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A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO COTIDIANO DO PEDAGOGO ESCOLAR Lourdes Margareth Calvi 1 Maria Cristina Gomes Machado² Resumo O presente estudo consiste na reflexão acerca da organização do trabalho cotidiano do pedagogo nas instituições escolares. O objetivo é propor um planejamento para o trabalho do pedagogo, partindo do pressuposto de que não há construção isolada de um projeto de escola, de educação e de sociedade. Esse processo deve ser coletivo e permanente, exigindo a participação da comunidade escolar no debate, para agir, intervir e lançar desafios, contribuindo com a busca de novos conhecimentos e práticas para a construção da escola pública com mais qualidade. Assim, a organização do trabalho pedagógico deve estar vinculada à construção cotidiana do Projeto Político Pedagógico, ao debate acerca do modelo de gestão escolar e à formação continuada dos profissionais da educação. Palavras-chave: gestão democrática; formação continuada; planejamento Abstract The organization of the pedagogue’s daily work in school institutions is provided. The paper’s aim is a planning proposal for the pedagogue’s work foregrounded on the fact that there is no isolated construction for a project on schooling, education and society. In fact, it is a collective and permanent process which requires the participation of the school community in activities, interventions and challenges. The above will contribute towards deeper knowledge and new practices in the construction of a quality public school. The organization of pedagogical work should be thus linked to the daily construction of the Pedagogical Political Project, to the debate on school administration model and to the continual formation of educational professionals. Key words: democratic management; continual formation; planning. 1 Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá. Professora Pedagoga da rede pública de ensino do Estado do Paraná. ² Professora Doutora Maria Cristina Gomes Machado, orientadora PDE - UEM

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A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO COTIDIANO DO PEDAGOGO ESCOLAR

Lourdes Margareth Calvi1

Maria Cristina Gomes Machado²

Resumo

O presente estudo consiste na reflexão acerca da organização do trabalho cotidiano do pedagogo nas instituições escolares. O objetivo é propor um planejamento para o trabalho do pedagogo, partindo do pressuposto de que não há construção isolada de um projeto de escola, de educação e de sociedade. Esse processo deve ser coletivo e permanente, exigindo a participação da comunidade escolar no debate, para agir, intervir e lançar desafios, contribuindo com a busca de novos conhecimentos e práticas para a construção da escola pública com mais qualidade. Assim, a organização do trabalho pedagógico deve estar vinculada à construção cotidiana do Projeto Político Pedagógico, ao debate acerca do modelo de gestão escolar e à formação continuada dos profissionais da educação.

Palavras-chave: gestão democrática; formação continuada; planejamento

Abstract

The organization of the pedagogue’s daily work in school institutions is provided. The paper’s aim is a planning proposal for the pedagogue’s work foregrounded on the fact that there is no isolated construction for a project on schooling, education and society. In fact, it is a collective and permanent process which requires the participation of the school community in activities, interventions and challenges. The above will contribute towards deeper knowledge and new practices in the construction of a quality public school. The organization of pedagogical work should be thus linked to the daily construction of the Pedagogical Political Project, to the debate on school administration model and to the continual formation of educational professionals.

Key words: democratic management; continual formation; planning.

1 Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá. Professora Pedagoga da rede pública de ensino do Estado do Paraná.² Professora Doutora Maria Cristina Gomes Machado, orientadora PDE - UEM

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1 Introdução

O objeto deste estudo consiste na reflexão acerca da organização do

trabalho cotidiano do pedagogo nas instituições escolares. Para o

desenvolvimento de nossa argumentação, cujo objetivo é propor elementos

para a reflexão acerca do planejamento do trabalho do pedagogo escolar,

partimos do pressuposto de que a organização do trabalho pedagógico na

escola implica refletir, discutir e explicitar os fins da educação escolar.

A proposta justifica-se, porque consideramos que a organização

pedagógica, estabelecida coletivamente pela comunidade escolar a partir das

reflexões, discussões e tomadas de decisões, depende das características

dessa comunidade e deve estar registrada no Projeto Político Pedagógico (PPP).

Entendemos que não há construção isolada de um projeto de escola, de

educação e de sociedade, é necessário que o processo seja coletivo e

permanente, exigindo a participação da comunidade escolar no debate, para

agir, intervir e lançar desafios, contribuindo com a busca de novos

conhecimentos e práticas para a construção da escola pública com mais

qualidade.

A importância e a necessidade de a escola construir o seu projeto

político pedagógico têm sido enfatizadas com bastante freqüência pela

literatura pedagógica, preocupada, sobretudo, com a democratização dos

espaços escolares e a articulação da escola com a sociedade. A discussão

coletiva, na construção do projeto político pedagógico, é referência importante

para que vários segmentos da escola descubram formas de participação,

muitas vezes, ainda não percebidas por eles. Além disso, pode levar os

indivíduos a constatarem que é possível interferir nas decisões que vão

orientar a organização do trabalho pedagógico como um todo.

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Assim, a organização do trabalho pedagógico deve estar vinculada ao

debate acerca do modelo de gestão escolar; da construção cotidiana do Projeto

Político Pedagógico; da tomada de decisões nas instâncias colegiadas; da

formação continuada dos profissionais da educação; da transparência do uso

dos recursos públicos na escola; do acompanhamento da relação entre alunos,

funcionários, professores, direção, pais e comunidade; das questões, como

evasão, repetência, baixo rendimento escolar, atendimento às pessoas com

necessidades educativas especiais e questões étnico-raciais; da formulação e

aplicação do Regimento Escolar e do cumprimento do Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA).

