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ESCOLA DE ARTES, CIÊNCIAS E HUMANIDADES EACH Metropolização: perspectiva histórica e desafios para o futuro. Disciplina: Resolução de Problemas Foco em Políticas Públicas Professor: Jaime Crozatti Alunos: Aline Priscila Azevedo Célia Araújo de Carvalho Cristina da Silva Alves de Castro Giovanni Gigliozzi Bianco Helena Fernandes Dolfato Jéssica Medeiros Mota Livia Martinelli Predebon Margarete Gaspar de Almeida Viviani Renata Anze Greer Wagner Kimura

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ESCOLA DE ARTES, CIÊNCIAS E HUMANIDADES – EACH

Metropolização: perspectiva histórica e

desafios para o futuro.

Disciplina: Resolução de Problemas – Foco em Políticas Públicas

Professor: Jaime Crozatti

Alunos: Aline Priscila Azevedo

Célia Araújo de Carvalho

Cristina da Silva Alves de Castro

Giovanni Gigliozzi Bianco

Helena Fernandes Dolfato

Jéssica Medeiros Mota

Livia Martinelli Predebon

Margarete Gaspar de Almeida

Viviani Renata Anze Greer

Wagner Kimura

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ÍNDICE

APRESENTAÇÃO .......................................................................................................................... 5

Situação-problema .............................................................................................................. 5

Objetivo geral da pesquisa ................................................................................................. 5

Objetivos específicos .......................................................................................................... 5

Materiais e métodos ............................................................................................................ 6

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................. 6

A Região Metropolitana de São Paulo: tipologia de seus municípios.................................. 15

PROCESSO DE URBANIZAÇÃO E METROPOLIZAÇÃO PAULISTAS ....................................... 18

São Paulo: da Capitania à Metrópole. Estruturas econômicas, políticas e sociais

formatam e desenham a RMSP .......................................................................................... 18

Desconcentração industrial na RMSP e redistribuição espacial da população................... 29

Os espaços legais e "ilegais" ocupados na cidade de São Paulo no decorrer do

Século XX ........................................................................................................................... 31

INSTRUMENTOS INSTITUCIONAIS E LEGISLAÇÃO REFERENTE À GESTÃO DE REGIÕES

METROPOLITANAS, COM FOCO NA RMSP................................................................................ 41

“PLANO INTEGRADO DE TRANSPORTES URBANOS DA SECRETARIA DOS

TRANSPORTES METROPOLITANOS DO ESTADO DE SÃO PAULO”, SOLUÇÃO

SETORIAL DENTRO DE UM MODELO DE GESTÃO INEFICAZ ............................................... 55

Por que precisamos democratizar a redistribuição............................................................ 55

Quem é quem nos transportes........................................................................................... 55

Sobre o plano integrado de transportes urbanos (PITU) ................................................... 56

Políticas de transporte e inclusão social............................................................................. 59

Bolsões de pobreza, underclasses e liberalismo................................................................ 63

Colocando a questão das democracias latino-americanas: o paradoxo da democracia

sem cidadãos...................................................................................................................... 64

Entendendo a desigualdade............................................................................................... 67

Democratizar a redistribuição............................................................................................. 69

A gestão dos transportes e a dificuldade (democrática) legislativa: o problema do

consenso político................................................................................................................. 73

CONCLUSÃO.................................................................................................................................. 75

BIBLIOGRAFIA............................................................................................................................... 82

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APRESENTAÇÃO

O presente trabalho teve como objeto de estudo inicial o processo de

metropolização da Região Metropolitana de São Paulo - RMSP; no qual se

pretendeu:

1) caracterizar o processo de metropolização da RMSP;

2) avaliar, segundo a literatura do tema, o caráter da ação do Estado,

sobretudo do ponto de vista da produção de leis, em questões relevantes

relativas ao processo de metropolização;

3) traçar, a partir de dados oriundos do Plano Integrado de Transportes

Urbanos – PITU 2025 da Secretaria dos Transportes Metropolitanos do

Estado de São Paulo – STM-SP, os desafios e as perspectivas futuras para

a gestão da metrópole.

Situação-Problema:

Como o Estado, do ponto de vista legal e das políticas públicas, atua diante

do processo de metropolização da RMSP?

Objetivo Geral da Pesquisa:

Caracterizar o processo de metropolização da RMSP na perspectiva de seus

instrumentos de gestão do Estado.

Objetivos Específicos:

1. Caracterizar o processo de urbanização e metropolização.

2. Caracterizar os atuais instrumentos institucionais disponíveis para a gestão

de regiões metropolitanas.

3. Caracterizar a legislação de planejamento urbano.

4. Analisar o “PITU2025 da STM-SP, enquanto modelo de gestão.

5. Apontar os desafios institucionais para a gestão das regiões metropolitanas

brasileiras.

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Materiais e Métodos

Os componentes do grupo encontram-se divididos em sub-grupos de

pesquisa de tópicos que gravitam em torno do fenômeno em estudo. Os sub-grupos

são:

a) estudos sobre o processo de urbanização (geografia humana, economia

política, dados sobre a região metropolitana, revisão da literatura recente

em metropolização e gestão metropolitana);

b) levantamento da legislação pertinente;

c) levantamento sobre os atuais instrumentos de gestão da metrópole;

d) estudo do PITU 2025.

Os sub-grupos realizarão suas pesquisas e as socializarão para os demais

integrantes do grupo por meio material textual próprio, cópias reprográficas de

material relevante a pesquisa, seja ele relatório de governo, plano de governo, livros,

teses e páginas da internet.

INTRODUÇÃO

A área da RMSP, com 39 municípios, abrange uma área de 8.051 km² e

população superior a 20 milhões de habitantes (STM-SP, 2000). Autores como

Bousquat (2001) caracterizam a RMSP como uma metrópole transnacional, o que

implica dizer que o padrão de convergência dos fluxos populacionais em sentido à

metrópole tende a ser alto. Esses fluxos populacionais, obviamente, não obedecem

aos limites administrativos municipais. Portanto, os instrumentos de gestão da

metrópole tornam-se essenciais para a gestão de regiões metropolitanas, sobretudo

nos seus aspectos jurídicos.

Assim, o processo de metropolização traz, pela fluidez que a configuração do

espaço adquire, pautada agora por fluxos que desobedecem aos limites

administrativos municipais, a necessidade de diferentes desenhos institucionais.

“Desenha-se assim um painel onde são delineados dois aspectos: o municipal e o

metropolitano, no interior de um mesmo contexto sócio-espacial” (BOUSQUAT,

2001, p. 112).

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O processo de ocupação e uso do solo observado nas regiões metropolitanas

brasileiras, que Santos (1993) caracteriza como sendo perverso, não é causado,

como muitos supõem, pela ausência de planejamento, mas sim pelo dualismo

antagônico entre legalidade e gestão (BRASIL - SENADO, 2005):

O planejamento urbano, e, sobretudo, o zoneamento, definem padrões de ocupação do solo

baseados nas práticas e lógicas de investimento dos mercados de classe média e de alta

renda e destina o território urbano para estes mercados. Entretanto, embora estes mercados

existam, sua dimensão em relação à totalidade do espaço construído e da demanda por

espaço urbano corresponde à menor parcela dos mercados. […] Dessa forma, definem-se no

âmbito local os interlocutores dos planos e zoneamentos, destinando para os mais pobres o

espaço da política habitacional e a gestão da ilegalidade. Produzidos de forma autoconstruída

nos “espaços que sobram” da cidade regulada – ou seja, áreas vedadas para o

estabelecimento dos mercados formais (como beiras de córregos, encostas, áreas rurais ou

de preservação), os assentamentos precários serão, então, objeto da gestão cotidiana. Esta

trata de incorporar, a conta gotas, estas áreas à cidade, regularizando, urbanizando, dotando

de infra-estrutura e nunca eliminando definitivamente a precariedade e as marcas da

diferença em relação às áreas reguladas. (BRASIL - SENADO, 2005)

A ausência de uma política habitacional coerente, integrada às demais

políticas setoriais afetas à metrópole, é significativa e revela a perversidade deste

modelo de urbanização, quando a legislação, ao ignorar a necessidade da

democratização do acesso à terra “legal”, dispõe sobre cidades virtuais. Isso

significa que “a despeito de sua aparente irracionalidade urbanística, esta dinâmica

tem alta rentabilidade política. Separando interlocutores, o poder público pode ser,

ao mesmo tempo, „sócio‟ de negócios imobiliários rentáveis e estabelecer uma base

política popular nos assentamentos. A base popular, de natureza quase sempre

clientelista, sustenta-se no princípio mesmo da contraposição entre cidade legal e

cidade ilegal. A condição da ilegalidade e informalidade dos assentamentos

populares os converte em refém de favores do poder público, a serem reconhecidos

e incorporados à cidade, recebendo infra-estrutura, equipamentos, etc. Esta tem

sido a grande moeda de troca nas contabilidades eleitorais, fonte de sustentação

popular e governos e, o que é mais perverso, de manutenção de privilégios na

cidade, definidos no marco da política urbana „dos planos‟” (BRASIL - SENADO,

2005, p. 25). Esta situação, obviamente, não é nova. Os interesses particulares de

aferição de ganhos são bastante antigos:

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“A especulação imobiliária (...) adotou um método, próprio, para parcelar a terra da cidade.

Tal método consistia no seguinte: o novo loteamento nunca era feito em continuidade

imediata ao anterior, já provido de serviços públicos. Ao contrário, entre o novo loteamento e

o último já equipado, deixava-se uma área de terra vazia, sem lotear. Completado o novo

loteamento, a linha de ônibus que o serviria seria, necessariamente, um prolongamento a

partir do último centro equipado. Quando estendida, a linha de ônibus passava pela área não

loteada, trazendo-lhe imediata valorização. O mesmo ocorreria com os demais serviços

públicos: para servir o ponto extremo loteado, passariam por áreas vazias, beneficiárias

imediatas do melhoramento público. Desta forma, transferia-se para o valor da terra, de modo

direto e geralmente antecipado, a benfeitoria pública. Ainda hoje, sempre que se chegue a

um centro secundário da cidade – de Santo Amaro à Penha, indistintamente – e se continue

em direção à periferia, o processo é visível: antes de cada loteamento alcançado, existe uma

área ainda vazia.” (CARDOSO, 1973 apud CAMARGO, 1982)

A criação dos loteamentos realizada em atendimento aos anseios dos

especuladores e a ilegalidade como paradigma para a sustentação política

possuem, além do custo social, um alto custo econômico à cidade. O Estado,

mediante o investimento em infra-estrutura e na ausência de mecanismos que

proporcionem a fixação da população na área beneficiada, cria a mais-valia

imobiliária que é a responsável pelo deslocamento desta população para regiões

mais periféricas e com menos estrutura, ou seja, regiões onde o custo da moradia é

menor.

Este atual modelo de urbanização se mostra, então, ineficiente, pois ele gera:

a) a transferência de renda do Estado aos especuladores;

b) uma situação viciosa em que a legislação ignora a realidade da demanda

por habitação popular;

c) polarização entre área de habitação legal e ilegal;

d) o mecanismo clientelista de legalização das “áreas ilegais” em detrimento

de uma opção pelo adensamento seletivo;

e) deslocamento da população para áreas ainda mais distantes, trazendo

novas demandas por infra-estrutura.

A relevância da área temática deste trabalho, em consonância com os

princípios que pautaram a criação do Ministério das Cidades - MCidades, leva-nos a

repensar na efetiva gestão da metrópole de uma forma mais integrada, como estão

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estabelecidos nos instrumentos normativos e jurídicos, e a refletir sobre a promoção

do desenvolvimento regional como uma alternativa complementar para outras ações,

como as de adensamento seletivo, a oferta descentralizada e distribuída de lazer,

educação, serviços públicos e outra, bem como as ações no sentido da fixação da

população no entorno das facilidades de transporte.

Certamente, não podemos conceber ações voltadas para o desenvolvimento

regional e suas respectivas e institucionais políticas públicas sem uma eficaz

aplicação da sua instrumentação jurídica, ou a implementação de mudanças de

paradigmas e modelos estabelecidos por uma legislação vigente, que vem se

mostrando ineficaz ao longo do tempo.

Neste contexto, espera-se que o poder público atue no sentido de quebrar o

círculo vicioso da exclusão através da produção do espaço, rompendo com a

transferência de renda que se dá toda vez que, após a criação das facilidades de

transporte e infra-estrutura numa região, a população local, mediante uma operação

de especulação imobiliária, é expulsa para as franjas da cidade, deixando para os

especuladores a mais-valia gerada com dinheiro público e trazendo, ao poder

público, novas demandas, agora em regiões ainda mais periféricas, por infra-

estrutura.

Estudos feitos pelo Senado têm apontado o mecanismo de geração do

dualismo antagônico, no processo de urbanização brasileiro, entre cidade legal que

segue as proposições dos planos diretores e leis de zoneamento e a cidade ilegal,

que, sem poder arcar com os custos das moradias “legais”, fica à margem da

habitação regularizada e, portanto, submetida à ilegalidade – habitar áreas onde não

há a gestão legal. A fragilidade da ilegalidade alimenta um mecanismo perverso de

escamoteamento, onde a classe política ganha “mais-valia” eleitoral mediante a

lógica dos favores concedidos, e onde o ritmo das ações acontece em função dos

interesses políticos, ou seja, a urgência pode não ser pretendida pelo político

responsável.

É preciso, no nível institucional, a efetivação dos modelos existentes ou partir

para a criação de novos modelos de gestão de políticas públicas que considerem e

busquem a otimização e a integração entre diferentes áreas e entre diferentes entes

federativos, ao mesmo tempo em que se proceda de forma a promover a

compreensão das razões desta instrumentação institucional pelos envolvidos nas

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políticas públicas – estado, união, regiões metropolitanas e municípios, de um lado e

órgãos ou setores do governo, de outro – considerando, tanto a mudança

institucional, quanto o processo que a gerará, de forma a permitir que os envolvidos

em políticas públicas intersetoriais e intergovernamentais compreendam as razões e

a necessidade premente da coordenação. É também fundamental que se considere,

tal qual propõe o MCidades, a necessidade de capacitação e de pessoal da

administração pública, sobretudo ao nível dos municípios.

Retrocedendo um pouco no tempo em busca de algumas elucidações, nas

décadas de 60 e 70, podemos ver, através de estudos realizados pelo antigo

CEBRAP – Centro Brasileiro de Pesquisas – na própria década de 70, que a RMSP

teve um vertiginoso crescimento econômico e demográfico, em torno de 5,5% ao

ano de aumento populacional, alimentado por constantes movimentos migratórios de

outros estados da federação, o que causou o processo de criação das chamadas

“cidades-dormitório”, municípios próximos à Capital Paulista, e pertencentes à

Grande São Paulo, que viram surgir inúmeros bairros desprovidos de infra-estrutura

e serviços, fato este que também aconteceu na periferia de São Paulo. (CAMARGO

et al., 1982)

Nos anos 70, houve também a intensificação dos problemas resultante do

crescimento urbano, observado através dos problemas crônicos no sistema de

transporte, tais como engarrafamentos e sobrecarga no transporte coletivo. Para

vislumbrar a dimensão dos problemas, na década de 70, temos que, em 1973, o

município de São Paulo contava com cerca de 130 mil favelados, 615 mil moradores

de cortiços e 1,8 milhão de indivíduos morando em habitações precárias na periferia

do município 1. A zona leste de São Paulo é uma das regiões cujo crescimento pode

ser compreendido observando-se estes dados. Da situação originária de

loteamentos irregulares, precariedade em infra-estrutura e de localização-dormitório,

passou-se a compreensão da necessidade do desenvolvimento econômico regional,

no sentido de oferecer aos moradores dessas localidades oportunidades de

emprego, cultura, estudo e lazer sem a necessidade de se deslocar ao centro.

1 Dados extraídos do “Estudo sobre o fenômeno de favelas no Município de São Paulo. São Paulo, Secretaria do Bem-Estar Social da

Prefeitura de São Paulo, 1974 (Boletim Habi-Coped, Caderno Especial, 01).

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A situação caótica da metrópole, contudo, incentiva a população a morar

próxima de seu trabalho em função das dificuldades físicas de locomoção e

transporte e devido ao excedente financeiro que é empenhado. Nesse sentido, é

interessante observar que, ao final da década de 70 e início dos anos 80, os

governos municipais da RMSP e o governo Estadual, iniciaram um processo de

contenção do crescimento horizontal, promovendo a criação de novos pólos

econômicos e subsidiando implantações de empresas em áreas outras áreas

(CAMARGO et al., 1982). No decorrer da década de 80, o processo de

descentralização e interiorização das atividades econômicas no Estado de São

Paulo intensificou-se, consolidando, assim uma região geograficamente maior

conforme podemos observar na Figura 1, p.10, a Macrometrópole de São Paulo ou

Complexo Metropolitano Expandido (STM-SP, 2000).

Figura 1. Mapa da Macrometrópole ou Complexo Metropolitano

Expandido de São Paulo

Fonte: PPA – SP, Plano Plurianual do Estado de São Paulo, período 2004-2007, Lei Estadual

nº 11.605, de 24 de dezembro de 2003

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O impulso no desenvolvimento da Macrometrópole, verificado nas últimas

décadas, é resultante do papel exercido por São Paulo e sua região, que detêm o

principal centro industrial e financeiro do País e que vem experimentando um

declínio gradual das funções industriais mais tradicionais em favor da emergência de

ramos com mais elevada composição tecnológica e de maior valor agregado, além

do crescimento do setor de serviços (STM-SP, 2000; BOUSQUAT, 2001).

Voltando ao processo de metropolização, a realidade dos empregos, na

metrópole paulista, pressiona por níveis de escolaridade mais elevados do que

aqueles requeridos quando a atividade econômica majoritária pertence ao setor

secundário da economia. Além destes fatores, a RMSP pode ser configurada,

segundo estudos recentes, como metrópole transnacional, o que significa que a

informação e a especialização passam a ter um maior valor:

A incorporação de novas tecnologias, com ênfase na circulação de informações; o fenômeno

da “involução metropolitana”, no qual a metrópole cresce menos que a região; a

especialização nos setores terciário e quaternário da economia; a diminuição relativa do peso

industrial; […] o aumento da economia e do emprego informal e o aumento das

desigualdades e da pobreza são alguns dos elementos da transformação de São Paulo na

metrópole global, transnacional brasileira. […] (BOUSQUAT, 2001)

Analisando a fluidez que a configuração do espaço adquire, pautada por

fluxos que desobedecem aos limites administrativos municipais, verificamos a

necessidade de efetivação dos modelos legalmente instituídos ou o direcionamento

para novos desenhos institucionais, uma vez que o atual desenho, inoperante,

mostra-se pouco responsivo aos fluxos que não se circunscrevem aos limites

administrativos tradicionais (municípios). “Desenha-se assim um painel onde são

delineados dois aspectos: o municipal e o metropolitano, no interior de um mesmo

contexto sócio-espacial” (BOUSQUAT, 2001, p. 112). Na ausência de uma

instituição que coordene as atividades da metrópole, a concatenação entre as

políticas intersetoriais é vagarosa, de modo que o transporte, um elemento

intersetorial por excelência, se torna um problema que tende a forçar os indivíduos,

sempre que possível, ou seja, sempre que se observar o desenvolvimento regional

em curso, a concentrar suas atividades em um mesmo espaço geográfico,

reformatando e reconfigurando os clusters existentes (Quadro 1. RMSP, Municípios

e sua Tipologia).

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A Zona Leste de São Paulo, pela história de sua formação, viu e viveu o

impacto que a nova configuração espacial da metrópole transnacional paulista

promoveu, tal qual aponta Milton Santos (apud BOUSQUAT, 2001), sob o ponto de

vista da intensificação e da renovação dos processos de exclusão. A vertiginosa

expansão da população urbana brasileira, que, em 40 anos, saltou de 44,7% da

população brasileira total para 81,2% em 2000 (BRASIL - SENADO, 2005), é o

terreno onde essa lógica da exclusão através da produção do espaço foi acelerada:

O quadro de contraposição entre uma minoria qualificada e uma maioria com condições

urbanísticas precárias é muito mais do que a expressão da desigualdade de renda e das

desigualdades sociais: ela é agente de reprodução dessa desigualdade. (BRASIL - SENADO,

2005)

A não opção pelo adensamento seletivo em torno de facilidades já existentes,

ou seja, em áreas legais, cria imensos vazios urbanos nessas áreas; a legislação de

desenvolvimento urbano que, como diria Paulo Freire, é teoria que não se liga à

práxis (FREIRE, 1996) é, em sua atual configuração, instrumento jurídico que produz

as condições em que a lógica do mercado imobiliário, frente à desigualdade na

distribuição de renda, tem dado a cor e o tom da exclusão urbana.

