psicologia saude mental
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Psicologia e polticas pblicas no mundo do trabalho
Claudia Osrio da Silva
As aes de Sade do Trabalhador como dispositivo de interveno nas relaes de
trabalho
O campo da Sade do Trabalhador no Brasil
A Sade do Trabalhador no Brasil situa-se no domnio da Sade Coletiva, recebendo
contribuies de diferentes disciplinas, num caminho dito, por diversos autores,
interdisciplinar e multiprofissional, em que se diferencia da Medicina do Trabalho e da Sade
Ocupacional (Minayo-Gomez & Thedim-Costa, 1997; Machado, 1997; Seligmann-Silva,
1994). Mas eu prefiro pensar a Sade do Trabalhador como transdisciplinar, rompendo os
limites das disciplinas e reconstruindo-se cotidianamente com suas mltiplas referncias
tericas. A Sade do Trabalhador no se define por limites disciplinares, mas por metas e
eixos de ao, dentre os quais temos a luta pela sade, produzida nas transformaes dos
processos, na eliminao dos riscos e na superao das condies precrias de trabalho. Um
outro eixo est na valorizao das demandas e dos conhecimentos advindos da experincia,
considerando-se a participao dos trabalhadores como fecunda e indispensvel. As
investigaes so feitas por etapas sucessivas de aproximao a um problema ou conjunto de
problemas (Minayo-Gomez & Thedim-Costa, 1997: 26), considerando que o ambiente de
trabalho comporta relaes complexas e mutantes, no admitindo nunca a concluso
definitiva, a ltima palavra. A referncia central para o estudo dos condicionantes da
sade-doena o conceito marxista de processo de trabalho, que permite considerar a
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dimenso social e histrica do trabalho e da sade. De acordo com essa concepo, o processo
de trabalho , ao mesmo tempo, um processo tcnico, social e econmico; os instrumentos de
trabalho so o resultado de determinadas relaes de classe e do desenvolvimento
cientfico-tecnolgico alcanado. Em cada situao concreta, o processo histrico determina
um modo de trabalhar e, conseqentemente, um padro determinado de desgaste e de
morbi-mortalidade (Laurell & Noriega, 1989).
Essa configurao do campo da Sade do Trabalhador pode ser observada no Brasil a
partir da dcada de 80, acompanhando o processo de democratizao do pas, com estudos
orientados predominantemente para o trabalho industrial.
Com a transformao contempornea das tecnologias e com a ampliao do setor
servios, os acidentes de trabalho com morte ou perda de membros, bem como as agresses
sade por cargas qumicas, fsicas e mecnicas, passam a competir pela nossa ateno com
agresses que tem origem, predominantemente, na organizao do trabalho. A explorao no
mundo do trabalho toma outros contornos, apresentando novas exigncias quanto ao uso de
capacidades criativas e adaptativas caractersticas subjetivas - da fora de trabalho. A
organizao taylorista do trabalho interditava a singularidade dos trabalhadores; no podendo
aboli-la, obrigava-os a defenderem a si prprios de qualquer iniciativa, colocando-os em
situao de sofrimento. Tomando as palavras de Yves Clot, autor da psicologia do trabalho
francesa, pode-se afirmar que, hoje, l onde a iniciativa estava interditada, ns a vemos
obrigatria sob a forma de uma solicitao sistemtica da mobilizao pessoal e coletiva. A
prescrio da atividade se tornou prescrio da subjetividade (Clot, 1999: 6). Caractersticas
antes consideradas prprias do modo de ser de cada um, que com elas nascia ou no, so vistas
atualmente como competncias a serem treinadas e exigidas do mesmo modo que a capacidade
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tcnica. Ainda na descrio de Y. Clot, encontra-se hoje De um lado, uma real desprescrio
operatria; do outro, uma prescrio temporal que nos parece uma tirania do imediatismo.