Por considerar que o trabalho do pedagogo consiste em atuar

efetivamente em todas essas questões que estão relacionadas com o

pedagógico, com o exercício cotidiano de busca de coerência entre a teoria e a

prática, é necessário que ele elabore um planejamento, estabelecendo planos

de trabalho a curto, médio e longo prazo. Dessa forma, o foco deste texto é a

reflexão acerca do planejamento do pedagogo escolar, considerando a

necessidade de sua articulação com as estratégias de organização das

atividades cotidianas da escola.

2 O dia-a-dia do pedagogo escolar

O cotidiano escolar deve ser organizado em função da aprendizagem e

do sucesso escolar do aluno, que se concretiza com base em diferentes

práticas educativas decorrentes da proposta curricular da escola. Entretanto,

ao nos inserirmos no cotidiano escolar, surgem vários questionamentos e,

dentre eles, o mais instigante: Como promover as mudanças na educação?

Certamente, a resposta para essa indagação não é facilmente encontrada,

precisa ser constantemente investigada e ampliada, em função de diversas

situações problemáticas. Para tanto, é necessário identificar os desafios do

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cotidiano, isso pode ser feito mediante a investigação da própria ação e o

registro sistemático desse fazer, utilizando estratégias que possibilitem a

problematização, a busca e o compartilhamento de soluções.

Um dos questionamentos, feito constantemente em relação a essa

mudança, trata da organização do trabalho pedagógico. Como pode ser

organizado o trabalho pedagógico para que a escola cumpra sua função? Já

consideramos, anteriormente, que é função do pedagogo atuar efetivamente

em todas as questões que estão relacionadas com o pedagógico e com o

exercício cotidiano de busca de coerência entre a teoria e a prática.

O propósito, neste texto, não é recuperar a história e os percalços que

cercaram a existência e o exercício de dois profissionais dentro da escola − o

Orientador Educacional e o Supervisor Escolar. Entretanto, é importante

lembrar que o cotidiano de muitas escolas foi marcado pela presença desses

dois profissionais. O Supervisor, que atendia aos professores, e o Orientador,

que atendia aos alunos. Nesse atendimento, estavam envolvidas ações como

supervisionar, acolher, orientar, mas, também, vigiar, cobrar, punir e ameaçar.

Dessa forma, cada profissional cumpria suas funções, tarefas e atividades

separadamente. O ambiente e o trabalho eram fragmentados e nenhum deles

tinha a visão de conjunto da escola, conseqüentemente, das ações

educacionais e pedagógicas que possibilitariam a formação do aluno, que

deveria ser visto por inteiro (PLACCO, 2002).

A herança histórica do pedagogo como controlador do processo escolar

foi substituída pela atuação de um multitarefa, um “faz tudo”. Na imposição do

fazer tudo, a tarefa principal, que é a organização do trabalho pedagógico, fica

em segundo plano. Torna-se difícil realizar a organização do trabalho

pedagógico e atender às necessidades urgentes da escola, a que chamamos

de rotina escolar. Todos os dias, o pedagogo é solicitado para a verificação de

uniformes, de alunos atrasados, dos que fogem da sala de aula, das discussões

entre professor e aluno, das agressões entre alunos, das agressões verbais

entre aluno e professor e, sobretudo, para a tentativa de controlar a

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indisciplina na sala de aula. Tarefas rotineiras e de difícil solução diante da

forma de atuação cotidiana do “apagar incêndios”.

Em ambas as situações apontadas anteriormente, o trabalho do

pedagogo é fragmentado. De acordo com Acácia Kuenzer (2002, p. 48), “[...] a

divisão do trabalho escolar tem origem na separação entre a propriedade dos

meios de produção e a força de trabalho, e não na divisão técnica do

trabalho”. Para essa autora, a fragmentação do trabalho pedagógico,

particularmente, no âmbito do taylorismo/fordismo (que tem as linhas de

produção com tarefas bem definidas), ou seja, a divisão técnica, no

capitalismo, não é causa, mas sim conseqüência da contradição fundamental

entre capital e trabalho. Então, “[...] a origem da fragmentação do trabalho

não é a divisão técnica, mas sim a necessidade de valorização do capital, a

partir da propriedade privada dos meios de produção” (KUENZER, 2002, p. 49).

A superação da fragmentação do trabalho pedagógico não é uma

questão meramente técnica que pode ser resolvida com outras formas de

organização do trabalho, como as do toyotismo, que substituem as linhas de

produção por células de produção, no qual a especialização é substituída pela

multitarefa. Na escola, os especialistas – administrador, orientador e

supervisor – seriam substituídos pelos pedagogos unitários, profissionais

multitarefa. Segundo Kuenzer (2002, p. 54), isso não seria suficiente para a

escola deixar de ser capitalista, “[...] a superação, portanto, da fragmentação

do trabalho pedagógico só será possível se superada for a contradição entre

propriedade dos meios de produção e força de trabalho”.

Isso não significa que devemos aceitar as formas de fragmentação. É

muito importante que sejam desveladas as formas de divisão de trabalho. Para

tanto, o trabalho pedagógico deve ser organizado, por meio de decisões e

estratégias internas à escola, com clareza sobre seus limites. Nessa tarefa, os

profissionais da educação devem buscar compreender como a fragmentação

se faz presente no modo de organização do trabalho, mesmo que não existam

mais especialistas, substituídos pelo pedagogo unitário.

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No enfrentamento dessa situação de divisão do trabalho dentro da

escola, experiências pedagógicas ocorreram, em vários momentos da história

recente da educação brasileira. Essas experiências pedagógicas e as práticas

delas decorrentes forjaram propostas e saídas que devem culminar na

proposição de um trabalho diferenciado dos profissionais da educação. No

cotidiano da escola, de forma coletiva e integrada, docentes e não docentes

devem enfrentar as dicotomias impostas a um processo que é uno - a

orientação e a construção da prática escolar, voltada para a formação do aluno

(PLACCO, 2002).