Analisando o paradoxo, habitação versus transporte, temos o próprio Estado

se valendo das áreas periféricas quando da criação dos conjuntos habitacionais, os

quais têm sido feitos, haja vista os conjuntos habitacionais da COHAB e da CDHU,

em regiões distantes do aparelho cultural, econômico e financeiro da cidade, uma

vez que, nessas áreas, o preço da terra é menor. O que não se contabiliza, em

termos dos custos para o Estado, em operações deste tipo é que a “economia”

gerada por tal procedimento implicará, posteriormente, em vultuosos gastos para o

Estado na medida em que este será solicitado a prover essas regiões de infra-

estrutura, além, é claro, dos custos sociais e econômicos, para a população, de

habitar regiões distantes do centro. Um modelo de urbanização que gera os

seguintes problemas:

a) a transferência indireta de renda do Estado aos especuladores;

b) a segregação daqueles que ocupam áreas ilegais;

c) a adoção de um mecanismo clientelista de legalização das áreas ilegais em

detrimento de uma opção pelo adensamento seletivo.

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A junção dos problemas citados culmina em uma nova expulsão da população

do local originário de suas residências para áreas ainda mais distantes,

pressionando os sistemas, como o do transporte, e trazendo novas demandas por

infra-estrutura.

A acessibilidade2 e a mobilidade para a classe média e para a classe baixa

não são as mesmas. Dados do PITU 2020 (STM-SP, 2000), mostram que “as

pessoas se deslocam mais vezes, em busca das oportunidades, à medida que a

renda cresce” (STM-SP, 2006, p. 70) e que, nos estudos de cenário, para a RMSP,

haverá, até 2020, um aumento maior na extensão das viagens feitas com transporte

coletivo quando comparadas àquelas feitas em meios de transporte individual, e que

“confirma, a tendência típica da RMSP, mas não característica das metrópoles mais

avançadas, e que se reflete no agravamento do fenômeno do deslocamento maior

dos usuários do transporte coletivo, comparativamente ao individual” (STM-SP,

2006, p.69).

O Estatuto da Cidade, o qual muitos consideram progressista, trata

essencialmente, do desenvolvimento urbano a partir da sustentabilidade das cidades

e do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, trazendo elementos que

buscam corrigir o dualismo antagônico entre cidade legal e ilegal, contudo sua

orientação voltada para uma crescente autonomia dos municípios acaba conflitando

com as políticas institucionais das Regiões Metropolitanas. O estatuto propõe,

assim, mecanismos especiais de desapropriação, reforço do direito de usucapião

individual e coletivo, o processo de gestão orçamentária participativa, distribuindo o

poder das decisões acerca do uso dos recursos do Estado e, desta forma,

incentivando o exercício da cidadania, mas adentrando no universo das “funções de

interesse comuns” das Regiões Metropolitanas (FREITAG, 2001).

O MCidades, criado em 2003, com o objetivo do combate às desigualdades,

da transformação do espaço urbano em espaço humanizado, por meio da ampliação

do acesso da população à moradia, saneamento e transporte, peca por não ter suas

ações direcionadas também às Regiões Metropolitanas, pois no escopo de suas

atribuições está a responsabilidade estabelecer diretrizes para a política nacional de

desenvolvimento urbano, políticas setoriais de habitação, transporte, trânsito, entre

outros (BRASIL - CIDADES, 2009a). As políticas públicas de transporte, habitação,

2

A acessibilidade varia proporcionalmente à extensão das viagens; a mobilidade, para um dado contingente populacional expressa o

número de viagens por dia por habitante (STM-SP, 2006).

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trânsito e saneamento passaram a estar, para o poder público, intimamente

relacionadas e revelaram elementos relacionais e indissociáveis, cuja gestão insere-

se numa política pública mais ampla, a do desenvolvimento urbano, porém só na

esfera municipal, em detrimento de uma esfera “metropolitana”.

No MCidades e no Estatuto da Cidade, o trabalho conjunto em que há a

concordância paradigmática, metodológica e estratégica, permite somente a

coordenação de políticas públicas nas esferas federal, estadual e municipal, não

considerando uma quarta esfera, a da Região Metropolitana:

Nas atribuições solidárias entre governo federal, governos estaduais e governos municipais

como o financiamento da habitação e da infra-estrutura urbana o MCidades está desenhando

novas políticas e novos sistemas que viabilizem o investimento coerente e integrado – público

e privado - de modo a racionalizar os recursos de acordo com as prioridades e necessidades

previstas em planos, indicadores de desempenho e posturas (nacionais/gerais e

locais/específicas) […]. Espera-se assim eliminar os constantes desperdícios de recursos

decorrentes da descontinuidade de projetos, desarticulação entre ações simultâneas e

sucessivas, falta de integração intermunicipal, falta de controle social e público, e

desconhecimento das questões ambientais. (BRASIL - CIDADES, 2009b)

Se, para isso, além de investimentos financeiros forem necessários

investimentos na capacitação de pessoal e adequação técnico/metodológica, o

MCidades se incumbirá de tais prerrogativas para a execução do trabalho, mas não

se aterá a configuração de municípios das regiões metropolitanas, e sim na

particularidade de cada município (BRASIL - CIDADES, 2009b).

A Região Metropolitana de São Paulo: tipologia de seus municípios

Modernamente, o termo Metrópole, mais do que designar uma cidade que domina outras

demais, seu sentido original, refere-se à Região Metropolitana, um grande centro urbano

constituído por várias unidades territoriais autônomas política e administrativamente

(municípios), imbricadas numa unidade geográfica, econômica e social, demandando políticas

de planejamento e gestão territorial específicas. […] (BRAGA, 1999)

"conjunto territorial intensamente urbanizado, com marcante densidade demográfica, que

constitui um pólo de atividade econômica, apresentando uma estrutura própria definida por

funções privadas e fluxos peculiares, formando, em razão disso, uma mesma comunidade

sócio – econômica em que as necessidades específicas somente podem ser, de modo

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satisfatório, atendidas através de funções governamentais coordenada e planejadamente

exercitadas. Para o caso brasileiro, adite-se que será ela o conjunto, com tais características,

implantado sobre uma porção territorial dentro da qual se distinguem várias jurisdições

político – territoriais, contíguas e superpostas entre si – Estados e Municípios" (GRAU, 1983).

Para uma melhor compreensão e visualização da RMSP adotamos a tipologia

apresentada pelo Observatório das Metrópoles, entidade composta de

representantes de diversas Universidades brasileiras e internacionais renomadas,

responsável pela publicação dos “Cadernos das Metrópoles” (BÓGUS, 2004).

Baseada numa categorização sócio-ocupacional foi estabelecida uma

hierarquização social, considerando-se dados censitários de renda, ocupação,

escolaridade e ocupação (ramo de atividade produtiva). A partir daí, foram

identificados cinco grandes aglomerados, ou tipos, a seguir elencados (BÓGUS,

2004):

a) Cluster popular: são os municípios com uma grande quantidade de

trabalhadores da construção civil e trabalhadores cujas atividades são

voltadas para sua própria sobrevivência;

b) Cluster agrícola: municípios com grande quantidade de trabalhadores

agrícolas, lembrando que nesta tipologia, existem os trabalhadores de

sobrevivência, mas neste caso a questão agrícola se sobrepõe à da

sobrevivência;

c) Cluster operário tradicional: são os municípios com grande número de

residências operárias, principalmente operários da indústria tradicional e do

ramo de serviços;

d) Cluster operário industrial: são municípios com uma maioria de

trabalhadores residentes que atuam na indústria moderna e ramo de

serviços de tecnologia;

e) Cluster elite industrial: municípios que apresentam alta densidade de

residentes pertencentes à elite intelectual e à elite dirigente. São os

municípios que detém os grandes condomínios de alta renda, onde

residem empresários e profissionais de níveis hierárquicos superiores.

f) Cluster Pólo: Município principal, maior pólo econômico que carrega

consigo uma série de municípios dependentes e circunvizinhos.

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Na figura 2, apresentamos os municípios e suas composições geográficas e

limítrofes, onde vemos que a maior extensão geográfica pertence ao município

polarizador e que, caracterizados como Cluster agrícola temos os municípios mais

distantes do Município Pólo que são Salesópolis e Biritiba Mirim.

Figura 2. Mapa da Região Metropolitana de São Paulo

Fonte: PPA – SP, Plano Plurianual do Estado de São Paulo, período 2004-2007, Lei Estadual

nº 11.605, de 24 de dezembro de 2003

No quadro 1, que vem na seqüência, consta a relação de municípios e suas

respectivas tipologias, convém ressaltar que para a definição de suas tipologias foi

adotado como critério de designação o quantitativo de domicílios e o respectivo

enquadramento do nicho profissional, levando-se em conta o maior percentual de

domiciliados por atividade profissional.(BÓGUS, 2004)

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TIPOS

MUNICÍPIOS

Agrícola

Biritiba Mirim, Salesópolis

Popular

Arujá, Cotia, Embu Guaçu, Guararema, Itapecerica da Serra, Juquitiba, Mairiporã, Mogi das Cruzes, São Lourenço da Serra, Suzano, Vargem Grande Paulista.

Operário Tradicional

Embu, Ferraz de Vasconcelos, Francisco Morato, Franco da Rocha, Itapevi, Itaquaquecetuba, Jandira, Pirapora do Bom Jesus, Poá, Rio Grande da Serra, Santa Isabel.

Operário Moderno

Barueri, Caieiras, Cajamar, Carapicuíba, Diadema, Guarulhos, Mauá, Osasco, Ribeirão Pires, Taboão da Serra

Elite Industrial

Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Santana do Parnaíba

Pólo

São Paulo

Quadro 1. Região Metropolitana de São Paulo – Municípios e sua Tipologia

Fonte: PPA – SP, Plano Plurianual do Estado de São Paulo, período 2004-2007, Lei Estadual nº

11.605, de 24 de dezembro de 2003

Convém ressaltar que essa tipologia é dinâmica e pode sofrer alterações de

caracterização. A caracterização dos Cluster‟s tem forte influência no processo de

industrialização da RMSP, principalmente relativo à indústria automobilística e de

metalurgia que se concentraram na região do ABC paulista (uma alusão às iniciais

dos nomes constantes nas cidades de Santo André, São Bernardo do Campo e São

Caetano do Sul).

PROCESSO DE URBANIZAÇÃO E METROPOLIZAÇÃO PAULISTAS

São Paulo: da Capitania à Metrópole. Estruturas econômicas, políticas e

sociais formatam e desenham a RMSP.

No Brasil os ciclos econômicos até o primeiro quarto do século XX ocorreram

em função do mercado externo, decorrente da própria condição inicial de colônia e

da predominância da produção de produtos primários de exportação. As regiões-

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sede dos ciclos econômicos eram providas de investimentos para a produção-chave

(específica) e para atividades subsidiárias, necessárias para viabilizar a primeira,

que tinham seu desenvolvimento atrelado às oscilações do mercado internacional

para o qual produziam. A utilização de mão-de-obra escrava limitava a formação de

um mercado consumidor nacional, entretanto, dava origem a uma classe dominante

de latifundiários e comerciantes ligados às atividades financeiras, comerciais e de

exportação, que conduziam a economia da colônia segundo as determinações da

metrópole. As regiões que não se tornaram sede dos ciclos econômicos tiveram uma

colonização destinada à ocupação do território e defesa contra possíveis invasões.

De outro modo, a metrópole mantinha controle sobre o desenvolvimento

econômico-social da colônia e mesmo com a proclamação da Independência nada

se alterou nesse processo de exploração colonial: produção mono-cultural de

exportação de produtos primários, baseada em latifúndios com trabalho escravo e

voltada somente ao mercado externo. A rede urbana e o sistema de cidades

brasileiras surgem em função desse modelo de ciclo econômico (LODDER, 1977).

Em São Paulo, a colonização iniciou-se em 1531, na capitania de São

Vicente, com a tentativa, sem resultados, de introduzir a produção de cana-de-

açúcar. Em 1554, funda-se o núcleo de São Paulo a partir de um colégio jesuíta que

se mantêm, por mais de dois séculos, como entreposto entre o litoral e o planalto; o

aceso difícil e a produção agrária precária limitam as funções comerciais na cidade.

O café, bebida de luxo na Europa do século XVII, entrou no Brasil por volta de

1727, sendo cultivada para consumo doméstico em diversas regiões do país. No

final do século XVIII, a produção colonial francesa entra em crise e a produção

brasileira passa a ser realizada em larga escala e voltada para a exportação. As

condições climáticas propícias e a proximidade do porto da capital fazem do vale do

Paraíba, vasta região situada entre as províncias do Rio de Janeiro e São Paulo, o

local ideal para o desenvolvimento da cafeicultura. Subsequentemente, a crescente

demanda, aliada à decadência da produção cafeeira no vale do Paraíba – cujo

cultivo estava estruturado na mão-de-obra escrava e na produtora exportadora à

maneira da plantation açucareira – favoreceram a expansão do cultivo em direção

ao Oeste paulista, que tinha solo e condições climáticas ainda mais favoráveis. São

Paulo torna-se, então, o principal centro produtor do país, e o porto de Santos, o

mais importante escoadouro da produção.

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O ciclo cafeeiro introduziu importantes alterações nas relações de trabalho,

sem modificar, contudo, o modelo de desenvolvimento associado e dependente do

mercado internacional. Apesar disso, a substituição do trabalho escravo impactou na

formação e consolidação de um mercado regional forte para os produtos

manufaturados; havia complementaridade de interesses entre o setor agrário-

exportador e os setores urbano-industriais. A abolição da escravatura, associada ao

ciclo cafeeiro, direcionou o fluxo imigratório para São Paulo e proporcionou a

inserção dos imigrantes no meio urbano.

A razão do êxito relativo dos imigrantes em confronto com o trabalhador

nacional deu-se, num ponto de vista quantitativo, por uma maciça presença de

imigrantes como força de trabalho que, num monopólio do trabalho qualificado,

obteve êxito a partir da pequena oficina e do comércio miúdo, correlacionando

habilidades prévias e oportunidades existentes no país. Qualidades originárias se

destacam quando comparadas as condições dos ex-escravos.

O estado de São Paulo foi o maior beneficiário do ciclo do café. A

proclamação da República preservou o poder nas mãos da elite nacional,

representada, naquele momento, pelos “barões do café”. Inicia-se o processo de

hegemonia econômica do capital, sediado em São Paulo, e seu controle do

processo de acumulação nacional, claramente demonstrado nas políticas de

valorização dos preços do café destinadas a sustentar o ciclo econômico já em

declínio e que se sustentaram do final do século XIX até as primeiras décadas do

século XX. As políticas de defesa do café permitiram que o Estado de São Paulo

mantivesse um alto nível de acumulação e foram determinantes na formação de um

mercado nacional, já que fomentaram a renda nacional que foi empregada em

investimentos alternativos face à desestabilização da economia cafeeira de

exportação. O comércio exportador do café promoveu o crescimento da renda

interna, criou mercado para produtos manufaturados e, através do estimulo ao

investimento em infra-estrutura, ampliou e integrou esse mercado. As estradas de

ferro avançam, formam-se novos centros urbanos e crescem os já existentes

(DEÁK;SCHIFFER, 2004).

O Estado tornou-se, notadamente a partir de 1940, o principal investidor do

país, fomentando e instaurando as condições infra-estruturais básicas para o

desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Na década de 50, com a criação da

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Comissão de Desenvolvimento Industrial (1952), da Comissão Mista Brasil-Estados

Unidos (1951-1953) e do Grupo Misto BNDE-Cepal (1957), elaboram-se projetos

que aumentam potencialmente o investimento de base.

A diversificação social e econômica ocorrida em São Paulo desfaz a unidade

da classe dominante e de sua elite política, incentivando o processo de

burocratização do Estado. Os imigrantes estariam presentes tanto na implantação e

avanço da pequena e média propriedade rural, como na intensificação da divisão do

trabalho nas atividades urbanas, com crescente ganho de posições.

Segundo Sueli Ramos Schiffer (2004), o processo de constituição do mercado

unificado brasileiro ocorreu para a manutenção da hegemonia econômica do capital

paulista, impondo transformações no território nacional através da direção dada aos

investimentos públicos e privados e da implantação de infra-estruturas regionais

(DEÁK;SCHIFFER, 2004). No início dos anos de 1970, verifica-se uma concentração

espacial na RMSP das atividades produtivas e do capital tornado-a um “centro

nacional”. O processo de descentralização relativa de atividades secundárias,

iniciado em meados da década de 1970, foi estratégico para garantia do controle de

acumulação interna do capital paulista e determinou transformações na configuração

do território nacional.

As mudanças estruturais no âmbito político, econômico e social da nação

devem ser consideradas para compreender a formação da rede urbana e,

consequentemente, da RMSP, e serão retratadas por meio de uma análise que se

inicia na trajetória da cidadania no Brasil, e que permitirá comparar a situação

política dos trabalhadores rurais e urbanos na República Velha. Boris Fausto (1983)

propõe um modelo de análise da Revolução de 1930 que leva à formação do Estado

de Compromisso, ou, nas palavras de Francisco Weffort (1986), “solução de

compromisso” que, atrelada as transformações sócio-econômicas ligadas ao

desenvolvimento do capitalismo industrial, relacionam-se de forma direta ao

processo de urbanização, fruto do desequilíbrio espacial e social que resulta em

intenso fluxo migratório rural-urbano.

José Murilo de Carvalho (2003) analisa a trajetória dos direitos no Brasil no

período de 1822 a 1930. Segundo o autor, a Independência do país não modifica o

panorama do período colonial. Inexiste um sentido de nacionalidade e a população,

em sua grande maioria, estava excluída dos direitos civis e políticos. A

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Independência foi negociada entre a elite nacional, a coroa portuguesa e a

Inglaterra, e, se não se fez à revelia do povo, também não foi fruto de uma luta

popular pela liberdade. Argumenta Carvalho (2003) que o sentimento de nação não

surge a partir da Independência, pois, neste período, a identidade continua sendo

regional. Há um avanço significativo, no aspecto formal, na fruição dos direitos

políticos do Brasil Colônia para o Brasil Império, mas, na prática, obstáculos como o

analfabetismo, a falta de tradição na escolha de representantes, a influência dos

poderosos locais sobre os eleitores, e os mecanismos de fraude impediam um

avanço efetivo.

No ano de 1881, uma lei aprovada pela Câmara dos deputados leva o Brasil a

um retrocesso: novas regras restringem o acesso aos direitos políticos. A

Constituição republicana de 1891 não altera o quadro. Nesse momento, a tendência

em todos os países europeus era de ampliação desses mesmos direitos. Os direitos

políticos manifestavam-se, então, nas revoltas, nas rebeliões e nos movimentos

populares, que funcionavam como válvula de escape do povo, refletindo sua reação

aos acontecimentos.

Os direitos civis foram os mais afetados pela herança colonial: a escravidão, a

grande propriedade rural e um Estado comprometido com o poder privado foram

empecilhos ao exercício da cidadania. Na grande propriedade rural os direitos civis

eram negados aos trabalhadores, que se tornavam súditos do coronel (proprietário

das terras) e não cidadãos do Brasil. A justiça era de difícil acesso e baixa

celeridade. Os direitos sociais restringiam-se quase exclusivamente à assistência

prestada por particulares, ao passo que, no plano formal, impera a ideologia de um

Estado liberal não interventor.

Até 1930, o sentimento de unidade nacional não estava consolidado. O povo

não estava organizado politicamente, a cidadania era “em negativo” (o povo reagia

em vez de agir). O povo não possuía um lugar no sistema político e o Brasil era uma

realidade abstrata, de difícil compreensão.

A organização agrária do Brasil antes de 1930 impede o contato dos partidos

políticos com o eleitorado rural. Victor Nunes Leal (1975) retrata a situação política

dos trabalhadores rurais. Estes, embora representem parcela notoriamente

majoritária do eleitorado, são paupérrimos, dependentes do mandatário local. É

eleitor, porém, não compreende a importância de exercer seu direito político. Votar

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lhe é indiferente. Já para o “coronel”, o voto de seus dependentes constitui arma que

lhe dá poder de troca. Com apoio oficial, o coronel concede benefícios como: custeio

do alistamento; documentos; transporte; alojamento; refeições; roupa; calçado e dias

de trabalho perdido para qualificar e garantir o comparecimento às urnas. O

“coronelismo” é um sistema de reciprocidade assimétrica, de um lado está a

situação política dominante do estado e, do outro, os “coronéis”, que são líderes

locais.

Leôncio Martins Rodrigues (1966) compara a trajetória política dos

trabalhadores urbanos do Brasil com a dos países de capitalismo precoce como

Inglaterra e França. Nesses países, a revolução burguesa levou à industrialização e

deu origem ao proletariado. Os trabalhadores se constituíram em partidos,

sindicatos, participaram do jogo da democracia e, para abrir mão da Revolução,

exigiram direitos sociais.

No Brasil, o capitalismo antecede às classes – burgueses e proletários – e o

Estado assume o papel de protagonista. Analisando o perfil do proletariado industrial

nas cidades antes da Revolução de 1930, Rodrigues (1966) aponta a I Guerra

Mundial como fato de fundamental importância em relação à nacionalidade desse

proletariado. Antes da I Guerra Mundial o proletariado industrial era composto por

imigrantes estrangeiros europeus com elevados índices de instrução e formação

profissional. A partir da I Guerra Mundial, verifica-se uma nacionalização da mão-

de-obra com características específicas:

a) não possui experiência anterior na vida urbana e tampouco no modo de

trabalho industrial;

b) encara a vinda para a cidade como uma ascensão social e, assim, não

apresenta forte motivação para reivindicações;

c) é desprovida de organização em luta sindical.

