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Rio de Janeiro2007

G o r d o n T h o m a s

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Text Copyright © 2005 Gordon Thomas

Edição original publicada em inglês com o título The Jesus Conspiracy por Lion Hudson plc, Oxford, Reino Unido.

Copyright ©Lion Hudson plc 2005.Copyright da tradução © Thomas Nelson Brasil, 2007.

Todos os direitos reservados.

Supervisão editorial Nataniel dos Santos GomesAssistente editorial Clarisse de Athayde Costa Cintra

Tradução Miguel HerreraCapa Valter Botosso Jr.

Copidesque Joel MacedoRevisão Margarida Seltmann

Magda CascardoÉrica Carvalho

Projeto gráfico e diagramação Julio Fado

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

T38j Thomas, Gordon O julgamento de Jesus: Um relato jornalístico sobre a vida e a inevitável crucificação de Jesus Cristo/Gordon Thomas; tradução Miguel Herrera. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2007.

Tradução de: The Jesus conspiracyInclui bibliografiaISBN 978-85-6030-3458

1. Jesus Cristo - Paixão. 2. Jesus Cristo -Biografia. 3. Jesus Cristo - Influência.4.Jesus Cristo - Historicidade. I. Título.

07-2373. CDD: 232.96 CDU: 232.96

Todos os direitos reservados à Thomas Nelson BrasilRua Nova Jerusalém, 345 – BonsucessoRio de Janeiro – RJ – CEP 21402-325

Tel.: (21) 3882-8200 – Fax: (21) 3882-8212 / 3882-8313www.thomasnelson.com.br

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Para Joachim Kraner

Um amigo que se tornou sogro — mas permaneceu um amigo.

Há muitos anos falamos, entre outras coisas, de livros. Em sua maneira direta, você me disse que nenhum poderia igualar-se à Bíblia. Com algum embaraço, admiti que, desde meus dias de escola, mal tinha olhado para uma cópia dela. Você me incentivou a corrigir a situação, acrescentando que uma das tragédias não mencionadas de nosso tempo é a leitura da Bíblia ter se tornado, em grande amplitude, um prazer do passado. No dia seguinte, comprei uma Bíblia.

Apesar de você não mais estar fisicamente conosco, a Bíblia continua sendo uma lembrança sua, assim como uma experiência contínua de leitura. Literatura não sobrepujada, minha Bíblia levou-me a muitos atalhos — o que, ao fim, me trouxe a contar a história destas páginas. Ela trata do evento mais importante da história, que, também você disse, ser o maior desafio que um escritor pode encarar: compreender a vida de tal modo que venha a nos mostrar como viver, não por uns poucos anos, mas para sempre.

Ao recontá-la fiel e reverentemente, tive o apoio de uma pessoa que você, com certeza, aprovaria como colaboradora — sua filha Edith. Como você, ela tem uma mente investigativa juntamente com a verdadeira fé; não se preocupa em dar explicações inteligentes para o inexplicável, nem inter-pretar o que não tem interpretação.

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Sumário

Introdução Rumo ao entendimento 9Capítulo um Jesus 33Capítulo dois O imperador 69Capítulo três O procurador 87Capítulo quatro O tetrarca 107Capítulo cinco O sumo sacerdote 121Capítulo seis Com a intenção de matar 143Capítulo sete Hosana 169Capítulo oito Assuntos urgentes 197Capítulo nove Além da prisão 233Capítulo dez Apressando o julgamento 253Capítulo onze Respostas romanas 275Capítulo doze Para Herodes e de volta 293Capítulo treze O lugar da Caveira 307Capítulo catorze Reflexões 331

Principais personagens 357Cronologia 367Bibliografia selecionada 379Os tratados 393Outros evangelhos e escr itos 397

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Em busca de Cristo

Eu sou a pausa entre duas notas que caem,Em real concordância, escassa em geral:

Enquanto a nota da Morte quer dominar.Ambas, no entanto, são reconciliadasNo escuro intervalo tremeluzente.E o filho, continua sem macular.

R. M. RilkeO Livro das Horas, 1

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I n t r o d u ç ã o

Rumo ao entendimento

O que é a verdade? Gracejou Pilatos;e não ficou para ouvir a resposta.

Francis BaconDa Verdade

Uma vez, Jesus perguntou aos seus discípulos: “Quem os ho-mens dizem que eu sou?” Conforme o evangelho de Mateus,

suas respostas foram variadas: “Alguns dizem que é João Batista; ou-tros, Elias... ou um dos profetas.” Mesmo entre os que o conheciam em primeira mão, havia pouco consenso a respeito da identidade do enigmático pregador da Galiléia.

Quase trinta anos depois que comecei a pesquisa para este li-vro, a polêmica continua. Quando foi publicado pela primeira vez, fui brindado com o consenso geral de que o livro, embora bastante controvertido em suas conclusões, era uma tentativa genuína de es-clarecimento por parte de alguém que já havia desenvolvido interesse prévio pelos mistérios da fé, e que encontrou nas origens do Cristia-nismo uma fonte contínua de fascinação.

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Introdução

Ocorreram, inevitavelmente, alguns questionamentos do meu direito de juntar-me ao debate. Houve uma manhã em que me sentei no estúdio da rádio nacional de Dublin para escutar a ira de um sacerdote católico que insistia que “a questão de Jesus não é para um leigo”.

Visões como esta, sugeri gentilmente, podem bem contribuir para o declínio da freqüência às igrejas. Aquele sacerdote viu como “falha” o fato de que cheguei ao meu estudo sobre Jesus sem ter uma posição teológica como pressuposto. Ele não estava interessa-do sobre o que eu escrevia a respeito da tradição cristã, ou no fato de que eu tinha sido levado a escrever o que escrevi por causa de uma necessidade interior. Mas tentar debater com ele não foi intei-ramente uma perda de tempo: expandiu meus horizontes, aguçou minha visão e fez-me compreender que devo continuar a moni-torar o debate sobre Jesus que se concentra na questão: “Quem os homens dizem que eu sou?”.

A polêmica acerca da vida de Jesus na terra continua com vigorosa ferocidade, e trouxe-me, agora, a republicar o texto ori-ginal. O julgamento de Jesus está, creio eu, de acordo com o espírito do nosso tempo. Na pesquisa bíblica, não há verdade maior do que o fato de que nada é permanente, exceto a própria mudança.

