randolph frederich rodrigues alves - … · transformar isso numa república verdadeira ......
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EXCELENTÍSSIMA SENHORA PRESIDENTA DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL
“O clamor por justiça que hoje se ouve em todos os cantos do
País não será ignorado em qualquer decisão desta Casa. [...]
Não seremos ausentes aos que de nós esperam a atuação
rigorosa para manter sua esperança de Justiça. Não seremos
avaros em nossa ação para garantir a efetividade da
Justiça”
(Trecho de discurso da Min. Carmen Lúcia, Presidente do
STF, durante sessão de encerramento das atividades da Corte,
em 30/06/2017)
“O que nós precisamos é acabar com os privilégios e
transformar isso numa República verdadeira[...]
Quero mudar o Brasil, não me mudar do Brasil. [...]
Se as coisas não mudam, eu tenho que mudar para que o tempo
não aconteça sem mim. [...]
Uma sociedade tem o direito de abrir mão de valores éticos em
nome de interesses pessoais?"
(Trecho de discurso da Min. Carmen Lúcia, Presidente do
STF, durante seminário "Mitos e Fatos", em São Paulo, em
16/08/2017)
RANDOLPH FREDERICH RODRIGUES ALVES, brasileiro, Senador da República
pela REDE/AP, domiciliado no Edifício do Senado Federal, Ala Teotônio Vilela,
gabinete 7, Brasília, DF (doc.1); vêm, respeitosamente, por meio de seus procuradores
infra-assinados, conforme instrumento de mandato anexo (doc.2), com endereço
profissional sito ao Setor de Autarquias Sul, Quadra 1, Lote 2, Bloco N, Ed. Terra Brasilis,
Sala 412, Brasília-DF, CEP nº 70.070-941, local que indica para receber as intimações e
notificações de praxe, com fundamento nos artigos 2º e 5º, inciso LXIX, todos da
Constituição Federal, impetrar
MANDADO DE SEGURANÇA
(com pedido de medida liminar inaudita altera pars)
Preventivamente contra fundado receio da prática de ato do EXMO. SR. PRESIDENTE
DO SENADO FEDERAL, com sede legal no Palácio do Congresso Nacional, Praça dos
Três Poderes, Brasília, Distrito Federal, CEP: 70160- 900, pelas razões de fato e de direito
a seguir expendidas:
I - DOS FATOS
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Após o episódio dramático que se seguiu à aplicação de medidas cautelares
diversas da prisão ao Senador AÉCIO NEVES DA CUNHA, em que facções do Senado
Federal ameaçaram se rebelar contra o aludido decreto judicial, transformando a
delinquência pessoal de um parlamentar em uma gravíssima crise entre Poderes da
República, os desdobramentos do caso Aécio parecem estar longe de apontar para
uma solução nos trilhos do [combalido] Estado Democrático de Direito pátrio.
Isso porque, mesmo após a Corte se mostrar, por apertado placar, refratária à sua
própria secular linha jurisprudencial restritiva no que tange à interpretação das
imunidades parlamentares (que jamais podem ser confundidas com privilégio pessoal do
mandatário), entendendo suscetíveis de deliberação suspensiva pelas Casas
parlamentares a que pertencerem os acautelados mesmo as medidas cautelares
diversas da prisão, o Senado se conflagra para um novo episódio de enfrentamento à
autoridade do Poder Judiciário: o Senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), ora autoridade
coatora, deu declarações à Imprensa de que pretende realizar tal deliberação
suspensiva por meio do famigerado e antidemocrático voto secreto.
Segundo o veículo Estadão1, que goza de inconteste prestígio dentre os veículos
tradicionais de imprensa e de meridiana postura editorialista pró-Aécio2 (nesse caso
específico da votação suspensiva das cautelares), “Senadores intensificaram a
articulação por uma votação secreta para deliberar sobre as medidas cautelares e o
afastamento impostos ao senador Aécio Neves (PSDB-MG). O tema está em discussão
pela cúpula do Senado e tem como objetivo diminuir o desgaste de senadores que
pretendem reverter a suspensão das funções parlamentares do tucano”.
