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Psicodramatizando pdf

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  • sicodramatizando a construo da cidadania

    Sissi Malta Neves Psicloga, Psicodramatista, Coordenadora da

    Educao Social de Rua da Fundao de Educao Social e Comunitria da Prefeitura

    Municipal de Porto Alegre-RS

    E ste artigo aborda aspectos dasocializao de crianas eadolescentes de classes populares,em situao de risco, que

    freqentam um Centro de Comunidade emPorto Alegre-RS. Tais aspectos foramtrabalhados em uma proposta deinterveno psicossocial por meio deOficinas de Psicodrama e analisados no quediz respeito aos papis sociais relativos rua, famlia, escola, religio, classesocial, ao gnero, raa, e ao Centro deComunidade. Esta proposta pretendeuconstruir a noo de cidadania nas relaesde meninos e meninas, atravs doreconhecimento de si mesmo e do outro.

    recem conceber a existncia de crianas e ado-lescentes pobres nas ruas, enquanto abando-nados, rfos ou infratores, como uma dis-funo social que devia ser corrigida a partir do seu confinamento (Volpi, 1994).

    Esse autor demonstra que at o final da dcada de 70 coexistiam no Brasil duas vises e prticas opostas de trabalho com jovens mar-ginalizados. Uma delas, de natureza assisten-cialista e carter repressivo, com a conseqen-

    te institucionalizao, retirava a criana do seu meio, no possibilitando qualquer parti-cipao popular. O segundo enfoque resul-tava do ressurgimento dos movimentos po-pulares em direo s defesas dos direitos destes jovens.

    Na dcada de 80, ressalta Volpi (1994), diferentes grupos de tcnicos, educadores e agentes sociais, aps discutirem alternativas, concluram que o caminho a seguir era a rua,

    O tema focalizado situa-se no mbito deuma das problemticas sociais que se tornam mais agudas, a cada dia, na realidade brasilei-ra. Nela esto os denominados jovens em si-tuao de risco, crianas e adolescentes per-tencentes a determinados segmentos das clas-ses populares, cujas caractersticas de vida -trabalho, profissionalizao, sade, habitao, escolarizao, lazer - colocam-nos entre asfronteiras da legalidade e da ilegalidade, em posio de dependncia em face das institui-es de amparo assistencial e de interveno legal (Adorno, apud Rizzini, 1993).

    A condio atual da infncia mostra que vivemos em um territrio do paradoxo, onde graves ocorrncias de violao de direitos hu-manos, tais como casos de extermnio, convi-vem com a adoo da proteo integral pre-vista pela nossa legislao, o Estatuto da Cri-ana e do Adolescente (ECA, 1990).

    Muitas polticas pblicas destinadas in-fncia e juventude foram desenvolvidas e pa-

  • como tentativa de conhecer esse mundo to-talmente diferente pertencente aos meninos e s meninas para encontr-los no campo do seu domnio com seus cdigos e estratgias de sobrevivncia. Desenvolve-se, ento, a Educao Social de Rua, embasada na Peda-gogia do Oprimido e nas discusses de uma educao histrico-crtica.

    Ocorre grande movimentao de entida-des para alterar o panorama legal, obtendo a insero na Constituio Federal, no Artigo 227, baseado na Doutrina de Proteo Inte-gral a todas as crianas e adolescentes. O C-digo de Menores derrubado e repudia-se o termo menor, substituindo-o por uma nova concepo de infncia em que as crianas e os adolescentes so cidados, sujeitos de di-reitos, considerados como pessoas em desen-volvimento e tratados com prioridade abso-luta atravs do Estatuto da Criana e do Ado-lescente.

    Tornando a noo de participao popu-lar luz do que seria a construo da cidada-nia, Faleiros (1986) aponta o conceito de ci-dado como aquele indivduo que tem seus direitos reconhecidos, mas tem igualmente a possibilidade de participar sobre a definio desses direitos. No entanto, o desrespeito sis-temtico aos direitos humanos, diante de nos-sa realidade social, faz com que a cidadania brasileira no exista de fato, como lembra Di menstein (1993), e seja apenas uma cidada-nia de papel.

