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RECADO
AO
BARQUEIRO
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A Obra: Recado ao Barqueiro
O Tema: crítica social bem-humorada. Reflexões
pessoais e coletivas sobre costumes dos tempos de
hoje. Apresentação de tipos humanos pitorescos e
comprometidos com suas escolhas e crenças
pessoais.
O Autor: Sebastião Alves da Silva Filho.
Pseudônimo: Tião Alves.
Contatos: [email protected] - 34-9127-6518,
64-8108-1218.
Período de criação: maio de 2014 a janeiro de 2015.
Conteúdo: 15 capítulos, compostos em 80 páginas,
formato A4.
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DEDICATÓRIA
Dedico este livro a todas aquelas pessoas que disseram que viriam e não
apareceram. Com isso produziram um vazio que preenchi com as páginas do
livro. Àquelas que apareceram e me brindaram com a doçura ou acidez de seu
comportamento e suas ideias, nessa ordem. Àquelas que ainda não conheço,
mas, que me concederam o privilégio de tentar sondar-lhes os gostos e
sonhos. A todas aquelas que, porventura, frequentem o mundo etéreo,
independentemente de nossas crenças e verdades, e que me sopraram várias
linhas do que escrevi. A todas aquelas que venceram a preguiça ou
desconfiança e leram os textos que fazem parte do livro e foram publicados em
minha página do facebook. Ao meu vulto favorito que aparece de vez em
quando nas páginas do livro e que mereceu dele um capítulo inteiro.
Infelizmente, não posso identificá-lo ou deixaria de ser o MEU VULTO
FAVORITO. Ao meu neto Benjamin e ao seu imenso repertório de novos
sorrisos e traquinagens.
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PREFÁCIO
Tinha, então, uma grande necessidade de me comunicar com muitas outras
pessoas. Aquela comunicação virtual, feita através de redes sociais, e-mails e
outros meios eletrônicos já não me satisfaziam. Juntava-se a isso a
circunstância que me comunicava sempre com as mesmas pessoas, portanto,
estando sujeito ao limite da visão daquele pequeno público. Por outro lado, as
pessoas conhecidas já haviam me colocado um rótulo e quase tudo que eu
falava era desconsiderado. Algumas me taxavam de extremamente radical.
Outras de meio maluco e outras, apesar da boa vontade, não conseguiam
entender o que eu estava dizendo. Foi então que descobri que, minha
comunicação através das letras era muito mais precisa e interessante que
aquela feita através da fala ou das frases curtas ou piadinhas emitidas através
de redes sociais. Comecei a juntar tudo que tinha escrito até então, Isso
ocorreu lá pelo mês de maio de 2014. Estava tomada a decisão de publicar um
livro. O livro, além de aumentar em muito a minha chance de me fazer
compreender, me ofereceria a oportunidade de colocar para fora todas as
minhas dificuldades em compreender certos comportamentos de pessoas que
me cercavam. Evidentemente, poderia colocar em discussão, também, a
inversão de valores que predomina nos dias de hoje. Me refiro à grande
importância dada a certos ídolos sem nenhum valor e à falta de valorização ao
heroísmo verdadeiro daqueles que enfrentam a vida de frente, pegando no
cabo da vassoura, do rodo, enxada e outras ferramentas. Pois bem, aí está o
resultado de tudo que escrevi de maio de 2014 a janeiro de 2015. Faça bom
proveito da leitura de: Recado ao Barqueiro.
O autor.
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CAPÍTULO I - O FIM DE TUDO
A GRANDE VIAGEM
O que aqui narro ocorreu um ano após minha morte. Vivia agora tranquilo,
entre gramados muito verdes e fins de tardes magníficos. Meus instrutores
acabaram de considerar que avancei bastante, nos últimos meses, e que já
estou quase deixando de lado o rancor e a falta de cordialidade. Esta última
relacionada com minha incapacidade de aceitação de minhas próprias falhas e
de minha culpa em muitos casos de desentendimentos que vivi aí embaixo. Em
tempo, peço desculpas por me referir, às vezes, ao mundo aí dos políticos e
fanáticos como embaixo. Não se trata de estabelecer uma hierarquia,
colocando-me acima de vocês. Porém, ainda estando aqui, em plena evolução,
sinto-me ainda, preso à necessidade de um referencial. Reconheço que
muitos aí se encontram em estágio mais avançado. Ou seja, todos podem
saber onde eles se encontram, recorrendo-se ao GPS, aplicativos e outros blá-
blá-blás. Voltemos ao ponto principal. Como sabem, preparava-me para editar
o meu livro quando, por decisão superior, fui chamado a alçar o grande voo. E
por essa razão aqui me encontro, juntando os meus textos e reorganizando
tudo para que possa colocar nas bancas o resultado de toda essa confusão ou
melhor, essa grande busca em que se transformaram meus quase 74 anos de
vida aí. Bem, nas páginas que se seguem vão aí minhas histórias, expressas
através de contos, crônicas, reflexões e poemas. Vão notar que, não se trata
de autobiografia, até onde isso é possível, sequer de reconstituição de
romances ou narrativas de grandes amores, nem, tampouco de histórias
intrincadas que envolvem corrupção, mudança de sexo, descobertas de dietas
milagrosas. Trato de gente e seus conflitos, se é que me entendem. Se não
conseguir colocá-lo para pensar, deixe-me pelo menos implantar o caos em
sua mente. Certamente, este será o primeiro passo para que você se torne
receptivo às novas ideias e experiências.
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UM RECADO AO BARQUEIRO
Segundo a mitologia grega, Caronte é o barqueiro que levaria as almas dos
mortos do mundo dos vivos para a eternidade. É por este motivo que, ao
preparar o morto para a jornada final, se colocavam sobre seus olhos 2
moedas, uma sobre cada olho, que seriam para pagar os custos da viagem.
Vai aqui um bilhetinho que dirijo ao barqueiro:
__ Senhor Caronte,
Hoje tem em mãos uma grande responsabilidade. Irá levar para a eternidade
um homem que cultivou muitos sonhos, poucas ambições e muitos amores.
Busque águas tranquilas para navegar e, desta forma, permita que eu possa
meditar durante a travessia. Não faça movimentos bruscos com o remo e assim
poderei, além de manter meu estado de meditação, acrescentar algumas linhas
sobre a grande viagem às minhas anotações que pretendo transformar em
livro. Por fim, veja se consegue um pen drive e um reprodutor de som para que
eu possa ouvir minha música favorita, durante a viagem: MATTINATA
P.S.: seguem duas moedas adicionais para pagamento pelas exigências e para
conseguir a música, o pen drive e o aparelho de som.
Abraços do Tião Alves, em 11.10.2014, às 07h32min.
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CAPÍTULO II - BEM VINDO AO PARQUE Capítulo dedicado ao Parque do Sabiá, em Uberlândia, local onde foi escrita
parte deste livro
A safra da pitangueira
Para os cientistas seu nome é: EUGENIA UNIFLORA, mas, para mim é a
pitangueira. Especificamente, uma árvore muita simpática que se localiza no
Parque do Sabiá em Uberlândia. Normalmente, sua safra ocorre no mês de
novembro. Neste ano de 2014, entretanto, resolveu antecipar-se e ficou
carregada de frutos já no final de setembro. Pelo que sei sou seu único cliente,
além é claro, dos pássaros e talvez até de alguma serpente. Afinal, o parque é
bastante democrático e aceita, com certas reservas é claro, até as víboras. Não
falo das víboras humanas, evidentemente. Estas têm o veneno escondido e
não se identificam, nem na carteira de identidade nem nas feições, sempre
ocultas por detrás da maquiagem. Mas, deixemos de lado o assunto veneno e
fingimento. Tratemos dos frutos e da fartura provocados pela pitangueira.
Poucas frutas são tão gostosas. Apesar de um pouco ácidas, as pitangas são
deliciosas. Estive lá, na minha pitangueira, vejam a falta de modéstia, por umas
4 vezes esse ano. Confesso que me fartei de pitangas e saí com a boca suja,
feito o meu neto Benjamim. Quero passar o meu segredo sobre a pitangueira
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do parque apenas para o Benjamin. Ele será meu sucessor na sua posse.
Tenho uma pequena dúvida: o Benjamin tem tido crises de birra toda vez que
tentam lhe oferecer algum alimento que não seja leite materno. Será que ele irá
gostar de pitangas. Sei lá, se não gostar pode fazer como um corretor de
imóveis e vender a pitangueira. Será que o Ben também irá adquirir o costume
tão brasileiro de repassar bens públicos a particulares. Não quero isso para ele.
Chega de divagar. Estou muito triste ao perceber que existem muitas pessoas
de quem gosto e que imitam a safra da pitangueira. Ou seja, aparecem apenas
1 vez no ano, ou até mesmo 1 vez a cada 2 anos, ou até a períodos mais
longos. Será que é possível mexer no código genético da minha pitangueira e
contar com umas 2 ou 3 safras por ano. E quanto às pessoas; será que posso
influenciá-las a aparecerem a períodos mais curtos.... Sei que muitos dirão que
sou um sonhador incorrigível, perdendo tempo em falar sobre a EUGENIA
UNIFLORA, sobre meu neto BENJAMIN ou sobre AS PESSOAS DE QUEM
GOSTO. Aceitem as diferenças, uns só são capazes de falar sobre dinheiro,
outros sobre grandes festas e baladas. Eu, como nunca serei rico, não sei
dançar e sempre durmo cedo tenho que falar sobre o pequeno e modesto
universo de que consigo fazer parte.
i. Tião Alves, em 08.10.2014, às 11h03min, sonhando com a pitangueira do
parque!!!
AS MUTAÇÕES DO PARQUE
Certa época, uma quantidade enorme de capivaras se acumulou no parque.
Minha sobrinha, durante uma de nossas muitas caminhadas que ali fizemos,
propôs que passássemos a chamar o parque de: Parque das Capivaras.
Fizeram, então, algum arranjo e sumiram com grande parte das capivaras.
Como fosse outubro e as primeiras chuvas já houvessem chegado, os sabiás
começaram a cantar. Estávamos, sem dúvidas, de volta ao Parque do Sabiá ou
seria: Parque dos Sabiás. Houve momentos em que se aglomeraram, à cata de
votos, vários políticos no parque, simulando adesão às caminhadas. Essa não,
Parque dos Políticos jamais. Meu voto sempre será contrário. Alguém pensou
em chamá-lo de: Parque dos Encontros, visto que ali, sempre, se encontram
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várias pessoas conhecidas. Hoje, porém, quando escrevo estas linhas, aqui no
parque, sabiás, pardais e cigarras promovem um verdadeiro festival de boa
música, coisa tão rara hoje em dia. Neste momento, olhando a última pesquisa
do IBOPE, me encontro no interior do: Parque das Cigarras que, se não são
maioria, são aquelas que melhor se ouvem na disputa pelo controle sonoro do
ambiente.
Tião Alves do Parque das Cigarras, às 10h56min do dia 22.10.2014, para a sua
página do facebook.
CAPÍTULO III - ESTAS MULHERES
MULHER INFLÁVEL
Um amigo meu, diante de toda sua dificuldade em entender certas atitudes
femininas, decidiu-se pelo divórcio. Depois de uma negociação meio turbulenta,
chegaram a um acordo e conseguiram dividir o patrimônio. Diga-se de
passagem que, na linguagem de contador, havia muito mais passivos a dividir.
Um deles ficou com os carnês das Casas Bahia, do Carrefour e da Losango. O
outro se encarregaria das Pernambucanas, Riachuelo e das prestações do
carro que, assim que quitado seria vendido e o valor dividido em duas partes
iguais. Para dizer a verdade, o único patrimônio que viria a existir seria o carro,
ou melhor, tinha também a casinha lá do *Shopping Park. Bem a mulher ficaria
na casa e pagaria as prestações com o dinheiro da pensão que serviria
também para alimentar o pequeno que geraram nos bons tempos de
entendimento. Houve muita discussão com relação ao carro. O marido dizia
que o carro não podia "ver" na rua uma pessoa suja de graxa que já parava,
desejando ir para dentro da oficina. ...Bem, vamos ao final da história. Meu
amigo, pressionado pelos desejos da carne, resolve comprar uma mulher
inflável. Os primeiros dias, assim como ocorre em toda relação amorosa, foram
maravilhosos. Meu amigo estava encantado em poder dormir com a primeira
mulher que não se perdia em longas ladainhas: fosse de broncas por seus
atrasos e bafo de cachaça ou pela falta de dinheiro que sempre foi a tônica de
sua vida conjugal. Tempos depois, percebe nosso herói que aquela boneca de
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plástico, de corpo definido e que ele poderia esvaziar nos momentos em que
dela sentisse raiva, não falava nada, de nada compartilhava e não o ajudava a
desenvolver sua autocrítica. Hoje meu amigo se dedica à leitura de diversos
livros sobre psicologia feminina. Além disso, entrou para um site de
relacionamentos onde busca por uma mulher de verdade, que lhe diga bom
dia, boa noite. Que até mesmo lhe dê, assim como um presente de grego, uma
sogra. Não quer mais saber de mulheres que se podem esvaziar a qualquer
momento.
* Nota explicativa: Shopping Park é um bairro popular da periferia da cidade de
Uberlândia-MG.
ELINA KISS
Elina nasceu em um povoado um pouco distante da cidade mais próxima.
Desde muito cedo Elina aprendeu que viveria em um mundo feito por homens
para homens. E homem, aqui no sentido de macho. Elina recebeu, desde ainda
muito criança o apelido de Beijo na Alma. Mais tarde viria saber, por meio de
uma amiga, que seu sobrenome: Kiss significava beijo em Inglês. O restante de
seu apelido, provavelmente, se deveria ao seu caráter, doce e conciliador.
Elina nunca ouvira falar em Chico Buarque de Holanda, mas, sabia
perfeitamente, ainda que não conhecesse a música, o significado da letra de
Mulheres de Atenas, composta por Chico e Augusto Boal. O pai de Elina
andava pelas ruas do povoado, de bar em bar, a se embebedar e colocar em
riscos os poucos bens da família. A nossa menina interiorana frequentava a
escola pública pela manhã, chegava em casa já na hora do almoço, almoçava,
auxiliava na arrumação da cozinha e, na parte da tarde ajudava sua mãe nos
demais afazeres domésticos. Chegou a adolescência de Elina e com ela alguns
sonhos estranhos, além, é claro, das mudanças em seu corpo. Em seus
sonhos, via-se possuída por um homem de quem não conseguia ver o rosto.
Acordava, depois de vividas suas orgias involuntárias, com sentimentos de
culpa e se sentindo o pior de todos os seres humanos. Isso, evidentemente,
com base nas palavras duras do vigário da paróquia do lugarejo. Ele, em suas
prédicas do domingo, dizia sempre que a luxúria era sim o pior de todos os
pecados e um caminho seguro para quem se candidatasse ao fogo eterno do
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inferno. Credo, pensava Elina. Sua mãe percebeu as mudanças no corpo da
filha e, incapaz de tratar com ela certos assuntos, solicitou a uma comadre que
lhe repassasse as bases do bom comportamento de uma mulher. Beijo se
irritou com o monólogo conduzido pela comadre. O cardápio da falação incluía:
obrigação de castidade da mulher, obediência cega ao marido e dedicação
total às tarefas do lar. Felizmente a comadre se contentou com a aula número
um e não importunou mais. O pai resolveu apresentar-lhe um pretendente.
Embora não tenha ficado nada satisfeita com a escolha paterna, Elina aceitou o
casamento arranjado e lá se foi para o altar, com seu príncipe nada encantado.
Elina logo percebeu que se casara com um homem que nada tinha a ver com
ela. Aquele sujeito jamais seria capaz de colocar os pés em seu mundo
encantado e cheio de magia. Ele somente era capaz de ingerir álcool, assistir
futebol na TV e roncar a noite toda. Ainda uma vez teria nossa sofredora,
recém casada, que se inspirar na letra de Mulheres de Atenas. Desta vez,
entretanto, naquela parte mais dura de tal poema, onde, se referindo às
mulheres de Atenas sentenciam os autores: "...elas não têm gosto ou vontade,
nem defeitos nem qualidades, têm medo apenas." Agora, as coisas se
clareavam para Beijo. Jamais tivera pelo pai respeito e admiração. O que
verdadeiramente nutria por ele era medo. O mesmo medo que hoje a mantinha
fiel ao marido. O inconsciente se encarregou de encontrar para ela uma
compensação. Passou a ter sonhos quase diários. Em seus sonhos aparecia
um homem sem rosto e sem voz. Porém, seus modos eram gentis e
cavalheirescos e demonstravam grande sensibilidade e capacidade de
compreender a alma feminina. Elina fazia todo o estafante trabalho da casa e
de nada reclamava, aguardando o momento do sono. Aí viajava por mundos de
fantasia em companhia de seu gentil amigo. Eis que a consciência de Beijo se
torna sombria. Ainda que de forma sutil e imaterial estaria traindo o marido,
com seu amigo sem matéria. O mesmo inconsciente que a presenteara com
um homem tão gentil lhe impôs uma insônia doentia. Certamente, era essa a
maneira de afastá-la dos sentimentos de culpa e dos riscos dos prognósticos
das pregações sacerdotais do domingo. Um dia, entretanto, Elina percebe que
é parte de uma grande trama masculina e do mundo em geral. Ora, nada do
que o padre prega na missa do domingo corresponde à realidade que a cerca.
A cooperação entre as pessoas não existe. Seu pai, por exemplo, se perde em
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bebedeiras diárias, enquanto sua mãe fica responsável pelo interminável
trabalho doméstico. As pessoas que mais trabalham são sempre as que menos
ganham. O homem, no relacionamento afetivo, fica sempre com a parte do
leão. Às mulheres restam a vassoura e o rodo. Beijo, nesse momento, já foi
além da letra de Mulheres de Atenas. Percebeu que a escravidão atinge
igualmente: mulheres e trabalhadores de ambos os sexos. E, ela, agora que
arranjou um emprego em uma fábrica, passou a ser duplamente explorada. As
coisas vão se clareando em sua mente e o amigo de seus sonhos agora ganha
voz. Em uma de suas conversas noturnas ele lhe conta que, a inserção da
mulher no mercado de trabalho não foi uma vitória feminina. Foi apenas mais
um golpe do capitalismo para aumentar a quantidade de mão de obra e reduzir
o seu custo. Beijo, agora, é uma mulher completamente renovada. Assumiu
definitivamente seu romance noturno e imaterial. Em seus sonhos se entregou
a seu namorado virtual. O marido é apenas um traste que aparece para cobrar
o jantar, a roupa lavada e os deveres matrimoniais. Durante as pobres e
espaçadas sessões de sexo entre Elina e seu cônjuge ela sempre pensa no
amigo noturno e assim se satisfaz, em parte. Surge, então uma reviravolta.
Elina conhece uma seita onde se pregam as Leis: da Reencarnação e da
Causa e Efeito. Ela passa, então a acreditar que sua dependência do marido,
as imposições do pai, a distribuição injusta do trabalho e dos ganhos são frutos
de sua conduta como homem, em encarnações passadas. Elina, então, afunda
novamente na insônia incurável e se afasta de seu amigo secreto. Alguém tem
que dizer a Elina Kiss. Sua pobreza material presente se deriva de sua falta de
qualificação profissional, além é claro, de sua condição de mulher. A sua
infelicidade no amor se deve ao fato de ter se juntado a um homem que nada
tem a ver com ela. Enquanto não surge alguém para alertá-la, Beijo continua a
viver exatamente como antes. Ou seja, como uma: MULHER DE ATENAS.
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A VIDA DUPLA DE ELIARA
Eliara não se conformava muito com esse nome estranho e difícil de se
pronunciar que lhe dera sua mãe. Porém, como dizia um seu amigo: o que está
feito não está por se fazer. Permitam-me chamá-la pelo apelido carinhoso com
que todos a tratavam: Lia. Então, Lia fazia parte de uma família tradicional da
pequena cidade. Evidentemente, ainda que se tratasse de família da nata da
sociedade, sempre escapavam aqui e ali alguns desvios de conduta ou
loucuras momentâneas, nem por isso inconsequentes. Por exemplo, um de
seus primos, diante de um exame em que se constatou diabetes, suicidou-se
com um tiro na boca. Depois se soube que o tal primo não fora capaz de
encarar a possibilidade de ter que se afastar do álcool e das grandes baladas.
Lia, entretanto, era uma moça alegre e comunicativa, ainda que, considerando-
se o pequeno círculo de pessoas com as quais convivia. Estava sempre na
companhia da mãe, fazendo compras em lojas ou supermercados. Possuía um
grupo de quatro ou cinco amigas a quem, sabiamente, denominava de colegas.
Apesar da pouca idade já descobrira Lia que existe uma diferença abissal entre
colegas e amigas. Desnecessárias se tornam maiores explicações. Não
pensem, entretanto, que o enredo da vida de Lia poderia ser traçado assim,
nas cores cinza e branco, com uma ou outra pitada de azul ou verde. Muito
pelo contrário. Muitos tons de rosa, de negro, de lilás e cores afins, formavam o
espectro da vida de nossa amiga. Daquele pequeno grupo de colegas, apenas
duas tinham acesso aos dois lados, tão distintos, que compunham o universo
de Lia. Do outro lado, nada de reuniões dominicais em família. O que ali
aparecia era o luxo e o perfume discreto de uma grande mansão e sua
decoração impecável. A conversa refinada e, às vezes, chata e complexa dos
figurões da política local e, às vezes, até da Câmara e do Senado. Presente em
seu mundo oculto e refinado Lia se transformava. A menininha tranquila e
simples agora dava lugar à dama poderosa, no alto de seus sapatos salto 12.
