apoio Transporte do Escolar (Ministério da Educação, 2012).

Outros fundos sociais adotam o mecanismo de repasse fundo a fundo, no qual a

transferência ocorre de um fundo nacional para os fundos municipais, de forma regular e,

alguns vezes, sem a necessidade de convênios e outros instrumento afins. É o caso do

Fundo Nacional de Saúde (FNS), de 1990, cujos recursos são repassados a Fundos

Municipais de Saúde (FMS) para o financiamento de programas do Sistema Único de

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Saúde (SUS). O Fundo Nacional de Assistência Social (Fnas), de 1995, repassa recursos

aos Fundos Municipais de Assistência Social (Fmas) para financiar programas e ações de

assistência social no nível local.

As medidas centralizantes adotadas a partir dos anos 90 tiveram impactos negativos

somente sobre as receitas dos estados, continuando os municípios em uma trajetória

ascendente em termos de participação nas receitas públicas, conforme se verifica na tabela

1. Contudo, esta trajetória tem uma perspectiva distinta da descentralização operada nos

anos 80, é uma desconcentração de recursos regulada pelo governo central, na qual os

governos subnacionais ampliam suas receitas através de transferências intergovernamentais

da União para fins específicos definidos no âmbito nacional, sendo exemplares as

transferências fundo a fundo para as políticas sociais de saúde, de educação e de

assistência social definidas no âmbito nacional.

Em síntese, a partir dos anos 90 tivemos uma crescente intervenção da União na

definição dos gastos municipais, o que vale para as transferências intergovernamentais via

fundos especiais, mas também para os recursos adicionais obtidos pelos municípios na

reforma constitucional. Esta interferência central na definição dos gastos municipais

ocorreu por duas vias principais. A primeira foi a produção de legislação nacional que

definiu medidas de ajuste fiscal e vinculação de gastos com saúde e certos itens da

educação. O segundo expediente foi o aumento de transferências intergovernamentais via

fundos para as áreas sociais, induzindo os gastos e a formatação das políticas municipais

nas áreas de saúde, educação e assistência social.

As principais fontes de receitas municipais na atualidade

A partir das mudanças ocorridas no federalismo fiscal brasileiro a partir dos anos

80, chegamos à atualidade com um quadro diversificado de fontes de recursos para os

municípios, dentre as quais se destacam:

1. Recursos tributários próprios (RT): são receitas obtidas através de impostos,

taxas e contribuições de competência exclusiva dos municípios. Compreendem, entre

outros, o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), o Imposto sobre a

Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), o Imposto sobre Transmissão Inter Vivos

de Bens e Imóveis e de Direitos Reais a eles relativos (ITBI), a Taxa de Coleta de Lixo, a

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Taxa de Combate a Incêndios, a Taxa de Conservação e Limpeza Pública e a Contribuição

para Custeio do Serviço de Iluminação Pública.

2. Transferências constitucionais (TC): são valores repassados de um ente

federativo a outro de forma compulsória e por definição constitucional. No caso brasileiro,

prevalecem as transferências da União com caráter redistributivo, visando amenizar as

enormes desigualdades regionais existentes no país. Destacam-se neste universo o Fundo

de Participação dos Municípios (FPM) e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da

Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb (STN, 2008).

Dos estados, os municípios recebem 25% do Imposto Sobre Circulação de Mercadoria e

Serviços (ICMS) e 50% do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA),

mas estas transferências têm objetivo devolutivo e não redistributivo, ou seja, buscam

devolver aos municípios parte do que foi arrecadado em suas bases. (Prado, 2001)

3. Transferências legais (TL): são repasses de recursos da União aos municípios

regulados por leis específicas que estabelecem quem pode receber e sob quais condições.

São duas as modalidades de transferências legais: as não vinculadas, que possibilitam aos

municípios definir o destino do recurso recebido, é o caso dos royalties do petróleo. A

outra modalidade é a das transferências vinculadas a um fim específico, que admitem os

repasses automáticos, sem convênios ou instrumentos afins. É o caso do financiamento via

Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação para alguns programas da área

educacional e os repasses fundo a fundo (Rio Grande do Sul, 2009:8).

4. Transferências do Sistema Único de Saúde (TSUS): são recursos destinados

ao financiamento de ações e serviços do SUS, sendo tratados destacadamente por conta da

relevância do assunto. Contemplam todos os municípios que aderiram ao SUS, o que

significa quase a totalidade dos entes locais, e podem ser realizadas por meio da celebração

de convênios, de contratos de repasses e, principalmente, de repasses fundo a fundo.

(CGU, 2005: 23)

5. Transferências Voluntárias da União (TVU): também conhecidas como

transferências discricionárias ou negociadas, de acordo com a Lei de Responsabilidade

Fiscal elas podem ser definidas como “a entrega de recursos correntes ou de capital a outro

ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não

decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de

Saúde” (Brasil, 2000a).

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Os recursos de transferências voluntárias são repassados aos municípios,

predominante, por meio de convênios e contratos de repasse. O convênio, mais comum, é

um instrumentos jurídico celebrado entre as partes, concedente e convenente, e disciplina a

transferência de recursos públicos da União aos municípios para a execução de uma

política pública de interesse recíproco, com duração definida e em regime de mútua

cooperação, o que envolve contrapartida financeira do município e co-responsabilidade na

aplicação e fiscalização dos recursos. O contrato de repasse é instrumento similar ao

convênio, diferenciando-se por envolver a intermediação de instituições ou agências

financeiras oficiais federais nas transferências dos recursos da União, tendo destaque a

Caixa Econômica Federal (CGU, 2005).