(...). Segue-se uma possante autoprescrio cujos efeitos para a sade fsica e psquica ainda
esto por ser avaliados. H uma completa mobilizao da pessoa a quem se impe a carga de
conciliar o inconcilivel: regularidade, velocidade, qualidade, segurana. A interiorizao
psquica dos conflitos de critrios associados aos objetivos muito freqentemente irrealizveis
conduz a novas formas de dissociao. E isso, em empresas ou organizaes de prestao de
servios que acumulam, com muita freqncia, as falhas das burocracias tayloristas
tradicionais e aquelas das organizaes mercantis, delegando aos assalariados as decises
assumidas, no passado, pelas hierarquias. (Clot, 1999: 7)
Neste quadro, o desgaste psquico e mental se torna mais frequente e, para avaliar
aquilo que o trabalho produz como modos de existnciua e padro de adoecimento
necessitamos, mais que nunca, da participao do saber que advm da experincia. Para
interferir nesse processo temos que interferir micro-polticamente, na produo destes modos
de se desgastar e de existir.
Polticas de Estado em Sade do Trabalhador: as propostas de participao e controle
social
Desde a promulgao da atual Constituio Federal, em 1988, temos observado
avanos na legislao/normatizao dos servios de sade. Aqui, como em todos os campos
em que h atividade humana no h consenso sobre os melhores caminhos, mas os debates tm
conduzido a uma ampliao da presena da viso acima descrita de sade do trabalhador
sobretudo no campo, dos servios da sade, sobrepujando a viso mais conservadora, muitas
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vezes representada pelas normas e aes que vm de setores responsveis pela chamada
inspeo do trabalho.A sade do trabalhador se amplia no SUS.
Mas, se as normas e as estruturas que vo gradativamente sendo institucionalizadas
conseguem, em alguma medida, contemplar possibilidades de controle social por exemplo,
com a existncia de conselhos gestores o avano relativo participao e incluso do saber
advindo da experincia deixa muito a desejar. Essa incluso existe nas aes realizadas por
algumas equipes, mas no tem se traduzido em prescries para a prtica.
Um exemplo de como uma bela iniciativa pode ser transformada em uma prtica
legalista estril o que se d atualmente com a incluso do mapa de risco nas Normas
Regulamentadoras emitidas pelo Ministrio do Trabalho. A bela proposta de Oddone muitas
vezes transformada em uma prtica legalista e burocratizada, no gerando mais que um papel a
mais nas paredes.
Polticas pblicas como interveno micropoltica
Faz-se necessrio que se interfira no modo real como se inclui a participao do
trabalhador, com seu saber advindo sobretudo da experincia, fazendo assim reverberar os
avanos que ocorrem nas propostas de organizao estrutural do setor.
Buscando uma linha de trabalho em que as possibilidades de vida, de uma relao
inventiva e prazerosa com o trabalho, componham o principal eixo norteador, encontrei uma
de minhas referncias atuais: a Clnica da Atividade, que tem Yves Clot como principal autor.
Nesta, a compreenso da relao entre o trabalho e subjetividade no centrada na luta contra
o sofrimento, mas na atividade de trabalho como fonte permanente de recriao de novas
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formas de viver. A Clnica da Atividade retoma caminhos apontados por Ivar Oddone na
Itlia(Oddone, Re & Briante, 1981), de ateno s possibilidades de superao de impasses
pelos prprios trabalhadores; por esta via d-se um deslocamento do psiclogo da posio de
protagonista das pesquisas e da produo de inovaes, ficando a conduo do processo em
mos operrias. De acordo com Clot (2001: 8), Oddone teve o mrito e a originalidade de
avaliar, em seu trabalho junto aos operrios da Fiat, o impasse produzido pela ao centrada na
denncia de condies de trabalho inaceitveis. Oddone se voltou para a pesquisa dos recursos
dos prprios trabalhadores, recursos muitas vezes insuspeitados, de que estes podem lanar
mo, para a promoo e proteo de sua prpria sade (Oddone, Re & Briante, 1981). Para
Oddone, trata-se de fazer uma outra psicologia do trabalho consagrando todos os esforos
busca de um s objetivo: aumentar o poder de ao dos coletivos de trabalhadores sobre o
ambiente de trabalho real e sobre si mesmos. A tarefa consiste, ento, em inventar ou
reinventar os instrumentos desta ao, no mais protestando contra os constrangimentos, mas
pela via de sua superao concreta (Clot, 2001: 9).