Nesse contexto, o pedagogo escolar defronta-se diariamente com uma

série de situações conflitantes e imprevisíveis que demandam sua atenção,

impedindo-o de discutir o trabalho a ser desenvolvido com o coletivo da escola

e de seguir um planejamento definido. Envolvido com a rotina das questões

que são “mais urgentes”, o pedagogo vê as horas, os dias, os meses passando

e a angústia aumenta, porque ele não tem tempo para a organização do

trabalho pedagógico. Envolvido no “apagar incêndios”, não percebe que

grande parte desses problemas poderia ter melhor encaminhamento, se

pensados dentro do contexto escolar e fazendo parte do planejamento desse

fazer diário. O pedagogo precisa procurar saídas e ousar com um trabalho

diferenciado para romper com as tarefas rotineiras descoladas de um projeto

maior.

Não há fórmulas, nem nos propomos aqui a receitá-las, mas tentamos

oferecer elementos suficientes para incentivar a discussão, a reflexão e

possíveis mudanças. A única certeza que temos é a de que as saídas serão

construídas coletivamente. Um trabalho coletivo envolvendo todos os sujeitos

da comunidade escolar que estabeleça pactos de relações democráticas pode

alcançar êxito no sentido de melhorar a qualidade do ensino. Nesse contexto,

propostas de mudanças se apresentam como necessárias e oportunas, quando

se propõem a melhorar os resultados da aprendizagem dos alunos, por meio

de um trabalho conjunto, consistente e coerente com as demandas.

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Por se tratar de mudanças planejadas, intencionais, voltadas para a

consolidação do trabalho pedagógico resultante de avaliações e críticas à ação

desenvolvida, o intento supõe amadurecimento de todos os profissionais da

educação. Ao pensar o processo de mudança a partir da escola, sob a

responsabilidade do pedagogo, é preciso considerar o estágio de

desenvolvimento dos professores, dos funcionários e da equipe pedagógica,

em termos de conhecimento e compreensão das bases teórico práticas em que

se baseia a prática educativa. Implica dizer que é preciso prepará-los, ajudá-los

a compreender e a analisar a sua prática à luz dos resultados quantitativos e

qualitativos. Infere-se daí a importância da formação dos educadores no

próprio local de trabalho a partir da consciência crítica da sua prática.

A prática docente como fonte de conhecimento, refletida criticamente,

pode contribuir para o processo de formação continuada dos professores. Tal

reflexão produz melhores resultados quando estimulada e conduzida pelo

pedagogo estudioso, experiente, capaz de transformar o processo de reflexão

individual em um processo coletivo, de tal forma que a busca de novos

caminhos se transforme em uma ação orientada para objetivos mais amplos,

assumidos coletivamente pelo grupo.

A ação do pedagogo, muitas vezes entendida como assessoria, constitui

a melhor solução para esse trabalho, assumindo a responsabilidade pela

formação continuada dos professores e, em certos momentos, de toda a

equipe escolar, incluindo, dentre eles, os funcionários. De acordo com Libâneo

(2004), o pedagogo é o profissional que atua em várias instâncias das práticas

educativas, direta e indiretamente ligadas à organização e aos processos de

transmissão e assimilação de saberes e modos de ação, tendo em vista

objetivos de formação humana definidos em sua contextualização histórica.

“Em outras palavras, pedagogo é um profissional que lida com fatos,

estruturas, contextos, situações, referentes à prática educativa em suas várias

modalidades e manifestações” (LIBÂNEO, 2004, p. 52).

Conceber a ação do pedagogo, centrada na formação dos profissionais

da educação, não implica o abandono das tarefas rotineiras, mas indica um

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redirecionamento do seu trabalho, cuja atenção deverá voltar-se para os

problemas que ocorrem na sala de aula, com professores e alunos, mas,

principalmente, com questões mais amplas que dizem respeito à escola,

tomando consciência das mudanças que se colocam como necessárias para a

educação. Significa pensar em pedagogos estudiosos, bem preparados,

atualizados e dinâmicos, sensíveis aos problemas dos professores e a suas

dificuldades, mas, sobretudo, preocupados com o destino dos alunos e com a

responsabilidade da escola para com a comunidade e a sociedade.

Se perguntarmos ao pedagogo escolar quais são os maiores problemas

enfrentados no seu trabalho diário, ele explanará sobre problemas com alunos

e professores. Os problemas com alunos referem-se à indisciplina, àqueles que

chegam atrasados, apresentam comportamentos violentos para com os

colegas, gazeiam aulas, não entregam atividades solicitadas, faltam nos dias

de provas, comparecem para as aulas sem uniforme, não têm organização

para os estudos ou apresentam dificuldades de aprendizagem, entre outros.

Podemos observar, nessa lista, que as dificuldades de aprendizagem e

necessidade de ajuda para a organização nos estudos são problemas

apontados, costumeiramente, por último, quando deveriam estar em primeiro

plano.

Os problemas relacionados com os professores e listados pelo pedagogo

referem-se aos que não dominam o conteúdo da disciplina que lecionam, não

avaliam coerentemente, não controlam a disciplina dos alunos em sala de

aula, chegam atrasados para o trabalho, são faltosos, lecionam em várias

escolas e não se integram ao coletivo escolar.