Hoje, uma das muitas questões a respeito da vida terrena de Jesus se focaliza na profundidade com que se envolveu na causa de sua nação contra Roma: ele foi um revolucionário, ou mesmo um fanático? Certamente, tanto Judas Iscariotes quanto Simão, o Zelote, vieram desse contexto. Quando atenderam ao chamado de Jesus — “Venha e siga-me” —, será que eles abandonaram seu tipo de vida? Em uma avaliação lúcida, provavelmente não. Seus talentos especiais como guerrilheiros certamente teriam sido úteis em um tempo de brutal ocupação romana da Judéia.

Uma vez mais, não se pode discordar de que Jesus, desde o início de seu ministério, começou a preparar o povo para a ocor-rência de grandes acontecimentos. Em vez de ficar como outros rabis ministrando apenas à comunidade local, ele rapidamente se

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Rumo ao entendimento

tornou uma figura que atraía multidões, primeiramente na Galiléia, e depois em toda nação, quando foi a Jerusalém nos dias finais de sua carreira. A partir disso, é razoável deduzir que Jesus viu seu papel como “alguém com uma missão” expandido a toda nação judaica. Por que mais ele viajaria constantemente, exortando o povo para que soubesse que “o tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo: arrependam-se e creiam no evangelho” ?

Em sua decisão deliberada de formar uma pequena comunidade — seus discípulos imediatos —, ele estava seguindo um padrão há muito estabelecido por profetas como Elias e Eliseu. Eles foram figuras políticas. Será que Jesus se configuraria ao mesmo molde? Será por isso que, parábola após parábola, ele retoma os mesmos pontos que, justificadamente, podem ser chamados de fervor apoca-líptico: que a chegada do reino de Deus será súbita e que somente os que estiverem preparados para recebê-lo não perecerão? Essa não é a pregação de um homem cuja mensagem é urgente? E pode ser considerada apenas doutrinária, apenas palavras de alguém que está tentando fundar uma nova religião, que está preocupado em implantar novos padrões morais e um despertar espiritual?

Tudo que podemos dizer sem polêmicas é que, por um curto período da história judaica, Jesus foi a única esperança para um grande número, talvez a maioria, do povo judeu. Quantos deles fo-ram atraídos pela ousadia das reivindicações de Jesus, pelo absoluto carisma de sua personalidade, pelo poder de seus milagres — e pela perspectiva de que ele era alguém que poderia conduzi-los para fora do jugo da ocupação romana? Quantos se desapontaram pro-fundamente quando ele não lançou uma rebelião violenta? Quan-tos se voltaram contra ele por essa razão?

A questão de como Jesus via a si mesmo é uma das polêmicas mais acirradas do Novo Testamento. Uma grande dificuldade é que Jesus não deixou registros de próprio punho: não escreveu nada. Os que mais tarde registraram suas palavras pareciam estar preocu-pados em mostrá-lo como um reformador religioso rejeitado por

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Introdução

sua própria raça. Mas, suponhamos que Jesus tenha sido um revolu-cionário de alto nível, podemos aplicar este termo da mesma forma que o aplicaríamos a George Washington? Em última análise, que diferença isso deveria fazer em nossa avaliação dele? Ele viveu em um tempo de fanatismo religioso, e seu povo continua fervoroso em suas crenças; mesmo o secularismo que confronta Israel nos dias de hoje não afrouxou os vínculos de fé desse povo.

Nem deveríamos esquecer que Jesus nasceu, cresceu e morreu como judeu. É uma das muitas ironias que Jesus, na cruz — que é o mais potente símbolo da fé cristã —, use vestes para cobrir seus quadris. Não é a decência, mas a teologia que é responsável pelo re-cato. As vestes sobre os seus quadris escondem a essencial condição de judeu de Jesus, a marca na carne feita pela circuncisão.

Sobre isso, outras questões desconfortáveis devem ser ainda for-muladas e respondidas. Se Jesus na cruz fosse um constante lembrete de que era judeu, os cristãos teriam, através dos séculos, desencadeado tantos massacres contra seus irmãos judeus? Será que Hitler, mesmo que por um só instante, hesitou quando se referiu a Jesus em seu livro Minha Luta como “o Grande Fundador desse novo credo”? Será que ele parou para pensar que Jesus também era judeu? Por que Hitler, quando decretou que, sob risco de pena de morte, todo judeu no Terceiro Reich, acima da idade de seis anos, usasse uma Estrela de Davi amarela, não obrigou também que todas as imagens de Cristo crucificado exibidas nas igrejas da Alemanha nazista trouxessem tam-bém esse símbolo? E supondo que, se Jesus aparecesse como, de fato, morreu na cruz — nu, como todos os outros milhares que tiveram o mesmo destino sob a ocupação romana —, os bispos alemães e o papa Pio XII teriam permanecido mudos? Indiferentes? Esta é uma questão de interpretação — se eles estavam sempre sendo lembrados dos antecedentes do seu Filho de Deus crucificado.

Passaram-se quinze longos anos após o Holocausto, antes que um papa, o compassivo e iluminado João XXIII, compusesse uma das mais comoventes orações desde as palavras da Oração do Senhor.

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Rumo ao entendimento

O sinal de Caim está estampado em nossas frontes. Através dos séculos, nosso irmão Abel tem jazido no sangue que derramamos, e vertido lágrimas que causamos por esquecer o amor. Perdoa-nos Senhor, pela maldição que falsamente atribuímos ao nome dos judeus. Perdoa-nos por crucificar o Senhor pela segunda vez na carne deles. Pois nós não sabía-mos o que fazíamos.

Nessas palavras do Sumo Pontífice, podemos discernir mais do que expiação. Podemos sentir uma necessidade de julgar Jesus apenas pela referência ao seu tempo e lugar na terra. Os judeus de sua época estavam basicamente preocupados em ganhar a liberda-de. Não há nada escrito que apresente Jesus como qualquer coisa que não um judeu normal: um homem completamente sintonizado com as aspirações religiosas e nacionalistas do seu próprio povo.

E, a despeito de o que quer que continue em discussão sobre Jesus, existe uma verdade inarredável: a essência de seus ensinos permanece.

Há aqueles que dizem que Jesus não ensinou nada de novo; que suas idéias foram tiradas do pensamento judeu contemporâneo, da literatura e tradições de seu povo. Há verdade nisso. A admoes-tação de Jesus: “Faça aos outros o que gostaria que os outros lhe fizessem” é muito similar à Regra de Ouro enunciada pelo grande sábio judeu, Rabi Hillel, que ensinou: “Não façais ao vosso vizinho aquilo que vos é odioso.” Mais uma vez, o velho provérbio judeu — “sempre que és misericordioso, Deus é misericordioso contigo”, é repetido por Jesus: “Bem aventurados os misericordiosos, pois al-cançarão misericórdia.” Uma vez mais, o dito judaico “Deus ama aquele que é puro de coração” é oferecido por Jesus como “Bem aventurados os puros de coração, pois eles verão a Deus”.

