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Relatório de acidente de Mergulho Local do acidente: caverna Ceita Core, Bonito, MS Data do acidente: 20 de agosto de 2002 Mergulhadores acidentados: Marcus Werneck e Luis Toledo Equipe de apoio: Ismael Escote, Jayme Planas Navarro, Edmundo da Costa Júnior; Leandro Dybal Bertoni, Danilo Allegrini, Valfredo Pires Jr., Sérgio Costa Nível de treinamento: Marcus Werneck - PDIC Instructor Trainer; Instrutor GUE Cave 1, 2 e Tech 1, 2, e 3; Mergulhador RB-80 Luis Toledo - Mergulhador GUE Cave 2, Tech 3, RB-80 Ismael Escote - Instrutor NAUI, PDIC; Full cave diver, Trimix diver Jayme Planas Navarro - Full cave diver; Trimix diver Sérgio Costa - Mergulhador GUE Cave I; Fotógrafo Sub Edmundo da Costa Júnior - Instrutor PADI, SSI, GUE Cave 1 e Tech 1, Instrutor TDI Trimix Leandro Dybal Bertoni - Mergulhador GUE Cave 2, Tech 1; Mergulhador SSI Stress e Rescue Danilo Allegrini - Mergulhador GUE Cave 1, Tech 1; Mergulhador SSI Stress e Rescue Valfredo Pires Jr - Mergulhador GUE Cave 1, Tech 1; Instrutor PADI Equipamento Relevante utilizado por ambos Halcyon RB-80 com dupla de S80, stages S80 e S40 Cilindro de argônio de 14 cuft 2015 psi, com argônio Roupa DUI TLS350 Undergarment DUI Polartec 300 Capuz 5 mm Misturas utilizadas Misturas Profundidade máxima Calculadas Analisadas Fundo 160 m TMX 8/77 TMX 8.0/77.8 Intermediária 66 m TMX 20/45 TMX 20.1/45 Deco EAN 50 21 m EAN 50 EAN 51 Deco O 2 6 m 100% O 2 98.3% O 2 A composição das misturas respiratórias foi analisada após o mergulho e não mostrou nenhum desvio significativo.

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Relatório de acidente de Mergulho Local do acidente: caverna Ceita Core, Bonito, MS Data do acidente: 20 de agosto de 2002 Mergulhadores acidentados: Marcus Werneck e Luis Toledo Equipe de apoio: Ismael Escote, Jayme Planas Navarro, Edmundo da Costa Júnior; Leandro Dybal Bertoni, Danilo Allegrini, Valfredo Pires Jr., Sérgio Costa Nível de treinamento: • Marcus Werneck - PDIC Instructor Trainer; Instrutor GUE Cave 1, 2 e Tech 1, 2, e 3;

Mergulhador RB-80 • Luis Toledo - Mergulhador GUE Cave 2, Tech 3, RB-80 • Ismael Escote - Instrutor NAUI, PDIC; Full cave diver, Trimix diver • Jayme Planas Navarro - Full cave diver; Trimix diver • Sérgio Costa - Mergulhador GUE Cave I; Fotógrafo Sub • Edmundo da Costa Júnior - Instrutor PADI, SSI, GUE Cave 1 e Tech 1, Instrutor TDI

Trimix • Leandro Dybal Bertoni - Mergulhador GUE Cave 2, Tech 1; Mergulhador SSI Stress e

Rescue • Danilo Allegrini - Mergulhador GUE Cave 1, Tech 1; Mergulhador SSI Stress e Rescue • Valfredo Pires Jr - Mergulhador GUE Cave 1, Tech 1; Instrutor PADI Equipamento Relevante utilizado por ambos • Halcyon RB-80 com dupla de S80, stages S80 e S40 • Cilindro de argônio de 14 cuft 2015 psi, com argônio • Roupa DUI TLS350 • Undergarment DUI Polartec 300 • Capuz 5 mm Misturas utilizadas Misturas Profundidade

máxima Calculadas Analisadas

Fundo 160 m TMX 8/77 TMX 8.0/77.8 Intermediária 66 m TMX 20/45 TMX 20.1/45 Deco EAN 50 21 m EAN 50 EAN 51 Deco O2 6 m 100% O2 98.3% O2 A composição das misturas respiratórias foi analisada após o mergulho e não mostrou nenhum desvio significativo.