O aludido veículo da grande mídia vaticinou ainda que o Presidente Eunício
Oliveira (PMDB-CE), ao comentar a discussão sobre o sigilo da deliberação, declarou
expressamente que pretende “Seguir o regimento e a Constituição, e respeitar e
1 Disponível em http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,senado-articula-votacao-secreta-em-caso-de-
aecio,70002041782, acesso em 15/10/2017, às 22h07. 2 A propósito do tema, são ilustrativos os editoriais “Em nome da Lei, o arbítrio”, disponível em <
http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,em-nome-da-lei-o-arbitrio,70001841928>, acesso em
15/10/2017, às 22h02, bem como o “Adoradores do infortúnio”, disponível em <
http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,adoradores-do-infortunio,70002038069 >, acesso em
15/10/2017, às 22h07.
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proclamar o resultado livre do plenário, que é soberano, é meu dever como presidente
(do Senado)”.
Ora, a determinação do Regimento Interno daquela Câmara Alta caminha justo
no sentido de estabelecer que tal votação se dê de modo secreto. Assim, segui-lo
implica renunciar à norma constitucional de regência. Isso porque a referida norma
interna - Resolução do Senado Federal nº 93, de 1970 - é anterior à própria Carta Magna
- promulgada em 5 de outubro de 1988 - e prevê em seu art. 291, I, “c”3, que a votação
que resolva sobre prisão parlamentares - art. 53, § 2º, da Carta Magna4 - deve se dar de
modo secreto.
Paralelo a essa controvérsia, a Justiça Federal de Brasília concedeu liminar, no
bojo de ação popular, interditória de qualquer votação secreta quanto à conveniência
política das cautelares impostas ao senador Aécio Neves (PSDB-MG). Entretanto, com
uma rebeldia e desassombro que lamentavelmente não são inéditos, facções senatoriais
ameaçam sequer considerar a referida ordem judicial. Segundo o veículo O GLOBO5:
“A determinação irritou o comando da Mesa do Senado, que já fala em sequer
receber a notificação sobre a decisão do juiz. Parlamentares acusaram o Judiciário
de mais uma vez interferir nas competências do Poder Legislativo e criticaram o
fato de um juiz de primeira instância "palpitar" sobre questões internas do
Parlamento”.
O mesmo veículo prosseguiu sustentado a manifesta intenção de setores do
Senado Federal de sequer considerar o interdito liminar do juízo singular:
“Aliados de Aécio defendem que a votação sobre o caso seja sigilosa, para facilitar
um voto favorável ao tucano sem desgaste perante o eleitorado. Se for mantida a
3 REGIMENTO INTERNO DO SENADO FEDERAL:
Art. 291. Será secreta a votação:
I - quando o Senado tiver que deliberar sobre:
[...]
c) prisão de Senador e autorização da formação de culpa, no caso de flagrante de crime inafiançável (Const.,
art. 53, § 2º);
4 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões,
palavras e votos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
[...]
§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em
flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa
respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
5 Disponível em https://oglobo.globo.com/brasil/senado-ameaca-nao-cumprir-decisao-da-justica-sobre-
aecio-21948307#ixzz4vcWpBq00, acesso em 15/10/17, às 20h59.
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decisão judicial, ela pode dificultar a vida de Aécio e desequilibrar a balança, que
pendia em favor do senador. A decisão sobre a forma de votação, no entanto, ainda
não foi tomada pelo Senado. A Mesa deve se reunir amanhã para deliberar sobre
isso.
- Desde quando juiz de primeira instância decide sobre o Poder Legislativo? Todos
nós devemos respeitar a independência entre os poderes e a Constituição. Não
vamos nem receber (a decisão do juiz) - afirmou um senador da cúpula, sem
esconder a irritação.”
Ao que parece, à semelhança do caso do então Presidente do Senado Federal
Renan Calheiros (PMDB-AL)6, que, na ocasião, fora afastado da presidência do
parlamento federal por liminar monocrática do Ministro Marco Aurélio de Mello, os
senadores esperavam que o próprio e. STF revogasse as medidas acautelatórias
impostas ao parlamentar mineiro.