Jesus pode, de fato, não ter dito qualquer coisa nova. Apenas disse melhor. Mas, Jesus era um revolucionário da forma como entendemos essa palavra? A questão pode ser melhor respondida ao dizer que ele foi acusado, processado e condenado como um. O acidente de ter crescido na Galiléia, na época em que a província

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Introdução

era vista por Roma como o principal reduto da resistência judaica, foi um potente fator de contribuição. Jesus chegou ao conhecimen-to das autoridades por sua pregação radical, como político suspeito e, quando começou a pregar mais abertamente, também como um religioso suspeito.

Enquanto os crentes através dos séculos continuam a ecoar a declaração cheia de fé de Pedro — “tu és o Cristo, o filho do Deus vivo” —, a busca do assim chamado Jesus “histórico” desgasta a consciência dos eruditos de uma forma não vista desde o cisma protestante americano dos anos 20. À medida que nos acostuma-mos às incertezas desse novo milênio, podemos estar certos de que os iconoclastas e liberais estudiosos bíblicos continuarão a encontrar formas mais extravagantes de promover seus pontos de vista.

É típica a polêmica iniciada durante a Páscoa de 1996 por aqueles que foram, uma vez, vistos por muitos como baluartes da instituição inglesa. A BBC e o The Sunday Times anunciaram que em 1980 tinham sido encontrados, em um túmulo em Jerusalém, ossários contendo os nomes José, Maria e Jesus. A razão por que le-vou tanto tempo para que a notícia viesse à tona sucumbiu no que foi alardeado como uma “descoberta” verdadeiramente destruidora da fé. O bombardeio de publicidade implicava que Jesus não só era filho do homem, mas também, ele mesmo, pai.

O The Sunday Times desejava que seus leitores estivessem cer-tos da implicação: “Se as urnas funerárias, conhecidas como ossários, contivessem os restos de Cristo e sua família, elas lançariam dúvidas sobre a fé cristã que é central para a Páscoa: a Ressurreição”. O jornal citava Keith Ward, professor de Divindades, em Oxford, declarando que, se o relato fosse autenticado, deixaria de ser cristão, “porque para mim isso invalidaria o testemunho dos apóstolos, e sem isso eu não creria que Jesus teve qualquer importância particular”.

Na segunda-feira após a Páscoa, o que a BBC chamou de “descoberta” havia sido classificado como “absurdo”. O arqueólogo L.Y. Rahmani, que catalogou mais de mil ossários encontrados

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Rumo ao entendimento

em Israel, observou que os nomes José, Maria e Jesus eram comuns na antigüidade e que, ao longo dos anos, encontrara cerca de dez ossários contendo o nome Jesus, em suas variações hebraicas e gre-gas. Havia ainda maior abundância de variações de Miriam, nome a partir do qual Maria é derivado, e José. Rahmani garantiu aos cristãos que, apesar da BBC, eles não tinham qualquer razão para deixar de permanecer firmes em sua fé de que o sepultamento de Jesus teve duração limitada.

A tagarelice cristológica continua a atacar a autoridade tradi-cional da Bíblia — insistindo que essa é a única forma de ter “uma base mais racional para a fé e uma essência mais clara dos ensinos de Jesus”. No centro dessa declaração, está o assumir que é possível melhorar as palavras e a imagem de Jesus nos evangelhos. Esta ques-tão conseguiu atingir, agora, um tipo de massa crítica religiosa que permeia até mesmo a internet.

Os revisionistas são guiados pela necessidade, nas palavras de um deles, “de liberar Jesus das prisões das Escrituras e credos nos quais o sepultaram. É tempo de reinventar o Cristianismo, comple-tá-lo com novos símbolos, novas histórias e uma nova compreensão de Jesus”. Essas palavras são de Robert Funk, docente de Estudos Bíblicos, entre outros lugares, em Harvard. Ele defende que não mais do que vinte por cento das palavras, e ainda menos dos feitos atribuídos a Jesus, são autênticos. A Oração do Senhor, as palavras de Jesus na cruz, quaisquer reivindicações da divindade de Jesus, o nascimento virginal, a maior parte dos milagres e sua ressurreição corpórea: tudo deveria ser rejeitado.

Isso tem muito a ver com a redefinição de Jesus, o homem, começando sua carreira — virtualmente desconhecida — com cerca de trinta anos, na insignificante cidade de Nazaré. Ele devia parecer tanto com seus parentes sem instrução que o povo da ci-dade, que o conhecia, ficou assombrado quando Jesus subitamente iniciou seu ministério.

Seus atordoados vizinhos são citados dizendo nessa ocasião: “Não é este o filho do carpinteiro? O nome de sua mãe não é

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Introdução

Maria, e não são seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? Não estão conosco todas as suas irmãs?”. E Marcos relata: “E ficavam escan-dalizados por causa dele” (Marcos 6:3). Era tão forte o sentimento em Nazaré de que este filho de um carpinteiro não tinha espaço para fazer o que estava fazendo, ao pregar, que expulsaram Jesus da sinagoga (Lucas 4:28). E quando ele persistiu em continuar com seu ministério, seus familiares “saíram para trazê-lo à força, pois diziam: “Ele está fora de si” (Marcos 3:21).

Só bem mais tarde, quando Jesus havia consolidado sua posição como pregador na Galiléia, é que sua família viu vantagens em sua fama. “Então chegaram a mãe e os irmãos de Jesus. Ficando do lado de fora, mandaram alguém chamá-lo. Havia muita gente assentada ao seu redor; e lhe disseram: “Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e te procuram.” “Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos?”, perguntou ele. Então olhou para os que estavam assentados ao seu redor e disse: “Aqui estão minha mãe e meus irmãos! Quem faz a vontade de Deus, este é meu irmão, minha irmã e minha mãe.” (Marcos 3:31-35)

A partir desse fragmento de biografia humana, os revisionistas argumentam que Jesus nunca realmente disse quem era. Quando João Batista perguntou a Jesus, por meio de seus discípulos, “És tu aquele que haveria de vir ou devemos esperar algum outro?”, Jesus enviou uma mensagem: “Voltem e anunciem a João o que vocês es-tão ouvindo e vendo: os cegos vêem, os mancos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem...” (Mateus 11:3-5)

Mas isso foi tudo que Jesus disse. Mesmo em resposta à per-gunta de Pedro, “Tu és o Cristo?”, Jesus “os advertiu que não falas-sem a ninguém a seu respeito” (Marcos 8:30). Tudo isso, dizem os revisionistas, confirma as dúvidas que Robert Funk articulou.