Quanto à ação política, Rodrigues (1966) afirma que a classe operária não

tinha chance de participar do processo político nem de intervir nas decisões do

governo; além da fraqueza numérica do proletariado industrial, bem diferente do

trabalhador rural, havia grande proporção de estrangeiros, mulheres, menores e

analfabetos que não possuíam direito ao voto. A população rural é dispersa e

isolada das populações urbanas, não estabelece laços de solidariedade profissional

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nem consegue empreender qualquer ação política coletiva, tem condições ainda

menores que o proletariado urbano para constituir-se em força política.

Até 1930, a política brasileira envolve somente minorias cultas. A natureza

ideológica do proletariado tem como base um grupo minoritário que discute

mudanças radicais, apegam-se a ideologias utópicas como o anarquismo,

socialismo e comunismo, representam a elite intelectual formada por estrangeiros.

Não existe uma ameaça orgânica, não surge nenhum movimento revolucionário, a

intervenção política do proletariado industrial caracterizava-se por uma ação política

em parte inofensiva que às vezes adquiria um aspecto agressivo: Greve. A principal

greve foi a de 1917, fruto da convergência de fatores como a carestia – signo do

desespero e das péssimas condições de vida do proletariado – e não como

resultado de um avanço do sindicalismo ou de movimento organizado com objetivos

previamente fixados. A repressão passa a ser pró-ativa com punição do proletariado

e repressão ativa para impedir a ação através de decretos.

A Revolução de 1930 teve grande impacto para o proletariado, o Estado

assimila suas demandas e faz a intermediação das relações entre burgueses e

proletários para coibir o comunismo.

Para Boris Fausto (1983), a Revolução de 30 marca o colapso da hegemonia

política da burguesia do café já que até 1930 a economia era pautada por essa

burguesia e a democracia “viciada” permitia, também, a sua dominação política,

ficando o Estado subordinado à oligarquia rural. A partir da Revolução o poder

político não é mais exclusivo de um grupo, a coalizão que sobe ao poder é

heterogênea e dá origem ao Estado de Compromisso. O poder econômico se

mantém, as relações de produção não se alteram, o poder político não passa para

outra classe ou fração social, o Estado passa a apoiar diversos setores sem se

submeter a nenhum. A revolução não ocorre em função de um choque entre o setor

agrícola e o recém-formado setor industrial, estes são, antes, complementares. A

passividade da massa rural, os limites de intervenção do proletariado e a

heterogeneidade das classes médias fizeram despontar setores descontentes do

Exército como principais protagonistas da oposição à política imposta pela burguesia

do café.

Após a Revolução de 30, nasce uma nova forma de Estado caracterizado por

uma maior centralização, o proletariado entra no sistema de forma subordinada. O

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Estado manteve o papel fundamental de desorganizador político da classe operária,

ao mesmo tempo em que buscava estabelecer uma nova relação com o conjunto da

classe: repressão versus cooptação. Constitui-se um Estado capaz de promover a

unificação do mercado nacional em face do processo de industrialização que se

consolidava.

Francisco Weffort (1986) nomeia de “solução de compromisso” a nova ordem

política. A Revolução de 30 rompe com o esquema de poder da República Velha

sem instaurar um esquema de poder alternativo e sólido. Participam do novo

esquema o setor cafeeiro, mantendo a dominação na economia, as classes médias

urbanas e os setores da oligarquia agrária tradicional, e, como nenhum deles tem

condições de oferecer bases de legitimidade com exclusividade para o Estado, a

nova elite, representada por Getúlio Vargas, busca legitimidade sendo sensível a

todas as classes sem se subordinar a nenhuma delas.

As transformações sócio-econômicas referentes ao desenvolvimento do

capitalismo industrial no país – como industrialização, migração para as grandes

cidades, urbanização e expansão do acesso popular à educação e aos meios de

comunicação em massa – fazem surgir um novo ator político nesse cenário: as

massas populares urbanas.

As massas populares urbanas colocam-se numa situação de disponibilidade

política que não havia no campo em virtude do mandonismo local e da exclusão

eleitoral dos analfabetos. Buscam a inserção política no sistema e têm expectativa

de ascensão sócio-econômica, portanto, grande parte das massas populares

urbanas não se rebela contra o sistema. Ao contrário, tentam inscreverem-se nele. A

nova elite do poder recorre a elas em busca de legitimidade incorporando-as

politicamente de forma tutelada, manipulada, subordinada e não autônoma por meio

do corporativismo, mas, contraditoriamente, lhes proporciona uma real expressão de

seus interesses sociais. Nas palavras de Wanderley Guilherme dos Santos (1979),

a partir de 1930, a “cidadania regulada” traça os limites e delimita o acesso aos

direitos disponíveis às massas populares urbanas. O Estado passou a ter sob sua

jurisdição os problemas da acumulação e da equidade. Os direitos sociais,

trabalhistas e previdenciários foram ampliados por partes e o escopo dos benefícios

variava de profissão para profissão. O Estado enquadra, legitima e regula a

cidadania. Para Carvalho (2003), a cidadania não foi uma conquista democrática,

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caracterizou-se por ser passiva e receptora. O sistema cooptava a elite das massas

trabalhadoras através da “cidadania regulada”.

O Estado, após a década de 30, configura um sistema que permite uma

dualidade metropolitana: de um lado, São Paulo, com aspecto industrial, e Rio de

Janeiro, a sede político-administrativa.

A indústria encontra em São Paulo, o lugar ideal para se instalar e crescer,

configurando, ainda nos anos 30, um grande centro urbano. O poder econômico,

apesar de estar fisicamente em São Paulo, era exercido no Rio de Janeiro, somente

com a criação e ascensão de Brasília como centro político-administrativo nacional

São Paulo consolida-se como única metrópole nacional.

O desenvolvimento da indústria nacional está, também, relacionado ao

investimento do capital estrangeiro na implantação de filiais nos países periféricos, já

que estas dependiam do crescimento do mercado interno e da ampliação da

industrialização nacional.

No início dos anos 50, as bases para implantação de um novo estágio da

industrialização nacional estavam consolidadas:

a) disponibilidade energética e siderúrgica;

b) maior parque industrial do país na metrópole paulista;

c) mercado consumidor na região sudeste.

A implantação da “industrialização pesada” – destinada a incrementar a

fabricação de bens de consumo e de produção –, na segunda metade da década de

50, consolida a posição de liderança de São Paulo com a concentração do capital e

das atividades produtivas no estado. Conforme indicado por Negri, Gonçalves e

Cano (NEGRI, 1988, p.63):

“[...] o primeiro ciclo da industrialização pesada, no seu movimento ascendente (1956-1962),

reforçou a concentração na metrópole da população, da indústria e dos serviços”

Porém, surgem três ameaças contra o desenvolvimento econômico nacional

no período:

1. elevação da taxa média anual do processo inflacionário;

2. declínio da relação de trocas do Brasil;

3. crise da infra-estrutura econômica.

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Apesar disso, temos um período áureo do desenvolvimento econômico

nacional, o Plano de Metas. Política econômica do Governo Kubitscheck,

transforma-se em instrumento deliberado e efetivo de desenvolvimento, direciona os

rumos econômicos e políticos da nação através da escolha de expandir o setor

privado industrial por meio de associações com o capital estrangeiro.

Em meados dos anos 60, um golpe de Estado instaura um governo militar

autoritário e centralizador e possibilita a manutenção da hegemonia da elite nacional

e a retomada da acumulação interna nos moldes históricos. Nos fins de 1967, ocorre

um novo ciclo expansivo da industrialização nacional, período de acelerado

crescimento econômico – “milagre econômico” – que perdura até 1973.

“A estratégia econômica básica que possibilitou tal crescimento apoiou-se em três pontos:

dinamização do setor industrial interno, notadamente o de bens de consumo duráveis;

incentivos fiscais à exportação de bens de consumo não duráveis e produtos primários; e

importação de equipamentos e produtos destinados a superar os pontos de estrangulamento

internos aos setores então dinamizados”. (DEÁK;SCHIFFER, 2004)

A partir da década de 1970, ocorre uma descentralização do setor secundário

localizado na metrópole paulista (reforçado antes nas condições de dominação do

capital desta no âmbito nacional), porém sem a perda de hegemonia econômica.

Inicia-se o estágio de acumulação intensiva, para o qual se requer a

descentralização da produção industrial, processo este que é comandado pelo

capital paulista “de modo a privilegiar as regiões mais desenvolvidas e setores

dinâmicos da economia como parte do controle das forças produtivas e da

manutenção de sua dominação econômica interna”. (DEÁK;SCHIFFER, 2004)

Políticas públicas estaduais e federais estimularam a re-localização industrial

em São Paulo e no Brasil, promovendo a desconcentração econômica e industrial no

sentido de aliviar a metrópole e desafogá-la das deseconomias de escala,

entretanto:

“A decisão e controle do processo de valorização do capital não só continuam concentrados

social e espacialmente, como são reiteradamente reforçados, apesar da relativa dispersão

dos estabelecimentos.” (LENCIONI, 1999, p. 203).

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O deslocamento dos estabelecimentos industriais, com a manutenção das

sedes das indústrias na metrópole, sinaliza uma desconcentração do setor produtivo

e centralização do capital num movimento de passagem do capital produtivo para o

capital financeiro. O processo acelerado de urbanização, produto da industrialização,

leva ao desemprego, subemprego, atividades de baixa remuneração, já que os

trabalhadores rurais, expulsos do campo em decorrência do desenvolvimento

capitalista da produção agrícola, não são absorvidos pelo setor industrial

estabelecido nas cidades, “locus” da acumulação do capital.

A crise da economia capitalista internacional afeta o desempenho econômico

do Brasil e, associada à vulnerabilidade do crescimento do consumo interno e a

dependência estrutural do consumo externo, impõe um fim ao “milagre” econômico.

O modelo de desenvolvimento associado e periférico dava mostras de esgotamento

cíclico e na década de 1980 essas contradições inerentes ao sistema capitalista -

desaceleração e crescimento – agravaram as condições econômicas, políticas e

sociais. O colapso do comunismo (marcado pelo fim da União Soviética em 1991 e,

simbolicamente, a queda do muro de Berlim em 1989) aliado à transformação

tecnológica, culminou numa reestruturação do capitalismo, resultando naquilo que

Castells (1999) denomina: Capitalismo Informacional, um novo sistema econômico e

tecnológico organizado em redes. Este modelo de desenvolvimento - fruto deste

fenômeno - estabeleceu um novo estágio do sistema: a Globalização.

Transformações econômicas e sociais, então presentes neste modelo e se justificam

pela “teoria do progresso” baseada numa ideologia de modernidade que avança de

forma contraditória, visto que alimenta a tensão entre as forças e valores da

concorrência capitalista e os anseios de realização da autonomia de um indivíduo

integrado responsavelmente na e pela sociedade.

No início da década de 1990, as forças globalizadoras em marcha na

economia mundial (revolução técnico-científica, mudança na estrutura produtiva e na

organização do mundo do trabalho, dentre outras) promoveram um processo de

transformação estrutural na economia brasileira para que esta se integrasse ao

mercado mundial, deixando para trás o modelo de desenvolvimento de economia

fechada.

Nas últimas décadas, a urbanização acelerada e desordenada, a

concentração da população e das atividades econômicas no espaço e os padrões

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tecnológicos da produção industrial são as marcas da RMSP – maior centro urbano

do país e a principal metrópole da América do Sul – impondo-lhe diversos desafios

no tocante à gestão pública.

Desconcentração industrial na RMSP e redistribuição espacial da população

A RMSP passou por um processo significativo de desconcentração industrial

em função das mudanças na estrutura produtiva do Estado, entre os anos 70 e 90

do século passado. Com isto, outros pólos industrializados surgiram ou se

desenvolveram em outras Regiões do Estado, arregimentando para si um

contingente populacional, também significativo. Cerca de mais de 1 milhão de

pessoas entre os anos 80 e 90 contra 450 mil entre os anos 60 e 70 do século

passado (BAENINGER, 2004).

Corroborando com o crescimento econômico das regiões interioranas,

particularmente algumas como Campinas, Sorocaba, São José dos Campos,

Ribeirão Preto, Bauru e São José do Rio Preto, a RMSP foi a origem de expressivos

fluxos migratórios, provocando um processo de desconcentração populacional. Além

desses fluxos inter regiões, a redistribuição também ocorreu devido a um fluxo

interno para áreas periféricas da própria RMSP, redistribuindo a densidade

demográfica em seu próprio território (BAENINGER, 2004).

O fluxo metrópole-interior foi consolidado na década de 80 e início dos anos

90, sendo observada uma perda de população da RMSP para todas as Regiões do

Estado, já a desconcentração industrial no mesmo período foi refletida no abandono

de inúmeras propriedades industriais pertencentes a empresas que buscaram

espaços em outras regiões e transferiram suas atividades e bases operacionais

(CAIADO, 2002).

Os êxodos de indústrias e de população podem ser associados à crise

econômica dos anos 80 e à recessão econômica que perdurou até meados dos anos

90 do século passado.

Com o desenvolvimento e a reestruturação produtiva que o país vem

empreendendo desde a estabilização econômica decorrente da implantação do

Plano Real, a "dimensão espacial do desenvolvimento brasileiro" vem sofrendo

alterações em sua constituição, porém sem “destronar” o Estado de São Paulo e

propriamente a RMSP, do posto de maior centro dinâmico do País que, entre 1991 e

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2000, recuperaram os fluxos migratórios, modestamente, mas de forma crescente

(BAENINGER, 2004). Essa reestruturação pode ser considerada como uma

“condição pós-moderna”, onde mesmo diante de uma desconcentração populacional

e industrial, a metrópole mantém o equilíbrio de seu dinamismo e redefine seu papel

diante de um cenário nacional, mantendo seu poderio de competitividade (HARVEY,

1992).

“a produção ativa de lugares dotados de qualidades especiais se torna um trunfo na

competição espacial entre as localidades, cidades, regiões e nações” (HARVEY, 1992, p.267)

INDICADORES A

SEREM

COMPARADOS

TAXAS DE

CRESCIMENTO

ANUAIS

SALDOS

MIGRATÓRIOS ANUAIS

(habitantes)

TAXAS LÍQUIDAS DE

MIGRAÇÃO ANUAIS

(por mil hab)

Período

1980/1991

1991/2000

1980/1991

1991/2000

1980/1991

1991/2000

Estado de São Paulo

2,12

1,82

50.584

147.443

1,79

4,31

Região Metropolitana

de SP

1,86

1,68

-26.405

24.399

-1,89

1,47

Capital de São Paulo

1,15

0,91

-68.578

-50.824

-7,58

-5,07

Outros Municípios

da RMSP

3,20

2,87

42.173

75.223

8,58

11,41

Interior do Estado de

São Paulo

2,38

1,95

76.989

123.044

5,41

6,99

Tabela 1 – Taxas de Crescimento Populacional, Saldos Migratórios e Taxas

Líquidas de Migração Estado de São Paulo, Região Metropolitana de São Paulo

e Interior 1980/2000

Fonte: Fundação Seade / Fundação IBGE (Censo 2000 divulgado 19/12/2001).

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A partir de meados dos anos 90, com a estabilização da economia e com a

consequente recuperação de fluxos migratórios para o Estado de São Paulo, a

RMSP também teve uma reversão do saldo do contingente, saindo do patamar de

26 mil negativo nos anos 80 para 24 mil positivo entre até o ano de 2000. Esse

crescimento foi mais acentuado para os municípios do entorno da Capital

pertencentes à RMSP e menor para a Capital, também pertencente a RMSP

(PERILLO, 2002).

Com o avanço tecnológico durante o período de desconcentração industrial,

houve o deslocamento de indústrias de menor produtividade da RMSP para as

outras Regiões do Estado, permanecendo as indústrias modernamente instaladas,

mas que empregam menores contingentes de mão de obra, em virtude de possuir

meios de produção mais avançados. No período, este fato colaborou para o êxodo

populacional de trabalhadores com qualificações tecnicamente inferiores aos

trabalhadores que permaneceram na RMSP. É uma tendência observada nas

metrópoles, nas quais as áreas mais dinâmicas possuem um maior contingente de

profissionais melhor qualificados do que as áreas menos dinâmicas (BAENINGER,

2004).

Porém, invariavelmente, não há como negar que o êxodo observado gerou

um fortalecimento das Regiões interioranas em termos de desenvolvimento

econômico e industrial. Esse fato também “exportou” para essas Regiões o convívio

com problemas semelhantes aos problemas inerentes às Regiões Metropolitanas.

Os espaços legais e “ilegais” ocupados na cidade de São Paulo no decorrer do

século XX

As leis urbanísticas no final do século XIX (Código de Posturas Municipal)

criaram um espaço ambíguo para os pobres. A lei propunha o modelo de vilas

higiênicas, com pequenas casas, e que ficassem na periferia dos núcleos urbanos,

empurrando a população pobre para as franjas da área urbana. As calçadas teriam

que ser largas, e destinadas aos passeios dos pedestres. A maior parte da atividade

imobiliária ocorreu, entretanto, à revelia das leis urbanísticas. Durante o século XX,

as irregularidades em relação à construção foram constantes.

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“esse fator nos permite falar em história dos moradores em terrenos e casas fora da lei como

história das maiorias ilegais da cidade de São Paulo”. (ROLNIK, 1999, p.60)

A construção legal urbana seguiu um padrão único que se aproximava do

modo de vida das elites paulistanas no momento que os instrumentos legais foram

propostos. O direito urbanístico carecia de um contato com a realidade econômico-

social.

No contexto da desigualdade na metrópole chama atenção a situação dos

negros, ponto relevante para que se pense a política de transporte e a redistribuição

proposta pela atual política pública de transporte para a RMSP. No final do século

XIX os negros concentravam-se no que é atualmente a região do centro velho

(Praça da Sé, Santa Efigênia e São Bento), Freguesia de Nossa Senhora do Ó e

Penha. O território negro era constituído por cômodos e porões na Sé, e nas

periferias como: Freguesia de Nossa Senhora do Ó e da Penha. Esses espaços

continham como pontos de encontro, vendas (quitandas) e as bicas onde as negras

lavavam as roupas dos brancos.

“Desmontá-lo, apagando os traços afro-brasileiros da cidade era fundamental para intensificar

o poder das aparências européias e conferir uma imagem „ metropolitana‟ à cidade e à

República nascente”. (ROLNIK, 1999, p. 66)

Em 1877, começam as tensões para retirar os quitandeiros negros do Largo

do Palácio (Centro Velho), e, em 1893, foi retirado o chafariz do largo do Rosário,

impedindo que as lavadeiras negras continuassem a exercer suas atividades

remuneradas. Isso obrigou os moradores a instalar rede de água encanada em suas

residências. Durante a gestão do prefeito Antonio Prado, de 1899 e 1911, e com a

direção de Victor da Silva Freire, o Plano de Melhoramentos da Capital, intensificou

obras como alargamento de ruas e praças na região do Centro Velho. Ocorreram

várias demolições, entre elas a igreja e as casinhas da Irmandade Nossa Senhora

do Rosário dos Homens de Preto. Nesse período, as autoridades políticas não

demonstravam nenhum interesse em preservar patrimônios históricos.

Após a abolição da escravatura o espaço urbano é redefinido. Em São Paulo,

a imigração européia é maciça e a base da economia nacional é o café. Novos

territórios negros são estabelecidos, como nos porões e cortiços do Centro Velho

(sul da Sé, região do Lavapés, Bexiga e Barra Funda).

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Com a implantação das ferrovias é criado um reordenamento territorial das

rotas de abastecimento da cidade. Esses trechos estavam entre São Paulo/Rio via

vale do Paraíba; São Paulo/Santos via Serra do Mar e São Paulo/Interior, através de

Jundiaí, esvaziando os antigos núcleos coloniais de periferia. Essas novas vias de

acesso deslocam os principais pontos de comércio para as estações de trem (Luz,

Brás e Bom Retiro). A quitanda negra sofre com essa nova ocupação espacial do

comércio novo, as moradias precárias - como os cortiços - eram cada vez mais

ocupadas pelos negros (ex- escravos) e a zona de prostituição negra também

começa a aumentar.

No final do século XIX, o bairro da Santa Efigênia, seguido pela Sé, era o

mais negro dos distritos, e o Brás era o mais marcadamente estrangeiro. No

entanto, esses dois distritos estavam grandemente em desacordo com a legislação

urbanística da cidade de São Paulo.