Entendemos que os problemas citados podem ser discutidos com

propostas coletivas de encaminhamentos, muito embora os envolvidos

considerem “seus casos” como particulares e mais urgentes. É possível discutir

os problemas rotineiros dentro de um processo organizado e planejado. Nada é

tão urgente – exceto problemas de saúde ou agressão física – que não possa

aguardar os ânimos se acalmarem e, serenamente, o problema ser discutido e

encaminhado em reuniões com propósitos bem definidos. Assim, sugerimos

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que o pedagogo, ao elaborar o planejamento do seu trabalho, contemple duas

grandes frentes articuladas − a formação continuada e a gestão democrática.

3 O planejamento

O planejamento da ação do pedagogo na escola é um avanço na

organização do trabalho pedagógico, entretanto é necessário acrescentar a ele

alguns elementos que permitam melhor compreender os limites do trabalho

pedagógico e ampliar suas possibilidades de intervenção. Sob esse ângulo, é

fundamental que o planejamento do pedagogo se oriente pelo Projeto Político

Pedagógico da escola e se articule a ele.

Em primeiro lugar, a escola elabora coletivamente o PPP, estabelecendo

os termos de sua autonomia. Ele é o instrumento pelo qual a escola se

reconhece como uma entidade autônoma e dinâmica, determinando suas

normas de funcionamento. A autonomia na organização permite a cada escola

definir sua identidade de acordo com as necessidades e o desejo de melhoria,

contribuindo, também, para efetuar a avaliação de sua gestão, entre outros

(VALLEJO, 2002). Partindo dessas premissas, o pedagogo deve elaborar o seu

planejamento, articulado com o PPP e discutindo com os demais profissionais

da escola.

Para Vallejo (2002, p. 53), “[...] o planejamento é mais um processo

contínuo que uma atividade pontual e acabada num momento temporal. Para

isso, é preciso pensar em diversos tipos de planejamento segundo sua maior

ou menor amplitude”. Ainda de acordo com o autor, as razões fundamentais

da aparição do planejamento como sistema integrado e como expressão de

diferentes momentos (especialmente a curto e longo prazo) baseiam-se nas

transformações que presenciamos em todos os âmbitos relacionados à

instituição educativa e que se manifestam na evolução das “[...] mudanças

sociais, econômicas, tecnológicas, na nova dimensão das estruturas

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competitivas, de todos os efeitos que condicionam os prazos de execução das

‘políticas e ações’ escolares a curto, médio e longo prazo” (VALLEJO, 2002, p.

56; grifo do autor). Vallejo estabelece como tempo do planejamento a curto

prazo o máximo de um ano, a médio prazo, entre um e cinco anos, e, a longo

prazo, mais de cinco anos.

É importante ressaltar que sugerimos duas frentes de atuação

articuladas com as quais o pedagogo deve se preocupar na elaboração de seu

planejamento, a formação continuada e o exercício constante da gestão

democrática. Nas duas frentes, o pedagogo engloba temas, como concepções

teóricas que estruturam o processo de ensino e aprendizagem; conhecimento

do conteúdo das disciplinas; relacionamento entre alunos e profissionais da

educação; dificuldades do professor e do aluno no domínio do conteúdo;

dificuldades no controle da disciplina em sala de aula; agressões verbais e

físicas; organização de grupos de estudos de alunos; avaliação; inclusão;

formação política para efetiva participação no Conselho Escolar, no Grêmio

Estudantil e no Conselho de Classe; estudos sobre o Regimento Escolar, o

Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDBEN) e Leis que ampliam a democracia e direitos humanos.

3.1 A formação continuada

O processo de estudo e discussão sobre a unicidade da ação do

pedagogo com os demais profissionais da educação implica refletir sobre a

escola, seus desafios atuais, o preparo dos educadores para enfrentá-los e,

finalmente, o papel do pedagogo na articulação e na parceria para que um

processo pedagógico mais adequado às necessidades de formação dos alunos

possa ser desencadeado.

A busca de maior unidade na formação continuada, tomando a escola

como referência, pode ser o princípio da superação e de avanços na

construção da unitariedade possível. A formação continuada é muito

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importante nesse processo, desde que ocorra na escola, articulando

pedagogos, professores, funcionários, pais e alunos e tomando como eixo o

PPP. De acordo com Acácia Kuenzer (2002, p. 71), a partir do projeto político

pedagógico, “[...] vão se definir dimensões disciplinares que poderão justificar

abordagens por área ou tema, mas tendo sempre a escola e o trabalho

pedagógico escolar como totalidade que define e ao mesmo tempo articula as

partes”. Nessas experiências, o profissional da educação desenvolve sua

identidade como profissional da escola e não de especialista em disciplinas ou

função, o seu trabalho passa a ser compreendido e articulado ao trabalho dos

demais segmentos que atuam no universo escolar. Assim compreendida, a

formação continuada passa a ter sentido, a estabelecer compromissos e

cumplicidades, a permitir o enfrentamento compartilhado de problemas que

são comuns e a permitir mudanças significativas.

Para efetivar tais mudanças, a escola deve se preocupar com a crescente

complexidade da sociedade e do conhecimento, com os problemas e as

contradições da escola e da prática escolar, ao lado das mudanças do perfil e

das necessidades dos alunos e da formação inicial precária e inadequada dos

educadores. Esses são alguns dos desafios presentes no cotidiano da escola

que exigem ações e intervenções dos envolvidos no processo educativo.

Os desafios levam a questionar como está o preparo dos profissionais da

educação no que tange à compreensão do sistema de ensino; do processo de

ensino e aprendizagem; dos processos de desenvolvimento e aprendizagem

dos alunos; da preparação para lidar com o outro, com conflitos e reações

individuais e grupais, seja em sala de aula, com os alunos, com colegas, com

outros educadores da escola ou com pais de alunos. Assim, a questão ética da

responsabilidade pela formação da e na cidadania deve permear a formação

continuada, expandindo as funções da escola que pretende construir respostas

à crescente precarização do trabalho e à exclusão dos trabalhadores.