Os tradicionalistas, por sua vez, investem contra o que enten-dem como heresia, em questões de fundamental importância que estão sendo distorcidas. Contra o seu tradicionalismo, bate a onda da incansável maré de reivindicações. Surpreendentemente, boa

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Rumo ao entendimento

parte procede do interior da Igreja Católica Romana, verdadeiro baluarte da fé tradicional.

São típicas as afirmações feitas por John Meir, um acadêmico bíblico da Universidade Católica da América, em Washington, DC. Juntamente com muitos de seus colegas eruditos, Meir argumen-ta que os evangelhos do Novo Testamento têm um valor limitado como registros históricos, mas que as informações que eles contêm permitem uma série de conclusões que podem ser tiradas: que Jesus nasceu em Nazaré e não em Belém; que Jesus teve quatro irmãos e pelo menos duas irmãs; que o seu nascimento virginal “não pode ser provado, e nem o contrário”. Meir concede que não se pode misturar teologia e pesquisa histórica sem causar uma tremenda confusão.

Com a mesma veemência, Dominic Crossan, um ex-professor emérito na Universidade St. Paul, em Chicago, manifesta sua re-jeição ao Jesus convencional. Nascido e criado na Irlanda, Crossan vê a si mesmo como “católico por dentro e por fora”, a despeito de revisar alguns dos ensinos centrais de Roma. Ele percebe Jesus pregando a “justiça radical de Deus” e vivendo por seu conceito tão integralmente que, se a verdadeira lucidez de sua vida e mensagem pudesse ser apreendida hoje, o mundo seria um lugar melhor.

Ao usar modernos estudos sociológicos e antropológicos da Pa-lestina no tempo de Jesus, Crossan argumenta que os indícios que ele captou nos evangelhos, juntamente com outros textos não canônicos dos primeiros tempos da Igreja, significam que ele deve rejeitar al-guns dos mais importantes ensinos do Cristianismo. A Última Ceia e o aparecimento diante dos discípulos do Jesus ressurreto, argumenta Crossan, não são mais do que tentativas deles de expressar a “expe-riência continuada” de sua presença após a crucificação.

Foi deixado para um outro católico romano, Luke Johnson, um professor de Novo Testamento e Origens Cristãs na Universidade Emory, em Atlanta, assumir o fardo pelos tradicionalistas. O conhe-cimento religioso não é o mesmo que o conhecimento histórico, diz ele; a fé da maioria dos cristãos é uma questão de ser testemunha do Espírito Santo em sua vida presente. Johnson argumenta que os

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Introdução

quatro evangelhos, juntamente com as cartas de Paulo, oferecem uma história confiável da vida e do ministério de Jesus, inclusive alguns relatos em primeira mão. Estes podem, de fato, ser fragmen-tados, mas mostram que Jesus era um judeu que pregou o amor e a generosidade, e foi julgado por Pôncio Pilatos, crucificado, e depois apareceu perante testemunhas que se dedicaram a espalhar o evan-gelho pelo mundo. Na Grã-Bretanha, essa declaração confortadora para os fiéis foi sustentada por dois eminentes acadêmicos, James D. G. Dunn e N. T. Wright.

Os três argumentam que, por mais interessante que seja pers-crutar a vida social, política, antropológica e cultural dos tempos de Jesus, isso não é o âmago das Escrituras. Muitos cristãos conside-ram blasfema a idéia de fazer distinção entre o Jesus a quem oram e alguém chamado de “Jesus da história”. Nos Estados Unidos, as sempre crescentes congregações fundamentalistas e evangélicas — que também têm aumentado seu número na Grã-Bretanha e na tradicionalmente católica Irlanda — sustentam que os evangelhos, Atos dos Apóstolos e Epístolas de Paulo são o melhor de todas as histórias; que um cristão compromissado não deve discutir se Jesus ressuscitou Lázaro dentre os mortos, ou polemizar sobre a sua con-dição de Messias ressureto. Para eles, valem as palavras do pioneiro do protestantismo Martinho Lutero, de que é suficiente para cada cristão estabelecer o seu próprio relacionamento com Cristo sim-plesmente lendo as Escrituras e fazendo delas um motivo condu-tor. A simples idéia de usar a calibragem precisa e o ceticismo frio do racionalismo científico é anátema para todos os que acreditam que Jesus não pode estar subjugado às ferramentas da análise his-tórica ou literária.

Em prosseguimento a esta batalha teológica, desde minha publica-ção original estou preso ao fato de que, embora muito do pensamento religioso tenha mudado, certos aspectos fundamentais não mudaram.

O nascimento de Jesus Cristo continua sendo o ponto de par-tida da história real de mais de 1,5 bilhão de cristãos. Primeiramen-te, eles o adoram como ser divino. Muitos consideram confortável

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Rumo ao entendimento

ficar por aí. Para esses devotos, é de menor importância que existam argumentos persuasivos de que os quatro evangelhos não foram, na verdade, escritos pelos apóstolos, mas, provavelmente, por seguido-res anônimos, ou mesmo por seguidores de seus seguidores.

Os devotos preferem olhar para uma outra descoberta que con-tinua a dividir o rarefeito mundo do academicismo bíblico: três frag-mentos de papiros que foram preservados na biblioteca da Faculda-de Magdalen, em Oxford. Eles contêm passagens do capítulo 26 do Evangelho segundo Mateus. Escritos em grego, foram originalmente trazidos na virada do século por um obscuro capelão inglês do mer-cado de Luxor, no Egito. O consenso entre os especialistas foi de que o papiro datava dos meados do segundo século d.C.

Então, em 1995, o papirologista alemão Carten Dieter Thiede anunciou que os três fragmentos datavam de cerca de 70 d.C. As implicações foram assombrosas. Isso significaria que o Evangelho de Mateus, assim como o de Marcos, no qual, acredita-se, foi baseado, não está distante dois séculos do tempo em que Jesus andou por esta terra. Mateus está na realidade, muito próximo a um relato de testemunha ocular.