Muitas vezes, solicitada pelo cliente, liberava seu lado sádico e tratava
vereadores, servidores públicos de alto escalão, magnatas com a impiedade do
chicote. Em outras, não dava para reconhecê-la, quando, carinhosamente,
propiciava a algum velhinho momentos de ilusão. Fazia com que eles se
esquecessem, por momentos, dos casamentos cinquentenários, com suas
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rotinas chatas e intermináveis e do risco iminente da impotência sexual. Suas
habilidades sexuais eram sempre comentadas por todos os seus clientes.
Havia, entretanto, um equilíbrio quase ecológico no número de clientes de Lia.
Por um lado, sua clientela tendia a crescer e tornar sua agenda quase inviável.
Por outro, o tal controle ecológico. O número e o valor das "verdinhas" a se
despender para ter o seu "amor eterno", por apenas uma hora, espantava os
curiosos e/ou membros da plebe. A mãe, esta vivia se iludindo. Desprezando
as boas práticas da matemática, fazia de conta que seria possível a Lia possuir
o carrão que permanecia estacionado em sua casa. As boas roupas, sempre
de grife, amontoadas no guarda-roupa da moça. Manter as despesas da casa
com tudo o que se pode comprar de melhor. Isto tudo financiado apenas pelo
emprego oficial de Lia, como vendedora de uma loja de shopping. Bozinha e
muito compreensiva essa mãe. Sejamos também nós, bonzinhos e
compreensivos e tentemos entender os dois lados de nossa Lia.
Tião Alves, exercitando seu lado bonzinho e compreensivo, com sua amiga Lia.
VAQUINHA DE MANGA
Em tempos muito remotos existia uma brincadeira de crianças conhecida por
vaquinhas de mangas. Tratava-se de colocar em mangas verdes quatro
perninhas feitas com palitos, destes de palitar dentes, um rabinho, feito com
metade de um palito e dois chifres, feitos com um palito partido ao meio.
Produzindo outras tantas vaquinhas, formava-se um rebanho. Às vezes se ia
mais longe, fazendo-se, também com palitos, uma pequena cerca e uma casa
e tínhamos, então, uma fazenda. Tive oportunidade de conhecer algumas
pessoas que provavelmente se inspiraram na tal brincadeira e, com muita arte
e criatividade, fabricaram diversas vaquinhas de mangas. Além dos animais
dóceis e baratos, obtidos com custos tão modestos, criaram para si mansões,
automóveis de luxo e tantos outros objetos de seus sonhos de consumo.
Evidentemente, seu universo passou a se assemelhar às bolinhas de sabão,
com sua imensa diversidade de cores que tanto nos encantaram na infância,
porém, passíveis de explodir ao primeiro sopro do vento. Lembro-me
particularmente de uma colega que tive em determinado local de trabalho e que
possuía uma imensa fazenda, povoada de um grande rebanho de vaquinhas
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de mangas. Ela porém, além das vaquinhas de mangas, traduzia sua
necessidade de autoafirmação no uso de roupas de grife, bijuterias
combinadas com roupas e calçados e sapatos caros e com saltos
intermináveis. Lembro-me também que ela não tinha grande habilidade para
desfilar do alto daquelas geringonças de salto alto e, às vezes se
desequilibrava, chegando a cair, certa vez. Outros de seus hábitos eram até
mais exóticos. Inventava pessoas importantes com quem teria amizade íntima.
Orgulhava-se de sua coleção de vinhos importados que, de fato, não passava
de umas três garrafas de Chapinhá, Chalisê e Sangue de Boá, como
brincavam alguns colegas irreverentes e maledicentes. Porém, o que mais me
impressionou foram algumas vezes em que minha admirada colega saiu mais
cedo do serviço, alegando que iria participar de reuniões com pessoas
importantes. Depois descobri que tais reuniões jamais aconteceram, até
mesmo porque tais pessoas nunca existiram. Devo admitir, minha amiga era,
realmente, uma especialista em criar e acalentar VAQUINHAS DE MANGAS.
Tião Alves, escrevendo no Parque do Sabiá, cercado por vaquinhas de manga,
de sua própria criação.
A PUBLICITÁRIA DO NARIZ GRANDE
Existe uma crença popular de que: mentir faz crescer o nariz. Imagino a
situação dos publicitários, diante de tal afirmação ou mesmo do temor que ela
possa despertar. Afinal, são tantas campanhas publicitárias e quase todas têm
um lugar comum. Se não apresentam grandes mentiras ou mesmo farsas,
apelam, pelo menos para alguns exageros ou algumas "meias verdades". Fácil
apresentar grande quantidade de exemplos: crianças que dão lições de moral
em adultos, tratando de temas que jamais seriam de seu alcance. Automóveis
que assumem vozes e desenvolvem verdadeiras teses de doutorado, bois que
voam. Atualmente, a publicidade enveredou pelo campo da construção da
imagem de políticos. Aí a coisa se tornou um pouco mais trágica. Investiu-se
muito nas imagens de bom pai, bom marido, sujeito recatado e sério e tantas
outras meias verdades. Sinceramente, se essa coisa de Pinóquio e de nariz
grande ou que cresce tiver algum fundo de verdade temo pela sorte dos
publicitários e seus futuros enormes narigões. Certo dia, um pouco chateado
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de tanto ouvir abobrinhas em intervalos de programas de TV, ou lê-las em
páginas da internet ou jornais me atrevi a uma piadinha. Certa pessoa com
quem convivia na época estava prestes a se formar em publicidade. Arrisquei
então:
__ você não tem medo de, ao exercer sua profissão, sofrer um crescimento do
nariz.
Bem, acho que, felizmente, ela não entendeu a piada de mau gosto ou,
simplesmente, se fez de desentendida. O fato, entretanto, é que, ela jamais
veio a exercer a profissão. Sinceramente, espero que minha conversinha sem
nexo, sobre o crescimento do nariz não a tenha influenciado. Acho que não foi
isso. Até onde a conheci, ela era uma pessoa preocupada com a ética e muito
seletiva em relação às ideias que difundia. Não ficaria bem para uma pessoa
como ela, sair por aí dando voz ao GPS ou colocando naves espaciais na
banguela para chegar até o posto de gasolina mais próximo.
Tião Alves, em 24.10.2014, 06h58min, se protegendo contra o crescimento do
nariz.
NAMORADA DISLÉXICA
Ela foi chamada e logo em seguida entrou no consultório do médico. Para sua
sorte, ela era uma dessas pessoas que procurou um médico que mantinha o
hábito antigo e execrado de ouvir o paciente. Mantiveram então, a moça e o
médico, um diálogo de uns 30 minutos. Ele olhava para ela sempre que
perguntava, baixando a cabeça, em seguida, para anotar as respostas. Ela
chegou a se sentir segura e mais leve, tendo a oportunidade de falar sobre
seus problemas e suas dificuldades. Decorrida a meia hora de diálogo, assim
do nada, o médico a encara e diz:
__ Minha querida amiga, você possui apenas uma doença não grave, cujo
nome vou escrever no papel, já que tenho, também, algumas dificuldades na
pronúncia das palavras.
Assim que o médico escreveu o nome da doença no papel e a moça pode
ler, antes que houvesse tempo, sequer para uma troca de olhares com o
médico, ela saiu do consultório, atropelando as cadeiras do ambiente. Abriu a
porta correndo, não atendendo aos apelos da secretária para que assinasse a
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ficha do convênio. Antes de chegar até o elevador tentou algumas vezes se
atirar por uma das janelas do corredor do 10º andar do edifício. Não conseguiu
porque as janelas se encontravam a uma altura razoável e ela não andava lá
muito bem condicionada fisicamente. Lá embaixo, na saída do prédio, tentou se
atirar na frente de um carro, mas, o motorista, atento freou a tempo. Um policial
que passava pela rua chegou até ela.
__ Moça, a senhora está tentando se matar.
__ Não __ responde ela meio sem fôlego. __ Apenas estou desesperada,
pois, sofro de uma doença terrível e irei morrer em breve.
O policial percebe então que ela tem nas mãos o papel que arrancou
apavorada das mãos do médico.
__ Moça, isso aqui não contém nenhuma sentença de morte ou invalidez
permanente __ fala o policial, com certa benevolência. __ A senhora possui
apenas uma doença chamada dislexia.
A moça fala com dificuldades:
__ Ora, com um nome desses, isso deve ser uma doença gravíssima e
mortal.
__ Nada disso, __ retruca o policial __ a senhora tem apenas dificuldades
em entender, pronunciar e escrever algumas palavras. Nada mais que isso.
Nesse momento, a moça passa a entender porque os colegas riam dela na
escola quando conversava e dizia coisas como: iorgute, calambear, usupor e
outras. Entendia também porque o médico não quis falar o nome da doença ou
distúrbio, sei lá. Ele também era disléxico. Lembrou-se então do último
namorado que a convidava para comer aqueles queijinhos que se compram em
pequenas embalagens e se divertia ao ouvi-la falar em polequinho.
A moça então se afastou do policial com muita vergonha, pensando alto:
__pois é, tenho que voltar ao trabalho e me conformar em ser disléxica.
Ei, você aí que está rindo da história. Dou-lhe um doce se você também
sabia o que é disléxico, antes de ler essa história.
Tião Alves - 29 de agosto de 2014, 07h51min.
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CAPÍTULO IV - O ESTADO E A POLÍTICA
O ESTADO BRASILEIRO E A CACHORRA DA MINHA VIZINHA
Lá nos anos 90 tive uma vizinha muito politizada e até um pouco arrogante. Sei
dizer apenas que ela confrontou Deus e todo mundo. Em algumas pendências
devo dizer que ela tinha razão, em outras, nem tanto. O fato é que ela acabou
sendo assassinada, em plena noite de natal de 1992. Mas, o que quero narrar
nada tem a ver com sua morte. Ela tinha uma cachorra a quem deu o nome de
Laika. Acho que era mesmo assim, com "k". Ela tinha adoração por essa
cachorra. Creio que a cachorra ocupava o segundo lugar, entre suas
preferências, evidentemente, depois do debate político. Hoje, em meio ao
modismo que cerca a expressão: "O BRASIL É UM ESTADO LAICO" fico
imaginando se minha vizinha não quis expressar, no nome da cachorrinha, sua
posição favorável a um estado brasileiro que não tenha cor religiosa. Serão
coincidências essas semelhanças entre: estados, governos, posições políticas
e religiosas e cachorros. Fica a dúvida!!!
BEM-VINDOS A PIKARETYBA
Por um desses arranjos do acaso fui certo dia parar em um lugar estranho.
Havia na entrada uma placa grande, anunciando o nome do país, cidade ou
estado, sei lá. Bem-vindos a Pikaretyba. De cara levei um grande susto quando
quase fui atropelado por dois marmanjos que participavam de um racha, à
bordo de suas máquinas vindas da Europa. Em seguida pude ver muita gente
fumando, outros consumindo álcool. Impressionante como tudo ali era sempre
cercado de muita propaganda, vinda de centenas de carros de som. As
mulheres usavam roupas ínfimas e os homens quase as devoravam com seus
olhos vorazes. Pude ver que as placas de velocidade máxima eram
desrespeitadas na maior cara de pau, até mesmo pelos policiais. Estes vestiam
fardas de cor escura e suas roupas não tinham nada a ver com o calor
alucinante. De alguns alto-falantes jorrava música alta e de mau gosto. Pude
notar, parando em uma banca de jornais que ali ainda se insistia em vender
CDs, sendo que todos eram piratas. Todos os cantores cantavam em duplas,
eram acompanhados por um sanfona desafinada com som desagradável. As
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duplas que eram centenas usavam nomes estranhos, alguns até meio
hilariantes. Havia algumas TVs ligadas e em suas telas pude ver que o mau
gosto e a falta de criatividade imperavam. Havia, por toda a parte, profissionais
para todos os fins. Conversando com alguns deles pude notar que muito pouco
sabiam sobre suas profissões. Insistiam, entretanto, em afirmar que eram
especialistas no que faziam. Costumavam, também, confundir improvisação e
falta de planejamento com criatividade. ..Meu Deus, que lugar estranho. Mais
estranho ainda quando me falaram sobre a política local. Pude saber que se
compravam votos, pagando-se com pares de botinas ou casais de cabritos.
Felizmente pude, então, acordar do pesadelo ou bad dream como diria um
amigo meu Americano e Camarão das praias do Espírito Santo.
Tião Alves, feliz porque tal lugar não existe? 03.10.2014, às 06h58min.
UM NOVO DINOSSAURO
Sai um pouco aí pelas ruas, nessa manhã de sábado, 22 dias antes das
eleições de 2014, para deputados e presidente do Brasil. Confesso que fiquei
impressionado com a quantidade de cabos eleitorais que cercavam as pessoas
e ofereciam os já famosos santinhos. Tanto santo assim acho que não existe
nem no Vaticano. Porém, o que mais me impressionou foi a insistência com
que quase todos os candidatos recorrem à palavra: "novo". Certamente, isso é
uma confissão e/ou constatação dos candidatos de que, o que existe hoje na
política nacional não agrada nem a gregos nem a troianos. Isso tem sim uma
ponta de virtude, ou seja, pelo menos, sabem os políticos e futuros políticos
que não andam agradando. Creio, entretanto, que os nossos nobres
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candidatos não sabem o que significa novo. Se não vejamos: pude ver cara de
gente estampada nos santinhos que defende ideias dignas de um dinossauro,
como: pena de morte, maioridade penal aos 16 anos, submissão da mulher e
ditadura militar. Isso me dá a certeza que, para os nobres políticos, novo
significa: novas formas de se enganar o povo.
Tião Alves em 13.09.2014.
UM BRINDE AO MARX
Sempre haverá um filósofo e/ou louco de plantão na praça. Às vezes dou de
cara com o sujeito da bíblia e sua insistência em condenar prostitutas, lésbicas
e gays ao fogo eterno da Geena. Ele realmente cospe fogo, citando frases
bíblicas e conclamando as pessoas a se fecharem em si próprias e rejeitar
qualquer coisa que não siga os padrões tradicionais. Em outras vezes, o palco
da praça é ocupado por um maluco barbado e simpatizante do socialismo. Este
veste uma camisa com uma foto grande do Chê Guevara e grita frases de
efeito, um pouco desbotadas. Tais como: "o povo unido jamais será vencido",
"o que o proletariado tem a perder são apenas os grilhões". Por vezes, muda
um pouco o tom e cita, novamente Marx e Engels: "trabalhadores do mundo,
uni-vos". Dia desses, entretanto, ao passar pela praça, notei que o nosso Chê
do Cerrado fazia um discurso inflamado:
__ De fato, meus prezados, Cristo, sem dúvidas, com suas novas teses
propostas no Novo Testamento, foi o primeiro grande socialista de que se tem
notícia. Nesse momento, o sujeito da bíblia não resiste. Devo dizer que, o que
ele sabia sobre socialismo é que se tratava de uma porção de homens
barbados e algumas mulheres loucas, envolvidos em política e que tinham em
comum o hábito de se alimentarem de criancinhas. Encheu-se, então, do
espírito de Saulo de Tarso, o rei das porradas e foi para cima do socialista.
__ Que conversa é essa meu amigo. Não utilize o nome de Cristo em vão.
Que grande blasfêmia, Jesus jamais se envolveu em política. Ainda mais essa
agora, Jesus ao lado desses barbados baderneiros.
__ Ora, seu Moisés anacrônico __ responde o nosso Chê. __ Por acaso
ainda não leu a passagem da bíblia onde o Cristo perdoa Madalena de seus
pecados e abre caminho para o reconhecimento dos Profissionais do Sexo?
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__ Ora, Fidel Castro enrustido __ fala o nosso Moisés. __ Que loucura é
essa. Não percebeu, lendo a bíblia que Madalena se arrependeu e apenas por
isso foi perdoada.
O socialista, esbraveja, então:
__ Ora, não me venha com estas teses manjadas, defendidas por pastores
analfabetos.
Nesse momento, nosso Chê avança contra o inimigo e lhe desfere um soco
no queixo. Sem pestanejar, o falso Moisés revida, esquecendo-se inteiramente
de dar a outra face para apanhar, como propõe a bíblia.
No meio de toda a confusão a PM é chamada. Minutos depois chega o
representante da Lei, em sua motocicleta. O agente da Lei tenta entender o
que se passa e se perde entre os dois brigões que falam ao mesmo tempo e de
uma multidão de pessoas que se juntou e também passa a participar da
discussão. O nosso policial, acostumado a lavrar boletins de ocorrência por
furtos de celular, brigas de camelôs, roubos de bicicletas e venda ilegal de
pequis, não consegue registrar a ocorrência. Afinal, quem é esse tal de Chê
Guevara, o que é mesmo socialismo e esse tal de Moisés, mora aqui na cidade
ou é de outro estado. O policial chama reforços, ou seja, gente que manje
desses negócios de política e religião.... Coisas da praça.
Notas explicativas:
1- Geena = inferno.
2- Saulo de Tarso - inicialmente, perseguia, ferozmente o Cristianismo e todos
os cristãos. Depois de se tornar cego, mudou seu nome para Paulo de Tarso,
converteu-se e escreveu algumas cartas, chamadas Epístolas, dirigidas a
alguns povos e que constam da bíblia. Conta a história que Paulo de Tarso, em
sua fase de perseguidor dos Cristãos, os tratava a chutes e socos.
3- Ernesto Guevara de La Serna conhecido como Che Guevara:
guerrilheiro, político, jornalista, escritor e médico argentino-cubano. Participou
da revolução Cubana como idealizador e foi um de seus comandantes.
4- Moisés: consta na bíblia que foi abandonado, ainda recém-nascido, em um
cesto, dentro do Rio Nilo. É considerado um grande profeta da antiguidade,
tendo libertado o povo Cristão do Egito.
5- Fidel Castro: Fidel Alejandro Castro Ruz: governante Cubano que se
manteve no poder de 1959 a 2008.
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O MUNDO VISTO DO ALTO
Sem dúvidas, uma das coisas mais belas é a visão que se tem lá do alto, de
dentro do avião. Nuvens se transformam em grandes blocos de algodão,
quando brancas, e nos trazem saudades da infância e de saborear algodão
doce. As casas se tornam bem pequenininhas, os rios se tornam apenas fios
de água e imitam aquele quadro que temos na parede. As pessoas, quando
conseguimos vê-las, se tornam bem pequenas e chegamos a imaginar que
suas dores, afetos, preocupações e desconfortos diminuem na mesma escala.
Olhando para todo esse mundo que nos parece de sonhos e em tão pequena
escala, podemos imaginar porque os senhores políticos, assim que alçados ao
poder se esquecem das "dores do mundo" e das pessoas. É que, como andam
sempre a bordo dos mais modernos aviões, a jato, passam a cultivar a ideia de
que as pessoas não tem problemas para atravessar rios que são apenas fios
de água. Basta para tanto, arregaçar a barra da calça ou vestido, tirar os
sapatos e logo estarão do outro lado. Por outro lado, para se deslocarem de
casa para o trabalho que está logo ali ao lado, bastarão alguns passos e nada
de engarrafamentos, ônibus lotados e toda aquele pequeno inferno que bem
conhecemos. Se a temperatura sobe e o calor se torna insuportável, basta
saltar o muro baixinho que nos separa da piscina da mansão logo ali a alguns
passos. Não se preocupem com cães de guarda. Olhando lá de cima, de
dentro do avião, aquela fera, travestida em pastor alemão, não passa de um
pequeno cãozinho de estimação. E aí vão os nossos políticos, entre goles de
uísque ou sucos naturais de boa marca e sorrisos de aeromoças, enxergando o
povo cada vez em menor escala e por isso mesmo, pensando lá em seu íntimo:
eta povinho esse nosso.
Tião Alves, em 18.10.2014, às 07h08min, pensando em pequena escala.
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POLÍTICO NOTA 1000
Imagine um político que não tenha o rabo preso e não acredite nessa tolice de
que no Brasil não existem pessoas carentes. Pague pelas suas passagens
aéreas para voar daqui para ali e vice-versa. Não participe da Marcha para
Jesus, nem para a Basílica de Aparecida e, tampouco seja um Pai de Santo.
Não goste de café com creme, puro ou com qualquer outra mistura. Não
frequente a sauna do melhor clube de sua cidade onde todos os maiores
interesses do lugar são decididos. Não seja cliente e nem frequente um bar
onde se fala mal de todos e por isso mesmo recebeu o nome carinhoso de
Butantã. Não assine a lista para implantação da cura gay, nem faça discurso
em velório. Apresente no Congresso uma Lei que impeça a discriminação
contra bairros pobres e distantes de grandes cidades, nos quais não se entrega
sequer uma pizza à noite. Devo dizer que, até John Lennon votaria em tal
político!!!
PELEGO, JAMAIS
Certamente, se dissermos pelego, lá na roça, as pessoas que ali vivem
entenderão que estamos falando de um tapete colocado sobre o arreio do
cavalo. Mais ou menos isso. Aqui na cidade, quando nos referimos a pelego
estamos designando: ou um político safado que poucas vezes aparece na
Câmara Municipal, Assembleia Estadual, Câmara Federal ou Senado. Esse
cara, sempre que pinta algum projeto que irá beneficiar o povão, trata de votar
contra, sequer examinando a matéria. Podemos também, ao nos referirmos a
pelego, estar falando daquele cara que passou a mamar nas tetas de um
sindicato, muitos anos atrás e permanece ali, até hoje, se fartando do resultado
do suor dos outros. Aí, como no Brasil existe a mania de generalizar, em quase
tudo, passa-se a pensar que todo político é safado e todo sindicalista, além de
vermelho e baderneiro, é claro, também é ou será um pelego. Enquanto isso,
os pequenos detalhes responsáveis pelo grande sofrimento dos trabalhadores
brasileiros são totalmente distorcidos. Ontem, segunda-feira, o dia seguinte às
eleições de 2014, no Brasil, foi um dia especial. O sol se escondeu por boa
parte do tempo e propiciou às pessoas a oportunidade de andar livremente
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pelas ruas. Enquanto, isso, historicamente, pude assistir a uma manifestação
dos motoristas do transporte coletivo local, se deslocando a pé, pela avenida
principal da cidade. Pude, então, apreciar o antídoto do peleguismo. Lá ia o
sindicalista, caminhando junto aos colegas, com um microfone nas mãos e,
descrevendo todas as mazelas diárias a que são submetidos os trabalhadores
das empresas de transporte urbano de passageiros. Sem dúvidas, tive a
certeza de que ali estava um sindicalista que jamais se transformará em
pelego.