As cinco fontes de recursos municipais se distinguem em termos de autonomia

fiscal e caráter redistributivo. Os recursos tributários próprios garantem recursos aos

municípios, mas reproduzem as desigualdades territoriais de desenvolvimento econômico,

beneficiando os municípios mais ricos. Por sua vez, as transferências constitucionais, que

também são receitas garantidas aos municípios, apresentam caráter redistributivo,

buscando promover maior equidade fiscal no âmbito municipal. As transferências legais,

em sua maioria, e as do SUS também apresentam caráter redistributivo, beneficiando os

municípios mais pobres. Contudo, diferem das transferências obrigatórias porque não têm

valores precisos e estão vinculadas a políticas públicas específicas definidas no âmbito

nacional. As receitas de transferências voluntárias da União estão sob o controle do nível

central, com destaque para o Executivo nacional, que tem ampla autonomia para definir o

volume destes recursos e quais destinatários e políticas serão beneficiados. Desta forma,

desconhecemos o caráter destas transferências, se mais ou menos redistributivo, algo que

buscaremos responder no desenvolver deste trabalho.

Na composição das receitas totais per capita dos municípios, conforme gráfico 1

apresentado por Arretche (2010, p.599) e reproduzido abaixo, as receitas próprias

correspondem a uma parcela menor das receitas municipais, em torno de 10%, e se

mantiveram estáveis entre 1996 e 2006. As transferências constitucionais prevalecem na

composição das receitas municipais e aumentou no período, alcançado mais de 50% das

receitas municipais per capita em 2006. As transferências legais de educação e as do SUS,

também cresceram no período e em 2006 respondiam por algo em torno de 25% da receita

per capita municipal. As demais receitas, dentre as quais se situam as TVU, seguiram a

tendência ascendente de outras fontes e respondiam, em 2006, por algo em torno de 15%

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das receitas municipais. A conclusão da autora é que os recursos municipais, em sua

maioria, independem de fatores político-partidários ou mesmo individuais. (p. 600)

É fato que as receitas de TVU não representam a principal fonte de recursos dos

municípios, o que é positivo no sentido de garantir autonomia e regularidade fiscal aos

entes locais na implementação de políticas públicas. Contudo, as transferências voluntárias

não são desprezíveis, superam a arrecadação própria, e são atrativas aos municípios porque

permitem aumentar sua capacidade de implementar políticas públicas, principalmente as de

investimentos, em um contexto marcado por rigidez orçamentária, dados os gastos com

pessoal, consumo governamental, despesas financeiras e alta vinculação das receitas a

gastos sociais. Também é uma importante fonte de poder para o Executivo nacional, seja

nas suas relações com o Legislativo nacional, seja nas suas relações com os governos e

cidadãos subnacionais. É sob esta ótica que cabe indagar quais critérios são utilizados pela

União na distribuição de TVU aos municípios: político-partidários, redistributivos ou de

eficiência, algo que será explorado nas seções seguintes.

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2. A distribuição de transferências voluntárias da União aos municípios

(1995-2010)

A análise que empreenderemos neste e no próximo capítulo sobre transferências

voluntárias da União são resultados de um banco de dados construído a partir de

informações de convênios disponibilizadas no Portal Transparência, da Controladoria

Geral da União (CGU, 2012). Com isto, desconsideramos transferências voluntárias

efetivadas através de contratos de repasses e outros instrumentos. Para melhor delinear

nosso objeto de estudo, as TVU, excluímos da base de dados todos os convênios do

Ministério da Saúde, em grande parte associados à implementação do Sistema Único de

Saúde1.

Nos 16 anos considerados, foram 203.463 convênios celebrados com 5.553

municípios, média anual de 12.716 convênios, que totalizaram o valor de 75,8 bilhões de

reais, correspondendo a um média de 4,7 bilhões ao ano, em valores deflacionados para

julho de 2010. No gráfico 2, ao visualizar a distribuição de TVU pelos agentes receptores:

governos estaduais, governos municipais, entes federais e entidades privadas sem fins

lucrativos, verificamos que os municípios ampliaram sua participação nas TVU ao longo

do período, principalmente a partir de 2003, com o governo Lula, equiparando-se aos

governos estaduais.

1 Os valores de TVU distribuídos aos municípios se referem a valores empenhados em favor dos municípios

no Orçamento Geral da União. O empenho corresponde à primeira fase de execução de uma despesa e

vincula os recursos orçamentários do tesouro ao gasto correspondente. Na sequência do empenho, temos a

liquidação e o pagamento. Optamos por trabalhar com empenho porque os convênios podem se estender por

anos, com liberações parciais de recursos, algo que dificultaria a análise.

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Gráfico 2

Distribuição de TVU por Agente Receptor (1995-2010)

Fonte: Banco de Dados TVU, UFMG, 2012.