Tomando isso como ponto de partida, Thiede argumenta que os quatro evangelhos foram escritos antes de 80 d.C.; que um frag-mento de rolo descoberto na comunidade essênia de Qumran, em 1972, era quase certamente um fragmento do Evangelho de Mar-cos, e pode ser datado em 68 d.C.; que um outro fragmento que se encontra na biblioteca de Paris é parte do Evangelho de Lucas, e foi escrito entre 63 e 67 d.C.

Ainda mais instigante é que Thiede encontrou em três lugares dos fragmentos de Mateus o nome de Jesus escrito como KS. Esta é a abreviatura de Kyrios, ou Senhor. Thiede argumenta que esta forma abreviada — KS — é uma prova de que os primeiros cris-tãos viam Jesus como um nomen sacrum, um nome sagrado, muito semelhante à forma como os judeus daquele tempo enfatizavam a santidade do nome de Deus, encurtando-o no tetragrama YHWH. A partir disso, Thiede conclui que a própria idéia da divindade de

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Introdução

Jesus não é um desenvolvimento mais tardio da fé cristã, mas foi uma crença entranhada na Igreja primitiva.

Inevitavelmente, Thiede foi alvo de severos ataques de especia-listas, que duvidaram tanto das credenciais do papirologista quanto do método que utilizou para chegar a suas conclusões. A isso, Thie-de respondeu:

Se os evangelhos são mais autênticos do que pensamos, en-tão talvez a brecha entre o Jesus da história e o Cristo da Fé não seja tão grande quanto os eruditos disseram e os cristãos temeram. Para os não crentes, esses achados não vão forçar ninguém a se tornar cristão. Mas o relato de testemunhas oculares da geração de Jesus torna os evangelhos mais dignos de crédito, pelo menos como relato histórico.

Assim como muitas outras coisas nesta arena superaquecida da atual pesquisa bíblica, as afirmações de Thiede deram ainda mais combustível à polêmica.

Olhado de um outro ponto de vista, os evangelhos ofere-cem apenas mínimas sugestões a respeito da vida terrena de Jesus. As narrativas são tão isentas de detalhes que Jesus parece estar se movendo no vácuo; não há qualquer indício de como era sua vida quotidiana e quase nada a respeito do relacionamento com as pessoas que encontrou. E sabemos quase nada sobre elas. Todas as suas parábolas e falas parecem, freqüentemente, suspensas no ar; mesmo quando o ponto simbólico é claro, seu posicionamento nos evangelhos varia, consideravelmente, de um relato do mesmo incidente para outro. O quarto Evangelho, de João, cobre não mais do que três anos da vida pública de Jesus; os outros três acres-centam apenas mais alguns meses. Novamente, se calcularmos o tempo que levaria para que Jesus efetivamente pronunciasse todas as palavras a ele atribuídas, estaremos falando apenas de algumas horas; se acrescentarmos todas as ações atribuídas a Jesus, elas co-brirão não mais do que algumas semanas.

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Rumo ao entendimento

Surgem mais dificuldades. Cristo é apresentado nos evangelhos como a essência da divindade. No entanto, ele chega a uma terrível violência que culmina em sua morte horrenda. Ele é chamado de eterno e divino, embora as genealogias detalhadas não apenas o co-nectem com a casa real de Davi, mas o vinculem a uma família que, de tempos em tempos, o vê como perigosamente iludido. Sua visão do Judaísmo, a fé de sua mãe, é bastante convencional. Jesus parece ser manso, embora reivindique ter mais sabedoria do que Salomão, e ainda reivindica o seu direito de assentar-se à direita de Deus. Con-dena o uso de injúria, embora constantemente ataque seus oponentes com os mesmos meios. O batismo é constantemente elogiado, mas somos informados de que o próprio Jesus nunca batizou ninguém. Multidões o aclamam um dia, e o rejeitam a seguir. Quando os seus discípulos o saúdam como o Messias, ele os proíbe de fazê-lo. Como se não bastasse, os evangelhos apresentam peças de um quebra-cabe-ças e contradições que demandam uma fé inabalável.

A tudo isso, a resposta conservadora é: aconteceu, não duvi-de. As diferenças entre os evangelhos são colocadas de lado como “omissões e paráfrases” que são parte natural da cultura oral do tempo. Aceite isso, nos dizem, e o retrato de Jesus que os evangelhos oferecem é fundamentalmente correto.

A verdade é que, como apontou Geza Vermes, examinador de Estudos Judaicos, em Oxford, em seu convincente estudo Jesus, o judeu, quase qualquer pessoa quando lê os evangelhos o faz com idéias pré-concebidas. Os cristãos os lêem à luz de sua fé; os judeus, habituados a sua suspeita ancestral; os agnósticos vão a eles prontos a se chocar; os profissionais em Novo Testamento os abordam utili-zando as viseiras de seu negócio.

Quando pela primeira vez me sentei para escrever este livro, o fiz com a esperança de que tivesse esvaziado minha mente de pre-conceitos e idéias erradas, e que poderia vir aos evangelhos como se fosse pela primeira vez. Isso me pareceu a única forma de lidar com minha premissa de que cada um tem o seu Jesus de Nazaré. Isto continua verdadeiro.

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Introdução

Existe um Jesus católico, um Jesus protestante e um Jesus judeu, assim como um Jesus dos celtas, latinos, gregos, nórdicos, russos e chineses. Existe um Jesus muçulmano, um profeta verdadeiramente nascido de uma virgem e que só é superado por Maomé, e o Jesus da África, Ásia e América Latina — símbolo do poder imperial que os conquistou em nome da religião. O colonialismo morreu, mas a memória do Jesus que foi trazido permanece: uma mão de ferro carregando uma cruz; uma figura de Jesus pela qual milhões enfren-taram morte violenta, quer pelo que criam, ou pelo que não criam. Por esta figura crucificada foram cruzados oceanos, continentes fo-ram conquistados e impérios fundados.

Ainda é feito muito mal em nome de Jesus, por pessoas que dizem pregar sua palavra e viver seus mandamentos. Quem não se horrorizou com a terrível limpeza étnica na Bósnia? E quem não tem uma sensação de desespero com a violência que ainda permeia a terra natal de Jesus?

Cada nova igreja, desde a Reforma, criou o seu próprio Jesus. Da mesma forma, os ateus e agnósticos, os carismáticos, os ecu-mênicos e o povo de Jesus de todas as confissões. E cada vez mais os crentes — e nesta questão, até não crentes — escolhem o que podem aceitar a respeito de Jesus de Nazaré. Enfrentam uma tarefa cada vez mais confusa e, muitas vezes, contraditória. Uma estatística confiável avalia que houve mais escritos sobre Jesus nas últimas duas décadas do que nos dois mil anos anteriores.