Buscamos, em nossa prtica, no ficarmos refns de contribuies que, mesmo tendo
algum potencial de interveno, esto referidas a uma concepo de homem e de subjetividade
que valoriza a noo de indivduo, indivduo esse regido pela racionalidade, em busca de sua
prpria identidade, e movido por uma angstia original da qual no pode se desembaraar.
Tambm no podemos permanecer encarcerados em prticas patologizantes, que igualmente
tomam o que coletivo como se fossem questes individuais, das quais cada trabalhador deve
dar conta por seus prprios meios. At mesmo a necessria identificao dos constrangimentos
sofridos pelos trabalhadores deve ser uma prtica levada a efeito com toda cautela, para que
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no se faa em detrimento das possibilidades de desenvolvimento de aes produtoras de
novos modos de fazer e existir nas situaes de trabalho.
A escolha que fao da Clnica da Atividade como ferramenta terica sobretudo uma
escolha relacionada a uma concepo de homem como um ser em movimento, capaz de
imprimir algo de singular naquilo de que participa, e no qual tambm se produz, capaz de
intervir em sua prpria histria; e uma concepo de trabalho como um processo coletivo e
singular, de criao e recriao da histria de um ofcio; e da atividade de trabalho como
processo de produo no s de coisas ou servios, mas tambm de subjetividades.
A Clnica da Atividade e seus dispositivos de desenvolvimento dos ofcios
A Clnica da Atividade surgiu como uma linha da psicologia do trabalho, na dcada de
90, na Frana, com uma perspectiva histrico-psicolgica que assume sua filiao escola
russa fundada por L. Vygotski (Clot, 1999: 3). Seu principal autor, Yves Clot, seguiu seus
estudos de doutorado em Aix-en-Provence, orientado por Yves Schwartz, dentro dos conceitos
da Ergologia e da Filosofia do Trabalho. Posteriormente, ingressou como docente no Centre
National des Arts et Mtiers (CNAM) de Paris, passando a compor a equipe do Laboratrio de
Psicologia do Trabalho, dirigido por Dejours, onde formou um novo grupo de pesquisa.
Podemos encontrar uma apresentao bastante completa do trabalho atual de Clot no livro La
fonction psychologique du travail, publicado em Paris, em 1999. Segundo o ponto de vista
apresentado neste livro, a atividade de trabalho favorece a insero social, oferece ao
trabalhador a possibilidade de descolar-se de si e dirigir-se ao outro, bem como seu objeto, e
de assim desenvolver-se como ser humano. A atividade de trabalho est referida a experincias
e memrias coletivas que conformam um gnero profissional, renovado por uma permanente
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atividade,buscando exerc-la como expresso de sua singularidade (Clot & Litim, 2001). O
trabalhador sempre acrescenta algo de seu, singular e coletivamente, ao trabalho realizado.
Na atividade realizada est sempre presente um conflito. Para que um caminho seja
tomado, um gesto seja feito, outros modos de fazer foram deixados de lado, outras intenes
foram menos fortes. A incluso das preocupaes na anlise das ocupaes d oportunidade
ao pesquisador de estudar como se do as relaes entre a atividade realizada e os processos de
subjetivao que so parte integrante da atividade. A escolha da Clnica da Atividade como
uma das principais referncias para meu percurso atual se deve, em grande parte, ao destaque
dado este confronto em que o realizado produzido.
Reconhecendo a necessidade, j apontada por Oddone, do desenvolvimento de
dispositivos que permitam conhecer a atividade de trabalho definida como constante devir, a
Clnica da Atividade prope dois mtodos: uma reformulao das instrues ao ssia, antes
apresentada por I. Oddone (Clot, 1995), e a autoconfrontao cruzada (Clot, 1999). Estes
mtodos esto fundados em alguns pressupostos: o conhecimento que se faz possvel no curso
das transformaes, sempre como um conhecimento provisrio; a pesquisa como interveno;
a relao transversal entre sujeito singular e sujeito coletivo, sem dicotomias interno
(individual, subjetivo) e externo (social); o conflito e a controvrsia como motores da
produo de singularidades e como constitutivos da atividade de trabalho. A Clnica da
Atividade define como objetivo a produo de novas subjetividades, sem distanciar
pensamento de ao: pensar diferentemente j agir de modo inovador.