    Para o autor citado, a circunstncia de vida da infncia um fiel espelho de nosso estgio de desenvolvimento econmico, pol-tico e social, existindo uma rede que interliga as problemticas do assassinato de crianas, da violncia nas ruas, da crise no ensino su-perior e no mercado de trabalho.

    Da instituio rua existe um limite mui-to tnue que se estabelece no cotidiano de me-ninos e meninas de determinados setores das classes populares. Poder haver uma posio de passividade da criana em relao ao assis-tencialismo da instituio ou de inconformis-mo e fuga para a rua, outro universo no me-nos contraditrio e opressor.

    Este quadro social justifica a busca do en-tendimento dessas relaes entre os mundos adulto e infantil, nas quais se perpetua a in-conscincia do processo dialtico presente no fenmeno do abandono. Este no somente o abandono do Estado da sua responsabilida-de de assegurar a cidadania dos seus mem-bros, mas o abandono da histria cultural de uma nao. Somente abandona seu passado quem no percebe que sua histria sua cons-cincia.

    Surge, portanto, a necessidade de inter-venes junto a esses jovens em situao de risco, viabilizando procedimentos de atuao que possibilitem a legitimao de suas cida-danias.

    O Projeto Jovem Cidado vem desenvol-vendo-se nos Centros de Comunidade coor-denados pela Fundao de Educao Social e Comunitria (FESC) da Prefeitura Muni-cipal, em Porto Alegre, desde agosto de

    1993, com base no ECA e no Conselho Municipal dos Direitos da Criana e do Ado-lescente. Ele se caracteriza por ser um proje-to poltico-pedaggico que considera os in-divduos em sua totalidade, atravs das rela-es com a famlia, a comunidade, a escola, com grupos de pertencimento, com a cultu-ra, o trabalho, a espiritualidade e com o con-junto de instituies pblicas (FESC, 1993).

    Seu objetivo institucional o de manter e ampliar o atendimento populao de bai-xa renda, nas regies perifricas da cidade. Com o Projeto Girassol, incluso no Projeto mais abrangente que o do Jovem Cidado, consolida-se a prioridade para o atendimen-

    to a crianas e adolescentes (FESC, 1993). Estes, quando envolvidos em situao de furto, drogadio ou violncia, so encami-nhados pelo Conselho Tutelar da regio aos Centros de Comunidade que passam a atuar como retaguarda.

    A pesquisa que deu origem a este artigo problematiza aspectos da socializao de ex-cludos, como processo de aquisio de valo-res, crenas e papis sociais em um contexto que no lhes assegura proteo integridade fsica e construo de um projeto de vida. De-fine como seu objeto de estudo uma propos-ta de interveno psicossocial por meio de Ofi-cinas de Psicodrama.

    A metodologia psicolgica empregada co-loca nfase na conscientizao dos papis so-ciais aprendidos pelos sujeitos. Visa, deste modo, a um processo de transformao soci-al possvel ao facilitar uma troca de posies dos agentes sociais. Aquele que, antes, passi-va e inconscientemente colocado como repro-dutor de papis demarcados pelo sistema vi-gente, encontraria um lugar seu, o seu estar

    no mundo consciente e ativo, forma singu-lar de modificao deste cotidiano.

    As Oficinas de Psicodrama objetivavam explorar o desenvolvimento da rede vincu-lar de seus participantes, atravs do mapea-mento das relaes afetivas estabelecidas por eles dentro e fora do contexto grupal. Vri-as tcnicas de trabalho foram propostas, nas quais se avaliou a percepo do eu e o que seria a noo de identidade, a percepo do tu, ou como visto o outro, e a percepo do ns, como possibilidade de se relacionar com vrios tus, a partir da circularizao dos vnculos.

    O objetivo das Oficinas de Psicodrama foi a construo de uma auto-estima mais positiva das crianas e adolescen-tes, servindo como um novo espelho para que pudessem refletir-se em um tu mais continente. A rede sociomtri ca investigada de cada participante fa-voreceu esse resgate da histria indivi-dual, ao mesmo tempo que teceu uma rede vincular cultural perante as iden-tificaes processadas entre os mem-bros do grupo.