O resultado de todo esse derramamento é que o destino ter-reno de Jesus não é mais utilizado como desculpa grosseira para difamar os judeus. Ocorreu uma dramática redução na hostilidade entre as duas religiões, construída por um laço comum que nun-ca poderá ser cortado. É aceito que as ligações com o Judaísmo sempre estiveram presentes em todas as proclamações a respeito da vinda do Cristo; removam-se a história e princípios do Judaísmo do Novo Testamento, e o Cristianismo parecerá não ter sentido. O Novo Testamento, assim como o Velho, estará sempre conosco, e a história no antigo sempre produzirá dor, tristeza e angústia para os cristãos. Mas o ódio aos judeus foi reduzido.

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Rumo ao entendimento

Em parte, isso foi devido a um trabalho de construção de pon-tes entre Roma e Jerusalém. O papa visitou a Terra Santa no ano 2000. Na frente diplomática, ocorreu uma troca de enviados entre o Vaticano e Israel.

A grande pedra de tropeço, que foi o “evangelho da verdade” para os cristãos e nenhuma boa nova para os judeus — que os judeus tinham total responsabilidade pela crucificação de Jesus — foi aplacada, primeiramente pela oração corajosa e maravilhosa do Papa João XXIII e, mais tarde, por uma vigorosa linha de pesquisas que argumenta, persuasivamente, que muitas das passagens duras do Novo Testamento deveriam ser vistas, essencialmente, como pro-paganda por parte dos cristãos primitivos. Esta escola de reinter-pretação defende que a hostilidade de Jesus contra os judeus, como está registrado nos evangelhos, era, na realidade, o sentimento dos próprios escritores que utilizaram Jesus para mostrar sua hostilidade contra os judeus de um tempo posterior.

Apesar disso, muitos judeus continuam convencidos de que o anti-semitismo que perturbou sua vida por séculos — as expulsões, os atos de violência em massa contra judeus conhecidos como po-groms, culminando com o Holocausto — se prolongará até que o tema central dos evangelhos seja também removido: que Jesus foi preso por ordem do sumo sacerdote do Templo; que ele foi julgado antes por um Sinédrio de outros sacerdotes; que ele foi entregue pelo sumo sacerdote ao procurador romano; que ele foi condenado à crucificação por reivindicar ser o Rei dos Judeus. Durante todo esse processo, os judeus estão na linha de frente de todas as acusa-ções dos evangelhos.

É hoje amplamente aceito que a responsabilidade pela morte de Jesus pode ser igualmente atribuída ao sistema imperial roma-no, e especificamente ao procurador na Judéia, Pôncio Pilatos. Foi o imperador romano que o indicou; foi Pilatos que escolheu o sumo sacerdote, José Caifás, efetivamente tornando-o um vassalo de Roma. Foram as duras sanções da ocupação romana que levaram o desassossego à Judéia, que alimentou o surgimento de revolucioná-rios e produziu os carismáticos.

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Introdução

Em um parecer com o qual é difícil discordar, Ellis Rivkin, um eminente erudito e professor de História Judaica na Faculda-de União Hebraica, em Cincinnati, argumenta que tanto Pilatos quanto Caifás eram motivados por um interesse em comum: a pre-servação do poder do império perante qualquer perigo — assegu-rando a continuidade do ofício do sumo sacerdote e uma coleta ininterrupta de tributos para os cofres de Roma, garantindo, assim, a estabilidade de Pilatos. Tudo mais na história de Jesus e sua morte decorreriam dessa aliança.

Foi Caifás e um grupo de seus sacerdotes que colocaram em marcha os acontecimentos que lhes permitiram entregar Jesus a Pilatos para execução. Eles não agiram em nome do povo judeu, mas por puro interesse próprio. Ao perceber o risco do julgamento final, Caifás e Pilatos agiram por conveniência pessoal. Dois homens fracos condenaram um homem forte a uma morte desumana. Lançar de qualquer outra forma esse grande crime às portas do povo judeu é uma calúnia que o então Papa João XXIII finalmente reconheceu.

E o próprio Jesus entendeu tudo isso muito claramente. Pen-durado em agonia na cruz — o símbolo máximo de como Roma lidava com seus inimigos —, ergueu sua cabeça para o céu e pediu a Deus: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo” (Lucas 23:34).

A busca de novas respostas a antigas questões acelerou-se com a virada para o terceiro milênio da Igreja Cristã. O ano 2000 foi um marco emocional para os teólogos e exegetas. Nos primeiros anos do novo século — hoje —, os dados históricos foram reinterpre-tados para sugerir que Jesus pode, de fato, ter morrido na cruz sem jamais ter tido qualquer intenção de fundar uma nova religião.

Entretanto, totalmente convencidos de que Jesus os ama, e eles o amam, centenas de milhões de pessoas comuns ainda prosseguem vivendo em seu nome. E já que ele lhes deu esperança por sua pró-pria morte, só pedem que possam, por sua vez, esperar seu próprio fim terreno com aquela certeza de que ninguém jamais chegou sequer perto de inocular.

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Muitos desses cristãos continuam olhando para o Novo Testa-mento como seu único guia, embora haja outros escritos bíblicos igualmente importantes aceitos nos primórdios da Igreja, mas pos-teriormente rejeitados na formação da doutrina, que cresceu junto com a intolerância, a perseguição e a inveja cega.

Enquanto o Novo Testamento pode ainda ser lido sem uma compreensão dos augúrios da situação política, social e econômica dominante, uma verdade simples e inevitável permanece: deve ha-ver um patamar no qual a linguagem das Escrituras pode ser ple-namente aceita, sem uma compreensão clara do mundo no qual a Palavra foi escrita.

É particularmente importante, na compreensão do homem Jesus e sua missão, enxergá-lo no contexto de seu tempo; tentar en-tender como os que o cercavam viviam, sua família imediata; Maria e Marta, e seu irmão Lázaro, em Betânia; os sacerdotes no Templo; Pôncio Pilatos e sua esposa, Cláudia Prócula; a aristocracia judaica; os romanos em suas fortalezas. Esta compreensão demanda conheci-mento de seus estilos de vida, seus hábitos de vestuário e alimentação, seu sistema jurídico; demanda a recriação, com toda a fidelidade, do mundo em que a Palavra foi primeiramente pregada — e compreen-der seus efeitos nos que a ouviram pela primeira vez.