Para os autores da Clnica da Atividade, o trabalhador, por mais dominado que seja,
guarda sempre algo de sua capacidade de ao. Assim, as intervenes propostas buscam mais
do que conhecer, analisar ou denunciar as formas de dominao e sofrimento existentes,
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buscam uma aliana, com as possibilidades que os trabalhadores tm de criar e recriar suas
prprias relaes com o mundo.
Relato de uma experincia
A partir de minha experincia com profissionais de hospital, venho trabalhando num
outro mtodo, o mtodo de anlise coletiva de acidentes de trabalho (ACAT). Este dispositivo
de anlise foi construdo a partir de uma experincia de atuao e superviso de estagirios de
psicologia na Comisso de Sade do Trabalhador do HSE e constitui-se num meio de
formao permanente para os profissionais de sade, assim como para os analistas do trabalho
em sade, sejam eles estagirios ou profissionais j habilitados.
Nos hospitais pblicos do Brasil, no temos uma tradio de participao, e sim de
centralizao de decises; a representao sindical frgil e no substituda ou
complementada por outras formas de organizao poltica. No h a tradio do uso, na gesto
do trabalho, de recursos da ergonomia. H, nos hospitais, uma descrena acentuada na
possibilidade que os coletivos de trabalho possam ter de influenciar a organizao de suas
prprias atividades, observando-se um quadro predominantemente defensivo frente
organizao do trabalho.
Buscando recursos para ultrapassar as dificuldades impostas por essa realidade, ouvi
depoimentos de que os projetos formativos que obtm adeso so aqueles que apresentam um
problema claro e bem definido a ser enfrentado, com perspectivas imediatas de produo de
solues prticas; j as propostas de reflexo terica, por exemplo, se chocam com as barreiras
do cansao e da descrena. A partir da a anlise e a preveno dos acidentes de trabalho com
prfuro-cortantes e exposio fluidos biolgicos pareceu se configurar num ponto de partida
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adequado para a criao e a instalao de dispositivos que poderiam produzir tanto resultados
relacionados reduo da freqncia e gravidade dos acidentes, como um desenvolvimento na
relao dos profissionais do hospital com seu trabalho.
O programa de controle e preveno de acidentes do HSE, campo emprico em que
produz-se a ACAT, surgiu como proposta em 1996, num seminrio de sade do trabalhador.
Constava de: treinamentos em biossegurana, atravs de cursos e de superviso em servio;
atendimento mdico aos trabalhadores acidentados, para avaliao de risco de contaminao e
administrao de profilaxia adequada; notificao dos acidentes de trabalho. A partir de 1997,
os dados referentes aos acidentes notificados passaram a ser registrados. Em 1998 foram,
ento, iniciadas avaliaes qualitativas dos acidentes notificados, atravs de entrevistas com os
trabalhadores acidentados. Observamos que os depoimentos dos trabalhadores acidentados,
entrevistados logo aps a ocorrncia dos acidentes, conduziam a concluses dentre as quais
destacamos as que se seguem: em primeiro lugar, embora os trabalhadores, na sua maioria,
tivessem conhecimento das normas de segurana para o trabalho em hospital (CDC, 1998),
este conhecimento no era suficiente para garantir seu seguimento; em segundo lugar, diversos
acidentes se davam numa rede de eventos e conexes que inclua trabalhadores e objetos de
inseres diversas, sendo impossvel analis-los limitando-se ao setor onde ocorreu o acidente,
ao profissional acidentado ou uma nica categoria profissional; terceiro, os trabalhadores, em
especial os de enfermagem, citavam como fator importante na tomada de atitudes, que sabiam
ser de risco, o hbito bem aprendido na poca de sua formao como enfermeiro (ou
auxiliar); e, por ltimo, os trabalhadores afirmavam que o compromisso com o doente se
sobrepunha preocupao com sua prpria segurana. O hbito era uma explicao
freqente para o ato de recapear uma agulha j utilizada, procedimento que causou
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aproximadamente 20 % dos acidentes-ano deste tipo registrados nos anos de 1997 e 1998. Em
seguida alegao do hbito bem fixado, o profissional completava: eu tenho medo de ferir
algum, andando com uma agulha desencapada pela enfermaria; ou ento: eu estava
preocupado em atender rapidamente o paciente, e no prestei bastante ateno ao que fazia, a
pronto, fiz do jeito que aprendi h muito tempo: encapei a agulha.