Para Libâneo e Pimenta (2002), a natureza do trabalho docente é

ensinar, esse trabalho contribui para o processo de humanização dos alunos

historicamente situados. É importante que os professores mobilizem os

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conhecimentos da teoria da educação, do ensino e das áreas do conhecimento

necessários à compreensão do ensino como realidade social. Para tanto,

devem desenvolver a capacidade de “[...] investigar a própria atividade (a

experiência) para, a partir dela, construírem e transformarem os seus saberes-

fazeres docentes, num processo contínuo de construção de suas identidades

como professores” (LIBÂNEO; PIMENTA, 2002, p. 44).

Dessa forma, a pesquisa pode ser focalizada, pelo pedagogo, como

modo de entender que o professor não é apenas sujeito, mas participante de

investigações, e que a escola não é apenas instância de ensino, mas também

de produção de conhecimento. De acordo com Mary Rangel (2002, p. 95), “[...]

a escola, como local de implementação do processo didático também é espaço

de pesquisa e aproveitamento dos seus objetos para estudos à luz de

fundamentos teóricos”. Assim, o pedagogo pode coordenar pesquisas, de

modo que os problemas do cotidiano sejam aqueles que suscitem o estudo

sistematizado, desenvolvido em bases teórico-metodológicas. Então, a

pesquisa pode ampliar a compreensão do processo didático, propiciando

decisões fundamentais, perspectivas de avanços do conhecimento e das

práticas (RANGEL, 2002).

A atuação do pedagogo é imprescindível para o aprimoramento do

desempenho do professor na sala de aula, em relação aos conteúdos, métodos

e formas de organização da classe, na análise e compreensão das situações de

ensino, com base nos conhecimentos teóricos, ou seja, na vinculação entre a

área do conhecimento pedagógico e o trabalho de sala de aula.

Entretanto, conforme Libâneo (2004), quando se atribuem ao pedagogo

as tarefas de coordenar e prestar assistência pedagógico-didática ao professor,

não se está supondo que ele deva ter domínio dos conteúdos e métodos de

todas as matérias. Libâneo (2004, p. 63) ressalta que “[...] ter domínio de

conteúdos e métodos são tarefas diretamente ligadas às metodologias

específicas das matérias e, por isso, são da competência do professor”. O

autor aponta que a atribuição do pedagogo “(...) vem dos campos do

conhecimento implicados no processo educativo-docente, operando uma

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intersecção entre a teoria pedagógica e os conteúdos-métodos específicos de

cada matéria de ensino, entre o conhecimento pedagógico e a sala de aula”

(LIBÂNEO, 2004, p. 60). O pedagogo contribui nas situações em que a

atividade docente extrapola o âmbito específico da matéria de ensino, ou seja,

na definição de objetivos educativos; nas implicações psicológicas, sociais e

culturais no ensino; nas peculiaridades do processo de ensino e aprendizagem;

na detecção de problemas de aprendizagem entre os alunos; na avaliação; no

uso de técnicas e recursos de ensino; na coordenação da elaboração de planos

de ensino; na articulação dos conteúdos; na composição de turmas; nas

reuniões de estudo e nos conselhos de classe (LIBÂNEO, 2004).

Obviamente, o trabalho do professor não deve ser submetido ao controle

do pedagogo. A organização do trabalho escolar deve permitir um

relacionamento de cooperação e respeito entre esses profissionais, sem

imposição de métodos e sem romper com as formas de condução do processo

de ensino e aprendizagem baseados nas experiências individuais de cada um.

Pedagogos e docentes têm suas atividades articuladas por conta da

especificidade de cada um, da experiência profissional, do trato cotidiano das

questões de ensino e aprendizagem das matérias, das reuniões de trabalho em

que o geral e o específico do ensino vão se interpenetrando (LIBÂNEO, 2004).

O planejamento do pedagogo visando à formação continuada dos

professores deve ser elaborado de tal forma que contemple os estudos em

encontros quinzenais ou mensais por disciplina, área ou tema, durante a hora

atividade (ou em outros horários, se os envolvidos preferirem). Para tanto, o

pedagogo deve ter envolvimento com a elaboração do horário destinado às

aulas, buscando agrupar em hora atividade os professores da mesma

disciplina ou área.

Os assuntos a serem estudados e discutidos nessas reuniões poderão ser

selecionados conforme as necessidades mais urgentes detectadas na escola,

ou sugeridos pelos professores. Entretanto, é fundamental que, nos primeiros

encontros, seja estudado o Projeto Político Pedagógico.

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O PPP da escola deve ser estudado destacando-se as concepções de

homem, sociedade e educação e a perspectiva teórico-metodológica assumida

pela escola no documento. A intenção do estudo desses temas está vinculada

à necessidade de avaliar se a escola desenvolve o processo de escolarização

de seus alunos baseada nas concepções de homem, educação e sociedade

registradas no PPP e se educa conforme a perspectiva teórico-metodológica

afirmada no referido documento.

Os encontros quinzenais ou mensais com os professores para

aprofundamentos nos estudos devem contribuir com a diminuição das

discussões “descoladas” do contexto, ou seja, as reclamações feitas pelos

professores sobre os alunos durante o horário de intervalo das aulas e nos

corredores, durante as aulas. Possivelmente, após alguns encontros de

formação continuada, o pedagogo não será mais interrompido, em sua

atividade planejada, pela entrada intempestiva de alunos que foram

“enviados” pelos professores por causarem indisciplina em sala de aula. O

percurso é longo, mas é possível de ser realizado. A persistência do pedagogo

em manter firme o propósito de executar o seu planejamento de trabalho deve

se sobrepor aos atropelos do cotidiano escolar.