No universo dos convênios com municípios, observamos que 26 capitais, à exceção

de Rio Branco, celebraram 5.868 convênios, em um valor total de 13,8 bilhões de reais, o

que corresponde a um valor médio de 529,4 milhões de reais por capital, no somatório do

período. Já no interior, foram 5.527 municípios que celebraram 197.595 convênios, em um

valor total de 62 bilhões, o que equivale a uma média de 11,2 milhões de reais por

município, em 16 anos. Estes dados apontam uma concentração grande de recursos de

TVU nas capitais estaduais, algo esperado, dado a maior demanda de infraestrutura e

concentração populacional nestes municípios. Assim, vale especificar melhor a

distribuição destes recursos por região e por perfil socioeconômico municipal, conforme

tabelas 2 e 3. Na tabela 2 temos que os municípios do Nordeste, Sudeste e Sul foram os

que mais celebraram convênios e que mais receberam recursos de TVU. Contudo,

ponderando o valor recebido pela população das regiões, observa-se que foram os

habitantes dos municípios do Norte, Centro-oeste e Nordeste os mais beneficiados. A

tabela 3 enfatiza a hipótese redistributiva da tabela 2, apontando que municípios com

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menor população tendem a apresentar menor renda per capital e receberem mais recursos

de Fundo de Participação do Município per capita (FPM) e de Transferências Voluntárias

da União per capita (TVU). No entanto, a relação não é linear, a região Centro-oeste recebe

mais recurso que o Nordeste, apesar de ter maior renda per capita. Os municípios situados

nas duas menores faixas populacionais não são os de menor renda per capita, mas são os

mais beneficiados com FPM e TVU; também a faixa populacional entre 100 e 500 mil

habitantes é melhor beneficiada que aquela entre 50 e 100 mil.

Tabela 2

Distribuição de TVU per capita aos Municípios, por Região

(Média Anual, 1995-2010)

Região Nº de Convênios

(média anual)

Valor de TVU

(média anual)

População*

(média anual)

TVU per capita

(média anual)

Norte 19.440 R$ 596.569.030,04 11.757.775,19 R$ 50,74

Centro-oeste 19.190 R$ 516.683.615,96 10.475.291,38 R$ 49,32

Nordeste 64.112 R$ 1.539.904.287,38 41.933.359,50 R$ 36,72

Sul 49.358 R$ 664.483.953,91 23.386.406,50 R$ 28,41

Sudeste 51.363 R$ 1.419.378.168,69 65.460.809,56 R$ 21,68

Brasil 203.463 R$ 4.737.019.055,98 153.013.642,13 R$ 30,96

Fonte: Banco de Dados TVU, UFMG, 2012.

*Média anual da população municipal contemplada por TVU no período. Fonte: IBGE, 2010.

Tabela 3

Distribuição de TVU per capita, por Perfil Socioeconômico dos Municípios

(1995-2010)

Número de Habitantes PIB per capita

(em mil) FPM per capita TVU per capita

Até 5.000 R$ 14.198,82 R$ 834,29 R$ 93,68

De 5.001 a 10.000 R$ 12.750,00 R$ 419,63 R$ 62,32

De 10.001 a 20.000 R$ 11.936,23 R$ 333,15 R$ 47,38

De 20.001 a 50.000 R$ 13.365,60 R$ 247,86 R$ 33,18

De 50.001 a 100.000 R$ 17.643,53 R$ 177,20 R$ 27,12

De 100.001 a 500.000 R$ 24.290,21 R$ 132,47 R$ 29,52

Acima de 500.000 R$ 34.678,08 R$ 65,97 R$ 19,34

Brasil R$ 23.189,85 R$ 179,89 R$ 30,96

Fonte: Banco de Dados TVU, UFMG, 2012.

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No aspecto político, observamos no gráfico 3 a participação de nove partidos

políticos na TVU distribuída aos municípios, diferenciando o governo Fernando Henrique

Cardoso (FHC) e Lula. Os nove partidos são aqueles que prevaleceram à frente dos

executivos municipais. Nesta amostra, devemos destacar que o PSDB era o partido do

presidente FHC e PMDB, PFL e PP compunham sua coalização de governo. O PT era o

partido do presidente Lula e PMDB, PP, PTB, PDT e PSB participaram de sua base aliada.

Os dados indicam que o alinhamento partidário dos prefeitos ao presidente pode repercutir

no montante de TVU recebido, é clara a diferença de participação dos municípios

governados por PSDB e PT nos governos FHC e Lula. O PMDB, aliado dos dois

presidentes e a frente de um maior número de prefeituras, foi o mais beneficiado dentre os

partidos.

Gráfico 3

Participação dos partidos na TVU distribuída aos municípios, segundo partido do prefeito e

do presidente

(1995 a 2002 - FHC, 2002 a 2010- Lula)

Fonte: Banco de Dados TVU, UFMG, 2012.

Dados partidários obtidos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE, 2012).

Sob a perspectiva ministerial, observamos na tabela 4 os órgãos que mais

distribuíram recursos de TVU aos municípios no período. Este aspecto é importante porque

a distribuição de TVU também responde a especificidades ministeriais que envolvem

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desde o partido do ministro até aspectos associados a políticas públicas conduzidas por

cada ministério, se mais voltadas para o provimento de infraestrutura urbana, o que pode

favorecer os municípios mais ricos; ou se voltados para políticas sociais, o que pode

beneficiar os mais pobres. Observamos que o Ministério das Cidades concentra em torno

de um terço dos recursos de TVU distribuídos no período, seguindo de longe pelo

Ministério da Educação, com 16,6%, e pelo Ministério da Integração Social, com 11%.