A estratgia de biossegurana em vigncia nos hospitais, as chamadas precaues
universais, foram desenvolvidas pelo CDC em 1985 (CDC, 1998), passando ento a fazer
parte da formao bsica do pessoal de sade. As aes de treinamento desenvolvidas no
hospital em que desenvolvemos nosso trabalho foram implantadas pela CST em 1996. No
entanto, ainda hoje se observa o no seguimento dessas normas, bem como a recorrncia de
aes anteriormente preconizadas como a de re-encapar agulhas - caracterizando-se a uma
cristalizao de gestos que dificulta o surgimento de novas normatizaes, de uma recriao
que seria sinalizadora da vitalidade do gnero profissional.
Essa experincia, bem como os resultados encontrados em outras pesquisas leva a
afirmar que a atividade de trabalho deve ser analisada levando-se em conta no apenas aquilo
que feito, mas tambm os conflitos vividos pelo trabalhador na sua realizao e os recursos
subjetivos de que lana mo para chegar a uma soluo. No estudo mencionado foi constatado
um conflito entre as prescries tcnicas, relativas ao seguimento das normas de
biossegurana, e um sentido atribudo ao trabalho, o de cuidar do outro antes que cuidar de si
prprio. Observamos tambm que, no caminho entre o trabalho prescrito, tecnicamente
correto, e a atividade realizada, se interpe o que o profissional denomina o hbito: o
trabalhador age de acordo com algo anteriormente aprendido, automatizado, automatizao
esta que economiza o planejamento dos atos futuros.
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Colocou-se um objetivo: construir um mtodo de anlise dos acidentes de trabalho
adequado ao ambiente hospitalar, e, sobretudo, que fizesse fluir o saber da experincia na
inveno de novos modos de fazer. Este mtodo deveria interferir positivamente na recriao
de contedos cognitivos, reconhecendo conflitos que caracterizam a prestao de cuidados aos
doentes, e renovando os recursos subjetivos de que o trabalhador dispe para recriar a cada dia
sua prtica. Assim, recriariamos tambm a prtica tradicional de analista do trabalho: o
especialista sai definitivamente do lugar daquele que aconselha para o daquele que
compartilha caminhos e solues.
Tomamos a ampliao do poder de ao do trabalhador como principal objetivo do
mtodo. Esta ampliao do poder de ao exige a produo de novas subjetividades, a
produo de sujeitos capazes de produzir formas de enfrentar novas e velhas situaes,
confrontando-se com sua prpria experincia, bem como com a de outros. Nesta perspectiva, o
principal observador da atividade de trabalho deve ser o prprio trabalhador, e no um
especialista em anlise do trabalho. O especialista deve se oferecer como um apoio ao
deslocamento do trabalhador para o lugar de observador de sua prpria atividade.
Na construo da anlise do acidente, retroagimos no tempo para conhecer as mltiplas
situaes encadeadas que resultaram no evento em foco. Nossa maior ateno est na tarefa de
posicionar o trabalhador e seu grupo como observadores de seu prprio trabalho. Nesta
situao, a experincia construda dever servir de instrumento para a renovao do modo de
operar objetivo e subjetivo; o gnero profissional em questo pode ser renovado, ampliando-se
a capacidade de ao dos trabalhadores, inclusive no que diz respeito preveno dos
acidentes.
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A primeira etapa da ACAT uma encenao do acidente, que permita atualizar a
memria do acidente, mas tambm a memria das regras e recursos que orientam o
procedimento em que ocorreu o acidente. Esto igualmente colocadas as regras tcnicas, as
regras ticas e as regras de segurana entre estas pode haver conflitos.