A responsabilidade de manter latente, no dia-a-dia escolar, as

discussões, reflexões e pesquisas acerca do processo pedagógico não é apenas

do pedagogo e dos professores, pois também devem estar envolvidos nesse

processo os funcionários, os alunos e os pais.

Os funcionários das escolas, que durante muitos anos estiveram à

margem das discussões relativas ao processo pedagógico, atualmente, estão

sendo convocados a contribuir. De acordo com Alves e Garcia (2002, p. 127),

os funcionários, “[...] hoje, também aprenderam a ser intelectuais, no sentido

gramsciano, de sujeitos que pensam o mundo em que vivem e que vão

construindo concepções de mundo e de homem em seu cotidiano”. Para as

autoras, os funcionários não são tarefeiros, mas sujeitos que pensam ao fazer

e que compreendem “[...] haver saberes da prática nem sempre valorizados

em sociedades discriminadoras e excludentes como a nossa, têm a

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compreensão crítica da sociedade em que vivem (ALVES; GARCIA, 2002, p.

127). Como profissionais da educação, os funcionários precisam ampliar a

compreensão crítica da sociedade em que vivemos. Para tanto, é importante

que eles tenham um espaço/tempo pedagógico para a sua formação

continuada. Os encontros de estudos com os funcionários possibilitam envolvê-

los no processo de organização do trabalho escolar, como educadores, por

meio do estudo das concepções de homem, sociedade e educação e da

perspectiva teórico-metodológica, inscritas no PPP da escola; do estudo do

Estatuto da Criança e do Adolescente, da LDB e do Regimento Escolar; da

pesquisa, reflexão e discussão sobre a organização de seu trabalho diário e o

relacionamento com alunos, pais e professores; da participação nas instâncias

colegiadas, dentre outros.

Os encontros com os alunos podem ser organizados em períodos

mensais ou quinzenais, com representantes de turmas, com as turmas, com

grupos de alunos ou em assembléias para discussão do processo de ensino e

aprendizagem; das dificuldades de aprendizagem; da disciplina para os

estudos; da avaliação; da inclusão; da organização de grupos de estudos com

monitoria; dos estudos do Regimento Escolar e do ECA; da proposição e do

desenvolvimento de projetos; da discussão sobre repetência e evasão escolar;

da indisciplina; da violência; do alcoolismo; do uso de drogas; da saúde, dentre

outros assuntos que os alunos considerarem importantes.

As reuniões com os alunos e as conversas em sala de aula permitem

conhecê-los em situação de estudo. Queremos dizer, com isso, que o

pedagogo não precisa aguardar em sua sala que os alunos o procurem para

reclamar de professores, colegas ou funcionários. O contato diário entre o

pedagogo e o aluno, em sala de aula, é muito importante. Nesses encontros, o

pedagogo se coloca como parceiro, companheiro e não como controlador.

As reuniões com os pais dos alunos e a comunidade merecem atenção

redobrada do pedagogo. As reclamações dos pedagogos sobre a ausência dos

pais nas reuniões convocadas pela escola são constantes. Muito já se falou e

escreveu sobre esse assunto, porém o problema persiste. Buscar alternativas

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democráticas para solucionar, ou, pelo menos, amenizar esse problema

continua sendo um desafio. Apontamos como sugestão que a escola não

convoque os pais apenas nos dias de entrega de boletins, mas também para

encontros de estudos sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente; Leis que

ampliam a democracia, como a Lei 10.639/03 e Lei Maria da Penha; discussões

sobre temas relacionados a crianças e adolescentes; saúde; direitos sociais;

participação em cursos, projetos e atividades pedagógicas, bem como outros

temas que se fizerem necessários.

3.2 Gestão democrática

A autonomia da escola implica uma organização escolar que permita

repensar os processos de gestão e a construção coletiva do projeto político

pedagógico, de modo que a escola possa traçar seu próprio caminho. Então, a

autonomia da escola depende das práticas de gestão e dos processos de

tomada de decisões.

Para Martins (2004, p.76), [...] “a democracia, e também a gestão

democrática da escola, constitui-se num processo, em que elementos como

participação, autonomia, coletividade, estão presentes em uma atividade, que

tem por finalidade sintetizar a expressão de membros integrantes da ação”.

Segundo o autor, o primeiro passo para a democratização da gestão escolar é

o acesso da população atendida pela escola, aqui entendida como pais, alunos,

professores e comunidade na administração desta. Na perspectiva

democrática, as relações entre escola e Estado são concebidas a partir da

premissa de que, ao Estado, cabe a responsabilidade pela manutenção da

escola pública em sua totalidade (acesso, permanência, qualidade), e, à

comunidade escolar, cabe sua gestão. Martins (2004, p. 76) aponta que “ [...]

isso quer dizer que a escola não é um aparelho do Estado, mas sim um

aparelho público”.

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A democratização econômica e política, juntamente com a

democratização da educação e da escola, por meio da universalização, da

gratuidade e da permanência é uma exigência para emancipação da classe

trabalhadora. Não há democracia plena numa sociedade de classes, o que há

são as lutas pela democratização econômica, política e cultural. A participação

de pais, alunos, funcionários e professores nas instâncias colegiadas da escola,

possibilita a vivência na busca pela democratização. A ampliação da

participação, além de sua dimensão política, expressa-se no aprendizado de

práticas democráticas, no exercício da cidadania, efetivando-se em

permanente formação de sujeitos responsáveis pelas decisões que afetam a

sociedade. Nesse sentido, a participação da comunidade na escola não é

concessão, mas uma prática que expressa princípios, que influencia na

qualidade da educação e está vinculada a um projeto coletivo por uma

sociedade não excludente.