    A proposta de interveno psicos-social pretendia constituir-se numa re matriz de identidade para esses meni-nos e essas meninas, ou seja, a vivncia de. experincias que possibilitassem a impresso de marcas mais positivas. A partir da conscientizao do conjunto de papis que desempenhavam psico-dramtico ou socialmente, na fantasia ou na realidade do contexto grupal, eles poderiam ter a oportunidade terapu-tica de tomarem uma nova posio.

    Como os grupos das Oficinas eram abertos, possuindo nmero varivel de participantes espordicos, ou at mes-mo que as freqentaram unia nica vez, devido ao fluxo constante de usurios do Centro de Comunidade, a proposta de trabalho se baseou em atos terapu-

    ticos. Os atos teraputicos visavam, naquela

    Oficina especfica, promover a maior inte-grao do grupo, alm de resgatar a lingua-gem espontnea e criativa dos participantes, utilizando diversas tcnicas para facilitar es-tas expresses.

    A referida proposta de abordagem psicos-social no tinha um perfil semelhante a um grupo teraputico formal, com critrios de se-leo dos componentes, conforme a dinmi-ca individual. Seu critrio de incluso basea-va-se apenas no desejo da criana ou do ado-lescente de pertencimento a um grupo e ao enquadramento em uma faixa etria adequa-da.

    O desconhecimento da histria de vida desses jovens, a exigncia por parte do Proje-to Girassol de acompanhamento psicolgico que no se caracterizasse como clnico, e a ur-gncia de atender a um grande nmero de fre-qentadores do Centro de Comunidade de-terminaram essa forma de abordagem psi-cossocial.

  • Todo o referencial metodolgico utiliza-do nas Oficinas visava a observar as etapas de uma sesso de Psicodrama: o aquecimento, a dramatizao e os comentrios.

    No aquecimento ocorria a preparao dos participantes para que diminussem o es-tado de tenso, criando-se um campo relaxa-do, facilitador da interao grupal, por meio de procedimentos de relaxamento, sensibili-zao, e de ateno na tarefa proposta.

    Na etapa da dramatizao, os sujeitos apresentaram suas criaes atravs de jogos dramticos, do desenho, da argila, de mario-netes, de brinquedos, da expresso corporal e dramtica, explicitando suas fantasias a par-tir de um cenrio compartilhado por todos.

    Na etapa dos comentrios, cada um rela-tou sobre o que havia criado, estabelecendo-se a matriz grupai pelo fortalecimento dos vn-culos. Neste momento foram utilizados o gra-vador e o videopsicodrama3 , dois recursos que auxiliaram o processo de conscientiza-o dos papis desempenhados no espao dramtico. Eles possibilitaram melhor inte-grao da linguagem verbal, da escuta e da linguagem gestual dos sujeitos, facilitando o desenvolvimento de uma auto-imagem mais positiva a partir da noo de um eu cria-dor, e o estabelecimento de relaes circula-res, experimentadas pelo Ns-grupo.

    Todas as atividades objetivavam explorar a noo do Eu, da auto-imagem, a constru-o da identidade do ser menino e menina, propiciando maior aproximao dos partici-pantes desde o reconhecimento do Tu, do ser "outro" como possibilidade vincular.

    Como eixo central de investigao se si-tua o tomo social. A avaliao do tomo so-cial ocorreu diante da criatividade dos parti-cipantes dos grupos, dos sentimentos desper-tados, das intromisses nos relatos e das suas manifestaes quanto a falar ou fazer deter-minada tarefa.

    As questes que nortearam a investiga-o focalizaram:

    -os papis sociais aprendidos e reprodu-zidos pelos sujeitos da pesquisa na sua vida cotidiana;

    -os papis sociais conscientizados por eles no contexto psicodramtico;

    -como se configura o tomo social destes sujeitos de pesquisa na sua vida cotidiana;

    -como eles conscientizam o seu tomo so-cial no contexto psicodramtico;

    -como recebem o trabalho psicodramti-co;

    -e como reagem aos procedimentos de co-leta de dados.

    A opo metodolgica desta pesquisa compreendeu o mtodo do Psicodrama (Mo-reno, 1978) e a Anlise Compreensiva de Base Fenomenolgica (Bernardes, 1989).