“a ilegalidade diante da legislação urbanística não foi privilégio dos negros, vítimas do

racismo feroz das elites brancas. Os imigrantes europeus, de quem se esperavam o sangue

oxigenado de uma raça livre e laboriosa, tampouco preencheram as imagens da civilidade e

higiene idealizada pelas elites”. (ROLNIK, 1999, p.78)

O crescimento demográfico e a diversificação econômica, que se

intensificaram a partir do último quartel do século XIX, acirraram a disputa por novas

localizações na cidade, gerando um promissor mercado de venda de terras e

aluguéis de edificações. Os imóveis, no ano de 1886, passam a ter um maior valor

graças à política urbana municipal de Antonio Prado que proíbe o estabelecimento

de cortiços na chamada área central. Os sobrados dessa região (centro velho hoje)

eram subdivididos pelos moradores pobres, que não tinham outra saída para o

pagamento dos altos aluguéis. Os poderes municipais de São Paulo combatiam

essas moradias aumentando os impostos e criando projetos de obras de

remodelação, que aumentavam muito os preços dos imóveis e, dessa forma, os

serviços oferecidos no centro tomavam um caráter único e vantajoso para o setor

privado, mas com o investimento público.

A partir desse novo cenário, o Centro passou a concentrar poder político e

econômico, transformando-se no reconhecido “centro da cidade”, até a década de

setenta do século XX essa denominação ficou muito arraigada pela sociedade

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paulistana, assim ir fazer compras era “ir à cidade”, uma completa tradução para os

paulistanos.

A conjugação dos elementos significativos das leis municipais transformou a

área central, impossibilitando essa de se tornar uma área residencial. Para que os

pobres continuassem vivendo nesse espaço, seria necessária a subdivisão das

casas, e nesse momento com as leis municipais (operação urbanísticas) isso se

tornara inviável.

Aqui não podemos deixar citar a Lei nº 355 de 3 de junho de 1898, revogada

em 2006, que determinava que as construções deveriam respeitar seis metros de

recuo, e na frente da casa seriam construídos jardins idênticos à paisagem européia.

Essas residências luxuosas criavam a exclusiva paisagem urbanística, um novo

espaço para os senhores que deixavam as fazendas, e vinham estabelecer-se

definitivamente na cidade. As famílias nobres, desde o final do século XIX ,

mantinham relações de poder com os políticos, os loteadores eram também os

acionistas das empresas concessionárias de serviços e conseguiam facilmente que

os políticos autorizassem os principais serviços de infraestrutura.

Ao contrário dos loteamentos exclusivos nos bairros nobres, os subúrbios

cresceram sem um planejamento ou conhecimento da ocupação do solo, as

facilidades trazidas pela ferrovia e bondes criaram oportunidades imobiliárias para

os pequenos e grandes investidores. Nesse cenário aparece outro investidor, o

montador de indústrias que se estabelece em detrimento ao desenvolvimento

imobiliário da região.

Podemos observar como a região metropolitana, ao longo do século XX foi

tomando a sua forma geográfica, primeiramente na região central, com a

infraestrutura facilitando todo o desenvolvimento econômico, e depois em regiões

mais distantes, onde ocorre a instalação da grande massa, que buscava uma nova

forma de moradia, devido às dificuldades encontradas nos bairros centrais e regiões

rurais. A própria supervalorização de alguns bairros, automaticamente desvaloriza

os bairros que se encontravam à margem da região metropolitana, e esse fator não

é um problema do passado, mas sim um problema muito presente no nosso

cotidiano.

Os alvarás de construção, concedidos na primeira década do século XX,

concentravam-se nos bairros de elite, do ponto de vista urbanístico as regiões

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consideradas irregulares eram os espaços ocupados pelos assentamentos

estrangeiros. Em 1920, o maior grupo estrangeiro na cidade de São Paulo era o

italiano, seguido pelo português e espanhol. Esses imigrantes formavam os bairros

de classes trabalhadoras do Bom Retiro, Brás, Barra Funda, Água Branca, Lapa,

Ipiranga, Cambuci e Bexiga, localizados nos chamados planícies populares.

PERÍODO

TOTAL

ITALIANOS

PORTUGUESES

ESPANHÓIS

OUTROS

1888-1890

157781

76,5%

10,5%

5,8%

7,2%

1891-1900

733335

66,3%

9,9%

12,8%

11,0%

1900-1920

857149

32,1%

22,3%

27,7%

17,9%

Tabela 2 - Cidade de São Paulo: imigração por nacionalidade (1888-1920)

Fonte: Departamento Estadual de São Paulo e Serviços de Imigração e Colonização de São Paulo.

As indústrias não ofereciam vagas suficientes para absorver este contingente

de mão-de-obra e, com isso, crescia o trabalho informal ou até mesmo o esporádico

(horistas). O espaço de trabalho também era o de lazer e descanso. Assim, os dois

mundos imaginários o das elites paulistanas e dos imigrantes estava longe de se

realizarem. Para o industriário paulista os estrangeiros não correspondiam às suas

expectativas e para os imigrantes o modo de vida que levavam não era o esperado.

Sob a ótica desses dois mundos imaginários encontra-se a formação da legalidade

urbana de São Paulo. As pessoas ocupavam o mesmo espaço para exercer suas

atividades remuneradas, outras tarefas e o lazer, e, assim, os territórios populares, o

mundo do trabalho e do cotidiano era superpostos no tempo e espaço.

Desde o início do desenvolvimento da cidade de São Paulo (final do século

XIX e início do XX), existe uma forte relação entre o poder político e os loteadores.

Nesse cenário nos deparamos com três importantes monopólios privados

oferecendo serviços públicos através de concessão: São Paulo Tramway Light&

Power (responsável pelo fornecimento de energia elétrica, telefonia e transporte

urbano sobre trilhos- o bonde), Companhia Cantareira de Água e Esgoto

(responsável pelo abastecimento de água/esgoto) e a City of São Paulo

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Improvements Co (desenvolvimento de infraestrutura nas regiões centrais e nobres

da cidade de São Paulo) (Rolnik, 1999).

Os serviços prestados pela Light e Cia Cantareira priorizavam os interesses

de seus acionistas: levar o serviço para locais onde já havia projetos de

melhoramentos e capacidade de pagamento dos usuários. A Light era uma empresa

altamente excludente, pois para que a mesma levasse iluminação às regiões

“ilegais”, deveria haver um padrão mínimo de consumo e como as famílias menos

abastadas não tinham esse perfil seus pedidos de instalação de energia elétrica

eram todos negados. Esse monopólio dos serviços essenciais dados a Light acabou

gerando um “superpoder” de valorizações urbanas. Não havia universalidade nos

serviços prestados pela municipalidade (calçamento e drenagem) e nem pelos

monopólios de serviços básicos (água, luz, esgoto, transporte sobre trilhos e

telefonia

A Companhia Cantareira de Água e Esgoto, fundada em 1875 por capitais

ingleses, abastecia a cidade através de sistema subterrâneo de encanamento e

superfaturava os preços. Para forçar os moradores a utilizarem o serviço de

abastecimento de água oferecido pela Cia Cantareira, a prefeitura desativou e

demoliu todos os chafarizes públicos. Entretanto, os consumidores deixavam de

usar o serviço de abastecimento de água e construíam poços artesianos

(Rolnik,1999).

A Cia City em 1928 usufruiu de acesso, em condições privilegiadas, aos

serviços básicos de infraestrutura, com isenções de impostos, e conseguindo atingir

os bairros mais populosos e carentes da cidade. (Rolnik,1999).

“Podemos considerar o caso City a apoteose do modelo de política imobiliária da Primeira

República, na qual os interesses privados fortemente infiltrados no poder público associavam

a participação nas concessionárias de serviços públicos a lucros fabulosos com a

especulação de terrenos”. (ROLNIK, 1999, p.136)

Dentro desse contexto a legalidade urbanística foi sendo construída na cidade

de São Paulo, ao mesmo tempo em que se constituía uma zona de ilegalidade: as

habitações populares. Os bairros que foram formados a partir da extralegalidade

tomavam um espaço de alta densidade demográfica. Esse cenário era visto pelas

elites como um fator preocupante, e para sua defesa buscava construir bairros

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exclusivos e legais, do ponto de vista das leis urbanísticas, além de propor favores

que facilitassem à construção de casas populares em zonas periféricas, afastando

qualquer possibilidade de aproximação com a classe operária. Toda legalidade em

relação à construção habitacional concentrou-se nas regiões das cidades-jardins

exclusivas da rica elite paulistana. Do ponto de vista contextual podemos entender a

“deformação” geográfica, em que muitos bairros foram sendo construídos na

periferia de São Paulo, nesse espaço não havia um projeto urbanístico, a alta

densidade e a subdivisão de terrenos e casas foram “invasões” possíveis - de forma

“ilegal”, “marginal”.

A exclusão se deu a partir do território negro da cidade, depois, pouco a

pouco, houve a incorporação dos bairros populares constituídos por imigrantes - na

década de 1930 já considerados “espaço estrangeiro”. Muitos acabaram procurando

outros locais para habitar, devido o alto índice no preço dos aluguéis. O discurso do

positivismo francês influenciava o governo da cidade de São Paulo; não poderiam

gastar recursos com os pobres, pois esses não sabiam investir no progresso do

país. Esse pensamento arraigado de preconceitos, também conhecido como

“darwinismo social”, recomendava que os inteligentes e talentosos devessem tirar

proveitos econômicos, e os incapacitados, fracos e ignorantes podiam adoecer e

morrer devido à seleção natural. Essas políticas sociais, durante o período de 1880

a 1910, tiveram fortes influências na América Latina e no Brasil.

Um fato muito curioso e relevante ao mesmo tempo era em relação ao terreno

adquirido por um imigrante: Após quitarem um terreno, eles o hipotecavam, e com

esse dinheiro construíam suas casas e logo as hipotecavam, multiplicando o capital

para iniciar um negócio próprio. Esse caminho era a possibilidade encontrada pelo

imigrante para ascender socialmente, já que eles não aceitavam viver em condições

iguais às dos brasileiros, onde muitos se encontravam em condição de ex-escravos,

explorados pelos patrões. Os imigrantes procuravam ser autônomos, principalmente

no comércio.

A expansão dos assentamentos populares no decorrer do século XX

continuava na ilegalidade perante as leis e códigos que determinavam o uso e a

ocupação do solo na cidade. Em 1931, o então prefeito da cidade Anhaia de Mello

reconheceu que a cidade clandestina havia tomado uma proporção gigantesca, esse

fator preocupante levou as autoridades a pensar em adotar medidas para regularizar

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os “ilegais”. Anhaia Mello estabeleceu o Ato 25/30, que proibia a construção em

qualquer zona municipal sem o perspectivo alvará, e uma das exigências é que o

lote ficasse de frente para uma via pública. Reconhecido como um político intelectual

Mello queria uma administração “científica” da cidade, assim recomendava que

houvesse um controle maior no desenvolvimento urbano. Entretanto esse Ato foi

considerado inconstitucional e revogado pelo Ato 129/31 que diminuía as exigências,

e aceitava as construções em vias irregulares, mas sobre certas condições. Os

lotes nessas vias deveriam obedecer aos seguintes critérios: as construções das

casas ficariam a 10 metros de recuo de frente para a rua, e 3 metros de lado e de

fundos. Também a rua deveria ter 8 metros de largura e possuir boas condições

transitáveis e com sistema de drenagem completa. No governo de Getúlio Vargas a

cidade de São Paulo incorpora uma nova ordem, a da legalidade urbana, juntamente

com a concessão da cidadania. Essa condição foi essencial para incluir as massas

urbanas como objeto de políticas públicas, onde o Estado era um tutor seletivo.

Através do cenário aqui apresentado percebe-se que as condições que

definiam a ocupação do solo criaram um pacto territorial com dois elementos: as

classes dominantes e os grupos sociais emergentes. Não havia uma nova ordem na

remodelação das ocupações irregulares, mas sim uma tentativa em conceder o

direito de receber investimentos públicos. De acordo com o “jogo político” os que

viviam na clandestinidade poderiam receber um favor dos grupos políticos

(garantindo uma política urbana), retribuindo através do voto. Podemos observar,

que em menos de 50 anos o processo em levar serviços públicos aos bairros

irregulares mudou gradativamente, não que o Estado tenha distribuído esses

serviços a toda população “ilegal” ao mesmo tempo, mas a partir do momento que a

população aumenta o interesse político também aumenta. O Estado cria uma

relação com a massa, através das políticas públicas e como “agradecimento” a

massa os apóia.

O trabalho aqui proposto, através de uma leitura minuciosa da Rolnik (1999),

procura sintetizar diferentes combinações, do que é a organização espacial da

cidade de São Paulo. O que vem a ser um espaço dentro das leis urbanísticas? E o

espaço maior, situado entre o legal e o ilegal? As favelas, assim como as casas

populares autoconstruídas na periferia ,estão na mesma situação: “irregulares”,

porém construir sem o alvará é considerado menos ilícito do que morar em favelas.

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O morador da favela em nenhuma hipótese é reconhecido pela lei como proprietário,

na história esse caso tem sido tratado judicialmente como uma situação passiva de

desocupação. A categoria “favelado” está associada a “marginal”, o espaço é

automaticamente rejeitado, pois é reconhecido como um espaço criminalizado.

A partir dos anos de 1980, os governos municipais e estaduais levam para as

favelas serviços de infraestrutura, para os serviços públicos como: água/esgoto e

energia elétrica são adotadas políticas com tarifação de menor valor. Mesmo com a

extensão dos serviços às favelas a ordem jurídico-urbanística mantém a rejeição:

espaço “marginal”. Esses espaços não são inseridos na legislação de uso de

ocupação do solo em vigor. Em São Paulo os assentamentos populares nas favelas

não são classificados como Lei de Zoneamento, conjunto de normas e vigor desde

1972, que regulam o uso e a ocupação do solo para todo o território paulistano.

Reconhecer e regularizar esses territórios é uma tarefa árdua, requer uma

forte participação dos moradores e das autoridades judiciais, juntamente com

políticos que estejam envolvidos na questão. Esses espaços “ilegais” ficam à mercê

das autoridades municipais e estaduais, já que não são reconhecidos como parte

integrante da cidade, e talvez, não sejam objeto de investimentos públicos em geral.

A posição desses assentamentos irregulares é provisória sob a ótica dos moradores,

e esses aguardam a regularização; em contra partida as autoridades municipais e

estaduais, em conjunto com responsáveis pela demanda dos serviços sociais não

investem nesses espaços, e, dentro desse cenário, a precariedade urbanística se

mantém.

A cidade legal nunca existiu, e nesse trabalho podemos observar que a maior

parte de todas as áreas ocupadas foi considerada “ilegal”, somente uma pequena

parte (as áreas nobres) estava dentro das leis municipais de construção. A

estruturação do espaço das elites foi, durante todo o século XX, inscrita de forma

peculiar na legislação urbanística. Hoje esse espaço legal, poderoso e exclusivo é

de aproximadamente 30%. A legitimação de certo modo foi forçada pelos atores

sociais, pois foram eles que também definiram o comércio e os serviços da cidade.

Em algum momento os “ilegais” foram tomando a forma de legais, quando ocorreram

as mudanças políticas; nesses “ilegais” não estão inseridos os espaços

considerados pela ordem jurídico-urbanística como ”marginal”, como as favelas e

cortiços.

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Atualmente o vetor sudoeste da cidade, região da Avenida Luis Carlos Berrini,

é a área mais regulada da cidade do ponto de vista da legislação urbana. Todo o

esforço para investimentos em obras públicas e intervenções urbanísticas nesse

vetor é aprovado e implantado pelo governo municipal e estadual. Não podemos

deixar de observar que as transformações da RMSP vêm crescendo ao longo do

século XX mantendo as mesmas características de ação por parte do Estado.

“o projeto de Operação Urbana em área de expansão do capital imobiliário da Água

Espraiada; construiu as pistas ao longo de um córrego que atravessa o pólo empresarial da

Berrini e bairros residenciais de classe média e alta, como o Brooklin. Entretanto, a principal

justificativa não era viária, mas a “resolução” do problema da ocupação das margens do

córrego por núcleos de favelas. No fim, serviu para valorizar a região da Berrini por meio de

uma operação de “limpeza social”, com a expulsão de mais de cinqüenta mil pessoas, a maior

parte delas sem ter outra alternativa senão ir para outras favelas, inclusive em região de

proteção ambiental dos mananciais de abastecimento da cidade” . (FIX, 2000, Cadernos de

Urbanismos, RJ, ano 1, n3)

Atualmente as zonas residenciais exclusivas de baixa densidade estão

codificadas por Z-1, dentro desses espaços apenas as pessoas com alto poder

aquisitivo podem se estabelecer e se manter dentro do padrão imposto há muito

tempo, basicamente por três grupos: a elite “originaria” dos barões do café, as

autoridades municipais e estaduais e as empresas estrangeiras que ofereciam

serviços de infraestrutura. Mesmo pagando um alto custo para morar nesses

bairros, a elite, assim prefere, pois é compensada pela valorização da exclusividade,

um privilégio que a classe média procura sempre manter.

Quando pensamos na periferia da RMSP a imagem que nos vem é de uma

periferia gigante e, apesar dos planos, leis e regulamentos ao longo do século XX,

que rejeitaram e proibiram as moradias “ilegais” e precárias, elas não

desapareceram e continuam aumentado. Todo esse processo é atribuído à falta de

planejamento urbano e fiscalização, mas, quando analisamos o processo histórico

do espaço geográfico da cidade, nos aproximamos de uma questão sem resposta

exata, não conseguimos esmiuçar esse grande dilema que é o das moradias

“ilegais” e irregulares na RMSP.

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INSTRUMENTOS INSTITUCIONAIS E LEGISLAÇÃO REFERENTE À GESTÃO DE

REGIÕES METROPOLITANAS, COM FOCO NA RMSP

Participando de uma conferência, cuja temática foi: “Recompondo a história

da região metropolitana: processo, teoria e ação”, do “Seminário Nacional Região

Metropolitana: governo, sociedade e território”, em 2003 no Rio de Janeiro, a Prof.

Dra. Maria Adélia Aparecida de Souza, relatou uma curiosidade, a de ter sido “autora

do primeiro projeto de política nacional de desenvolvimento urbano do Brasil,

documentado e publicado” no ano de 1973 (SOUZA, 2006, p.28-31), em pleno

regime militar, bem como sua surpresa e indignação com a criação das regiões

metropolitanas à revelia das intelectualidades existentes no país, por Lei

Complementar, instituída sob a égide do então Ministério da Justiça, sob o comando

de Alfredo Buzaid, considerado o intelectual do Código do Processo Civil brasileiro.

Ao desjungir a institucionalização das regiões metropolitanas de críticas,

podemos considerar, a Lei Complementar Federal n° 14, de 8 de junho de 1973,

como o marco legal institucional e regulatório da criação das regiões metropolitanas

no Brasil (MAGLIO, 2006, p. 100-101), apesar de constar na Constituição da

República Federativa do Brasil de 20 de outubro de 1967, no Art. 157 § 10º e no Art.

164 da Emenda Constitucional nº 1 de 1969, a possibilidade de criação de Regiões

Metropolitanas por parte da União.

A Lei Complementar Federal nº 14 criou as regiões metropolitanas de São

Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza.

Em seguida, a Lei Complementar n° 20 de 1 de julho de 1974, criou a região

metropolitana do Rio de Janeiro (MAGLIO, 2006, p.101).

Na tabela 3 apresentamos as leis federais e estaduais que criaram as atuais

26 Regiões Metropolitanas e 3 RIDEs, em ordem cronológica de criação e

agrupando por dispositivo legal de criação das mesmas, além de apontar o

município sede, correspondente ao Cluster Pólo, que tratamos anteriormente no

tópico introdutório. A Região Metropolitana do Rio de Janeiro que também tinha

previsão de ser homologada em 1973 foi criada em lei posterior, em 1974, devido às

divergências das negociações que sucederam para definição dos municípios

integrantes à Região.

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Estados Regiões Metropolitanas Legislação Data de Criação

Município Sede

BA RM de Salvador

LCF 14/1973 08/06/1973

Salvador

CE RM de Fortaleza Fortaleza

MG RM de Belo Horizonte Belo Horizonte

PA RM de Belém Belém

PE RM de Recife Recife

PR RM de Curitiba Curitiba

RS RM de Porto Alegre Porto Alegre

SP RM de São Paulo São Paulo

RJ RM do Rio de Janeiro LCF 20/1974 01/07/1974 Rio de Janeiro

ES RM de Vitória LCE 58/1995 21/02/1995 Vitória

SP RM da Baixada Santista LCE

815/1996 30/07/1996 Santos

RN RM de Natal LCE

152/1997 16/01/1997 Natal

SC RM de Florianópolis

LCE 162/1998

06/01/1998

Florianópolis

SC RM de Vale do Itajaí Blumenau

SC RM do Norte / Nordeste

Catarinense Joinville

MA RM Grande São Luiz LCE 38/1998 12/01/1998 São Luiz

DF RIDE do Distrito Federal e entorno LCE 94/1998 19/02/1998 Brasília

PR RM de Londrina LCE 81/1998 17/06/1998 Londrina

PR RM de Maringá LCE 83/1998 17/07/1998 Maringá

AL RM de Maceió LCE 18/1998 19/11/1998 Maceió

MG RM do Vale do Aço LCE 51/1998 30/12/1998 Ipatinga

GO RM de Goiânia LCE 27/1999 30/12/1999 Goiânia

SP RM de Campinas LCE

870/2000 19/06/2000 Campinas

PE/BA RIDE de Petrolina/Juazeiro LCF

113/2001 19/09/2001

Juazeiro e Petrolina

PI RIDE de Teresina LCF

112/2001 19/09/2001 Teresina

SC RM da Foz do Rio Itajaí LCE

221/2002 09/01/2002

Itajaí

SC RM Carbonífera Criciúma

SC RM de Tubarão Tubarão

PB RM de de João Pessoa LCE 59/2003 30/12/2003 João Pessoa

Total 26

Tabela 3 – Regiões Metropolitanas e RIDEs

Fonte: SILVA, C.A. da, “Tendências da metropolização brasileira e dissociação entre construção

teórico-conceitual e política” in SILVA, C.A. da, FREIRE, D.G., OLIVEIRA, F.J.G. de (Orgs.),

“Metrópole: Governo, Sociedade e Território”, Rio de Janeiro, FAPERJ, DP&AEditora, 2006.