De acordo com Vitor Paro (2004, p. 19), “uma sociedade autoritária, com

tradição autoritária, com organização autoritária e, não por acaso, articulada

com interesses autoritários de uma minoria, orienta-se na direção oposta à da

democracia”. O autor aponta os determinantes econômicos, sociais, políticos e

culturais mais amplos agindo em favor dessa tendência, tornando muito difícil

qualquer ação em sentido contrário. Entretanto, Paro (2004) alerta para o fato

de que não se pode tomar os determinantes estruturais como desculpa para

não se fazer nada, esperando que a sociedade se transforme para depois

transformar a escola, porque a realidade social está repleta de contradições

que precisam ser aproveitadas como ponto de partida para ações com vistas à

transformação social. A transformação deve ocorrer na prática das pessoas,

“ [...] é aí, na prática escolar cotidiana, que precisam ser enfrentados os

determinantes mais imediatos do autoritarismo enquanto manifestação, num

espaço restrito, dos determinantes estruturais mais amplos da sociedade”

(PARO, 2004, p. 19).

À medida que se conseguir a participação de todos os setores da escola

– educadores, alunos, funcionários e pais – nas decisões sobre seus objetivos e

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seu funcionamento, haverá melhores condições para pressionar os escalões

superiores a dotar a escola de autonomia e de recursos (PARO, 2004).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96)

remete à normatização da gestão democrática, garantindo dois instrumentos

fundamentais ao incremento da participação, que são a elaboração do projeto

pedagógico da escola, contando com a participação de todos os profissionais

da educação, e a participação das comunidades escolar e local em conselhos

escolares ou equivalentes.

Essas são perspectivas que buscam o estabelecimento de mecanismos

de participação efetiva no processo de construção de uma nova cultura no

cotidiano escolar, como expressão de um projeto coletivo que envolve as

comunidades local e escolar. Isso implica uma nova escola, na qual novos

processos de participação na gestão devem ser implementados, envolvendo

comunidade, professores, funcionários, pais e alunos na definição das políticas

e na orientação para a gestão com autonomia para a escola.

A participação de todos os membros da escola nos processos decisórios

não exclui a necessidade de se planejar, de se administrar, de coordenar o

trabalho das pessoas, de fazer o acompanhamento e a avaliação sistemática

do trabalho escolar. Conforme Libâneo (2002, p. 92), “[...] autonomia e

participação não podem servir para deixar as escolas ao abandono,

funcionando às cegas. Por essa razão, é fundamental que a investigação

pedagógica se dedique a estudos sobre o tema da gestão das escolas”.

Entendemos a gestão democrática como um processo de aprendizado e

de luta política que não se limita à prática educativa, mas vislumbra, nas

especificidades dessa prática social e de sua relativa autonomia, a

possibilidade da criação e da efetivação de canais de participação, bem como

“[...] de aprendizado do jogo democrático e, conseqüentemente, do repensar

das estruturas autoritárias que permeiam as relações sociais no seio das

práticas educativas visando a sua transformação” (DOURADO, 2002, p. 156).

Nesse sentido, a construção de um processo de gestão escolar

democrática é sempre processual e se trata de uma luta política de

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construção. Nas palavras de Vitor Paro (2004, p. 19), “democracia não se

concede, se realiza”. Nessa concepção, a gestão democrática não é algo que

se decreta (não basta estar na LDB), mas é o resultado de ações construídas

cotidiana e coletivamente. Ou seja, a gestão é um processo de idas e vindas,

encontrões e esbarrões, constituído pela articulação entre as diferentes

pessoas da comunidade escolar que vão moldando os aspectos desse

processo.

Para Dourado (2002), a gestão escolar não é neutra, já que todas as

ações desenvolvidas na escola envolvem pessoas e tomadas de decisões.

Nesse sentido, ações simples, como a limpeza e a conservação do prédio

escolar, até ações complexas, como as definições pedagógicas, indicam uma

determinada lógica e um horizonte de gestão, pois são ações que expressam

interesses e compromissos que determinam o cotidiano escolar.

A democratização na e da escola implica articular mecanismos de

participação. Implica, portanto, a construção coletiva do projeto político

pedagógico; a consolidação do Conselho Escolar, do Grêmio Estudantil e do

Conselho de Classe participativo; a luta pela progressiva autonomia da escola;

a discussão de novas formas de organização do trabalho, de espaços e tempos

escolares; a elaboração e o desenvolvimento de projetos.

Como efetivar a democratização do cotidiano escolar? Eis aí um grande

desafio! Não é apenas elegendo, por meio do voto, a direção da escola que

podemos considerá-la democrática. Tão importante quanto o voto na eleição é

o exercício diário de realizar a gestão democrática. Apontamos, anteriormente,

a necessidade de pedagogo atuar efetivamente em todas as questões

relacionadas com o pedagógico, incluindo as instâncias colegiadas, porque, em

muitos casos, a participação efetiva dos representantes no Conselho Escolar2

depende da formação continuada.

O cotidiano escolar é revelador. Ele revela como se dá a participação dos

conselheiros no Conselho Escolar, como são as reuniões que organizam com

seus pares para levar as propostas e deliberações ao Conselho. O cotidiano

2 Para saber mais sobre o Conselho Escolar, leia o livro Aceita um conselho? Como organizar o colegiado escolar, de Ângela Antunes, de 2002.