Esta participação dos ministérios nos recursos de TVU será marginalmente trabalhada na

seção que segue, mas é um aspecto importante que deve ser melhor explorado na

continuidade deste trabalho.

Tabela 4

Participação dos Ministérios na TVU total distribuída aos municípios, 1995 a 2010

Ministério

Participação no Total

de TVU distribuída

(%)

Ministério das Cidades 32,9

Ministério da Educação 16,6

Ministério da Integração Nacional 11,0

Ministério do Turismo 9,1

Ministério do Esporte 5,3

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento 4,0

Ministério do Desenvolvimento Agrário 3,9

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome 3,5

Ministério do Meio Ambiente 1,7

Ministério da Cultura 1,0

Total 88,9

Fonte: Banco de Dados TVU, UFMG, 2012.

As tabelas e gráficos acima apresentam aspectos gerais dos dados de TVU aos

municípios, no período considerado, e apontam que variáveis de natureza socioeconômica

e políticas podem atuar na distribuição dos recursos discricionários. Na próxima seção,

indicaremos de forma mais precisa nossas hipóteses de trabalho e as variáveis que serão

utilizadas em modelos estatísticos que nos permitem confrontar os diversos fatores

explicativos para o recebimento de TVU pelos municípios.

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3. Condicionantes políticos, sociais e técnicos na distribuição de TVU aos

municípios

Dado que uma parcela dos recursos orçamentários da União tem livre destinação,

em termos de agentes receptores, incluído entre estes os entes subnacionais, e políticas

públicas, o que configura as transferências voluntárias ou discricionárias da União, cabe a

indagação que quais têm sido os determinantes na distribuição destes recursos aos

municípios brasileiros.

Consideramos que três fatores são relevantes na definição do destino municipal dos

recursos de TVU: os político-partidários, os redistributivos e os relacionados à capacidade

técnica dos entes locais para responder as demandas da União na oferta de TVU.

3.1. Condicionantes político-partidários:

A Constituição de 1988 estabeleceu o planejamento e a elaboração orçamentária,

para todos os entes da federação brasileira, como um processo que envolve a produção de

três leis: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei

Orçamentária Anual (LOA), cujas iniciativas privativas cabem ao Poder Executivo, sendo

submetidas à apreciação e emendamento do Poder Legislativo.

As transferências voluntárias da União são definidas inicialmente na elaboração da

Proposta de Lei Orçamentária Anual (PLOA) pelo Poder Executivo nacional, o que

envolve a Presidência da República, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

(MPOG), a Casa Civil e os ministérios e entidades da administração direta e indireta. Junto

a estas institucionais, atores políticos diversos apresentam suas demandas para inclusão na

proposta: parlamentares nacionais, governadores, prefeitos, entre outros. Enviada a PLOA

ao Congresso Nacional, novas inclusões ou redefinições de TVU ocorrem através das

emendas parlamentares.

No processo de execução orçamentária, o Poder Executivo tem liberdade para não

efetuar as despesas de TVU, dado que a LOA é uma autorização para a execução de gastos,

mas não uma imposição. E as TVU acabam sendo a parte mais vulnerável das despesas,

sendo priorizada nos contingenciamentos, dado que boa parte do orçamento federal está

comprometida com despesas de pessoal, pagamento de serviços da dívida e transferências

constitucionais e legais. Desta forma, os atores políticos diversos, dentro e fora do Poder

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Executivo, precisam continuar barganhando para conseguir efetivar as TVU inseridas no

orçamento dos órgãos e entidades. Há também brechas na execução do orçamento que

possibilitam inclusões ou redefinições de TVU, seja por alterações no orçamento, seja pela

especificação de despesas de TVU sem destino definido na LOA.

Neste quadro geral, temos que a definição de TVU para os municípios ocorre em

dois momentos, elaboração e execução orçamentária, e tem como protagonista o Poder

Executivo nacional, com amplo poder para incluir no orçamento as TVU e, posteriormente,

executá-las ou não. Sob esta perspectiva, é razoável supor que o presidente possa

beneficiar os municípios governados por prefeitos do seu partido, no intuito de fortalecer

sua base partidária no nível local. Um prefeito que não seja do mesmo partido do

presidente, mas que seja de um partido de sua base aliada também pode ser melhor

contemplado com recursos de TVU, em virtude de assumir pastas ministeriais. Contudo,

conforme verificamos na tabela 4, alguns ministérios prevalecem em termos de

concentração de TVU, o que nos faz supor que são melhor contemplados os prefeitos cujos

partidos estão à frente de ministérios que controlam mais TVU.