Com a Constituição Federal de 1988, o cenário institucional sofre alterações

com a delegação de competência para os estados federados da criação e

institucionalização em seus territórios das:

1. regiões metropolitanas;

2. aglomerações urbanas;

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3. microrregiões;

4. RIDE - Região Integrada de desenvolvimento (por emenda constitucional)3

Tal instituição deve observar os seguintes requisitos (CF-BR, 1988, art. 25,

§3º):

1. edição por lei complementar;

2. existência de um agrupamento de municípios limítrofes;

3. organização dos municípios limítrofes na forma de unidade regional, bem

como sua integração, para a realização de planejamento e execução de

atribuições públicas.

Retrocedendo um pouco no tempo, verificamos que a definição da RMSP, na

Lei Complementar Federal nº 14, foi baseada na própria legislação do Estado de

São Paulo, que em 1967 editou três Decretos Estaduais sob os números: 47.863 de

29 de março de 1967, 48.162 e 48.163 de 3 de julho de 1967, onde oficialmente foi

estabelecida a divisão do Estado de São Paulo em Regiões Administrativas

(BÓGUS, 2004).

Ao editar tais decretos, o governo paulista de Roberto Costa de Abreu Sodré,

procurou definir diretrizes básicas para a formulação de políticas de regionalização,

buscando com isso maior integração e racionalidade nas tomadas de decisões e

implementação de políticas públicas (BÓGUS, 2004). Foram criados o Conselho de

Desenvolvimento da Grande São Paulo - CODEGRAN e o Grupo Executivo da

Grande São Paulo – GEGRAN, órgãos encarregados de elaborar e executar o

planejamento metropolitano. Em 1970, emitiram o primeiro plano de gestão para a

região, o PMDI – Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado da Grande São

Paulo, não conseguindo sucesso, devido a falta de articulação causada pelos

inúmeros conflitos por interesses particularizados (BRAGA, 1999).

A Lei Complementar Federal nº 14, além de instituir as Regiões

Metropolitanas, também estabeleceu um modelo de gestão, e a indicação para a

criação de dois Conselhos em cada Região Metropolitana (BRAGA, 1999 e

MAGALHÃES, 2007), a saber:

3 A RIDE é uma outra forma de organização territorial prevista no art.43º da CF, sob competência da União.

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1. Conselho Deliberativo - composto por cinco membros: três nomeados pelo

governador, um pelo prefeito da capital e apenas um representando todos

os demais prefeitos.

2. Conselho Consultivo - formado pelo conjunto de todos os prefeitos dos

municípios metropolitanos, porém sem poder de decisão.

"A primeira crítica que se opõe à Lei Complementar 14/73 localiza-se na circunstância de ter

ela atribuído encargos aos Estados, sem, no entanto, aquinhoá-los com recursos suficientes

para a sua cobertura. Os problemas que daí decorrem enunciam-se sob aspectos vários, na

necessidade de aplicação de recursos – pelo Estado – em larga escala, à execução das

funções governamentais metropolitanas, seja para o financiamento da prestação de serviços

públicos, seja para que opere criteriosa distribuição de capacidades financeiras entre os

vários municípios que se localizam na região metropolitana."(GRAU, 1983)

Ainda no mesmo ano, o governo federal aprovou o Decreto Federal nº 73.600,

de 8 de fevereiro de 1974, que estabelecia formas de financiamento para

instauração de uma referida estrutura regional, e que, no seu Art. 4º, a seguinte

obrigatoriedade para o Estado detentor de uma Região Metropolitana:

a) "destinar um mínimo de 5% dos recursos do Fundo de Participação dos

Estados à execução do planejamento integrado e dos serviços comuns das

respectivas Regiões Metropolitanas".

O legislativo de São Paulo editou em 1974 a Lei Complementar Estadual nº

94, de 29 de maio, onde o governo de Laudo Natel propôs uma articulação entre

União, Estado e Municípios para as questões metropolitanas e definiu um rol de

serviços comuns de interesse metropolitano:

1. planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social;

2. saneamento básico, notadamente abastecimento de água e rede de

esgotos e serviço de limpeza pública;

3. uso de solo metropolitano;

4. transporte e sistema viário;

5. produção e distribuição de gás combustível canalizado;

6. aproveitamento dos recursos hídricos e controle da poluição ambiental, na

forma que dispuser a lei federal;

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7. outros serviços incluídos na área de competência do Conselho Deliberativo

instituído por lei federal.

Além de estabelecer este rol, a lei previu também a criação de uma estrutura

de gestão, atendendo a Lei Complementar Federal, com a criação do Sistema de

Planejamento e Administração Metropolitana - SPAM, vinculado à Secretaria de

Negócios Metropolitanos que era composta dos seguintes conselhos:

1. Conselho Deliberativo da Grande São Paulo (Codegran) – unidade

deliberativa e normativa;

2. Conselho Consultivo Metropolitano de Desenvolvimento (Consulti) –

unidade consultiva;

3. Fundo Metropolitano de Financiamento e Investimento (Fumefi);

4. EMTU - Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos S/A.; e

5. EMPLASA - Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo

S.A., órgão técnico e executivo da política metropolitana, cujas atribuições

principais eram, além da elaboração de planos e projetos, a execução de

propostas, a articulação intermunicipal e a articulação intersetorial.

Ao longo dos anos que sucederam a lei, este sistema autoritário e

centralizador de gestão das questões metropolitanas da RMSP, tornou-se ineficaz

devido aos inúmeros conflitos políticos setoriais, dentre os quais o mais contundente

foi o setor de saneamento básico4. Contudo, cabe ressaltar que apesar do

insucesso, desse sistema de gestão, implementado em pleno regime militar, houve

um significativo avanço na criação de algumas políticas públicas sob a forma de leis,

a saber:

a) Lei Estadual n.º 898, de 18 de dezembro de 1975: que disciplinou o uso do

solo para a proteção dos mananciais, cursos e reservatórios de água e

demais recursos hídricos de interesse da Região Metropolitana da Grande

São Paulo;

b) Lei Estadual n.º 997, de 31 de maio de 1976: que dispõe sobre controle da

poluição do meio ambiente;

4 Disputas entre Estado e Municípios e entre Municípios sobre abastecimento de água e saneamento e domínio sobre mananciais

(MAGLIO, 2006, p.102).

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c) Lei Estadual n.º 1172, de 17 de novembro de 1976: que delimita as áreas

de proteção relativas aos mananciais, cursos e reservatórios de água;

d) Lei Estadual nº 1817, de 27 de outubro de 1978: que estabelecia os

objetivos e as diretrizes para o desenvolvimento industrial metropolitano e

disciplinava o zoneamento industrial, a localização, a classificação e o

licenciamento de estabelecimentos industriais na Região Metropolitana da

Grande São Paulo.

Tipo

Nome

População (hab)

Região

Metropolitana

RM São Paulo

RM Baixada Santista RM Campinas

20.141.707 1.709.686 6.325.125

Região Administrativa

Registro

São José dos Campos Sorocaba

Ribeirão Preto Bauru

São José do Rio Preto Araçatuba

Presidente Prudente Marília

Central (Araraquara e São Carlos) Barretos Franca

287.002

2.316.604 2.890.965 1.225.286 1.096.961 1.451.761 732.552 842.982 978.804 976.993 425.054 734.707

Quadro 2 – Regiões Administrativas e Metropolitanas do Estado de São

Paulo e população

Fonte: Instituto Geográfico e Cartográfico. Mapa da Divisão Municipal do Estado de São

Paulo 2005 e Fundação SEADE 2010

A Secretaria de Negócios Metropolitanos e os órgãos do SPAM foram extintos

em 1995, transferindo-se os recursos para a Secretaria de Transportes

Metropolitanos.

A Emplasa, ao longo do tempo, foi perdendo boa parte de suas funções,

mantendo-se como um órgão consultivo de apoio informativo, responsável pelo

Sistema Cartográfico Metropolitano. Os planos de gestão de serviços metropolitanos

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elaborados pela Emplasa não foram executados, seus resultados foram

insatisfatórios, por falta de estrutura para fiscalização e pelo baixíssimo nível de

articulações com os municípios. As ações previstas e planejadas ficaram restritas

aos instrumentos legais, ou seja, “não saíram do papel” (BRAGA, 1999).

Depois da tentativa frustrada da década de 70 do século passado, e após a

promulgação da Constituição Federal de 1988, o Estado de São Paulo tentou um

novo modelo de gestão de sua organização regional, estabelecido por meio da

Constituição Estadual de 5 de Outubro de 19895 e que levaram à configuração atual

onde temos além das 3 Regiões Metropolitanas, mais 12 Regiões Administrativas,

apontadas no quadro 2 (MAGLIO, 2006, p.104).

Discorrendo sobre a questão da “Organização Regional”, tema abordado no

capítulo II da Constituição Paulista (CE-SP, 1989), analisaremos os artigos que

compõem este capítulo:

Artigo 152 - São estabelecidos os objetivos para a organização regional

relacionados com o planejamento regional, desenvolvimento

sócio-econômico, cooperação entre esferas de poder, integração

e articulação, preservação ambiental, sustentabilidade e redução

de desigualdades.

Artigo 153 - São apontadas as premissas e critérios para a divisão territorial e

define o que são os tipos de unidades regionais, a saber:

1. Região Metropolitana - agrupamento de Municípios limítrofes

que assuma destacada expressão nacional com as seguintes

características:

a) elevada densidade demográfica;

b) significativa conurbação6;

c) funções urbanas e regionais com alto grau de diversidade;

d) funções urbanas e regionais com alto grau de

especialização;

e) alto grau de integração sócio-econômica que exija

planejamento integrado.

5 CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO - TÍTULO IV - Dos Municípios e Regiões- CAPÍTULO II - Da Organização Regional

SEÇÃO I - Dos Objetivos, Diretrizes e Prioridades - Artigo 152 SEÇÃO II - Das Entidades Regionais - Artigos 153, 154, 155, 156, 157 e 158 6 é a unificação da malha urbana de duas ou mais cidades, em consequência de seu crescimento geográfico.

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2. Aglomeração Urbana - agrupamento de Municípios limítrofes

que apresente:

a) relação de integração funcional de natureza econômico-

social;

b) urbanização contínua entre dois ou mais Municípios;

c) manifesta tendência no sentido de planejamento integrado.

3. Microrregião – agrupamento de municípios limítrofes que

apresente:

a) relações de interação funcional de natureza físico-territorial;

b) relação de integração funcional de natureza econômico-

social;

c) relação de integração funcional de natureza administrativa;

d) planejamento integrado com vistas a criar condições

adequadas para o desenvolvimento e integração regional.

Artigo 154 - Versa sobre a institucionalização de Conselhos com participação

dos municípios. Para melhor ilustrar transcrevemos seu caput:

“Visando a promover o planejamento regional, a organização e

execução das funções públicas de interesse comum, o Estado

criará, mediante lei complementar, para cada unidade regional,

um conselho de caráter normativo e deliberativo bem como

disporá sobre a organização, a articulação, a coordenação e,

conforme o caso, a fusão de entidades ou órgãos públicos

atuantes na região, assegurada, nestes e naquele, a participação

paritária do conjunto dos Municípios, com relação ao Estado”. No

parágrafo primeiro deste artigo, para as Regiões Metropolitanas,

fica estabelecido que os Conselhos integrarão entidade pública de

caráter territorial e agregarão demais entidades regionais e

setoriais executoras no que tange as funções públicas

relacionadas com o planejamento metropolitano. No segundo

parágrafo, a Constituição assegura, nos termos de lei

complementar, a participação popular no processo de elaboração

do planejamento e tomada de decisões, bem como as ações de

fiscalização dos serviços públicos executados em âmbito regional.

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No terceiro e último parágrafo deste artigo, é assegurada a

participação efetiva de representantes dos municípios nos

respectivos Conselhos, desde que disciplinada por lei

complementar.

Artigo 155 - Obriga os municípios pertencentes a uma Região Administrativa

ou Metropolitana, a compatibilizarem seus planos, programas,

orçamentos, investimentos e ações às metas, diretrizes e

objetivos estabelecidos nos planos e programas estaduais,

regionais e setoriais de desenvolvimento econômico-social e de

ordenação territorial, desde que, estes tenham sido efetivamente

elaborados e estabelecidos pelos respectivos Conselhos. No

parágrafo único, a obrigatoriedade de compatibilização é

estendida ao Estado, devendo este estar atento aos Planos

Diretores Municipais.

Artigo 156 - Obriga o Estado a traçar seus planos plurianuais de forma

regionalizada, observando às 15 unidades regionais existentes.

Artigo 157 - Para atendimento das metas estabelecidas nos planos plurianuais

o Estado e os Municípios deverão destinar recursos financeiros

específicos.

Artigo 158 - Atribui ao Estado a competência de elaborar o planejamento do

transporte coletivo de caráter regional nas Regiões Metropolitanas

observando as especificidades do transporte existente nos

Municípios e integrando-os nas soluções apresentadas. No

parágrafo único fica estabelecido que o Estado irá operar o

transporte coletivo de caráter regional, diretamente ou mediante

concessão ou permissão.”

Para atendimento do disposto no Artigo 154 da Constituição Paulista, foi

sancionada a Lei Complementar Estadual nº 760 de 1º de agosto de 1994, que

formalizou e estabeleceu as regras para a implantação dos Conselhos de

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Desenvolvimento das Regiões com caráter normativo e deliberativo, composto por

um representante de cada município integrante e representantes estaduais em todos

os ramos de interesse comum (MAGLIO, 2006, p.105-106). A seguir transcrevemos

as atribuições estabelecidas, onde verificamos que a participação popular decantada

na Constituição Paulista foi desconsiderada:

“1. especificar os serviços públicos de interesse comum do estado de dos

municípios;

2. aprovar objetivos, metas e prioridades de interesse regional,

compatibilizando-os com os objetivos do estado e dos municípios;

3. aprovar e encaminhar, em tempo útil, propostas regionais relativas ao plano

plurianual, à lei de diretrizes orçamentárias e à lei orçamentária anual;

4. propor ao estado e aos municípios dele integrantes alterações tributárias

com finalidades extrafiscais necessárias ao desenvolvimento regional;

5. deliberar sobre quaisquer matérias de impacto regional;

6. propor critérios de compensação financeira aos municípios da RM;

7. constituir Câmaras Temáticas e Câmaras Temáticas Especiais;

8. convocar, a cada seis meses, audiências públicas.”

No caput da lei fica estabelecido que “o Conselho de Desenvolvimento

integrará entidade com personalidade jurídica de direito público, autonomia

administrativa e financeira”. A entidade citada deverá ser criada por intermédio de

lei. No caso das Regiões Metropolitanas o Conselho Normativo e Deliberativo

deverá ser integrado em entidade pública de caráter regional específica (MAGLIO,

2006, p.106).

Como a Constituição Federal de 1988 não especifica as funções públicas de

interesse comum, às quais os Conselhos deveriam se ater, o Estado de São Paulo,

através da Lei Complementar nº 815 de 30 de julho de 1996, que criou a Região

Metropolitana da Baixada Santista e, posteriormente, através da Lei Complementar

nº 870 de 19 de junho de 2000, que criou a Região Metropolitana de Campinas,

definiu quais são as funções públicas de interesse comum (MAGLIO, 2006, p.106), a

saber:

1. planejamento e uso do solo;

2. transporte e sistema viário regional;

3. habitação;

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4. saneamento básico;

5. meio ambiente;

6. desenvolvimento econômico;

7. atendimento social;

Em virtude desse novo modelo de gestão, a institucionalização da RMSP

deverá sofrer uma reorganização e adequação frente ao novo modelo, objeto de

trabalho de uma comissão constituída para esta finalidade, na ALESP, que, contudo,

não tem avançado com a matéria.

Cabe ressaltar a peculiaridade da Institucionalização da Região Metropolitana

da Baixada Santista. Seguindo um viés, sua criação partiu de uma articulação entre

os municípios que criaram informalmente, em 1993, a COREME – Coordenadoria

Regional de Metropolização (BRAGA, 1999), que estabeleceu negociações e pactos

municipais para diversos temas como:

a) o pacto metropolitano pela infância da Baixada Santista;

b) a destinação final do lixo doméstico;

c) o transporte intra-metropolitano; e

d) a implantação do aeroporto civil metropolitano no Guarujá.

Nos casos de Campinas e Baixada Santista, em função das prerrogativas

legais, ocorreram pequenos avanços com a criação de uma entidade autárquica, a

Agência Metropolitana da Baixada Santista – AGEM, vinculada à secretaria dos

transportes e atuando especificamente nesse setor, e a criação do Conselho de

Desenvolvimento da Região Metropolitana de Campinas que procura abordar as

funções públicas de interesse comum designadas.

A Emplasa, órgão que deveria ser a entidade gestora nos moldes dos anos

70, passou a ser um órgão vinculado à Secretaria de Economia e Planejamento do

Governo do Estado com funções restritas, como a de dar apoio quanto ao

planejamento, programação, organização, coordenação e execução de serviços

comuns de interesse metropolitano, subsidiando a tomada de decisões de órgãos e

entidades públicos e privados que atuam nas regiões metropolitanas, ou seja, a falta

de uma efetiva solução que objetive a integração dos diversos municípios e setores

perdura.

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O Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257 de 10 de julho de 2001, visando

fortalecer o pacto federativo brasileiro, trouxe maior autonomia para os municípios e

delegou competências que entram em conflito com as atribuições funcionais que

deveriam ser empregadas por uma entidade gestora da Região Metropolitana,

trazendo, com isto, dificuldades para a própria implantação da entidade, apesar de

considerá-las no que tange à elaboração de Planos (Planos Diretor, Plano

Plurianual, entre outros) e na imputação da criação de novas Regiões

Metropolitanas ao Estado (MAGLIO, 2006, p.108).

Na esfera Estadual, o Plano Plurianual 2004-2007, Capítulo II –

Desenvolvimento Regional e Metropolitano, aprovado e sancionado pela Lei

Estadual nº 11.605, de 24 de dezembro de 20037, previu a elaboração de um “Plano

Metropolitano de Ações e Programas Integrados”, onde deveria constar a articulação

das diretrizes estabelecidas em todos os planos setoriais relacionados com a RMSP

e a adoção um novo instrumento de gestão a chamada ZIM – Zonas de Interesse

Metropolitanos (PPA-SP 2004-2007), definidas como:

“A Zona de Interesse Metropolitano organiza-se como uma unidade urbana que incorpora

aspectos físicos, espaciais e funcionais do território. A sua definição possibilita a

consideração simultânea de questões que devem ser tratadas no contexto de um plano

urbano e outras cujas características impõem a necessidade de abordagem através do

projeto urbano”(PPA-SP 2004-2007)

A ZIM é o primeiro passo para a incorporação futura em Regiões

metropolitanas, ou seja, um município adjacente que é reconhecidamente importante

para uma determinada região metropolitana, passa a ser categorizado como ZIM,

para posteriormente ser avaliada sua inserção numa Região Metropolitana. Os

Critérios para a definição de uma ZIM (PPA-SP 2004-2007) seguem as seguintes

prerrogativas:

1. acatamento e reconhecimento da importância das metas estabelecidas e

priorizadas por um Plano Geral Metropolitano;

7 Segundo consta no próprio corpo do Plano Plurianual estadual 2004-2007, o mesmo foi baseado em “19 audiências públicas,

estrategicamente distribuídas de forma abarcar a totalidade das regiões do território paulista, com presença significativa de representantes dos poderes públicos, da iniciativa privada, da sociedade civil organizada, das universidades e a própria comunidade.”(PPA-SP, 2003)

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2. a constatação de dinâmicas de transformação oriundas de políticas

abrangentes e sistêmicas, sobretudo aquelas que estão associadas aos

projetos de infra-estrutura e transporte público;

3. estabelecimento de um quadro que contemple o conjunto de ações

públicas e privadas em andamento no setor a ser definido como ZIM;

4. possibilidade de criar uma “peça urbana” sobre a qual o Plano/Projeto

deverá considerar os seguintes elementos:

a) a procura de continuidade na trama viária deverá garantir a

integridade do espaço proposto para a intervenção;

b) perímetro proposto criará um trecho urbano que permanecerá

submetido a um tratamento jurídico e institucional especial;

c) tanto a definição quanto a reavaliação do perímetro nas primeiras

etapas do trabalho devem submeter-se às dinâmicas de transformação

em curso.