Tião Alves, em 28.10.2014, exorcizando o peleguismo.
A CULPA É DA SAÚVA
Até o final dos anos 60 ensinava-se nas escolas no Brasil que existiam
animais úteis e nocivos. Evidentemente, a ideia era até um pouco simplória
diante do atual conhecimento, quando se sabe que todos os animais são
importantes e justifica-se perfeitamente sua existência, não cabendo encará-los
como totalmente nocivos. É claro que não podemos negar a grande
importância de uma vaca, por exemplo, e de tudo que ela nos fornece. Mas,
não há como cultivar a ideia de que uma cobra seja um animal que não deveria
existir, apenas invocando os riscos oferecidos ao homem ou a outros animais
pelas suas picadas e inoculação de veneno. No mínimo, uma cobra é
importante no equilíbrio ecológico tão necessário ao bom funcionamento da
vida na terra. Entretanto, o animal considerado como grande vilão,
especialmente no Brasil, foi a saúva. Surgiu até mesmo um chavão em
determinada época que dizia: "ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva
acabará com o Brasil". Não sei exatamente e não consegui descobrir quem
criou o tal chavão. Sequer tenho noção do que se queria dizer, ou seja, referir-
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se-ia a frase ao ataque das formigas à agricultura brasileira da época. Posso,
entretanto, dizer com certeza que, independentemente da fonte que se
consulte sobre esses insetos, existe unanimidade quando se fala da
produtividade no trabalho das saúvas. Ou seja, se decide a comunidade de tais
formigas que irão cortar as folhas de determinada planta, lá seguem elas para
o trabalho e o fazem de maneira organizada e constante, até que concluam a
tarefa. Hoje tive a oportunidade de ouvir um locutor de rádio comparar o apetite
voraz das saúvas e sua organização e produtividade à corrupção que vem
causando sérios prejuízos ao Brasil*. Ora, assim como as ações das saúvas, a
corrupção se instala em determinada repartição ou empresa pública e vai
sugando boa parte dos recursos e dos esforços das pessoas. Há, porém, uma
grande diferença entre o trabalho, digamos destrutivo das formigas e a
destruição causada pela corrupção. Ora, as formigas não cortam simplesmente
folhas de árvores por prazer. Elas o fazem como parte do equilíbrio necessário
a um ecossistema. A corrupção, entretanto, é uma forma de ludibriar as
pessoas, apossar-se dos esforços dos outros, provocar uma concentração de
renda sem que haja, em contrapartida a produção de qualquer quantidade de
trabalho. Por fim, exceto para a satisfação de interesses pessoais imediatos,
não existe qualquer benefício trazido pela corrupção. Este é, sem dúvidas,
mais um caso em que o homem imita um inseto e o faz de maneira pobre e
incorreta.
*Refere-se, no texto, ao jornalista Ricardo Boechat.
CAPÍTULO V - UMA CIDADE EM 2 VERSÕES
REDAÇÃO DE COLÉGIO
Minha cidade é algo que me inspira. Ali, deitada calmamente, em meio ao
cerrado brasileiro abriga nossos sonhos, nossos bons momentos e nossa
inspiração. Minha cidade é feita de ruas largas, grandes avenidas, ao lado de
vielas estreitas. Por todas essas vias segue o progresso, no ruído de mil
automóveis e caminhões que levam o material para milhares de novas
construções. Enquanto isso, ali, na rodoviária, novas caras e corações vêm de
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tão diversos lugares para compor conosco a alma de minha cidade. A
felicidade certamente terá se inspirado nas rotinas do dia a dia de minha
cidade. Que não apresenta a descontinuidade, nem as surpresas de serras,
distribuindo sua beleza por uma planície extensa. Minha cidade é bela seja de
onde se chegue. Pelos lados do leste podemos observá-la tranquila, seja
dormindo seu sono noturno e breve ou se agitando em mil transações,
construções e negócios de mais um dia agitado. Seja sob o sol que revela seus
traços e beleza ou sob a chuva mansa que caí. É assim minha cidade: muito
fácil de ser amada, muito difícil de ser deixada. Chegando pelo oeste, vários
bairros se aglomeram à beira da rodovia. E são pequenas amostras do gigante
que respira. Se pelo norte chegamos, também nos acolhe a beleza e o vigor de
sua industrialização. Pelo sul, chegando, quantas mansões, belas residências
que dão o tom do progresso, da criatividade e do amor cultivados por seus
moradores. Que dizer de seu povo que fala com dezenas de sotaques, mas,
cultiva uma única identidade. Só mesmo recorrendo a um bom café da tarde,
em uma de suas dezenas de cafeterias, é lógico, acompanhado de um bom
pão de queijo.
A CIDADE REAL
Não poderei defini-la apenas por ruas e avenidas ou pelos templos do consumo
que surgem e se consolidam. Sequer pela sua classificação no ranking das
cidades do país. Menos ainda por grandes empresas que acolhem milhares de
trabalhadores. Talvez pelo sotaque tão variado e que faz antever a origem de
cada um dos seus moradores. Ou pelo sonho comum das pessoas do povo.
Aliás, compartilhado por milhões de outras pessoas também simples e
modestas. Ou seja, uma casinha simples e aconchegante, um carrinho usado
na pequena garagem e um dinheirinho extra para a festinha de aniversário das
crianças. Ou um pouquinho mais de folga no orçamento para garantir um
churrasco e umas bebidinhas, em alguns finais de semana. Mas, posso
também enxergá-la com maior profundidade. Na aventura difícil que se tornam
a vinda e a volta do trabalho. Diante da condução lotada ou da multidão de
carros que se aglomeram e são dirigidos por pessoas cada vez mais loucas,
apavoradas e com pressa de chegar à própria casa. Posso ouvir o clamor de
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sua massa trabalhadora. Conhecedora da cruel distribuição de renda. Esta
capaz de dividir as pessoas em dois grandes grupos. Os que sonham e os que
têm pesadelos, diante do orçamento que nunca se fecha. Como dizem alguns:
sempre estará sobrando mês no fim dos salários. Observem que, poderia me
deter apenas em suas belezas naturais ou na comodidade de reconhecê-la
como um paraíso. Por questão de justiça, entretanto, não posso atribuir-lhe
tons de paraíso ou seria injusto com os que sofrem e lutam, muitas vezes sem
receber grandes compensações. Não posso também assemelhá-la ao inferno,
recorrendo apenas ao ruído ensurdecedor de mil buzinas de gente apressada e
sem o mínimo de discernimento. Digo, então, aqui se tem uma cidade com
momentos felizes e deslumbramento, diante do sol que nasce ou se põe. Que,
porém, tem lá também seus momentos de loucuras e injustiças.
CAPÍTULO VI - BIOGRAFIAS
CORONEL CAMELO
Os adversários políticos do Coronel Camelo diziam que ele fora o último
representante da Dinastia dos Coronéis. Há, certamente, um equívoco na
afirmação. Ora, os adversários entendiam que a série de coronéis que foram
prefeitos da cidade constituíam uma dinastia. Não havia qualquer grau de
parentesco entre nenhum dos coronéis. Portanto, não haveria que se falar em
dinastia que é caracterizada por uma série de soberanos que pertencem à
mesma família. Porém, a coincidência de ideias e ideais professados por todos
os coronéis davam certa razão a quem se referia à dinastia. Permitam-me
então, acatar a tese dos ferrenhos adversários de Camelo e falar aqui sobre a
Dinastia dos Coronéis. Tudo começou lá pelos anos 50. Antes, não se podia
diferenciar político e coronel, portanto, falar-se em qualquer de ambos
representava a mesma coisa. O primeiro coronel assumido que governou a
cidade foi o Coronel Cabrito, que pertencia ao ramo da hotelaria. Dizem as más
línguas que ele misturava os interesses da prefeitura com os de seus hotéis.
Que fique bem claro, jamais foi transferido qualquer bem de um seu hotel para
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a prefeitura. A transferência inversa, entretanto, ocorria frequentemente. Dizem
que Cabrito era muito religioso e caridoso. Isso nos faz lembrar de nossas
origens. Também os Portugueses sempre foram muito corretos com as coisas
de Deus e caridosos. Especialmente com as negras da senzala a quem faziam
questão de dar belos filhos. Vieram depois outros tantos coronéis, sempre com
nomes de animais. Não deixaram, entretanto, estes representantes da nobreza
da época grandes obras ou mudanças, não merecendo grande destaque. Sou
obrigado, entretanto, a me deter nos vários governos do Coronel Lobo. Esse
sim, deixou sua marca nas grandes obras que realizou. Destacam-se um
grande estádio de futebol e um bairro populoso, por mera coincidência,
construído em um terreno que pertencia a um parente seu. Certamente,
alguma rua do bairro recebeu o nome daquele parente, reconhecendo-se assim
o grande sacrifício feito por ele ao vender suas terras à prefeitura, por míseros
milhões de cruzeiros da época. Finalmente, vencida parte da história da
nobreza dos prefeitos da cidade, chegamos ao Coronel Camelo. Em sua posse
houve uma cerimônia muita bonita com muitos fogos. Em seu discurso
emocionado foram lembrados todos os grandes vultos da república. Entre eles,
evidentemente, outros tantos coronéis que, por opção dos marqueteiros já
presentes em tempos tão remotos, não assumiram a alcunha. O nosso herói,
Camelo, teve um governo digno de qualquer outro coronel. Sempre teve como
inspiração a fábula do Leão e do Chacal. Ou seja, todas as melhores partes da
caça devem pertencer ao Leão. O que sobrar ao povo, ou melhor, ao Chacal.
Durante os governos de Camelo, as imobiliárias e os especuladores
imobiliários de toda ordem tiveram assento próximo ao mandatário. Tudo foi
feito para que aqueles terrenos dos compadres se valorizassem. As
campanhas políticas foram exemplares: "irei equipar a polícia e combater a
violência, firmando uma parceria com os representantes das Polícias Estadual
e Federal". Ora, o verdadeiro teor do discurso seria: "violência é obra dessa
gentinha das periferias que não foi parar ali por acaso. A polícia precisa agir
com rigor com os pequenos marginais. Enquanto isso, prometo que estarei
sempre em Brasília, lutando pela maioridade penal aos 16 anos". Enquanto
isso, o próprio Camelo financiava a vinda de um jogador de 16 anos para o
time de futebol local. Esse tal garoto era um estelionatário renomado na capital.
Porém, sua habilidade com a bola nos pés e o número de votos que isso
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propiciaria, justificava adiar por uns meses a mudança da idade para a
maioridade penal. E por aí foi o governo do Coronel Camelo, sempre ao lado
das forças vivas da cidade e esquecendo-se de vez das verdadeiras
prioridades do povo que é quem realmente paga impostos. Os ônibus andavam
cada vez mais cheios, faltavam vagas nas escolas públicas, a quantidade de
servidores públicos municipais crescia exponencialmente, enquanto os salários
não cobriam o mínimo de suas necessidades. Por questão de justiça, cabe-me,
entretanto, apresentar a tese do imenso "cordão de puxa-sacos" conquistado
por Camelo. Diziam que sua alcunha se devia ao seu hábito de trabalhar de sol
a sol. Ou seja, como se diz na roça, vivia sempre camelando.
Míster Rudhy Sweet
Vou descrever alguns traços da personalidade de Rude, assim sempre o
chamam seus amigos mais próximos. Depois, conto com sua ajuda para tentar
decifrar o verdadeiro caráter de nosso grande amigo. As origens de Rude
podem nos ajudar a tentar entendê-lo. Ora, seu comportamento às vezes
grosseiro e agressivo justifica totalmente sua alcunha de Rude. Por outro lado,
em alguns momentos, ele se transforma e demonstra uma fineza, uma
solidariedade e até mesmo um espírito de equipe que justificam o Sweet
presente em seu nome. O fato é que a vida não foi muito solidária, também,
com nosso amigo. Ainda muito cedo o convocou para pegar no cabo da
enxada, dá pá, da picareta e de tantas outras ferramentas. Ora, que esperar
então de alguém que conheceu, antes do lápis e da caneta, a pá e a picareta.
Existem, porém, muitos exemplos de outros homens que, embora convivendo
diariamente com o trabalho duro e estafante, arrancam não se sabe de onde
uma imensa dose de cordialidade. Isto, certamente, não se aplica a Rude.
Sejamos, entretanto, bem tolerantes e nos detenhamos na parte positiva de
Rude. Às vezes ele se torna muito carinhoso e até mesmo babão, diante da
presença da netinha. Incrível como cultiva crenças tão diversas. É capaz de
rezar o terço com os amigos católicos que são muitos. Porém, podemos flagrá-
lo também concentrado e atento, assistindo a uma sessão de descarrego, entre
os amigos umbandistas. Os amigos evangélicos também aparecem em alguns
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domingos para apreciar com ele uma galinhada ou outro prato da culinária
Mineira ou Goiana, sei lá. Os amigos evangélicos leem a bíblia em voz alta e
dão aos trechos lidos a interpretação que lhes convém. Rude, assumindo seu
lado Sweet, ouve tudo atento e silencioso. Consegue, perfeitamente, avaliar a
fragilidade da maior parte da argumentação dos amigos. Entretanto, se cala,
compreendendo que estando em minoria será sempre voto vencido. Confesso
que às vezes perco a paciência com Rude, em seus momentos de ira em que
perde totalmente a razão. Porém, seu jeitão de índio aculturado e seus
momentos de lucidez e doçura me fazem admirá-lo. Por esta mescla de rudeza
e um pouco de gentileza e cordialidade é que tenho na lista de amigos o meu
doce, ao gosto do Inglês, amigo e Rude companheiro.
Sweet, do Inglês: doce, meigo, meloso.
JOÃO DO BAÚ
A pequena cidade do interior de Minas era mais conhecida pelo "calor
ensurdecedor". Para mim, entretanto, sua principal característica era sua
capacidade de gerar tipos excêntricos. Havia a moça que andava pelas ruas
com sua carrocinha, recolhendo recicláveis e se antecipando em quase 40
anos à onda verde que surgiria apenas no final do século XX. Mas, sem
dúvidas, o tipo de maluco que mais me atraia era o barbudo que passava os
dias em uma das praças da cidade. Aliás, devo me deter por momentos
naquela praça. Impressionante a diversidade de tipos e situações ali presentes.
Fosse na meninada a passear, conversando alegremente, enquanto pedalava
suas bicicletas. Ou nas comadres que ali se encontravam a caminho da Igreja
Matriz. Agora me lembro de uma atitude imperdoável minha. Nunca entrei na
Igreja Matriz da pequena cidade. Embora tenha morado ali durante um ano,
jamais conheci o vigário. Outro fato que me despertava curiosidade. Eu que
vinha de uma cidade maior, me admirava sempre com os costumes locais. Pela
tal praça sempre passavam os cortejos fúnebres. O curioso: o morto ou morta
ia sobre um carrinho com 6 rodas e conduzido pelos amigos e parentes. Não
havia carro funerário. Quase me esqueço de meu personagem principal. João
do Baú, fã do Raul Seixas e metido a filósofo permanecia ali, no centro da
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praça, meditando, desde a manhã, bem cedinho, até o final da tarde, quando o
sol encerra seu dia de trabalho. Havia ali, nas casas que cercavam a praça,
algumas senhoras caridosas que se incumbiam de fornecer o almoço ao João.
Confesso que não havia muito o que fazer na repartição em que eu trabalhava
na época. Isso me garantia tempo para trocar ideias, durante longas conversas
com o João. Uma coisa descobri logo. O João não era, como definiam os
moleques que vagavam pela praça em busca de ninhos de passarinhos, um
maluco beleza, como diria Raul em uma de suas futuras músicas. Tinha uma
grande capacidade de raciocínio e sabia juntar fatos e coisas, como qualquer
outro ser humano. Descobri que Baú optará por se exilar entre os loucos e fugir
da carga de responsabilidades diárias a que são submetidos quase todos os
seres humanos. Descobri que havia também em mim, um pouco da loucura
atribuída ao João. Muitos anos depois, percebi que, também eu, muitas vezes
diante de situações difíceis e com as quais não sabia lidar, pensei em me
refugiar na loucura e me abrigar, barbudo e sujo, em uma praça qualquer. O
que me trouxe de volta ao mundo civilizado e cheio de barreiras e obrigações
foi a curiosidade. Essa curiosidade em conhecer, conviver e tentar entender os
Joões do Baú que vagam por aí pelas praças das pequenas e grandes cidades.
Não conto mais, eis que chega alguém e leva o João do Baú em um dos
carrões já existentes na época. Chegara o dia de seu banho anual e de colocar
roupas novas para mais um ano de vida. Fica para outro dia a continuidade de
minhas longas conversas com o João do Baú.
ZÉ DA OBRA
Nada sabe ele sobre Física, aquela ciência que se ensina na escola. Tem,
entretanto, a perfeita noção da Lei da Gravidade. Pelo menos avalia a
trajetória e a "força" do tijolo que cai em queda livre. Um dia desses, por
exemplo, um desses tijolos que têm personalidade própria e se jogam lá do
alto, por simples capricho, foi capaz de esmagar o crânio de um seu colega.
Vejam só que coincidência, pensa Zé. O tijolo resolver cair justamente quando
o Listerine passava bem embaixo. Também, o cara é um azarado. Zé também
conhece a força da serra circular. Ela, assim como tudo aquilo capaz de gerar
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ou transformar energia, não faz distinção entre patrão, empregado ou
encarregado. Qualquer um que, distraidamente, deixa os dedos se
aproximarem dos dentes do disco da serra terá os dedos decepados. Zé não
se assentou por muito tempo em bancos de escola. Mas, sabe de algumas
coisas das quais se gaba. Sabe, por exemplo que ele, com suas mãos
calejadas porém hábeis, tem a capacidade de erguer paredes, capazes de
separar as pessoas ou de esconderem sonhos inconfessáveis. Pode abrir
janelas e permitir que por elas passem olhares, cumprimentos e que até vazem
os sonhos ocultos atrás das paredes. Pode abrir portas por onde as pessoas
poderão buscar sua liberdade, voltando apenas se lhes convier. Pode construir
pontes e aproximar o sul do norte ou o leste do oeste. Uma coisa, porém, Zé
não consegue explicar. Por que: se ele levanta as paredes que abrigam ou
aprisionam. Os tetos que protegem contra o sol impiedoso e a chuva fria. Mas,
que também ocultam o brilho das estrelas. Ora, ele deveria ser um homem
poderoso. Ele deveria decidir se iria construir um ponte, procurando levar em
conta se por ela passariam remédios e alimentos, esperanças e sonhos, ou
soldados armados em busca de um novo massacre. Ele, porém, não detém
nenhum poder, morando em um bairro distante. Vindo para o trabalho dentro
de um ônibus lotado. Zé nem imagina que, usando de alguns artifícios, outros
se apossaram de todo seu poder, traduzido na linguagem de enxadas,
picaretas, prumos e colheres de pedreiro. Compraram sua força de trabalho,
pagando com míseros reais, insuficientes muitas vezes para prover a
alimentação dele e da família. Mas, acima de tudo, compraram de Zé o tempo,
não lhe dando oportunidade de pensar ou se descobrir. E, assim, conseguiram
que Zé da Obra, escondido atrás da roupa suja e surrada, seja um pensador a
menos. Um assalariado mal pago a mais. Mais um, fácil de se traduzir em força
de trabalho, em ser não pensante, em inocente útil.
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O Celibato de Thainá
Thainá completa hoje 64 anos. Por momentos vence o medo de olhar para trás,
para o que foi sua vida. Consegue, então, enxergar a juventude, a casa sempre
cheia de irmãos e a autoridade absoluta dos pais e dos irmãos homens.
Lembra-se da vigilância quase policial que exerciam sobre ela, então jovem e
muito bonita, pais e irmãos. Lembra-se de tantos sonhos abortados ainda no
nascedouro. Porém, nem só de tristezas se compôs seu passado. Lembra-se,
com carinho, dos dias em que se emancipou a assumiu seu próprio destino.
Sua decisão de assumir a maternidade, sem apoio familiar ou de seu parceiro.
Então, diante de tantas coisas que a assustam e tantas outras que a
decepcionam, Thainá olha para a filha. Ainda moça, porém a caminho da
maturidade. Sente-se, então, feliz, por pelo menos alguns minutos. Por
instantes se livra das dores no corpo, da insegurança, da solidão quase
completa, consequência de sua vida celibatária. Lembra-se, entretanto, que
sua única porta de saída para o mundo é a filha. Percebe que, novamente e
muito em breve correrá grandes riscos. Ora, é apenas questão de tempo para
que sua filha assuma também o seu destino. Aí, todas as portas do mundo
estarão fechadas para Thainá. Percebe que, ainda mais grave em relação a
tantas pessoas idosas que a cercam é sua situação. Ela não tem sequer um
telefone celular com suas muitas funções que poderiam abrir para ela a falsa
porta das comunicações virtuais. Thainá, então, se aproveita da presença de
sua data especial e decide:
__ Ainda amanhã irei comprar um desses telefones de última geração. Irei
entrar para o mundo virtual e serei mais uma idosa consciente e ao mesmo
tempo mergulhada na inconsciência do mundo virtual.