    A coleta de dados foi efetuada atravs de contatos grupais, durante as Oficinas de Psi-codrama realizadas no Centro de Comunida-de.

    Participaram das Oficinas antigos e no-vos integrantes do Centro de Comunidade. Muitos dos novos participantes vieram depois

    de terem sido abordados, nas ruas de algu-mas vilas prximas, pelos tcnicos do Proje-to Girassol. O propsito destas abordagens programadas era de divulgar o atendimento realizado pelo Projeto.

    De acordo com critrios explicitados por Moreno (1978), alguns sujeitos deste estudo se enquadram no contexto da insero dos grupos sociais, ponto crucial do processo de socializao, entre 7 a 9 anos. Outros se en-contram na fase da maturao da sexualida-de, entre os 13 a 15 anos, na qual vo sendo mudados os critrios anteriores das escolhas para ampliao do tomo social, e a sua rede sociomtrica passa a estruturar-se diferente-mente.

    Tendo escolhido o Psicodrama como m-todo para o desvelamento das relaes soci-ais, a trajetria percorrida demonstra que muitos vnculos das crianas e dos adolescen-tes se explicitaram com o prprio grupo de iguais, com as instituies a que pertencem ou com os determinantes do imaginrio soci-al, como condio de classe, de gnero, e de etnia, universo que se mostrou bastante com-plexo.

    Os papis sociais, que advm dos vncu-los estabelecidos nos diversos contextos ins-titucionais, tais como escola, famlia, Centro de Comunidade, possuem uma condio dia-ltica implcita, a relao entre o macro e o microssocial. A instituio se torna o elo a interligar o grupo de relaes interpessoais mais prximas com os valores e padres de conduta representantes de uma ordem social que devero ser introjetados e reproduzidos pelos seus membros.

    Deduz-se que a socializao est relacio-nada, sempre, a um espao, locus, e a um tem-po como entrecruzamento de papis histri-cos. Ela se inicia na Matriz de Identidade da criana, sua famlia, a partir do tomo social como configurao das relaes interpesso-ais de maior proximidade afetiva, e decorre de determinaes socioeconmicas e do fa-tor Tele como a capacidade de percepo do outro (Gonalves et al., 1988).

    O processo de socializao parece estar marcado por essas determinaes, conforme se evidencia a partir da anlise dos papis so-ciais apresentados pelas crianas e adolescen-

    tes deste estudo. Como atores sociais, eles demonstram que so determinados pela con-dio de classe social, de gnero, de etnia e que aprendem a ocupar os lugares socialmen-te possveis conforme o aprendizado da es-cola, da religio, da famlia e at mesmo do Centro de Comunidade.

    Foi constatado que os sujeitos desta pes-quisa no possuem um tomo social mais res-trito, tendo vnculos e papis pouco defini-dos. Observam-se tomos sociais com maior ou menor amplitude de acordo com as pecu-liaridades da rede sociomtrica de cada um, o que no evidencia, necessariamente, que por pertencerem a classes populares sejam menos favorecidos a nvel vincular, portanto, empo-brecidos afetivamente. Seu desfavorecimen to parece estar na possibilidade de tomar o seu papel, desempenh-lo ou cri-lo, dentro de uma estrutura socioeconmica que os di-ferencia das camadas mais favorecidas, ape-nas quanto ao acesso a determinadas condi-es de subsistncia, lazer, educao e con-cretizao de projetos de vida futuros.

    Neste estudo observou-se a ateno das crianas e adolescentes quanto as posses ma-teriais, condio de moradia e objetos perce-bidos como definidores da distino de clas-se social.

    Os papis de pai e me aparecem bem de-marcados a partir de territrios prprios para cada sexo.

    Tambm o modelo de famlia matrifocal parece estar presente na realidade destes jo-vens. O modelo matrifocal aquele que se organiza em torno da mulher quando no h um companheiro mais estvel (Gomes, 1992).

    Tanto as meninas como os meninos se co-locam como zeladores dos irmos menores, refletindo a necessidade do desempenho de funes no mbito familiar.

    As crianas e adolescentes constantemen-te se referem ao cotidiano escolar como mo-delo para construo de projetos de vida fu-tura.

    Observou-se nas Oficinas que os padres referentes ao gnero so reforados entre o grupo.