5. estabelecer estratégias de ação para que dentro de um cronograma preciso

o conjunto de obras propostos no interior da ZIM possa efetivamente ser

executado pelo poder público nas suas várias instâncias: municipal, estadual

e federal, e pelas possíveis parcerias que se estabelecerem;

6. tendo em vista uma nova organização espacial da ZIM, ficam também

definidas áreas adjacentes complementares e candidatas ao mesmo processo

de intervenção;

7. estabelecer relações e articulações funcionais e espaciais para que a área

opere de forma integrada;

8. estabelecer relações de complementaridade entre os equipamentos

públicos e privados situados na área.

Dentre os Planos mais significativos a serem considerados e incorporados ao

Plano Metropolitano de Ações e Programas Integrados (PPA-SP 2004-2007),

podemos relacionar:

1. Plano Integrado de Transportes Urbanos para 2025 – Pitu 2025 (transporte

público e mobilidade)(STM-SP, 2006);

2. Rodoanel Metropolitano (circulação e acessibilidade);

3. Ferroanel (transporte de cargas);

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4. Plano Estadual de Habitação (provisão de habitação e melhorias

habitacionais);

5. Plano Diretor de Macrodrenagem do Alto Tietê (drenagem urbana e pontos

de inundação);

6. Plano da Bacia do Alto Tiete (recuperar e conservar a qualidade da água

na Bacia);

7. Plano de Desenvolvimento e Proteção Ambiental (PDPA) da Billings e Lei

específica;

8. Plano de Desenvolvimento e Proteção Ambiental (PDPA) da Guarapiranga

e Lei Específica;

9. Plano Diretor de Resíduos Sólidos da RMSP.

A série de planos apresentados envolve investimentos de grande monta, o

que impele à parceria do governo federal com a iniciativa privada, além das

parcerias com estados e municípios. O planejamento urbano metropolitano deve

estar comprometido com o desenvolvimento econômico e social de todos os seus

entes, onde é imprescindível um ordenamento de seu território.

O Plano Metropolitano de Projetos e Ações Integradas deverá observar as

seguintes condicionantes:

a) a composição de um cenário de problemas globais e particularizados em

níveis municipais e setoriais;

b) o estabelecimento de restrições e vantagens em proposições negociadas,

considerando em sua elaboração a múltipla presença de instâncias

municipais dotadas cada uma delas de regras, normas e planos diretores.

Após as institucionalizações das Regiões Metropolitanas da Baixada Santista

e de Campinas, sob a égide de um novo modelo de gestão, ficou pendente na

ALESP a elaboração de um projeto para a adoção do novo modelo na RMSP. O

projeto tramita a mais de 10 anos na ALESP, que também recebeu um projeto de lei

em 2005, tratando da temática gestão da RMSP.

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“PLANO INTEGRADO DE TRANSPORTES URBANOS DA SECRETARIA DOS

TRANSPORTES METROPOLITANOS DO ESTADO DE SÃO PAULO”, SOLUÇÃO

SETORIAL DENTRO DE UM MODELO DE GESTÃO INEFICAZ.

Por que precisamos democratizar a redistribuição

O processo de formulação da política de transporte da RMSP é aqui

estudado, por meio da análise da última edição do Plano Integrado de Transportes

Urbanos - PITU 2025, da Secretaria dos Transportes Metropolitanos do Governo do

Estado de São Paulo – STM-SP (STM-SP, 2006). Este plano de transportes, em sua

última edição, aponta as possibilidades redistributivas da gestão dos transportes,

sobretudo se tais políticas estiverem conjugadas com as políticas de uso e ocupação

do solo, assim como o plano aponta o desafio da gestão de transportes em regiões

metropolitanas na ausência de marcos jurídico-administrativos para a gestão da

metrópole, dadas as especificidades inerentes à condição metropolitana, onde,

como nos diz Bousquat (2001), os fluxos populacionais não obedecem os limites

administrativos.

Assim, nos propomos aqui analisar a formulação da política de transportes

por meio da análise documental do PITU à luz de considerações e reflexões dos

autores que estudam, na perspectiva da ciência política e política comparada, as

políticas públicas (policy sciences), bem como recorremos a autores que estudam a

questão da democracia, reconhecimento e exclusão na América Latina e no Brasil,

por entendermos que o desafio brasileiro, num contexto pós-redemocratização, é o

de que as políticas públicas, como nos dizem Bosch & Cantillon (2006), façam

diferença nessas questões: aprofundamento da democracia, inclusão social,

redistribuição e reconhecimento (BOSCH, 2006).

Quem é quem nos transportes

A formulação da política de transporte da RMSP é atribuição estadual, por

meio da STM-SP. Já a gestão legal e operacional do sistema de transporte coletivo

é atribuição de diversas administrações municipais e estaduais. O transporte público

de passageiros ao nível do município é de responsabilidade municipal; no caso de

transporte entre municípios, esta atribuição é estadual. O Governo Estadual, por

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meio da STM-SP, gere o transporte metropolitano conforme estabelece o decreto nº

49.752 de 04/07/2005. À STM-SP corresponde, entre outros:

a) a execução da política estadual de transportes metropolitanos de

passageiros para as regiões metropolitanas, abrangendo os sistemas

metroviário, ferroviário, de ônibus e trolebus, e demais modais de interesse

metropolitano;

b) a organização, a coordenação, a operação e a fiscalização do sistema

metropolitano de transportes públicos de passageiros e sua infra-estrutura

viária, compreendendo: o planejamento do transporte coletivo de caráter

regional; o estabelecimento de normas e regulamentos; a outorga de

concessões e permissões dos serviços, fiscalização e fixação das

respectivas tarifas;

c) a promoção do sistema metropolitano de transportes públicos de

passageiros em conjunto com outros órgãos públicos ou entidades

privadas que atuem no setor. (STM-SP, 2006)

Para o planejamento da política de transporte, a STM-SP realiza desde 1967

a pesquisa origem-destino. Com os dados dessa pesquisa, que é realizada a cada

dez anos, de caráter censitário, a STM-SP pode caracterizar o deslocamento da

população nos 39 municípios que compõem a RMSP, bem como configurar a

distribuição espacial da população e dos motivos geradores de deslocamento

(escolas, hospitais, centros de entretenimento, empregos etc), de forma a

dimensionar a dinâmica de transporte e de uso e ocupação do solo. Com o uso de

softwares de simulação, a STM-SP elabora o estudo de cenários em relação ao

transporte e, a partir desses cenários, estabelece estratégias de longo prazo na

atuação da secretaria em relação ao transporte metropolitano.

Sobre o plano integrado de transportes urbanos (PITU)

A STM-SP, desenvolve desde 1995 o PITU. O plano dá as diretrizes que

pautam a formulação das políticas públicas de transporte ao nível metropolitano,

bem como discorre sobre pontos como a implementação, o financiamento e a

avaliação continuada das políticas. O PITU, criado durante a gestão 1995-98 da

STM-SP, era, originalmente, um programa de investimento com metas para dez

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anos (STM-SP, 2000). A partir deste primeiro plano, a gestão dos transportes da

RMSP passou por um profundo processo de amadurecimento. O segundo PITU

2020 (STM-SP, 2000) já não era mais um plano de investimentos, mas se propunha

ir além ao condicionar o investimento e as ações do poder público tendo em vista

certas diretrizes sociais. O próprio plano, assim colocado, transformou-se a si

próprio em processo e, dessa forma, assumiu o inacabamento inerente a qualquer

projeto de ação/intervenção por sobre o tecido vivo que é a metrópole:

O PITU 2020 não é um plano acabado. Ao contrário, é uma obra aberta (grifo nosso). O que

hoje se apresenta é um exercício completo de um processo de planejamento do futuro. Ele

contém premissas e informações finitas, conhecidas em determinado tempo, com

determinados recursos. A obra pode ser aprimorada – e com certeza será – por novas

informações, por intervenções não previstas ou por novos sonhos. (STM-SP, 2000)

A renovação paradigmática do segundo PITU se insere, entretanto, num

contexto mais amplo: a visão de cidades e políticas públicas para a sustentabilidade

que pautaram a criação do MCidades. O Estatuto da Cidade, aliás, é inúmeras

vezes evocado no PITU 2020, de forma que o plano original “de investimento”,

passou, após estas mudanças, a ser:

Uma reflexão sobre como queremos estar vivendo em 2020 […]. O sonho, construído

coletivamente por diversos agentes decisores sobre os rumos da cidade – prefeitos, técnicos

de empresas operadoras, urbanistas e estudiosos do transporte público – é estruturar uma

metrópole competitiva, saudável, equilibrada, responsável e cidadã. As estratégias

específicas para os transportes metropolitanos partem dessa estação.(STM-SP, 2000).

“Partir dessa estação” significa que, no caso paulista, há uma mudança

importante sobre o que constitui desenvolvimento e sobre as funções ou os fins do

desenvolvimento e as atribuições do espaço urbano que passam a ser entendidos,

pelo poder público, numa nova perspectiva; perspectiva essa em que cidadania,

sustentabilidade e desenvolvimento econômico devem acontecer simultaneamente.

Esse movimento de tomada de consciência sobre os fins do desenvolvimento se

liga, então, no plano teórico, ao conceito de Amartya Sen (SEN, 2000) de

desenvolvimento como liberdade.

O singular dessa abordagem é a consciência de que instrumentos devem ser

condicionados a um fim, ou seja, a consciência de que as políticas devem estar

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condicionadas a um projeto de sociedade e de futuro; é relevante ressaltar, em

relação a essa abordagem, que ela constituí um movimento de recuperação da idéia

de projeto humano e de utopia. Assim, Boaventura de Souza Santos (SANTOS,

2003), em sua Crítica à Razão Indolente, afirma o sentido de ação e a ambiguidade

da espera, reafirmando, assim, que o horizonte utópico não é a inação e

impossibilidade; para o autor, este horizonte é, antes, definido por um campo de

experimentação social em que a utopia se define continuamente, ao mesmo tempo

em que ela define e confere sentido ao projeto humano.

Vejamos, então, o que foi dito até aqui, neste tópico analítico do PITU:

1) o PITU propõe-se a ser um instrumento condicionado a um fim, que é a

realização de uma cidade competitiva, cidadã e sustentável;

2) o plano se liga, teoricamente, ao horizonte de projeto humano a

condicionar os fins de uma dada ação do Estado, discussão que tem

Amartya Sen como o principal expoente intelectual;

3) do ponto de vista prático, o plano pretende se inserir no contexto da criação

do e mesmo evoca constantemente os paradigmas que pautaram a criação

do MCidades e o Estatuto das Cidades;

4) como apontado na apresentação deste trabalho e mais à frente, na

discussão, o plano propõe-se uma tarefa redistributiva por meio da fixação

da população pobre no entorno das facilidades de transporte, superando-

se, assim, a doação forçada de capital do Estado para os especuladores

imobiliários, os quais têm se apropriado da mais-valia gerada com dinheiro

público por ocasião da valorização imobiliária oriunda da criação de

facilidades de transporte. A proposta do PITU é que o Estado possa passar

a reter a mais-valia gerada com as políticas de transporte e a usasse para

financiar o sistema de transporte e a fixação da população pobre nessas

áreas, de forma a promover o adensamento seletivo.

Assim sendo, o plano é exemplar em inúmeras dimensões: o PITU representa

um avanço substancial na gestão de políticas públicas de transporte, principalmente

ao apresentar sua proposição redistributiva.

As reflexões e críticas em relação ao plano, levantadas nesse trabalho,

portanto, não são discordâncias em relação à configuração inovadora acerca do

problema do uso e ocupação do solo adotadas pelo plano (expostas na discussão

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do trabalho), assim como não se critica a proposição redistributiva do mesmo. Os

pontos a serem abordados estão em outra arena: qual é o preço a se pagar em

relação a uma política redistributiva feita de forma fechada?

Políticas de transporte e inclusão social

As políticas públicas de transporte representam uma possibilidade de

redistribuição de renda seja por meio da retenção, pelo Estado, da mais-valia

imobiliária, de forma que esses recursos possam ser usados no adensamento

seletivo da população pobre no entorno das facilidades de transporte, seja por meio

da economia de recursos de despender menor tempo no deslocamento casa-

trabalho. A expulsão da população pobre de áreas em que o Estado investiu

recursos de transporte é indesejável, assim como é indesejável que a população

pobre seja penalizada no tempo despendido no transporte por morar em áreas

distantes das regiões de concentração de emprego. No entanto, essa exclusão

também causa a deseconomia do transporte:

Assim, enquanto se manteve a macro localização histórica dos empregos no Centro

Expandido – não obstante a mudança da natureza dos mesmos e realocações internas,

decorrentes da formação de “clusters” especializados – grande parte da população foi

deslocada para zonas periféricas cada vez mais distantes. Esses contingentes populacionais,

centrifugados por uma lógica mercadológica sob regulação estatal insuficiente, são formados

principalmente por grupos de rendas baixas, que se afastam cada vez mais dos empregos,

formando bairros dormitórios destituídos de infra-estruturas básicas. Tal desbalanceamento

de atividades, além de prejudicar diretamente esses grupos sociais, provoca crescentes

demandas e deseconomias de transportes, por aumentar tanto a extensão das viagens como

o perfil das mesmas, que adquirem um caráter pendular. Em termos financeiros, na ótica do

serviço de transportes, passam a ocorrer maiores investimentos e maiores custos

operacionais, sem aumento expressivo da receita, uma vez que a tarifa é única na maior

parte da rede.(STM-SP, 2006´, p.24)

O PITU, explicita que a resolução da exclusão por meio do transporte requer

a revisão do transporte à luz da intersetorialidade que caracteriza o problema. Não

há resolução possível ao problema sem que as políticas de transporte sejam

tratadas em conjunção com as políticas de desenvolvimento e as de moradia. Assim

como a questão não será solucionada sem que sejam criados novos instrumentos

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de gestão e de financiamento: “a implementação de um programa de dimensões

muito maiores do que as usuais, com articulação inter-agências e inter-

governamental, envolvendo novos modelos e dimensões financeiras, e uma

dinâmica mais ágil de interação com os mercados, pressupõe a necessidade de

transformação do lado organizacional” (Idem, ibdem, p.26). No entanto, ainda que

essa visão mais abrangente e coerente sobre o transporte signifique um avanço

significativo na forma de encarar a questão, neste trabalho questiona-se a

manutenção do caráter fechado do processo de formulação das políticas, sobretudo

durante o processo de formulação dos indicadores usados no PlTU.

A escolha das alternativas de políticas públicas de transporte para a RMSP

está diretamente relacionada às estruturas de avaliação e de indicadores adotadas

no plano. Há, no PITU 2025, dois grandes blocos de avaliação: um para estratégias

de transporte e um para a avaliação do uso e ocupação do solo. Esses dois eixos

definidores das estratégias de ação da STM-SP são estudados e planejados por

meio de indicadores elaborados com a finalidade de mensurar quão “sustentável,

competitiva e cidadã” a metrópole está e quais são as ações que melhor poderiam

conduzir a que se alcançassem tais características. Os indicadores foram criados e

definidos pela burocracia de Estado e consultores envolvidos e sua ponderação foi

feita por meio do uso de um software de análise hierárquica (Decision Lens), o qual

usa a metodologia do Analytic Hierarchy Process (AHP). Para a configuração da

árvore hierárquica no Decision Lens, os indicadores são hierarquizados por sua

importância em relação ao projeto de Metrópole que se deseja ter em 2020 e foram,

para essa tarefa, chamados membros da SMT, CET, SEMPLA, Metrô, EMTU,

FUPAM e consultores envolvidos.

O problema dessa estrutura de avaliação é justamente o fechamento do

processo decisório à participação da sociedade civil e, nesse sentido, proceder à

uma redistribuição “técnica”.

Manter a redistribuição como uma questão técnica, definida por meio de uma

ação da burocracia do Estado é repetir o erro dos Estados de bem-estar social dos

países centrais é repetir, na periferia do sistema, o ponto que mais se critica em

relação aos programas de transferência de renda dos países do Norte:

With many critical theorists and democratic theorists, I criticize welfare capitalist society for

depoliticizing the process of public policy formation. Welfare state practices define policy as

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the province of experts, and confine conflict to bargaining among interest groups about the

distribution of social benefits. The distributive paradigm of justice tends to reflect and reinforce

this depoliticized public life, by failing to bring issues of decisionmaking power, for example,

into explicit public discussion. Democratic decisionmaking processes, I argue, are an

important element and condition of social justice.(YOUNG, 1990, p.10)

A estratégia da evocação da técnica para despolitizar a política é manter a

produção de políticas fechada ao preço da estigmatização da população que se quer

beneficiar. Assim, ainda que possa parecer um contra-senso ou mesmo um

paradoxo pensar que políticas públicas que se propõem redistributivas precisem ser

democratizadas, no contexto brasileiro, esse dado não pode ser ignorado, haja vista

a produção regulada excludente de direitos observada no país. Ou seja, ainda que o

próprio termo redistribuição carregue uma dose substancial de propósitos

democráticos, sobretudo em países em que a distribuição de renda é tão perversa,

como é o caso brasileiro, e a miragem da redistribuição condense e dê materialidade

conceitual à ambição e desejos mais profundos de substantivar a experiência

democrática atual, é preciso aprender alguma coisa com a história do país, que é a

história da perpetuação da exclusão:

“Uma comparação entre a realidade francesa e brasileira pode ilustrar melhor o que imagino,

[...] Desse modo, se estou certo, seria a efetiva existência de um consenso básico e

transclassista, […] que faz com que um alemão ou francês de classe média que atropele um

seu compatriota das classes baixas seja, com altíssima probabilidade, efetivamente punido de

acordo com a lei. Se um brasileiro de classe média atropela um brasileiro pobre da “ralé”, por

sua vez, as chances de que a lei seja efetivamente aplicada neste caso é, ao contrário,

baixíssima. […] Existe como que uma rede invisível, que une desde o policial que abre o

inquérito até o juiz que decreta a sentença final, passando por advogados, testemunhas,

promotores, jornalistas, etc, que, por meio de um acordo implícito e jamais verbalizado,

terminam por inocentar o atropelador. O que liga todas essas intencionalidades individuais de

forma subliminar, e que conduz ao acordo implícito entre elas, é o fato objetivo e ancorado

institucionalmente do não valor humano do atropelado, posto que é precisamente o valor

diferencial entre os seres humanos que está atualizado de forma inarticulada em todas as

nossas práticas institucionais e sociais. Não se trata de intencionalidade aqui. Nenhum

brasileiro europeizado de classe média confessaria, em sã consciência, que considera seus

compatriotas das classes baixas não-europeizadas “sub-gente”. Grande parte dessas

pessoas votam em partidos de esquerda e participam de campanhas contra a fome e coisas

do gênero. A dimensão aqui é objetiva, subliminar, implícita e intransparente. […] O que

existe aqui são acordos e consensos sociais mudos e subliminares, mas por isso mesmo

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tanto mais eficazes,que articulam, como que por meio de fios invisíveis, solidariedades e

preconceitos profundos e invisíveis.(SOUZA, 2003, p.60)

O ponto chave da questão não é tão somente o aprofundamento do

desenvolvimento capitalista num país periférico, mas sobretudo as conseqüências

desse processo num contexto de cidadania regulada e para poucos, o que levou ao

enorme êxodo rural e a produção de massas urbanas em 'regime de escassez'

(WEFFORT, 1986) e a necessidade do Estado em lhes frear o impulso político.

Assim, o aprofundamento do desenvolvimento capitalista e a produção de direitos,

na experiência brasileira, foram levados a cabo sem que houvesse, com isso, a

ruptura de um acordo tácito que regia a sociedade. E esse acordo, como nos

ensinou Souza (2003) se realiza, além do nível das estruturas, no plano da cultura,

de forma que o pacto também tácito da manutenção e reprodução da 'gentinha'

enquanto sub-cidadãos passa por mecanismos simbólicos e não reflexivos que

unem em cadeia os indivíduos. Daí a importância da abertura do processo de

produção de políticas à participação da população, porque a superação do sub-

reconhecimento não pode se realizar sem a participação.

Assim, se as instituições podem moldar e ser artífices exemplares de padrões

de exclusão social, que ganham existência física, real e concreta ao nível dos

indivíduos, e se “há hoje consenso na ciência política contemporânea de que as

instituições importam (TSEBELIS, 1995), e se boa parte da literatura têm se

esforçado por nos convencer de que é preciso trazer de volta o Estado ao jogo

(SKOCPOL, EVANS, RUESCHEMEYER, 1985), também é preciso ter clareza sobre

de que Estado estamos falando. O Estado brasileiro têm sido bastante atuante no

sentido da produção regulada e para poucos de direitos, assim como foi parte

fundamental de um tipo de desenvolvimento industrial que se assentou, em sua

dependência e sua manutenção da exclusão, na intensificação do aumento da

desigualdade social e na repressão aos movimentos populares. É também através

da divisão de trabalho entre Estado, mercado e a família, a qual define o tipo de

Estado de Bem Estar Social brasileiro, que as desigualdades, dessa vez não só de

classe, mas sobretudo de raça e de gênero, em sua interligação e mútua

dependência, se verificam e se realizam, de modo que, se a análise feita nesta

trabalho está correta, as disposições institucionais desse Estado têm não só

produzido desigualdade, mas têm dado legitimidade à ações ilegais de abuso de

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poder, que encontram no padrão de estratificação e exclusão induzidos pelas ações

em que o Estado foi e é um ator relevante o seu locus de legitimação

Bolsões de pobreza, underclasses e o liberalismo.