Sob a perspectiva eleitoral, o apoio do município ao presidente, por ocasião de sua

eleição, é um fator a ser considerado, conforme trabalho de Arretche e Rodden (2004) que,

ao analisarem a destinação de TVU para os estados, apontam duas possibilidades. Os

municípios que ofereceram maior apoio eleitoral ao presidente são privilegiados porque o

governo nacional deseja reforçar suas bases eleitorais. Inversamente, estes municípios

podem ser preteridos em benefício de outros que apoiaram menos porque a estratégia é

conquistar votos através de incentivos financeiros. Ainda na perspectiva eleitoral, podemos

esperar que anos eleitorais (para presidente ou prefeito) tenham comportamento distinto

dos demais anos, no sentido que estes anos podem concentrar mais recursos de TVU para

os municípios na busca de impactos eleitorais na composição dos executivos e legislativos

nacionais ou locais.

Por fim, dado o período em questão, dois mandatos presidenciais de FHC e dois

mandatos presidenciais de Lula, cabe a indagação se há diferença na destinação de TVU

aos municípios entre os dois governos.

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3.2. Condicionantes sociais redistributivos:

Um dos objetivos das transferências intergovernamentais em federações, segundo

May (1969) e Prado (2001), é promover maior equalização fiscal entre as unidades

territoriais, dotando os entes com menor poder de arrecadação tributária de recursos

suplementares. Isto ocorre por motivos diversos, dentre eles: diminuir as desigualdades

territoriais; garantir que os entes federados consigam cumprir com suas atribuições

governamentais; propiciar um padrão mínimo de bem-estar social a todos os cidadãos

nacionais, independente da localização espacial; e proporcionar certa estabilidade política,

mantendo a atratividade da federação para os mais pobres, já que os mais ricos se

beneficiam do mercado comum e tendem a ter maior influência política no âmbito nacional

(May, 1969:56).

A Constituição de 1988 promoveu o município à condição de terceiro ente

federativo e descentralizou expressivos recursos a seu favor, como verificamos na tabela 1.

Neste processo, priorizou as transferências fiscais da União de caráter redistributivo, com

destaque para o Fundo de Participação dos Municípios. Esta mesma Constituição, em seu

artigo 165, parágrafo 7º, estabelece ainda que a Lei Orçamentária Anual deve ter “entre

suas funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional”.

A Lei de Diretrizes Orçamentária, que orienta a elaboração da LOA, define

“condições e exigências para transferências de recursos a entidades públicas e privadas”

(Brasil, 2000a). No período que abrange este trabalho, temos a exigência de contrapartida

financeira dos municípios, em percentual que considera a população e a localização

regional dos mesmos. A LDO 2009, que estabelece diretrizes orçamentárias para 2010, por

exemplo, define que os municípios terão como mínimo e máximo de contrapartida: 2% e

4%, se até 50.000 habitantes; 4% e 8%, se acima de 50.000 habitantes e localizados nas

áreas prioritárias definidas no âmbito da Política Nacional de Desenvolvimento Regional –

PNDR, nas áreas da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, da

Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM e da Superintendência do

Desenvolvimento do Centro-Oeste – SUDECO; e 8% e 40% para os demais (Brasil, 2009).

Mas, a contrapartida diferenciada é apenas um incentivo para que os municípios menos

populosos e situados nas regiões mais pobres recebam TVU, continuando o governo

federal com discricionariedade para definir seu destino.

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Assim, dado que a legislação aponta um caráter redistributivo para as TVU, cumpre

verificar se isto procede. Municípios mais pobres, com menor renda per capita ou com

menor tributação, são mais beneficiados com os recursos federais discricionários?

Apresentando a questão de outra forma, as TVU têm perspectiva similar ao FPM, principal

transferência intergovernamental da União com proposta redistributiva?

3.3. Condicionantes técnicos:

A Secretaria do Tesouro Nacional, através da Instrução Normativa nº 1 (STN,

1997), disciplina a celebração de convênios da União, estabelecendo uma série de

requisitos, entre eles: a apresentação pelo interessado de plano de trabalho para o objeto

proposto (no caso de obras, instalações ou serviços é exigido ao menos um projeto básico

para caracterizar a intervenção a ser realizada e, algumas vezes, licença ambiental);

comprovação de adimplência fiscal, trabalhista e de execução e prestação de contas de

convênios anteriores; e propriedade ou posse do imóvel objeto de intervenção.

Além dessa instrução e outras legislações pertinentes, como a Lei 8.666, de 21 de

junho de 1993, que disciplina licitações e contratos, os ministérios e entidades têm regras e

exigências próprias para fazer o repasse dos seus recursos. Tudo isto faz com que o

processo de captação de recursos de transferências voluntárias via convênio seja um

trabalho complexo e, algumas vezes, caro, quando, por exemplo, há exigência de um

projeto de engenharia. Criado em 2008, o Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de

Repasse (Siconv) tornou-se procedimento obrigatório para a celebração e execução de

convênios, constituindo-se em mais uma exigência que requer certos recursos e habilidades

técnicas para sua alimentação pelos municípios (MPOG, 2012).

Assim, municípios com menor disponibilidade de recursos financeiros, humanos e

técnicos podem encontrar dificuldades para atender as exigências para celebrar e executar

os convênios e serem preteridos na distribuição de TVU. Uma reclamação recorrente dos

órgãos e entidades federais é que faltam bons projetos porque os governos subnacionais

seriam ineficientes na apresentação de propostas factíveis e que estes teriam dificuldades

para executar os convênios celebrados em conformidade com a legislação, o que provoca

inadimplências e bloqueio no recebimento de novos recursos.