Aqui se d o primeiro momento de observao do trabalho pelo prprio trabalhador,
que nessa atividade toma como interlocutor a si mesmo, com sua memria e conhecimentos,
mas tambm ao analista do trabalho, e aos pares que se agregarem tarefa, real ou
virtualmente. O analista e os pares funcionam como elementos propiciadores de um
afastamento necessrio reflexo e construo de novas formas de se relacionar com o
trabalho. H, nessa composio, o confronto de diversas experincias e conhecimentos. O fato
de que o analista no seja algum do mesmo ofcio propicia um estranhamento do que,
somente entre pares, poderia ser tomado como bvio, prescindindo de explicitao. Falar a
quem participa do mesmo gnero profissional produz um outro discurso, diferenciado do falar
a um pesquisador ou do falar a um profissional de Sade do Trabalhador, que desconhecem,
por definio, os detalhes da atividade do acidentado.
A segunda etapa a construo de um diagrama reticular, um desenho esquemtico das
diversas linhas e cruzamentos que culminam no acidente. Esse diagrama dever ser construdo
coletivamente, estando sua execuo atribuda pessoa do analista.
O papel do analista delicado. O analista algum que, por definio, no conhece em
profundidade a atividade em anlise. Ele deve ser cuidadoso em suas intervenes, para no
introduzir palavras e imagens que so suas, e no prprias da atividade em anlise.
A situao criada, de descrever a ao para o analista e, eventualmente, para seu(s)
colega(s), e ver desenhado no papel o entrecruzamento de eventos que constrem uma
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atividade que poderia parecer simples, produz um efeito de distanciamento de si mesmo,
permitindo conhecer seu trabalho ao mesmo tempo em que conhece e recria seu modo singular
de agir.
Um novo encontro pe em discusso as elaboraes pessoais que foram suscitadas e,
quando for indicado, define providncias imediatas a tomar. Pode-se ento traar uma parceria
no acompanhamento das providncias. Pode-se tambm analisar os movimentos realizados
durante o dilogo construdo nas diversas etapas: quais os pontos de vista e debates iniciais?
Quais as consideraes finais? Os momentos de reflexo pessoal e coletiva sobre o diagrama
so de grande importncia. nestes momentos que se d uma elaborao importante e um
novo discurso se constri, possibilitando novas estilizaes da atividade profissional.
Periodicamente, os resultados das anlises feitas caso a caso so postos em discusso
em grupos convocados especialmente para este fim.
Tomando as formulaes de Gasto de Souza Campos como referncia (2000),
dizemos que, nesta anlise coletiva, produz-se uma prtica de co-gesto, que tem mltiplos
objetivos: alm da produo de aes voltadas para a preveno de acidentes, temos a criao
de um dispositivo um espao coletivo - com funo de formao profissional e de
promoo da sade. Temos a a recriao de modos de fazer, bem como a produo de outros
modos de subjetivao.
Neste processo de anlise, os horizontes da atividade se deslocam com os sujeitos, na
multiplicidade dos gneros que se cruzam: o gnero da atividade comum; o gnero da anlise
de acidentes; e o gnero cientfico que trazido pelos pesquisadores. Ao ser atravessada por
outros gneros, a atividade se descola do gnero onde ela se realiza habitualmente, tornando-o
visvel (Clot, 2000: 31). No mtodo proposto h uma anlise coletiva da atividade. O
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pesquisador e o(s) colega(s) de trabalho no tm as mesmas questes, as mesmas certezas, as
mesmas dvidas; so diferentes do protagonista e so tambm diferentes entre si. Tais
diferenas so introduzidas, seja de forma explcita, seja pelos silncios, pelos momentos de
impacincia, ou pela voz mais animada a partir de um determinado ponto. Procurando atingir o
outro, explicar-lhe seu ponto de vista, o seu trabalho cotidiano, o trabalhador acaba por
descobrir algo novo em si mesmo, sem necessariamente ter procurado.
Este dispositivo foi apresentado aqui como um exemplo, uma ilustrao. Outros sero
criados, na construo sempre inacabada de nosso prprio gnero profissional, desse ofcio
que queremos vivo, mutante: a interveno e a construo do conhecimento em sade do
trabalhador.
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