Quanto ao celibato, entende que passou o momento em que poderia
reverter a situação. Conhece alguns homens idosos. Porém, aqueles que não
têm hábitos desagradáveis estão muito massacrados pelo tempo. Estes não a
atraem. Thainá percebe, então que está na hora de retornar à sua labuta diária
e que não cessa, nem mesmo no dia de seu aniversário. Clamam por ela: as
roupas que devem ir para a máquina de lavar, a feitura do almoço para a filha
que em breve sairá para o trabalho e a rotina diária da limpeza da casa. A
filosofia e as grandes decisões ficam para outra hora.
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VOVÓ KAYANA
Afinal não estou assim tão velha. Essa história de avó, entretanto, me assusta
um pouco. Como eu iria imaginar que a Lia, logo ela, empenhada sempre em
viver a custa dos homens e não lhes dar qualquer importância. Pois é, de
repente a Lia mudou de rumo. Assumiu um romance sei lá se por amor ou por
interesses econômicos. Ou mesmo pelo somatório de ambos. Como ficará
nossa casa quando o pequeno Lutero vier ao mundo. Sei que, logo que ele
começar a andar virá certamente morar comigo. A Lia sempre gostou daqueles
roques muito doidos ou daquelas músicas sertanejas sem sentido e
acompanhadas por uma sanfona desafinada. Será que ela e o Lutero terão
gostos semelhantes? Quem sabe o Lute, vejam já estou até lhe dando um
apelido carinhoso, tenha gosto musical mais parecido com o meu. Ele poderá
até gostar dos meus pen drives com minhas mil músicas românticas. Quem
sabe um dia a Lia se canse desse negócio de casamento e volte para sua vida
de encontros casuais, aí, enquanto ela vagar por aí, poderemos eu e meu neto
vivermos em harmonia. Não me importo de cuidar dele, desde que ele não
tenha hábitos parecidos com os da mãe. Por exemplo, aquele costume terrível
de se levantar na hora do almoço. De não arrumar a própria cama. De ligar o
som no último volume e só ouvir porcaria. E minha vida. Continuo a viver
sempre sozinha. Ás vezes aparece um cara que fala muito. Poucos dias depois
percebo que ele tem apenas conversa. Não leva nada a sério. E o pior de tudo:
só me aparecem homens casados e safados empenhados e enganarem as
esposas. Sabe de uma coisa, esse negócio de velhice é mesmo foda. Me
desculpem pela expressão, mas, não tem outra que possa definir melhor a
situação. As pessoas querem ter sobre nós idosos ideias sempre formadas.
Querem que sejamos peças de museu, aceitando as ideias da juventude de
hoje que nunca fazem qualquer sentido. Olha só para a cara e as atitudes dos
jovens. Estão sempre andando em círculos, gastando mais do que ganham,
endeusando falsos ídolos vendidos em propagandas e programas de TV.
Comem sempre a pior comida. Bebem demais e ouvem sempre o pior tipo de
música. E ainda vêm nos taxar de velhos, retrógrados, manhosos e tantas
outras coisas. Sabe de uma coisa vou agorinha ouvir aquele pen drive com
músicas românticas dos anos 70. Se não posso viver a plenitude da vida,
sendo ouvida e respeitada, devo aproveitar pelo menos o silêncio da casa, sem
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filhas dorminhocas ou netos chorões. Ninguém sabe quanto tempo irá durar
esta tranquilidade.
O UMBIGO DO JUCA
Juca foi educado para brilhar. Na verdade, os passos de Juca para o sucesso
começaram bem antes. Ele nasceu em uma família abastada e que nunca teve
nenhum dos grandes problemas econômicos tão comuns a quase todo mundo.
Então tudo foi muito fácil e simples na vida de Juca. Viveu uma infância
tranquila, sempre tendo os melhores brinquedos. Frequentou as melhores
escolas e viveu com intensidade todas as brincadeiras de criança. Porém, nem
tudo poderia ser perfeito. Juca adquiriu desde cedo uma admiração quase
doentia pelo próprio umbigo. Então, nosso herói passou grande parte de sua
juventude olhando para o próprio umbigo. Isso não seria tão grave,
considerando-se que boa parte das pessoas que nos cercam têm o mesmo
hábito de Juca. Ou seja, passam grande parte da vida olhando, também, para o
próprio umbigo. O caso de Juca, entretanto, era muito mais grave. Muitos,
ainda que escravos do mesmo hábito de admirarem por horas a fio o próprio
umbigo, dedicam algum tempo também a outras tarefas e diversões. Ele,
porém, admirava seu umbigo como atividade única e exclusiva. Juca, então,
por influência de sua família poderosa, foi trabalhar no único jornal de sua
pequena cidade. Ali foi encarregado de escrever, além das fofocas da
sociedade local, uma crônica diária. Podem imaginar no que deu tudo isso.
Juca em suas crônicas não apresentava nada de novo ou que tivesse qualquer
interesse universal ou social. Só fazia apologia a si mesmo. Qualquer
personagem que criava em seus escritos sempre mantinha os traços de seu
caráter e acabava, nas pobres peças por ele escritas, se transformando em
herói. Nem mesmo aquele costume interiorano tão conhecido de elogiar
figurões da sociedade local merecia de nosso cronista uma oportunidade
sequer. Muitas vezes, tentando elogiar o prefeito, o juiz ou até mesmo o padre,
acabava por colocar umas pitadas de sua própria personalidade no
homenageado do dia. Tempos depois, por um desses arranjos tão conhecidos
em nosso país, Juca foi eleito o cronista do ano de sua cidade. Data dessa
época o costume da imprensa interiorana e muitas vezes até dos grandes
centros de ser capaz apenas de se autoelogiar, ou dirigir elogios aos
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poderosos e poderosas do lugar ou simplesmente olhar o tempo todo para o
próprio umbigo.
CAPÍTULO VII - FILOSOFANDO
REFORMA AGRÁRIA
QUANDO EM MIM SE EXTINGUIR A VIDA, NÃO IREI OCUPAR MAIS QUE 90
CM² DE TERRENO PARA ABRIGAR MEU POBRE ESQUELETO HUMANO.
PORÉM, MINHAS IDÉIAS, ESTAS IRÃO MARTELAR POR MUITOS E
MUITOS ANOS A MENTE E O CORAÇÃO DAQUELES QUE ME
CONHECERAM E OUVIRAM.
Tião Alves, 14.09.2014.
MULHERES CONVIVA:
Não tente entender as mulheres, apenas conviva com elas.
Não tente moldá-las ou mudá-las, elas já estão prontas.
Não tente saber do que elas gostam, talvez, sequer elas ao menos o imaginem.
Saiba, entretanto, ler em seus gestos e olhares o que em seu coração se
oculta.
Tião Alves, tentando aprender a ler e interpretar gestos e olhares, às
05h55min do sábado, 15.11.2014.
30 SEGUNDOS:
O que você faria se lhe restassem 30 segundos de vida? Leria a bula da pílula
que pode providenciar a travessia. Escreveria um bilhete pedindo desculpas
àquela pessoa que você feriu. Assinaria uma documento passando todas as
suas dívidas para seu maior amigo. Ou tudo que é seu para seu pior inimigo.
Fumaria seu primeiro cigarro suspeito ou escreveria uma declaração de amor à
rotina e à caretice. Confessaria que foi você quem rabiscou o aviso do
elevador. Que ouve músicas do Reginaldo Rossi escondido e com fones de
ouvido. Que já dançou funk em frente ao espelho do quarto, com todas as
cortinas fechadas. Atravessaria a rua movimentada sem olhar para os lados.
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Se arriscaria a andar de moto táxi. Cancelaria a assinatura da TV a cabo. Ou
simplesmente esticaria as pernas no sofá e continuaria na sua vida de inércia,
fazendo um gesto obsceno para o mensageiro que lhe deu a notícia?
A DITADURA DOS FILHOS
Conheci muitas pessoas que se deram mal, baseando todas as suas
esperanças no crescimento e na formação dos filhos. Hoje andam por aí
sozinhas, sem compreensão, atenção ou mesmo enfiadas em um asilo. Vai
aqui um alerta a todos. Filhos são sim uma dádiva, à medida que nos alegram
a alma,quando ainda crianças. Porém, vem o tempo e lá vão eles, em seus
voos inexoráveis. O melhor mesmo é manter sua própria identidade, que
independa da identidade dos filhos. Ou, qualquer dia desses vou encontrá-lo(a)
por aí choramingando a dizer: que bando de ingratos, de egoístas e que se
esquecem das pessoas assim que as julga ultrapassadas. Que nada, construa
sua própria história, tendo em mente que, seu papel de pai ou mãe se limita a
apontar as diferenças entre as diversas opções de caminho, sem tentar
influenciar as decisões dos filhos. Depois é seguir o seu próprio caminho,
esquecendo-se de taxá-los de ingratos ou algo que o valha. Lembre-se que
você agiu da mesma forma com seus pais e nem por isso se considera ingrato.
AMOR DE MALUCO
Amor de maluco tem tons de obsessão,
tem cara de camicase,
tem jeito de noite mal dormida,
às vezes tem gosto de café requentado,
de emoção já vivida.
Mas, quando explode na cama tem emoção de torcida fanática,
de transgressão de trânsito,
de gol de placa,
de contrato de risco.
Amor de maluco não faz sofrer,
mas faz delirar,
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faz pedir mais,
pede silêncio,
exige que se aprenda a linguagem de sussurros.
Mas, quem diria, tem cumplicidade,
tem parceria,
afinal,
nem só de loucura se podem viver todos os dias.
Tião Alves, tentando entender a lógica e a sensibilidade de um maluco.
DEVEMOS CAMINHAR JUNTAS
Quem observar bem verá que, durante uma caminhada, uma de nossas pernas
possui uma passada maior que a outra. Ora, quando caminhamos por uma
pista com traçado definido e bem marcado, nossas pernas se harmonizam. Isto
é, aquela que tem a passada mais curta, faz um esforço extra e aquela com
passada mais larga dá um refresco. Assim, ambas conseguem juntas,
acompanhar o traçado da pista. Imagine-se agora caminhando em pleno
deserto. Ora, não existe ali nenhuma pista traçada, nenhuma árvore nem
qualquer outro referencial. Ora, é evidente que, se uma das pernas mantiver
seu passo mais largo e continuar seguindo em frente, haverá um
distanciamento entre ambas. Mas, as duas pernas estão presas ao nosso
corpo e não têm como se distanciar. Resta, então, uma única alternativa a qual
será adotada por nós, instintivamente. A perna com maior passada irá
descrever uma trajetória circular, obrigando a outra perna a também percorrer
uma trajetória circular. Evidentemente, a perna com maior passada irá
percorrer uma circunferência com maior raio para que, percorrendo uma maior
distância, possa ser acompanhada pela perna menos atlética. O resultado
disso é que, em condições extremas, percorrendo-se uma trajetória circular
passemos a andar em círculos. Isso equivale a estarmos perdidos em pleno
deserto.
Podemos assemelhar, em nossas vidas, o caso das pernas ao de nossos
interesses e empenho empregados na conquista de coisas materiais e
espirituais. Digamos que a nossa perna esquerda esteja associada à nossa
espiritualidade e a direita aos nossos interesses materiais. Muito fácil se torna
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assemelhar nosso vida, nos dias de hoje, a um deserto onde a cada dia se
perdem os referenciais. Logo, se não conseguirmos, com toda a arte de que
dispomos, encontrar uma forma de ter consonância entre os aspectos materiais
e espirituais, brevemente estaremos andando em círculos. Assim como no
campo da manutenção da boa forma do corpo, é recomendável que,
diariamente, treinemos nossas habilidades, na busca da harmonização entre
corpo e espírito.
Tião Alves, em 03.12.2014, às 08h43min, sonhando com a harmonia entre
corpo e espírito.
A VORACIDADE DO TEMPO
Não há como negociar sequer impor nada.
O tempo avança e devora com igual indiferença: segundos, minutos e
esperanças.
Desconhecendo nossa fragilidade ou arrogância, salta por cima de sonhos,
ignora tramas ignóbeis.
E vai em busca do quê?
Sabe-se lá, se nem sempre, como muitos acreditam, ocorrem mudanças.
Afinal, avanços e retrocessos são dois lados de uma mesma moeda que pode
ter sua face virada até por um criança.
Há, portanto, assim como duas paralelas que no infinito se encontram, um
ponto de convergência em que: sucesso e fracasso se confundem.
Viram como é fácil se perder em divagações?
Exatamente por isso é tão importante não se perder na vida um só segundo.
Até mesmo divagando eis que nosso senhor absoluto, o pai de segundos,
minutos e horas caminha resoluto e nos arrasta para o ponto final. Ou será
para o nada???
Tião Alves - 15.09.2014, às 17h20min.
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AS CARAS DA MINHA CIDADE
Minha cidade não tem uma cara,
ou tem várias,
tanto que às vezes me confundo.
São tantas caras que se juntam e formam, no espelho,
as caras da minha cidade.
Dizem que: quem vê cara não vê coração.
Mente o dito:
eis que as caras são filtros da alma,
e mostram aspectos de nosso interior.
Andando pelas ruas da minha cidade,
olhando para todas as caras,
posso perceber o que vai na alma de meu povo.
Gente que tem sonhos e os vê cada vez mais distantes,
roubados por concreto, fumaça e tramas ignóbeis.
Ouço sussurros de milhares de amores,
em seus ardores e anonimato.
Vejo correr o suor pelas caras,
no esforço de erguer obras belas.
Vejo que muitas vezes o esforço é inútil, pois não traz grandes benefícios,
riquezas nem pensar.
Vejo aqueles que se perdem e buscam, seja na força de uma arma em punho,
ou na loucura propiciada pela pedra ou pelo pó,
uma solução para toda a pobreza, seja aquela que se revela na carteira vazia,
ou na falta de sonhos ou mesmo de ilusões.
Esta é em fim a cara do povo e por que não, da minha cidade.
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RETAS REVERSAS
Impressionante as grandes semelhanças entre a ciência e a vida da gente. Cito
um exemplo: sem dúvidas, uma das partes mais difíceis da Matemática, ou
melhor, da Geometria é a chamada Geometria Descritiva. Existe um caso
interessante na Geometria Descritiva e que se assemelha a algo que ocorre na
vida da gente. Trata-se das retas reversas. Ou seja, são chamadas retas
reversas aquelas que se localizam em planos diferentes. Sua particularidade,
evidentemente: jamais irão se encontrar .
Vejam a semelhança com o caso de certas pessoas que, embora tenham
conosco grande afinidade e sua presença nos alegre o coração, em
determinada época desaparecem do alcance de nossos olhos e dos nossos
instrumentos de comunicação.
QUEM DE NÓS NUNCA VIVEU UM CASO DE RETAS REVERSAS COM UMA
PESSOA DE QUEM GOSTA!!! Desabafos à parte, desejo um bom dia a todas
e todos.
PISO EM BRAILE:
Permitam-me abusar da analogia. Dizem que o nome correto daquele piso em
alto-relevo que facilita o movimento de quem possui deficiência visual é: piso
tátil. Prefiro denominá-lo: piso em Braile. Se você tiver um pouco de boa
vontade verá que faz sentido. Um piso em Braile possui uma característica
marcante. Quem dele necessitar, terá apenas uma alternativa de trajetória
para seu deslocamento. Existe um dito popular que diz: "o pior cego é o que
não quer ver". Ora, muitas pessoas adotam para seus caminhos na vida uma
espécie de piso em Braile, passando a se encaixar, perfeitamente, na condição
de pior cego. Ou seja, acalentam sempre os mesmos sonhos, mantêm sempre
os mesmos costumes, têm sobre as outras pessoas sempre as mesmas ideias.
E tantas outras coisas, tais como: almoçam sempre no mesmo horário, sempre
curtindo o mesmo cardápio. Outros até exageram. Lembram-se perfeitamente
do dia em que conseguiram um(a) namorado (a) e, quando saem em busca de
alguém, procuram repetir a roupa usada naquele dia feliz. Tem até um caso de
um treinador de futebol que vestia sempre uma camisa da mesma cor daquela
que usava quando obteve o melhor resultado na sua carreira. Felizmente,
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neste caso, não era a mesma camisa, credo. Era sim uma similar, digamos,
uma genérica. Isso não teria grande importância e se perderia na questão tão
pessoal de hábitos e costumes, não cabendo sequer criticá-los. Porém, quando
se trata da chamada visão congelada sobre as outras pessoas, a coisa se torna
grave. Ora, se mantivermos para sempre a mesma ideia sobre todas as
pessoas, estaremos condenando o ser humano a experimentar a evolução
zero. Ou seja, o mau professor será sempre mau, não podendo evoluir e
adquirir novas posturas e acumular novos conhecimentos. A pessoa agressiva,
será sempre agressiva e terá gastado em vão algum dinheiro com um
tratamento psicológico. Aqueles dentistas que colocam aparelhos na boca de
todos os clientes que aparecem no consultório, estarão perdendo todo o seu
tempo. Ora, quem tem os dentes tortos sempre os terá. Certamente, certos
comportamentos se derivam de crenças arraigadas. Tais como, um
comerciante corrupto, realmente, não terá muitas chances de passar a agir
com honestidade. Pessoas que não prezam a própria palavra, provavelmente
não irão mudar. Definitivamente, a atitude de adotar um piso em Braile não
parece muito saudável e efetiva, exceto para aqueles que realmente possuam
uma deficiência visual.
AI DO PAI QUE POUPA CARINHO
Zeca da Fé e Zé do Gole viviam a discutir por qualquer motivo ou até sem
motivo nenhum. Um de seus assuntos preferidos era comentar e debater textos
da bíblia. Um dia desses quase chegaram aos tapas e pontapés diante das
ideias de Zeca que, segundo Zé são machistas e discriminatórias. Antes que
me esqueça Zé da Fé é um desses caras muito chatos que interpretam o que
leem da maneira que lhes convém E vão por aí, defendendo certas ideias
absurdas. Vejam como transcorreu o diálogo:
__ Ora, Zé, está lá, na Epístola de Paulo aos Coríntios, a mulher deve ser
totalmente submissa ao marido.
__ Ora, Da Fé, em que mundo você vive. Parece que ainda não sabe que a
Constituição do Brasil mudou em 1988 e a mulher também pode ser a cabeça
do casal __ desafia Do Gole.
Zeca fala, então, com veemência:
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__ Ora, meu amigo, não me venha com essas modernidades absurdas.
Lugar de mulher é na cozinha, ou cuidando de outros afazeres domésticos. O
homem, assim como consta na Bíblia, deve ser o responsável pelo provimento
do lar.
A conversa seguiu por alguns minutos, no mesmo nível. No final, apesar de
toda a distância entre as ideias dos dois amigos, a coisa terminou bem. Os dois
não guardaram mágoas e dias depois voltaram a se encontrar. Da Fé foi logo
desafiando o amigo:
__ A frase de hoje é: ai dos pais que poupam a vara .
__ Não, Zeca, não me venha com sua Bíblia e novas ideias retrógradas __
responde Do Gole, meio sem paciência. __ Aliás, não sei se você sabe, mas, o
que está escrito em Provérbios 13, 24 não é isso e sim: " quem poupa a vara
odeia seu filho; quem o ama, castiga-o na hora prec isa"
__ Ora, Zé __ responde Zeca__ dá na mesma.
Do Gole, contra ataca:
__ Meu amigo, o próprio Cristo jamais concordaria com isso. Todos os seus
exemplos foram no sentido contrário. Vou propor uma nova ideia que tem
muito mais a ver com as Leis do Amor e da Solidariedade: ai dos pais que
poupam carinhos aos seus filhos.
Da Fé se revolta:
__ Essa não, Do Gole, logo você um alcoólatra de carteirinha, vai se meter
a filósofo e moralista. O pai tem mesmo que saber se impor e se for necessário
aplicar um corretivo ao filho teimoso.
Como os dois estivessem conversando em local público, logo juntou-se
gente interessada no conteúdo do debate. Pude observar, então, que, a
grande maioria das pessoas, como já desconfiava, são a favor de aplicação de
castigos, até violentos e privações aos filhos. Essa é sem dúvida a versão de
falsa educação defendida pela maioria dos brasileiros.
Tenho a certeza que, assim como os dois amigos, jamais chegarei a um
consenso com pessoas que pregam que a vara é a solução. Fosse assim, e a
imensa quantidade de Leis existentes no Brasil, seriam postas em prática e a
corrupção e a violência já teriam se reduzido.
Fico então, com o Do Gole: aí dos pais que poupam carinhos para seus
filhos .
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Pão de queijo ou champanhe? Inspirado na canção Goodbye Yellow Brick Road, gravada por Élton John, lá
nos anos 70. Você me quis como não sou,
um complemento seu,
um moleque de recados.
E prá isso, vestiu-me de príncipe,
recheou minha conta no banco,
me fez aprender o Inglês,
e a me portar à mesa.
Hoje entendo,
preciso descer das nuvens,
pisar no chão, esquecer o brilho sombrio da alta.
Voltar para a minha falta de grana,
as minhas sobras de afeto,
os meus pés sujos de lama,
longe da fama,
perto do eterno.
Não quero mais o brilho e lustro de carrões de luxo,
o gosto suave e ardente do vinho francês,
o perfume de damas em suas camas e tramas,
seus lençóis de cetim.
Preciso de ar puro,
de rotina de cidade pequena,
de afeição contida em um abraço singelo,
de cheiro de café caseiro e: um bom
pão de queijo quente e cheiroso.