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23

3.4. Hipóteses e variáveis

A partir da discussão e dos dados apresentados acima, temos como hipóteses de trabalho

que os municípios recebem mais recursos de Transferências Voluntárias da União:

H1: se o partido do prefeito é o mesmo partido do presidente;

H2: se o partido do prefeito compõe a coalizão de governo nacional;

H3: quanto maior for o percentual de votação obtido pelo presidente no município

em sua última eleição;

H4: se for ano de eleição presidencial;

H5: se for ano de eleição municipal;

H6: quanto maior for a participação do partido do prefeito nos recursos

ministeriais de TVU;

H7: se têm menor receita tributária per capita;

H8: se têm menor renda per capita; e

H9: se têm maior Fundo de Participação do Município per capita.

Para testar as hipóteses, foram utilizados modelos de regressão que têm como

variável dependente o volume de recursos de TVU per capita recebido pelos municípios

em um determinado ano da série temporal analisada. Esta variável foi transformada em

logaritmo em função da forte assimetria na distribuição de recursos entre os municípios.

Devido à configuração dos dados ser transversalmente dominante, o que significa que a

quantidade de casos é bem superior à quantidade de ondas temporais, a regressão utilizada

seguiu a metodologia de dados de painel com efeitos fixos2. O método é útil quando se

quer controlar efeitos não observados constantes no tempo e que possam estar

correlacionados com as variáveis explicativas do modelo estatístico (Wooldridge, 2010;

Beck e Katz, 2009).

Os modelos adotados têm como variáveis independentes: 1) uma variável

dicotômica (dummy) para verificar se o partido do prefeito é o mesmo do presidente,

2 O teste de Hausman rejeitou a hipótese nula a favor de efeitos aleatórios, ou seja, os efeitos não observados

constantes no tempo possuem alguma correlação com as variáveis independentes.

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atribuindo valor “um” para esta condição e “zero” em caso contrário3; 2) outra dummy para

verificar se o partido do prefeito é diferente do partido do presidente, mas se pertence a um

dos partidos da coalizão do governo federal, codificado como “um” para “sim” e “zero”

para “não”4; 3) o percentual de votação recebido pelo presidente no município, à época de

sua eleição para tal cargo, no primeiro turno; 4) uma dummy para verificar se o ano é de

eleição presidencial, codificado como “um” para “sim” e “zero” para “não”; 5) outra

dummy para verificar se o ano é de eleição municipal, codificado como “um” para “sim” e

“zero” para “não”; 6) o percentual de participação do partido do prefeito nos recursos

ministeriais de TVU5; 7) renda per capita dos municípios; 8) receita tributária per capita

dos municípios; e 9) Fundo de Participação dos Municípios per capita.

3.5. Resultados

Para analisar a correlação entre as variáveis utilizamos, primeiramente, dois modelos

similares, conforme tabela 5. A primeira diferença entre eles está na troca da variável que

diz se o prefeito é do mesmo partido do presidente da República pela variável que diz se o

prefeito não é do partido do presidente, mas pertence a partido da coalizão nacional. A

ideia é verificar se o partido do prefeito, sendo diferente do presidente, mas da base aliada,

impacta no recebimento de TVU. A segunda diferença está na intercalação das variáveis

“ano eleitoral presidente” e “ano eleitoral prefeito”, por elas serem dicotômicas, admitindo

somente valores 1 e 0, apresentaram alta correlação. Também por problema de alta

correlação, intercalamos “receita tributária per capita” e “PIB per capita” nos dois

modelos.

Na tabela 6, outros quatro modelos se apresentam. Eles são idênticos aos modelos 1 e 2

em termos de entrada de variáveis, se diferenciado por tratar de períodos distintos. Nos

modelos 3 e 4 temos um recorte temporal para o governo FHC e nos modelos 5 e 6 para o

governo Lula. O objetivo é verificar se há padrões distintos de comportamento das

variáveis quer se trate de um ou outro governo nacional.

3 Considerou-se o partido do prefeito aquele em que ele se elegeu. Os dados eleitorais desta e das próximas

duas variáveis foram obtidas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE, 2012)

4 Os dados de coalizões partidárias no governo FHC e Lula foram cedidos gentilmente por Octavio Amorim

Neto.

5 Esta variável foi construída considerando o número de dias que o partido do prefeito esteve à frente de

determinado ministério, no ano em questão, e a participação percentual do ministério no total de recursos

TVU.

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Os resultados encontrados apontam a importância da dimensão política na explicação do

volume de recursos de TVU recebido pelos municípios. Em primeiro lugar, verifica-se que

municípios recebem mais TVU se o prefeito é do mesmo partido do presidente e isto vale

para todo o período, para o governo FHC e, com maios ênfase, para o governo Lula.

Inversamente, municípios perdem recursos de TVU quando o partido do prefeito não é o

mesmo do presidente, mas faz parte da coalizão de governo nacional. Este dado parece ser

decorrente de retirarmos da coalizão o partido do presidente. Assim, prefeitos do partido

do presidente e da oposição ganham mais recursos que os prefeitos da base aliada.