Esse “erro de cálculo” resultou numa derrota acachapante da tese segundo a qual
os parlamentares seriam imunes a qualquer sorte de medidas cautelares diversas da
prisão: apenas o Ministro Marco Aurélio aquiesceu a esse entendimento. O e. STF, ao
contrário, até acedeu ao entendimento de que as Casas, em salvaguarda da
independência do Parlamento, podem relaxar as medidas judiciais impostas, pelo
voto ostensivo da maioria absoluta de seus membros, por placar de 6x5, que direta ou
indiretamente impliquem prejuízo à atuação parlamentar do acautelado, mas
igualmente entendeu, de outra banda, por 10x1, que tais agentes políticos, submetem-
se, sim, a tal sorte de acautelamento extraordinário.
Ao que parece, os parlamentares assimilaram certo “mimetismo institucional”
quanto ao roteiro para se descumprir decisões judiciais que os desagradem
majoritariamente. Tanto no episódio que envolvera o Senador Renan Calheiros, quanto
no presente caso do Senador Aécio Neves (inclusive no tocante à liminar do juízo singular
subalterno, nos autos de ação popular), a estratégia política de confronto entre Poderes
transparece ser o “passe” para o abismo do imponderável, do campo em que decisões
judiciais possuem mero apelo estético para facções parlamentares insubmissas e
pouco ciosas dos ditames mais elementares do Estado Democrático de Direito,
6 Primeiro episódio em que o Senado perfilhou a perigosa quadra de transformar a delinquência individual
de um de seus membros em crise de Estado, ameaçando descumprir ordem judicial da Suprema Corte,
ocasião em que o Plenário do STF cassou a decisão monocrática e reestabeleceu as funções públicas do
Senador Renan Calheiros (PMDB-AL), então Presidente do Congresso. À época, o Ministro Marco Aurélio
não apenas entendia ser plenamente possível a aplicação de medida cautelar contra parlamentares, inclusos
os presidentes das Casas, como deferira tal medida monocraticamente, embora tenha reformulado seu juízo
por ocasião do leading case do senador Aécio Neves (PSDB-MG).
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notadamente aquele segundo o qual as decisões judiciais devam ser inafastavelmente
cumpridas, sem qualquer discussão de mérito ou forma, sem prejuízo do manejo do
recurso competente.
Aliás, as ironias da História merecem ser exploradas justo por evidenciarem a
natureza contingente e recalcitrante das convicções dos homens públicos do país: por
ironia do destino, justo o senador AÉCIO NEVES DA CUNHA, além de votar pela
manutenção da prisão decretada em desfavor do então senador DELCIDIO DO
AMARAL (PT-MS), recorreu, ele próprio, ao e. STF, pela via mandamental, para
requerer provimento cautelar da Corte no sentido de impedir ao então Presidente
Renan Calheiros (PMDB-AL) que procedesse à votação suspensiva da aludida
prisão por meio do voto secreto (petição anexa). Trata-se do mandado de segurança nº
33.909, da relatoria do eminente Ministro Edson Fachin. No referido writ, assim se
posicionava o indigitado senador mineiro:
“Não há dúvida — como acima demonstrado — que a deliberação acerca da prisão
do Senador Delcídio Amaral mediante voto secreto trará grandes prejuízos
inclusive para as ações penais em curso nesse Excelso Pretório.
Ademais, os impetrantes7 estão constrangidos a participarem de votação secreta a
se realizar no dia de hoje, dia 25.11.2015, em manifesta contrariedade ao texto
constitucional. ”
Registre-se que mesmo partidos da Oposição, como o Partido dos Trabalhadores,
somaram-se à defesa da delinquência do Senador Aécio Neves, num primeiro momento,
rebelando-se contra a suspensão cautelar do seu mandato. Entretanto, após a decisão da
Corte e a enorme reação negativa da opinião pública, mesmo tais parlamentares, outrora
premidos pela contingência do que se apelidou com muita propriedade de “efeito Orlorff”,
recuaram e anunciaram que votarão, em bloco, pela manutenção da decisão judicial
cautelar.
Num cenário de véspera eleitoral, onde nada menos de 2/3 da Casa Senatorial
(ou 54 senadores) serão testados nas urnas, sob intensa vigilância da opinião pública
arejada pelos ventos do combate à corrupção, expor as digitais numa votação
ostensiva certamente não se afigura como a decisão mais confortável para a classe
política, tendo em vista o alto custo de transação que importa tal exposição.