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AMOR COMPRADO
Todo amor é comprado. Diferem, entretanto, as moedas com se paga ao(à)
vendedor(a). Uns utilizam o Dólar, outros o Real, ou o Euro. Alguns, carentes
de moeda corrente, pagam com afeição, parceria, cumplicidade. Outros com
carinho verdadeiro, atenção, escuta. Há também quem recorra aos versos
rimados ou mesmo à poesia sem rima. Outros pagam em espécie. E aí se
incluem: casacos de pele, perfumes franceses, brilhantes das mais variadas
origens, sapatos alemães. Ou, mais modestamente: passeios em carros com
teto solar, viagens em excursões ou cruzeiros. Há, por fim, aqueles que
carentes de moedas, cartões de crédito, crédito consignado, herança, recorrem
à boa lábia. Vendem, então uma imagem. Às vezes, mais falsa que uma nota
de R$ 30,00. Às vezes verdadeira, apostando em corpões sarados, em sexo
selvagem, em baladas ou jantares em restaurantes caros. Restam aqueles cuja
relação se sustenta em papel. Pois é, junto com eles, envelhece a certidão de
casamento e a vida se torna um martírio. Onde havia dois, hoje existe apenas
um. Prova maior da parceria: sofrem da mesma forma, dividindo o mesmo
espaço e acreditando no amor eterno que não passa de um tigre de papel.
ASAS E CORAGEM PARA VOAR
Escravidão é:
estar preso a um sentimento que estrangula,
a um rancor que tira toda a poesia e criatividade presentes na vida.
Bater ponto em hora marcada.
Fazer publicidade daquilo em que não se crê.
Ser livre e desimpedido, com as finanças equilibradas, capaz e ainda assim,
se manter preso ao passado,
ao horário de verão.
Ter asas e não poder voar, com medo:
de cair ou de se surpreender com a visão lá do alto,
ou com muitas coisas novas e desafiantes.
Ficar preso à lista de compras, à dieta prescrita, ao remédio para ajudar a
dormir.
...É preciso renascer,
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quebrar os grilhões, como diria Marx,
perder o medo de acertar, como diria o livro de autoajuda!!!
ABAIXO A PRIVACIDADE
Bom mesmo é acabar com toda e qualquer privacidade,
encontrar-se em todos os lugares, com todas as pessoas,
brancas, negras, de olhinhos puxados,
com pouca roupa,
e até mesmo de terno.
Nos bares,
nos lares,
e até no horário político.
Que falem Alemão, Chinês, mas que nunca se calem,
que se manifestem, seja sorrindo, xingando,
ou até mesmo chorando.
Prá ser feliz é preciso sentir cheiro de gente,
seja perfumada,
transpirada, mal amada, desarmada.
Seja na rua, na lua, na cama, na trama ou na grama.
Gente não tem sabor de coca cola, nem de refresco de caju.
Gente grita, gente geme, gente não se cala,
sempre fala, sempre aspira, muito respira,
mas, sempre será gente.
De: Tião Alves pra todo mundo que é GENTE!!!
Chronos
POR UM MOMENTO
Chronos na mitologia grega representava o Deus do Tempo. Hoje, senti-me
designado por Chronos para, por instantes ter o poder de mexer nas
engrenagens do tempo. Ou melhor, para mexer apenas na parte das
engrenagens que controlam as horas. Então, ciente da minha grande
responsabilidade, delegada por uma divindade, comecei a acrescentar 1 hora,
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a todos os relógios, aqui de casa. A única exceção, evidentemente, foi o relógio
do notebook. Este, evidentemente é comandado por Bill Gates e seus
empregados. Mas, me senti muito importante, visto que aqui em casa existem,
exatamente, 5 relógios. Isto sem contar 1 que, embora bonitinho não funciona
porque nunca me lembro de alimentá-lo com uma pilha. Agora sim, estou
pronto para viver, daqui até fevereiro de 2015, o horário de verão. Devo dizer
que este horário tem tudo a ver comigo. Pois é, eu que sempre acordava
exatamente às 04h00min da madruga, agora, vou ter a ilusão de estar
acordando um pouquinho mais tarde, às 05h00min. Ainda melhor. Não vou
mais ter que esperar o restaurante da tia, ali da outra rua, que só se abre às
11h30min. Devo continuar tendo fome por volta das 11h00min, ou seja, no
novo horário ao meio dia. A tia só abre o restaurante às 11h30min e, às vezes
tinha que esperá-la, quando a fome apertava às 11h00min. Não quero ser
egocêntrico nem egoísta e querer um horário para satisfazer meus interesses.
Sei que muita gente irá ter problemas para acordar na hora para ir para o
trabalho e mesmo para almoçar, teoricamente mais cedo. Mas, não fiquem
tristes, daqui a pouco todos se adaptarão às novas determinações de Chronos
ou seria da Dilma ou da CEMIG ou de um conluio entre todos eles. Um amigo
meu que vê copos de cerveja em tudo para o que olha comemora: a HAPPY
HOUR IRÁ COMEÇAR 1 HORA MAIS CEDO!!!.
O DESTRUIDOR DE SONHOS
A coisa funciona mais ou menos assim: existem 50.063.860 maneiras
diferentes de você fazer um jogo de 6 apostas da mega-sena. Ou seja, sua
chance de acertar é; 1 EM MAIS DE 50 MILHÕES. Por outro lado, ainda com
seu joguinho de 6 apostas, você terá 1 CHANCE DE ACERTAR A QUINA EM
154.518. Para ganhar a quadra suas chances são: 1 EM 2.332. Duas
conclusões são imediatas:
1- qualquer jogo que você fizer será um bom jogo.
2- É quase certo que você sempre irá perder, jogando na mega-sena. Portanto,
seria melhor poupar os R$ 2,50 e comemorar, a cada sorteio, que você foi um
ganhador, não tendo jogado.
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Você pode ver como se calculam as probabilidades de acerto, lendo meu livro
sobre o assunto, através do link: http://www.sofstica.com.br/mega.pdf Se você,
ainda que sabendo das pequenas probabilidades de ganhar, entender que vale
a pena jogar na mega, siga o link e acesse um software de meu site que
escolhe os números para você: http://www.sofstica.com.br/lotofacil.html.
Tião Alves, confessando-se um chato e destruidor de sonhos.
A VIDA IMITA A ARTE
Hoje pela manhã, ao observar a obra aqui do meu lado, notei que havia pouca
gente trabalhando. Depois de algum tempo, fui informado pelo Mestre de Obras
que, o Engenheiro, sabendo que irá fundir uma laje na sexta, resolveu poupar
os Serventes na terça, quarta e quinta. Olha só, que coisa mais sem sentido,
esses caras da obra trabalham só 9 horas por dia, que mamata, e serão
poupados. Assim como os jogadores de futebol que não podem jogar 2
partidas de 90 minutos cada, no intervalo de 48 horas. Não dá para acreditar!!!
DE PASSAGEM
...Só de passagem. Para beijar-lhe as mãos. Dizer palavras de conforto. E,
depois, seguir por aí, ao ritmo da chuva fina. A inspiração vem do friozinho,
quem diria. Adeptos que somos do calor e dos gritos. Hoje, inspirados no
friozinho da chuva e no silêncio de uma manhã sem sol. Ou melhor, o sol lá se
encontra, escondido atrás daquelas nuvens, observando e anotando tudo.
Avalia nosso desempenho, aqui sós e donos absolutos de todas as nossas
decisões. Sem a inspiração do calor intenso, do burburinho das ruas. Quem
realmente somos, por trás do palco armado para que possamos usar nossos
disfarces. Nossa insegurança aflora e nos devora. E a pergunta volta: quem
realmente somos. Sem o Aurélio em uma das mãos, na outra a bíblia ou um
bom copo de cerveja. Quem realmente somos sem a voz emprestada pela
cantora e pelo som do celular. Quem realmente somos, assim em um dia de
chuva e predisposto à meditação. A pergunta fica no ar...
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CAPÍTULO VIII - MEU VULTO FAVORITO
UM FINAL DE TARDE DE JULHO
Ali estava eu, diante daqueles olhos negros que me fazem gaguejar. Embora
desconhecendo, quase que inteiramente, seus sonhos, seus temores, seus
projetos, ainda assim feliz por estar em sua presença. Era preciso deter o
tempo, ainda que fosse atrasando o relógio. O fato é que, assim como todos as
pessoas, tanto ela quanto eu somos escravos do relógio. Isso ocorre em maior
ou menor grau. Confesso que, em tão pouco tempo e em ambiente tão
adverso, não fui capaz de filtrar o que fluía através de seus olhos, colocando
para fora muitos recados da alma. Isso, se bem pensado, não tem lá muita
importância. Afeições são mesmo autônomas e não dependem de ressonância
ou retribuição em qualquer grau. Depois de alguns minutos, coisa de meia hora
de conversa formal, vieram as despedidas. E lá fui eu, em busca da rua, com o
cronômetro da saudade novamente zerado. Preocupa-me o pós encontro.
Percebi que, sem que ninguém determinasse, instalou-se no ambiente uma
atmosfera de despedida. Isso me fez encolher no assento e sentir o coração
comprimido contra o peito. Sabia, entretanto, que muitas coisas se decidem ao
acaso ou sob o controle sabe-se lá de quem, de onde e de que forma. Cabia-
me, na condição de simples humano, obedecer os desígnios da própria vida e
seguir com passos seguros, rumo ao novo ou ao nada. Hoje, muitas dias
depois, minhas previsões se confirmam. Nunca mais tive dela qualquer notícia,
sequer as enviei. Parece até que vivemos em planetas diferentes ou que nos
transformamos em retas reversas.
ESTA NOITE EU SONHEI COM UM ANJO
O nome do anjo não digo nem em juízo. Acho mesmo que tal anjo nem tem
nome. Mas, de fato, essa noite eu sonhei com um anjo. E o melhor de tudo ele
me compreendia e assumiu o corpo de mulher e me encantou. Havia sim, em
seu rosto e em seu olhar algo de familiar o que me fez crer que eu mesmo o
criara. Mas, nem isso, essa minha insistência em construir um vulto de mulher
que caiba no meu sonho, fez com que a emoção fosse menor. Fiquei muito
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triste ao acordar e ver que meu anjo se fora e me restara a dura realidade
anterior. Dias sem cor, idas e vindas, sempre pelos mesmos caminhos. Quem
sabe, um dia meu anjo retorne ou até se materialize e me faça novamente
sonhar, agora de olhos abertos e à luz do dia.
CARINHO NA DOSE CERTA
Quem dera pudéssemos impedir as lágrimas de quem amamos.
Fosse nos negado isso, que, ao menos, pudéssemos chorar junto àquelas
pessoas.
Se nem isso nos fosse dado, que se nos fosse permitido, ao menos, enxugar
seus prantos.
Se até isso nos negasse a vida, que,
nos concedesse ao menos o discernimento.
Assim dosaríamos o carinho necessário;
para ajudá-las a suportar seus sofrimentos.
DONA FELICIDADE
Dona Felicidade veio morar na minha rua, ali, bem pertinho. Não tardou para
que começasse a sentir sua influência. Logo notei que ela era capaz de me
motivar e aos poucos fui vencendo aquela preguiça imensa que me deixava
quase paralisado. Estava sempre ocupado, não tinha mais tempo para cultivar
o desânimo e aqueles pensamentos negativos tinham desaparecido por
completo. Sempre que me sobrava um tempinho lá estava eu a curtir a
convivência com Dona Felicidade. Embora se tratasse de alguém sem rosto,
sem palavras e que não constasse dos registros de nenhum cartório, estou
certo de que ela, tinha sim uma personalidade e, esta, tenho certeza era capaz
de nos motivar o tempo todo. Sempre observei que, muitas pessoas de minha
rua conheciam também a senhora tão popular e reservada. Outros porém,
viviam sempre mal humorados e, certamente não conheciam a Felicidade,
assim como nós, os privilegiados a contar com sua companhia. Dentre eles, a
maioria, não a conhecia porque jamais buscaram por ela. Outros buscaram
sim, mas, ao perceber seus hábitos modestos, sua capacidade de aceitar a
todos, sem nenhum tipo de discriminação, exceto contra o mal humor, a
maledicência e os sentimentos de rancor e inveja, se afastaram dela.
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Nem tudo, entretanto, pode ser perfeito. Um dia Dona Felicidade percebeu que
a maioria dos nossos vizinhos não a via com bons olhos. Alguns por ver nela
algo que não lhes interessava. Outros por não querer compartilhar sua
companhia com os demais, querendo ter com exclusividade sua amizade e
companhia. Então, ela resolveu partir e me deixou órfão de sua presença. Pude
então entender com profundidade o sentido do dito popular: "eu era feliz e não
sabia".
Tião Alves, procurando desesperadamente por uma pista para reencontrar
Dona Felicidade.
A VIDA SEMPRE PROVIDENCIA UM NOVO LIMÃO
Muitos são os ditos produzidos pela sabedoria popular. Sobram exemplos:
"toda caminhada começa por um primeiro passo", "a cavalo dado não se olham
os dentes", "um dia é da caça outro do caçador", "não se atiram pedras em
árvores que não produzem frutos" e tantos outros. Um deles, entretanto, fala
sobre as oportunidades que, muitas vezes, são deixadas de lado em vista de
uma suposta falta de recursos adequados. Trata-se de: "se Deus lhe der um
limão faça dele uma limonada". Há até quem acredite que se refere sim, tal dito
popular, à necessidade de se aproveitarem os recursos de que dispomos,
produzindo com eles sempre o melhor. Não há grande diferença entre esta
interpretação e aquela que apresentamos no início. Pois bem, é impressionante
como, de fato, nossa vida aqui na Terra comprova o que se expressa nesta
pérola da sabedoria popular. Ou seja, ainda que nunca saibamos onde
consegue a vida tantos limoeiros, o fato é que ela sempre providencia um novo
limão para que possamos estar sempre fazendo uma nova limonada. Não são
raros os casos em que as pessoas se envolvem em relacionamentos afetivos
de grande profundidade e que, olhados de longe, dão a impressão de que irão
durar para sempre. Passam-se alguns meses ou, em alguns casos anos. A
relação se deteriora, sofre aquele desgaste natural, diante do número de
situações conflitantes que a vida atual nos oferece. Um belo dia, lá se vão as
duas pessoas, cada uma em sua própria direção, encerrando-se um ciclo de
suas vidas. Às vezes rapidamente, em outras com um pouco mais de demora,
a vida nos coloca frente a frente com um novo limão. Ou seja, surge uma nova
pessoa e temos, novamente, uma oportunidade de fazer uma nova limonada.
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Assim é também na vida profissional. É também o caso das pessoas que se
tornam avós. Ora, abusando da analogia, aquela limonada que não saiu muito
ao nosso gosto, na criação dos filhos, pode ganhar uma nova versão, no
momento em que ajudamos a criar os netos. Fácil se torna então avaliar o
quanto é pródiga a vida para conosco, nos oferecendo sempre um novo limão
para uma nova limonada. É preciso se ter em mente a questão tão atual da
necessidade de se manter a sustentabilidade. Ora, não podemos abusar da
bondade da vida e sair por aí desperdiçando limões. Afinal, existe um limite
para qualquer árvore frutífera. É preciso com urgência, aprendermos a utilizar
bem os limões que recebemos e melhorar a receita da limonada, a cada nova
chance que recebemos de ter em mãos limões fresquinhos.
O TOLO E A OBSESSÃO PELO PRÓPRIO DEDO
Existe um provérbio chinês que diz: "quando o sábio aponta para as estrelas, o
idiota olha para o dedo". O provérbio se confirma todos os dias em nossas
vidas. O pior é que, em muitas vezes assumimos a posição do sábio, em outras
tantas, perdidos entre mil ideias equivocadas, acabamos assumindo o papel do
idiota. Sem dúvidas, a carga imensa de coisas sem importância que
acumulamos à nossa volta, juntamente conosco, devem responder pelo nosso
papel de idiota em várias situações. Assim ocorre quando, diante da
proximidade de uma eleição para presidente da república, nos perdemos na
discussão de detalhes sobre a aparência física ou o estilo de cada candidato.
Estamos, neste momento, olhando apenas para o dedo, esquecendo-nos
completamente que o que realmente importa é enxergar as estrelas. Ora, que
estrelas seriam estas? Posso dizer que, no caso em questão, as estrelas
seriam, a busca pelos verdadeiros interesses do candidato ao cargo tão
importante e vital para nós. Sequer os hábitos e a maneira de se expressar do
candidato têm, em momento tão decisivo, qualquer importância. Se nisso nos
detivermos, estaremos sem dúvidas, olhando fixamente para o dedo e
perdendo a oportunidade de mirar as estrelas. Assim também é em nossos
relacionamentos. Diante, muitas vezes, da beleza dos dedos e de tudo que os
acompanha, em um belo corpo, lá vamos nos, embarcando em uma aventura
sem qualquer perspectiva de sucesso. Enquanto, isso, se parássemos uns
minutinhos para avaliar, descobriríamos milhões de estrelas que se escondem
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atrás de dedos não tão belos, porém, sensatos e verdadeiros que apontam
para estrelas também verdadeiras. É preciso pois, quanto mais cedo, aprender
a distinguir dedos que apontam para seja lá o que for que nos interesse, avaliar
sua credibilidade e enxergar, por detrás da poluição, cada vez mais presente
em tudo, as verdadeiras estrelas e nunca os asteroides que,
momentaneamente se fazem passar por estrelas.
Tião Alves, em 28.11.2014, às 07h28min, tentando aprender a reconhecer
estrelas e se livrar de dedos enganadores.
CAPÍTULO IX - REFINANDO O HUMOR
ESPERMATOZOIDE MARATONISTA
Se quiserem me ver puto me convidem para assistir novela, corrida de fórmula
1 ou me presenteiem com um livro de autoajuda. Lembro-me que havia na
repartição em que trabalhei por quase trinta anos, um sujeito que reunia muitos
vícios e nenhuma virtude. Era um cara babaca, maledicente e falso. Vejam só:
andava com um exemplar da bíblia dentro da pasta e curtia livros de autoajuda.
Mas, nas horas vagas tramava para obter privilégios, prejudicando qualquer
colega e participava da rede de intrigas do local de trabalho. Este sujeito certa
vez enfiou na cabeça que eu andava perdido e necessitando de conselhos e
leitura de livros de autoajuda. Mal sabia ele que, andava eu mesmo irritado.
Porém, minha irritação não se curava com banhos de sal grosso, guiné, ramos
de arruda atrás das orelhas, nem com remédios de tarja preta, menos ainda
com a leitura de livros de autoajuda. A origem dos meus conflitos estava no
que passei a chamar de SÍNDROME DO CAFEZINHO. Ou seja, o costume de
alguns colegas, de ambos os sexos, os quais entendiam que a prioridade
absoluta do serviço público seria tomar cafezinho. Havia casos extremos em
que cada rodada de cafezinho consumia, no mínimo, quarenta minutos.
Pensem, agora, em duas ou três rodadas de café por dia para um servidor que
cumpria jornadas de seis horas. Aí o tal cara, meio que de maneira forçada, me
emprestou um livro de autoajuda. Não peçam para me lembrar do título e do
nome do autor ou me sentirei ofendido. Confesso que o tal livro ficou em cima
de uma mesa na minha sala por dois ou três meses. Até que, percebendo que
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aquele traste me atrapalhava sempre, resolvi dar-lhe um fim. Sequer imaginei a
hipótese de devolução, até porque àquelas alturas já assumira a total antipatia
pelo tal sujeito e não falava mais com ele. Aproveitei, então, uma daquelas
muitas viagens que fazia a serviço e fiz, à margem da rodovia, uma fogueirinha
com o tal livro. Atitude nada ecológica, admito. Confesso, entretanto, que li
algumas páginas do COMPÊNDIO DO DIABO, apelido carinhoso que dei ao
livro. Narrava-se ali uma história hilariante. A coisa dizia algo assim: "Você é
um vencedor. Em uma grande corrida, rumo ao alvo único, você chegou
primeiro, à frente de outros milhões de concorrentes. Você, então, bateu à
porta, assim como tantos outros o fizeram, depois. Porém, somente você, o
mais ágil e capaz, foi premiado e obteve o sucesso de gerar uma vida". Se
alguém que me ler tiver tido o desprazer de ler aquela coisa, desculpe-me pela
imprecisão das palavras. Afinal, lá se vão mais de dez anos desde que ocorreu
o que aqui narro. O enredo, porém, era esse mesmo.
Vejam só, quantos equívocos. Primeiramente, que desrespeito à minha santa
mãezinha. Promover-se uma maratona dentro de seu ventre. Outro engano,
por mais que me esforce, olhando para o espelho, não consigo me enxergar
com cara de espermatozoide, nem de seu descendente direto. Nas mãos de
um bom advogado isso seria até passível de uma ação de reparação por danos
morais. Por outro lado, sou totalmente avesso a participar de qualquer tipo de
competição, ainda mais neste caso, onde os objetivos e o final são tão incertos.
Olha, para quem pensa em recorrer a livros de autoajuda, aconselho, tenha
cuidado. Estará você disposto a ser encarado como um ESPERMATOZOIDE
MARATONISTA???
SÍNDROME DA SOGRA
Ela que sempre fora uma mulher tolerante e equilibrada. Não mais que de
repente se tornou incrédula, intolerante e, muitas vezes, irônica. Às vezes
surpreende a todos quando, abandonando aquela timidez histórica, opina de
maneira crítica e contundente contra os atos do genro. Conhecedor de todos os
adjetivos, brincadeiras e piadinhas, o mais das vezes maldosas, com que se
estigmatizam as sogras, nunca embarquei na tal onda. Na verdade, nunca
pude imaginar que, o simples fato de a pessoa assumir a posição de sogra
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pudesse mesmo provocar alterações profundas em seu modo de agir. Hoje,
diante das grandes mudanças sofridas por minha amiga que aqui descrevo,
sinto-me obrigado a rever meus conceitos. Vejam só, de uma hora para a
outra, ela que antes se mantinha silenciosa se ocupando apenas do trabalho
doméstico e das atividades diárias que tinha em seu emprego, passou a ser
uma sombra do genro. Procura saber tudo sobre os costumes do pobre marido
da filha. Sempre se informa se ele saiu nas noites da sexta-feira ou do sábado,
a que horas teria voltado e se saiu sozinho. Em outros momentos se põe a
imaginar uma loira de olhos azuis e chega a sonhar com o genro trocando mil
abraços e beijos com a loiraça. O genro que antes fora tido com um bom moço,
agora reúne todos os defeitos possíveis. É mal humorado, discriminador e
soberbo. Não tem consideração pela família, sendo extremamente egoísta.