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Mergulho e procedimentos de resgate adotados Intervalo de superfície antes deste mergulho: 45:50 horas Entrada na água aproximadamente às 12:00 Saída da água:

• Marcus Werneck - aproximadamente 16:00 • Luis Toledo - aproximadamente 16:45

Perfil do mergulho O gráfico abaixo representa tanto o perfil planejado através do software V-Planner como também o perfil efetivamente executado, extraído dos computadores Vyper funcionando em modo instrumento que ambos os mergulhadores estavam utilizando.

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• Profundidade máxima: 151 metros • Tempo de fundo até o início da subida: 30 minutos • 66m troca para TMX 20/45 - aos 59 minutos de mergulho • 23m troca para EAN 50 - aos 123 minutos de mergulho • 6m troca para Oxigênio 100%:

• Marcus Werneck - 53 min entre 6 e 3 metros • Luis Toledo - 88 minutos entre 6 e 3 metros

Mergulhadores preparando-se para iniciar o mergulho

Descrição do Acidente Segundo o depoimento de Marcus Werneck e Luiz Toledo, o início do mergulho transcorreu sem nenhum contratempo e eles fizeram a descida na caverna Ceita Core de acordo com o planejamento executado. Decorridos 30 minutos de mergulho, iniciaram os procedimentos de subida, quando então Marcus Werneck percebeu um pequeno vazamento em sua roupa seca, provavelmente através do selante de pescoço. Ambos relatam que durante a subida não executaram os procedimentos de “lavagem” do contra-pulmão dos rebreathers RB80 até atingirem a profundidade da primeira troca de gases (66 m). Relataram também que não se recordam claramente dos acontecimentos deste trecho do mergulho e que em certos momentos a respiração se tornou “pesada”. Ainda de acordo com o relato de ambos, ao se aproximarem da profundidade de 40 m, Luiz Toledo queixou-se de dificuldade em coordenar os movimentos dos membros inferiores. Marcus Werneck então iniciou uma extensão dos tempos das paradas descompressivas e, ao chegar à profundidade apropriada, auxiliou-o a estabilizar sua posição em um recesso da caverna e realizou a troca de gases para Luiz Toledo, iniciando a utilização de EAN50.

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Decorridos 100 minutos do início do mergulho da equipe profunda, uma equipe de apoio “raso”, formada por Leandro, Valfredo e Danilo dirigiu-se ao ponto de “rendez-vous” previamente combinado, na parada dos 22m. Ao atingirem a profundidade combinada, constataram que Marcus Werneck e Luiz Toledo ainda encontravam-se abaixo dos 30m, aparentemente concentrados no levantamento dos dados topográficos. A equipe de apoio optou por permanecer por volta dos 20m, aguardando a subida da equipe de fundo. Um segundo time, formada pelo fotógrafo Sérgio Costa e pelo mergulhador Ismael Escote passou pela equipe de apoio e dirigiu-se aos mergulhadores mais abaixo, onde tiraram várias fotografias durante os 20 minutos seguintes. A equipe fotográfica deixou a caverna logo em seguida. Passados cerca de 25 minutos de mergulho da equipe de apoio, e constatando que o time de fundo ainda demoraria para atingir a parada dos 22m, os três mergulhadores iniciaram a sua saída. Encontraram com Edmundo já na boca da caverna, preparando para entrar com Ismael para o suporte mais profundo ou prolongado. Quando a equipe de apoio de fundo (Ismael e Edmundo) encontrou os dois mergulhadores que se acidentaram, realizando a parada dos 22m, Marcus Werneck os avisou que Luis Toledo referia não sentir as pernas, e solicitou que os procedimentos de emergência fossem iniciados, incluindo trazer o oxigênio disponível para os 6m e ter a máscara full face pronta. Ao chegar aos 18 metros, MW relata que sentiu forte vertigem, decidindo atravessar a restrição existente na caverna violando as paradas dos 18 aos 9 metros. Segundo MW, sua roupa seca deve ter-se inundado neste momento, provavelmente durante seu esforço em vencer esta restrição. Já do lado de fora da restrição ambos os mergulhadores foram recebidos por Edmundo da Costa Jr, que ficou com eles durante toda a descompressão com oxigênio. Neste ponto, Luis Toledo aparentava estar bastante melhor, sendo capaz de nadar e gerenciar seus procedimentos de descompressão. Após 53 minutos de descompressão com oxigênio puro, MW saiu da água, sendo amparado pela equipe que os aguardava, onde foi completamente desequipado e deitado na ponte sobre a boca da caverna, onde teve sua roupa seca removida. Descobriu-se nesse momento que a roupa estava completamente alagada e sintomas de hipotermia puderam ser observados (desorientação, ausência de coordenação e força, baixíssima temperatura corpórea, extremidades e lábios arroxeados, etc). Enquanto LT continuava sua descompressão entre 6 e 3 m, sob supervisão externa, MW foi removido para uma mesa situada na área de estacionamento, onde teve seu undergarment (ensopado) removido, foi agasalhado com uma blusa de lã, um undergarment seco de polartec, meias de lã e uma outra malha de lã improvisou um misto de gorro e cachecol. Inflou-se parcialmente com argônio um colchonete de casal e este foi utilizado como cobertor de emergência.