7 Fl.7, do referido mandamus, manejado, além do Senador Aécio Neves, pelos Senadores Ronaldo Caiado
(DEM-GO), José Agripino Maia (DEM-RN), Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) e Ataídes de Oliveira
(PSDB-TO), em litisconsórcio ativo.
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Aparentemente, a solidariedade exótica que suscitou o senador Aécio até mesmo em seus
opositores de primeira hora não é forte o suficiente para expor ao risco da rejeição nas
urnas a maioria absoluta do Senado Federal (ao menos não nesse contexto contingente).
Impende anotar que a votação do relaxamento das cautelares impostas ao senador
tucano ocorrerá já na próxima terça, 17/10/2017, na forma do requerimento de urgência
aprovado a respeito do tema (anexo).
Diante desse cenário de fundado receio de que a decisão se dê de modo secreto,
ao arrepio da disciplina constitucional, até para que se evite a discussão posterior da
validade de tal descalabro novamente junto a esta Suprema Corte, urge sindicar
provimento acautelatório que ordene a votação ostensiva, com vistas a evitar que se
radicalize a dramática crise de Poderes que atravessa o país, onde a institucionalidade
conquistada a duras penas é sacrificada em favor da torpeza egoística da manutenção do
Senador Aécio Neves a salvo do império da Lei.
Não é demais reprisar que o referido parlamentar foi alvo de tais medidas por nada
menos que ter sido flagrado aparentemente solicitando vantagem indevida no importe de
R$ 2 milhões, sob a alegação de que o numerário se destinaria ao suposto pagamento de
sua defesa técnica, na chamada Operação Lava Jato. O Senador confidenciava ao
interlocutor Joesley Batista diversas estratégias legislativas e procedimentais
concretamente dirigidas a obstar o avanço da referida operação e desviar-se de provável
responsabilização. Trata-se, muito provavelmente, da investigação criminal em
desfavor de agentes políticos quanto à qual mais abundam provas em toda a História
da República: há áudios, vídeos, fotografias, rastreamento de telefones, prints de
mensagens em aplicativos de comunicação instantânea (WhatsApp), depoimentos de
delatores e ações controladas autorizadas pelo e. STF, com fato arcabouço probatório e
documental. O delicado juízo meramente prefacial a se reclamar de uma medida
cautelar excepcional fica absolutamente serenado em face desta fartíssima
verossimilhança acusatória.
Essa nova insistência do Senado Federal, enquanto instituição de primeira
grandeza, apequena o Parlamento, em atendimento a um plano de salvação de parlamentar
que foi solapado criminal e politicamente pela gravidade de suas ações enquanto
indivíduo (e não enquanto integrante do Parlamento!).
7
Tais comportamentos reprováveis, em lugar de atrair repulsa da Casa Parlamentar,
desencadeiam articulações indecorosas, a portas fechadas, na linha de uma ilegítima
indulgência via voto secreto, alheando de S.Exa. O Povo seu direito mais elementar
numa República democrática, qual seja o de saber como votam seus governantes.
No sentir do impetrante, com a devida vênia pelo emprego do adágio popular
adaptado, não há razões para que “pau que dá em Chico petista não dê em Francisco
tucano8”.
Essa é breve síntese fática que, em face do fundado receio de lesão à ordem
constitucional, que, seguido das razões jurídicas subjacentes, autorizam o manejo
preventivo do presente writ, com vistas ao deferimento dos pedidos ao fim formulados.
II - DO DIREITO
A- DO CABIMENTO DO MANDAMUS
A jurisprudência da Suprema Corte brasileira é consolidada no sentido de
reconhecer o mandado de segurança impetrado por parlamentar federal como
autêntica via de controle de constitucionalidade preventivo de atos do Poder
Legislativo que não observem o devido processo legislativo. Esse entendimento
assenta-se no pressuposto que a estrita observância das balizas constitucionalmente
fixadas para a tramitação de proposições legislativas é direito público subjetivo dos
parlamentares.
Trata-se, em última instância, de assegurar aos parlamentares e, em especial, às
minorias parlamentares, que não verão suas prerrogativas institucionais violadas por
maiorias parlamentares ocasionais, como é genuinamente da vocação da nobilíssima
jurisdição constitucional.
O mandado de segurança, remédio constitucional de primeira grandeza, inserto no
artigo 5º, Inciso LXIX, da Carta Magna, se presta a proteger direito líquido e certo, não
amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou
abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de
atribuições do Poder Público.