Certamente, não é o marido ideal para sua filha e, muito menos o pai que
desejara para o neto. Diante do quadro que aqui mostro foi que decidi
descrever, "cientificamente", o que passei a chamar de Síndrome da Sogra.
Trata-se de um "estado mórbido caracterizado por um conjunto de sinais e
sintomas", segundo o Aurélio. Bem, o que consegui descobrir e agora
descrevo, o estado mórbido que caracteriza a Síndrome da Sogra apresenta
seus primeiros sintomas quando a futura sogra descobre que a filha realmente
gosta do futuro genro. Aí, aquele rapaz simpático e cavalheiro dá lugar a um
usurpador que quer roubar, somente para si, as atenções da pobre filha. A fase
mais grave da doença surge quando se assina uma Certidão de Casamento. Aí
o genro passa a ser um cara interesseiro que sempre esteve de olhos nos bens
da família. Seus defeitos, entretanto, não param por aí. Ele tem manias
terríveis de olhar para trás toda vez que passa por uma mulher atraente, roncar
durante o sono e torcer para o time que é o maior rival do time da sogra. Em
poucas palavras, aí está a descrição da Síndrome da Sogra.
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ZÉ DA RAPOSA E TRICOLINO EM:
ENQUANTO HÁ VIDA HÁ TEIMOSIA
Zé da Raposa é Cruzeirense e Matemático. Tricolino é São Paulino, teimoso e
gozador. Olha só a conversa entre os dois:
__ O Zé, faça aí um daqueles seus estudos malucos para nós, __ desafia
Tricolino. __ De minha parte acho que o São Paulo ainda leva a taça.
Zé responde impaciente:
__ Ora, Trico, enquanto há vida há teimosia. Olha só, se considerarmos que
o Cruzeiro tem, contra o Goiás, 60% de probabilidades de vencer, 30% de
empatar e 10% de perder. Contra a Chapecoense: 33,33% de ganhar, 33,33%
de empatar e 33,33% de perder e, contra o Fluminense, 33,33% de vencer,
33,33% de empatar e 33,33% de perder, poderemos calcular as probabilidades
do Cruzeiro perder as três partidas. Ou seja: 0,10 x 0,3333 x 0,3333 = 0,0111 =
1,11%.
__ Ora, Zé, acho que você tá sendo muito bairrista. Mas, vamos lá, e o
Tricolor, quais suas chances de vencer todas __ pergunta Tricolino.
Zé da Raposa responde:
__ Calma aí, Trico, vamos analisar as probabilidades de o Cruzeiro ganhar
mais apenas 1 ponto. Para isso, ele terá que empatar apenas 1 jogo, perdendo
os 2 outros. Ele poderá empatar o 1º, o 2º ou o 3º. Para o 1º: 0,30 x 0,3333 x
0,3333 = 0,0333. Para o 2º: 0,10 x 0,3333 x 0,3333 = 0,0111. Para o 3º: 0,10 x
0,3333 x 0,3333 = 0,0111. Logo, teremos: 0,03 + 0,01 + 0,01 = 0,0555.
E a conclusão __ cobra Tricolino.
Zé da Raposa conclui:
__ Ora, para o São Paulo ser campeão o Cruzeiro deverá perder os 3 jogos
OU empatar 1 e perder os 2 outros E o São Paulo vencer os 3 jogos. Vamos
admitir que o São Paulo tenha: 33,33% de probabilidades de vencer o Santos,
60% de vencer o Figueirense e 30% de vencer o Sport Recife. Portanto, as
probabilidades de vencer os 3 jogos serão: 0,3333 x 0,60 x 0,30 = 0,06. Então,
juntando-se as hipóteses de 3 derrotas ou 2 derrotas e 1 empate para o
Cruzeiro e 3 vitórias para o São Paulo, teremos: 0,0555 x 0,06 = 0,0033 =
0,33%. Logo, o Cruzeiro terá: 100 - 0,33 = 99,67% de probabilidades de
levantar a taça.
Tricolino conclui:
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__ Bonzinho você em Zé...
Tião Alves, assustado com a persistência de quem não percebeu que o
campeonato brasileiro de futebol de 2014 se decidiu na noite de ontem, quando
o Cruzeiro venceu o Grêmio por 2 a 1. Em 21.11.2014.
SOBRE AMIGOS QUE COMEM JABUTICABAS E MULHERES
QUE FINGEM BEBER
Existe uma piadinha bem antiga e inocente que fala de dois amigos que
apostaram quem comeria mais jabuticabas. Subiram, então, cada um em uma
árvore e iniciaram a disputa. Fazia parte das regras do jogo que cada um que
comesse uma nova dezena da fruta, falasse o número consumido, em voz alta.
O primeiro amigo, pouco depois, gritou: __ dez.
Passados mais alguns instantes, voltou a gritar: __ vinte.
E assim prosseguiu, gritando periodicamente, até chegar a 300. Enquanto isso,
o outro amigo permanecia calado. O primeiro amigo já estava até meio
preocupado. Porém, ao chegar o nosso apressadinho a 400 jabuticabas
consumidas, o segundo amigo gritou, com a voz meio rouca e sumida: __ uma.
Moral da história, ao desceram das respectivas árvores, puderam notar que o
primeiro amigo, realmente, havia subido em uma jabuticabeira. O outro, pobre
coitado, subira em um pé de jacas.
Pois bem, tome como exemplo a lição contida no caso da jabuticabeira ou seria
da jaqueira? Quando sair para beber, acompanhado por uma mulher, tenha
cuidado. Assim como no caso dos nossos dois amigos, as mulheres têm o
costume de nos fazerem subir em jabuticabeiras, enquanto sobem na jaqueira.
Ou seja, bebem bem devagarinho, quase fazendo de conta que estão bebendo.
Aí, no momento que você descobre que subiu no pé de jabuticabas e já tomou
uns 10 copos, leva uma bronca sonora de sua dama e companheira que tomou
apenas 1/2 copo, como se degustasse uma jaca. Diz então sua companheira:
__ Quando me chamou para beber não sabia que você era tão frágil para
bebidas. Deveria aprender a se conter e evitar vexames em público.
Bem, tá na hora de você descer da jabuticabeira, aprender a lição e ir para
casa, tendo aquela amiga que você diz que não sabe dirigir ao volante do seu
carro.
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Tião Alves, aprendendo a degustar jabuticabas, se divertir em boa companhia e
evitar vexames em público.
SORRIA, VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADO
Um dia desses apareceu um cartaz no elevador do prédio onde moro, contendo
aquela caretinha simpática e a frase: sorria, você está sendo filmado. Procurei
pelo teto do elevador e pude ver uma câmera ali instalada. Imediatamente, me
vieram à mente alguns pensamentos com relação a esse bilhetinho que se
tornou tão popular. Tem um daqueles em cada supermercado, em cada loja e
até mesmo em vários lugares onde tenho certeza que não existe câmera
nenhuma. Há diversas formas de se encarar o aviso. Pode ser uma exigência
legal para informar que a pessoa está sujeita a ser flagrada, fumando, sei lá o
que. Comendo alguma coisa e atirando um pedaço de papel ao chão. Ou, até
mais excitante, em cenas libidinosas, em companhia daquela moça ou rapaz
que veio visitar algum morador carente. Alguns chegam a esboçar um gesto
agressivo, pensando em fazer gestos obscenos para a câmera. Imediatamente
se detêm, afinal, pode ser que alguém os esteja observando e poderá usar a
cena para difamá-los ou montar contra eles um processo, bem ao estilo
americano. Lá, na América, como insistem eles em se autodenominar,
qualquer coisa se transforma em demanda judicial, para a felicidade dos
advogados. Bem, chego a pensar que, em reuniões de condomínio, essa
caretinha e a câmera fazem parte de ideias de pessoas que vivem com medo
da própria sombra. Sou advertido então, pelo meu filho, que me dá uma bronca
e me lembra dos altos índices de violência da cidade em que vivemos. Acho
que ele quase me convenceu. Mas, o fato é que eu continuo a tratar o
bilhetinho e a câmera não com desconfiança, visto que, para mim eles são
totalmente inócuos. Se querem saber, para mim, esta câmera com esse aviso
são extremamente ridículos e deveriam ser retirados dali. Uma ideia sinistra me
povoa agora a mente. Será que algum dia irão inventar uma dessas
geringonças capaz de, além de beijos, baforadas de cigarros proibidos,
aventuras extraconjugais ou sei lá o que, também flagrem nossos
pensamentos. É sempre um risco. Afinal, a tecnologia já criou um bando de
loucos que andam aí pela rua, falando em celulares, em voz alta e sem
enxergar por onde pisam. Já revelou milhares de narcisistas que vivem a tirar
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fotos do próprio rosto a todo momento. Um dia desses inventam uma
engenhoca que lê pensamentos e a instalam no elevador. Aí estarei perdido,
irão finalmente saber o que penso sobre esses cartazes com caretinhas e
frases como a do nosso tema. Aí tenham certeza, o mais ousado dos gestos
obscenos será muito "light", diante do que se revelará sobre meus
pensamentos, à respeito da tal engenhoca.
RESSACA
De repente, tudo perdeu a graça. A cabeça vaga por aí sem rumo, girando feito
bailarina de caixinha de música. As lembranças são confusas: só me lembro
mesmo dos dois primeiros brindes. Na verdade já descobri, há muito, minha
fragilidade com relação ao álcool. Mas, quando junta gente, barulho
ensurdecedor de um barzinho e música do cerrado. Não dá outra. Acho até que
vou por a culpa na música. Afinal só se fala em finais de romances, culto aos
vapores etílicos e amor a três. É isso mesmo, essa música predispõe. Percebo,
então, que estou sendo injusto. Maldita discussão filosófica. O negócio mesmo
é tomar mais um copo de água. Mudar de lado na cama, abaixar o volume da
TV e evitar qualquer pensamento ou discussão filosófica que roubem preciosos
MB da minha mente já debilitada. Já sei, vou fazer como uma amiga minha
cujo único pensamento está voltado para a vitrine da loja de calçados. Quem
sabe, recorrendo à futilidade possa encontrar a cura para a ressaca. Em meio a
tanta confusão me lembro de um colega, especialista em Biologia. Ele
certamente diria: é o fator genético. Que cara sacana. Além de não apresentar
qualquer solução válida para me tirar dessa ressaca ainda vem ofender minha
nobre família. Não me falem do time, aquele amontoada de caras sem
inspiração e que ficam tocando a bola de um lado para o outro, sem buscar o
gol. Eleições, nem pensar, meu candidato acéfalo mergulhou em uma derrota
contundente. Melancia, também já tentei e a coisa piorou um pouco. É preciso
admitir, ressaca é igualzinho a mal de amor. Só se cura com o passar do
tempo. Felizmente, ao contrário das perdas amorosas, basta apenas um dia,
geralmente um domingo sem sol e lá vem a cura.
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VÍRUS, FUNGOS E MINHA ESCRAVIDÃO
Quase me torno obsessivo e passo a fazer frente ao meu velho irmão. Ele,
quase todas as noites, vagava pelo quarto com uma toalha em uma das mãos
em busca do último pernilongo que insistia em não se deixar capturar. Hoje,
também eu vago pela casa em busca do mínimo foco que possa lembrar mofo.
Enquanto isso, meu computador anda a passos de uma tartaruga anestesiada,
fazendo-me voltar aos velhos tempos em que soletrava, com a cartilha de capa
vermelha na mão e olhando para os chinelos na mão de minha mãe, sempre
pronta a executar os castigos. Trocando em miúdos: enquanto sou vítima
constante de gripes com todos os nomes possíveis, outros vírus atacam meu
computador e me deixam quase sem condições de terminar minha crônica do
dia. Parece sina que eu passe metade do meu tempo espirrando ou limpando
o nariz e a outra metade tomando medicamentos contra os efeitos da gripe ou
executando o antivírus, ou pior ainda, formatando o HD do computador. Em
qualquer dos casos dá para notar que minha produtividade sempre será 0.
Felizmente, não tenho um contrato em vigor, nem um patrão, ou já estaria na
rua da amargura, desempregado. Finalmente, acabo de dar o último espirro e
o antivírus localizou os 4 arquivos do mal e tenta promover sua execução
sumária. Vou concluindo, torcendo para que, assim como os vírus do
computador que parecem me dar adeus da janela, também os da gripe possam
partir em paz, de preferência, em busca de uma manada de porcos, como se
conta na bíblia.
A CAMINHO DO HEXA
Todos estranharam a presença de um cara caminhando pela praia, em pleno
outubro de 2014, vestido com uma regata onde se lia: "RUMO AO HEXA".
Embora achando estranha a perseverança do cara, ninguém se atrevia a
questioná-lo, até que um desses malucos mandou logo uma pergunta:
__ Ora, amigo, você já está pensando no hexa em 2018?
__ Não, __ responde o cara. __ Sequer torço para a Seleção Brasileira e
esse mundo de mercenários. Estou indo para um bar chamado: "A CAMINHO
DO HEXA" onde se serve a melhor pinga de engenho aqui da região.
Viram como às vezes é melhor ficar calado e conter a curiosidade!!!
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UM 7 A 1 COM GOSTO DE PROFECIA:
Não era necessário se entender de futebol, nem contar com uma bola de
cristal. Ora, bastava ter só um pouquinho de autocrítica e, certamente, se
estaria preparado para um grande derrota. Enquanto os Alemães se
preparavam para jogar a partida de sua vida, contando com uma grande
quantidade de jogadas ensaiadas e uma tática definida. Bem, do outro lado,
uma porção de caras orgulhosos se preocupava com a própria imagem e
chegava a pensar que se pode, em um esporte coletivo, resolver tudo na base
da individualidade. Pior que isso, ao contrário do que pregava, a cada nova
partida, o locutor ufanista e anacrônico, da emissora que se dizia infalível, nem
com individualidades poderíamos contar. Afinal, boa parte de nosso grande
time, tratava-se de jogadores que, costumeiramente frequentava o banco de
reservas em times espalhados pela velha Europa. Não sei sinceramente se
mais me impressiono com o locutor que se autoproclama campeão de
audiência. Ou com sua plateia de ouvintes. Confesso que não gosto do termo
telespectadores, vendo nele algo de inércia que me incomoda. Enquanto isso,
insiste o fanático locutor. Temos os melhores jogadores do mundo e cita esse e
aquele, todos reservas de seus times de origem. Quando todos se dão conta, o
time imbatível já perde por 5 a 0. Aí o treinador, escravo de suas velhas
convicções, não tem mais o que possa fazer. Como utilizar suas velhas táticas,
de mandar baixar o pau. O adversário sequer retém a bola nos pés. Nem isso
restou ao nosso grande time. Sequer conseguiu acertar alguns pontapés e
contar com a justificativa de que jogara parte do jogo com 1 ou 2 a menos. Só
se salvou mesmo quem, contundido ou frequentando o banco de reservas, não
entrou em campo e sofreu apenas com parte da humilhação. O placar de 7 a 1
espelha perfeitamente o quanto temos que aprender: não nos considerando
superiores aos outros, sem ao menos conhecê-los completamente. Não
vencendo partidas na véspera, imitando o peru que morre em 24 de dezembro.
Não supervalorizando jogadores, assim como fazemos com políticos e artistas,
não sabendo mais sobre seus verdadeiros talentos. E, ao povão vai um
conselho, será que não está na hora de rever nosso fanatismo e adoração por
falsos ídolos?
61
O MORIBUNDO
O Português é uma língua pródiga em produzir palavras bonitas com sentidos
não tão bonitos. Palavras não tão bonitas com belos sentidos. Porém, existem
aquelas palavras que, com seu som terrível, designam coisas ou situações tão
ou mais terríveis que seus próprios sons. Assim é o caso da palavra
moribundo. Ela designa alguém que, vencidos todos os laços que o prendem à
vida, o coloca em situação tal que a morte é iminente. Há que se imaginar em
que estado de carência viverá tal pessoa seus dias ou momentos. Diante de tal
realidade trágica, coloco-me, por momentos, no lugar de um moribundo e
posso sentir na carne as sensações que habitariam seus dias. Aquela pessoa
que veio à sua casa sob o pretexto de quem sentia saudades ! Depois
descobrira que o verdadeiro motivo da visita fora solicitar-lhe dinheiro
emprestado. Aquele outro que ligava todos os dias e hoje se perdeu no
silêncio. Hoje ele sabe que buscava apenas um indicação para um cargo em
uma empresa. E vai por aí afora. Até mesmo os parentes mais próximos.
Muitos deles hoje se estabilizaram e perderam o número de seu telefone. Por
falar em telefone, o moribundo chega a tremer de frio quando se lembra que,
dentre todas as pessoas a quem prezou durante sua longa vida, várias, hoje,
têm como principal amigo um aparelho de telefone celular, a quem atribuíram
vida própria e vivem a acariciar por horas a fio.
Sabe de uma coisa, melhor deixar de lado essa divagação e esquecer, pelo
menos por enquanto, esse negócio de moribundo.
CAPÍTULO X - COTIDIANO
O PREFEITO E A AEROMOÇA
Era um voo bem curto e rápido. Porém, se arranjasse alguma coisa para me
divertir e passar o tempo, seria ainda melhor. Parece meu dia de sorte, vejam
só quem está ali. O prefeito de minha cidade, com um jornal em uma das mãos
e conversando com a aeromoça. Bem, pouco depois venho saber que houve
uma empatia entre o nosso prefeito e a comissária de bordo. Vencida a etapa
de subida do avião, período em que quase todos permanecem calados e
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apreensivos, a moça cumpre, rapidamente, as primeiras rotinas e vem se
assentar ao lado do prefeito. Aí a conversa flui, abrangendo desde aspectos
corriqueiros da cidade, até as apresentações pessoais que, evidentemente
vieram primeiro. Fala-se das ruas da cidade que hoje, por ação de nosso atual
prefeito se encontram em ótimo estado. Da festa anual da miss local, da falta
de empenho dos vereadores que, para variar, aumentaram os próprios salários,
em uma sessão tumultuada. Por fim, como vivêssemos o mês de abril e se
aproximasse a semana santa, o prefeito envereda pelas crenças e costumes
associados à semana santa. Se refere à abstinência da carne, à necessidade
de reflexão. Cita também velhos costumes, como os de se respeitar a sexta-
feira santa, não trabalhando naquele dia. Fala da nova geração e da falta de
respeito com os bons costumes de antigamente, quando se respeitavam,
verdadeiramente, as restrições a qualquer tumulto, dentro da semana santa.
Até aqui, nada me surpreende. Seja pelo fato do que deveria ser diálogo ter se
transformado em monólogo. A aeromoça teve os ouvidos alugados e não teve
nenhuma chance de se manifestar. Apenas, seguiu o protocolo, atribuído ao
seu cargo: acatar todas as ideias do passageiro e ouvi-lo, dentro da medida do
possível. Por outro lado, esse apego de nossa autoridade a velhas crenças, ao
hábito de falar sem permitir uma resposta ao interlocutor, já conhecia eu, desde
que assisti a algumas discussões em visitas do nosso prefeito à Câmara
Municipal. Ele simplesmente calava todos os vereadores, não com argumentos
poderosos, mas, com sua capacidade de atropelar a fala de qualquer um. Bem,
voltemos ao interior do avião. Chega o momento de se servirem comidas e
bebidas e a aeromoça solicita licença à autoridade e a deixa só. Aí vem o
momento que eu mais esperava. Desde que vi a nossa autoridade mor
adentrar o avião, passei a aguardar o momento em que abriria o jornal. Queria
saber o que ele lia e para isso, me assentei no banco bem atrás dele. Esqueci-
me de contar que o avião estava praticamente vazio, naquela noite de quarta-
feira. Foi então que o nosso herói abriu o jornal. Notei que passou rapidamente
os olhos pelas ofertas de imóveis e não marcou nenhum anúncio. Deu uma
passada mais demorada pela coluna social e esboçou, por vezes, um sorriso,
diante das fotos de algumas belas damas. Alguns colegas e amigos seus,
recém saídos de uma plástica renovadora mereceram dele um olhar de
desaprovação. Vencida a coluna social, deu uma rápida olhada no noticiário de
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esportes. Vi que esboçou um sorriso ao ler uma notícia elogiosa sobre sua
pessoa. Ele acabara de conseguir um reforço para o nosso time, e deixara
vazar a informação para um repórter de sua confiança. Isso iria lhe valer,
certamente, preciosos votos. Em seguida, por um descuido, abriu uma página
que trazia notícias sobre o trabalho. Ao ver uma manchete sobre trabalho
escravo, tratou de saltar logo para outra parte do jornal. Ora, na sua condição
de membro das entidades ruralistas, não deveria ler esses factoides plantados
pela imprensa vermelha ou por algum sindicalista também vermelho e
baderneiro. Fiquei sabendo, em seguida, que nosso prefeito é um admirador da
boa cozinha. Ele se deteve por um bom tempo nas páginas de culinária do
jornal. De repente, somos informados de que serão servidas as comidas e
bebidas. Apresso-me em posicionar minha mesinha, afinal, tem um tempão que
comi pela última vez. Solicito, então, uma taça de vinho branco e uma
comidinha qualquer. Enquanto degusto meu vinho nacional, produzido na serra
gaúcha, faço, mentalmente, um balanço do que descobri sobre nossa máxima
autoridade municipal. Temos um prefeito que odeia sindicalistas, imprensa
investigativa e sujeitos velhos que se aventuram a fazer uma plástica. Admira a
beleza feminina, especialmente de aeromoças com carinhas de moças
carentes. Tem pavor de ouvir falar sobre trabalho escravo. Especialmente,
quando se recriminam velhos amigos seus. Torce, assim como eu, pelo nosso
time de futebol. É católico fervoroso e, na semana santa, acho que nem um
incêndio na prefeitura faria com que ele abandonasse seu retiro espiritual.