    Meninos e meninas demonstraram dife-renas significativas quanto ao seu autocon ceito. Tais diferenas vo ao encontro dos es

  • tereotipos sociais vigentes e aumentam com a idade, o que evidencia a influncia progres-siva que a socializao dos papis sexuais exer-ce sobre o autoconceito.

    O papel social relativo raa se expressa a partir dos comentrios das crianas e ado-lescentes no-negros em torno da desqualifi-cao dos colegas de raa negra, embora te-nham grande interesse pelas suas expresses de cultura como capoeira, pagode, dana e religio afro-brasileira. como se a incorpo-rao da cultura negra no impedisse a dis-criminao que sofrem.

    Os papis sociais relativos religio esto ligados noo de identidade e auto-estima desses jovens, alm de se manifestarem de for-mas diferentes diante do transcendente, con-forme a religio a que pertenam.

    A rua aparece como smbolo de liberda-de, para onde se foge, alm de ser lugar de conflito e representao do abandono.

    O Centro de Comunidade, como um es-pao fora, de periferia, vivido por esses usu-rios como sendo "deles", onde lhes so ofe-recidas muitas possibilidades, entre elas, o resgate de papis sociais mais positivos.

    O Centro de Comunidade como institui-o, atravs do Projeto Girassol, prope uma re-incluso das crianas e adolescentes que se encontravam em situao de rompimento com os vnculos comunitrios da famlia, do bairro ou do prprio Centro.

    Assim como a instituio assistencial, a fa-mlia e a escola contm em si os princpios normatizantes e disciplinadores, responsveis pela excluso destas crianas do convvio gru-pal. Como matriz cultural, necessitam de uma reestruturao, pois como agentes de sociali-zao demonstram no mais estarem conse-guindo ser suporte afetivo para seus membros.

    Ao estudar a realidade de meninos e me-ninas na rua, Forster (1992) estabelece corre-laes entre o uso de drogas ilcitas e a deses truturao de vnculos com a famlia e a esco-la, apresentando, como medidas para tir-los da rua, projetos de assistncia institucional que contenham atividades recreativas, edu-cativas e profissionalizantes.

    Essa soluo institucionalizante encontra um impasse com a chegada da maioridade des-ses jovens. A pergunta que se impe : em que lugares sociais seriam colocados esses adoles-centes, aos 18 anos, quando no recebem mais atendimento? Talvez se tornem os sucessores da criana carenciada culturalmente, da dca-da de 70, e da criana na rua dos anos 80 e 90 como o prximo alvo de ateno de pesquisas acadmicas. Contudo, esperemos!

    Estudos como o de Forster que no refle-tem sobre a vivncia anterior da criana at sua ida para a rua, quer pela desestruturao da rede sociomtrica na famlia, quer da es-cola ou mesmo da instituio assistencial, em geral no abordam a questo crucial do con-texto vincular grupal em sua prpria meto-dologia de pesquisa.

    A realidade das classes populares traz uma questo central referente a quais meto-dologias de ao seriam adequadas e como

    poderiam auxiliar na construo de um pro-jeto de vida junto aos jovens desta camada da populao.

    Nosso cenrio social mostra, cada vez mais, a fragmentao das redes sociomtri cas que entrelaam o viver humano.

    O espao comunitrio, coletivo, passou a ser temido. H um alerta geral de que no se deva ocup-lo. A rua, como essa possibilida-de de ao conjunta, constitui territrio proi-bido. Conforme Santos e colegas (1981), a rua o palco do social, pois problematiza o con-tato com o outro ao evidenciar a questo da segurana e da socializao.

    O universo da rua contradiz, aparente-mente, a lgica da casa, da famlia, da esco-la, das instituies em geral, embora repro-

    duza a dialtica dos papis sociais expressa nas contradies relativas ao gnero, raa, classe social ou mesmo relao entre o privado e o pblico.

    A rua, como espao possvel de socializa-o, est repleta de redes sociomtricas ininte-ligveis, ainda, guardando muitas significaes a serem desvendadas em prximos estudos.