Da mesma forma, é perfeitamente verdadeiro que a fé não se baseia, ou sucumbe, nos detalhes da história. Deus, ao inspirar pes-soas, permitiu que escrevessem dentro da moldura de seu próprio tempo, mente e cultura. O que eles criaram não foi — como algu-mas igrejas insistem — simplesmente uma série de verdades eternas e imutáveis. Proclamar isso é reduzir as Escrituras a pouco mais do que princípios teológicos, virtualmente esvaziados, da verdadeira revelação de Deus. Pelo contrário, as Escrituras trazem sua própria verdade singular — no caso do Novo Testamento, pode ser chama-da de verdade do evangelho —, misturando parábolas, casos, atos, declarações formais, leis, milagres, poesias e hinos. A riqueza disso é parte história, parte hagiografia, parte biografia e alguma coisa a mais: a mensagem da revelação de Deus que, embora baseada em fatos, não depende de cada detalhe desses fatos.

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Introdução

Isso explica por que, por exemplo, o Jardim do Sepulcro, em Jerusalém, não é o túmulo de Jesus; o pavimento sob as fundações do convento das Irmãs de Sião, na Cidade Velha, não é o local mencio-nado em João 19:13, onde Pilatos julgou Jesus; nem foi o arco Ecce Homo, na Via Dolorosa, construído quando Cristo foi apresentado ao sumo sacerdote dos judeus com o brado do procurador: “Ecce homo” — Vejam o homem”. Ou será que foi “Vejam o Homem”?

Entretanto, peregrinos continuam suas jornadas até esses locais, cheios do desejo profundo de estar próximo aos lugares onde Jesus passou seus últimos dias. A peregrinação religiosa tem conduzido a uma santidade que efetivamente mostra que a fé não depende de fatos puramente históricos. Que seja sempre assim.

Em meus escritos sobre Jesus, é essencial ao leitor saber o que está por trás de mais uma tentativa de explicar.

Tanto quanto consigo me lembrar, sempre quis crer. Meu in-teresse em sua vida e morte começaram quando, ainda criança, fui levado à Terra Santa. O mapa do que era então a Palestina se tornou o primeiro que desenhei e colori: a linha reta da costa, a cadeia central de montanhas e, além, o rio Jordão — todos eles recebendo seus tons de cobre a violeta, inesquecíveis para os que viveram ali. Como jovem, comecei a estudar seriamente a vida de Cristo; meu prêmio de Escrituras na graduação é o único que mantive de meus dias de escola.

Em uma carreira, inicialmente como jornalista — grande par-te dela passada no Oriente Médio —, e, depois, como escritor em tempo integral, tornei-me bastante interessado nos exegetas protes-tantes que surgiram nos anos 50. Homens como Günther Gorn-kanmm, Hans Conzelmann, Ernst Käsemann e Ernst Fuchs ofere-ceram conceitos teológicos diferentes e desafiadores a respeito de como e quando os quatro evangelistas vieram a incluir determinado material e deixar de fora outros dados. Aqueles críticos alemães pro-testantes foram o centro de grandes discussões que freqüentemente levaram a religião à primeira página dos jornais em que eu traba-lhava. Desempenhei um papel na promoção do debate — e não

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escapei à sua influência. Estava a ponto de aceitar que o formato de evangelho, a partir do qual a vida e morte de Jesus haviam sido es-tabelecidas, era vulnerável. Eu me tornara uma vítima voluntária de outras mentes mais persuasivas, tal como a de Huxley, que declarara que os “milagres não aconteceram”, e a de Matthew Arnold, que insistia que poderia haver um “Cristianismo não miraculoso”.

Já quando cheguei à pessoa de Jesus, mantive a visão adequa-damente respeitosa que minha mãe implantou em mim naquelas primeiras viagens à Terra Santa. Muito mais tarde, quando havia experimentado a fome, a peste e a carga de trabalho natural de qualquer correspondente estrangeiro, ainda sentia um choque de ira diante do mau uso de seu nome. Eu era ingênuo — e só menciono isso agora como parte de uma tentativa de explicar como e por que cheguei a escrever este livro.

Esta não é também minha primeira tentativa de colocar no papel meu relato de sua vida e inevitável crucificação. Há cerca de trinta e cinco anos, quando passava por uma crise difícil, escrevi uma peça com base em seu julgamento. Ela nunca foi encenada, mas escrever deu-me a coragem para continuar minha pesquisa, eventualmente chegando a este livro.

Agora, como resultado de escrevê-lo, minha própria interpre-tação de Jesus — retrato de um homem de poderosa eloqüência e magnetismo, que se tornou uma ameaça tão grande que seu destino foi selado por um amplo processo de auto-interesse — está alcan-çando um público maior do que jamais imaginei. Deverá também ser filmada, a partir de um roteiro que escrevi. Apoiado pela So-ciedade Bíblica, esta é a sua primeira grande ventura no mundo da indústria cinematográfica. O fato de este projeto ter vencido todos os obstáculos que, inevitavelmente, um desafio como este enfrenta, em que são comprometidos milhões de dólares com uma projeção de duas horas, deve-se, em grande parte, à condução enérgica de Clive Manning, o produtor executivo.

Caso não consiga mais nada, desejo responder à questão que Jesus colocou para seus discípulos: “Quem os homens dizem que eu

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Introdução

sou?”. A busca dessa resposta levou-me a ter contato com eruditos que encorajaram e aprofundaram o meu interesse no julgamento e execução de Jesus.

Se o nascimento de Jesus é o ponto de partida de toda história real para 1,5 bilhão de cristãos, então pode ser dito, sem medo de enfrentar oposição, que seu julgamento é o mais notável na histó-ria do mundo. Nenhum outro julgamento — nem mesmo o de Sócrates, condenado por introduzir deuses estranhos e corromper a juventude ateniense, ou o de Joana D’Arc, sentenciada à fogueira por acreditar que Deus lhe deu uma missão junto ao seu povo —, embora memoráveis pelo heroísmo moral dos condenados, chega a adquirir a significância ligada ao julgamento e execução de Jesus.

Em uma de nossas muitas reuniões, S. G. F. Brandon, então professor de Religião Comparativa na Universidade de Manchester, forneceu-me as diretrizes que deveria seguir se quisesse dar algum sentido aos acontecimentos que levaram à morte de Jesus: “Avalie os fatores vários e complexos que estão por trás da composição dos quatro evangelhos deste evento trágico.”