8 Declaração coligida de fala do e. Senador Randolfe Rodrigues, ora impetrante, à Imprensa, a propósito do
tema sub examine.
8
A liquidez e a certeza do direito violado diz respeito estritamente à dimensão
fática da lide, que deve se ancorar em fundado receio de concretização de ato ilegal.
Essa exigência, de outra banda, não se estende à dimensão jurídica do pedido
formulado, já que é da vocação natural do Poder Judiciário dizer o direito (dicere ius).
Assim, não afasta a concessão de mandado de segurança eventual controvérsia
jurídica que possa pairar sobre o seu objeto, devendo o juiz natural da causa pacificar
a incerteza jurídica eventualmente existente na contenda por meio do seu pronunciamento
jurisdicional. É essa, aliás, a dicção da Súmula 625, do Supremo Tribunal Federal, in
verbis:
Súmula 625
“Controvérsia sobre matéria de direito não impede concessão de mandado de
segurança.”
O Mandado de Segurança, na sua modalidade preventiva, por sua vez,
demanda, como pressuposto de admissibilidade necessário, a existência de ameaça
a direito líquido e certo, que importe justo receio em intensidade suficiente para que o
elemento subjetivo (justo receio) seja sintomático da ilegalidade (In. Comentários à Lei
do Mandado de Segurança, José Gretella Jr. - 4ª Edição - Atualizada pela Constituição de
1988 - pag. 97).
In casu, o justo receio assenta-se em apuração jornalística de veículo que goza de
ampla credibilidade no país, resultante de levantamento jornalístico declarações textuais
do próprio Exmo. Sr. Presidente do Senado Federal, em fala mais que sintomática da
estratégia espúria que se ora se coloca em socorro do Senador Aécio Neves.
Há justo receio na medida em que novamente não se trata de manobra
inédita: foi exatamente essa a via engendrada pelo então Sr. Presidente Renan Calheiros
(PMDB-AL) para, fulminar a prisão do então Senador Delcídio do Amaral.
Assim, coligindo-se nos autos as notícias e as declarações de parlamentares que
evidenciam o fundado receio de que a manobra ora denunciada seja levada a efeito,
entendemos respeitosamente estarem suplantadas as exigências processuais da pré-
constituição de provas, que, somada à violação de direito subjetivo de parlamentar ao
devido processo legislativo constitucional, autoriza a impetração do presente mandamus.
B- DA LEGITIMIDADE DAS PARTES
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Como descrito no tópico anterior, os parlamentares federais (Deputados Federais
e Senadores da República) possuem legitimidade ativa para pleitear, perante o Supremo
Tribunal Federal, a observância do preceito fundamental do devido processo legislativo,
pela via do mandado de segurança.
Trata-se de mecanismo assecuratório da fiel observância do regramento
constitucional de regência da tramitação e aprovação de proposições legislativas em geral
e de autêntica proteção constitucional conferida, em especial, às minorias parlamentares,
contra casuísmos de maiorias parlamentares circunstanciais. Essa medida de controle
preventivo incidental concentrado confere, em última análise, higidez
constitucional, sob o prisma formal, às eventuais decisões que derivem das
proposições aprovadas pelo Parlamento.
Sendo o impetrante parlamentar federal e o objeto do presente expediente atinente
ao processo legislativo deliberativo em sentido amplo, entendemos, com a devida vênia,
atendidos os pressupostos da legitimidade ativa.
Relativamente à legitimidade passiva da autoridade coatora, cumpre destacar que,
na qualidade de autoridade que detém competência para conduzir a referida votação, e
que tem competência para restaurar o quadro de normalidade jurídica potencialmente
vulnerado por tal manobra inconstitucional, entendemos também haver adequação
processual na referida indicação.
C- DO PRAZO PARA IMEPTRAÇÃO DO MANDAMUS
O prazo decadencial para impetração do mandado de segurança é de 120 dias, no
caso de atos comissivos, não aplicando-se, por razões de ordem lógica, aos mandamus de
índole preventiva, que objetivam o acautelamento de grave e fundado receio quanto ao
cometimento de ilegalidade.
Sendo assim, entendemos, com a devida vênia, que o presente remédio está a ser
impetrado tempestivamente.