    O convvio com o Centro de Comunida-de ou com a rua foi uma experincia que mos-trou a fragilidade como sensibilidade, e a for-a como resistncia ao que no era vivo, pre-sentes nessas crianas e adolescentes. Eles en-sinaram a transformar o caos em um instante de arte e a acreditar que a construo da cida-dania algo que se faz ao compartilhar um sonho coletivo tanto difcil quanto possvel.

    ADORNO, Srgio A Lei e a Cidadania. In: I. Rizzini A Criana no Brasil Hoje - Desafio para o Terceiro Milnio. Rio de Janeiro: Santa rsula, 1993.

    BERNARDES, N.G. Crianas oprimidas: Autonomia e submisso. Porto Alegre. UFRGS, 1989. Tese. (Doutorado em Cincias Humanas - Educao). Faculdade de Educao, Universida de Federal do Rio Grande do Sul, 1989. Brasil. Estatuto da Criana e do Adolescente. Lei 8069 de 13 de julho de 1990.

    DIMENSTEIN, G. O Cidado de papel. A infncia, a adolescncia e os direitos humanos no Brasil. So Paulo: tica, 1993.

    FALEIROS, V. O que Poltica Social. So Paulo: Brasiliense, 1986. FORSTER, L.M.K., Barros, HM T, Tannhauser, S.L e Tannhauser, M. Meninos na rua: Relao

    entre abuso de drogas e atividades ilcitas. Revista ABP-APAL, n. 14 (3), p. 115-120,1992. GOMES, H.S. Trabalhando com famlias. SoPaulo. CBIA( Centro Brasileiro da Infncia e Ado

    lescncia), IEE (Instituto de Estudos Especiais da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo). Cadernos de Ao, n. 1, maro, 1992.p. 1-40. GONALVES, C., Wolff, J.R., Almeida, W.C. Lies de Psicodrama. So Paulo: gora, 1988. MORENO, J.L. Psicodrama. Buenos Aires: Horm S.A.E., 1972.

    Psicodrama. So Paulo: Cultrix, 1978. Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Fundao de Educao Social e Comunitria. Projeto de Ampliao e Qualificao do Atendimento Crianas e Adolescentes nos Centros de Comunidade da FESC. agosto de 1993. p. 1 -6. (documento interno)

    SANTOS, C.N. e Vogel, A . Quando a rua vira casa: A apropriao de espaos de uso coletivo em um centro de bairro. So Paulo: IBAM/FINEP, 1981.

    VOLPI, M. As crianas e adolescentes do Brasil e a luta por seus direitos. Seminrio sobre meninos e meninas de rua. Unisinos, So Leopoldo, 1994.

    1As questes aqui expostas fazem parte de minha dissertao de Mestrado em Psi-cologia Social e da Personalidade intitula-da "Psicodramatizando a construo da ci-dadania: o ser criana e adolescente em um Centro de Comunidade", apresentada no Instituto de Psicologia da Pontifcia Uni-versidade Catlica do Rio Grande do Sul, em agosto de 1995.

    2Rede sociomtrica seria a interconexo de tomos sociais. Segundo Moreno (1972), "o tomo social o ncleo de to-dos os indivduos com quem uma pes-soa est relacionada sentimentalmente, ou que lhe esto vinculadas ao mesmo tempo. O tomo social de um indivduo diferentemente combinado e inter-relaci onado com outros tomos explica a so-ciedade" (p.62). "Enquanto certas partes desses tomos sociais parecem limitar

    se aos indivduos que participam deles, outras partes se relacionam com partes de outros tomos sociais e, estes ltimos, por sua vez, com outros" (p.211). 30 videopsicodrama consiste em uma ex-perincia que associa o videocassete ao psicodrama. um recurso que facilita a conscientizao dos papis desempe-nhados durante a vivncia de psicodra-ma, pois possibilita que, aps a filmagem da sesso, enquanto a mesma exibi-da, se faam os comentrios sobre as ca-ractersticas das relaes interpessoais existentes no grupo. O gravador regis-trava as Oficinas e, ao final da atividade, possibilitava escutarmos trechos do re-gistro de cada relato. Tais trechos per-mitiam que os participantes reconheces-sem episdios das fantasias anterior-mente narradas, mostrando que memo-rizaram aquele autor e a narrativa que lhes foi mais significativa.