Nos muitos anos subseqüentes, tendo recolhido no caminho a sabedoria coletiva de muitos eruditos, tanto protestantes quanto católicos, compreendi que, não obstante o tempo que permanecesse na estrada, nunca teria esperança de encontrar o fim, a menos que discutisse o assunto com eruditos judeus.

Na volta a Jerusalém, li durante o vôo as palavras de um ho-mem, Frank Morison, que quase sessenta anos antes tinha colocado uma questão que não era diferente da minha. O seu livro Quem moveu a pedra? não tinha uma nota sequer sobre suas fontes. Nem ele se sobrecarregou com uma defesa ou ataque, linha por linha, da narrativa passional dos evangelhos. No final, ele produziu um livro onde podia se achar tanto seu testamento pessoal, quanto um admirável apelo universal ao bom senso. Ele se concentrou na res-surreição. Mas a abordagem de Morrison me surpreendeu com um valioso modelo para atacar de diversas maneiras a incumbência mais difícil: dar um sentido ao julgamento de Jesus.

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Em Jerusalém, recebi dos eruditos judeus uma série de rein-terpretações desafiadoras daquele julgamento. Haim H. Cohn, uma elevada autoridade judaica em história jurídica e juiz da suprema corte de Israel, guiou-me por ramificações desse julgamento que, até então, eu ignorava. A complexa argumentação do juiz Cohn pode ser resumida em uma crença de que, quase certamente, o Cristianismo teria começado de forma bem diferente se esse jul-gamento tivesse sido conduzido de outra maneira — e igualmente importante, se tivesse sido relatado de forma mais completa pelos evangelhos canônicos. Ze’ev W. Falk, então professor de Lei Fami-liar na Universidade Hebraica, em Jerusalém, estava entre os que me ofereceram um longo catálogo do que Falk chamou de “os descui-dos históricos daqueles evangelhos”. Eu rapidamente me convenci, como cristão, de que a interpretação desse julgamento pelos judeus devia receber total crédito.

Comecei a incorporar outros raciocínios. Eles se basearam em minha própria leitura, bastante extensa. Aqueles que desejarem per-correr esse caminho, podem fazê-lo através da bibliografia. O que essa listagem não poderá explicar, evidentemente, são os critérios que usei. Mas que utilidade poderia ter para alguém se, por exemplo, eu favoreci a interpretação de Kung, em um ponto, em detrimento da afirmação de Bultmann — ou vice-versa? Meu parecer não per-tence a mais ninguém; a quem mais poderia pertencer? Muitos dos estudiosos das últimas décadas, brilhantes como muitas vezes foram, se concentraram excessivamente em desmistificar e em desacreditar, assim me pareceu. Algumas das opiniões mais cruéis foram relegadas a notas de rodapé.

Ao preparar este livro, decidi, sabendo que o risco de críticas era grande, que não sobrecarregaria ou incomodaria os leitores com no-tas de rodapé ou citações de fontes. Para que serviriam? Minhas fontes são os evangelhos — e não apenas os canônicos, mas os descartados nos concílios de Nicéia e Calcedônia. Minha pesquisa inclui também um respeitável corpo de literatura judaica e não cristã, como os trata-dos do Mishanah, Tosophta, Talmude, Midrashim e Tarquamin. Uma

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listagem poderá ser encontrada no final deste livro. Porém, ela ainda não será completa para revelar o caminho para desembaraçar o nove-lo de preconceitos, paixão e intrigas políticas que envolvem a vida e a morte de Jesus, que, no fim, deve ser uma questão de interpretação. Nesse caso, e o digo com humildade, esta é minha.

Desde o início até a conclusão — se eu tomar como ponto de partida meu encontro com Brandon —, este livro consumiu-me vinte anos de constante reflexão, pesquisa intermitente e muitos rascunhos. No intervalo escrevi outros livros, antes de voltar a esta história que me senti compelido a escrever. A cada rascunho, as interpretações que dei aos fatos foram inevitavelmente diferentes. Mas, de alguma forma indefinível, minha perspectiva foi mudada pelos fatos que não podiam ser mudados. Jesus viveu uma vida curta durante um período em que o Judaísmo estava sujeito a aconteci-mentos traumáticos nas frentes política e social. Se eu deixasse de levar isso em conta, seria como tentar entender Dante sem consi-derar as condições da Florença medieval.

Se Jesus, de fato, nasceu ou não em Belém é, no final das con-tas, de pouca importância. Quando Marcos diz (6:3) que ele tinha irmãos — Tiago, Judas, Simão e José — a respeito dos quais sabe-mos quase nada — isso também não importa muito. Se foi no ano 26 ou 27 a.C. — ou conforme a contagem dos judeus, no ano 3788 desde a criação do mundo — que Jesus foi batizado, não é, ao final, tão relevante.

Entretanto, essas questões são retratadas como fornecendo uma última pista para Jesus. Os eruditos de diversas disciplinas começam e terminam suas carreiras tentando provar, ou provar o contrário, o número de vezes que Jesus visitou Jerusalém, qual o caminho que percorreu, quem foram os discípulos mais próximos a ele, e em que ordem os evangelhos foram escritos: a versão de Marcos precedeu a de Mateus, a de Lucas veio antes da de João? Cada vez mais são trazidos procedimentos clínicos para tentar desvendar sua estatura, peso, cor dos olhos e cabelo — como se qualquer dessas informa-ções tornasse Jesus mais fácil de compreender.

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Quando Jesus perguntou aos seus discípulos a questão mais importante, “Quem os homens dizem que eu sou?”, seguramente não desejava que se desenvolvesse um debate sobre sua aparência. A frase de Wilfred Sheed, “um outro maldito teólogo vem rosnando da Floresta Negra” nunca foi mais adequada. Existe um movimento crescente e perturbador, empenhado em desmitificar, em substituir a fé por ceticismo e até mesmo descrença. Em algum lugar do ca-minho o Jesus comum, do povo, foi perdido. Os que tentaram ex-propriar Jesus de suas palavras e envolvimento com a humanidade afastaram-no também de uma real compreensão do Cristianismo. O que importa, afinal, é que um judeu religioso bastante sensível estava convencido de que nasceu para reformar Israel e, então, inau-gurar o Reino de Deus.

É este o Jesus do qual estas páginas se ocupam; o homem, assim como o Deus-homem. Em todos os pensamentos e atos, Jesus de-monstrou que sua vida e morte continuam sendo a maior história jamais contada — e que a única forma de contá-la é apresentá-lo, no verdadeiro sentido das palavras, como um homem real, assim como o único homem perfeito. Seguramente, ele não pediria mais que isto. E eu não tentei menos que isso.