“Em 1995, pela primeira vez, o número de empregos do chamado setor informal do mercado

de trabalho – composto por assalariados sem carteira de trabalho assinada, trabalhadores por

conta própria e familiares não remunerados – superou o número de empregos do setor

formal, chegando a absorver 55% da população economicamente ativa”.(HASENBALG, C. O

Contexto das desigualdades sociais. In SOUZA, 1997, p.67)

“É de conhecimento público, por um lado, que o índice de Gini de concentração de renda do

Brasil – superior a 0:60 – é um dos mais elevados do mundo; que a média de educação da

população é baixa; que a educação está mal distribuída; e que o desempenho dos

indicadores sociais é baixo para o nível de renda per capita do país”.(Idem, Ibdem, p. 64)

Nos EUA, há uma expressão específica para denominar um segmento da

população que se insere em múltiplas arenas de exclusão social: underclass. Estes

indivíduos são: “membros de famílias uniparentais, têm um vínculo débil com a

escola e dependem, para sobreviver, de programas de assistência social. Quando

essas pessoas se concentram em áreas segregadas geograficamente – os guetos -,

os fatores de exclusão se reforçam mutuamente de tal forma que nem mesmo

períodos de crescimento econômico intenso podem tirá-las da pobreza” (VITA, 2007,

p. 241). Quem é a underclass brasileira?

No Brasil, os sistemas de exclusão social se interpenetram e reforçam

mutuamente, de forma que, na metrópole, 66% dos pobres são negros e pardos e se

localizam nos bolsões de pobreza, mormente dispostos nas franjas da cidade. Esse

contingente não dispõe das qualificações necessárias aos cargos mais bem

remunerados de uma economia que, no caso da metrópole paulista, se torna cada

vez menos industrial e mais caracterizada pelos setores de serviço e unidades

administrativas de plantas produtivas localizadas fora da metrópole. Esse padrão

tem duas implicações:

1) há o aumento da desigualdade social, já que os salários desse setor

tenderão a cair por meio do maior contingente populacional que buscará

empregos nesse setor; e

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2) há o aumento da atividade informal.

Segundo Silva apud Hasenbalg (1997, p.64), pretos e pardos constituem 66%

dos pobres metropolitanos: “a população não-branca está, então, claramente

concentrada nos bolsões de pobreza: no nordeste, particularmente no nordeste

rural, nas periferias das regiões metropolitanas e na rede de cidades pequenas e

médias do interior. A interpenetração das desigualdades raciais com as

desigualdades sociais, econômicas e regionais sugere que, a curto prazo, médio e

longo prazos, políticas destinadas a combater a pobreza e melhorar a distribuição de

renda deverão ter um impacto positivo sobre as desigualdades raciais, mesmo

quando essas políticas não tenham uma inspiração especificamente racial. Visto

pelo ângulo de medidas mais específicas, as desvantagens locacionais da

população preta e parda levam a sugerir a identificação de contextos geográficos

com grande concentração de não-brancos para focalizar gastos sociais,

investimentos educacionais e esquemas de transferência de renda”.

Colocando a questão das democracias latino-americanas: o paradoxo da

democracia sem cidadãos.

A literatura internacional sobre a democracia na América Latina (RATLIFF,

2006; O`DONNELL, 2004; PINHEIRO, 2000) aponta o paradoxo latino americano: o

processo de democratização nessa região é desacompanhado de sua prerrogativa

funcional, o Estado de direito:

Uma característica incontestável da espécie de democracia que a América Latina oferece no

fim deste século é que o comportamento ilegítimo dos agentes estatais é tão difundido que

pode ser considerado uma prática comum do modo de trabalho de muitas organizações

responsáveis pelo cumprimento da lei. Alguns observadores chamam essas violações de

“endêmicas”, uma vez que elas não parecem aumentar nem diminuir com nenhuma mudança

de governo. (MÉNDEZ, 2000, p.34)

Há, segundo Pinheiro (2000, p.12), na experiência democrática latino-

americana, a combinação de uma cidadania política8, que é desacompanhada dos

direitos civis e sociais e que, no conjunto, constituiriam, para o autor, a existência de

8 Um sistema eleitoral democrático

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“democracia sem cidadania”9. A não existência, para a população pobre, do Estado

de direito, implica, assim, numa democracia onde o suposto do the rule of the law

não existe, de forma que se perpetuam e se complementam, assim, pela via da

violência do Estado e para-Estatal, os mecanismos mais amplos de exclusão social:

“Ao se tentar isolar o peso das barreiras discriminatórias nas desigualdades de

resultados, dá-se como suposto que as desigualdades raciais estão imbricadas com

as grandes desigualdades sociais e econômicas vigentes no Brasil. É esta

imbricação que constituí o contexto mais amplo das desigualdades raciais no Brasil”.

(HASENBALG, C. O Contexto das desigualdades sociais. In SOUZA, 1997, p.63)

A proposição redistributiva presente no Pitu (STM-SP, 2006), ao focar na

redistribuição por meio:

1. da fixação da população pobre no entorno das facilidades de transportes

criadas pelo Estado; e

2. na economia de recursos (tempo) por meio da eficiência no transporte

(menor tempo esterilizado no transporte), sobretudo para as populações

que moram na periferia da metrópole,

Significam, assim, proceder a redistribuição por meio das políticas de

transporte. O que o plano não diz, contudo, é quem são as pessoas que habitam a

periferia da metrópole.

Um primeiro passo nesse debate seria perguntar-se quem são, precisamente,

os beneficiados da ação redistributiva proposta no PITU. O plano, contudo, não dá,

em momento algum, uma definição precisa sobre qual seria exatamente o

contingente populacional afetado pelas políticas redistributivas propostas. Eles são,

de forma geral, determinados por características geográficas: a população que

habita as franjas da cidade; a população que habita, circunstancialmente, o entorno

de facilidades de transportes recém criadas (circunstancialmente porque uma vez

inauguradas essas facilidades, essa população é expulsa do local por meio da

especulação imobiliária). Essa população é definida, então, por meio de sua

localização geográfica, sempre indesejada, do ponto de vista do transporte, já que

ela habita regiões distantes do centro e representam, assim, um eterno desafio ao

9“Essas sociedades baseadas na exclusão – em termos de direitos civis e sociais – poderiam ser consideradas “democracias sem

cidadania”. (PINHEIRO, 2000, p.14)

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Estado, na perspectiva do transporte, e por meio de sua suscetibilidade à lógica de

mercado no campo da habitação. O plano não informa, contudo:

a) a renda média da população;

b) o contingente numérico que ela representa;

c) localizações específicas em que se encontram (bairro, região da cidade).

Ao não se pronunciar a esse respeito, os beneficiados ganham, na leitura feita

pelo PITU 2025 (STM-SP, 2006), em relação à sua identidade, um caráter vago e

ambíguo que, em nossa análise, é plenamente consoante a uma política pública

redistributiva não democrática, na medida em que esta política foi decidida a portas

fechadas entre a burocracia do Estado. A indefinição da identidade dos beneficiados

permite que a questão redistributiva possa ser feita exatamente de modo não

democrático, encerrando o debate da redistribuição como uma questão burocrática e

técnica, sem chamar ao debate os agentes beneficiados e a sociedade civil para

uma discussão mais ampla de questões tais quais exclusão social, reconhecimento

e democracia.

Uma pergunta premente, nesse contexto, é: quem habita as franjas da

metrópole? Ou seja, quem são aqueles citados nos estudos do Senado como os

“gestores da ilegalidade”?

Os “gestores da ilegalidade” são precisamente aqueles a quem, por meio do

desrespeito sistemático dos direitos civis e sociais, o Estado tem negado a sua

condição de cidadania. Uma das implicações de viver num país em que o Estado de

direito não se realiza é que, a exemplo do que faz Fry (FRY, 2000, p.208), a

população pode ser categorizada em dois pólos: os que possuem e os destituídos

dos meios de corrupção – corrupção entendida como uma categoria chave do

diálogo, nessas condições, entre Estado e sociedade. A população que habita as

franjas da metrópole são os destituídos dos recursos para a corrupção. Eles são

aqueles a quem, na acepção damattiana, o “dilema brasileiro” condena à condição

de indivíduos, para Da Matta (1997), a gramática social profunda no Brasil implica a

dualidade entre duas modalidades de atores e dois espaços característicos do

diálogo social: há, assim, o indivíduo (que trava relações de impessoalidade) e a

pessoa (que trava relações sociais de compadrio e de amizade); há o espaço da rua

(um espaço impessoal, marcado pela idéia de igualdade e competição entre iguais)

e o espaço da casa (espaço pessoal, da afeição, do particular). A existência e a

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convivência de ambos os espaços e ambos os atores sociais tem implícita a sub-

cidadania dos que são lançados à condição de indivíduos num sistema baseado no

privilégio:

Nas sociedades que se apresentam como democracias liberais, o ideal de igualdade de todos

perante a lei é regularmente ameaçado pela distribuição desigual de poder e influência e pela

hierarquia moral das categorias sociais e grupos com base em características específicas,

reais e assumidas.[…] O Brasil, naturalmente, não é exceção. A riqueza e o poder influenciam

a polícia e as cortes em seu próprio benefício, enquanto o pobre, privado dos meios da

corrupção e incapaz de contratar advogados particulares, pouco pode fazer para se defender.

O potencial para a corrupção da Justiça pelo poder e a riqueza é exacerbado pelo status do

Brasil como um líder da desigualdade da riqueza e da renda.(FRY, 2000, p.208-209)

Assim, diz Dresser apud Ratliff (2006), após dez anos, a América Latina se

tornou mais democrática e mais desigual. Segundo o relatório da Organização das

Nações Unidas (RATLIFF, 2006): “Latin America has achieved electoral democracy

and the basic freedoms that are part of it. Now there is a need to progress to a

citizens´ democracy”. A democracia de cidadão de que fala Ratliff supõe o Estado de

direito, como faz O´Donnell (2004), mas também supõe a redistribuição. O ponto

nevrálgico de O´Donnell, talvez consoante àquele que teria um latino-americano, é

que não podemos esperar a redistribuição acontecer para, então, clamar por Estado

de direito: não é aceitável que a polícia prossiga abusando de seus poderes

enquanto a redistribuição não vem.

Entendendo a desigualdade

Dados do CPDOC10 revelam que apenas 3,6% da população acredita na

igualdade dos indivíduos frente a lei; 93% dos entrevistados acredita que os ricos

são mais imunes aos rigores da lei.

Para Fry (2000), “a população em geral tem pouca fé no Estado de direito”.

Para Adorno apud Fry (FRY, 2000, p.210), há um sistema de provisão desigual na

justiça brasileira em relação às condenações, ao sistema de defesa (público ou

privado), à concessão de habeas corpus e de liberdade condicional, os quais são

enviesados contra as classes pobres, especialmente contra os negros: os negros

10

Pesquisa citada por Fry (2000, p.210).

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são mais frequentemente presos em flagrante delito do que os brancos (58%

negros; 46% brancos); uma maior proporção dos brancos aguarda o julgamento em

liberdade condicional (27% brancos; 15,5% negros); 62% dos negros se valem da

defensoria pública contra 39,5% dos brancos; os brancos se valem mais do direito

de usar testemunhas (42,5% brancos; negros 25,3%); ao final, 68,8% dos negros

são condenados contra 59,4% dos brancos. Assim, afirma Adorno (2000), “negros

tendem a ser mais perseguidos pela vigilância policial, confrontam maiores

obstáculos para ter acesso à justiça criminal e têm mais dificuldade em utilizar o

direito deles a uma ampla defesa, assegurada pelas normas constitucionais (1988).

Como resultado, tendem a receber tratamento penal mais rigoroso, dado que eles

são mais passíveis de serem punidos do que os brancos […]. Tudo parece indicar

[…] que a cor é um poderoso instrumento de discriminação na distribuição da justiça.

O princípio da igualdade de todos perante as leis, independente de diferenças

sociais e desigualdades, parece estar comprometido pelo funcionamento

preconceituoso do sistema de justiça criminal”. (ADORNO apud FRY, 2000, p.211)

Ou seja, o império da lei (the rule of the law) é seriamente comprometido no

Brasil porque a justiça não dá tratamento igualitário a toda a população, o que é

claramente revelado pela maior incidência do flagrante delito entre os membros

negros das classes pobres. Mas esse dado não resume o problema da prerrogativa

democrática do Estado de direito, já que a esse quadro falta inserir os abusos de

autoridades e os crimes praticados pela própria polícia.

Há, na América Latina, “um não Estado de direito para a maioria avassaladora

das não-elites, conjugado com um não-acesso a justiça; um aparelho de Estado não

responsabilizável [non-accountable], frequentemente assolado pela prática da

corrupção e infiltrado pelo crime organizado;” (PINHEIRO, 2000, p.12). Nesse

contexto, a desigualdade pauta e dá razão de ser à discriminação e sub-

reconhecimento da população que habita as franjas da cidade. A unidade

intencionada no plano jurídico e nas proposições da carta constitucional são

ameaçadas pela desigualdade social que assola a região, uma vez que “o contexto

de grandes desigualdades econômicas ampliou a disparidade entre ricos e pobres e

condenou milhares de indivíduos latino-americanos à pobreza e à exclusão social. A

discriminação racial é uma das mais evidentes expressões de acesso desigual a

recursos”. (PINHEIRO, 2000, p.22)

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Assim, dada a historicidade da desigualdade no país, as dificuldades da

efetivação de um Estado de direito e da superação do sub e do não reconhecimento,

nos parece que se o Pitu realmente pretende lidar com a redistribuição, é imperativa

a abertura do processo à participação. Uma política redistributiva pode aumentar o

sub-reconhecimento, fortalecendo, como no caso americano, a exclusão e

estigmatizando tal população de forma a prendê-la numa situação em que nem

períodos de crescimento econômico elevados podem tirá-las de sua situação (de

underclass). Sobre esse ponto é importante ressaltar os valores liberais de

igualdade de oportunidade: como assegurá-la sem a superação da exclusão e do

reconhecimento? Ou mesmo, como efetivar o Estado de direito no país em meio a

um acordo social generalizado de sub-reconhecimento e sub-cidadania? Resta-nos

perguntar: que liberalismo é esse?

Democratizar a redistribuição

Pode parecer um contra-senso ou mesmo um paradoxo pensar que políticas

públicas que se propõem redistributivas precisem ser democratizadas. Em países

em que a distribuição de renda é tão perversa, como é o caso brasileiro, a miragem

da redistribuição condensa e dá materialidade conceitual à ambição e desejos mais

profundos de substantivar a experiência democrática atual. A efetivação da

redistribuição é, talvez, o grande desafio do país após sua redemocratização.

Políticas redistributivas, contudo, podem servir a muitos propósitos e nem

todos eles são positivos do ponto de vista do aprofundamento da democracia. O

relevante não é negar os benefícios democráticos da redistribuição, mas, apontar

que o viés distributivo pode inclusive ser usado para a manutenção e a legitimação

de políticas redistributivas que não aprofundam a experiência democrática, seja do

ponto de vista do fechamento do processo de formulação, implementação e

avaliação de políticas ao diálogo social institucionalizado, seja por meio do sub-

reconhecimento a certa população das comunidades de políticas, na medida em que

o poder público as define não em sua acepção de direitos (de uma situação de se

ser sujeito de direitos, os quais são legalmente assegurados em nossa carta

constitucional), mas, antes, por meio da caracterização de uma dada população a

partir de suas deficiências e fragilidades sociais, de forma que essa população é

identificada, no processo de produção de políticas, como um problema – problema

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aqui é ser parte de um conjunto de demandantes insaciáveis do Estado –, em

relação ao qual caberia ao poder público “sanar”.

Mesmo que a redistribuição faça parte de qualquer “projeto democrático

substantivo”, é preciso diferenciar “justiça distributiva” de “democracia substantiva”

ou proceder a diferenciação de justiça distributiva dos instrumentos de

aprofundamento (participação, deliberação) da democracia. Uma política pública

redistributiva pode ser feita sob bases não democráticas, por meio de reuniões à

portas fechadas dos considerados “cabeças de chave” da burocracia do Estado e do

executivo da situação, sem que, em momento algum, haja participação direta,

consulta ou deliberação por parte da sociedade civil. Ou seja, é possível haver

redistribuição sem que haja, com isso, aprofundamento da democracia (o que se

dizia, nos idos de 60, como “democratização por via autoritária”). Como já foi

exposto acima, é perfeitamente possível que uma política redistributiva implique em

impingir doses extras de sub-reconhecimento sobre uma dada população, ao colocá-

las como “demandantes sem cessar” dos recursos (escassos) do Estado.

Os Estados de Bem Estar Social (welfare states) europeus, aliás, são

criticados por despolitizarem a redistribuição ao ponto de fazê-la convergir e coincidir

com uma acepção asséptica e tecnicista de política:

With many critical theorists and democratic theorists, I criticize welfare capitalist society for

depoliticizing the process of public policy formation. Welfare state practices define policy as

the province of experts, and confine conflict to bargaining among interest groups about the

distribution of social benefits. The distributive paradigm of justice tends to reflect and reinforce

this depoliticized public life, by failing to bring issues of decisionmaking power, for example,

into explicit public discussion. Democratic decisionmaking processes, I argue, are an

important element and condition of social justice. (YOUNG, 1990, p. 10)

Assim, tendo em vista esta diferenciação entre redistribuição e

democratização, a questão analisada aqui não é, portanto, a desejabilidade da

realização de um plano redistributivo, mas sim ponderar as virtuosidades e

limitações de um plano como esse tendo-se em vista a qualidade da democracia

(O´DONNELL, 2004), tanto do ponto de vista do aprofundamento democrático,

quanto do ponto de vista do reconhecimento.

Apontar o preço da redistribuição sem democracia, sem elucidar por que o

atual PITU mantém-se insulado, no sentido negativo do termo, seria elaborar uma

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crítica - ainda que necessária - incompleta e ingênua. As razões do fechamento do

plano e de seu modelo de gestão centralizado e tecnicista (que, na ciência política,

chamamos por racional-abrangente) são estudadas abaixo: começamos por delinear

as origens do atual plano e as razões históricas e políticas de seu fechamento.

É importante ressaltar que, no caso da política de transporte, não há um

elemento único que responda sozinho à mudança paradigmática atualmente em

curso na gestão dos transportes: uma série de fatores deve ser levada em conta

para dar conta da atual conformação da gestão do transporte na RMSP. Assim, é

preciso destacar que o governo do estado de São Paulo realiza atividades de

planejamento e detecção de demanda por transporte desde 1967, bem como, em

relação ao atual PITU 2025 (STM-SP, 2006), é preciso frisar que parte do que

poderíamos chamar de “virada” na questão dos transportes foi realizada na edição

anterior do PITU 2020 (STM-SP, 2000), ocasião na qual o secretário dos transportes

metropolitanos foi um elemento aglutinador e central para que a gestão dos

transportes na RMSP ganhasse as feições atuais.

Há também, no sentido do amaciamento da opinião pública, dos políticos e da

burocracia de Estado, um elemento fundamental que preparou o terreno para que o

transporte ganhasse visibilidade e importância na agenda do governo do estado de

São Paulo: há anos urbanistas e estudiosos da economia do transporte vêm

alertando para o eminente colapso do sistema de transporte na RMSP, sobretudo a

partir da redução da velocidade média de circulação dos veículos sobre rodas e do

esgotamento da capacidade do transporte sobre trilhos nos horários de pico (STM-

SP, 2006). Em relação a estes pontos, as atividades de monitoramento e

dimensionamento da demanda, realizadas de forma sistemática pela STM-SP foi

fundamental, no sentido de que a alta burocracia ligada á área do transporte já

estava cônscia da necessidade de mudanças na gestão do transporte.

Também é importante, nesse intento, compreendermos que o sucesso do

PITU 2020 e PITU 2025 em articular-se com as demais burocracias ligadas ao

transporte ao nível dos municípios (39 municípios) que compõem a RMSP foi

fundamental para que o plano tenha ganhado o seu atual porte, ainda que o mesmo

sucesso não tenha sido replicado ao nível do legislativo estadual: o projeto de lei

complementar para a gestão da RMSP, um ponto considerado, no PITU 2025, como

sendo da mais alta importância para a implementação das ações propostas no

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plano, enviada em 2005, pelo então governador Geraldo Alckmin, tramita nas

comissões da ALESP, para apreciação desde maio de 2005 (projeto de lei que visa

a criação de uma entidade autárquica e de suas câmaras temáticas para a RMSP

(PLC 006/2005)).

O consenso obtido junto a executivo e burocracia municipais, bem como de

outras agências ligadas ao planejamento envolveu uma série de atividades, tais

como seminários e palestras técnicas em que estiveram presentes membros da

burocracia ligada à transporte, planejamento urbano e habitação dos municípios,

além dos executivos municipais e do Consórcio Municipal do Grande ABC. Essa

rede institucional de solidariedade em relação ao plano foi criada por meio dessas

atividades de formação e discussão, que abarcaram as áreas temáticas de

transporte, os modelos de uso e ocupação do solo e de planejamento metropolitano.