A maior votação do presidente no município contribuiu para angariar mais TVU, nos

dois modelos que abrangem todo o período e no governo FHC, mas este resultado não foi

observado no governo Lula, no qual não há significância estatística para a variável. O fato

de ser ano eleitoral para a presidência não mostrou significância estatística para explicar a

TVU recebida pelos municípios, a exceção do governo FHC, mas no sentido negativo, ou

seja, os municípios receberam menos recursos em função do calendário eleitoral. A

hipótese para o achado pode ser o número baixo de eventos deste tipo, tivemos apenas

quatro anos que foram de eleição nacional, e as restrições de gastos impostas ao governo

em ano eleitoral, conforme Lei de Responsabilidade Fiscal (Brasil, 2000). Quando se trata

de ano de eleição municipal, os resultados apontam maior volume de TVU destinada aos

municípios, mas este comportamento é inverso no governo Lula. É difícil ter uma

explicação para estas diferenças, algo que provavelmente está relacionada à dinâmica

eleitoral local, e seu alinhamento com o governo nacional, em períodos distintos. Assim,

podemos supor, por exemplo, uma estratégia do governo Lula de destinar menos recursos

aos municípios para fortalecer candidaturas oposicionistas do seu partido ou da base aliada.

Outra variável que tem a direção esperada no modelo geral, mas comportamento distinto

nos dois governos é a da participação do partido prefeito no controle de recursos

ministeriais. Verificamos que o prefeito que tem um partidário seu a frente de um

ministério que controla muito recursos de TVU, se beneficia desta condição, à exceção do

governo FHC, onde ocorre o inverso. Novamente, não há uma explicação para esta

situação, mas podemos lançar como hipótese que os ministros do governo FHC tiveram

menos disposição para beneficiar seus partidários locais, de uma forma generalizada,

porque estavam voltados a contemplar outros interesses, como fortalecer prefeitos de seus

estados ou municípios, ou beneficiar outros partidos aliados no plano municipal.

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26

No exame dos efeitos das variáveis redistributivas e técnicas, observamos grande

congruência em todo o período analisado, com diferença de ênfases entre os governos, se

comparamos os coeficientes. Municípios mais ricos, com maior arrecadação tributária per

capita ou maior renda per capital, são mais beneficiados com recursos de TVU, sendo que

isto ocorre com maior ênfase no governo Lula. Contudo, são os municípios mais

beneficiados com o Fundo de Participação dos Municípios, nossa variável “proxy” para

redistribuição, os que mais recebem recursos de TVU, e isto também é enfatizado no

governo Lula. A explicação para estes achados parece estar no fato que o governo federal

busca conciliar o atendimento às demandas de infraestrutura urbana dos grandes

municípios, destaque para as capitais, com uma postura redistributiva em favor dos

municípios mais pobres. A capacidade técnica de responder às exigências para celebração

e execução de convênios também é outro aspecto considerado que beneficia os municípios

mais ricos. Os dados descritivos apresentados na seção 2 já apontavam algo nesta direção.

Vimos que as capitais são as mais beneficiadas com recursos de TVU per capita, mas

também que a TVU per capita tende a favorecer regiões mais carentes, Norte e Nordeste, e

municípios que tem menor renda per capita e maior participação no FPM (tabelas 2 e 3).

As diferenças entre os governos nacionais são apenas de ênfase e podem estar associadas

ao maior volume de recursos destinado aos municípios pelo governo Lula e, também, a

programas de governo associados às TVU, além de outras variáveis que não foram

contempladas neste trabalho.

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Tabela 5

Determinantes do Volume de Recursos de Transferências Voluntárias da União Recebido

pelos Municípios Brasileiros

(1995-2010)

Variável Dependente: TVU per capita recebido pelos estados, em logaritmo

Variáveis Independentes Modelo 1 Modelo 2

Prefeito é do partido do presidente 0.169***

(0.0230) -

Prefeito é de partido da coalizão nacional - -0.0278**

(0.0127)

Votação do presidente no município 0.00545***

(0.000358)

0.00462***

(0.000366)

Ano eleitoral presidente - -0.0177

(0.0118)

Ano eleitoral prefeito 0.111***

(0.0125) -

Participação do partido do prefeito na

distribuição ministerial de TVU anual - %

0.00378***

(0.000477)

0.00515***

(0.000418)

Receita tributária per capita 0.196***

(0.0103) -

PIB per capita 0.398***

(0.0242)

FPM per capita 0.603***

(0.0139)

0.701***

(0.0106)

Constante -1.193***

(0.0568)

-1.738***

(0.0543)

N 56.946 55.117

R2 0,1643 0,1641

Obs. Erro padrão entre parênteses.