Sabe de uma coisa, acho que o nosso prefeito é um cidadão comum e
igualzinho a tantos outros desse nosso país. Nesse momento, avisto as
primeiras casas de nossa cidade e o avião começa a descer. Bem, chega o
momento em que todos se enchem de medo e ficam mais calados que o
prefeito em dias de semana santa. Como também sou um medroso, paro de
pensar e encerro por aqui nossa conversa.
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ATRÁS DA TRAVE
Nada melhor que assistir a uma partida de futebol, ali, bem atrás da trave. Por
momentos, temos a impressão de que também fazemos parte do jogo e
chegamos a esboçar alguns chutes a gol ou uns chutões para a frente,
aliviando a pressão adversária. Ouve-se também, com alguma clareza os gritos
dos jogadores que, em meio aos mesmos palavrões de sempre, esboçam
frases curtas e objetivas. Sempre os ouvimos falar em: encurta, fecha a porta,
marca, olha as costas, olha o ladrão. Às vezes, isso muito raramente, se
configura o que descreve o comentarista, estrategista do rádio ou da TV. Ficam
caracterizadas duas linhas de 4 jogadores, bloqueando o ataque adversário.
Isso, porém, é muito raro. O mais das vezes os jogadores se distribuem de
forma aleatória pelo campo, dependendo do momento e do posicionamento do
adversário, assim como do próprio preparo físico e da organização da equipe.
Logo, esse negócio de 4- 4- 2; 3-5-2, 4-3-2-1 só se aplica mesmo a um time de
pebolim, onde todos os jogadores permanecem estáticos, em relação ao eixo
dos X,se movendo apenas nos eixos dos Y e Z. Essa não, minha velha mania
de Geometria Analítica. O treinador permanece também estático, imitando um
treinador de time de pebolim. Nota que o adversário descobriu a fragilidade de
seu lateral direito, porém, só vai mexer no time no intervalo. Se substituir o
lateral inexperiente agora, poderá queimar o garoto. O treinador do adversário
percebe que seu oponente é um grande medroso e que pensa apenas em
manter o emprego, buscando o empate. Arrisca, então, tudo, fazendo 1-2 sobre
o lateral fraquinho e indeciso. Termina o 1º tempo e o adversário, vence por 3 a
0, sendo que todos os gols saíram graças á tática do 1-2. Vem o segundo
tempo e continuo atrás da trave. A torcida local, ainda que em desvantagem no
placar grita e apoia seu time. Especialmente quando, depois de uma jogada
inspirada, o número 8 da equipe local dribla 4 adversários e marca um golaço.
A partir dos 30 minutos do 2º tempo, a partida entra em ritmo de velório. Para
combinar, aos 45 minutos, sem qualquer acréscimo, o árbitro encerra o jogo,
fechando o caixão. Meu time está rebaixado para a 2ª divisão e eu, além das
pernas doendo, afinal fiquei de pé por mais de 2 horas, estou com a cabeça
inchada. Em breve irei me juntar, no boteco da esquina, à turma do gole.
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SOBRE CIGARROS, CORRUPÃO E ATLETAS FILÓSOFOS
Quando filósofos, professores ou jornalistas se metem a atletas, especialmente
no futebol, os resultados são bem conhecidos. É uma canelada aqui, um
tombo ali e, muitas vezes, a brincadeira de solteiros contra casados no final de
ano termina em atestado médico, perna engessada ou, algumas vezes, até em
rompimentos de tendões ou coisas equivalentes. Digamos que a recíproca seja
verdadeira. Ora, geralmente, quando atletas, especialmente jogadores de
futebol, se metem a filósofos os resultados costumam ser mais desastrosos.
Lembro-me de um caso em particular. Quem é que, no Brasil, nunca ouviu falar
na tal Lei do Gérson? Pois é, este é um caso onde é impossível citar-se o
milagre sem desnudar o santo. Gérson foi um grande jogador de futebol,
estando entre os mais habilidosos e consagrados que vestiram a camisa da
seleção brasileira. A tal Lei na verdade não existe, entretanto, passou a
espelhar, segundo alguns, uma característica da indústria da propaganda no
Brasil. Ora, devemos levar vantagem em tudo, sem levar em conta os efeitos
futuros de nossos atos, não nos cabendo responsabilidades sobre tais efeitos.
Na verdade, apesar da Lei do Gérson ter surgido de um propaganda levada ao
ar nos 70, protagonizada pelo atleta que deu nome ao dito popular, notam-se
características semelhantes ao do dito em grande parte da população do pais.
Pois bem, que propaganda foi essa. Tratava-se do anúncio dos cigarros Vila
Rica, em que o atleta fazia apologia à marca, alegando que, ainda que
custando menos, satisfariam os cigarros Vila Rica, da mesma forma, ao
fumante. Mas, o que realmente marcou, na tal propaganda, foi a frase que se
tornou chavão: "LEVE VANTAGEM EM TUDO". Ora, pode-se notar que o
Gérson, embora, certamente, não tendo querido enveredar pelo campo da
filosofia, acabou reforçando o que penso ser uma característica marcante e
antiga da sociedade brasileira. Portanto, nem a agência de publicidade nem o
próprio Gérson, segundo entendo, seriam capazes de criar um padrão de
comportamento para a população de grande parte de um país. Assim, o papel
do nosso grande Gérson foi explicitar um traço marcante presente nas origens
da formação do Brasil, enquanto nação. Ainda uma vez, defendo a tese de que,
incursões de jogadores de futebol pelo campo da filosofia têm tudo para se
tornarem trágicas, ainda que feitas de maneira involuntária. Ora, porém, a coisa
é um pouco pior e extrapola a zona de influência de nosso grande atleta. A Lei
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do Gérson está por trás de boa parte dos casos de corrupção que aparecem a
todo momento no Brasil. Ora, quem arromba e saqueia os cofres públicos, de
empresas ou de famílias, nada mais está fazendo que, aplicar, até as últimas
consequências, a Lei do Gérson. Fico imaginando o arrependimento do Gérson
diante do mal que teria causado ao Brasil, quando, meio inocentemente,
propôs que é interessante e lícito se levar vantagem em tudo. Creio que, se
tivesse ele como, reverteria a corrida do tempo e colocaria sua marcha na
contramão, devolvendo o dinheiro ganho para divulgar os cigarros Vila Rica,
abstendo-se de ser o criador da Lei que leva seu nome. Como isto não é
possível digamos ao Gérson que ele não criou um padrão de comportamento,
pesando contra ele, entretanto, mal orientado por publicitários, reforçar um
padrão leviano e preexistente. Se não podemos reverter a marcha do tempo,
melhor então é que: tentemos revogar a LEI DO GÉRSON. Como poderíamos
fazê-lo. Ora, esquecendo de vez o chavão: LEVAR VANTAGEM EM TUDO.
PRESSÁGIO
Novo ano, novas ideias. Chateiam-nos aqueles que simplesmente retiram a
última folha do velho calendário. Com certo desdém a atiram ao cesto de lixo e
reduzem sonhos a pedaços de papel que se renovam a cada novo dia. Não
nos deixemos levar por pessoas que veem no calendário apenas um detalhe.
Alguma coisa que se deva tratar com frieza profissional ou até mesmo com
desprezo. Vamos sim beber da fonte inesgotável da esperança. Não
comecemos, entretanto, pelas velhas promessas. Ora, já sabemos que a
balança irá continuar a nos olhar com desconfiança. Que as férias continuarão
a parecer muito curtas. Que o fechamento do orçamento irá depender de
aprendermos a gastar menos e a usar melhor nossa criatividade. Que tal
fazermos as coisas um pouco diferentes? Que tal começarmos nossa lista de
pedidos para o novo ano pelo desejo de aprendermos as lições da lealdade, da
simplicidade e da boa vontade. Que tal prometermos a nos mesmos que
iremos treinar, nos 365 dias que cremos nos serão dados, a tolerância e a
gentileza. Observem que, embora não acrescentado valores à nossa conta
bancária, a difusão da gentileza e da cordialidade, evidentemente partindo de
nós, pode sim reduzir as tensões presentes no nosso dia a dia. Não seria, o
67
primeiro de janeiro de um novo ano o momento de tentarmos entender as
pessoas mais jovens ou mesmo aquelas que já chegaram às idades mais
avançadas. Não seria também o momento de dar um basta a todos os
comportamentos hipócritas. De aguçarmos nosso senso crítico e tentar mudar
o script do programa de TV que insiste em nos tratar como pobres ignorantes.
Não faltam novas ideias e até mesmo o aprendizado de como reciclar o nosso
lixo doméstico é uma alternativa de novas propostas de vida. Quanto a mim,
vou observar o trânsito no dia 2 de janeiro do ano que vem. Se houver um
pouquinho menos de pressa desnecessária, de tolerância e falta de
agressividade, terei certeza que uma meia dúzia de pessoas leram este texto.
Tião Alves, fazendo votos de um feliz 2015.
LARANJA PODRE
Alguém resolveu lhe vender uma laranja podre. Você, como vem tomando
decisões sem pensar, comprou e até ficou feliz. Agora, quando você descasca
sua maravilhosa laranja podre, descobre que, mais uma vez você foi
enganado. Por uma lado, dá para se conformar. Afinal, em nosso país existe
gente de sobra especializada em enganar os outros e, muitas vezes, até
mesmo os melhores enganadores acabam enganados, sempre que aparece
um malandro mais esperto. Por outro lado, são tantas situações em que você é
levado a comprar gato por lebre que você já anda nervoso e até desconfiado
da sua capacidade crítica. Veja algumas das laranjas podres que se oferecem
por aí: carro popular que ainda utiliza fechamento manual dos vidros das
janelas. Este sistema já deveria ter sido substituído por vidros elétricos, em
todos os modelos. Pior ainda, você paga o preço altíssimo equivalente a um
carro com vários itens de conforto. Depois é surpreendido pagando mico e
girando uma manivela para erguer os vidros do carro. Plano de TV digital que
não tem nenhum canal em HD. Ora, cada vez que você tocar no controle
remoto, estará sendo zoado pelo menu. Ali estão centenas de canais em HD e
você, que gastou um dinheirão com a TV mais atualizada, não tem acesso a
nenhum deles. Moral da história: muitos recursos de sua TV vão ficar ociosos.
Pensa que um plano destes é barato. Coisa nenhuma. Oferta de CDs e DVDs.
O que você irá fazer com um DVD virgem, daqui a 1 ano. Bem, pode ser que
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você queira inaugurar um novo museu. Propagandas na TV de notebook com 2
GB de memória. Você acaba de ficar interessado em mais uma laranja podre.
Experimente manusear umas 300 fotografias, com um equipamento
moderninho como aquele. Aparelho de ar condicionado "de janela". Ora, a não
ser que você tenha um buraco furado na parede e precise tapá-lo, aproveitando
para enfiar nele o velho dinossauro/condicionador de ar, mais uma vez adquiriu
uma laranja podre. Francamente, eu não acredito naquela velha história de que
uma laranja podre na caixa irá provocar o apodrecimento das outras.
Evidentemente, aquilo fazia uma referência, por analogia, às pessoas com
maus hábitos presentes em um ambiente. Porém, diante de tantas laranjas
podres que podemos acumular hoje em dia, tenho que concordar: não vai
demorar muito e todas as laranjas da caixa estarão podres.
DIÁLOGO DOS AUSENTES Inspirada na letra da música: Amigo é Prá essas coisas de: Aldir Blanc e Sílvio
da Silva Júnior.
A conversa aconteceu em uma página do facebook. Ou melhor, em duas delas.
__ Olá, como vai.
__ Olá, não se preocupe, não vou entrar pelo lugar comum e dizer: há
quanto tempo.
__ Também não iria adiantar. Não tenho como você uma memória
prodigiosa. Sei apenas que não foi ontem, nem no mês passado, ou mesmo no
ano passado que nos falamos pela última vez. Permita-me simular que
realmente estamos nos falando. Para mim isso será importante.
__ Ora, faça como quiser. Eu também me sinto bem, imaginando que posso
ouvir sua voz.
__ A propósito, você já resolveu aquele seu problema de gripes constantes
e rouquidão permanente.
__ Olha, já tentei de tudo: desde o mel com própolis que é uma doce
enganação, até consulta com especialistas, vacina para idosos e boa parte da
prateleira da farmácia do lado. Devo dizer que continuo rouco.
__ Fiz alguns progressos: perdi o medo de dirigir, consegui um diploma
universitário, mudei de cidade e até aprendi a sonhar um pouco. Mas, continuo
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refém de mim mesma. Não criei coragem para dizer não a determinadas
pessoas.
__ Já tá bom. Afinal, não podemos conseguir tudo de uma vez. Dê mais um
voto de confiança a você e se conceda mais uns 10 anos para resolver o resto
das questões que a afligem.
__ Vi sua foto no facebook. Vejo que os cabelos brancos andaram
progredindo. Mas, está mais magro e com cara de quem anda satisfeito.
__ Pois é, não se pode vencer todas as disputas. Perdi para o tempo e não
tive coragem de pintar os cabelos. Porém, aprendi a suportar as perdas e até já
consigo sorrir nas fotos. Também, em um mundo onde só se pensa em
comprar celular da hora e tirar fotos. Isso é questão de sobrevivência.
__ Quero contar do meu filho que só me dá alegrias. Já tem até namorada
e está fazendo curso universitário. É de fato o avesso do pai que é sócio
proprietário da Brahma.
__ Sabe que sou fã do seu filho. Ele sempre me abraça quando me
encontra. Só não tive coragem ainda de perguntar pela mãe.
__ Deixa a timidez de lado, ele também gosta de você e dirá sempre coisas
maravilhosas sobre mim. Aquela parte tensa e pesada que nos envolveu no
passado jamais passou pela cabeça dele.
__ Olha, infelizmente secou a fonte. Não tenho mais ideias para debater
com você. Qualquer dia desses, quando o acaso ditar, poderemos simular uma
conversa novamente.
__ Até lá. Guarde sempre de mim uma doce lembrança. Eu vou continuar a
tê-lo como uma pessoa importante em minha vida. Um beijo em sua alma...
70
CAPÍTULO XI - RETRATO DE MULHER - 3 CARAS
SOBRE CARAS
Existe a cara estampada em cada moeda. Também existe a cara, palavra que,
vulgarmente define o rosto. Existe a expressão cara significando um sujeito
qualquer. Mas, também, existe a palavra cara, importada, diretamente do
Italiano. Aí, o sentido é um pouco mais profundo e, sem dúvidas, muito mais
interessante. No Italiano, cara significa querida, prezada, ou até mesmo
amada. Pois bem, este capítulo é dirigido às caras, com o significado mais
doce e profundo que possa alcançar o idioma Italiano.
UMA NOVA MULHER OU UM NOVO PAPEL?
Não mais que de repente, Eliara tem sua vida mudada. Lia, nome carinhoso
usado pelos amigos, agora é uma respeitável senhora, mãe carinhosa e
esposa fiel. Vive pela família. Na verdade, embora contando agora com um
pequeno exército de serviçais, foi obrigada a abandonar velhos hábitos. Já não
dá mais para acordar na hora do almoço e só aí começar seu novo dia. É
preciso tomar decisões, quase de executiva: decidir sobre o cardápio, verificar
o cumprimento das rotinas diárias relativas à limpeza da imensa casa ou
mesmo da poda das plantas do jardim. Não pensem, entretanto, que Lia é hoje,
em tudo, uma nova mulher. Muito pelo contrário. Continua a cultivar alguns
dos velhos hábitos. Como, passear diariamente pelos shoppings, comprando
dezenas de roupas, calçados e acessórios que irão se juntar a tantos outros,
em um canto qualquer do armário. Muitos deles, certamente, jamais irão ver de
novo a luz do dia. De certa forma, encarada por algum idealista de plantão, a
vida de Lia perdeu até um pouco da graça. Ora, aqueles encontros agendados
e pagos, com diversos homens tinham lá seus encantos. Apesar da grosseria
de alguns, da falta de assunto e/ou futilidade de outros ou mesmo da falta de
habilidades para o amor de outros, alguns se revelavam pessoas interessantes.
Hoje, tudo é muito diferente. Vive em uma nova cidade e os rastros de seus
descaminhos ficaram esquecidos em sua distante e interiorana cidade. Aqui é
respeitada por todos. Muitas vezes, ao estacionar o carrão no shopping, algum
segurança vem até ela para abrir as portas do carro, ajudá-la a conduzir o
pequeno Lutero até o assento do carrinho e ajudá-la a colocar os acessórios de
uso do nenê, dentro do carrinho. Às vezes, algum sujeito atrevido olha para ela
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com olhos impuros e ela se assusta, imaginando que seja algum vulto perdido
em seu passado controverso. Imediatamente se lembra de que se encontra
hoje em um território protegido, longe de lembranças e cobranças relativas às
sua vida passada. De uma coisa, entretanto, Lia tem plena certeza. Há muito
de semelhante em sua vida atual e na vida perigosa e desprezível que viveu no
passado. Nada ou muito pouco há de verdadeiro. O filho Lutero é uma das
poucas verdades. O casamento foi algo que obedeceu, absolutamente, aos
padrões da conveniência para ambos os lados. Ela sempre sonhou em deixar
a vida de encontros fortuitos e do amor pago. Os riscos que corria ao se
envolver com desconhecidos e a tristeza que sentia ao se entregar por
dinheiro. Desta forma, o casamento para ela, embora sem nenhuma dose de
amor, foi um grande negócio. O marido, necessitado de autoafirmação,
precisava já de uma mulher bonita e apresentável. Não direi que Lia se
encaixe no papel da mulher inteligente. Não que fosse uma idiota ou coisa
assim. Simplesmente, sempre foi vítima da preguiça mental que atinge,
indistintamente, homens, no geral, mulheres feias ou bonitas, em nosso país.
Nunca lê nada que não seja propaganda de lojas de roupas caras. Ou de
anéis, pulseiras e tantas coisas do gênero. Mas, descontadas tais limitações,
Lia cabe perfeitamente no papel de esposa de um novo rico. Fica, então, no ar,
a pergunta, nascera uma nova mulher, representada por Lia. Ou, simplesmente
assumira ela um novo papel, dado pela vida, quase global, no mau sentido?
INCENDIÁRIA
Nada lembrava nela uma mulher mal amada. Estava sempre disposta a
aproveitar qualquer pequeno espaço de tempo para realizar suas fantasias,
junto ao seu cúmplice. Quando sozinhos e com algum tempo, quase que
automaticamente, seguiam na direção da casa do amante ou de um motel mais
próximo. Ali certidões de casamento e nascimento eram simples pedaços de
papel, como deveria ser sempre e para todos. E a febre de sussurros e
gemidos sempre falava mais alto. Desconfiavam amante e esposa infiel que
foram feitos um para o outro e chegaram a apostar em um amor, bastardo,
porém, eterno. Foram centenas de incêndios localizados, em camas que às
vezes rangiam, em lençóis que fatalmente eram arrancados e desarranjados.
Em corpos que queimavam em febres que sempre estouravam a escala do
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termômetro. Quanta paixão de corpos sedentos, durante muito tempo
compartilhada por almas irmãs. Aliás, a parceria entre as duas almas pagãs,
foi, digamos, a retaguarda para o surgimento de um amor tão incendiário.
Durante muito tempo, antes que se perdessem nos delírios e inconsequência
de camas, falavam-se todas as noites. Até mesmo, não conseguiam dormir
sem antes se despedirem pelo telefone. Porém, o eterno de seres humanos,
pode ser medido em voltas dos ponteiros de horas dos relógios. Em poucas
frases, o grande e eloquente amor se transformou em moribundo. Daquela
boca de onde se esperavam mil beijos e milhões de sussurros brotaram frases
frias e definitivas.
__ Não quero viver em uma redoma, em um mundinho reservado apenas
para dois. Quero momentos de lazer em festas e shoppings. Te conheço bem e
sei que odeia festas, consumismo e aglomerações de pessoas que não têm o
que fazer.
Finalmente a frase fatal:
__ Estou de partida, adeus.
Só lhe restava, então, diante de tão fulminantes e decididas palavras,
concordar com tudo e pronunciar a última frase: "
__ Vá em paz e procure acertar em suas novas escolhas...
MOÇA OU PÁSSARO
Ela sempre ficava feliz com minha chegada. Expressava, então, sua alegria em
muitos beijos e abraços. Em seguida, mergulhava pela narrativa de tudo que se
passara, naqueles dias em que nos ausentamos. Em seguida, sem qualquer
script prévio, rolava um amor sem queixas ou cobranças. Não era apenas amor
competente. Era, sim, ardente e agressivo. A cada dia, sentíamos que as
nossas vidas se aproximavam, embora sobressaíssem: o imenso abismo entre
nossos gostos e costumes e nossos objetivos na vida. Mas, naqueles minutos
em que imperava a linguagem do corpo, nada tinha forças para desviar nossos
rumos, seguindo em busca do prazer instantâneo e absoluto. Findava o amor e
nossas obrigações tão diferentes clamavam por nós. As despedidas sempre
eram acompanhadas de promessas da volta, em muito breve. Mas, não se
recorria à agenda e toda sua soberania. Assim é até mais gostoso, dia desses
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voltamos a nos ver. Quanta alegria ao encontrá-la levantava dúvidas: seria ela
uma moça ou um passarinho?