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escolar também revela como os integrantes do Grêmio Estudantil estão

empenhados em discutir, com a direção da escola, espaços e tempos escolares

para realizar a formação política dos alunos por meio de palestras, cursos,

participação em congressos estudantis; preocupados com o processo de

ensino e aprendizagem dos alunos, com a evasão e a repetência; interessados

em discutir com os profissionais da educação acerca da indisciplina, do

intervalo, da falta de professores, da organização da biblioteca, da sala de

computação, dos banheiros, da depredação do patrimônio escolar, dentre

outros setores; preocupados, principalmente, em discutir a participação dos

demais alunos nas reuniões, nas assembléias e no Conselho de Classe.

O dia-a-dia do trabalho escolar revela a participação dos funcionários nas

decisões internas, o envolvimento deles com o processo de ensino e

aprendizagem dos alunos, a evasão e a repetência, revela a participação dos

pais na organização interna dos tempos e espaços escolares, na vida escolar

dos filhos, nas assembléias, nas palestras, nos cursos, nos projetos e nas

atividades pedagógicas. Finalmente, o cotidiano escolar revela, sobretudo,

como a escola organiza as reuniões com professores, com pais e com alunos e

como realiza o Conselho de Classe participativo. Tão importante quanto

estimular a participação no Conselho Escolar e no Grêmio Estudantil é a

realização do Conselho de Classe participativo. Essas revelações do cotidiano

devem instigar o pedagogo a discutir coletivamente propostas de mudanças e

a investir na sua formação continuada.

Para preparar os encontros de estudos com os profissionais da educação,

alunos e pais, o pedagogo também necessita de tempo e espaço, durante o

seu período de trabalho, para estudos. Dessa forma, sugerimos que o

pedagogo estabeleça, por meio de acordo com a direção e demais profissionais

da escola, o horário da sua hora atividade. O horário de estudos do pedagogo

deve ser publicado, ao lado do horário das aulas e hora atividade dos

professores. O objetivo dessa publicação é para que seja respeitado o horário

da hora atividade do pedagogo, como são respeitados os horários de aula e

hora atividade dos professores.

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Considerações finais

Em uma perspectiva de continuidade e não de finalização, desejamos

que este texto incentive o debate do pedagogo na (re)construção dos projetos

da escola, nos fundamentos teóricos e na prática educativa.

A partir do planejamento elaborado pelo pedagogo que, segundo Vallejo

(2002, p. 23), “[...] é de aplicação possível, já que se situa numa perspectiva

realista sem esquecer as doses de utopia sempre necessárias em educação”,

propomos que se repense a escola, sem o pessimismo de novos tempos que

aceitam não haver alternativa ao projeto capitalista que se amplia, ocupando

espaços e impondo limites.

De acordo com Acácia Kuenzer (2002, p. 65. Grifo da autora), “[...] a

superação desses limites só é possível pela categoria ‘contradição’, que

permite compreender que o capitalismo traz inscrito em si, ao mesmo tempo,

a semente de seu desenvolvimento e de sua destruição”. Ou seja, esse modo

de produção é atravessado por positividades e negatividades, avanços e

retrocessos que, ao mesmo tempo, evitam e aceleram a sua superação. É com

base nessa compreensão que se deve analisar a unitariedade do trabalho

escolar como possibilidade histórica de superação da fragmentação. Na busca

dessa superação, torna-se necessária a ampliação do trabalho do pedagogo

fundamentado no conhecimento técnico e no compromisso político com a

transformação, articulada às demais formas de destruição das condições

materiais que geram a exclusão.

Por entender a escola como lugar de luta hegemônica de classes, de

resistência, de conquista da cultura e da ciência como instrumentos para a

superação das desigualdades sociais impostas pela organização capitalista da

sociedade, é necessário pensar um novo cenário para ela, visando a sua

democratização. Isso implica não perdermos de vista o importante papel do

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pedagogo na coordenação das atividades políticas e pedagógicas da escola,

entendendo que a implementação da gestão democrática suscita o

estabelecimento de ações compartilhadas que resultem na participação de

todos na noção de efetividade social da escola, ou seja, de garantia de acesso

e de permanência com qualidade social para todos, nos diferentes níveis e

modalidades de ensino.

Referências

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LIBÂNEO, José Carlos; PIMENTA, Selma Garrido. Formação dos profissionais da educação: visão crítica e perspectivas de mudança. In: PIMENTA, Selma Garrido (Org.). Pedagogia e pedagogos: caminhos e perspectivas. São Paulo: Cortez, 2002.

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__________________. Pedagogia e pedagogos, para quê? São Paulo: Cortez, 2004.

PARO, Vitor Henrique. Gestão democrática da escola pública. São Paulo: Ática, 2004.

PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza. Formação de professores: o espaço de atuação do coordenador pedagógico-educacional. In: AGUIAR, Márcia Ângela da Silva; FERREIRA, Naura Syria Carapeto (Orgs.). Para onde vão a orientação e a supervisão educacional? Campinas: Papirus, 2002.

KUENZER, Acácia Zeneida. Trabalho pedagógico: da fragmentação à unitariedade possível. In: AGUIAR, Márcia Ângela da Silva; FERREIRA, Naura Syria Carapeto (Orgs.). Para onde vão a orientação e a supervisão educacional? Campinas: Papirus, 2002.

RANGEL, Mary. Supervisão: do sonho à ação – uma prática de transformação. In: FERREIRA, Naura Syria Carapeto (Org.). Supervisão educacional para uma escola de qualidade. São Paulo: Cortez, 2002.

VALLEJO, José M. Bautista. Uma escola com projeto próprio. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

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