D- DO MÉRITO
No caso sub examine, o voto aberto consubstancia-se na vontade objetiva da
Constituição. Sobre o tema, cumpre observar que a redação original do § 3º do art. 53 da
Lei Maior assim dispunha:
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“Art. 53. (...)
§ 3º - No caso de flagrante de crime inafiançável, os autos serão remetidos, dentro
de vinte e quatro horas, à Casa respectiva, para que, pelo voto secreto da maioria
de seus membros, resolva sobre a prisão e autorize, ou não, a formação de culpa.”
(Grifos não originais)
Em tal contexto, havendo prisão de parlamentar, a votação para decidir sobre tal
fato deveria ser pela maioria dos membros da Casa, mediante o voto secreto, segundo
clara dicção constitucional.
Ocorre que, em 20 de dezembro de 2001, foi promulgada a Emenda
Constitucional nº 35, a qual modificou substancialmente o regime de imunidades dos
parlamentares, passando o aludido art. 53 a vigorar com a seguinte redação, litteris:
“Art. 53 (...)
§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não
poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos
serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo
voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.”
Dúvidas não há, pois, de que a supressão do vocábulo “secreto” teve o objetivo
único e específico de tornar aberta a votação em tal hipótese, sendo evidente que
nem mesmo uma suposta deliberação de lideranças poderia suplantar esse novel
regime constitucional acerca da matéria.
Ademais, não há como entender diferentemente, na medida em que, em
reverência ao princípio republicano, no tocante às votações no seio do Parlamento,
o silêncio da Lei Maior somente pode ser interpretado como compulsoriedade de
“votação aberta”, sendo que as hipóteses de “votação secreta”, justamente por serem
exceção àquele princípio, é que devem estar claramente especificadas.
Trata-se, impende registrar, de situação extremamente similar à da cassação do
mandato parlamentar, formalizada nos moldes do § 2º do art. 55 da Constituição Federal.
A redação original do dispositivo estabelecia que o processo de cassação deveria se dar
pelo voto secreto e, com a alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 76, de
2013, o termo “secreto” foi suprimido do texto; entendeu-se, corretamente, que o voto,
em tais hipóteses, passou a ser aberto.
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À Câmara Alta, para preservar sua independência funcional prescrita pelo art. 2º,
da Carta Magna9, é lícito decidir pelo relaxamento de medida cautelar imposta a seus
membros, desde que o faça pelo voto nominal da maioria absoluta dos seus membros,
em sessão aberta, sob a vigilância atenta do Povo, constituinte de tais mandatários.
Advirta-se a autoridade IMPETRADA, desde já, para o fato de que, muito embora
o Regimento Interno do Senado Federal (Resolução do Senado Federal nº 93, de 1970)
preveja que, nesta hipótese de deliberação pelo relaxamento de prisão em flagrante, a
votação se dê de modo secreto, conforme disposição do art. 291, I, “c”10, trata-se de
disposição legislativa incompatível verticalmente com a Constituição de 1988, que
elevou o princípio da publicidade à máxima potência, impondo-o como regra das decisões
públicas (CF, art. 5º, LX).
A excepcionalização de tal imperativo constitucional só se faz legítima quando
presentes e conjugados a autorização constitucional expressa e a justa causa subjacente,
que se deduz da proteção à intimidade (igualmente direito fundamental, plasmado no Art.
5, inc. X da Constituição11) ou ao interesse social12 (art.5º, LX, da Constituição).
No caso em discussão, certamente uma deliberação sigilosa não estaria provida de
justa causa, mas antes se daria ao arrepio dos fundamentos republicanos. Nesse sentido,
aliás, já decidiu o Eminente Ministro Edson Fachin, por ocasião de decisão em medida
cautelar em Mandado de Segurança preventivo nº 33.908, impetrado pelo e. Senado
Randolfe Rodrigues, ora também impetrante do presente writ, em que os dirigentes do
9 Constituição da República:
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário.
10 Regimento Interno do Senado Federal:
Art. 291. Será secreta a votação:
[...]
c) prisão de Senador e autorização da formação de culpa, no caso de flagrante de crime inafiançável
(Const., art. 53, § 2º); 11 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; 12Art. 5º ........................................................................................................................................
LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o
interesse social o exigirem
12
Senado Federal se articulavam para realizar votação secreta para relaxar a prisão do então
Senador Delcídio do Amaral, in verbis:
A publicidade dos atos de exercício de poder é a regra estabelecida pela
Constituição (art. 37), tanto para o Poder Executivo, Judiciário ou Legislativo.
Isso decorre do princípio republicado e da própria expressão do estado
democrático de direito, onde vige a possibilidade de controle por parte dos titulares
do poder (art. 3º, da CR). A Constituição estabelece hipóteses excepcionais em
relação às quais essa regra é excepcionada.
[...]
Não havendo menção no art. 53, § 2º, da Constituição à natureza secreta da
deliberação ali estabelecida, há de prevalecer o princípio democrático que
impõe a indicação nominal do voto dos representantes do povo, entendimento
este que foi estabelecido pelo próprio Poder Legislativo, ao aprovar a EC nº
35/2001.
Sendo assim, não há liberdade à Casa Legislativa em estabelecer, em seu
regimento, o caráter secreto dessa votação, e, em havendo disposição
regimental em sentido contrário, sucumbe diante do que estatui a
Constituição como regra.
Essa votação, reitere-se à exaustão, não pode se dar em sessões espúrias de
gabinetes a portas fechadas, distantes do olhar atento e crítico da cidadania, mas
antes impõem-se em sessão plenária, por voto nominal e ostensivo, da maioria
absoluta dos Senadores e Senadoras, submetendo-se à crítica dos seus constituintes: os
cidadãos e cidadãs brasileiros. Na esteira deste sofisticado mecanismo de accountability
vertical, um parlamentar dificilmente encontraria incentivos para tomar decisões
que forem de encontro ao desejo da cidadania, sob pena de, colocando-se em rota de
colisão com esta, ver-se fustigado da arena política, pela rejeição nas urnas.
O mandato parlamentar é uma dignidade magna concedida pelo povo: se presta à
realização dos interesses do povo e não para albergar e escudar o crime organizado. Tal
movimentação de facções parlamentares é altamente reprovável e não tardará para que a
punição política se avizinhe, nas urnas.
Essa violência ao regime democrático e ao Estado de Direito se dá, por evidente, ao
largo do regime constitucional, merecendo a censura do Poder Judiciário, na esteira do
controle preventivo de constitucionalidade, a fim de que se preserve o devido processo
legislativo, que é direito subjetivo do parlamentar.
Como bem lembrava o Justice Louis Brandeis (1856-1941), membro da Suprema
Corte Americana: “A luz do Sol é o melhor detergente”, impondo-se, numa República,
que os governados tenham o direito de conhecer como votam seus governantes.
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A votação secreta, sob a égide da Carta Magna Cidadã, é mecanismo
excepcionalíssimo: tal decisão no caso em apreço não é uma liberalidade contemplada
pelo figurino constitucional, pelo elementar postulado de que o excepcional não se
presume, devendo ser sempre taxativamente previsto na Lei Maior.
Nessa esteira, o impetrante, que é Senador da República, sindica à Suprema Corte
o RECONHECIMENTO de que a suspensão da cautelar em comento só pode ser
eventualmente deliberada pela maioria absoluta do Senado Federal, em votação
ostensiva e nominal.
Para tanto, impõe-se a declaração incidental da inconstitucionalidade do
disposto no art. 291, I, “c”13, da Resolução do Senado Federal nº 93, de 1970, tendo
em vista o previsto no art. 53, § 2º, da Carta Magna14.
III - DA TUTELA DE URGÊNCIA
A concessão de medida liminar inaudita altera parte demanda fundamentalmente
a conjugação de dois requisitos, quais sejam: o fumus boni iuris (fumaça do bom direito)
e o periculum in mora (perigo ou risco na demora).
O fumus boni iuris reside no risco fundado de ofensa ao devido processo
legislativo, face o risco premente de suspensão de decisão judicial acautelatória, por
força de deliberação secreta no âmbito do plenário do Senado Federal, ao arrepio
da previsão constitucional, que reclama, na espécie, voto ostensivo e nominal.
13 REGIMENTO INTERNO DO SENADO FEDERAL:
Art. 291. Será secreta a votação:
I - quando o Senado tiver que deliberar sobre:
[...]
c) prisão de Senador e autorização da formação de culpa, no caso de flagrante de crime inafiançável (Const.,
art. 53, § 2º);
14 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões,
palavras e votos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
[...]