*** Significativo a 1%; ** significativo a 5%; * significativo a 10%

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Tabela 6

Determinantes do Volume de Recursos de Transferências Voluntárias da União Recebido

pelos Municípios Brasileiros, por presidência

(FHC 1995 a 2002; Lula - 2003 a 2010)

Variável Dependente: TVU per capita recebido pelos estados, em logaritmo

Variáveis Independentes FHC Lula

Modelo 3 Modelo 4 Modelo 5 Modelo 6

Prefeito é do partido do

presidente

0.109***

(0.0423) -

0.330***

(0.0390) -

Prefeito é de partido da

coalizão nacional -

-0.0516**

(0.0251)

-0.0678***

(0.0183)

Votação do presidente no

município

0.0204***

(0.00107)

0.0237***

(0.00107)

-0.000890

(0.000546)

0.000370

(0.000574)

Ano eleitoral presidente - -0.0534***

(0.0195) -

0.0125

(0.0147)

Ano eleitoral prefeito 0.320***

(0.0204) -

-0.0861***

(0.0148) -

Participação do partido do

prefeito na distribuição

ministerial de TVU anual - %

-0.00421***

(0.000869)

-0.00375***

(0.000747)

0.00476***

(0.000620)

0.00826***

(0.000630)

Receita tributária per capita 0.240***

(0.0212) -

0.535***

(0.0186) -

PIB per capita - 0.315***

(0.0419) -

0.669***

(0.0426)

FPM per capita 0.310***

(0.0238)

0.353***

(0.0234)

0.996***

(0.0239)

1.182***

(0.0235)

Constante -0.566***

(0.106)

-0.749***

(0.114)

-4.622***

(0.114)

-5.022***

(0.134)

N 25.331 25.326 31.615 29.791

R2 0,085 0,0726 0,2155 0,1713

Obs. Erro padrão entre parênteses.

*** Significativo a 1%; ** significativo a 5%; * significativo a 10%

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Considerações Finais

Este artigo buscou apresentar e explicar a distribuição de recursos de

Transferências Voluntárias da União aos municípios brasileiros no período de 1995 a 2010,

o que compreende os dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso e do

presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Dada a discricionariedade e protagonismo do Executivo nacional na distribuição

das TVU, recursos atraentes para os municípios ampliarem seus gastos, em um contexto

marcado pelo engessamento orçamentário com despesas correntes e obrigatórias, o

trabalho buscou verificar se três conjuntos de fatores importavam na destinação destes

recursos aos entes locais: políticos, redistributivos e técnicos. Para tal análise, foi

construído um banco de dados com valores de TVU destinados aos municípios via

convênios, por ano, e com variáveis independentes de caráter político, econômico e social.

Foram estabelecidos 6 modelos para análise de regressão estatística, que buscaram testar o

impacto de variáveis distintas sobre o recebimento de TVU per capita pelos municípios e

diferenciar os governos de FHC e Lula.

Os resultados encontrados apontam que fatores políticos interferem na distribuição

de TVU aos municípios, sendo que os entes locais mais beneficiados são aqueles que são

governados por prefeitos do mesmo partido do presidente; que ofertaram mais voto ao

presidente por ocasião de sua eleição; que estão em ano de eleições municipais; ou que têm

ministros do partido do prefeito controlando órgãos com muitos recursos de TVU.

No aspecto redistributivo, verificamos algo que encerra certa contradição, são

melhores contemplados com as TVU os municípios mais ricos, com maior receita

tributária per capita ou maior renda per capita, e também os mais pobres, aqueles mais

beneficiados pelo Fundo de Participação dos Municípios. Contudo, isto pode ser explicado

se consideramos que fatores de demanda, técnicos e redistributivos podem ser conciliados

na distribuição de TVU. Por um lado, pode-se afirmar que os mais ricos são beneficiados

porque apresentam maior capacidade técnica para celebrar e executar convênios e porque

são os principais demandantes de investimentos em obras públicas, um dos destinos

preferenciais das TVU. Por outro lado, isto não impede o governo federal de beneficiar os

mais pobres, principalmente quando os recursos se referem às políticas sociais, como as

conduzidas pelos Ministérios da Educação e do Desenvolvimento Social e Combate à

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Fome. Isto pode significar que municípios intermediários, nem tão ricos ou tão pobres, são

preteridos, algo que merece novas análises para melhor precisão.

Em trabalho que analisa a distribuição de TVU para estados, Soares e Neiva (2012)

encontraram alguns resultados similares aos aqui observados. Governadores do partido do

presidente e estados com menor IDH foram mais beneficiados na distribuição estadual de

TVU no período de 1997 a 2008. Isto enfatiza a perspectiva que fatores políticos e sociais

operam na definição do destino subnacional de recursos fiscais discricionários da União.

Os modelos da tabela 6, acima, apontam diferenças nos governos FHC e Lula na

distribuição de TVU aos municípios. O segundo presidente privilegiou os entes locais na

destinação destes recursos e parece ter operado mais sob a lógica do alinhamento partidário

local e nacional. Assim, no governo Lula, não se mostrou relevante a votação que o

presidente recebeu nos municípios, mas foi importante o alinhamento partidário do prefeito

com o presidente e os ministros que controlaram recursos expressivos de TVU. Contudo,

períodos e governos distintos configuram diferentes conjunturas econômicas; estruturas e

funcionamentos ministeriais; programas de governo e lógicas eleitorais e partidárias. Estes

aspectos são abrangentes e complexos e não são passíveis de captação nos limites deste

trabalho. Assim, eles instigam novas investigações para aprofundar o entendimento das

transferências voluntárias da União na dinâmica federativa brasileira atual.

Por fim, vale destacar a alta significância estatística das variáveis utilizadas nos

modelos e a congruência da maioria das variáveis nos dois governos presidenciais. O que

reforça a perspectiva adotada para o entendimento da distribuição de TVU aos municípios,

sem deixar de recomendar novos e mais amplos estudos.

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