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Atendimento inicial a Marcus Werneck

Danilo Allegrini cuidou da administração de oxigênio, inicialmente com um segundo estágio padrão e, posteriormente, com uma FFM ScubaPro. Eram feitos breaks a cada 5 minutos, quando MW reportava forte enjôo e ânsia de vômito - enquanto DA mantinha a atenção constante para possível auxílio em caso de vômito ou desfalecimento, os outros mergulhadores traziam os equipamentos deixados na boca da caverna e iniciavam a desmontagem e carregamento dos veículos para que pudéssemos evacuar o lugar.

Sob pedido do MW, ir-se-ia aguardar 01 hora para decidir se seria necessária evacuação para câmara hiperbárica ou não. O acidentado entrou em contato com o médico Célio Ribeiro e expôs a situação. Ao longo do período de desmontagem e arrumação do equipamento, Edmundo Costa Jr. fez constantes

exames de sensibilidade (extremidades) e neurológicos para avaliar a condição real do acidentado. É importante salientar que o primeiro exame de pupila mostrou pouca reação e os subseqüentes mostraram uma progressiva melhora com o tempo e o reaquecimento. Ao longo de toda a ação, MW insistia para que o fotógrafo Sérgio Costa registrasse tudo o que vinha acontecendo. Há imagens digitais de uma parte do cuidado com o acidentado. MW foi levado a Bonito no veículo de Jayme Planas Navarro Jr. e LT no seu próprio veículo. Até deixarem a área de estacionamento, ambos estavam deitados no banco do passageiro. Uma vez de volta em Bonito, uma enfermaria foi improvisada no apartamento de MW, na Pousada La Paloma e tanto o Dr. Célio Ribeiro quanto a Dra. Márcia Lika foram contatados. A orientação médica para MW foi hidratação, Plasil EV 2mL e 20mL de glicose 50% para tratar a hipotermia. Para o mergulhador LT, foi indicado oxigênio e hidratação e estreita observação da evolução do quadro.

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Na enfermaria improvisada, Edmundo estava no controle dos contatos e dos procedimentos médicos. Para aplicação endovenosa, foi contatado o farmacêutico da cidade, que nos auxiliou generosamente - das recomendações médicas, a única que foi alterada foi a de 20mL de glicose, pois só havia ampolas de 10mL disponíveis na farmácia. Ambos os acidentados passaram o período total na enfermaria sob administração constante de oxigênio.

Aplicação de medicação endovenosa

O monitoramento da temperatura axilar de MW foi feito de maneira constante e a evolução das temperaturas foi conforme abaixo:

