relatório de campo aitana salgado

9
SÃO PEDRO DE JOSELÂNDIA E AS ÁGUAS, UMA PERCEPÇÃO DOS SEUS HABITANTES Relatório de campo de Aitana Salgado Carmona. Março 2012

Upload: aitanabrasil

Post on 05-Aug-2015

667 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

Page 1: Relatório de campo Aitana Salgado

SÃO PEDRO DE JOSELÂNDIA E AS ÁGUAS, UMA PERCEPÇÃO DOS SEUS HABITANTES

Relatório de campo de Aitana Salgado Carmona. Março 2012

Page 2: Relatório de campo Aitana Salgado

Entre os dias 15 a 18 de março de 2012 um grande número de pesquisadores do GPEA chegamos novamente na comunidade pantaneira de São Pedro de Joselândia, carregados de perguntas, canetas, papeis, câmeras fotográficas e muita curiosidade por saber sobre a realidade socioeconômica do lugar e outras temáticas de pesquisa individual. No meu caso quis conhecer a percepção dos moradores em relação às águas.

Page 3: Relatório de campo Aitana Salgado

Os ciclos estão mudando. Antigamente a enchente começava em janeiro e no mês de maio era a vazante e o pique era no mês de março. Este ano não tem quase água (Edenir de Arruda, 64 anos). O pantanal já mudou bastante. Este ano a água está diferente, este ano está seco, estamos prevendo uma seca muito grande. Aqui em casa fica uma ilha e este ano não. O homem está mexendo com a natureza com desmatamento e queimadas. No 2010 o pantanal queimou muito. O mês de março é sempre o mês que mais chove e este ano não (Benedito José da Silva, 46 anos).

O que você poderia me falar sobre o ciclo das águas nesta comunidade?

Page 4: Relatório de campo Aitana Salgado

Como as águas condicionam sua vida em cada estação?

A cheia é bom porque vamos tomar banho no corixo, vamos pescar, brincamos de pega pega dentro da água, briga de galo, esconde esconde debaixo da água. Também andamos de canoa. Na vazante a água vai e chega a seca. A seca é ruim porque todo o mundo reclama que não chove, que fica no sol quente trabalhando. Na seca também se anda de cavalo, mas também na cheia (Thiago Correia Silva, 13 anos). Na cheia tem água em abundância. Na seca a gente se torna independente dos poços, a gente procura economizar a água, se usa muito diminui o lençol freático (Benedito José da Silva, 46 anos). Varia mais no transporte, na seca vou de carro, na chuva de barco e como eu não sei nadar tenho medo. Também adoro tomar banho no corixo mas no começo da chuva tem que esperar porque vem muita água suja. Na seca tem muita poeira, até muitas pessoas ficam sem água pois o poço seca (Patrícia Adevícula da Silva, 15 anos).

Page 5: Relatório de campo Aitana Salgado

Qual é a sua opinião sobre a qualidade das águas?

É ótima. Os pesquisadores falaram que as águas são todas contaminadas. Nós bebemos água das nascentes, onde estão os girinos, quando vamos no mato. Aqui nunca deu diarreia e talvez é porque o pantaneiro é de ferro. Mas tem muitas pessoas que divergem em relação a opinião sobre as águas (Edenir de Arruda, 64 anos) É boa, não é potável mas é boa. O problema da água na cheia é que vem resíduos de tudo quanto é canto e somos receptores, a água já não está 100% pura. A gente ferve a água e filtra. O pantaneiro ainda tem costume de beber água das lagoas e corixos. Aqui não tem saneamento básico, nem rede de esgoto. A prefeitura nos abandonou (Benedito José da Silva, 46 anos).

Page 6: Relatório de campo Aitana Salgado

Para mim que nasci e criei aqui mudou muito. Aqui tinha fartura de peixe, hoje já fica em Cuiabá. Quem vive do peixe na comunidade acha que está bom mas antes era mais. [...]Agora só comemos peixe comprado porque vamos pescar e voltamos do mesmo jeito. Antes era só canoa, agora tem barco e rabeta que facilita. A primeira vez que eu fui para Barão foi de canoa e demoramos quatro dias. Antes tinha mais pássaros, caça, hoje já acabou e as pessoas destroem e não tem a lei para punir o que está errado. Tinha muito pato bravo, cabeça seca, aracuã, mutum... e como o povo atira neles, eles vão embora. Não tem fiscalização (Benedito Paulino da Silva, 84 anos). O desmatamento no norte se sofre aqui. O rio está assoreando por causa da erosão (Edenir de Arruda, 64 anos). A paisagem também mudou, aqui havia fartura, o homem tirava só o que era para o nosso sustento (Benedito José da Silva, 46 anos).

Você percebeu alguma mudança no ciclo da água nos últimos anos?

Page 7: Relatório de campo Aitana Salgado

Você já ouviu falar de mudança climática?

Esse desmatamento é que traz a mudança climática, não tenho dúvida nenhuma. Esse desmatamento é o que está trazendo nos campos de soja o uso da água e o uso de agrotóxico (Edenir de Arruda, 64 anos). Mato Grosso é pioneiro em agronegócio e isso traz mais prejuízo, mais agrotóxico. O milho e a soja estão invadindo o Cerrado (Benedito Paulino da Silva, 46 anos).

Page 8: Relatório de campo Aitana Salgado

É por demais de grande a natureza de Deus. Eu queria fazer para mim uma naturezinha particular. Tão pequena que coubesse na ponta do meu lápis. Fosse ela, quem me dera, só do tamanho do meu quintal. No quintal ia nascer um pé de tamarino apenas para uso dos passarinhos. E que as manhãs elaborassem outras aves para compor o azul do céu. E se não fosse pedir demais eu queria que no fundo corresse um rio. Na verdade na verdade a coisa mais importante que eu desejava era o rio. No rio eu e a nossa turma, a gente iria todo dia jogar cangapé nas águas correntes. Essa, eu penso, é que seria a minha naturezinha particular: Até onde o meu pequeno lápis poderia alcançar. Manoel de Barros

Page 9: Relatório de campo Aitana Salgado

Um agradecimento muito especial a todas as pessoas entrevistadas: Edenir, Thiago, Benedito José, Benedito Paulino, Patrícia e a todos os habitantes de Joselândia pela sua hospitalidade e simpatia. Também aos meus companheiros de pesquisa com os que tanto aprendo: Mimi, Adri, Giseli, Herman, Sonia, Lushy, Fátima, Rosana, Camila, Iara, Péricles e Luigi. Foi ótimo estar com vocês nesses dias!!