CAPITULO XII - CARTAS E ENCONTROS
Inspirado na canção: Meu Caro Amigo de: Francis Hime e Chico Buarque
A UM AMIGO QUE PARTIU Caro amigo,
Todos os dias, ainda ao amanhecer me lembro de você. Então, faço um
esforço muito grande para me lembrar de orações que aprendi na juventude
para poder repeti-las em sua homenagem. Porém, sempre me trai a memória e
acabo não tendo coragem de me dirigir a um ser superior, não conhecendo as
palavras corretas. Tento em seguida me lembrar de versos, letras de músicas
ou mesmo de histórias que ouvi para enviar-lhe palavras de conforto e ânimo.
Agora, às vezes me trai a memória em outras vejo as grandes contradições
expressas em tais conjuntos de palavras. Limito-me, então, a buscar em mim
algo que possa enviar-lhe, recorrendo ao poder infinito do pensamento.
Lembro-me, então, que minha alma se encontra em completa confusão, refém
de uma luta intensa que trava contra meus piores instintos humanos e minha
falta de clarividência. Resta-me, apenas, a grande quantidade de fatos e
desafios que enfrentamos juntos. Descubro, aí sim, um imenso manancial de
água pura que jorra, arrastado pela lucidez de minha memória. E, dentro de
toda a história que pudemos compartilhar sobressaem-se nossas divergências.
Lembra-se ainda? Das nossas posições diametralmente opostas, com relação
à política e à economia? Mas, a maior de nossas divergências, essa sim muito
grande. Enquanto você se manteve firme, vivendo por quase quarenta anos
uma relação estável, com uma única mulher, eu rondava por aí meio sem
rumo. Isso lá é verdade. Busquei abrigo no coração de tantas mulheres que,
de muitas não me lembro sequer o nome, de outras nem o rosto ou os sonhos.
Devo admitir, ainda vago em busca de um porto seguro. Envio um pen drive
com algumas poucas músicas de bom conteúdo surgidas por aqui. Espero que
me responda, de preferência contando coisas realmente novas sobre o mundo
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do além. Novidades aqui quase nada. É sempre o lugar comum da violência,
corrupção e a falta de coragem de quase todos em assumir a si próprios.
Tião Alves, 30.09.2014, às 18h28min.
O MEU AMIGO JESSÉ
Hoje o encontrei na rua. Ou melhor, quase o encontrei. Tenho andando meio
manco ultimamente e não pude alcançá-lo, com seus passos rápidos. Não quis
chamá-lo aos gritos, visto que ainda continuo vítima da minha timidez. Lembro-
me como se fosse hoje, quando, lá nos anos 80 o amigo sobre quem falo
recebeu das mãos do médico o que na época resumia uma sentença de morte.
Isso mesmo, um exame de HIV com resultado positivo. Creiam que, dentre as
pessoas que o cercavam, nenhuma ficou mais tranquila que o Jessé. Parece
que ele tinha consciência de sua força interior embora reconhecendo o poder
do inimigo a enfrentar. Sei dizer que os anos foram passando e continuei a vê-
lo quase com a mesma frequência. Ou seja, umas três vezes ao ano. Não
estranhem. Na verdade, nunca fomos amigos íntimos. Eu o via sempre nos
corredores e passeios da Universidade, invariavelmente com uma enorme pilha
de livros apoiada em cada braço. Soube por outras pessoas que ele era
estudioso e não levava os livros simplesmente para jogar para a torcida. Ou
seja, ele realmente era um devorador de páginas de livros. Pois é, o Jessé
continua gozando de boa saúde. Não digo que viva simplesmente para desafiar
a terrível doença. Sempre que o encontro faço questão de apertar sua mão e
então ele mostra um sorriso de felicidade. Outro detalhe, essa história do HIV
também soube por bocas de outras pessoas. Nunca ousei perguntar a ele
sobre o assunto. De qualquer forma o Jessé é meu amigo e estou feliz em tê-lo
visto hoje.
UM ENCONTRO CASUAL
Ao me assentar junto à mesa do restaurante, não tinha outra intenção que não
fosse cumprir parte da rotina do dia. Embora, tivesse colocado no prato uma
pequena quantidade de comida, mesclando as cores de alimentos e
obedecendo em parte às prescrições da nutricionista, aquele acabaria sendo
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um almoço diferente. Procurei manter toda a rotina de meus almoços naquele
restaurante. A conversa com o dono, sempre imerso em seus cálculos
intermináveis ou na inserção dos cartões de crédito ou débito na maquininha.
Ou, às vezes, tirando um tempinho entre o atendimento de um cliente e outro,
para que falássemos sobre futebol, às vezes sobre política ou economia. Hoje
porém, o total acaso com que se decidem os cruzamentos de caminhos e
sentimentos me colocaria novamente frente ao vulto que povoa minhas noites.
E que noites, o calor nesse outubro de 2014 é particularmente intenso e
impiedoso. De repente, na minha frente estava o vulto. Tendo já terminado de
almoçar, inicialmente, pensei em cumprimentá-la, justificar-me que já estava de
saída e partir rumo à rua encalorada e ao mesmo tempo fria e barulhenta.
Porém, o desejo de ouvi-la, de compartilhar com ela alguns momentos, ali, bem
pertinho, foi maior. Sentei-me de frente para ela. Pude admirar seus cabelos
sempre muito pretos e nunca pintados. Suas mãos delicadas, um jogo de anéis
e alianças, uma dourada, outras brancas. Um relógio grande, dourado e muito
bonito, não sei se tão preciso. A sua voz, em nenhum momento, demonstrou
insegurança, rancor nem qualquer outro sentimento nobre ou menos nobre.
Falou de coisas do cotidiano, em geral, contando algumas coisas suas, meio
em tom de desabafo. Eu andei filosofando, como de costume e, tive que pedir
desculpas, em alguns momentos, por meus excessos, narrando coisas apenas
de meu interesse. Ela chegou a chorar, em alguns momentos e não consegui
saber se as lágrimas refletiam a tristeza, diante de doença de parente próximo,
ou de questões da vida diária mal resolvidas. Ou seria tristeza diante da
lembrança de frases duras que lhe dirigi pelo e-mail. Em um ponto creio que
evolui. Não me atrevi a propor um novo encontro, uma ligação ou um e-mail.
Assumo, entretanto, meu coração ficou feliz e, ainda uma vez, se sentiu
inteiramente em casa. Afinal, pude ficar sem nenhuma combinação prévia,
diante da pessoa que reúne em uma única mulher: um vulto que povoa meus
sonhos da noite, minha parte mais romântica e delicada e uma companheira de
conversas com quem me sinto inteiramente em casa. Além da presença de
olhos, cabelos e boca que me inspiram e por vezes me fazem sonhar como
jovem que fui a tanto tempo. Partimos minutos depois e caminhamos juntos por
algumas quadras. Lembrei-me depois que essa foi a primeira vez que
caminhamos assim juntos pelas ruas. Para mim ficou a lembrança de um
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encontro casual e perfeito e que me encantou o horário do almoço, em uma
manhã de outubro de 2014.
CAPÍTULO XIII - O CONTROVERSO
COLUNA SOCIAL
Tem certos dias em que a gente se cansa de cálculos, softwares, livros, filmes,
trabalhos domésticos e fica mesmo a fim de fazer alguma coisa diferente.
Junte-se a isso que, a primeira e mais fácil opção que sempre se apresenta é
atacar a geladeira ou ir sentar-se frente a uma mesa de bar. Aí, se você anda
sempre brigando com a balança que se aproveita de qualquer descuido para
lhe apresentar números desafiadores em quilogramas, você recua e vai buscar
logo outra saída. Nessas horas é que vale a pena ler a coluna social de um
jornal local. O que esperar de uma coluna social de um jornal que, quando fala
sério já não é confiável. Também que coisa mais sem sentido. Coluna social
está ali mesmo é para que se libere a licença de idiota, assim como existe a
licença poética. Aí esta você percorrendo as fotos coloridas e os relatos muitas
vezes curiosos, mas sempre inocentes. Foi a melhor palavra que pude arranjar
para descrever a coisa. Aqui existe a Mariazinha do Tudo em Cima, com uns
peitões novos e bem inflados. O seu Zé dos Arranjos Bem Feitos que, apesar
do péssimo Português e do inquérito que corre em segredo de justiça, na
Polícia Federal, é um dos mais badalados do ano. O seu João Cevada, diretor
da revenda de cerveja e que, contrariando todos os truques de marketing,
jamais tomou um copo de cerveja. O que ele aprecia mesmo é um bom copo
de uísque. A nossa mais famosa modelo, Mariazinha da Curva em S que
aparece a cada dia mais sensual e mais bombada. Evidentemente bombada
em locais estratégicos. Tem também os representantes da imprensa local,
dentro de ternos alugados e muito apertados. Estes tomam todas, mas também
só escolhem bebidas com rótulos em Inglês. Vejo aqui até uma amiga minha
que atende em domicílio. Evidentemente, não serei indiscreto, dizendo que
tipo de serviço ela presta. Em outro local vejo o vigário da Paróquia Central da
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cidade. Ali ele dá o batismo às novas instalações de uma grande empresa que
se instala aqui na cidade. Relatam, sobre a tal empresa: Fábrica de Adubos Pé
de Couve se instala em Portal da Fartura e gera 1000 empregos diretos. Só
esqueceram de dizer que o prefeito, para conseguir a vinda da empresa teve
que abrir as pernas, quase em 90°, concedendo 30 anos de isenção de
impostos. Sabe de uma coisa, essa minha vida de cronista amador anda meio
chata. Além disso, quanto mais coragem crio e começo a desvendar a cara da
cidade, em minhas crônicas, pior fica a minha situação. Muita gente que antes
ao menos me cumprimentava e me tolerava, agora me vira a cara na rua. Às
vezes, embora tendo todos os cuidados ao escrever para expor apenas o
milagre, preservando o santo, me entusiasmo. Aí é uma desgraça geral. A
pessoa se sente ridicularizada por minhas brincadeiras não tão inocentes. Acho
que vou nadar no sentido da corrente. Vou me inscrever em um partido de
direita, entrar para várias igrejas, uma de cada tendência e rever meus
conhecimentos da bíblia. Além disso reencontrar as pessoas conhecidas e
certas, para que me ajudem a entrar para olho do furacão social. Vou trocar
meu teclado e notebook, onde fico escrevendo e tentando mostrar o ridículo de
quase tudo que nos cerca, por uma presença constante na coluna social. Se
me rejeitarem, sob a alegação de que tenho sangue de índio ou que o tempo
andou fazendo muitos estragos em minha aparência ou que sou muito
romântico e sonhador. encontro uma saída paralela. Já sei, vou fazer como
muita gente que vai parar na coluna social se transformando num famoso
papagaio de pirata.
PANFLETOS
Se você sair por aí, pelas ruas de qualquer grande cidade, seja a pé ou no
interior de um veículo, certamente será abordado por dezenas de pessoas que
lhe entregarão panfletos, contendo propagandas. Tem panfleto para todos os
gostos, desde pizzarias, cabeleireiros, lava jatos, compradores de ouro, até as
Donas Marias de Sei lá que, capazes de fazerem amarrações para o amor.
Conheço pessoas que apanham todos os panfletos ofertados e os atiram ao
chão antes de cruzarem a primeira esquina. Outros passam os olhos por eles,
especialmente quando promovem grandes edifícios e mostram belas áreas de
lazer. Conheço gente que até se imagina dentro das áreas de lazer, usando
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chinelos confortáveis, bermudas largas e camisetas cavadas, ou até mesmo
calções de banho, toalhas debaixo do braço e bronzeador em uma das mãos.
Outras pessoas se recusam a receber qualquer panfleto, justificando que não
são consumistas e não se interessam pela parafernália propagandista gerada
pelo capitalismo. Muitas vezes, tais pessoas se arrependem de não terem
recebido os panfletos, quando em uma noite chuvosa de sábado sentem a falta
dos contatos de uma pizzaria ou mesmo de um restaurante chinês ou
nordestino. Na verdade, existe um certo tom de modernidade nesse tipo de
propaganda. Antigamente, as propagandas se limitavam às emissoras de rádio,
depois TV, jornais e ao vendedor de óleo de peixe elétrico que tinha uma cobra
que nunca foi mostrada. Quero me deter no tal homem da cobra, como era
conhecido. Ele parava no centro de uma praça, geralmente no centro da cidade
e montava seu sistema de som. Colocava alguns panos sobre o chão e
expunha suas raízes capazes de curar desde mau olhado até enfisema
pulmonar. Depois, quando já tinha reunido um bom grupo de curiosos, iniciava
uma ladainha interminável, anunciando que iria mostrar uma cobra gigante que
se mantinha fechada em uma mala. Aí iniciava sua pregação sobre os
benefícios oferecidos pelo óleo do peixe elétrico. Este tal óleo curava desde
micose até mal de amor, passando por sarnas, diabetes e espinhela caída. No
final, o discurso todo acabava na distribuição de vários potes do óleo
milagroso, algumas vendas e com a partida do chamado propagandista, sem
que a tal cobra jamais aparecesse. Interessante notar a evolução na rotina das
grandes cidades. Antes, o homem da cobra conseguia manter o orçamento de
sua casa equilibrado, anunciando uma cobra que nunca aparecia e vendendo
um óleo milagroso que nunca foi testado por nenhum instituto de pesquisas
renomado. Ninguém nunca voltou para falar ao vendedor sobre o sucesso ou
fracasso do produto. Hoje, uma pessoa com colete refletivo e identificação de
uma empresa de propaganda entrega panfletos. Inclusive de advogados que
conseguem habeas corpus em 24 horas, com toda a certeza. Falam até de um
falso médico que preenche, assina e bate carimbo do CRM, naquele atestado
que irá garantir o recebimento do dia em que não se foi trabalhar vítima da
ressaca. Podemos então concluir que, a farsa das propagandas continua a
mesma, apenas que, os milagreiros de hoje são advogados, pais de santo,
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falsos médicos que são a versão do século XXI do homem da cobra, com o seu
óleo do peixe elétrico.
O BRAÇO DIREITO DA MINHA AMIGA
Ando muito preocupado com minha amiga. Não sei se ela se desencantou com
as pessoas ou se descobriu, somente agora, o quanto existe de hipocrisia
nelas e em suas escolhas e decisões. O fato é que ela, antes uma pessoa
sensata e muito sensível que conseguia entender os sofrimentos das pessoas
mais humildes, resolveu se associar a gente da pior espécie. Hoje, contam-se,
entre aquelas pessoas que ela mais admira fazendeiros acostumados a manter
pessoas na condição de escravas, em suas propriedades. Pessoas que
defendem com ardor os métodos empregados lá na antiguidade, no interior de
conventos. Até mesmo a autoflagelação é tida por tais pessoas como método
educativo. Estou temeroso de que minha amiga que foi uma crítica ardorosa do
velho e malfadado regime militar já tenha até fotos dos militares mais violentos
e ignorantes, fixadas na parede de sua sala. Para dizer a verdade, tenho até
medo de visitá-la e me deparar com aquelas figuras fardadas e com sorrisos de
torturadores que hoje, felizmente, habitam apenas o porão de minha mente.
Pior de tudo, não tenho coragem sequer de questionar suas ideias, talvez
porque sinta que não há nada de racional em seu comportamento atual. Quem
sabe um dia desses minha amiga se canse dessa gente reacionária e falsa e
volte a enxergar as coisas com clareza. Quem sabe, um dia desses ela saia aí
pelas ruas e, vendo rostos de tantas pessoas que, embora massacradas pelos
costumes de um país onde a minoria sonha, enquanto a maioria tem apenas
pesadelos, possa voltar a reconhecer a frequência da batida do coração de
gente humilde. Quem sabe minha amiga se lembre que: seu pai, seus tios e
tanta gente muito próxima dela fazem parte dessa gente humilde de quem falo
e que habitam em um mundo a 180° dessa corja de políticos conservadores e
preocupados em aumentar seu poder e riqueza.
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CAPÍTULO XIV - INSPIRAÇÃO
FILTROS DA ALMA
Sábia e autoritária, proveu a natureza de filtros a alma.
E os fez capazes de quebrarem a luz em mil cores.
Os fez sensíveis às flores, às dores, amores.
Permitiu-lhes o trânsito em dupla mão:
por eles, assim como entram, retornam sentimentos, afeições, ilusões.
Filtros da alma são dotados de sensores,
podendo a própria alma os adaptar em sua permissividade.
Em dias de paz e calmaria passa por ele, de saída, quase tudo que nos vai na
alma.
Há dias, porém, em que se avizinhando tempestades, fecham-se, em suas
saídas os filtros.
Em tais momentos quase nos transformamos em seres isolados,
incapazes de amar e compreender.
Na outra via, funcionam nossos olhos de maneira profilática,
nos protegendo contra os horrores:
da impaciência ou da maledicência.
Da intolerância, da incapacidade de perdoar.
Ficam, então, retidas em sua superfície, toda sorte de impurezas.
Tão importantes, em sua missão de filtrar tudo que de melhor enviamos,
ou de pior evitamos,
chega o dia em que se tornam carregados.
Fluem então, por nossos olhos, filtros da alma, lágrimas em profusão:
Renovando nossos filtros e, novamente nos capacitando à troca de emoções.
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CAPÍTULO XV - O COMEÇO DE TUDO
GÊNESE
E a vida se fez. Depois de um parto rápido, estou aqui, pronto para iniciar
minha vida fora do útero de mamãe. Nesses meses em que vivi imerso em
muito líquido e sem respiração autônoma, tive a oportunidade de observar o
ambiente, na parte externa do útero materno. Devo dizer que, na maior parte
do tempo, me senti absolutamente tranquilo, tendo percebido o grande amor
que me dedicavam papai e mamãe. Em outros dias, porém, diante do silêncio
que se fez à minha volta, me detive em observar, com maior rigor as
mensagens que me chegavam, vindas do mundo exterior. Minha atenção se
prendeu especialmente ao que viviam meus pais e o que provocou seu
silêncio. Entendi, então, que a vida das pessoas lá fora não é como a minha
sempre constante e organizada. Muitas vezes, as pessoas sentem dúvidas
sobre suas afeições, sua capacidade de honrar suas promessas e de
corresponder ao afeto de que são alvo. Não pensem, porém, que isso fez
diminuir, em qualquer grau, o amor que dedico aos meus país. Continuo a ser
imensamente grato a eles, especialmente pela oportunidade que me
concederam de vir ao mundo. Mas, não é só isso que me prende a eles.
Aprendi a admirar a mamãe, principalmente porque, estou feliz e muito seguro
quanto ao seu amor. Quanto a papai, notei que ele não é tão firme em suas
convicções. Porém, lá do seu jeito, tenho plena convicção de que também me
ama. Estou ansioso para poder abrir os olhos e enxergar tudo que está à minha
volta. Estou ansioso também para chegar o momento em que possa ver o
mundo lá fora de casa e ver se se confirmam sobre ele todas as minhas
expectativas, relativas à beleza de tudo. Bem, melhor é esperar pelo tempo
correto para cada acontecimento.
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O AUTOR:
Sebastião Alves da Silva Filho, pseudônimo: Tião Alves, nasceu em
Uberlândia, em 22.12.1953. Iniciou os estudos em 1962, na Escola Machado
de Assis, em sua cidade natal. Transferiu-se para o Colégio Cristo Rei, ainda
em Uberlândia, em 1964. Ali concluiu o, então 1º grau. Cursou o 2º grau nos
colégios: Inconfidência e Brasil Central. Iniciou sua vida profissional no Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, no ano de 1973. Permaneceu fora das
salas de aula no período de 1973 a 1975, quando retornou, fazendo o cursinho
preparatório ao vestibular, no Curso Galileu, ainda em Uberlândia. Em 1976
ingressou na Faculdade Federal de Engenharia de Uberlândia, tendo concluído
o Curso de Engenharia Mecânica, em 1981. Em 1989 especializou-se em
Engenharia de Segurança do Trabalho, pela Universidade Federal de
Uberlândia. Trabalhou, no período de 1978 a 1985 como professor de
Matemática e Física no Curso Supletivo do SESC em Uberlândia. Ainda neste
período, trabalhou como professor de Matemática, Física, Química e Português
nos estabelecimentos: Curso Rio Branco e Colégio São Judas Tadeu, em
Uberlândia e Curso Anglo, em Catalão-GO. Trabalhou como Auditor Fiscal do
Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, na área de Segurança e
Saúde do Trabalho, no período de 1983 a 2011, quando se aposentou. Durante
o exercício do cargo público, no MTE, trabalhou no período de 1985 a 1989 em
Patos de Minas-MG. O restante do período ficou lotado em Uberlândia. No
período de 2000 a 2003 exerceu a função de Chefe do Setor de Fiscalização
da então Subdelegacia do Trabalho em Uberlândia. No período de 2003 a 2008
exerceu a função de Gerente Regional do Trabalho e Emprego em Uberlândia.
Atualmente se dedica à literatura e à manutenção de um site educativo na
internet. O endereço do site é: www.sofstica.com.br.
Publicou, antes de Recado ao Barqueiro, 2 outros trabalhos de cunho
científico/educativo: Probabilidades: Intuição e Sabedoria e Ciência, Sorte ou
Agiotagem. Todos os títulos podem ser obtidos gratuitamente, através de links
no site.
Mantém uma página no facebook na qual publica, com antecedência, parte dos
textos que farão parte de seus livros.
No momento escreve um novo livro: Caixinha Preta que é uma coletânea de
letras de músicas da MPB e de algumas músicas em língua estrangeira. O
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trabalho apresenta comentários sobre a letra das músicas e textos escritos com
inspiração em tais letras.