• 19h (chegada em Bonito): 35oC • 19h30 - 35,5oC • 20h - 36 oC • 20h30 - 36,5 oC

Oxigênio na Superfície

Com o aquecimento, glicose e hidratação, a melhora do quadro de MW após a saída do mergulho foi bastante significativa. Com o gradual agravamento do quadro de LT, foi acionada a DAN por volta de 21:30 horas, na figura de seu representante (Dr. Eduardo Vinhaes), para uma evacuação aérea para uma câmara hiperbárica habilitada a lidar com acidentes de mergulho. O primeiro retorno da DAN só se deu depois às 23:30. Durante os contatos com a DAN foi questionada a possibilidade de se utilizar a câmara

hiperbárica de Campo Grande para um possível tratamento, mas segundo a DAN esta não possuiria todas as condições necessárias para um tratamento de acidente hiperbárico de mergulho. Danilo Allegrini e Leandro Dybal Bertoni mudaram-se para o quarto ao lado da enfermaria, para prestar qualquer auxílio que ambos pudessem necessitar ao longo da noite que viria. Por volta das 2 horas da manhã, MW pediu que fosse solicitada também sua evacuação, pois embora os sintomas da hipotermia houvessem desaparecido, continuava sem coordenação fina e força nas pernas. Leandro entrou em contato novamente com a DAN e estes solicitaram que levássemos ambos ao hospital, para oxigenoterapia e hidratação endovenosa. Este procedimento foi atendido. Com ambos os mergulhadores já no hospital local, o Dr. Célio Ribeiro foi novamente contatado e pediu que transferíssemos ambos para Campo Grande (Hospital do Proncor), onde já haveria a solicitação de um jato médico da Amil, convênio de MW, para remoção

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deste, que havia se mostrado em um quadro mais grave de DD que LT. Os arranjos para a remoção foram feitos pela equipe que havia ficado de prontidão à noite e foi contatado Ismael Escote, que colocou o seu carro e garrafas cheias de oxigênio a disposição. Por volta das 6 horas da manhã, a DAN novamente entrou em contato, sendo informados que os acidentados estavam sendo removidos para a capital, onde haveria transporte para MW através de seu convênio. Houve reclamação por parte da DAN por não terem sido informados e reclamação de nossa parte por não sabermos o que estava sendo preparado - a decisão de evacuação para Campo Grande fora tomada com base nos elementos que tínhamos em mãos - 2 mergulhadores piorando e uma remoção aérea disponível na capital. Durante essa ligação da DAN, houve a primeira menção concreta a uma evacuação aérea por parte deles (em torno de 8 horas após a solicitação). Em todos os outros contatos anteriores, com cada uma das diferentes pessoas com quem a DAN manteve contato, houve apenas coletas de informações sobre o mergulho, recomendações para levá-los ao hospital e recomendações para eventuais remoções apenas com ambulância (mas nenhuma informação sobre providências para essa remoção de ambulância). Os mergulhadores acidentados deram entrada no Proncor de Campo Grande (oxigenoterapia e hidratação novamente) por volta das 8 horas da manhã do dia 21 de agosto. O Dr. Célio Ribeiro e a DAN foram contactados e as remoções aéreas começaram a ser coordenadas novamente. Após a chegada em Campo Grande, os esforços coordenados pela DNA, pelo Dr. Célio Ribeiro e o suporte local pareciam finalmente estar andando na mesma direção. Os vôos de ambos chegaram com intervalos de 40 minutos. O vôo da Amil trouxe médico e enfermeiro, mas precisou dispor de Ismael Escote como condução para o hospital e da ambulância do hospital como condução para o Aeroporto. Cerca de 1 hora depois, chegou a ambulância com os médicos do vôo de LT, providenciada pela Líder, para a última evacuação. Entre 13h e 13h30 da quarta-feira ambos saíram da clínica em direção ao aeroporto. Os mergulhadores MW e LT chegaram ao aeroporto de Santos Dumont, no Rio de Janeiro, por volta das 17:00 do dia 21 de agosto, sendo ambos transferidos para a Base Naval de Mocanguê via ambulância. O tratamento hiperbárico iniciou-se no mesmo dia, por volta das 20:00. A tabela abaixo reflete o tratamento a que ambos foram submetidos. Data Tratamento Tempo total na

Câmara Hiperbárica Tempo total em Oxigênio

21/08/2002 Tabela 06 com extensões 8 horas 7 horas 23/08/2002 Tabela 06 5 horas 4 horas 24/08/2002 O H B de 60/90 1.5 horas 1.25 horas 25/08/2002 O H B de 60/90 1.5 horas 1.25 horas 26/08/2002 O H B de 60/90 1.5 horas 1.25 horas 27/08/2002 O H B de 60/90 1.5 horas 1.25 horas TOTAL 19 horas 16 horas