§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em
flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa
respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
14
Há, no sentir dos impetrantes, razoável plausibilidade jurídica no pedido, vez
que o que se confronta é uma deliberação secreta, que o desobrigue de cumprir mandado
judicial acautelatório que lhe suspende o mandato, sob a espúria alegação de
cumprimento de norma regimental claramente incompatível com a Lei
Fundamental.
O periculum in mora repousa no risco de que a referida manobra espúria
conflagre numa nova crise constitucional entre os Poderes Legislativo e Judiciário,
já que a decisão do Senado, tomada em sessão secreta, seria inafastavelmente anulada
por deliberação repressiva da Suprema Corte.
A provável decisão da autoridade impetrada colorará em cheque a autoridade das
decisões do Supremo Tribunal Federal, solapando o país mais uma vez em um quadro de
graves incertezas, fora dos trilhos da solução constitucionalmente adequada, em um
cenário de grave irreversibilidade.
Assim, diante da relevância da fundamentação expendida e do periculum in mora
existente, verifica-se que, se não for concedida a medida liminar ora pleiteada, o
provimento final do presente writ terá sua eficácia comprometida.
Desse modo, presentes os requisitos legais, requer-se o deferimento do pedido de
liminar ora formulado, inaudita altera parte, de modo a DETERMINAR-SE à
autoridade coatora que se ABSTENHA de proceder à deliberação secreta quanto à
suspensão de medida cautelar decidida por Esse Tribunal, com vistas a
eventualmente, no caso concreto, restabelecer o mandato parlamentar do Sr.
Senador Aécio Neves. Em outros termos, que tal deliberação só se dê pela maioria
absoluta do Senado Federal, em votação ostensiva e nominal.
15
V - DOS PEDIDOS
Ex positis, os Impetrantes postulam respeitosamente o que se segue:
I. A concessão de medida liminar, inaudita altera parte, nos termos expendidos em
capítulo próprio;
II. Notificar a autoridade impetrada para prestar as devidas informações, no prazo
legal, bem como o órgão de representação judicial do Senado Federal, nos termos
do art. 7º, inciso II da Lei 12.016/09;
III. Cientificar, do presente feito, a Advocacia-Geral da União, que representa
judicialmente a pessoa jurídica a que está vinculado o órgão IMPETRADO, para
que, querendo, ingresse no feito;
IV. Dar vista dos autos à Procuradoria-Geral da República;
V. A declaração incidental da inconstitucionalidade do disposto no art. 291, I,
“c”15, da Resolução do Senado Federal nº 93, de 1970, tendo em vista o previsto
no art. 53, § 2º, da Carta Magna16;
VI. Ao fim, a confirmação da liminar, de modo a tornar sem efeito, por nulidade,
qualquer deliberação levada, in casu, a efeito, de modo sigiloso;
VII. O deferimento na integralidade dos pedidos ora formulados.
15 REGIMENTO INTERNO DO SENADO FEDERAL:
Art. 291. Será secreta a votação:
I - quando o Senado tiver que deliberar sobre:
[...]
c) prisão de Senador e autorização da formação de culpa, no caso de flagrante de crime inafiançável (Const.,
art. 53, § 2º);
16 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões,
palavras e votos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
[...]
§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em
flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa
respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
16
Atribui-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais) para fins meramente
procedimentais.
Termos em que,
Pede deferimento.
Brasília, 16 de outubro de 2017.
PRISCILLA SODRÉ PEREIRA
OAB nº 53.809-DF
SUMÁRIO DE DOCUMENTOS ANEXOS
DOC. 1 - Documentos pessoais do autor;
DOC. 2 - Instrumento de mandato;
DOC. 3 - Custas processuais e comprovante de pagamento;
DOC. 4 - Reportagens citadas nos autos;
DOC. 5 - Reportagens citadas nos autos;
DOC. 6- Cópia de mandado de segurança impetrado pelo próprio Senador Aécio Neves,
na estrita linha do que ora é sindicado neste writ;
DOC. 7 - Avulso do requerimento de urgência que agenda para o dia 17/10/2017, a
votação do relaxamento das cautelares impostas ao senador Aécio Neves;