Os atores desse processo de geração de consenso e viabilização política do

PITU são: EMPLASA (Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano S.A.), STM-

SP (Secretaria dos Transportes Metropolitanos), CPTM (Companhia Paulista de

Trens Metropolitanos), METRO (Companhia do Metropolitano de São Paulo), EMTU

(Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos S.A.), SEP (Secretaria de

Economia e Planejamento), Secretaria Municipal de Transportes de São Paulo

(SMT), SEMPLA (Secretaria Municipal de Planejamento), CET (Companhia de

Engenharia de Tráfego), SPTrans (São Paulo Transportes), CDHU (Companhia de

Desenvolvimento Habitacional Urbano, Empresa Municipal de Urbanização

(EMURB), representantes dos executivos municipais e do Consórcio do Grande

ABC. Sendo que, destes, destacam-se a STM-SP, o executivo estadual e a

burocracia da CPTM, METRO e SPtrans.

Não foram convidados os membros dos executivos anteriores nos níveis

municipal e estadual, assim como não houve deliberação pública (popular) acerca

dos transportes, do uso e ocupação do solo e sua gestão. Nesse sentido, os

transportes permaneceram como uma questão fechada, a ser resolvida por

especialistas, técnicos e membros da burocracia estadual, municipal e do executivo

da situação. A dificuldade na obtenção de consenso, ao nível legislativo, acerca dos

instrumentos legais para a gestão da região metropolitana pode ser atribuída, em

parte, a esse fechamento do processo de formulação da política de transporte ao

diálogo com as entidades da sociedade civil.

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O governo do estado de São Paulo herda, do período militar, uma visão acerca do

planejamento que contempla uma ambição a qual pode ser entendida na perspectiva

da abordagem centralizada (abordagem racional-abrangente) dos ciclos de políticas

públicas: o uso de indicadores e dos processos de monitoramento das políticas

públicas, nesse intento, serve à pretensão da suficiência do planejamento no sentido

de modular e prever o comportamento do tecido social.

Num contexto ditatorial, o consenso democrático deu lugar a adoção de um

alto-modernismo marcadamente tecnicista e planejador, alinhado com a supressão

dos movimentos sociais e a conquista do crescimento econômico por meio de ações

“planejadas”. Tal articulação foi feita por intermédio do Estado Burocrático Autoritário

que, como diz Fernando Henrique (CARDOSO & FALETTO, 2004), promoveram

crescimento econômico por meio de um modelo de desenvolvimento associado e

dependente, mediante a renovação e acentuação dos mecanismos de exclusão e

repressão social sob controle estatal.

A gestão dos transportes e a dificuldade (democrática) legislativa: o problema

do consenso político.

A visão de planejamento herdada do período militar, uma forte burocracia na

área de transportes que adere parcialmente a essa visão, a força atingida pelo PITU

2020, o qual ganhou prêmios internacionais e tornou-se publicação de livro,

assumindo, o então secretário da STM-SP, após a sua gestão, a vice-presidência da

Associação Nacional dos Transportes Públicos, a emergência do problema do

transporte, sobretudo a partir da redução da velocidade dos veículos sobre rodas e

do esgotamento do transporte sobre trilhos (STM-SP, 2006), na agenda do executivo

(devido ao alto preço político referente a não solução ao problema), que levou o

governador da época (Geraldo Alckmin) a enviar um projeto de lei complementar

para a ALESP que efetiva o disposto na Constituição Estadual quanto a criação de

uma entidade gestora da RMSP, nos leva a crer que a adoção de um processo de

formulação fechado, a despeito de sua inspiração na sustentabilidade, na cidadania

(democracia), foi o acordo possível entre os atores da burocracia de transporte, o

executivo da situação e a STM-SP. O processo foi bem sucedido do ponto de vista

da geração de consenso entre a burocracia municipal de transportes e os executivos

municipais, mas pecou ao não abrir a discussão de um problema complexo e

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passível de inúmeras configurações, bem como da adoção de inúmeras alternativas,

à participação da sociedade civil, de forma que um acordo ao nível legislativo nunca

saiu (o projeto de lei continua, desde seu envio, em discussão). A lição de Lindblom

(2000), cabe aqui como uma luva: o autor critica a proposição racional abrangente

dada as características do processo de produção de políticas em contextos

democráticos: a crítica de Lindblom (2000) à abordagem racional-abrangente se

insere, então, numa reflexão acerca das particularidades do domínio da política em

contexto democrático. A democracia é tomada como o contexto institucional em que

se inserem os atores envolvidos na feitura das políticas públicas; este contexto

institucional molda o universo de possíveis das práticas envolvidas no processo de

gestação de uma política pública, de modo a constranger as estratégias adotadas

pelos atores que, diferentemente da visão racional-abrangente acerca da

administração pública, não operam num ambiente livre de restrições de ordem

política.

A consideração do contexto institucional e uma compreensão da salutaridade

dos mecanismos difíceis e tortuosos com que opera a democracia são de suma

importância, pois:

Como a literatura neo-institucionalista nos ensinou já no início dos anos 1980, os atores não

atuam em um vácuo […]. Os atores situam-se em contextos institucionais específicos

compostos por regras de funcionamento da política estabelecidas em normas informais, no

direito positivo e em formatos organizacionais específicos (SKOCPOL, 1985). […] No caso

específico do desenvolvimento de políticas públicas, a importância das normas legais e dos

formatos institucionais e organizacionais é fundamental (SKOCPOL, 1992). Esse conjunto de

regras legais e desenhos organizacionais compõem o contexto institucional em que ocorre

uma determinada dinâmica política. (MARQUES, 2006)

No caso da nova concepção (inter-setorial) do transporte ao necessitar de

diversas esferas de criação de consenso e por ser questão complexa, poderia, como

aprendemos em Lindblom (2000), ser facilitada por mecanismos abertos, relativos

ao jogo democrático, durante o processo de formulação da política.

No caso estudado, contudo, a produção de políticas (sua formulação) a partir

de um modelo fechado e centralizado (nesse caso, racional-abrangente) encontra

substrato institucional nas instituições herdadas do período militar e nas práticas da

burocracia formada nesse período, a qual ainda está parcialmente na ativa, bem

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como no fato de que esta mesma burocracia institui padrões de interpretação acerca

do papel e da função da burocracia (mapas mentais) a partir da ótica da

centralização do processo de produção de políticas, da confiança na suficiência da

técnica e da expertise no processo de produção de políticas, que constituí a tradição

paulista em transporte.

A opção racional-abrangente do padrão de produção de políticas na área de

transporte, no contexto metropolitano paulista, é bastante coerente com essa visão

acerca do processo de produção de políticas, ao ignorar, num contexto pós-retorno à

democracia, a necessidade de obtenção de consenso político (legislativo, sobretudo)

e público (por meio de instâncias de participação popular, sejam elas deliberativas

ou consultivas) e de ganho de legitimidade, para que as ações do porte daquelas

intentadas pelo PITU 2025 (STM-SP, 2006) possam ser feitas a contento. A

redistribuição proposta pelo plano precisaria, paradoxalmente, ser democratizada,

de modo a aprofundar a experiência democrática atual.

A dificuldade apresentada no PITU 2025 sobre a factibilidade das ações a que

se propõe o plano e o malabarismo feito pelo executivo estadual para, por meio de

estratégias denominadas “mínimas” (conjunto de ações do governo no campo do

transporte que independe dos marcos jurídicos inéditos, buscados pelo plano no

campo da estratégia denominada “complementar”), levar a contento um conjunto de

ações que dependem não somente da expertise técnica, mas de formas de geração

de consenso e de instâncias participativas para ganho em legitimidade e força

política, de forma a vencer a etapa legislativa representam o preço a se pagar, no

contexto da atual política estadual de transportes metropolitanos, em relação ao

fechamento do processo de produção de políticas num modelo racional-abrangente

de configuração do problema, elaboração de alternativas, escolha de alternativas,

implementação e avaliação de políticas.

CONCLUSÃO

As Regiões Metropolitanas concentram e potencializam todos os problemas

inerentes às grandes cidades, seja em função das grandes desigualdades na

distribuição de renda, da insuficiência de planos, da deficiência de um planejamento

estratégico, ou da falta de políticas que orientem um crescimento sócio-econômico.

Contudo, estas regiões detêm características produtivas e de pujança que, tratadas

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com habilidade, podem transformá-las em agentes e componentes principais do

desenvolvimento social e econômico do Estado e da própria União (PPA-SP 2004-

2007).

“Tendências latentes foram aguçadas, e assim, deseconomias decorrentes da concentração

desordenada tornaram os custos imobiliários, de transporte, de mão de obra e outros,

proibitivos, especialmente na Região Metropolitana de São Paulo, tornando-a pouco atrativa

para novos investimentos nos setores industriais tradicionais.

Mesmo negócios já consolidados, preocupados em reduzir custos e aumentar sua

competitividade deixaram essas regiões, localizando-se no interior do Estado ou em outras

regiões do país. Houve uma continuidade e aprofundamento da desconcentração das

atividades produtivas. No entanto, por não ter sido feita organizadamente e, além disso, em

meio a sucessivas crises econômicas que impediram a retomada de um crescimento

sustentado, essa desconcentração acabou gerando novos problemas, principalmente de

desemprego e, conseqüentemente, de aumento das desigualdades sociais. Não se realizou a

expectativa de que se chegasse a „desafogar‟ as regiões metropolitanas.

Em meio a esse processo, por si já bastante intenso e de complexa gestão, as dificuldades

econômicas pelas quais o país vem passando neste início de milênio, explicitadas

especialmente pela dificuldade de retomar o crescimento de forma sustentada, atingem essas

regiões de forma intensa, agravando os problemas e tornando ainda mais prementes as

políticas públicas para sua solução. (PPA-SP 2004-2007)”

A necessidade premente de institucionalização de uma entidade gestora que

atenda às prerrogativas legais vigentes se agravou com a edição do Estatuto da

Cidade, Lei Federal nº 10.257 de 10 de julho de 2001, que, apesar de mencionar a

necessidade de articulação entre os municípios, a existência de uma entidade

gestora da Região Metropolitana e a criação de uma nova Região Metropolitana por

parte do Estado, atribuiu aos municípios a competência, por meio de seus planos

diretores (MAGLIO, 2006, p.108), de :

1. fornecer condições para a regulação do sistema fundiário;

2. assumir a responsabilidade pelo uso do solo; e

3. regulamentar as questões de funções sociais das propriedades

circunscritas nos municípios.

A autonomia municipal estabelecida no Estatuto da Cidade adentrou no

universo de funções públicas de interesse comum instituídas pelos instrumentos

legais estaduais e federais, trazendo um cenário de maior desagregação, prejuízos

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para possíveis articulações e agravamento dos problemas metropolitanos ao criar

uma figura de “competição” pelo poder e pelo domínio de determinados setores

entre municípios, constituídos e consolidados, com entidades gestoras não

instituídas ou precariamente instituídas e não consolidadas, acentuando, com isto, a

morosidade no tratamento e implementação de soluções.

A ausência de um gestor institucionalizado ativo e os problemas advindos de

tal ausência são refletidos em todos os setores da metrópole, em articulações

setoriais específicas de estado-município e de município-município, onde exemplos

como o do Rodoanel Metropolitano, implantado sob a coordenação da Secretaria

Estadual de Transportes e pela DERSA - Desenvolvimento Rodoviário S.A (empresa

estatal), mostram a aplicabilidade de uma solução não articulada e da falta de um

planejamento estratégico metropolitano que esteja voltado para o desenvolvimento

econômico, social e urbano dos municípios adjacentes.

“A institucionalização da gestão metropolitana para o planejamento das funções comuns, em

especial a questão dos transportes metropolitanos e das redes de infra-estrutura, com

destaque para o Rodoanel Metropolitano, permanece em aberto, assim como as dificuldades

e limitações de articulações bilaterais entre órgãos setoriais estaduais com os municípios e

com a sociedade civil no âmbito da execução dos projetos de interesse metropolitano.”

(MAGLIO, 2006, P.112)

Contudo, algumas experiências setoriais isoladas acabam gerando resultados

expressivos e satisfatórios, como o caso do Comitê de Bacia Hidrográfica do Alto

Tietê, parte do sistema para assuntos hídricos, instituído sob respaldo da Lei

Estadual nº 7.663, de 30 de dezembro de 1991, que estabelece orientação para a

política estadual sobre recursos hídricos, e consagrado pela Lei Federal nº 9.433, de

8 de janeiro de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos. O

Comitê de Bacia, uma instância colegiada tripartite, que conta com representantes

do governo estadual, dos governos municipais e da sociedade civil, tem sido o elo

de integração para as discussões e elaboração do sistema de planejamento para a

Região Metropolitana, gerando, entre outras ações, leis específicas para proteção de

mananciais (caso das represas Guarapiranga e Billings) (MAGLIO, 2006, p.111).

Além da incorporação de representantes municipais, no caso de São Paulo foram

incorporados os representantes de subprefeituras inseridas em áreas de

mananciais, mostrando com isso a eficiência na articulação dos atores envolvidos

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com o tema. Porém, o sucesso de ações isoladas e setorizadas, não se apresenta

como a melhor solução para os problemas metropolitanos, pois peca pela falta de

articulação e integração intersetorial e para o estabelecimento de um planejamento

abrangente e eficiente para a RMSP, que inclusive são exigências previstas no

Plano Plurianual estadual.

Um provável caminho, pouco democrático, seria o uso da força política e da

pujança do “capital do estado”, onde as questões metropolitanas se desdobram com

maior intensidade, como o caso dos transportes e a circulação viária metropolitana,

e cuja dependência econômica do estado e da união são manifestas. Outro

caminho, também pouco democrático, poderia vir de uma ação articulada entre a

união e o estado (o “braço forte” do governo), seja por decreto ou por lei, instituindo

efetivamente uma entidade para gestão, dando-lhe poderes para planejar e executar

ações relacionadas às questões metropolitanas em sua esfera de competência.

Na França, por exemplo, existem as instituições intermunicipais com sistema

eleitoral próprio para eleger seus representantes e conselhos para tratar de

questões metropolitanas e decisões sobre projetos, entre outras atribuições. O

modelo francês de administração prevê, em sua legislação federal, apoio financeiro

para a institucionalização de uma entidade, bem como os apoios políticos e

administrativos do governo federal para que exerça suas funções, reduzindo-se as

intempéries causadas por conflitos de interesse (MAGLIO, 2006, p.110).

Apesar do exemplo francês, os problemas oriundos de uma grande Metrópole

exigem constantes adaptações de seus planos e ações, uma realidade mundial

constatada em regiões européias do entorno de grandes capitais como Berlim,

Londres e até a própria Paris, e em Metrópoles regionais como Barcelona, Milão,

Lyon, Roterdã, entre outras (PPA-SP, 2004-2007). Contudo, para que as ações

tenham sucesso efetivo, as metrópoles carecem de investimentos que transformem

de maneira concreta e desenvolvam o padrão de vida urbano. Sob esta ótica, as

ações intersetoriais articuladas e integradas podem gerar o equilíbrio entre setores

mais e menos desenvolvidos.

“Vale lembrar algo simples que muitas vezes perdemos de vista: a qualidade urbana é

resultado da clássica, e sempre complexa, conjugação entre a oferta de serviços de infra-

estrutura básica (água e esgoto), de infra-estrutura viária, de transporte público, de sistemas

de telecomunicações e de variadas formas de informação. Acrescente-se ainda a presença

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de recursos humanos qualificados e centros de ensino e pesquisa atuantes.” (PPA-SP 2004-

2007)

Alaor Caffé Alves (1981) apresenta uma relação de cinco formas institucionais

básicas de organização metropolitana que praticamente englobam as formas

existentes:

“a) criação de um ente político-administrativo autônomo sem eliminar os entes locais;

b) fusão dos municípios;

c) criação de unidades metropolitanas setorizadas, com autonomia administrativa e

financeira;

d) cooperação voluntária entre os municípios da mesma região, mediante a celebração de

convênios;

e) atribuição legal da responsabilidade de decisão a respeito dos problemas metropolitanos à

esfera governamental intermediária (o Estado-membro, em nosso caso), acima dos

municípios e abaixo do poder central, objetivando a unificação e a cooperação dos órgãos e

entidades executivas dos programas metropolitanos.” (ALVES, 1981)

Segundo ele, a grande maioria de metrópoles combina duas ou mais formas

em um modelo de gestão misto, enquanto que no Brasil o modelo mais adotado é o

que consta na letra “e” e que tem se mostrado ineficaz ao longo do tempo.

Exemplificando os modelos mistos, temos:

a) Cidade do México adota uma combinação dos modelos “d” e “e”;

b) São Francisco (EUA) e Washington (EUA), adotam a combinação entre os

modelos “c” e “d”;

c) Atlanta (EUA), semelhante ao Brasil, o sistema adotado é o “e”, mas com

enfoque executivo mais efetivo;

d) New York (EUA) adota a combinação entre os modelos “c”, “d” e “e”;

e) Toronto (Canadá) e Paris (França) adotam o modelo “a”;

f) Londres (Reino Unido) adota combinação dos modelos “a” e “b”;

g) Roma (Itália) e Marseille (França) adotam o modelo “d”;

h) Madrid (Espanha) adota combinação dos modelos “a” e “e”.

Na esfera Nacional, a principal característica das metrópoles brasileiras, com

relação à gestão, é a fragmentação administrativa, notadamente oriunda da

ausência de uma instância que articule e conjugue os municípios metropolitanos, os

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setores produtivos da sociedade, o Estado e a própria União, que em muitos casos

existe, mas não atua de forma efetiva.

“A capacidade de gestão e a governabilidade das metrópoles dependem hoje do

fortalecimento e redefinição de entidades metropolitanas já existentes. Essas novas formas

de gestão devem ser formuladas a partir da revisão, atualização e modernização tanto das

formas de associação intermunicipal como de articulação entre as esferas governamentais,

aprofundando os procedimentos de cooperação em face de problemas comuns, cujas

soluções se mostram mais racionais se enfrentadas conjuntamente.” (PPA-SP, 2004-2007)

Sob uma ótica jurídica, por mais simplista e óbvia que possa parecer, a

afirmação de Guimarães (2004) aponta um fundamento básico que poderia ser visto

como o diferencial para a viabilização da criação de uma entidade gestora:

“políticas de base territorial estadual devem ser executadas pela autoridade estadual, as de

base municipal, pela autoridade municipal e, consequentemente, as de base territorial

metropolitana, devem ser executadas por uma autoridade metropolitana. Sem autoridade

metropolitana competente política, administrativa e financeira não há gestão metropolitana.”

(GUIMARÃES, 2004)

Como o sistema federativo estabelece três níveis de autoridade territorial, ou

seja, três esferas públicas, Federal, Estadual e Municipal, a criação de um ente

público para gestão de uma Região Metropolitana, como vem sendo determinado e

formalizado através dos instrumentos legais promulgados, incluindo-se o vigente,

acaba se situando entre as esferas Estadual e Municipal, mas sem o respaldo de

uma autoridade política situada no mesmo nível. A criação de uma esfera

intermediária, no cenário brasileiro, tem uma possibilidade muito remota de

acontecer, pois suscitaria mudanças constitucionais politicamente insociáveis

(GUIMARÃES, 2004).

É praticamente impositiva a comparação da evolução das políticas públicas

para a RMSP, onde a insistente adoção de modelos que prevêem a

institucionalização de uma entidade gestora vem acontecendo ao longo do tempo,

com a conceituação de path dependency (rota dependente) ou retornos crescentes

(increasing returns), tendo em vista que as definições do passado, desencadeadas

num período de governo militar ditatorial, continuam influenciando as definições de

políticas públicas no presente, no qual estamos inseridos num regime

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redemocratizado (SOUZA, 2003). Explorando ainda mais o conceito, não podemos

relacionar o Path Dependency, somente com a importância dos fatos históricos e

situações do passado que perduram. No caso das esferas públicas e as respectivas

questões metropolitanas, no Brasil, são caminhos e soluções que, ao serem

estabelecidos, geram custos muito altos, impelindo a viabilidade na adoção e

promoção de mudanças, ou que provocam conflitos intransponíveis no meio político

e social (LEVI, 1997).

Finalizando, as questões metropolitanas só serão efetivamente encaminhadas

para soluções plausíveis quando mecanismos de solidariedade e cooperação entre

os entes federados ampliarem a capacidade de pactuação desses; seja

intermediada pela figura forte de uma instância de decisão colaborativa e

participativa, abarcando todos os atores envolvidos, equacionando os problemas de

articulação entre duas esferas públicas distintas (Estadual e Municipal), com

autonomia para executar ações e propor soluções que atendam aos anseios da

sociedade civil e que impeçam o agravamento e a proliferação de problemas; ou a

adoção de um novo modelo de gestão que não seja dependente de uma entidade

gestora com poderes e competência delegada para articulações com todos os atores

envolvidos.

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